Apontamentos psicologia analitica

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DOCUMENTO ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.4, n.1, p.110-144 , dez. 2002. 110 APONTAMENTOS SOBRE A PSICOLOGIA ANALÍTICA DE CARL GUSTAV JUNG 1 Luís Marcelo Alves Ramos Resumo: O texto faz uma introdução à Psicologia Analítica do psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung: define o conceito de Psicologia Analítica, traz uma biografia resumida de Carl Gustav Jung, indica as principais diferenças entre a Psicologia Analítica e a Psicanálise, descreve a estrutura e o funcionamento da psique e, por fim, apresenta sinteticamente as características dos tipos de personalidades traçadas por Jung. Palavras-chave: Psicologia Analítica; Psicanálise; Freud e Jung; Psique; Tipos psicológicos Abstract: The text makes an introduction to the Analytical Psychology of the psychologist and swiss psychiatrist Carl Gustav Jung: it defines the concept of Analytical Psychology, brings a summarized biography of Carl Gustav Jung, indicates the main differences between Analytical Psychology and the Psychoanalysis, describes the structure and the functioning of psyche and, finally, presents synthetically the characteristics of the types of personalities traced by Jung. Key words: Analytical Psychology; Psychoanalysis; Freud and Jung; Psyche; Psychological types 1. Aula ministrada em três módulos (dias 24/10, 31/10 e 07/11 de 2002) aos alunos do curso de graduação em Administração da UNOPEC (União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural) de Sumaré - SP.

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APONTAMENTOS SOBRE A PSICOLOGIA ANALÍTICA DE CARLGUSTAV JUNG 1

Luís Marcelo Alves Ramos

Resumo: O texto faz uma introdução à Psicologia Analítica do psicólogo e psiquiatra suíçoCarl Gustav Jung: define o conceito de Psicologia Analítica, traz uma biografia resumida deCarl Gustav Jung, indica as principais diferenças entre a Psicologia Analítica e aPsicanálise, descreve a estrutura e o funcionamento da psique e, por fim, apresentasinteticamente as características dos tipos de personalidades traçadas por Jung.

Palavras-chave: Psicologia Analítica; Psicanálise; Freud e Jung; Psique; Tipospsicológicos

Abstract: The text makes an introduction to the Analytical Psychology of the psychologistand swiss psychiatrist Carl Gustav Jung: it defines the concept of Analytical Psychology,brings a summarized biography of Carl Gustav Jung, indicates the main differencesbetween Analytical Psychology and the Psychoanalysis, describes the structure and thefunctioning of psyche and, finally, presents synthetically the characteristics of the types ofpersonalities traced by Jung.

Key words: Analytical Psychology; Psychoanalysis; Freud and Jung; Psyche;Psychological types

1. Aula ministrada em três módulos (dias 24/10, 31/10 e 07/11 de 2002) aos alunos do curso de

graduação em Administração da UNOPEC (União das Faculdades da Organização PaulistanaEducacional e Cultural) de Sumaré - SP.

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DEFINIÇÃO DE “PSICOLOGIAANALÍTICA”

É um conjunto de conhecimentos (teoria)que procura investigar e explicar aestrutura e o funcionamento da psique euma categoria de psicoterapia (prática)formulada inicialmente pelo psiquiatra epsicólogo suíço Carl Gustav Jung. Apóssua morte, a Psicologia Analítica passa areceber reformulações pelos neo-junguianos.

Gênese:

- Formulada por Carl Gustav Jung(psicólogo e psiquiatra suiço)

É um dos mais importantes pensadoresda Psicologia Clínica

Sua obra científica está intimamenteassociada aos acontecimentos de suaprópria vida e ao estudo de seus casosclínicos

- Início do séc. XX (oficialmente otermo Psicologia Analítica foi utilizadopor Jung em 1913, porém, suas basesforam sendo geradas em alguns anosanteriores)

- É uma teoria / prática psicodinâmica(enfatiza os fatores internos da psique)

A VIDA DE JUNG E O INÍCIO DAPSICOLOGIA ANALÍTICA

- Nasce em 1875, em Keswill, na Suíça.Sua família é luterana. Seu pai é pastor.

- Desde criança chamam-lhe a atençãoos estudos sobre a natureza (Biologia),o embate entre as ciências e asreligiões, a idéia de “Deus” (sobretudoa contradição sobre a origem do bem e

do mal), entre outros temas daBiologia, da Filosofia e da Teologia.Jung foi uma criança bastante sensívele de uma sagacidade intelectualnotável, o que, mesmo assim, não lhepoupou alguns dissabores, como um laralgumas vezes um poucodesestruturado e a inveja dos colegas,bem como a solidão.

- De 1895 a 1900 estuda Medicina naUniversidade da Basiléia, Suíça.

- Em 1900 torna-se assistente de EugenBleuler no Burghölzli (hospitalpsiquiátrico), em Zurique, Suiça.

- Também em 1900 lê a obra “Ainterpretação dos sonhos” de Freud, oque lhe desperta interesse pelaPsicanálise.

- Em 1902 defende sua Tese deDoutorado.

- De 1905 a 1909 é Chefe de Clínica noBurghölzli.

- De 1905 a 1913 leciona na Faculdadede Medicina de Zurique e atrai ainimizade de alguns acadêmicos aodefender algumas idéias (porém, nemtodas) de Freud.

- Em 1907 dá-se seu primeiro encontrocom Freud (a conversa dura 13 horas).Jung é aceito no estreito círculo depsicanalistas de Freud.

- Em 1909 abre sua clínica particular.- De 1910 a 1914 exerce o cargo de

Primeiro Presidente da AssociaçãoPsicanalítica Internacional (pelavontade de Freud).Freud considera-se como um pai deJung (sem a concordância deste) e diztomá-lo como seu “príncipe herdeiro”.Já a partir de 1909 Jung (na ocasião deuma visita de Jung e Freud aos EstadosUnidos a convite de universidadesdesse país) começa a expôr algumas desuas próprias idéias a Freud, que asconsidera “meras tolices”.

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- Em 1913 Jung funda a PsicologiaAnalítica ao publicar uma obra(“Metamorfoses e símbolos da libido”)em que expõe abertamente suaspróprias idéias em grande partecontrárias à Psicanálise (entre algunsexemplos, acredita na importância dasexualidade na vida humana, porém,não a considera como o único eprincipal motivo propulsor da vida edas causas das doenças psíquicas;discorda do método de interpretaçãodos sonhos estruturado por Freud eformula seu próprio método; e critica avisão positivista de Freud sobre aPsicologia. Ao contrário deste, crê naimportância da busca da espiritualidadee do papel das religiões para uma vidasaudável). Devido a isso, Freud rompeo vínculo profissional e a amizade comJung. Após esse fato nunca mais emsuas vidas os dois trocariam palavras.Para Paul Roazen, a fecunda etumultuada amizade entre Freud e Jungé um dos marcos da história dopensamento e da cultura ocidental(várias obras foram publicadas acercadesse fato).O rompimento dessa amizade impediua continuação de uma parceria quepoderia ter contribuído para umdesenvolvimento ainda maior daPsicologia.Durante alguns anos, após esserompimento com Freud, Jung passarápor um período de solidão pessoal eprofissional. Os “amigos” do círculopsicanalítico (muitos deles mantinhaminveja de Jung) se distanciam. Outrosamigos (estes também dissidentes deFreud) conservam-lhe a amizade. Como tempo, Jung formará seu própriocírculo de amigos e colaboradores(principalmente mulheres) que irápropagar a Psicologia Analítica pelomundo.

- Por volta de 1915 inicia seus estudossobre Gnose, Alquimia e PsicologiaOriental, donde retira elementos quedoravante estarão sempre presentes nasua Psicologia Analítica.

- De 1918 a 1919 serve na PrimeiraGuerra Mundial como Comandante-Médico do campo de internação desoldados ingleses.

- Em 1923 termina a construção da“Torre de Bollingen” (uma construção,em moldes suíços antigos, perto doLago de Zurique, onde “vivia seuverdadeiro eu”).Ainda nesse ano trava amizade comRichard Wilhelm (autor do “I Ching - olivro das mutações”, prefaciado porJung), filólogo e grande conhecedor dacultura chinesa. Jung receberá destehomem um amplo conhecimento sobreo budismo e o taoísmo.

- De 1924 a 1925 visita aldeias dosíndios pueblos no Novo México(EUA). Trava contato com xamãs(chefes religiosos, homens sagrados),com os quais recebe conhecimentossobre a filosofia, psicologia e religiãodesses povos.

- De 1925 a 1926 faz uma expedição àUganda e ao Quênia (África). Conheceas nascentes do Rio Nilo. Visita tribosdos aborígenes Elgonys no MonteElgon, onde aprende sobre a filosofia,psicologia e religião desses nativos.

- Em 1933 viaja ao Egito e à Palestinaem busca de conhecimentos de outrasculturas, que não a européia.

- Em 1934 é eleito Presidente daSociedade Médica Geral paraPsicoterapia.

- Em 1938 viaja à Índia a convite dogoverno britânico, onde conhece váriosyogues, homens portadores do saberreligioso da cultura hindu.

- Em 1944 é nomeado para lecionar naFaculdade de Medicina da Basiléia,

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numa cátedra de Psicologiaespecialmente criada para ele.

- Após o término da Segunda GuerraMundial (1945) escreve sobre asorigens psicológicas do nazismo. Seusinimigos políticos distorcemdeliberadamente suas idéias epromovem uma intriga de vastaamplitude social acusando-o de sersimpatizante dos nazistas. Seus amigosde origem judia prontamente acorrem aseu favor e criticam publicamenteaqueles que promoveram tal enredo.

- Em 1948 é inaugurado o Instituto CarlGustav Jung, em Zurique.

- Em 1957 inicia a redação de suaautobiografia (intitulada “Memórias,sonhos e reflexões”. É editada, apedido de Jung, após sua morte).

- Morre em 1961, aos 86 anos, em suacasa à beira do lago, em Zurique,Suiça.

Durante sua vida, recebeu vários títulosde doutor honoris causa.

Deixou um vasto legado para aMedicina, a Psicologia, a Antropologiae as demais ciências humanascondensado numa obra científica de 18volumes, além de outros importantesescritos (incluindo sua autobiografia).É um dos pensadores mais importantesda história da humanidade. Não só umpensador, um cientista, mas um homemsábio.

OBSERVAÇÕES INICIAIS

Em sua autobiografia (“Memórias, sonhose reflexões”) Jung diz que, quandocriança, sentia possuir duaspersonalidades: um “eu” público,exterior, envolvido com seu mundofamiliar, e um “eu” secreto, que tinhauma proximidade especial com a naturezae com “Deus”.

O sentimento de necessidade daintegração entre esses dois “eu” (umvoltado para o mundo exterior e outropara o mundo interior) incitou seuempenho pela busca do conhecimento de“si mesmo”, daí seu interesse pelaPsiquiatria e pela Psicologia.

Jung desde cedo, por um lado, questionoua validade de uma fé cega (que via em seupai, um pastor luterano), que não permiteo questionamento de seus dogmas e, poroutro, também questionou a legitimidadede uma ciência de cunho positivista(“objetiva”), que não considera aimportância da experiência “espiritual”.

Procurando romper com essa dicotomia(contradição) entre o conhecimentoreligioso e o científico, Jung procurou nasua vida e obra apresentar a possibilidadede uma relação dialética (de “troca”,interação) entre esses dois saberes(antagônicos, para muitas pessoas).

Ao longo de sua vida experimentousonhos e visões de notáveis característicasmitológicas e religiosas, os quaisdespertaram o seu interesse por mitos,sonhos, alquimia e a psicologia dareligião (ocidental e oriental): religiõespré-cristãs, cristianismo (catolicismo,protestantismo e gnosticismo), islamismo,budismo, hinduísmo, taoísmo,xamanismo, entre outras religiões.

A par dessas experiências, certosfenômenos parapsicológicos emergiramna sua vida, sempre redobrando seuespanto e questionamento.

Também travou amizades e diálogos compersonagens célebres da história noscampos da ciência, da política, daeconomia e das artes. Contudo, conformerelata na sua autobiografia, poucos dessesencontros lhe representaram algo

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marcante. As pessoas que mais lhedespertaram o interesse e com as quaismais aprendeu sobre os “segredos” davida em geral foram as personagensanônimas, desconhecidas do público emgeral, que passaram por seu consultório.

É desse amplo leque de estudos evivências que Jung estruturou suaPsicologia Analítica, procurando, a par daprodução de sua obra científica, viver elemesmo sua busca pelo conhecimento se“si mesmo”, pelo crescimento“espiritual”.

FREUD E JUNG

Por volta de 1900 Jung interessou-se pelaPsicanálise ao ler “A interpretação dossonhos” de Freud.

Em 1907 deu-se o primeiro encontroentre Freud e Jung (uma conversa quedurou treze horas).

Inicialmente Freud tomou Jung como“seu filho, seu príncipe herdeiro”,fazendo, inclusive, que Jung se tornasse oprimeiro Presidente da AssociaçãoPsicanalítica Internacional (1910-1914).

Entretanto, apesar de defender algumasidéias de Freud (o que lhe valeuinimizades no mundo acadêmico comuma conseqüente dispensa da docência naFaculdade de Medicina de Zurique), Jungpossuía ideais próprios, muitos dos quaisforam considerados por Freud como“meras tolices”.

Em 1910 Jung ao editar seu livro“Metamorfoses e símbolos da libido”, emque expõe diversas idéias contrárias àPsicanálise, tem como reação de Freud aruptura de suas relações profissionais e desuas amizades.

Após esse fato nunca mais nas suas vidasvoltariam a trocar palavras (Freud faleceuem 1939, aos 83 anos).

APONTAMENTOS SOBRE ASPRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTREA PSICANÁLISE (FREUD) E APSICOLOGIA ANALÍTICA (JUNG)

01. A origem do inconsciente

Freud : - a criança nasce uma tábularasa, um ser “vazio”,meramente biológico(animal), sem psiquismo. Oinconsciente surge aposteriori ao nascimento apartir da “primeira mamada”,sendo um mero depositáriode recalques, de desejossexuais (pulsões). No dizerde Freud, o inconscientepode apenas desejar(sexualmente).

Jung : - Jung faz a distinção entreinconsciente pessoal einconsciente coletivo.O inconsciente pessoal surgea posteriori ao nascimentocomo resultado dasexperiências de vida doindivíduo (assemelha-se àsnoções de pré-consciente einconsciente da Psicanálise).O inconsciente coletivo surgea priori ao nascimento. Éherdado de forma psicológicae biológica, nasce com acriança. É, portanto, ummaterial inato da psique. Éformado pelos arquétipos,núcleos instintivos, passadosde geração a geração(psíquica e biologicamente).

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Obs.: - Para Freud o inconscienteinterfere no comportamentono sentido da busca dasatisfação das pulsões(desejos sexuais) advindas doid, bem como na “censura”dessa satisfação.Para ele, o ego (núcleo daconsciência) não podemodificar a natureza doinconsciente.

- Para Jung o inconsciente(pessoal e coletivo) interfereno comportamento não só nosentido de empenho dasatisfação do prazer sexual,mas, também, através demecanismos desobrevivência, de procura desatisfação afetiva e social, dedesenvolvimento pessoal, debusca do conhecimento de simesmo e da experiêncianuminosa (ver obs. seguinte).Para ele, há uma relaçãodialética (de “trocas” deenergia psíquica - libido)entre o eu (núcleo doconsciente) e o inconsciente,dada pelo processo deindividuação (busca davivência do “si mesmo”), emque ambos se transformam,possibilitando que oindivíduo vivencie um estadode “totalidade” psíquica.No entanto, a vivência do simesmo é uma possibilidade enão um destino. O processode individuação pode ou nãoser levado a cabo (issodepende das condiçõesinternas (psíquicas) eexternas (sociais) nas quaisse encontra o indivíduo).

- Jung empresta o termonuminosidade de Rudolf Otto(1869-1927), teólogo efilósofo alemão, quecaracteriza o numinoso comoum sentimento único (deintegração, de comunhão,com o universo) vivido naexperiência religiosa, aexperiência do sagrado (quedá sentido à vida e à morte).

02. O conceito de libido

Freud : - conceitua a libido comoenergia psíquica (quemovimenta o psiquismohumano) de naturezaunicamente sexual.

Jung : - conceitua a libido comoenergia psíquica (energiavital) que inclui não apenas asexualidade, mas, também,outros elementos: instintos desobrevivência (sede, fome,agressividade, necessidade deproteção física, etc.), a buscade relações afetivas e sociais,do desenvolvimento pessoal,do conhecimento de simesmo e da experiêncianuminosa.

Obs.: - Jung aponta que para muitaspessoas a vivência dasexualidade e a buscaespiritual são consideradascomo algo antagônico(contraditório) uma vez quetais pessoas associam asexualidade ao pecado (algo,então, contrário àespiritualidade). Nesse ponto,

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Jung indica que uma vidasaudável (não neurótica)permite a integração entre asexualidade e aespiritualidade. Tanto avivência de uma sexualidadesatisfatória como daexperiência espiritual énecessária ao equilíbrio(homeostase)psicofisiológico.

03. A origem da doença psíquica

Freud : - a doença psíquica tem suaorigem em traumas sexuaissofridos na infância.

Jung : - a doença psíquica tem suaorigem numa exacerbadadissociação entre elementosdo consciente e doinconsciente (contradiçõesinternas experienciadas pelosujeito) que impede avivência da totalidadepsíquica (essa dissociaçãopode ou não ter umfundamento de naturezasexual).

04. Método psicoterápico

Freud : - uso da associação livre,interpretação de sonhos,valorização da relaçãotransferencial e do diálogoatravés da utilização do divã.

Jung : - uso da associação livre e daimaginação ativa,interpretação de sonhos,produção de desenhos,valorização da relação

transferencial e do diálogoface a face.Em estudos sobre asincronicidade (ver aexplicação do conceito maisadiante) Jung tambémutilizou o oráculo do I Chingem consultas (medianteautorização do paciente e ouso de uma metodologiacientífica rigorosa paraanalisar as experiênciasrealizadas com o oráculo).

Obs.: - Embora Freud e Jungutilizassem apenas amodalidade de psicoterapiaindividual, na atualidade,tanto Psicanalistas comoPsicólogos Analíticos, alémde fazerem uso dapsicoterapia individual,também fazem uso dapsicoterapia em grupo.

05. Teoria do desenvolvimento dapersonalidade

Freud : - Freud, além de formular ummodelo de estrutura dapsique (1a e 2a tópicas) eexplicar seu funcionamento(instâncias econômica, tópicae dinâmica), também elaborauma teoria dodesenvolvimento dapersonalidade (períodos pré-genital, de latência e genital).

Jung : - Jung formula um modelo deestrutura da psique(consciente e inconsciente -pessoal e coletivo), porém,não elabora uma teoria dodesenvolvimento da

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personalidade da infância àfase adulta. Seus estudosenfatizam o desenvolvimentoda personalidade a partir daidade adulta.Esse é um ponto em que Jungdeixa uma “lacuna” na suaPsicologia Analítica por nãoter reconhecido a importânciade determinados aspectos dateoria do desenvolvimento dapersonalidade de Freud.A formulação de uma teoriade base junguiana dodesenvolvimento dapersonalidade que engloba ainfância à maturidade coubeaos neo-junguianos que,ironicamente,fundamentaram-se naPsicanálise para elaborá-la(porém, não na Psicanáliseortodoxa de Freud, mas nareleitura da Psicanálise deMellanie Kleine).

06. Teoria da interpretação dossonhos

Freud : - o sonho é um mecanismopsíquico de expressãoencoberta das pulsões(desejos sexuais) e de suagratificação parcial.Uma vez que o indivíduo nãopode satisfazer determinadaspulsões na sua vida, o sonhoatua como um mecanismopsíquico que permite que asatisfação dessas pulsões sejaparcialmente realizada,evitando possíveissofrimentos psíquicos (porexemplo, neuroses).O sonho possui um conteúdomanifesto (imagens e

mensagens envolvidas pormecanismos de simbolizaçãoe distorção que visam“censurar” a expressão daspulsões) e outro latente(encoberto pelo conteúdomanifesto, representa aexpressão das pulsões).Assim, para Freud, oconteúdo simbólico do sonhomascara o que ele querrealmente “dizer” (aexpressão das pulsões, dosdesejos sexuais).

Jung : - o sonho é um mecanismopsíquico que revela um“mapa” do desenvolvimentoda personalidade na busca(consciente ou inconsciente)da vivência do si mesmo(processo de individuação).Não esconde o que quer“dizer”. Muito pelo contrário,expressa realmente o quequer expressar, porém,através de símbolos.Ao contrário do quesustentava Freud ao dizer queos símbolos escondem o realsignificado dos sonhos (aexpressão de pulsões, desejossexuais), Jung acredita que ossímbolos exprimem o realsignificado dos sonhos (um“mapa” do processo deindividuação).

07. Religiosidade

Freud : - Freud fundamenta aPsicanálise a partir de umafilosofia positivista, que tomacomo legítima apenas asciências cartesianas,“objetivas”. Assim, não há

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espaço para a vivência dareligiosidade na Psicanálise.A concepção de Deus paraFreud é associada à procurapelo indivíduo da figura do“pai protetor da infância”: aimagem do “pai protetor”de sua infância é projetada nafigura de Deus.

Jung : - Jung considera importantepara a saúde psíquica avivência da religiosidade(entendida comonuminosidade), da buscaespiritual.Segundo ele, o processo deindividuação está associado àvivência dessa numinosidade.Em alguns de seus escritosinformais (cartas eautobiografia), Jung revela aimportância que dava à buscade Deus (Jung entendia Deuscomo uma “consciência einconsciência cósmica”,como a “natureza” e nãocomo um “ser” criadordissociado de sua criação. Aconcepção de Deus de Jungassemelha-se à concepção deDeus de algumas doutrinascristã-gnósticas).Nas suas obras científicasJung nunca fala de Deus, masda imagem de Deus na alma.Isto não constitui umacontradição: por um lado, suaafirmação é subjetiva,baseada numa vivência e, poroutro, é uma constataçãocientífica e objetiva.No primeiro caso, é o homemreligioso que fala, o homemcujos pensamentos sãoinfluenciados porsentimentos poderosos e

apaixonados, por intuições eexperiências interiores eexteriores de uma vida longae fecunda. No segundo, é ocientista que toma a palavra,e suas afirmações nãoultrapassam os limites doconhecimento científico,restringindo-seconscientemente a fatosdemonstráveis.Portanto, na sua obracientífica Jung nuncaprocurou provar a existênciaobjetiva de Deus, masdemonstrou que no plano dasubjetividade a vivência donuminoso é possível econstitui um fatorfundamental para a saúdepsíquica .

08. Paranormalidade

Freud : - possuía uma filosofiapositivista sobre a vida e aciência. Por essa razão, nutriareceio e distância em relaçãoaos fenômenos paranormais.

Jung : - durante toda sua vidaexperienciou certosfenômenos paranormais(extra-racionais). Tambémlevava em alta consideraçãoas situações deparanormalidade vivenciadaspor seus pacientes. Por taismotivos, sustentou uminteresse especial pelo estudodesses fenômenos(particularmente pelasincronicidade, um conceitopor ele criado e que seráexplicado mais adiante).

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09. Teoria do desenvolvimentocognitivo/afetivo e da aprendizagem

Tanto Freud como Jung não formularamuma teoria sobre o desenvolvimentocognitvo/afetivo e da aprendizagem.Na história da Psicologia os grandesexpoentes da produção de teorias dodesenvolvimento cognitivo e daaprendizagem são o biólogo francês JeanPiaget (Teoria psicogenética) e opsicólogo soviético Lev Vigotsky (TeoriaSócio-Histórica).Vigostsky também traz contribuições paraa formulação de uma teoria sobre odesenvolvimento afetivo. Entretanto, odesenvolvimento dessa teoria ganha maispeso com determinadas vertentes teórico-metodológicas da Psicologia Social.

10. Gênese social da doença mental

Uma das críticas freqüentes à Psicanálisee à Psicologia Analítica está relacionada à“psicologização” (“tudo é psicológico”)das causas das doenças psíquicas. Emsuas elaborações iniciais, estas duasteorias/práticas consideram apenas comogênese das doenças mentais os fenômenosdecorrentes de elementos internos doindivíduo (fatores psicológicos ebiológicos) sem considerarem ainfluência do meio social (contextosocial, econômico, político, histórico,cultural e geográfico em que o indivíduoestá inserido) como possível causa dessesdistúrbios.Tais críticas vêm de áreas doconhecimento como a Psicologia Social, aAntropologia, a Esquizoanálise, entreoutras.Se por um lado a crítica é legítima, pois,de fato, as doenças mentais têm emgrande parte causas sociais, por outro,devemos considerar que tanto Freud

como Jung foram pioneiros nodesenvolvimento do conhecimentopsicológico e construíram suas teoriascom base nos saberes e limites teórico-metodológicos até então dados em suasépocas.Assim, embora Freud e Jung tenhamdeixado “lacunas” em suas teorias (algoinerente ao trabalho de qualquercientista), não se pode de forma algumanegar a importância da produção doconhecimento por eles deixados.Nesse ponto é importante enfatizar quetanto a Psicanálise como a PsicologiaAnalítica receberam reformulações deoutros cientistas (psicanalistas,esquizoanalistas, psicólogos neo-junguianos, psicólogos sociais,antropólogos e sociólogos) queconsideram a importância da influênciasocial na gênese e desenvolvimento dasdoenças psíquicas.

ESTRUTURA DO APARELHOPSÍQUICO (PSIQUE)

Para Jung a psique está estruturada emtrês elementos:

CONSCIENTE- Tem como núcleo o “eu” (assemelha-

se ao ego psicanalítico).- Sistema do aparelho psíquico que

mantém contato com o mundo interior(processos psíquicos, internos) eexterior (meio ambiente, sociedade) dosujeito.

- Na consciência destacam-se osmecanismos de percepção, de atenção,de memória e de raciocínio.

- As pessoas são conscientes apenas deuma pequena parcela de sua vidapsíquica.

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INCONSCIENTE PESSOAL- Formado pelas camadas mais

superficiais do inconsciente.- Sistema onde permanecem os

conteúdos inconscientes derivados davida do indivíduo (sua formação é,portanto, a posteriori ao nascimento).Geralmente não possuem energiapsíquica suficiente para permaneceremno campo da consciência: conteúdos deexperiências de vida, conflitospsicológicos (denominados por Jung de“complexos”) e desejos pessoais(sexuais ou não) não realizados.

- Alguns de seus conteúdos podemadquirir energia psíquica suficientepara irromperem na consciência. Issoocorre através de lembranças, sonhos efantasias.

INCONSCIENTE COLETIVO- Formado pelas camadas mais

profundas do inconsciente.- Constituído por elementos

denominados de arquétipos.- Os arquétipos são núcleos instintivos

passados de forma psicobiológica degeração a geração (a gênese doinconsciente coletivo é, portanto, apriori ao nascimento. A criança jánasce com ele). Trazem padrões decomportamento herdados dahumanidade desde seu surgimento.Ex.: Um exemplo clássico é quando

um indivíduo vivencia umasituação de perigo e age deforma inusitada (um padrão decomportamento não esperado)para se desvencilhar dela.Não é raro ouvirmos de pessoasque passaram por situações dessanatureza dizerem “Não sei comoconsegui fazer ‘aquilo’ paraconseguir sair daquelasituação!”.

Se agisse de forma refletida,consciente, através apenas dosmecanismos psicológicos do eu,talvez a pessoa não conseguiriater saído de tal situação deperigo.O que ocorre é que um arquétipotomou conta da consciência(subjugando, eclipsando, o eu) efez com que o sujeito agisse deforma inconsciente paradesvencilhar-se do perigo.Nesse caso, tal arquétipo traz emsi as experiências da humanidade(desde sua origem) que guardamum conhecimento sobre o“escapar de um perigo”.A situação de perigo fez com queesse arquétipo fosse ativado,fazendo com que o indivíduoagisse inconscientemente paraescapar da situação.

- Os arquétipos são inúmeros,incontáveis, porém, Jung nomeiaalguns que estão em permanentecontato com o eu. São eles: a persona,a sombra, a anima, o animus e o self -este também é denominado de simesmo e constitui o núcleo central nãosó do inconsciente, mas, também, detoda a psique (será falado sobre anatureza desses arquétipos maisadiante).

- A camada mais profunda doinconsciente coletivo é denominada dePsicóide. Esta camada se relaciona aosacontecimentos que ultrapassam asexplicações cientificamente objetivassobre as relações causais entrefenômenos psíquicos e físicos. Taisfenômenos possuem uma ligaçãocausa-efeito que desafiam asexplicações da física clássica acerca dedeterminadas relações entre a psique, oespaço e o tempo.São manifestações da Psicóide: sonhose visões premonitórias (precognição),

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percepção extra-sensorial (PES),fenômenos de sincronicidade(“coincidências” que na realidade nãosão bem “coincidências”), telecinésia(movimentação e materialização deobjetos sem contato físico),desdobramento astral, visão áurica,combustão espontânea (a pessoaincendeia-se através de um “fogo frio”que surge espontaneamente, semcausas externas, consumindo apenas apessoa e nada mais ao seu redor. Osparapsicólogos relacionam essefenômeno ao desejo de autodestruição,de suicídio).

- Esses fenômenos são estudados pelaParapsicologia. Jung interessou-separticularmente pelo estudo dasincronicidade (um conceito criado porele e também estudado por WolfgangPauli, um físico agraciado com oPrêmio Nobel de Física. Jung escreveuum livro em que relata e defende aexistência de fenômenos desincronicidade).No campo da Física, é a FísicaQuântica que estuda estes fenômenos.Recentemente estas manifestaçõesestão sendo objeto de estudo de váriosmédicos (estudam a natureza dos“milagres” e da influência dareligiosidade na cura das doençaspsíquicas e fisiológicas).

Manifestações do inconsciente (pessoale coletivo):

- comportamento (grande parte de nossascondutas é inconsciente, escapa à açãodo nosso eu)

- sonhos- fantasias- atos falhos- lapsos de linguagem- lembranças- desenhos- doenças mentais

- fenômenos paranormais (extra-racionais)

Obs.: considerando que passamos umsignificativo tempo de nosso diadormindo (de 1/3 a 1/5 dele),então, passamos uma boa partede nossa vida em estado deinconsciência (ou seja, de 1/3 a1/5 dela). Isso sem contar asinterferências do inconsciente naconsciência durante nosso estadode vigília.

Os elementos do inconsciente (pessoal ecoletivo) podem ser ativados atravésde:

- situações cotidianas (as mais diversas)- memória- sono- psicoterapia (associação verbal,

associação livre, hipnose, imaginaçãoativa, transferência, produção dedesenhos, uso de brinquedos, etc.)

- expressões artísticas- rituais

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Diagrama do aparelho psíquico (psique)

CONSCIENTE CONSCIENTE CONSCIENTE “EU” “EU” “EU”

INCONSCIENTE INCONSCIENTE INCONSCIENTE PESSOAL PESSOAL PESSOAL

INCONSCIENTECOLETIVO“ARQUÉTIPOS”

O núcleo central da psique (consciente e inconsciente) é o “self”

Obs.: no diagrama, o indivíduo é representado por um iceberg

Consciente: é a ponta do iceberg dapsique. Tem como núcleo central o eu.Geralmente uma pequena parcela denossas ações é consciente. A maior parteé inconsciente (mesmo no estado devigília e, principalmente, no estado desono - passamos de 1/3 a 1/4 de nossasvidas dormindo, ou seja, em estado deinconsciência).

Inconsciente pessoal: é a base do icebergda psique. É a camada mais superficial doinconsciente, a parcela do inconscienteprópria de cada pessoa.

Inconsciente coletivo: é o mar, onde seencontram os icebergs (na prática, oinconsciente coletivo realmente muitasvezes se manifesta nos sonhos assumido aimagem do mar, do oceano). É formadopelos arquétipos. Todas as pessoas (osicebergs) têm acesso aos conteúdos(arquétipos) do inconsciente coletivo(pois estão “mergulhadas” nele), ao

mesmo tempo em que “ele” se expressaem todas as pessoas.O inconsciente coletivo é o “elo” dapsique que une toda a humanidade (e,também, os demais animais, pois estestambém estão “mergulhados” noinconsciente coletivo), tal como os genessão os “elos” que unem biologicamenteos seres viventes.

A idéia de um elo comum (psíquico ebiológico) entre todas as coisas viventesjá era expressa nas primeiras religiões dahistória da humanidade através dos mitos(e ainda o é nas religiões atuais). HermesTrismegistus, fundador do hermetismo,uma antiga religião egípcia, por exemplo,dizia que “tudo é uma coisa só”.

Em muitas religiões o inconscientecoletivo é tomado como a figura de Deus.

Essa idéia também é expressa muitasvezes nas artes. Em “O império do Sol”,

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por exemplo, a personagem principal dofilme faz um questionamento sobre Deusque remete à idéia do inconscientecoletivo: “Quem sabe se ele não é nossossonhos e nós o dele !?”

ARQUÉTIPOS

Tal como havia mencionadoanteriormente, os arquétipos constituem oinconsciente coletivo. Tratam-se denúcleos instintivos passados de formapsicobiológica de geração a geração,trazendo padrões de comportamentoherdados da humanidade desde seusurgimento.São inúmeros os arquétipos, porém, Jungnomeia alguns que estãopermanentemente presentes nas nossasvidas, influenciando de formainconsciente nossas condutas: a persona,a sombra, a anima, o animus e o self (simesmo). Os arquétipos geralmenteencobrem, eclipsam, a ação do eu.Achamos que somos “senhores de nósmesmos”, “senhores de nossas ações e denossos desejos”, mas, na maioria dasvezes, não somos. Outros “eu” (osarquétipos) freqüentemente direcionamnossos pensamentos, sentimentos e ações.E embora ao tomarmos consciência desuas existências possam parecer estranhosa nós, fazem parte de nós, queiramos ounão.

A persona- Persona é um termo emprestado por

Jung do teatro grego antigo, quedesignava as “máscaras” (váriaspersonagens) desempenhadas pelosartistas.

- É um arquétipo de adaptação ao meiosocial, necessário à vida em sociedade.

- Não corresponde à personalidadeverdadeira do indivíduo (Jungdenomina a personalidade de alma -

não no sentido espiritual). A personaestá associada às “máscaras” queutilizamos para desempenhar papéissociais que não correspondemrealmente à nossa alma(personalidade).

- A persona pode agir de formaautônoma, ou seja, o indivíduo passaagir como uma “máscara”, adesempenhar comportamentos que nãocondizem realmente com suapersonalidade. A persona representa oque a sociedade espera do indivíduoem termos de desempenho de papéissociais.

- Por ser um arquétipo, exercendogeralmente um papel autônomo naconsciência (ofuscando a visão do eu),é mais freqüente que o indivíduo nãotenha consciência da existência de suapersona.

Possui dois aspectos:

- positivo : pode propiciar aadaptação do indivíduoao meio social, semprejudicar a expressãodas qualidades de suaalma (personalidade).Ex.: O indivíduo passa a

exercerdeterminado cargoprofissional (queexige odesempenho dedeterminadospapéis) sem deixarde ser a pessoa“que eraanteriormente”.

- negativo : ocorre quando o euidentifica-se com apersona, desconsiderandoos reais elementos dapsique que constituem

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sua personalidade. Nessecaso, o indivíduo passa aser uma “máscara”, uma“impostura”.Ex.: A pessoa ao passar

a exercerdeterminado cargoprofissional passa aser “mascarada”.Deixa de “ser amesma pessoa queera antes”.

A sombra- Trata-se de um arquétipo (geralmente

desconhecido do eu) que tende a serprojetado nos outros. Esse arquétipoesconde nossas virtudes e defeitos.

Possui dois aspectos:

- positivo : esconde qualidadespositivas, virtudes, asquais o próprio indivíduonão possui consciência.Ex.: Pessoas que

praticamdeterminadasatividades altruístassem se darem contado valor socialdessas ações.

- negativo : é o lado “sombrio”,“negro” do ser humanoque tende a ser projetadonos outros.Ex.: A pessoa julga umaoutra de invejosa quandoé ela mesma que o é.

Aqui se incluemtodos os gêneros dequalidadesnegativas da“alma” humana:inveja, egoísmo,

ciúme doentio,ódio, mesquinhez,mentiras,falsidades, entreoutras.

Obs.:- Sendo um arquétipo (um elemento da

psique coletiva) a sombra não raras asvezes manifesta-se de forma coletivaatravés de comportamentos impulsivose agressivos.Ex.: Por exemplo, quando sai brigas

em partidas de futebol, ocorre oque na Psicologia é nomeado de“contágio psíquico”. Muitostorcedores ageminconscientemente de formaimpulsiva e agressiva, fazendocoisas que não fariam em seu“perfeito juízo” (a menos queseja um psicopata, que agedeliberadamente de formaagressiva).Nesse caso, o eu (o elemento daconsciência que pondera sobre osatos do indivíduo através do usoda razão) de cada torcedor éeclipsado pela sombra (o lado“negro,”, “sombrio” da naturezahumana) que se manifesta, nessecaso, de maneira coletiva e emforma de agressão.É por isso que um indivíduosozinho pode ser incapaz deexprimir certos atos violentosque consegue tranqüilamenteproduzir em grupo. O grupodetém o poder de potencializar amanifestação da sombra(ofuscando o eu, o uso da razão,da pessoa).Aqui se inscrevem, por exemplo,os atos de linchamento (alguémdiz “Pega, lincha!” e as pessoaspartem para um ato delinchamento).

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Mas, ao contrário dos exemplosacima dados, o grupo tambémpode ter a faculdade depotencializar os aspectospositivos da sombra de seusmembros. É o que acontecequando uma pessoa se integra aum grupo de voluntários edescobre nela mesma virtudesque antes lhe eramdesconhecidas (deixo bem claroque não estou considerando osaspectos políticos que envolvemos movimentos de voluntários.Não se trata aqui de questionarse ser voluntário é politicamentecorreto ou não. Estou pondo aparte essa questão e atendo-meapenas ao relato de um fato quepode bem exemplificar aexpressão de virtudes coletivasda sombra. Detenho-me apenasem uma questão psicológica quepode se relacionar (ou não) aosmovimentos de voluntários. Nãoé minha intenção entrar nojulgamento das implicaçõessociológicas e políticas que seassociam a tais movimentos).

A anima- É a personificação da natureza

feminina do inconsciente masculino.- No homem seu consciente é masculino,

porém, seu inconsciente é de naturezafeminina (dominado pela anima).

- A primeira projeção da anima é nafigura da mãe (ou de uma irmã). Poresse motivo, o homem que se tornauma presa de sua anima irá procuraruma companheira (namorada, esposaou amante) com as características desua mãe ou irmã (isso ocorre de formainconsciente uma vez que a anima éum arquétipo - que encobre, portanto, acapacidade de visão do eu).

- Se por um lado as decisões conscientesdo homem (geradas e geridas pelo eu)possuem características racionais, nãoemotivas, por outro, suas atitudesinconscientes (pela ação da anima)possuem um padrão sentimental,emotivo (mas de natureza arcaica einfantil).

- O homem geralmente acredita que é arazão que domina sua vida, porém, sãoos sentimentos, as emoções.

Possui dois aspectos:

- positivo : o homem que tomaconsciência de suaanima, dos aspectosfemininos de sua psique,tem muito mais recursospara lidar com seuspróprios sentimentos e,assim, com a mulher ecom as pessoas demaneira geral.a anima também permiteao homem a escolha deseu “par ideal”.

- negativo : o homem que não tomaconsciência de suaanima, torna-seprisioneiro dela (uma vezque o eu fica subjugadopela anima). Quando aanima subjuga o eu podeexpressar-se na forma de“paixão cega”,dependência, ansiedade,mudanças de humor,caprichos, irritabilidade,angústia, depressão,melancolia e mesmo(tentativa de) suicídio.Ex.: Quando um homem se“apaixona loucamente”por uma mulher (pessoa

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em que a anima éprojetada) costuma-sedizer que “Ela virou-lhe acabeça”.Quando uma mulherrompe o relacionamentocom um homem, no casode ele ainda desejá-la,não raramente ele “perdea cabeça” (desespera-se,reage com condutasinfantis, entra em estadosde angústia, melancolia edepressão e, em casosextremos, reage comagressividade e, mesmo,recorre ao suicídio - ou àsua tentativa). Taiscondutas não condizemcom a característicaracional que domina aconsciência masculina,são, sim, condutas denatureza emotiva,reflexos da ação daanima.

O animus- É a personificação da natureza

masculina do inconsciente feminino.- Na mulher seu consciente é feminino,

porém, seu inconsciente é de naturezamasculina (dominado pelo animus).

- A primeira projeção do animus é nafigura do pai (ou de um irmão). Poresse motivo, a mulher que se torna umapresa de seu animus irá procurar umcompanheiro (namorado, esposo ouamante) com as características de seupai ou irmão (isso ocorre de formainconsciente uma vez que o animus éum arquétipo - que encobre, portanto, acapacidade de visão do eu).

- Se por um lado as decisões conscientesda mulher (geradas e geridas pelo eu)

possuem características emotivas,sentimentais, por outro, suas atitudesinconscientes (pela ação do animus)possuem um padrão racional (mas denatureza arcaica e infantil).

- A mulher geralmente acredita que sãoos sentimentos que dominam sua vida,porém, é a razão.

Possui dois aspectos:

- positivo : a mulher que tomaconsciência de seuanimus, dos aspectosmasculinos de sua psique,tem muito mais recursospara lidar com suasreflexões e, assim, com ohomem e as pessoas demaneira geral.o animus também permiteà mulher a escolha de seu“par ideal”.

- negativo : a mulher que não tomaconsciência de seuanimus, torna-seprisioneiro dele (uma vezque o eu fica subjugadopelo animus). Quando oanimus subjuga o eupode expressar-se naforma de dependência,subserviência, juízosirrefletidos, preconceitosinfundados, certezas nãofundamentadas,“teimosias”.Ex.: Numa crise derelacionamento numcasal é mais freqüenteque a mulher mantenha a“cabeça no lugar”(devido ao aspectoracional do animus).

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Quando uma mulherrompe o relacionamentocom um homem, no casode ela ter umapersonalidade impulsiva,não raramente o faz comuma “frieza” que nãodeixa escapar qualquerponta de afetividade (umamanifestação do animus).

Uma mulher comum animus muitoproeminente acreditasempre ter a certeza detudo, quer sempre ter a“última palavra”. Éfreqüente se ouvir de umamulher com essacaracterística a frase “Oque eu posso fazer se eusempre tenho a razão !?”

Obs.:- A relação entre um homem e uma

mulher é uma relação decomplementaridade não só fisiológica(através da sexualidade) mas tambémpsíquica (nesse caso, é uma relaçãoquaternária de oposição ecomplementaridade, pois no planoconsciente o eu masculino e o eufeminino se atraem. E no planoinconsciente anima e animus seatraem).Essa relação psíquica de oposição ecomplementaridade é conhecida hámuitos séculos pela psicologia oriental,expressando-se no símbolo do TAO (aoposição e a complementaridade entreos princípios Yin e Yang).

- O relacionamento entre um homem euma mulher é sempre conflituosodevido às diferenças psicológicasconscientes (entre o eu masculino e oeu feminino) e inconscientes (entre aanima e o animus), mesmo em casaisque vivem em uma boa harmonia.

- Quando essa relação quaternária não ésatisfatória (para um membro do casalou para os dois) mais cedo ou maistarde desemboca na(s) neurose(s) ou noseu rompimento.

O self (si mesmo)- É o núcleo não só do inconsciente,

mas, também, de toda a psique.- É o arquétipo que leva o homem à

busca pelo conhecimento de si mesmo,pelo autoconhecimento, pela integraçãocom os demais homens, pela vivênciaespiritual, pela integração com Deus.Essa busca é denominada por Jung deprocesso de individuação (será faladosobre esse conceito mais adiante) etrata-se da busca pela totalidadepsíquica (a integração entre conscientee inconsciente).

- A vivência do self está associada ànuminosidade.

Possui dois aspectos:

- positivo : sua vivência traz osentimento de totalidadepsíquica, de que existeum “elo” entre oshomens, a natureza eDeus.sua vivência traz umsentimento de sentido àvida e à morte.

- negativo : a pessoa que vivencia oself sem integrá-lo deforma consciente ao eu

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torna-se presa de seu ladonegativo. Disso surgemos mais variados tipos dedoutrinadores e fanáticosreligiosos que queremimpôr suas “verdades”aos outros.

O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO

- O eixo central da Psicologia Analítica éo processo de individuação. Trata-seda busca do ser humano peloconhecimento de si mesmo, peloautoconhecimento, pela integração comos demais homens, pela vivênciaespiritual, pela integração com Deus.Trata-se da busca pela totalidadepsíquica (a integração entre conscientee inconsciente).O impulso a essa busca é uma herançapsicofisiológica passada de geração ageração através do arquétipo self. É,portanto, uma herança da humanidadea todas as pessoas. É algo inato no serhumano.

- A vivência do self está associada ànuminosidade (vivências religiosassignificativas que trazem sentido à vidae à morte).

- A vivência do self pode ser alcançadamediante uma busca própria (nessecaso, o indivíduo aprende através desuas próprias experiências, “acertando”e “errando”, enfrentando seus “anjos” e“demônios”. É a forma mais difícil(sofrida) de vivência do self), medianteo recurso da psicoterapia (nesse caso,ele terá o auxílio de outra(s) pessoa(s)na sua busca. A função da psicoterapiapara Jung é auxiliar o indivíduo no seucaminho pelo processo deindividuação) ou mediante a suainclusão em instituições religiosas (quepropiciem a vivência da numinosidade,ainda que inconscientemente. Jung faza distinção entre “religião” enquanto

instituição política, que não propicia aexperiência do numinoso, da “religião”enquanto veículo de vivência donuminoso. Esse último aspecto dizrespeito ao sentido correto do termo“religião” (do latim re ligare, ou seja,“religar”, “reestabelecer” a integraçãoentre o homem e Deus).É de fundamental importância dizerque uma grande parcela da humanidadenão atinge a meta final do processo deindividuação (a vivência do self). Naverdade, muitos estagnam-se logo deinício, nas suas primeiras etapas.

- O processo de individuação dá-se porvárias etapas em que o eu (o centro daconsciência) integra de formaconsciente alguns aspectosinconscientes da psique (os arquétipospersona, sombra, anima/animus e,enfim, o self).O processo de individuação é,portanto, uma integração entreconsciente (cujo núcleo central é o eu)e inconsciente (cujo núcleo central é oself). A pessoa passa a viver a partir deum núcleo central psíquico que temcomo “comando” um self consciente.

- Para Jung o inconsciente (através daação do self) impele todas as pessoas aviverem o processo de individuação.No entanto, a maioria delas foge dessabusca (pois essa busca implica noenfrentamento de si mesmo, de seulado “sombrio” e de suas própriascontradições e complexos - traumaspsicológicos).Nada afirma que um indivíduo iráchegar ao objetivo final do processo deindividuação, ou seja, a vivência plenado self. isso depende de fatores internos(do psiquismo da pessoa, de suacapacidade de enfrentamento de simesmo, de suas contradições) e defatores externos (das possibilidades elimites dados pelo meio em que oindivíduo vive).

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Jung constatou que a não vivênciadessa busca faz dos indivíduos seresautômatos (máquinas), egoístas(prejudiciais, portanto, à vida emsociedade) ou os leva ao sofrimentopsíquico (neuroses), uma vez que avida com o passar dos anos acaba porperder seu sentido, se este não forbuscado (Jung afirma que o aspectomaterial da vida é apenas um dos pólosnecessários para vivê-la. O outro pólo éo aspecto espiritual. Uma vida sadiadeve integrar a vivência de seusaspectos materiais e espirituais. Apessoa que se volta apenas para avivência dos aspectos materiais da vidamais cedo ou mais tarde irá deparar-secom dois caminhos: ou torna-se um ser“autômato”, uma pessoa que “vegeta”,alguém prejudicial à sociedade, quenão se importa com os outros, oufatalmente adentrará o caminho dosofrimento psíquico (neuroses), pois abusca da vivência do self é umaherança herdada da humanidade queinsiste para ser concluída em cada umde nós.Jung também relata que o fato de umapessoa atingir a idade senil (sua“velhice”) não necessariamente implicano fato de ter alcançado a vivência doself . A maior parcela da humanidadechega à morte sem ter concluído seuprocesso de individuação.Para a maioria das pessoas, observaJung, o início do processo deindividuação (quando ocorre) dá-se porvolta dos 30 anos, idade em quefreqüentemente acontece a “crise dameia idade” (a pessoa sente que não émais criança, não é mais jovem, senteque inicia seu processo deenvelhecimento, muitas vezes já é paiou mãe, pode ter perdido entesqueridos. Entre outros fatos, tais fatoreslevam o ser humano à busca de um

sentido para a vida e para a morte, daío início do processo de individuação).Na nossa sociedade, devido às crises(de valores, sociais, econômicas, etc.)que estamos passando na atualidade,muitas pessoas fogem de seu realprocesso de individuação e vãoprocurar respostas às suas questões eaos seus sofrimentos psíquicos em“receitas de felicidade” (doutrinas queprometem o “céu”, livros que “trazem”soluções para todos os problemas davida, etc.), ficando sujeitas às váriasformas de modismos e charlatanismopresentes na sociedade (no entanto,devemos considerar que há religiões epublicações de caráter idôneo querealmente trazem contribuições paraauxiliar o indivíduo no seu caminhopelo processo de individuação).

- Para Jung os mitos são elementos queservem de “marcos”, “sinais”, paraauxiliar as pessoas na busca davivência do self. Os mitos (expressosem histórias contadas e escritas, noscantos, nas pinturas, nas esculturas eem todas as formas de arte) trazemsímbolos que guardam o conhecimentoda história da humanidade na busca davivência do self. É por isso que emmomentos de grandes crises há umademanda generalizada pelos mitos.Assim, estes ressurgem numa versãoatualizada (“Guerra nas Estrelas”, “Osenhor dos anéis”, “O Alquimista”,etc.) contando numa “roupagem nova”as velhas histórias sobre a eterna lutaentre o bem e o mal, sobre a busca doherói pela cura da doença de seu povo,etc. (Sobre a importância dos mitoscomo auxiliares no processo deindividuação, consultar a obra “Opoder do mito” do antropólogo norte -americano Joseph Campbell).

- Algumas nações nativas garantiam aosseus membros uma educação contendoelementos míticos, religiosos, passados

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de geração a geração por tradiçõesorais, gestuais e escritas (contação dehistórias, rituais, danças, expressõesartísticas, etc.), que serviam como“marcos” para a vivência do processode individuação. Assim, cada membroda tribo (ou do clã, etc.) era educadopara buscar a integração com simesmo, com os outros, com a naturezae com Deus. Daí, o motivo dessassociedades terem mantido um ótimoestado de saúde mental coletiva (até achegada do “homem branco”).Nas nossas sociedades modernas aeducação perdeu seu sentido mítico: amaioria dos pais não possui vivênciado processo de individuação parapoderem educar miticamente seusfilhos, grande parte das escolas nemsequer indaga sobre a necessidade deuma educação mítica e os meios decomunicação em massa (TV, rádio,propaganda, etc.) celebram a culturanão da individualidade (que se buscano processo de individuação) mas doindividualismo (“cada um por si”,“quem pode mais chora menos”,“manda quem pode, obedece quem temjuízo”). Por esse motivo, nossasociedade passa por uma crise devalores, de ausência de sentido para avida e para a morte, que se reflete emquatro aspectos: primeiro, na existênciade uma filosofia materialista, cética,vazia de sentido à vida (niilismo);segundo, numa procura desenfreadadas pessoas por “soluções fáceis”,“fórmulas mágicas”, para resolver essacrise; terceiro, no crescimento doíndice de doenças e distúrbios mentais(neuroses, psicoses, dependências aoálcool e outras drogas, ansiedade,depressão, etc.) devido o indivíduoestar cindido dele mesmo e; quarto, emcondutas coletivas de violência edesvalorização da vida (não só a dooutro, mas a própria. Nesse sentido,

não só a vida passa a ser banalizada,mas, também, a própria morte).

- Tal como foi dito anteriormente, oprocesso de individuação dá-se atravésde etapas de confrontação do eu com osprincipais arquétipos que influenciam aconsciência: persona, sombra,anima/animus e, enfim, o self.Os sonhos, de uma forma geral (masnão necessariamente), são mensagensdo inconsciente que trazem “mapas”sobre o desenvolvimento do processode individuação da pessoa. Por isso, ainterpretação dos sonhos é um recursoauxiliar da psicoterapia. O sonhopermite ao psicoterapeuta verificar emque etapa do processo de individuaçãoa pessoa se encontra, tendo acesso aosconflitos que se travam entre os várioselementos de sua psique (oenfrentamento de seus arquétipos, desuas contradições e de seuscomplexos).Se no plano coletivo os mitosexpressam simbolicamente a históriado processo de individuação dahumanidade, no plano individual são ossonhos que expressam simbolicamentea história do processo de individuaçãoda pessoa. Os mitos são uma expressãodos sonhos no plano coletivo. E ossonhos são uma expressão dos mitosno plano individual.Para decodificar a simbologia presentenos sonhos e mitos, Jung estudou afundo os símbolos da mitologia e daalquimia ocidental e oriental.

ETAPAS DO PROCESSO DEINDIVIDUAÇÃO

O eu - É o núcleo central do consciente

(responsável pelos mecanismos depercepção, de atenção, de memória ede raciocínio), mantém contato com o

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mundo interior (processos psíquicos,internos) e exterior (meio ambiente,sociedade) do sujeito.

- O processo de individuação dá-seatravés de etapas de confrontação do eucom os principais arquétipos queinfluenciam a consciência: persona,sombra, anima/animus e self.

- Nos sonhos o eu se apresenta naimagem do sonhador.

O confronto do eu com a persona- O primeiro momento do processo de

individuação é o reconhecimento peloeu da persona. É o momento em que apessoa toma consciência das“máscaras” que utiliza em sociedade.

- Reconhecer a persona significa viveras “máscaras”, desempenhar os papéissociais impostos pela sociedade semque se deixe de exercer as qualidadesda real personalidade (no dizer de Jung,da alma - não no sentido espiritual).Quando o indivíduo reconhece suapersona e a integra de formaconsciente ao seu eu podemos dizerque o indivíduo pode viver os aspectospositivos desta, adaptando-se maisfacilmente às diversas situações sociaissem prejuízo da expressão dasqualidades reais de sua personalidade.

- A maioria das pessoas vive suapersona de forma inconsciente e seidentificam com ela. Um exemploclássico é a figura do workaholic(indivíduo “viciado” em trabalho), quemuitas vezes identifica-se apenas comos papéis profissionais desempenhados,chegando a sacrificar o relacionamentocom a própria família.Nesse caso, a persona toma uma formanegativa, impedindo que a pessoa vivaaspectos de sua personalidade que lhesão necessários a uma vida saudável.

- Grande parcela das pessoas interrompeseu processo de individuação ao se

deparar com sua persona, pois resistemem tirar suas “máscaras” perante simesmas e perante os outros (umafreqüente causa de neurose para oindivíduo é o fato de a própriasociedade lhe retirar as “máscaras”).

O confronto do eu com a sombra- O segundo momento do processo de

individuação é o reconhecimento peloeu da sombra. É o momento em que apessoa toma consciência de suasqualidades positivas e negativasinconscientes.

- Reconhecer os aspectos positivos dasombra significa reconhecer em sivirtudes que eram desconhecidas(altruísmo, dedicação, voluntariedade,etc.).

- Reconhecer os aspectos negativos dasombra significa olhar para o “fundodo espelho” e se defrontar com osaspectos “negros” , “sombrios” dapersonalidade (inveja, egoísmo, ciúmedoentio, ódio, mesquinhez, mentiras,falsidades, etc.).A maioria das pessoas vive sua sombrade forma inconsciente e a projeta nosoutros (sempre o outro é que é omentiroso, o invejoso, o egoísta, etc.).Reconhecemos que os outros sãocapazes de fazer atos mesquinhosporque nós mesmos (pela ação denossa sombra) somos capazes de fazeresses atos.

- Quando o indivíduo reconhece suasombra e a integra de forma conscienteao seu eu adquire o conhecimento desuas virtudes e defeitos, o que favoreceo desenvolvimento de um melhorconvívio com si mesmo e com asdemais pessoas.

- Grande parcela das pessoas interrompeseu processo de individuação ao sedeparar com sua sombra, pois “ver nofundo do espelho” e reconhecer o lado

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“negro”, “sombrio” , da própriapersonalidade constitui um desafio emque a maioria das pessoas foge.

- Nos sonhos a figura da sombra épersonificada numa pessoa do mesmogênero do sonhador.

O confronto do eu com a anima- No processo de individuação, para o

homem, após seu eu integrar a personae a sombra , confronta-se com suaanima.

- A anima é a personificação de todas astendências psicológicas femininas napsique do homem - as fantasiaseróticas, os humores e sentimentosinstáveis, as intuições proféticas, areceptividade ao irracional, acapacidade de amar, a sensibilidade ànatureza e, por fim, mas nem por issomenos importante, o relacionamentocom o inconsciente.

- O homem cujo eu integrouconscientemente sua anima adquire opotencial de melhor lidar com seussentimentos, de melhor se relacionarcom a mulher (inclusive na escolha daparceira ideal) e abre o caminho para avivência do self (esses são aspectospositivos da anima).

- O homem cujo eu não integrouconscientemente sua anima torna-sepresa dela, estando sujeito àimaturidade afetiva (infantilismo),explosões sentimentais, flutuações dehumor, dependência, etc.Por estarem subjugados ao poder daanima tais homens freqüentemente são“usados” por mulheres do tipo femmefatale (“misteriosa, provocadora,atraente, caprichosa, mas, dentro dela,sempre a arder o fogo violento quedestrói os homens”) ou se relacionamcom mulheres do tipo “mãe”.O poder de influência da anima de umamulher pode passar desapercebido por

um homem (principalmente se estenutrir uma paixão por ela: “Ficou cegopela paixão!”), porém, é facilmentepercebido por outra mulher. Asmulheres conhecem os “segredos,artifícios” da anima de outra mulher.

- Nos sonhos a anima pode sepersonificar na figura de uma mulherdesconhecida ou conhecida(principalmente na imagem da mulheramada) e representar seus aspectosnegativos ou positivos (oreconhecimento de que a anima seapresenta de forma negativa ou positivanum sonho só pode ser feito através desua análise).

O confronto do eu com o animus- No processo de individuação, para a

mulher, após seu eu integrar a personae a sombra , confronta-se com seuanimus.

- O animus é a personificação de todasas tendências psicológicas masculinasna psique da mulher - aparece maiscomo uma convicção secreta,“sagrada”. Quando uma mulheranuncia tal convicção com voz forte,masculina e insistente ou a impõe àsoutras pessoas por meio de cenasviolentas, reconhece-se, facilmente, asua masculinidade encoberta. Noentanto, mesmo em uma mulher queexteriormente se revele muito femininao animus pode também ter uma forçaigualmente firme e inabalável. Derepente, podemos nos deparar com algode obstinado, frio, teimoso e totalmenteinacessível em uma mulher (trata-se damanifestação de seu animus).

- A mulher cujo eu integrouconscientemente seu animus adquire opotencial de melhor lidar com suacapacidade reflexiva (livre de juízosinfundados, de teimosias, depreconceitos), de melhor se relacionar

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com o homem (inclusive na escolha doparceiro ideal) e abre o caminho para avivência do self (esses são aspectospositivos do animus).

- A mulher cujo eu não integrouconscientemente seu animus torna-sepresa dele, estando sujeita àinsegurança pessoal e profissional e àdependência do homem. Torna-seescrava dele, incapaz de traçar seupróprio caminho, expressar suaindividualidade.Por estarem subjugadas ao poder doanimus tais mulheres freqüentementesão “usadas” por homens do tipogigolô ou se “acomodam” às custas dehomens do tipo provedor (“pai”).

- Nos sonhos o animus pode sepersonificar na figura de um homemdesconhecido ou conhecido(principalmente na imagem do homemamado) e representar seus aspectosnegativos ou positivos (oreconhecimento de que o animus seapresenta de forma negativa ou positivanum sonho só pode ser feito através desua análise).

O confronto do eu com o self (simesmo)- A vivência do self constitui o objetivo

do processo de individuação.- O confronto do eu com o self surge

apenas após o primeiro ter seconfrontado com a persona, a sombra ea anima (no caso do homem) ou oanimus (no caso da mulher).

- Quando o eu incorpora de formaconsciente o self, integra-se a ele. Nãomais o eu, mas o self consciente, passaa ser o “comandante” da psique. Avivência do self traz algo de numinoso,de sagrado, um sentimento deintegração com si mesmo, com osoutros, com a natureza e com Deus. Avivência do self não exclui a vida

material e a sexualidade, muito pelocontrário, integram a vida material esexual à vida espiritual (esses sãoaspectos positivos do self).

- O homem (ou mulher) cujo eu aoconfrontar-se com o self deixa sesubjugar por ele, torna-se um(a)fanático(a) religioso(a), um(a)doutrinador(a), um beato(a). Passa aimpôr suas “verdades” religiosas aosoutros (esse é o aspecto negativo doself).

- Nos sonhos da mulher o self (enquantoaspecto positivo) geralmente aparecepersonificado em símbolos como o deuma figura de mulher femininasuperior - uma sacerdotisa, umafeiticeira, uma mãe-terra ou deusa danatureza ou do amor. No caso dohomem, o self (enquanto aspectopositivo) manifesta-se como uminiciador masculino aos “grandesmistérios ocultos” ou um guardiãodesses “mistérios” (o guru, dos hindus),um velho sábio, um mago, um espíritoda natureza.

O self também se manifesta emimagens oníricas “fantásticas” (não sónos sonhos, também em visões)repletas de simbologias mitológicas esagradas (cruzes, pentáculos, círculosmágicos, mandalas, etc.).

- É necessário explicar que a vivência doself não constitui um “permanenteestado de felicidade”. Implica numsentido de integração com si mesmo,com os outros, com a natureza e comDeus no sentido de uma maiorcompreensão dos fenômenos da vida eda morte. Inclui o aprendizado daconvivência com as mais diversascontradições da vida: alegria e tristeza,amor e ódio, altruísmo e egoísmo,prazer e sofrimento, certezas e dúvidas,vida e morte, etc. A vivência do selfintegra a vida material e espiritual econfere um sentido sagrado,

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transcendental, à existência, emboranão isente o homem de dúvidas esofrimentos. Isso se faz sentir naspróprias palavras de Jung: “O mundono qual penetramos pelo nascimento ébrutal, cruel e, ao mesmo tempo, deuma beleza divina. Achar que a vidatem ou não tem sentido é uma questãode temperamento. Se o não-sentidoprevalecesse de maneira absoluta, oaspecto racional da vida desapareceriagradualmente com a evolução. Nãoparece ser isso o que ocorre. Como emtoda questão metafísica, as duasalternativas são provavelmenteverdadeiras: a vida tem e não temsentido, ou então possui e não possuisignificado. Espero ansiosamente que osentido prevaleça e ganhe a batalha.”

SINCRONICIDADE

- Tal como foi mencionadoanteriormente, a camada mais profundado inconsciente coletivo é denominadapor Jung de Psicóide. Esta camada serelaciona aos acontecimentos queultrapassam as explicaçõescientificamente objetivas sobre asrelações causais entre fenômenospsíquicos e físicos. Tais fenômenospossuem uma ligação causa-efeito quedesafiam as explicações da físicaclássica sobre a relação entre a psique,o espaço e o tempo (tratam-se dosfenômenos paranormais, extra-racionais).Dentre esses fenômenos, Junginteressou-se particularmente peloestudo de uma manifestação a qualdenominou sincronicidade (umconceito criado por ele e tambémestudado por Wolfgang Pauli, umfísico agraciado com o Prêmio Nobelde Física. Jung escreveu um livro emque relata e defende a existência de

fenômenos de sincronicidade). Se porum lado, no campo do psiquismo asincronicidade é estudada pelaPsicologia Analítica, no campo dafísica, é estudada pela Física Quântica.

- Jung define sincronicidade como“coincidências” significativas que nãopodem ser explicadas por uma leiobjetiva de causa e efeito. São “acasos”significativos em que os eventosexternos, aparentemente dissociados notempo e no espaço, ligam-se aos nossosestados internos e nos integram a um“todo” maior.A sincronicidade, em outras palavras,relaciona-se a “coincidências” que nãosão bem “coincidências”, eventos quenão ocorrem por “acaso”. Possuem umsignificado psicológico queultrapassam as explicações objetivas decausa e efeito entre psique, tempo eespaço.Conferem ao indivíduo um sentimentode estar integrado ao universo, a uma“consciência cósmica”, a Deus. Asincronicidade traz, portanto, umasensação de vivência do sagrado, donuminoso.

- Jung observou em seus pacientes que asincronicidade costuma ocorrer emcircunstâncias de intensidade eagitação emocionais e atinge seu ápiceantes de uma ruptura psicológica. Essassituações de “psique estimulada”incluem os principais eventostransformadores da vida, tais comonascimentos, mortes, apaixonar-se oudesapaixonar-se, momentos críticos oucrises pessoais, salvamentos desituações perigosas, viagens, etc.

- A sincronicidade está mais presente navida da pessoa quando ela se aprofundano seu processo de individuação. Os“acasos” acontecem de forma queauxiliam na busca da vivência do self.

- Exemplos de sincronicidades:

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- Uma pessoa está falando sobre umamigo que não vê há anos e nesteexato momento recebe umtelefonema desse amigo.

- Procurando desesperadamente poruma informação ou notícia de que seprecisa muito, ela aparece de umaforma inesperada.

- A vivência de “coincidências” queindicam para a tomada de umadeterminada decisão.

- A vivência de enfrentamento de umobstáculo após o outro para emseguida se descobrir que não eramelhor ter seguido uma decisãoinicialmente tomada.

- Pensar em uma pergunta e ela serrespondida pelo rádio, TV ou umapessoa ao lado.

- O encontro com pessoas que trazemdeterminados conhecimentos epropiciam determinadas experiênciasque nos auxiliam na busca davivência do self (nesse caso, não sócertas pessoas nos servem de“auxiliares” (mesmo queinconscientemente) para a vivênciade nosso processo de individuação.Também, mesmo que de formainconsciente, atuamos como“auxiliares” de outras pessoas paraque vivam seu processo deindividuação).

MORTE

- Em sua autobiografia editada postmortem e intitulada “Memórias, sonhose reflexões” Jung reserva um capítulointitulado “Sobre a vida depois damorte” para tratar dessa questão.

- Nesse livro Jung deixa “em aberto” apossibilidade da existência da vidaapós a morte, porém, em outrosescritos deixa entrever que acreditanessa possibilidade (particularmentenão tenho dúvidas de que Jung

acreditava na existência da vida após amorte).

- Jung relata que a ciência tal qual aconhecemos hoje é muito limitada paraafirmar ou negar a existência da vidaapós a morte, entretanto, deixa claroque o fato de as ciências não poderaveriguar se tal fenômeno é possível ounão, não significa que esse fenômenonão possa existir. Para Jung a ciênciadeve ser humilde para aceitar suaslimitações: se não pode provar aexistência ou inexistência de algo quetenha uma suposta natureza metafísica,não pode, todavia, emitir o juízo finalde negação dessa existência.

- Jung ainda menciona que o impulsopara a busca pelo sentido da vida e damorte é uma herança da humanidadeque se passa de geração a geração eque procura uma resposta em cadaindivíduo. Jung conclui que a pessoadeve fazer essa busca mesmo que seusesforços terminem numa confissão deimpotência. Para ele, o indivíduo quetermina sua vida sem ter feito essabusca sofre uma “grande perda”.

Obs.:- Pelo fato de Jung tratar de assuntos que

ultrapassam o limite de uma ciênciapositivista, meramente “objetiva”, elefoi chamado (e ainda o é) por muitosde “pseudocientista”, “místico”,“esotérico”, “doutrinador”, entre outraspalavras equivocadas.Jung em momento algum de sua vidateve a intenção de se passar por umdoutrinador. O fato é que sua ciênciaaborda aspectos do empirismo(experiências de vida, no caso, dele ede seus pacientes), da vida humana,que não foram levados emconsideração por outras escolas dePsicologia.

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Portanto, Jung ao formular suaPsicologia Analítica, produziu umateoria e uma prática com fundamentoscientíficos. O empirismo, emboraalguns cientistas não concordem, nãodeixa de ser um método científico.Portanto, chamar Jung de “místico”,“esotérico” e “pseudocientista” é umgrande equívoco em que apenas seuscríticos e vendedores de artigos eserviços esotéricos saem lucrando.

TIPOS PSICOLÓGICOS

- Apesar de o processo de individuaçãoser o eixo central da PsicologiaAnalítica, a estrutura dos tipospsicológicos formulada por Jung é aface mais publicamente conhecida desua teoria.Trata-se de um quadro teórico acercados tipos de personalidade que trazelementos sobre a psicologia do outro,das suas diferenças, um conhecimentode fundamental importância para amelhoria das relações humanas.Na atualidade, há, por exemplo,trabalhos sendo desenvolvidos nocampo da administração de pessoasfundamentados na tipologia psicológicaestruturada por Jung. Tais atividadesestão voltadas para a identificação depotenciais humanos e para odesenvolvimento de equipes.Procurei nesse tópico apresentar umasíntese das bases teóricas sobre os tipospsicológicos. Para se obter um poucomais de informações sobre o assuntosugiro a consulta ao livro “Jung: vida eobra”, de Nise da Silveira. Para umconhecimento aprofundado sobre otema, é necessária a leitura do capítulo10 (“Descrição geral dos tipos”) dolivro “Tipos Psicológicos” (obrascompletas, volume 6) de autoria dopróprio Jung.

Fluxo de libido: extroversão eintroversão

- Jung indica que a libido (energiapsíquica) flui em dois sentidos:

- da extroversão: de dentro parafora da psique

o indivíduotende a se orientar por fatoresobjetivos, externos

- da introversão: de fora paradentro da psique

o indivíduotende a se orientar por fatoressubjetivos, internos

- A extroversão e a introversão estãopresentes em todas as pessoas de duasformas opostas e complementares:

- como uma orientação principal,diferenciada, de nível consciente

- como uma orientação inferior,indiferenciada, de nível inconsciente

- Assim, se o indivíduo tem no planoconsciente a extroversão como suaorientação principal, seu inconscienteterá como função inferior eindiferenciada (mas oposta ecomplementar à orientação doconsciente) a introversão.Seu consciente é extrovertido, porém,seu inconsciente é introvertido.

- De outra forma, se o indivíduo tem noplano consciente a introversão comosua orientação principal, seuinconsciente terá como função inferiore indiferenciada (mas oposta ecomplementar à orientação doconsciente) a extroversão.

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Seu consciente é introvertido, porém,seu inconsciente é extrovertido.

- É importante esclarecer que não existeum sujeito totalmente extrovertido outotalmente introvertido. Tal como foiexplicado acima, em termos de fluxode libido o consciente e o inconscienteapresentam características opostas,porém, complementares. Se no planoconsciente predomina um determinadotipo de orientação, no planoinconsciente o que se verá é apreponderância da orientação contráriaa do consciente. Trata-se de um aspectode “compensação” próprio da psique

(um mecanismo psicofisiologicamenteherdado) que tem como objetivo aadaptação do indivíduo ao seio meio.Embora uma orientação predominesobre a outra, as duas estão presentesno sujeito, o que lhe possibilitaadaptar-se às exigências postas por seumundo interior (a realidade subjetiva,psíquica) e por seu mundo exterior (arealidade objetiva, ambiental e social).

CONSCIENTE EXTROVERTIDO CONSCIENTE INTROVERTIDO

INCONSCIENTE INTROVERTIDO INCONSCIENTE EXTROVERTIDO

indivíduo extrovertido indivíduo introvertido

As funções psíquicas: pensamento,sentimento, percepção e intuição

- Jung percebeu que além de a psiquepossuir dois sentidos de fluxo da libido(extroversão e introversão) tambémpossui quatro funções psíquicas(pensamento, sentimento, percepção eintuição) que também são mecanismosde adaptação do indivíduo à suarealidade subjetiva e objetiva.

percepção : relaciona-se aosmecanismos sensoriaisda psique. Constata apresença das coisas quenos cercam.

pensamento : esclarece o quesignificam os objetos.Julga, classifica,discrimina uma coisa daoutra. É a razão.

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sentimento : faz a avaliação dosobjetos. Decide o valorque estes têm para nós(se agradam ou não).Estabelece julgamentosassim como opensamento, entretanto,obedece a uma lógicatoda diferente: sualógica não é a da razão,é a lógica da emoção.

intuição : é a apreensão perceptivados objetos pela via

inconsciente. A intuição“vê” a natureza “oculta”das pessoas, dos objetose dos fatos.

As funções psíquicas formam dois paresde funções opostas, entretanto,complementares:

- o pensamento é oposto, porém,complementar ao sentimento.

- a perceção é oposta, porém,complementar à intuição.

pensamento

percepção intuição

sentimento

Assim como todas as pessoas possuemextroversão e introversão (embora umapredomine sobre a outra), tambémpossuem as quatro funções psíquicas,contudo, em graus diferentes depotencialidade.

- 1o função psíquica : é a principal,maisdesenvolvida,maisdiferenciada,

utilizada deforma maisconsciente

- 2o função psíquica : é auxiliar dafunçãoprincipal,também agenum planomaisconsciente

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- 3o função psíquica : possui umdesenvolvimentorudimentar,agindo numplano maisinconsciente

- 4o função psíquica : é a inferior,maisindiferenciada,permanecendonum planoquase queexclusivamente inconsciente

Jung menciona que o ideal para aadaptação ao mundo interior e exteriorseria que o indivíduo se orientasse deforma equilibrada pela extroversão eintroversão, bem como apresentasse suasquatro funções psíquicas em graus depotencialidades equivalentes. Contudo,não é isso o que geralmente ocorre.Jung também esclarece que o processo deindividuação atua de tal forma que ofluxo de libido e as funções psíquicaspassam a agir de uma forma maisequilibrada (porém, não totalmente) napsique uma vez que tal processo implicano conhecimento de si mesmo,envolvendo a expressão consciente dasdiferentes potencialidades dapersonalidade.

Diagrama dos tipos psicológicos

TIPO EXTROVERTIDO1o função

extrovertidamais consciente

2o e 3o funções2o : extrovertida, mais consciente

3o : introvertida, mais inconsciente

4o funçãointrovertida

mais inconscientepensamento percepção ou intuição sentimentosentimento percepção ou intuição pensamentopercepção pensamento ou sentimento intuiçãointuição pensamento ou sentimento percepção

TIPO INTROVERTIDO1o função

introvertidamais consciente

2o e 3o funções2o : introvertida, mais consciente

3o : extrovertida, mais inconsciente

4o funçãoextrovertida

mais inconscientepensamento Percepção ou intuição sentimentosentimento Percepção ou intuição pensamentopercepção Pensamento ou sentimento intuiçãointuição Pensamento ou sentimento percepção

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DESCRIÇÃO BÁSICA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS

TIPOS EXTROVERTIDOS

Pensativo extrovertido- Sua atitude tende constantemente a

estabelecer uma ordem lógica entrecoisas concretas. O raciocínio abstratonão os atrai. O gênero masculino é oprincipal (mas não único) representantedesse tipo.

- Esse tipo gosta de fazer prevalecer seuspontos de vista que coordena demaneira rígida e impessoal, tornando-se muitas vezes autoritário,principalmente no círculo de suafamília.

- Geralmente esse tipo é encontrado nosengenheiros, trabalhadores técnicos,inventores, políticos, comerciantes,administradores, empresários,economistas, advogados, filósofos,sociólogos e psicólogos “positivistas”,entre outras profissões.

- O ponto fraco desse tipo é osentimento.

Embora capaz de ter afeiçõesprofundas, tem grande dificuldade dereconhecê-las em si e de expressá-las.Não é raro que tais indivíduos sejamemocionalmente dependentes eapresentem súbitas e violentasexplosões de afeto (por exemplo,ciúme doentio).Estes fenômenos são decorrentes deuma função sentimental introvertida,inferior e indiferenciada.

Sentimental extrovertido- Mantém adequada relação com os

objetos exteriores. É acolhedor eafável. Costuma ter um grande círculode amigos. O gênero feminino é o

principal (mas não único) representantedesse tipo.

- Guia-se pelo julgamento emotivo doque lhe agrada ou não no mundoexterior (pessoas ou objetos). Tende apermanecer fiel aos valores sociais quelhe são inculcados desde a infância.

- Esse tipo é geralmente encontrado emsocialites, profissionais da moda,modelos, publicitários, arquitetos,donas de casa, entre outras profissões.

- O ponto fraco desse tipo é opensamento.Atrás de uma aparente afabilidade,muitas vezes se escondem pensamentossem juízos fundamentados, reflexõespreconceituosas e teimosias.Quando o controle do sentimento falha,

surgem pensamentos deautodesvalorização.

Estes fenômenos são decorrentes deuma função pensativa introvertida,inferior e indiferenciada.

Perceptivo extrovertido- Compraz-se na apreciação sensorial

das coisas objetivas. Adapta-sefacilmente às circunstâncias, possuindoum seguro sentido da realidade.Relaciona-se de modo concreto eprático com os objetos exteriores. Amaos prazeres da vida, o conforto dahabitação. É um autêntico bon vivant.

- Esse tipo tem como principaisexpoentes engenheiros, mecânicos,trabalhadores técnicos, homens denegócios, empresários e comerciantes.

- O ponto fraco desse tipo é a intuição.Repele qualquer tipo de teoria sobre anatureza dos objetos, apegando-semeramente à descrição dos mesmos.Quando o controle da percepção falha,de forma inesperada apega-se a idéiasmísticas de baixo nível, histórias

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extravagantes de fantasmas e as maisdiversas superstições, o que muitoespanta o observador desprevenido queo considera um realista em potencial.Estes fenômenos são decorrentes deuma função intuitiva introvertida,inferior e indiferenciada.

Intuitivo extrovertido- Consegue perceber as possibilidades

futuras, que ainda não assumiramformas definidas no mundo real.

- Esse tipo não gosta de situaçõesestáveis. Devido à visão das diferentespossibilidades que lhe são abertas porsua intuição, tendem a passar a vida“pulando de galho em galho”. Outroscolhem o que ele planta.

- Os homens de negócio são osprincipais exemplos desse tipo.

- O ponto fraco desse tipo é a percepçãode si mesmo.Quando o controle da intuição falha,surgem sintomas de hipocondria, fobiase sensações físicas das mais absurdas.Estes fenômenos são decorrentes deuma função perceptiva introvertida,inferior e indiferenciada.

TIPOS INTROVERTIDOS

Pensativo introvertido- Tem atração pelos pensamentos

abstratos. Possui uma lógica subjetiva.O gênero masculino é o principal (masnão único) representante desse tipo.

- Alguns exemplos desse tipo são osmatemáticos e físicos teóricos,psicólogos, sociólogos e filósofosempiristas, teólogos, entre outrasprofissões.

- O ponto fraco desse tipo é osentimento.

Se por um lado consegue perceber seuspróprios sentimentos, por outro, nãoraramente tem uma grande dificuldade

de expressá-los. Nele a afetividadetoma um caráter profundo. Na sua vidaemotiva ama ou odeia. Muitas vezesaparenta possuir uma personalidadefria.Quando sua lógica, sua razão, falha,confunde-se em seus própriossentimentos, “perdendo-se” neles. Àsvezes, fica à mercê de explosõesafetivas (“perdendo a cabeça”) e crisesde ansiedade. A perda do controle darazão e a submissão aos sentimentosprovocam-lhe angústias e irritabilidade.Estes fenômenos são decorrentes deuma função sentimental extrovertida,inferior e indiferenciada.

Sentimental introvertido- Esse tipo é geralmente identificado em

mulheres. Tendem a ser calmas,retraídas e silenciosas. São poucoabordáveis e difíceis de compreenderporque, sendo dirigidas pelosentimento introvertido, suasverdadeiras intenções permanecemocultas. São verdadeiros “enigmas”.Nutrem sentimentos secretos einternos, mas dificilmente os exprimeexternamente, guardando-os para si (oque pode se tornar uma fonte desofrimento psíquico, neuroses).As relações com o objeto amado sãomantidas dentro de limites bemmedidos. Toda manifestação emocionalexuberante vinda do objeto pode lhedesagradar e provocar reações derepulsa, irritabilidade.Vista do exterior, pode parecer fria,quando na realidade oculta grandespaixões.

- O ponto fraco desse tipo é opensamento.Costumam ler muito e guardar váriasinformações, porém, têm dificuldadede estruturá-las de forma teórica,

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produzindo construções intelectuaispobres e toscas.Tendem a explicar as coisas por umúnico pensamento diretor, muitas vezesmesclado de preconceitos, juízosinfundados e teimosias.Por normalmente julgarem-se semprecorretas, não raramente apresentam umcomportamento autoritário, impositivo.É freqüente que se preocupem com oque os outros pensam delas, atribuindoa esses outros, pela projeção depensamentos negativos, julgamentoscríticos, rivalidades e intrigas.Estes fenômenos são decorrentes deuma função pensativa extrovertida,inferior e indiferenciada.

Perceptivo introvertido- Cinge-se à percepção do que acontece

em si (psíquica e fisiologicamente).- Possui um admirável juízo estético,

apreciando com requintada sutileza asformas, cores e perfumes.

- O ponto fraco desse tipo é a intuição.Quando a percepção falha, torna-sevítima de neuroses obsessivas,neurastenias e hipocondria.Estes fenômenos são decorrentes deuma função intuitiva extrovertida,inferior e indiferenciada.

Intuitivo introvertido- “Vê” a fundo o mundo subjetivo pois

está intimamente ligado aos arquétipos,ao inconsciente coletivo, de tal formaque chega a viver muito pouco arealidade objetiva. É um indivíduoensimesmado.

- Faz o tipo “viajante”. Geralmentesegue o caminho das artes. Nesse tipotambém se encontram os “profetas” e“visionários”.

- O ponto fraco deste tipo é a percepçãoda realidade objetiva.

Quando o controle da intuição falha,surgem sintomas de neurosesobsessivas, neurastenias e hipocondria.Estes fenômenos são decorrentes deuma função perceptiva extrovertida,inferior e indiferenciada.

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Luís Marcelo Alves RamosPsicólogo

Mestre em Educação pela Faculdade deEducação,

Universidade Estadual de Campinas,Docente na UNOPEC - Sumaré

e-mail: [email protected]

Artigo aceito em 13/12/2002

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