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APONTAMENTOS DAS AULAS DE FILOSOFIA POLITICA
Ano lectivo 2009/2010
Apresentação do programa da unidade curricular:
O que é a Justiça? Como deve ser uma sociedade justa?
Há quem considere que o conceito de justiça é “essencialmente contestado” (W. B. Gallie).
Diz este autor que “conceitos essencialmente contestados são conceitos cujo uso apropriado implica
inevitavelmente disputas intermináveis por parte daqueles que os usam.” A contestação é inerente
ao próprio conceito.
Rawls propõe uma definição mínima do conceito de justiça: segundo o conceito de justiça,
“as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição de direitos e
deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem o equilíbrio adequado entre as diversas
pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em sociedade.”
As ideias contidas nesta afirmação são muito formais:
1.A justiça implica que não haja discriminações arbitrárias; as instituições não podem discriminar os
indivíduos arbitrariamente; a justiça é incompatível com o arbítrio. Os indivíduos devem ter os
mesmos direitos e deveres.
2.A justiça implica um estabelecimento de um equilíbrio adequado ente as diversas pretensões. Os
indivíduos têm as suas reivindicações, procuram ter sempre mais direitos. Quem tem o direito a quê
e quem tem o dever de quê. É a isto que a justiça deve responder. Problema: qual o equilíbrio
adequado? Que direitos e deveres os indivíduos devem ter e quais os que decorrem das instituições?
Conceito de Justiça é diferente das concepções de justiça. O primeiro é uma ideia formal; as
concepções têm que especificar em que consiste a justiça. Estas concepções não são convergentes.
O conceito de justiça vai projectar-se em diferentes concepções, que nos irão dizer os princípios de
uma constituição justa; vão-nos orientar acerca da legitimidade ou não-legitimidade das pretensões
sociais.
Concepções:
1. Concepção neocontratualista e liberal-igualitária de John Rawls;
2. A visão utilitarista;
3. A concepção libertarista (Nozick);
4. Concepção comunitarista (Walzer)
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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As concepções 1, 3 e 4 são concepções de justiça. A 2 não constitui propriamente uma
concepção de justiça; a justiça das instituições não existe. Importa que as instituições sejam úteis,
na medida em que criem felicidade/ bem-estar. Na visão utilitarista não há direitos e deveres
absolutos. Por exemplo, o nosso direito penal é utilitarista, pois concebemos as penas numa lógica
retributiva (Lei de Talião). As penas têm a função de impedir que haja mais crime. Alguns
pensadores como J. Stwart Mill, J. Bentham consideram a utilidade mais importante que a justiça.
A primeira concepção considera a distribuição de liberdades iguais, mas a desigualdade
económica deve ser balizada pela igualdade de oportunidades e de distribuição de riqueza (Contrato
Social). Favorável à existência do Estado Social.
A terceira concepção é mais individualista; cada um de nós é proprietário de si mesmo.
Defende o Estado Mínimo. Visão radical da acção do indivíduo e crítica quanto à acção do Estado
sobre o indivíduo. Favorável às liberdades básicas.
A quarta concepção é anti-individualista. Aquilo que é justo tem que ser definido por cada
sociedade em concreto.
Esta será a primeira parte do nosso programa.
A segunda parte versará os seguintes aspectos:
1.Pobreza no mundo;
2.Migrações internacionais. Os imigrantes têm direito a imigrar? Os Estados deverão deixar entrar?
3.Multiculturalidade (ex.: Espanha, Bélgica, Grã-Bretanha, EUA). Há várias multiculturidades.
A CONCEPÇÃO NEOCONTRATUALISTA E LIBERAL-IGUALITÁRIA DA
JUSTIÇA (JOHN RAWLS) – v. Manual cap.II)
Rawls quer especificar o equilíbrio adequado dos benefícios sociais. O conceito de justiça
dele trata do modo correcto da distribuição dos “bens sociais primários” por parte das instituições.
Bens sociais materiais ou imateriais.
Lista dos Bens:
1 – Liberdades
2 – Oportunidades e poderes
3 – Rendimento e riqueza
4 – bases sociais do respeito próprio: bem social primário mais específico; possibilidade de
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cada um viver o seu projecto de vida e ser reconhecido pelos outros.
Bens > bens fundamentais para todos os indivíduos
Sociais > são sociais porque não são naturais; cuja distribuição depende das instituições
sociais. O acesso às liberdades depende da ordem legal e não da natureza, assim como também das
oportunidades, poderes e outros bens.
Primários > não são secundários; são instrumentais para alcançar outros bens. Se os
indivíduos não os tivessem não poderiam desenvolver o seu projecto de vida. De uma forma mais
directa deve atingir os primeiros bens. O quarto é derivado dos outros.
A justiça tem que nos dizer como se distribuem os bens sociais primários. Há uma espécie
de um pressuposto igualitário (igualdade básica > a sociedade não está dividida em senhores e
escravos – ideais da revolução francesa de 1789, a independência americana de 1776); estes bens
deveriam ser distribuídos igualmente. Antes das revoluções era o período do Antigo Regime onde
havia desigualdade básica.
Mas, um destes bens pode ser distribuído de forma desigual, caso esta distribuição desigual
redunde em benefício de todos (está a pensar-se na 3ª concepção). A desigualdade económica e
social pode ser benéfica para toda a sociedade, pois cria um sistema de incentivos para que
determinados indivíduos façam maior esforço para aceder a carreiras que precisam de formação
muito longa ou para introduzir inovação empresarial. Este sistema de incentivos não existiria se
fossemos todos iguais a nível económico e social: uma igualdade absoluta neutraliza um sistema de
incentivos.
PRIMEIRA FORMULAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA
1º Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que
seja compatível com um sistema de liberdades idênticas para as outras. > Princípio das liberdades.
2º As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que,
simultaneamente:
a) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos > Princípio de
distribuição;
b) decorram de posições e funções às quais todos têm acesso > Princípio de igualdade de
oportunidades.
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Rawls considera que o 1º princípio não é muito complicado. Neste princípio, há uma
igualdade na distribuição das liberdades; não se vê benefício na distribuição desigual desses bens.
Sistema de liberdades = direitos de primeira geração; direitos civis e políticos. As liberdades
têm que ser compatibilizadas: 1º) para cada indivíduo; 2º) ao ser distribuída igualmente a outros
indivíduos. Os mesmos indivíduos têm os mesmos direitos civis e políticos. Notemos que o
constitucionalismo moderno rege-se por este conjunto de direitos e liberdades.
Que tipo de liberdades necessita um indivíduo numa sociedade organizada? Precisa de
liberdades que lhe permitam desenvolver o seu projecto de vida. Todas as liberdades protegem
certas possibilidades (esta via é mais dedutiva).
O 2º princípio desdobra-se em dois. Admite-se a desigualdade se estiver associada a funções
às quais todos tenham acesso; se ela for em benefício de todos. Na alínea b) diz-se: “Posições e
funções às quais todos têm acesso (igualdade de oportunidades). Temos duas interpretações:
1.“Carreiras abertas às competências”
2.Igualdade de oportunidades em sentido equitativo
1)Não discriminação legal às diferentes posições e funções sociais, que estão abertas em função do
esforço/mérito das sociedades (esta ideia nasceu com a revolução francesa e outras revoluções).
Concepção formal.
2) É necessário que todos os indivíduos tenham acesso, pelo menos, à educação e formação
profissional independentemente das origens do seu nascimento. Não há determinismo. Há o
pressuposto que a origem tenha alguma influência. Concepção substantiva. Esta é mais exigente e
requer mais acção por parte dos estados.
Analisemos agora a alínea a): “desigualdades em benefício de todos”.
1) “Princípio de eficiência” (Princípio de
Pareto)
2) “Princípio da Diferença”
1.Existe um ganho de eficiência sempre que seja possível melhorar a situação de alguém
sem piorar a situação de ninguém (os economistas denominam o “Óptimo de Pareto”).
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Segundo este conceito, nenhum ganho de eficiência é possível. Melhorando a vida de
alguém há sempre outro que fica prejudicado.
Há um benefício para todos sempre que alguém fica melhor. Esse benefício alcança-se
através do crescimento económico.
Crítica de Rawls: este princípio não atribui nenhum parâmetro distributivo.
1.Princípio criado por Rawls. Deve-se maximizar a posição dos que, à partida, estão pior. As
desigualdades gerem o maior benefício para os menos beneficiados à partida (é distributivo).
2.
“Em benefício de todos”
“Funções às quais todos têm
acesso”
Princípio de Eficiência Princípio da diferença
Igualdade vista como existência
de carreiras abertas às
competências de cada um
Sistema de liberdade natural (1) Aristocracia natural (3)
Igualdade vista como igualdade
equitativa de oportunidades
Igualdade em sentido liberal (2) Igualdade democrática (4)
1.Sociedade sem discriminação legal e na qual não se põe a funcionar a função distributiva do
Estado. Grandes disparidades ao nível da riqueza e do rendimento. Sociedades europeia e americana
(passagem do séc. XIX para o séc. XX). Adam Smith é o autor e defensor deste sistema. O tipo de
Estado aqui apresentado é um Estado Mínimo, isto é, garante a eficiência dos mercados mas não
tem intervenção.
2. Igualdade equitativa de oportunidades. Sociedade de igualdade de oportunidades.
Primeiro as oportunidades e depois a distribuição de rendimentos. Não existiria uma distribuição
equitativa da riqueza e rendimentos.
3. Não existe na realidade, é puramente teórico. Sociedade na qual existiria uma
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distribuição; os mais ricos contribuiriam para os mais pobres. Seguiria o princípio “noblesse oblige”
(caridade institucionalizada). Não haveria elevador social, não haveria igualdade de oportunidades.
As sociedades de hoje aproximar-se-iam desta concepção.
4. Sociedade na qual a igualdade de oportunidade é substantiva; pôr a função distributiva do
Estado a fim de melhorar quem está pior. Interpretação mais exigente do 2º princípio da justiça. É a
defendida por Rawls. Estado social. No pós II Guerra Mundial, muitos dos Estados aproximaram-se
desta concepção. Os países nórdicos estariam muito próximos desta concepção.
Para Rawls, a justiça deve centrar-se em determinados bens (materiais e imateriais)
essenciais primários. Tem que especificar a distribuição desses bens. Mas uma distribuição desigual
de um desses bens poderá ser benéfica para todos. Princípio da igualdade das oportunidades e o
princípio da distribuição e riqueza são os que balizam. O Índice de Gûni mede a desigualdade
social.
Qual das quatro é a preferível? Rawls prefere a “igualdade democrática”. Os indivíduos têm
pontos pontos de partida na vida diferentes: lotaria social/lotaria natural. Segundo a lotaria natural,
os indivíduos, ao nascer, são objecto de uma lotaria (ambiente favorecido ou desfavorecido).
Segundo a lotaria social, os indivíduos nascem com diferentes talentos e características naturais; ao
nascer são premiados.
Estes dois princípios são moralmente arbitrários, pois os indivíduos não são responsáveis
por eles; não fizeram nada antes de nascer para os ter. O Estado deve corrigir estes factores porque
são moralmente arbitrários. O princípio de igualdade equitativa de oportunidades corrige logo a
lotaria social. Mesmo os que nascem desfavorecidos podem ter acesso. Mas nem todos têm
apetência natural para as oportunidades > lotaria natural. Assim, adopta-se o princípio da diferença,
favorecendo os mais desfavorecidos. O sistema de liberdade natural não corrige nem uma nem
outra. A aristocracia natural corrige a lotaria natural e não a lotaria social; a igualdade liberal corrige
a social e não a natural; por isso, para Rawls estes princípios são contraditórios. O que é
moralmente justificado é a ideia de igualdade democrática.
1º princípio é igual ao outro.
2º) As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que
simultaneamente:
a) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados;
b) sejam a consequência do exercício do cargo e funções abertos a todos em circunstâncias
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de igualdade equitativa de oportunidades.
2ª Formulação da Concepção de Justiça
Regras de prioridade lexical (nenhum dos princípios seja sacrificado em nome dos outros)
1. A concepção de justiça totalitária é prioritária à maximização do bem estar social.
2. O 1º princípio de justiça é prioritário ao 2º. Não se deve aplicar o 2º contrariando as liberdades
consagradas no 1º (ex.: Ditadura da Esquerda).
3. A alínea b) do 2º princípio é prioritária à alínea a). A igualdade de oportunidades é algo que vale
em si mesma.
Os três princípios em ordem lexical correspondem aos princípios das revoluções do séc.
XVIII: Igualdade, Liberdade, Fraternidade.
Os princípios devem ser submetidos a um teste interpretativo: argumento da posição original
(para escolha dos dois princípios de justiça em ordem lexical).
Rawls inspira-se nas teorias do Contrato Social (J. Locke, J. J. Rousseau. I. Kant). Segundo
eles, a organização social é autorizada pelo conjunto dos indivíduos; a justificação das instituições
sociais têm que vir dos indivíduos que compõem a sociedade.
Posição original > situação mais adequada para a escolha dos princípios da justiça. Na
posição original estão os indivíduos nossos representantes.
Posição original
Partes (que são nossos representantes) (1)
Sob um “véu de ignorância” (véu espesso – as partes não tem conhecimentos das pessoas que
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representam); garantem a imparcialidade da escolha; as pessoas teriam interesses específicos.
(1) As Partes são inteiramente racionais, capazes de estabelecer objectivos e de encontrar os
meios mais adequados para esses fins > racionalidade instrumental. Elas são mutuamente
desinteressadas, querem maximizar os seus interesses mas não os interesses dos outros. Ao
introduzir-se o “véu de ignorância” é impedido às partes o conhecimento de aspectos específicos
das pessoas que representam. As Partes vão fazer uma escolha, mas teremos de dar-lhes uma lista de
alternativas.
Processo de escolha:
Teoria da escolha racional > qualquer indivíduo colocado numa situação de incerteza faz as
suas escolhas guiado por uma regra: Regra MAXIMIN. Maximiza o mínimo que se pode obter
(dinheiro, riqueza...). Poderia existir outras regras: MAXMAX, MINMAX; mas quando os
indivíduos estão numa situação de incerteza optam pela MAXMIN. As Partes são racionais; o “véu
de ignorância” gera uma situação de incerteza.
A regra MAXIMIN é acompanhada de três condições:
1. As Partes não têm conhecimento de probabilidades;
2. As Partes na Posição Original têm aversão ao risco (as Partes não são jogadoras, não arriscam):
3. As Partes querem excluir resultados verdadeiramente inaceitáveis (pertencer a uma sociedade
excluída.
Lista de alternativas:
a) princípio de justiça em ordem lexical
b) princípio de utilidade
c)Perfeccionismo > a sociedade deve organizar-se para aperfeiçoar certas virtudes humanas
d)...
As partes terão que nos dizer porque preferem esses princípios de justiça em relação a outras
alternativas.
Na posição original garante-se que a escolha é racional e imparcial. A regra MAXIMIN não
é opcional, é obrigatória.
Princípio de utilidade > maximizar o bem-estar. Nada em abstracto. Alguns utilitaristas
ligavam o bem-estar à felicidade, mas isto é algo subjectivo. Devemos criar utilidades positivas e
evitar as negativas.
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Os princípios de justiça têm um carácter deontológico, isto é, são os que fixam regras
absolutas. O princípio de utilidade tem um carácter teleológico, isto é, preocupado com os fins. O
princípio de utilidade tem por fim a maximização do bem-estar. Nos princípios deontológicos, o
justo é prioritário ao bem; nos teleológicos, o bem é prioritário ao justo. O princípio de utilidade
não estabelece garantias mínimas para as Partes; quando se maximiza o bem-estar agregado, uns
ficam a ganhar tudo e outros não. Por isso, as Partes irão escolher os dois princípios de justiça; estes
estabelecem os mínimos.
Comparação dos dois princípios e o de utilidade a partir da Regra MAXIMIN:
o princípio de utilidade não garante o mínimo
Comparação do 2º princípio da justiça (distribuição equitativa) e princípio de utilidade (não
estabelece mínimos para a distribuição das oportunidades e do rendimento e da riqueza.
As Partes consideram mais racional escolher os dois princípios em ordem lexical.
Argumentos de Rawls:
- Tensões geradas pelo compromisso
1) é melhor viver numa sociedade justa do que numa sociedade utilitarista. Quem vive em
sociedade vive comprometido com ela. Numa sociedade utilitarista não estão garantidos os direitos
de liberdades aos indivíduos e estes podem ser instrumentalizados. Há tensões psicológicas geradas
nos indivíduos pela sociedade utilitarista.
2) Uma sociedade justa é mais estável do que uma sociedade utilitarista. É mais fácil numa
sociedade justa as instituições apoiarem os indivíduos.
3) Numa sociedade justa é mais fácil gerar o respeito próprio do que numa sociedade utilitarista. Os
indivíduos geram respeito por si mesmos e também o respeito que lhes é devido pelos outros. O
reconhecimento entre todos gera respeito próprio entre eles.
Rawls chama aos seus princípios “Justiça como equidade” = 2 princípios da justiça em
ordem lexical. Eles são escolhidos numa posição equitativa; a Posição Original é equitativa. A
justiça deve ser aplicada às instituições sociais :
Estrutura Básica da Sociedade
conjunto das principais instituições sociais no modo como elas funcionam no seu todo de modo a
gerar direitos e deveres para os indivíduos
Nas instituições, o 1º elemento da estrutura básica é a Constituição, sobretudo o aspecto que
assegura as liberdades e as regras que especificam o processo político.
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O segundo elemento são as Leis referentes à Segurança Social, ao Sistema Educativo.
A estrutura básica condiciona os direitos e deveres ao longo da vida dos indivíduos. A justiça
serve para ajuizarmos sobre a estrutura básica.
Sequência de 4 etapas na aplicação da justiça às instituições:
1. Posição original
2. Convenção constitucional (definir os direitos e deveres dos cidadãos e a estrutura e funções do
poder político). Não é necessário um véu de ignorância tão espesso como no anterior. Os deputados
não têm conhecimento de pessoas concretas, mas da sociedade para a qual se elaboram as leis. Uma
constituição que coloque em prática o 1º princípio: conhecer as condições da sociedade para a qual
está a fazer a Constituição.
3. Assembleia legislativa (ideal). 2º Princípio > distribuição equitativa de oportunidades e de
riqueza. Uma sociedade justa é aquela que garante uma igualdade de oportunidades equitativa e
uma distribuição equitativa do rendimento e da riqueza. O véu de ignorância está parcialmente
levantado > conhecer a sociedade para a qual legislam.
4. Aplicação do sistema de regras a casos concretos. O véu de ignorância está totalmente
levantado. É neutro porque as regras já estão definidas anteriormente. Os tribunais e a
administração pública é que aplicam estas regras.
Primado do 1º princípio da justiça em relação ao 2º (primado da constituição). (V. “Uma
Teoria da Justiça”, Rawls, p. 221)
A estrutura básica não é apenas o sistema de regras formais, mas como esse sistema
funciona na prática. Muitas vezes a sociedade não é justa porque a aplicação das regras falha. Tem
que existir um sistema de regras e o funcionamento efectivo dessas regras na sua aplicação, senão
caímos no Juridismo, isto é, atribuir maior importância às regras formais do que à sua aplicação a
casos concretos.
Mesmo numa sociedade bem ordenada segundo a justiça pode haver injustiças; não impede
em absoluto a existência de injustiças. A estrutura básica é o sistema de justiça processual
imperfeita > pode haver resultados que não seja aquilo que se pretende.
Na sua obra “Liberalismo Político”, Rawls defende que numa sociedade aproximadamente
justa haverá sempre um pluralismo doutrinal, pois há as liberdades básicas. A Constituição protege
as liberdades básicas. Para entendermos o constitucionalismo moderno temos que recuar até ao séc.
XVI (Reforma) em que existia um pluralismo doutrinal religioso.
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“Consenso de sobreposição”
(modelo ideal)
Cepticismo Ateísmo humanista
Concepção de justiça
para a estrutura básica
Iluminismo moderado Doutrina Protestante Catolicismo Tradicional
A concepção de justiça concebe sobreviver perante este pluralismo doutrinal? É possível
constituir uma visão consensual a partir do pluralismo. Cada uma das diferentes posições doutrinais
pode vir a apoiar a concepção de justiça a partir das razões de cada doutrina mas que não são em si
mesmos coincidentes. Para que haja um consenso de sobreposição é necessário que em primeiro
lugar haja um consenso constitucional.
Esta concepção é institucionalista; direccionada para as instituições. A teoria da justiça é
processual (aplica-se a instituições), por outro lado admite-se o carácter imperfeito da teoria
processual. Uma teoria justa poderá ser estável ao longo do tempo dependendo como ela gere o
pluralismo que nela existe. É necessário que haja independência quer das teorias quer das
instituições das doutrinas abrangentes.
O princípio de utilidade não é egoísta mas altruísta, pensar na maximização do bem-estar
social. É um princípio super-rogatório > exige demasiado de nós.
Rawls justifica a concepção de justiça com a posição original.
A visão utilitarista como contraposta à concepção rawlsiana
Contraposição dos princípios de utilidade em relação aos princípios de justiça.
Utilitarismo > Escola/ corrente de pensamento no séc. XVIII com grande importância e
influência em aspectos políticos, filosóficos, económicos, jurídicos e sociais. O fundador foi Jeremy
Bentham, pensador inglês do séc. XVIII. Bentham estava interessado não apenas nos aspectos
teóricos do utilitarismo mas também nos aspectos práticos. Ligado à formação da Universidade de
Londres. O pensador mais famoso seguidor de Bentham é John Stuart Mill (séc. XIX), que reflectiu
muito sobre o Governo, Economia Política. O primeiro a teorizar sobre a igualdade de direitos ente
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homens e mulheres. Outros pensadores utilitaristas: Henry Sidgwick (séc. XIX); John Harsanyi
(séc. XX); Peter Singer (utilitarista mais famoso actualmente).
Ideia central: o guia fundamental para a acção individual e política é o Princípio de
Ultilidade. Formulação deste princípio: “Maximizar o bem-estar”. Princípio muito concreto, não
recorre a ideias muito abstractas (como a Justiça, Direitos Humanos, Igualdade...) tem em conta o
bem-estar dos indivíduos na sociedade.
Princípio racional, pois não desvia a atenção para outros princípios, centra-se naquilo que
convém a indivíduos racionais: o seu bem-estar. O princípio é prático porque podemos aplicá-lo a
qualquer acção que empreendemos quer do ponto de vista individual quer social. Uma acção que
conduza a uma maximização do bem-estar. Este princípio diz-nos o que devemos fazer. Sendo
aparentemente simples, precisamos de o esmiuçar.
O que significa “bem-estar”? É difícil de definir. Os utilitaristas estão de acordo quanto ao
princípio, mas não quanto ao modelo de interpretar “bem-estar”. Duas interpretações:
Utilitaristas clássicos (Bentham, Mill): bem-estar = felicidade. “A maior felicidade para o maior
número” (Bentham). Deve-se maximizar a felicidade, que é a existência de prazer e ausência de dor.
Todo o tipo de prazeres e todo o tipo de dores. Bentham e outros fazem uma interpretação hedonista
da felicidade. Esta concepção não é muito habitual na História do Pensamento (já antes com
Epicuro, gregos, havia uma ideia hedonista).
Mill, sendo autor que se enquadra na mesma interpretação de “bem-estar”, faz uma correcção a
Bentham, ao distinguir prazeres inferiores/prazeres superiores. Todo o indivíduo que conheça todos
os prazeres escolhe os prazeres superiores, que estão ligados ao intelecto, altruísmo, prazeres de
índole mais espiritual. Introduz uma espécie de rectificação valorativa da interpretação hedonista de
felicidade. É uma concepção mais elitista.
Esta concepção utilitarista é eudaimonista (interpretação da felicidade como bem-estar) hedonista.
Os críticos do Utilitarismo costumam confrontar os utilitaristas com exemplos muito
desfavoráveis, um deles é o da “máquina das experiências”. Imaginar a proposta: há uma máquina
que ao ligar os indivíduos a ela permite dar todo o tipo de prazeres e ausência de dores. Aceita ser
ligado a esta máquina até ao fim da sua vida? As pessoas não estão apenas interessadas numa
felicidade hedonisticamente entendida; podem estar interessadas em fazer algo que implica dor mas
que também pode dar algum prazer. As pessoas preferem outra coisa.
Outro exemplo similar é o da “água de consumo público”. Alguém colocava uma substância
na água que traria felicidade. Abria-se a torneira, bebia-se um copo de água e tínhamos felicidade. A
sociedade aceita isto? Não. Os indivíduos querem estar independentes da água, querem decidir por
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si mesmos e não estarem dependentes.
Para suplantar estas dificuldades, os utilitaristas contemporâneos têm uma interpretação
diferente do bem-estar. Bem-estar é entendido como satisfação das preferências ou desejos
individuais (racionalmente1 informados2). Procura-se escapar ao elemento de experiência subjectiva.
Felicidade como algo que os indivíduos querem. Definição mais objectiva do que é o bem-estar.
Pode-se tentar aferir se vai ao encontro das expectativas/desejos dos indivíduos.
Há quem diga que há preferências bizarras mas que são racionalmente informadas (ex.:
sádico).
Exemplo da “Maoria Fanática”. Sociedade na qual há uma maioria fanática que considera
que as minorias religiosas devem ser torturadas e perseguidas. Como era uma maioria, o saldo seria
positivo.
Exemplo do “Circo Romano”. Em Roma, no Circo, recinto com capacidade para 100.000
espectadores, lançavam-se pessoas às feras. Não é utilidade para quem é comido, mas há utilidade
para 100.000. O utilitarismo poderia defender algo que parece indefensável.
Como sair deste tipo de objecções? Introduzir alguma objectividade no tipo de preferências
ou desejos. Há preferências que devem ser postas de parte. Fazer uma lista de preferências que
sejam objectivas sem carácter social. Excluir desejos que tenham utilidades negativas.
O Utilitarismo implica que o “bem estar” seja resultado dos nossos actos > é um
consequencialismo. O que importa é gerar as melhores consequências na sociedade (consequências
em termos de bem-estar). Significa que as intenções não importam; o que importam são as
consequências que produzimos.
Dos actos (1)
Dois tipos de utilitarismo consequencialista
das regras (2)
1.Aquilo que devemos fazer é aplicar directamente o princípio de utilidade a cada um dos nossos
actos. No próprio acto pensa-se se esse acto produz ou não consequências de bem-estar. Actos que
contribuam para o bem-estar. O melhor acto é o que tem consequência de maior bem-estar. É
rigorosamente anti-deontológico > as regras não têm importância (nem os códigos morais nem os
códigos legais). O que interessa é saber se um acto produz maior bem-estar ou não.
1 Mas há indivíduos que têm preferências irracionais/bizarras.2 Os indivíduos estão informados sobre o assunto pelo qual vão fazer uma escolha. A publicidade serve para distorcer.Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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2.Procura uma maior compatibilização com a deontologia. Não devemos aferir cada acto individual,
mas aferir sistemas de regras e perguntar-mo-nos se estes levam ou não a uma maximização de
bem-estar.
A maior parte dos utilitaristas são utilitaristas dos actos, menos o que aparece em 4º lugar. É o
utilitarismo mais puro dos actos.
Exemplo da “Bomba Relógio”. Permite distinguir os dois utilitarismos anteriores. A polícia captura
um terrorista que colocou uma bomba relógio. O relógio anda e aproxima-se a explosão. Está
programado e não se pode evacuar a cidade. A polícia pergunta ao terrorista onde está a bomba,
podendo-se evacuar algumas pessoas. Como deve ser feito o interrogatório? Deve-se torturar se ele
disser que não diz nada? Se pensarmos do ponto de vista do utilitarismo dos actos pode-se fazer
utilidade negativa para salvar pessoas; não importa o que está escrito nos códigos, mas pensa-se acto
a acto. Se for pelo das regras, penso “a tortura é proibida em qualquer circunstância”. Aqui, a polícia
decide-se pelas regras.
Aula de 28 de Outubro
O princípio de “maximizar o bem-estar” é, para os utilitaristas, num princípio prático,
simples. A última aula foi dedicada a abordarmos a expressão “bem-estar”. Versão Benthamiana
(felicidade como promoção de qualquer prazer) e Miliana (felicidade como promoção de alguns
prazeres).
O consequencialismo é uma característica fundamental do utilitarismo. As intenções não
importam, importam as consequências em termos de maximização de bem-estar. O utilitarismo mais
puro é o dos actos.
O Utilitarismo é uma visão muito voltada para o futuro e tem que gerir/lidar com
probabilidades. Tem que pensar com as consequências prováveis da minha acção.
Maximizar > foi inventada esta palavra por Bentham. Gerar o máximo possível de bem-
estar. O princípio de utilidade é sempre maximizante, não se deve dizer, deve-se promover/criar o
bem-estar, mas sempre numa ideia de maximização. Promover não só o bem-estar, mas o maior
bem-estar possível.
O Utilitarismo tem uma lógica agregativa. Não está muito preocupado com o modo como o
bem-estar é distribuído, mas sim com a sua maximização geral. Há uma certa insensibilização ao
modo como ele é distribuído por cada um dos indivíduos. Podemos fazer uma espécie de aritmética
utilitarista, se o saldo é positivo ou negativo. A utilidade total depende do número da população; o
que interessa é a utilidade média. O que importa é o PIB per capita. O princípio maximizante do
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utilitarista é o princípio agregativo.
Os críticos do utilitarismo acham fraco este aspecto do agregativo. Há sempre esta tendência
aritmética > somar utilidades positivas e negativas.
Políticas do Utilitarismo:
O utilitarismo parece funcionar melhor para o legislador, para quem tem o poder, do que
para cada indivíduo em sociedade, na sua vida privada. O princípio utilitarista funciona como um
guia.
Quais as políticas favorecidas pelo princípio do utilitarismo? Tem que se ver caso a caso.
O princípio de utilidade influenciou o chamado “Estado de bem-estar”, do Welfare State. As
políticas de saúde, educação, de distribuição de riqueza identificam-se com o princípio de utilidade.
A teoria das penas reserva uma lógica de justiça retributiva. A pena seja equivalente àquilo
que a pessoa fez. A utilidade juntou-se à justiça retributiva. Uma pena utilitarista pretende evitar
males maiores e repreender quem praticou o acto. A lógica utilitarista teve uma grande influência
nas penas > corrigir e recuperar aqueles que praticaram os males para a sociedade.
Grande influxo do utilitarismo nas normas do tratamento dos animais contemporaneamente.
Quais são os indivíduos susceptíveis de bem-estar ou mal-estar? Os que são susceptíveis de dor e
prazer e os que têm preferências. Peter Singer tem uma obra intitulada “Libertação Animal”.
O princípio de utilidade não é tão definido como os princípios de Justiça de Rawls, não nos
dá uma orientação absoluta.
Há uma grande diferença partir do princípio de utilidade ou do princípio de justiça.
Justiça Utilitarismo
É necessário encontrar o padrão de debate entre estes dois princípios.
O princípio de justiça enunciam algo, que é inegociável; princípios de direitos e deveres que
são inegociáveis.
Temos que ver se estamos a gerar as consequências maximizadas do bem-estar. Não há
regras absolutas, não há obrigações absolutas. Tudo tem que ser aferido pela capacidade de gerar
condições úteis.
Os partidários do princípio de justiça centram-se na justiça em si. Os utilitaristas dizem que
o que defendem não é muito diferente daquilo que defendem os da justiça. Para os utilitaristas isso
não tem um valor absoluto, mas consoante o bem-estar que provoca. Os defensores da justiça dizem
que ainda que os resultados do princípio de utilidade possam ser aproximados, os raciocínios que
estão por detrás são diferentes. Para os utilitaristas, os que têm o poder não podem estar presos aos
princípios da justiça. Os da justiça respondem que isso pode levar a que o decisor político coloque
alguns numa situação desfavorável.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
34
Aula de 4 de Novembro
O Utilitarismo tem uma aplicação política porque pode levar à justificação de um Estado
Democrático e Social? Em que se distingue a perspectiva de utilidade da de justiça? Com a
justificação última quer nos padrões de utilidade quer nos padrões de justiça. Para os partidários da
justiça, o utilitarismo pode cair num plano escorregadio. Para os utilitaristas, os princípios da justiça
são determinadamente fixos.
Os defensores da justiça nunca estão contentes com os defensores da utilidade e vice-versa,
embora ambos possam levar a um Estado Democrático e Social. Perspectiva utilitarista = em última
instância, o que conta é a maximização da utilidade.
No capítulo V, Mill explicita o princípio da utilidade. Como é que um utilitarista encara a
questão da justiça. Problema de que parte: a ideia e linguagem da justiça são poderosas. Muitas
pessoas pensam que a justiça é a mais importante que a utilidade. Para um utilitarista, a linguagem
de justiça tem é um obstáculo. Reflexão sobre os diferentes usos do conceito de justiça. Mill está
preocupado com a justiça individual; os indivíduos na sua própria conduta. Percorre as diferentes
acepções de justiça (pp. 85-88).
Qual é o vínculo mental entre estas diferentes acepções? A justiça está sempre associada a
direitos e às obrigações de respeito a esses direitos.
(Pg. 91) > Justiça
Obrigações perfeitas Obrigações imperfeitas
(ligadas a direitos)
Obrigação que nunca admitem excepção
tem excepção quando se trata de (ex.: dar esmola a um pobre)
respeitar os direitos dos outros
(ex.: não matar, não violar...)
Direitos definidos pela lei moral e também obrigações e direitos que decorrem da nossa
conduta.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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A origem do “sentimento de justiça” não é a justiça em si mesma, mas é a preservação do
bem geral em relação àquilo que o pode ameaçar. A razão pela qual actuamos em respeito pela
justiça não é a justiça em si mesma, mas a maximização da utilidade. A justiça não tem uma
justificação independente, mas corresponde a uma justificação do bem-estar.
(P. 104) A escala que mede a justiça é a própria utilidade. Pode haver circunstâncias nas
quais por razões de utilidade devemos passar por cima da justiça. Utiliza-se a linguagem da justiça
mas o que está por detrás são os cálculos de utilidade.
O que nos leva a respeitar a justiça e a cumprir as nossas obrigações perfeitas é o princípio
de maximização do bem-estar. O que justifica a justiça é a utilidade e não a justiça em si mesma.
3. O PENSAMENTO LIBERTARISTA baseado na ideia de “propriedade de si
mesmo” (ROBERT NOZICK)
Bibliografia:
Rosas, João Cardoso, Introdução à obra de Nozick in Anarquia, Estado e Utopia,
Lisboa, Ed. 70, 2009.
ABRANCHES, Alexandra, Robert Nozick in J. C. Espada e João Cardoso Rosas
(org.), Pensamento Político Contemporâneo, Lisboa, Bertrand, 2004.
A concepção libertarista também pode ser considerada uma concepção de justiça. Em
Nozick encontramos um anti-utilitarismo igual ou tão superior como a de Rawls; mas esta
concepção de justiça é totalmente diferente da de Rawls. A concepção rawlsiana é mais standard, é a
que mais identificamos com a Justiça. Mas a de Nozick é diferente da de Rawls quer na sua
concepção filosófica quer nas suas consequências políticas.
Nozick parte da sua concepção de justiça libertarista de que cada indivíduo é proprietário de
si mesmo, não é propriedade de ninguém.
Cada um de nós é proprietário do seu próprio corpo mas também do uso que cada um faz
dele. A ideia de auto-propriedade serve como fundamento para os direitos individuais (vida,
liberdade de fazer o que se quiser consigo mesmo, à propriedade). Direitos individuais que
decorrem naturalmente da auto-propriedade de cada um. São direitos pré-políticos e absolutos.
Nozick chama a estes direitos “restrições” porque estes direitos indicam o que os outros não nos
podem fazer; estabelecem uma espécie de barreira. Esses direitos são uma protecção absoluta de
todos e de cada um dos indivíduos. Agir por respeito da auto-propriedade e dos direitos individuais.
Rawls parte da noção de justiça para os direitos; Nozick parte imediatamente dos direitos > carácter
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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anti-utilirarista. Os direitos individuais nunca podem ser violados. Os indivíduos podem até vender-
se a si mesmos como escravos. O que é proibido fazer-se é que alguém venha tirar algo nosso sem o
nosso consentimento.
Qual a estrutura que melhor protege os direitos individuais?
Uma 1ª hipótese: Anarquia > não é necessário o Estado. O Estado por ter o monopólio da
coercibilidade pode atentar contra os direitos individuais. Nozick pensa esta questão, mas não é a
anarquia que defende. Defende um Estado com características específicas > Estado Mínimo ou
Estado Guarda Nocturno, que tem funções muito restritas e é um estado limitado às funções de
protecção quanto ao uso abusivo da força, roubo, fraude e incumprimento dos contratos. Não faz
mais nada para além disto; é um estado anti-activista.
Um Estado mais extenso do que o Estado Mínimo não será melhor? Vai pensar o que é o
Estado Social e suas consequências e vai argumentar que o Estado Mínimo é preferível ao Estado
Social.
Comparação entre Anarquia e Estado Mínimo
Nozick convida-nos a pensar como seria a vida humana com a ausência do Estado
recorrendo à noção de Locke (Contratualista) de “Estado Natureza”. Mas pode haver quem, neste
Estado, atente contra os direitos dos outros. No Estado Natureza não há a quem recorrer. Locke:
fazer justiça pelas próprias mãos > direito de executar justiça natural. Perseguir os criminosos, obter
recuperação deles e puni-los. Em Estado Natureza não há protecção assegurada dos direitos. O
Estado Natureza é um Estado inseguro e desconfortável. Um anarquista pensa que a fonte de
instabilidade é o Estado Político. Nozick aceitaria a anarquia se protegesse, de facto, os direitos,
mas ele vê que não há ninguém a quem recorrer para proteger os direitos individuais. Como é que o
Estado Natureza evoluiria para superar esta instabilidade?
Aula de 5 de Novembro
Esses direitos são tão fortes que são restrições aos outros daquilo que nos podem fazer. Cada
indivíduo é tratado como um “fim em si mesmo” (Kant). Uma das fórmulas do Imperativo
Categórico é esta fórmula do “fim em si mesmo”. Nenhum indivíduo deve ser tratado como meio
para atingir fins; os indivíduos não devem ser instrumentalizados.
Depois de colocar a questão Anarquia-Estado Mínimo, questiona se um Estado mais extenso ou
Estado Mínimo. O Estado Natureza é um Estado onde não há Estado como organização política;
não é Estado Político. Formado por indivíduos com as suas propriedades; isto é, contra-factual, isto
é, temos que fazer uma ideia abstracta. Quando os direitos são isolados não há quem recorrer. Há o
Direito Natural a executar a justiça social. Gera insegurança porque não há identidade a quem
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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recorrer, que possa terminar as disputas entre os indivíduos.
Hoje, o Estado Natureza é uma espécie de camada que está aflorida. Significa que o Estado
Político não está a funcionar bem.
Num segundo momento, deixaríamos o Estado Natureza e formaríamos Associações de
Protecção Mútua. Os indivíduos organizam-se com vista a assegurar a sua protecção (grupos de
vizinhos, amigos e haveria grupos para garantir a protecção desses membros dos grupos).
Na terceira fase, as associações de protecção mútuas tornam-se empresas.
Há um princípio económico que impulsiona isto: princípio da divisão do trabalho. Os
indivíduos não podem estar continuamente a zelar a protecção mútua, têm que produzir, trabalhar.
Então, há indivíduos que se especializam na protecção > empresas. Os indivíduos têm que contratar
empresas para terem protecção; estas empresas são privadas, não há Estado, não há polícias. O
grande negócio das máfias é a protecção (sul da Itália). Este negócio prospera porque não há Estado
Político.
Agência de protecção dominante. A empresarialização ainda não basta para garantir os
direitos de protecção dos indivíduos. Não há uma segurança adequada. Há uma lógica económica
que leva à concentração do negócio > agência de protecção dominante. Em cada zona há uma
agência de protecção. Há um deslizamento natural da fase 3 para a fase 4. capacidade maior de
garantir direitos individuais.
Continua a ser uma empresa privada que tem clientes, mas há também os independentes, os
que não são clientes. Estes independentes são um foco de instabilidade.
Há um 5º momento, em que a agência de protecção dominante declara o “monopólio da
violência autorizada” - expressão utilizada por Max Weber. Anuncia a todos, clientes ou não, que
não vai tolerar violência por parte dos independentes aos seus clientes. Condiciona publicamente a
acção dos independentes.
Estado ultra-mínimo > já é uma entidade pública que anuncia que vai punir quem usar de
violência. Monopólio do Estado de “violência autorizada”. As forças políticas são garante. O Estado
tem que ter o monopólio.
A agência de protecção dominante não apenas o monopólio da violência autorizada mas
também a protecção de todos num dado território. A agência de protecção dá protecção aos próprios
independentes, deixa de haver independentes. A agência tem essa jurisdição num determinado
território. Há um mecanismo de estabilizar a sociedade e há uma razão moral: a agência de
protecção além de limitar a acção dos independentes tem a obrigação também de lhe dar protecção.
Estamos diante de um Estado Mínimo. É esta agência que tem a responsabilidade última da
nossa segurança.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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Todo este argumento pára aqui. O Estado Mínimo tem todo o poder necessário para
assegurar a protecção de todos. É mínimo porque tem apenas como função proteger os indivíduos e
os seus direitos. Não tem nenhuma função distributiva. Para garantir os direitos individuais não
precisa de arrecadar recursos para depois os distribuir. Precisa de arrecadar alguns impostos, mas
poucos. Para funcionar é preciso polícias, forças armadas, tribunais e prisões. Não é necessário
escolas, hospitais, segurança social.
Estado Mínimo = assegura os direitos individuais, mas não tem função distributiva.
Nozick sabe que a criação de um Estado mais extenso implica a mobilidade dos recursos da
sociedade; tirar a uns para dar a outros. É legítimo o Estado fazer isto? Nozick elabora a Teoria da
Titularidade (das posses), que tem três aspectos:
1.Justiça na aquisição
2.Justiça nas transferências
3.A Rectificação
Será legítimo que o Estado interfira nas posses de alguns para fazer essa distribuição? As
posses de cada um donde vêm?
1. Aquisição de algo que anteriormente não pertence a ninguém. Existe direito a possuir essa
terra que não pertence a ninguém, simplesmente tem que cumprir uma “cláusula lockeana”. Locke
já tinha pensado neste problema da aquisição; os indivíduos têm direito a adquirir, mas desde que
deixem o mesmo e igualmente bom para os outros. Nozick usa esta cláusula e interpreta-a de forma
diferente: a melhor forma de formular a cláusula é permitido apropriar desde que os outros não
fiquem pior por causa dessa aquisição. Esta é a mais adaptada aos tempos contemporâneos, pois já
não existe terra por possuir, mas há outras coisas (petróleo, patentes, gás natural).
Locke tem uma perspectiva teológica: a natureza é de todos, dada pelo Criador. Nozick diz
que a “a natureza não é de ninguém”. É uma forma subtil de dizer. A cláusula lockeana é uma
cláusula nozickeana.
Não é uma cláusula muito exigente, mas para Nozick é suficiente para justificar a aquisição.
2. A maior parte das nossas aquisições vêm por transferências (doações, heranças...) Para
Nozick, é justo transferir qualquer posse sem o uso da força ou roubo, qualquer transferência é
legítima. Eles têm o justo título daquilo que possuem.
3. Ninguém tem direito à posse de algo excepto por aplicações repetidas da justiça na
aquisição e da justiça nas transferências. Sendo assim, se houver alguma injustiça na transferência
terá essa injustiça que ser rectificada, tem que ser indiminizado.
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Aula de 11 de Novembro
A Justiça, para Nozick, é definida com base nos direitos. A melhor estrutura básica que
melhor protege os direitos individuais é o Estado Mínimo.
Se vivêssemos em Estado Natureza, haveria um deslizamento natural até chegarmos ao
Estado Mínimo. Este Estado é melhor não só por razões morais, mas também por razões práticas de
estabilização da sociedade. Função protectora dos direitos, mas sem função distributiva em sentido
lato.
Nozick quer mostrar-nos que a mobilização de recursos para a construção do Estado Social
não é legítima. É uma interferência ilegítima do Estado (ver Teoria da Titularidade). Se houve
alguma injustiça na aquisição ou transferências deve fazer-se rectificações.
Existe uma distribuição das posses feita pelos milhões e milhões de transferências e
contratos entre os indivíduos e não pelo Estado.
A Teoria da Titularidade é uma teoria histórica > as posses são legítimas porque dadas na
história, mas deixam de o ser sob algum acto ilegítimo no passado. É uma teoria que olha não para
aquilo que temos diante dos nossos olhos, mas para o passado e se não houve nenhuma injustiça,
então serão legítimas as posses de cada um.
Esta teoria é diferente das teorias de resultado final (ou como diz Nozick “teorias
teleológicas”, por exemplo, o utilitarismo (1); Nozick que a “Justiça como equidade” de Rawls é
teleológica (2)).
(1) Basta pensar que é consequencialista; preocupado com o resultado que se possa obter.
Resultado projectado para o futuro > maximização do bem-estar. Não é lícito para uma teoria
histórica fazer redistribuições para maximização do bem-estar. Estamos a tirar das posses de alguns
para maximizar o bem-estar de todos.
(2) Para Rawls, a sua teoria é deontológica. Mas Nozick diz que Rawls também está a
contribuir para uma distribuição equitativa (2º Princípio da Justiça). Também será uma teoria de
resultado final.
Para Nozick, os recursos têm proprietários, não estão aí disponíveis para todos. Eu ir mexer
com essas posses é ilegítimo desde que essas posses não fossem adquiridas de modo injusto.
Teoria da Titularidade # teorias padronizadas (teorias tradicionais da justiça). Aqueles que
dizem que cada um receba segundo um padrão moral. Ex.: “A cada um segundo o seu mérito”; “A
cada um segundo a virtude”.
A sua teoria da titularidade é contrária à existência, ao uso de padrões. A distribuição não
deve ter a haver com determinados padrões. Não é legítimo que o Estado faça distribuições
consoante determinados padrões. As distribuições das posses não têm nada a haver com a virtude ou
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com o mérito, mas com o que aconteceu no passado. Não significa que as noções de virtude ou
mérito não possam ser usadas dentro das instituições da sociedade (ex.: empresas).
Argumento “Wilt Chamberlain” (melhor jogador de basket e marcador). Nozick faz um
argumento imaginado a partir desta vedeta. Wilt antes do início da temporada faz um contrato com a
equipa com a cláusula: deverá receber 0,25€ por cada espectador que veja o jogo. É aceite esta
cláusula e para tornar ainda mais claro este contrato, na própria bilheteira deve haver uma caixa
com o nome de Wilt e a pessoa põe 0,25€ para o jogador. Cada espectador voluntariamente escolhe
comprar o bilhete e dar 0,25€ para a vedeta. Conclui-se que no final da época houve um milhão de
espectadores, então terá que receber 250.000 dólares, que lhes deverá ser entregue. Ele tem direito?
Sim. Porque os contratos são muito explícitos. Passado pouco tempo, há o Estado que, através da
DGCI, quer receber uma percentagem daquilo que ganhou. Segundo o que o Estado está a fazer,
segundo Nozick, é um roubo sobre a forma de trabalhos forçados. O Wilt esteve a trabalhar cerca de
metade do seu tempo para o Estado e não para si mesmo. É como se o Estado estivesse obrigado
Wilt a trabalhar para si. Para Nozick, os impostos sobre os rendimentos são ilegítimos. Nozick
gostaria que o Estado dos EUA fosse ainda mais extensivo. O livro de Nozick é de 1974 e foi
Prémio do Livro nos EUA.
Outro exemplo. D1 é uma distribuição estritamente igualitária. Todos têm a mesma
quantidade de barras de ouro. Deixe-se passar por algum tempo. Todos combinamos encontrar-mo-
nos para fazer um jantar > D2. No momento D2 a distribuição igualitária? Não. Aconteceram uma
série de transferências neste tempo. Estas transferências foram legítimas. Houve alguns que
pegaram nas barras de ouro e guardaram, outros investiram.
Qualquer Estado mais extenso interfere na própria liberdade dos indivíduos; não protege os
interesses individuais mas põe-nos em causa; é um Estado legítimo. A justiça de Nozick consiste
num Estado Mínimo a proteger os direitos.
Seria um Estado com funções básicas que não providenciaria nem saúde, nem educação. Um
Estado no qual cada indivíduo poderia fazer consigo o que quisesse. É um Estado radicalmente anti-
paternalista; os indivíduos podem associar-se como quiserem desde que respeitem o Estado
Mínimo.
O Manual diz que há outras formas de libertarismo além do de Nozick que é “Libertarismo
Fundamental”. Há também o “Libertarismo instrumental” (Hayek). É um libertarismo ligado à
economia. O Estado deve ser mínimo porque a intervenção dele é sempre negativa para o bom
funcionamento do Mercado. Quando o Estado interfere nesse mecanismo de preços, está a tornar o
mercado pior. Defesa do mercado livre = Estado Mínimo.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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Aula de 12 de Novembro
Hayek ainda defende um “Safety net”. Nozick não defende isto, pois o Estado iria interferir
nas posses individuais.
Justiça como equidade
Libertarismo baseado na auto-propriedade
Utilitarismo
Para Rawls, cada indivíduo está protegido através dos direitos que decorrem da justiça.
Considera que o utilitarismo não leva suficientemente a sério cada indivíduo na sua individualidade.
Nozick acha que o utilitarismo usa os indivíduos como isntrumentos para a maximização do
bem-estar. É no 2º princípio de Rawls que, para Nozick, não é tida em conta a individualidade. O
carácter distributivo leva a instrumentalizar alguns. Do ponto de vista de Nozick, os
instrumentalizados são os que estão melhor; colocar os mais favorecidos em favor dos menos
favorecidos.
Rawls é um utilitarista encapotado. Há um resquício utilitarista que está no facto de que
alguns são instrumentalizados para um bem-estar geral.
Nozick é crítico do princípio da igualdade de oportunidades, mas também do princípio da
diferença. Nozick admite que os indivíduos não sejam moralmente responsáveis pelas suas
características, mas esses talentos são propriedade de quem os tem, embora não os mereçam. Cada
indivíduo deverá obter as vantagens económicas que advêm desses talentos. Segundo Nozick,
Rawls considera que os bens e os talentos dos indivíduos são bem colectivo.
Rawls diz que os indivíduos desenvolvem os seus talentos porque vivem em cooperação
social.
Nozick está de acordo com Rawls quando critica o utilitarismo, mas considera que o próprio
Rawls tende em alguns aspectos mais utilitaristas. Rawls está preocupado com os menos
favorecidos e Nozick com os mais favorecidos. Nozick > individualismo radical.
No capítulo sétimo, há uma clara argumentação de Nozick contra um Estado mais extenso e
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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contra a ideia de que o Estado deva distirbuir.
4. A CONCEPÇÃO COMUNITARISTA e PLURALISTA de MICHAEL WALZER
Comunitarismo # Individualismo
Estas concepções desenvolveram-se como crítica ao individualismo das outras concepções
(ex.: Nozick, Rawls, Utilitarismo). A ideia de que cada indivíduo é proprietário de si mesmo é
inaceitável.
No 1º princípio de Rawls há um grande individualismo. Rawls pretende um equilíbrio entre
princípios mais individualistas e princípios comunitaristas. Muitos dos comunitaristas não têm
grandes objecções ao 2º Princípio de Rawls.
Para os utilitaristas, o que está em causa é o indivíduo. O utilitarismo parte da ideia de
liberdades individuais.
Os comunitaristas defendem a “Tese Social”, isto é, o indivíduo não existe; o que existe é a
comunidade. O que chamamos indivíduo é uma função da comunidade. Há argumentos
psicológicos e sociológicos alusivos a este comunitarismo. Como é que as crianças desenvolvem o
seu “eu”? Em interacção com os outros. O eu forma-se por oposição aos outros. Do ponto de vista
psicológico, o indivíduo não existiria sem a sociedade. As nossas características individuais têm
muito a haver com a sociedade onde nos contextualizamos.
Michael Sandel, em “O liberalismo e os limites da Jusiça”, critica os individualismos, mas
sobretudo a sua crítica incide sobre Rawls, talvez por compreender que esta é mais sofisticada e
equilibrada. Existe no pensamento dos individualistas uma visão errada da Pessoa, que era um ser
descontextualizado, como alguém que escolhe livremente os seus fins e acções; alguém puramente
voluntarista faz opções comandadas pela sua própria vontade.
Cada Pessoa é definida pelo seu contexto. É o contexto que define a Pessoa.
Os fins e ligações de cada pessoa são parte integrante daquilo que ele é, não são algo exterior.
Algo interno que veio com o próprio processo de socialização.
Nós compreendemo-nos através de processos de auto-consciencialização. Não nos criamos a nós
próprios; compreendemos aquilo que já somos.
Concepção da Pessoa anti-individualista e comunitarista.
Pensamento de Michael Walzer
A Justiça é algo de variável em função da sociedade que queiramos conhecer. É sempre a
criação de uma comunidade específica num dado espaço e num dado tempo. Pensar a Justiça a
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partir desse contexto. Pensar a justiça em função de cada comunidade política específica.
Corolários desta ideia geral:
1. Os bens a distribuir são sempre bens sociais e variam consoante cada sociedade. Não há
concepções de bens universais. As concepções são diferentes.
2. Os critérios de distribuição dos bens são sociais. Dependentes do modo como cada
sociedade interpreta esses bens.
3. As próprias identidades pessoais advêm do modo como os bens são possuídos e
utilizados.
Temos que aceitar que o mundo está dividido: Estados, que são comunidades políticas
separadas por fronteiras. Existem comunidades distintas com diferentes concepções de Justiça; não
há uma comunidade global.
Aula de 19 de Novembro
Comunitarismos opõem-se a todos os individualismos. Este modo de pensar não é próprio
da contemporaneidade, mas já no séc. XIX se econtram ideias comunitaristas (ex.: Marx, Hegel).
Não estamos preocupados com as anteriores mas com as correntes contemporâneas. Começa muito
com o contributo de Sandel e outros.
Teoria Comunitarista e pluralista de Walzer
É comunitarista porque o seu ponto de partida é cada comunidade política concreta. Os
Estados são as comunidades políticas (antigamente podiam ser Impérios, Cidades-Estado). Em cada
comunidade política há um conjunto de bens e são variáveis de comunidade para comunidade. Não
há um bem dominante (bem-estar, bens sociais primários...) Cada comunidade política escolhe os
seus bens. É importante o conceito de fronteiras, pois têm uma papel importante. “Os bons muros
fazem os bons vizinhos” > “As fronteiras fazem as comunidades políticas”.
É pluralista porque em todas as comunidades políticas existe uma pluralidade de esferas da
justiça > pluralismo esférico. Esferas da justiça > são os diferentes bens que são valorizados
juntamente com os critérios próprios da sua distirbuição.
Ex.: a esfera do dinheiro > existem critérios próprios para a distribuição do dinheiro
consoante o mercado económico.
Alguns exemplos de esferas:
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qualidade
esfera de Poder dinheiro
da cidadania membro Político
Previdência
(Provsião
social) etc..
Mas há residentes legais, ilegais ou temporários.
Todas as sociedades são pluralistas porque têm várias esferas que são independentes umas
das outras. Todas as sociedades têm esferas (pluralismo esférico).
Vamos percorrer algumas esferas da justiça mais importantes:
Qualidade de membro > cada comunidade política define os critérios da qualidade de membro. É
logo a primeira definição, ver quem pertence e quem não pertence. Acutalmente, são dois os
critérios jurídicos para aceder a esta qualidade: o sangue (jus sanguinis) e o território (jus solis).
Cada comunidade política combina cada um destes de forma diferente. Há comunidades que dão
maior peso ao sangue e outras ao território. Por exemplo, os EUA dá importância ao território. Na
Alemanha era mais importante o princípio do sangue.
Walzer faz analogia com um Clube. Um Clube para ter novos membros define os seus critérios.
O que não é muito correcto é que uma comunidade deixe entrar muita gente e depois não haja plena
integração.
Este é o primeiro bem que uma comunidade política pode distribuir e é uma qualidade muito
procurada.
Previdência (provisão social) > cada sociedade deve prover para todos os seus membros >
provisão comunitária. Aquilo de que todos os membros necessitam. Em cada comunidade aquilo de
que necessitam pode ser diferente (ex.: Saúde; Ginásio, que a polis tinha que criar e manter para a
sua população).
Educação > há sociedades que valorizam mais outras menos; educação formal (escola). Em
Portugal, acesso a todos a nível de educação básica; no superior já não é: há o critério numerus
clausulus (mérito) e o critério económico.
Dinheiro > na nossa sociedade, o dinheiro distribui-se no mercado, mediante compra e venda de
mercadorias. O que o dinheiro pode ou não comprar? O dinheiro é moeda de troca. Cada sociedade
decide o que o dinheiro pode comprar e o que não pode comprar, a que Walzer chama “trocas
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bloqueadas”.
A “troca bloqueada” é o ser humano (vender humanos, a vida humana).
Poder político
Justiça Penal
Casamento
Indulgências (não eram consideradas no passado)
No passado, havia mesmo quem comprasse o Serviço Militar; hoje já não é permitido. Em
cada sociedade há certas coisas que o dinheiro não deve comprar, o que não quer dizer que
efectivamente essas coisas não sejam compradas.
Parentesco e amor > na nossa sociedade há uma escolha individual do amor e da formação da
família, mas noutras sociedades há entendimentos diferentes sobre isto.
Graça divina > cada comunidade tem uma concepção ou várias sobre a distribuição da graça
divina (ex.: Reforma Protestante)
Poder Político > esfera particularmente importante porque condiciona as outras esferas. Como
distribuímos o poder político em Portugal? Voto > controlo democrático. Outros critérios poderiam
existir: o critério do mais forte (critério maquiavélico); critério da hereditariedade); no Irão actual
quem tem mais graça divina tem também poder político.
O que é fundamental é que cada sociedade respeite o seu próprio critério. Como deve ser a
Justiça? A Justiça consiste na manutenção das esferas plurais que a compõem e no respeito pelos
critérios próprios de distribuição. Há uma frase muito walzeriana: “entendimento partilhado”.
O problema central da injustiça: em algumas sociedades há esferas que tendem a ser
predominantes e a sair deste pluralismo esférico. A plutocracia é um regime no qual o dinheiro
serve para comprar o poder político (proximidade entre as esferas do poder político e do dinheiro).
Cleptocracia > Estado organizado apenas para o roubo.
Temos que fazer uma distinção conceptual entre monopólio (1) e predomínio (2).
(1) Monopólio > ter um determinado bem em cada esfera e alguém tem mais poder nessa
esfera e não há mal nenhum disso se vier a resultar da própria distribuição dentro da esfera. Se
alguém tem mais cuidados de saúde porque tem mais necessidade não há nada de errado porque tem
mais necessidade. Na acepção de Walzer, o monopólio é aceitável.
(2) Predomínio refere-se ao uso de um bem para obtenção de outros bens para ter vantagens
numa outra esfera. Ex.: se o dinheiro puder comprar graus académicos. Usa-se algo que se obteve
numa esfera com determinados critérios para obter algo noutras esferas que têm os seus próprios
critérios. O Predomínio está errado no ponto de vista de Walzer.
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Igualdade simples # Igualdade complexa
Nozick chama a atenção de que muitas teorias de justiça usam a ideia de igualdade simples,
que consiste numa distribuição mais igualitária de determinados bens. A igualdade simples é uma
forma de quebrar o monopólio numa determinada esfera. Para Walzer, a igualdade simples é
irrelevante porque se não há nada contra o monopólio, não há razões para aplicar a igualdade
simples.
A igualdade complexa consiste em quebrar um predomínio de um bem social. Não há
nenhuma esfera que se sobreponha às outras esferas; não há tentativa de redução de monopólios,
mas redução de todas as formas de predomínio. Num regime de igualdade complexa, temos um
conjunto de esferas distintas, mas em que nenhuma esfera pode ter supremacia sobre as outras
porque não há supremacia de bens sobre os outros. Onde há igualdade complexa há Justiça. Chama-
lhe “igualdade complexa” porque muitas vezes há grandes desigualdades, porque há predomínio. As
grandes desigualdades nas sociedades advêm do predomínio; aqueles que o possuem têm acesso a
tudo e os que não o possuem não têm acesso a nada. Walzer é um judeu americano e diz que na sua
sociedade há o predomínio do dinheiro (plutocracia).
O aspecto geral da teoria é dizer que se mantenha a igualdade complexa e evite-se o
predomínio. O regime de igualdade complexa tem componentes específicos consoante a
comunidade política.
Aula de 26 de Novembro
“Tese Social” > Comunidade Política. É neste quadro que se pensa no pluralismo esférico. É
neste quadro esférico que pensamos os bens sociais, que estão ligados às distribuições (têm critérios
distributivos), determinam as identidades individuais.
Exemplificação das esferas: qualidade de membros, etc…
A esfera dos cargos e empregos. O critério ideal na nossa sociedade é o do mérito, mas nem
sempre isso acontece.
A esfera do poder político é importante porque é a partir dele que se pode manter a
diferenciação entre as esferas.
O monopólio em si mesmo não é mau se não for contra outros bens. Se aquilo que se tem a
mais numas esferas for objecto para ter mais benefícios de outras esferas torna-se problemático >
predomínio.
O problema central da Justiça não é o monopólio mas o predomínio. O que causa as grandes
desigualdades é o predomínio. A “igualdade simples” quebra o monopólio, a “igualdade complexa”
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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quebra o predomínio e, para Walzer, importa quebrar o predomínio. A Justiça é a igualdade
complexa = evitamento do predomínio; manutenção da separação das esferas. Uma sociedade é
mais justa quanto melhor mantiver a separação esférica. A definição de Justiça depende de como
cada sociedade entende a sua estrutura esférica, que varia de sociedade para sociedade. Um certo
relativismo cultural.
Aula de 2 de Dezembro
Os produtos da multiculturalidade
Multiculturalidade e multiculturalismo não são a mesma coisa.
Multiculturalidade:
1.Existência de diferentes nações dentro de um mesmo Estado (Estado multi-nacional). As
nações são povos com uma certa base territorial e têm uma identidade própria (linguística,
religiosa). O Estado Português não é multinacional. Exemplos: Espanha; Bélgica; Grã-Bretanha;
Canadá (por causa do Quebec); nos EUA e no Brasil há nações índias. Muitos estados são
multiculturais por serem multinacionais. A multinacionalidade é um factor da multiculturalidade.
Portugal será um Estado multicultural? Temos culturas.
2.Gerada pelas migrações. Mesmo os Estados que não são multinacionais têm grupos
diferenciados gerados pela migração > polietnicidade.
A partir dos anos 70 (e também nos anos 90) houve uma forte vaga de imigração para
Portugal. As minorias podem ser mais ou menos visíveis (língua ou religião distintas).
Os grupos acabam por se fundir nessa sociedade.
Também há migração forçada (escravos…); não têm uma base territorial. Todos os
Estados actualmente no mundo são multiculturais. Que tipo de adaptação é necessária
por parte do Estado para acomodar a existência da multiculturalidade? Os defensores do
multiculturalismo defendem que o Estado deve ter políticas próprias quer ao nível da
legislação ordinária quer ao nível constitucional para acomodar a multiculturalidade. O
Canadá foi o primeiro Estado que fez uma mudança constitucional para se considerar um
Estado multicultural: constitucionalizou a sua multiculturalidade. Isto acaba por
influenciar outros Estados quer na Europa quer na América.
Iremos estudar o pensamento de dois filósofos canadianos sobre o multiculturalismo:
Charles Taylor, que tem uma visão comunitarista sobre o multiculturalismo. Tem uma obra em
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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português intitulada “Multiculturalismo”.
Will Kymlicka, visão liberal igualitária sobre o multiculturalismo. A sua obra é “Multicultural
Citizenship”.
Bibliografia:
Manual de Filosofia Política, cap. IX, pp. 219-237.
Internet: “Multiculturalismo” in Dicionário de Filosofia Moral e Política.
Charles Taylor
Para explicar a importância do multiculturalismo, Taylor recorre ao conceito de
“Reconhecimento”. Todos os grupos sociais necessitam de ser reconhecidos na sua identidade
própria. Reconhecimento/Identidade. A Identidade passa pelo modo como os outros vêem o
grupo. Pela dialéctica entre o reconhecimento e a identidade forma-se um grupo próprio. Cada
grupo forma a sua identidade a partir do reconhecimento. Para que haja identidade é necessário que
haja reconhecimento, o qual pode ser positivo ou negativo. Ex. de negativo na sociedade
portuguesa: os ciganos. Os próprios ciganos interiorizam uma identidade negativa que vem desse
reconhecimento negativo.
O reconhecimento positivo é fundamental para qualquer minoria. Não é uma questão de
cortesia, mas é “uma necessidade vital”.
Taylor faz uma espécie de história do reconhecimento das sociedades contemporâneas a partir
da ruptura do “Ancien Regime” (antes da Revolução Francesa). Os indivíduos tinham honras,
privilégios, o que levava a profundas diferenças entre os indivíduos. Com as revoluções francesa e
americana (constitucionalismo moderno) aparece uma primeira forma de reconhecimento >
reconhecimento da igual dignidade e as políticas da igual dignidade. Atribui-se o mesmo valor a
todos os indivíduos independentemente do seu nascimento. Igualdade perante a Lei. Constrói-se a
cidadania, que tem como base moral a ideia de igualdade. Todos são cidadãos. Este reconhecimento
é feito por teoria mas demora tempo a concretizar-se. Grande parte da história contemporânea é
feita de lutas sociais pela busca da dignidade. Os grupos sociais e étnicos lutam também por isto.
Por exemplo, as lutas na África do Sul; nos EUA, nos anos 60, havia ainda discriminação.
Estas lutas conduzem a políticas de construção de uma cidadania universal (igual dignidade
dentro do mesmo Estado).
Há um segundo aspecto do Reconhecimento > Reconhecimento da Diferença, que conduz a
políticas da diferença (surge nos anos 60/70) do séc. passado). Não basta a igualdade da dignidade e
da cidadania, os grupos querem ser reconhecidos na sua especificidade. A reivindicação da
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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diferença vai para além do serem reconhecidos na igual dignidade.
Algumas políticas mais comuns são as da Língua (instituições que ensinam a própria Língua).
Garantem a diferença de um determinado grupo. Estas políticas da Língua são muito importantes
para as minorias nacionais. Isto leva a mudanças legais, por exemplo, no Quebec, as crianças são
obrigadas a irem para a escola em francês.
Não existe nenhuma contradição entre o reconhecimento da igual dignidade (1ª fase) e o
reconhecimento da diferença (2ª fase). A política da diferença consiste em dizer que a igual
dignidade deve ser mantida, mas não basta; os indivíduos querem ser reconhecidos como
pertencentes a um grupo com identidade própria. Reconhecido na sua igualdade e na sua diferença.
A 2ª fase acentua a desigualdade cultural; a 1ª como que é cega nesse sentido.
Queremos políticas pelas quais o Estado assegure e mantenha a nossa especificidade
permanentemente.
Aula de 3 de Dezembro
Teoria de Will Kimlicka
Há um ponto de partida individualista, em que o indivíduo deve ter à partida as mesmas
liberdades (tal como em Rawls) – acesso ao sistema de liberdades (democrático). Mas estas
liberdades básicas não devem ser vistas como fim em si mesmo, mas como meios (ex.: liberdade de
deslocação – liberdade dá-nos possibilidade de sairmos do país; liberdade de expressão para
dizermos algo). As nossas opções de vida não são operadas no vazio, mas operadas dentro da
comunidade na qual nos integramos.
Cultura societal > contexto de escolha no qual exercemos as nossas liberdades. É um “Bem
social primário”.
Esta dimensão comunitarista torna-se mais forte quando Kimlicka diz que todos temos ligação
à nossa cultura societal (ligação afectiva, laços, etc). Todos os indivíduos necessitam da cultura
societal para exercer as suas liberdades, a partir das quais fazemos as nossas escolhas de vida. Para
aqueles que vivem numa cultura societal maioritária, as opções feitas no seu quadro são
perfeitamente aceitáveis. Opções equivalentes à cultura (contexto cultural). No mesmo Estado, por
vezes, várias culturas societais, mas estas não estão todas no mesmo plano (algumas maioritárias e
outras minoritárias). Quando minoritárias são desvalorizadas, estão em desvantagem; próprio
Estado veicula as maioritárias (ex.: o Português na escola), este não é actualmente neutro.
Resultado: indivíduos/membros das culturas minoritárias não têm um contexto que protege e
valoriza as suas escolhas.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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As políticas multiculturalistas visam proteger a cultura societal (o contexto de escolha) quer das
culturas maioritárias quer das minoritárias. O Estado deve modificar o seu próprio sistema legal
para conferir aos membros das culturas minoritárias o mesmo contexto de escolha:
“Direitos multiculturais”:
1.direitos de autogoverno;
2.direitos poliétnicos;
3.direitos especiais de representação política.
1.Aplicam-se a minorias nacionais (base territorial) e nesse sentido é que podem ter direitos de se
governarem a si mesmos; formas de autogoverno: formas de regionalização, autodeterminação, mas
a mais comum é a do Federalismo – cada estado tem o seu próprio governo.
2.Aplicam-se a grupos não nacionais/étnicos (sem base territorial); são direitos que protegem factos
específicos dessa comunidade (vestuário, língua, hábitos).
3.Consistem em garantir a presença de representantes das minorias em órgãos de política (comités,
parlamento); aplica-se à multinacionalidade ou polietnicidade.
Aula de 9 de Dezembro
Como vimos, Kymlicka parte da ideia de que cada indivíduo tem liberdades básicas (1º
princípio da justiça de Rawls). Essas liberdades são exercidas num determinado contexto; as
liberdades não especificam aquilo que os indivíduos fazem ou não > contexto societal ou
comunidade cultural. As liberdades são instrumentais.
Os indivíduos têm uma ligação especial à sua cultura ou alguns até a mais do que uma
cultura; esta relação não é infinita. Os indivíduos que pertencem às culturas minoritárias estão numa
posição menos boa porque o seu contexto de escolhas está em perigo perante a cultura maioritária.
Os direitos multiculturais servem para proteger o contexto societal.
Kymlicka faz uma espécie de tipologia de direitos que podem ser outorgados para proteger
as minorias.
A poligamia deveria ser legalizada? Não está legalizada porque a Mulher não está numa
posição de igualdade em relação ao Homem.
Distinção conceptual: protecções externas/restrições internas.
A reivindicação de direitos dentro de certos grupos minoritários podem contribuir para a
opressão dos indivíduos dentro desse grupo cultural. Um direito multicultural serve para proteger a
identidade de uma comunidade em relação a outras culturas (ex.: proteger a Língua). Os direitos
multiculturais são protecções externas que não devem interferir com direitos fundamentais.
Apontamentos de Filosofia Política 2009/2010 – Arnaldo Vareiro
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Quando os direitos multiculturais levam a conflitos com os direitos fundamentais estamos
perante restrições internas. O ponto de partida de Kymlicka é proteger as liberdades individuais;
protege-se melhor a comunidade para abrigar melhor as liberdades individuais e não o contrário.
Porque sofre o multiculturalismo tanta resistência? Os Estados nos quais vivemos partem da
espécie de um pressuposto de homogeneidade cultural (Kymlicka). Os Estados preferem fechar os
olhos à multiculturalidade. Os Estados constroem-se numa visão homogénea cultural (ideia de
protecção do Estado). Para Kymlicka, isto acontece porque há influência da Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948) – 30 artigos. Os dois últimos são relativos à ordem internacional. Os
outros são todos direitos. Não aparecem direitos multiculturais. Porquê? Contexto do pós-guerra. A
II Guerra Mundial está muito marcada pelo genocídio com bases raciais. Pensou-se que a melhor
forma de evitar isto seria considerar que todos os seres humanos têm os mesmos direitos e a mesma
dignidade. É um raciocínio que enfatiza a igualdade de direitos mas não a diferenciação cultural.
Segundo Kymlicka, os direitos multiculturais são complementares ao Estado de direito e aos
Direitos Humanos. Permitem que os diferentes Estados comecem a ver a diversidade cultural
através de políticas multiculturalistas e direitos multiculturais.
Taylor e Kymlicka caminham para políticas multiculturalistas. Kymlicka é mais claro no
favorecer destas políticas.
Resumo:
Multiculturalidade
(Facto)
Multiculturalismo?
Comunitarista Liberal-igualitária
Taylor (sim) Kymlicka (sim)
Walzer (depende) Rawls (nã)
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Numa posição liberal-igualitária pode-se ser favorável a políticas multiculturais mas
também pode-se não ser. As partes (Rawls) não sabem a que cultura pertencem; o Estado e a Lei
devem permanecer cegos à diferenciação cultural. O comunitarismo pode valorizar a
homogeneidade cultural ou a diferenciação cultural.
Walzer – cada Estado é que tem de definir o que deve ser considerado Bem e como dever ser
distribuído. Umas comunidades podem entender proteger a homogeneidade outras a diferenciação.
Depende do contexto cultural.
Nozick – Estado mínimo. O libertarismo é anti-paternalista. Deve-se sempre insentar.
Informações para o teste (16/12):
Estrutura: uma lista de temas de entre os quais escolhemos 3 para desenvolver entre 1 e 2
páginas.
Critérios de correcção:
apresentação e legibilidade (2 valores)
adequação e rigor dos conteúdos (3 valores por ensaio)
estruturação ou ordenação do texto (2 valores por ensaio)
espírito crítico (1 valor por ensaio)
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