APONTAMENTOS - Repositório Aberto...dores do palladio pátrio, não manifestam a menor...

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APONTAMENTOS

5 ou cacao õoô õoô oJfooòòoò QTM 06

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DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APUËSliNTADA A

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PORTO i jyrpR.BJMSA. N A C I O N A L

Rua da Picaria, 35

QÇU £H£* JULHO DE ,89a.

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CONSELHEIRO MANOEL MARIA DA COSTA LEITE (VISCONDE DE OLIVEIHA)

SECRETARIO

RICARDO D'ALMEIDA JORGE

CORPO CATHEDRATICO LENTES PROPRIETÁRIOS

1. Cadeira—Anatomia descriptive e geral João Poreira Dias Lebre. 2." Cadeira-Physiologia Vicente Urbino de Freitas. 3.* Cadeira— Historia natural dos medica­

mentos. Materia medica Dr. José Carlos Lopes. 4." Cadeira- Pathologia externa e thera-

peutica externa Antonio Joaquim de Moraos Caldas. 5.a Cadeira—Medicina operatória Pedro Augusto Dias. 6.* Cadeira—Partos, doenças das mulhe­

res de parto e dos recem-nascidos.. Dr. Agostinho Antonio do Souto. 7." Cadeira—Pathologia interna e Thera-

peutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro. 8." Cadeira-Clinica módica Antonio d'Azevedo Maia. 9.» Cadeira—Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta.

10.a Cadeira—Anatomia pathologica Augusto Henrique d'Almeida Brandão. 11.a Cadeira—Medicina legal, hygiene pri­

vada e publica e toxicologia Manoel Rodrigues da Silva Pinto. 13." Cadeira-Pathologia geral, semeiolo-

gia o historia medica Illydio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia v

LENTES JUBILADOS Secção medica J o s é A n ( J r a d a Gramacho. Secção cirúrgica Visconde de Oliveira.

LENTES SUIiSTIT#TOS

Secção medica \ Antonio Placido da Costa. i Maximiano A. d'Oliveira Lemos Junior.

Sucção cirúrgica j 0 a n d i d ° Augusto Correia de Pinho. I Ricardo d1 Almeida Jorge.

LENTE DEMONSTRADOR .o cirúrgica. . . . , , , , , Roberto Bellarmino do Rosário Frias.

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A escola não responde pelas doutrinas expendidas nas dissertações e ennunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola, de 24 de abril de 1840, art. 155).

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A

F©SJi

N'este trabalho tens uma grande parte. O incitamento e auxilio valiosos que me prestaste de­ram este mal sazonado fructo. Accceita-o, pois, embora po­bre de merecimentos.

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(31 ' minha querida e adorada cJlíae

Carolina fpdtado jjieira ][ui2 da lilca

Com que orgulho escrevo aqui, n'esta pa­gina, o leu nome! Se todas as mães to seguissem o exemplo este trabalho não teria razão de se intitular assim.

O muito amor que me dedicas, os cuida­dos, os carinhos que sempre me prodi-galisasto, oh adorada Mãe, quizera po­der recompensar-t'os, oíferecendo-te um trabalho digno do teu nomo, do teu amor e de mais, muito mais..., mas,,, perdoa se te oíFereca ião pouco o teu filho

Arthur.

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M.M

Offerecendo-lhe este meu ulti­mo trabalho académico, cum­pro um dever de gratidão.

§:

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. t íos meus estremecidos jill;inl;os

H « m e t

Também a vós, queridos filhi­nhos, dedico este meu singello trabalho. Quando um dia o ler­des vereis n'elle um programma e talvez um protesto.

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, e/2 minhas irmãs ■

meus irmãos

:ifûii© E JOSÉ.,

Gratíssimo dever este que cum­

pro. Quizera offerecer­vos um livro digno do muito amor que sempre me dedicastes; mas como fazel­o, se mesmo para escrever este foi preciso que a lei m'o impozesse.

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A minha Tia

©. Sanada dd^îaidc êanïos

Julgo-me feliz por ter occasiáo de poder dedicar-lhe esta mi­nha these. A senhora que sabe quantos sacrifícios ella me cus­tou, sacrifícios que a sua mui­ta bondade entendeu dever compartilhar, encontrará n'ella o que outros não poderão en­contrar.

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A ' saudosa memoria

de minha cJia

<3). cttttta ywitdczmina Santos

31 aí sabe o enormíssimo pesar que mo apunhal-a o coração n'este momento por não 1er a suprema ventura do a vor a meu lado e dizer-lhe:—aqui tom a obra para a qual a Senhora contri­buiu e muito.- Seja-me ao monos per-mitiido declarar aqui que a sua ima­gem viverá eternamente gravada no meu coração.

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l o s meus mestres G amigos

Os Ex.™»' Surs.

JH. qyvaiido %mm éfaiaiva Joúê Joamám Modtumeí de $Ftei4ai Êl. généonio Joaquim de @âoiaei (galdai.

Nunca poderei esquecer a estima e ami­zade que V. Ex.*s me dispensaram. N'este momento sinto não poder offe-recer-Ihes um trabalho melhor. Mas seguro da benevoloncia com que aco­lhem sempre as boas intenções, offere-ço-lhes este deepretoncioso trabalho que uma lei absurda me obrigou a escrever.

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Aos meus collegas e íntimos amigos

Dr. Adolpho Augusto de Vasconcellos Artayett. Antonio José d'Almeida. Dr. Antonio Vieira d'Assumpção Cru%. Dr. Augusto José de Castro. Dr. José Cândido Pinto da Cru^ e Costa. Dr. José Pinto de Queirof éMagalháes.

Alii tendes a ultima prova do meu curso. Para ella não peço a vossa critica, porque a amisade que me dispensais não consentiria que o fizésseis impar­cialmente.

O meu único intuito ao vol-a offerecer é que nunca esqueçaes o vosso collega o amigo

Arthur.

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l o s men§ bttmoj? aroJ0<>§

irLntonio zFLmoritn de ^aroalho. irLntonio ^Dias 'Pinto. Ulntonio cKeis Porto. Carlos cRiehter. .

Tive muitas occasióes de conhe­cer a vossa amisade. Dedi-cando-vos estes aiponlamen-tos presto homenagem á ami­sade de sinceros e leaes ami­gos.

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A todos os meus condiscípulos

ESPECIALMENTE A

Antonio Maria Pinto. Joaquim da Silva Junior-.

Um dia, quando cansados da vos­sa clinica, lerdes estes Apon­tamentos lembrai-vos do vosso amigo e condiscípulo

Arthur .

AOS MEUS EX-CONDISCIPULOS

Manuel Augusto Gomes de Faria. Manoel José Ãguia.

Os vossos ideaes políticos, o muito amor que tínheis a este pobre Portugal separou-nos. Hoje, porém, não vos esque­cendo, escrevo os vossos no­mes aqui, protestando-vos mui­ta amisade e admiração.

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AO MEU BOM AMIGO

(Alfredo cuíachado cfereira cõarroso

E SUA EX.M FAMÍLIA

Nunca esquecerei os favores re­cebidos dos quaes me confesso devedor.

Ao meu particular amigo

^fosó ferreira Gonçalves

Dedico-lhe este meu trabalho, como prova de reconhecimen­to, muita amisade e gratidão.

AO MEU DEDICADO AMIGO

D l , J

Ao oflerece r-lhe esta minha dis­sertação inaugural não tive em vista só o prestar homenagem ao amigo dedicado, mas tam­bém ao grupo d'nmigos que V. Ex.a representa.

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A M I N H A C O M A D R E A EX.™ S P . "

I . landida Mota d'lntas libeiro E SEU PAE

O E X . " S N R .

*fDr. cMernardo de ^aroalho cJtlibeiro Contra almirante d'armada portuguesa

O meu reconhecimento pela es­tima dispensada.

Aos Ex.mm Snrs.

ílfredo dã Cosia QUmcfa. (ztrlhar da Cosia çbracja.

e suas Ex."1*3 famílias

Ha datas que te não esquecem nunca e aquella em que tive a ventura de os conhecer mais intimamente, jamais a olvidarei.

Como prova de reconhecimento e muita gratidão, offereço-lhes o meu ultimo trabalho acadé­mico.

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A O M E U P R E S I D E N T E

O EX.1"" SNR.

l- nfonio íV|)lturir.a | [ontórc

P r e s i d e n t e da C a m a r á M u n i c i p a l do Por to , P a r do re ino eleito e

Len te d e p a t h o l o g i a i n t e r n a n a Eseola Medieo-C i ru rg ioa do P o r t o

0. D. C.

0 diícihido ahaw.

3

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N.° 17 —Os alumnos approvados no 1.° anno, passarão para o 2.° ; os approva­dos n'este para o 3." ; e assim progres­sivamente até fazerem o do 5.°, que en­tão requererão para fazer o acto grande.

N." 19 — 0 alumno que tiver concluído o curso cirúrgico immediatamente reque­rerá para ser admittido a fazer exame do acto grande, cujo requerimento irá acompanhado de uma these sobre um objecto cirúrgico á sua escolha.

(Regulamento da Escola, de 2õ do junho de 1825).

Dura lex» Bed l ex .

« É x ig i r uma these a quem de direito não pôde }M$apresentar um simples diário consciencioso

Mp^é um absurdo. Qual a dotação que o governo dá á Escola

para fazer esta imposição? Onde tem a Escola os elementos necessários

para se cumprir conscienciosamente aquelle artigo do seu regulamento? Onde estão os gabinetes de estudo para se poder apresentar um trabalho ori­ginal? Onde as enfermarias em que possamos es. tudar,hora a hora, as diversas phases d'uma doença, que carece de repetidos e demorados exames? No hospital de Santo Antonio, vulgo da Misericórdia? não! A Escola não ignora por certo que o regula-

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mento d'aquella casa hospitalar attingindo ainda as enfermarias da Escola nos prohibe a perma­nência Bellas durante a parte do dia disponível das lides escolares.

«Os hospitaes públicos—campo o mais adequado para o revigoramento dos seus estudos clínicos—! só em Lisboa é que patenteiam as suas enferma­rias ou a sua policlínica ao novel facultativo, de forma a permittir-lhe a possibilidade d'urn stagiato hospitalar. Um concurso publico relacciona logo os mais aptos, e dos .vencedores se recrutam, em re­gra, os providos nas vagas dos logares do magisté­rio. Esse systema bem mal esboçado ainda, de vi­veiros de aspirantes, nem sequer, imperfeito como lá é ainda, existe no Porto. O hospital de Santo Antonio povoa-se com os que vencem a terrível prova do concurso... documental; só recente­mente é que o principio justo e scientifico de pro­vas publicas se instaurou, dando-se ao corpo me­dico a irrescindivel faculdade de prover á sua pro­pria renovação, até ahi encabeçada na fronte en-cyclopedica da irmandade.

«Se no tocante a hospitaes, vivemos n'este regi­men tonificador da ignorância e do desmazelo, a respeito do tirocínio em laboratórios a miséria é supina» (1).

Além d'isso não ignora o Conselho escolar quão

(!) Ricardo d'Almeida Jorge—Relatório apresentado ao Conselho Superior de Instrucção Publica, na sessão de i de outubro de i885, pag. 59.

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defficientes são as enfermarias que nos destinam. E' triste, chega mesmo a ser vergonhoso confes-sal-o, mas é verdade, que no hospital se destinam á Escola salas pequenas e acanhadas para o estudo dos aluirmos. Por exemplo: a enfermaria de cli­nica medica (homens) só comporta 11 camas! A de clinica cirúrgica (mulheres) não tem uma cama de operações, de ha muito reclamada pelo director d'esta enfermaria! Na de partos chega a ser crimi­noso o que lá se passa; além de não haver igual­mente cama de operações não ha uma sala espe­cial para as doentes infeccionadas e, para as duas salas, que comportam 3o camas cada uma, ha ape­nas 4 irrigadores, numero insignificantíssimo para acudir ás necessidades das doentes e aos cuidados prophylacticos que reclamam medidas d'outra or­dem.

Poderíamos estender mais longe este sudário, se não estivéssemos plenamente convencido que o illustrado jury é o primeiro a reconhecer o ab­surdo da lei.

Com que direito, pois, nos é exigida uma these, dadas as circumstancias desgraçadas que acaba­mos de relatar?

Com o direito do posso quero e mando, que precede as nossas leis. Com o direito da força. Com o direito da ignorância.

«Na tribuna das camarás, diz o snr. dr. Ri­cardo Jorge (!), os corypheus da eloquência e da

i1) No prefacio da traducção do livro de Herbert Spen­cer— A Educação—por Emygdio d'Oliveira,

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technica parlamentares soltam os últimos dislates em materia (Tinstrucção nacional; elles, os vigilan­tes da segurança e do progresso, elles, os possui­dores do palladio pátrio, não manifestam a menor comprebensão racional e scientifica da escola como órgão social subordinador e innervador de toda a funccionalidade mental, económica, profissional e politica do paiz. Infiltrados por um burocracismo abominável, os representantes do poder executivo e legislativo concebem, gestam e dão á luz, a cada sessão, como productos espúrios de coito malé­fico, medidas sobre instrucção nacional, cunhadas no mais boçal empirismo. Sobre a influencia do methodo dominante dos expedientes, não curam das causas intimas do mal, nem dos meios thera-peuticos radicaes; temporisando por conhecido ha­bito politico, n'uma expectação inexplicável, adstrin-gem-se á applicação cTuns palliativos banaes, edi­tando regulamentos que duram a manhã das ro­sas, creando descontentamentos e incertezas, me-chanisando e esterilisando a vida escolar. E quando algum membro da camará, espirito lúcido, digno e patriota—uma excepção rara de que podíamos apresentar alguns exemplos honrosos—se insurge contra estes processos mesquinhos de opportunismo inane, e encara a questão dentro dos indeclináveis princípios scientificos e sociológicos, coordenando todos os dados com as necessidades do presente e as aspirações do futuro, não desperta no cérebro pithecoide da representação nacional outra ideia que não seja a de appellidal-o um visionário acadé­mico, um theorico vão, na profunda ignorância pra-

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tica de que a instrucçáo publica é uma dependên­cia, como qualquer outra, . . . das secretarias do es­tado.»

Felizmente que temos por nós tão abalisada authoridade como a d'esté illustre professor, um dos ornamentos d'esta Escola.

E1 triste, é vergonhoso; chega a ser um crime o que se passa no nosso paiz com a instrucçáo. Na Suissa, Allemanha e França é esta questão tratada á sua altura; entre nós apenas como me­dida radical se publicam decretos creando e, a bre­ve trecho, extinguindo o ministério de instrucçáo publica.

Quaesquer disposições emanadas do alto sobre ensino publico ou se acanham nos parcos moldes das dotações defficientes dos estabelecimentos es­colares, ou então são verdadeiros sudários de ver­gonha e coisas absurdas como as três ultimas re­formas de Instrucção Secundaria, que mais at­testais a inépcia dos governantes do que o desejo de contribuírem para o engrandecimento e prospe­ridade intellectual do paiz.

«A instrucção secundaria muitos annos ha que é o alvo predilecto das nossas reformas pedagógi­cas; e a despeito da laboriosa tarefa de moer e remoer regulamentos, temperar e destemperar pro­grammas, promulgar e revogar decretos, a vida tuberculosa dos lyceus dia a dia se estampa mais funda na face hypocratica dos nossos institutos se­cundários.

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«E'até licito exarar-se desassombradamente que esse afan de restauração, invadindo, por crises fe­bris de curto fôlego, parlamento e secretarias, do­mínios burocráticos e corpos docentes, na multi­plicidade desconnexa e um tanto atropellada das medidas salvadoras, longe de abolir a terrível ca­chexia, tem-na requintado, como a mesquinho en­fermo em cujo estômago se vasam e armazenam drogas loucamente formuladas coup un coup» (1).

A indole especial do nosso trabalho inhibe-nos de nos alongarmos em considerações preliminares. Vamos pois desempenhar-nos da missão que nos impõe a dura lex.

Entre os vários e complexos pontos de ordem social affins com a medicina prendeu-nos a atten-ção a educação dos nossos filhos.

Para tratarmos do assumpto não nos fallece a vontade. Oxalá que á altura d'esta vontade esti­vessem os recursos de que a nossa intelligencia pôde dispor.

Angiulli disse: «O fim da educação é fornecer ao individuo os meios indispensáveis para prepa­

id Ricardo d'Almeida Jorge — Relatório apresentado ao Conselho Superior de Instrucção Publica, na sessão de i de outubro de i885, pag. 61.

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rar e melhorar a propria existência no meio da natureza, da familia e da sociedade.»

E' principalmente sobre este tríplice ponto de vista que, tanto quanto nos permittirem as nossas forças, vamos encarar a educação, para o que es­boçaremos alguns apontamentos, que sirvam de base ao nosso trabalho.

O nosso código civil emancipa o individuo aos 2i annos. E1 certo que n'esta edade não se dá o completo desenvolvimento intellectual, o que só se réalisa aos 25 annos; como porém a lei assi-gnala os 21 annos, apresentaremos a nossa opi­nião sobre a educação até essa edade. D'ahi em diante pertence o individuo á sociedade, esperando que aproveitem e fructifiquem os influxos educati­vos recebidos até ahi.

Dividiremos estes Apontamentos em 3 partes. Na primeira estudaremos a creança até aos 8 an­nos; na segunda até aos 16 e na terceira até aos 2 1 .

Antes de terminarmos este singelo proemio ap-pelamos para a inexcedivel bondade e indulgência do nosso jury, a quem rogamos se digne ver n'esta simples dissertação inaugural, unicamente o desejo de cumprir e não o envaidecimento de ligar o nosso humilde nome a uma brochura sem utilidade e apenas com o único mérito de satisfazer a lei.

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PRIMEIRA PARTE

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A ignorância das mulheres a res­peito dos seus deveres e o abu­so que praticam do seu poder fazem-lhes perder a mais bella e a mais preciosa das suas qua­lidades : — a de serem úteis.

(M.me Bernier— Discurso sobre a educação das mulheres).

assumpto é vasto e complexo, não podendo por tanto desenvolvel-o largamente n'este trabalho rapidamente esboçado e em que procuraremos

com o auxilio de vários escriptores e philosophos notá­veis, demonstrar quanto possível a necessidade de mi­nistrar á creança uma educação methodica regular, carinhosa, que possa dominal-a e corrigil-a nas ten­dências do seu temperamento, preparando-a moral, physica e intellectualmente, para o trabalho e relações da vida social, a fim de tornal-a boa, digna e proveitosa. Que os tratados de hygiene da primeira infância se oc­cupera dos cuidados a dispensar aos recem-nascidos. Nós procuraremos apenas dizer o que pensamos quanto á educação a ministrar á creanca desde que o seu or­ganismo se desenvolve e o seu espirito se préoccupa

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com as coisas e objectos, abrindo-se ao raciocínio, isto é, a creança n'este nosso trabalho, ofTerecer-nos-ha in­teresse dos dois annos em deante.

Confiando a creança, n'esta edade, aos cuidados ex­clusivos das mães, a nossa sociedade baseia o seu pro­cedimento na convicção de que só ellas, pela ternura affectiva dos seus corações e delicadeza de sentimen­tos, poderão educal-a convenientemente. Resalta d'esta maneira de pensar, que á primeira vista se affigura rasoavel, um erro perigoso, uma incoherencia impru­dente, se allendermos a que para educar é preciso es­tar educado e a que no espirito fraco e timorato da creança se fixam em impressões dominadoras, ina-pagaveis, os defeitos e superstições do espirito das pessoas que as educam.

Não queremos negar á mulher a sua influencia so­bre a formação da alma infantil, não queremos tão pouco retirar-lhe o papel, que em todos os tempos lhe foi distribuído, de educadora de seus filhos. 0 que nós queremos mostrar é que a achamos insufficiente, no es­tado actual da civilisação, á face da sciencia modernís­sima para se desempenhar perfeitamente do dever que ella se impõe e a sociedade lhe não disputa, de preparar para a vida os seus filhos, quando é certo que ella des­conhece em geral, principalmente no meio portuguez, o methodo de educação positiva de Spencer, acceite como o mais completo e racional pela gente culta. Ë não é só no estado actual da civilisação que se reco­nhece a insufficiencia da mulher como educadora, já a reconhecia o philologo Sheridan, quando dizia: «As mulheres governam-nos; pois então procuremos tor-nal-as perfeitas, por que quanto mais luzes ellas tive-

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rem, tanto mais esclarecidos seremos nós, os ho­mens. »

E quanta razão não tinha Napoleão, ao dizer a ma­dame Campan:

«Os velhos systemas de educação não valem nada; o que é preciso hoje ás creancas para serem bem edu­cadas, em França? — «São-lhes precisas mães, respon­deu madame Campan» —«Ahi está, retorquiu o impe­rador, ahi está um systema de educação: é mister se­nhora, fazer mães que saibam educar seus filhos.»

Que fundo de conhecimentos litterarios e scientifi-cos possue a mulher, que em geral sahe dos collegios aos dezeseis annos, sabendo, quando muito, traduzir mal o francez, redigir uma carta de namoro em péssi­ma orlographia, com phrases copiadas de romances de torpe phanlasia e falsa moral, desenhar toscamente sem a minima noção d'arte, executar no piano futi­lidades musicaes, conhecendo de geographia e historia alguns nomes e factos isolados; desconhecendo por com­pleto os rudimentos da physica, da chimica, da biolo­gia e das sciencias que orientam e suoordinam os es­píritos para a comprehensão dos phenomenos univer-saes.

E', pois, á falsa educação das mães, á sua ignorân­cia sobre o que deva ser o homem, ao seu desconhe­cimento do que sejam as relações sociaes, que se deve attiibuir a imprudência e a insensatez com que certos rapazes se conduzem, quando lançados nas luclás da vida.

E' que as mães não procuram estudar nem descer-4

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nir as tendências dos filhos, combatendo aquellas que, desenvolvidas venham a converter-se em vicios incor­rigíveis, aproveitando e estimulando as que, bem diri­gidas, possam tornal-os homens vigorosos, tenazes e di­gnos.

Quantas vezes as creancas são asperamente repre-hendidas pelas mães e obrigadas a uma immobilidade forçada, porque, cedendo a um impulso instinctivo de actividade, mostram satisfação em auxiliar os creados na limpeza da casa ou nos trabalhos do jardim!

Outras vezes as mães riem com prazer, sanccionan-do assim a malevolencia dos pequeninos, ao vel-os, n'um insurgimento raivoso, investir, de vassoura em pu­nho, contra um creado ou fustigar brutalmente um ani­mal domestico, sem motivo, apenas por vingança de um castigo que lhe inflingiram.

Não sabendo, por falta absoluta de processos edu­cativos, evitar as perrices e teimosias das creancas, as mães mettem-lhes medo, ameaçando-as com o papão, com os policias, com os velhos, pretos, etc.

Não cuidam as mães em fazel-as reflectir sobre a nenhuma razão que as levou a irritarem-se. Em vez de meios convincentes, empregam o processo brutal do terror!

Algumas vezes temos visto certas mães, de génio violento, castigar corporalmente os filhinhos, igno­rando, muitas vezes os innocentes, a culpa em que incorreram.

Em vista do que expomos e que poderíamos des-

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envolver n'uma larga exemplificação ternos provado, era parte, que á mulher não pôde ser confiada a edu­cação da creança.

O que se dá quanto á educação moral, dá-se quanto á educação intellectual.

Como podem as mães, na sua ignorância, sem um fundo de educação scientifica que domine o seu senti­mentalismo nativamente supersticioso, esclarecer os filhos ainda sobre os mais simples phenomenos da na­tureza? Como podem ellas responder clara e precisa­mente ás perguntas que os filhos lhes dirigem, se nunca tiveram quem lhes explicasse o que por uma curiosidade natural desejariam saber?

Não ha muito, passeando no Palácio de Crystal, ouvimos da bocca d'uraa creança a seguinte pergunta dirigida á mãe, uma elegante senhora da chamada il­lustre e distincta sociedade:

—Mamã—pergunta o pequenito, um galante bébé de 4 annos, approximadamente—porque é que os pei­xes não morrem estando sempre debaixo d'agua?

Resposta da mãe: —E' porque o Pae do Ceu assim o quer! E é a mães d'estas, que encontram a explicação de

qualquer phenomeno na suprema vontade do Padre Eterno, que a sociedade insiste em confiar a educação dos filhos?!

Longe de nós pretender que a mãe de família seja uma erudita. 0 que desejaríamos era que as suas fa­culdades inlellectivas, esclarecidas por uma orientação positiva, podessem discorrer com critério, a fim de

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não se embaraÇarem na satisfação da curiosidade dos filhos despertada pelas coisas que causam espanto aos seus olhos.

Muitas mães para se livrarem dos filhos, que as importunam e exasperam com as suas traquinices, mandam-os, aos quatro ou cinco annos, para o collegio.

«Sigamos pois as leis da natureza; (*) quando nascemos não é aos cuidados d'um pedagogo, nem á guarda d'um philosopho que ella nos entrega; ê ao amor d'uma desvelada mãe; é ás suas caricias que ella nos confia, chamando em torno do nosso berço as mais graciosas formas e os mais harmoniosos sons; porque a voz tão meiga da mulher, ainda mais se ameiga para a infância. Emfim, tudo o que ha de en­cantador na terra, é prodigalisado pela natureza na sua sollicitude para com a nossa primeira edade; para-descanpar, o seio maternal; para nos guiar, o seu olhar meigo; para nos instruir, a sua ternura sem igual!

«Vem depois o homem quebrar esta cadeia de amor; a voz rude, a fronte carregada, os estudos pe-dantescos, de que elle é órgão, succedem subitamente ás caricias maternaes. Oh! Quem poderia exprimir o que se passa na alma d'um menino, no dia em que seus brilhantes olhos encontram, pela vez primeira, o olhar severo d'um mestre! Pela vez primeira também

(!) L. Aimé Martin—Educação das mães de família, 2.» edição—I, pag. 41.

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forma ideia da desgraça: e se ainda a mãe alli esti­vesse, se o visse, se o animasse... mas a separação é. completa; arrancaram-n'o á influencia, que cousa al­guma poderia substituir na terra; elle cujo espirito não accordara ainda, senão para inventar novos folguedos; elle que se via amado, acariciado, livre, como o pas­sarinho do campo, eil-o só, e escravo; não o animam já os olhos de sua mãe; á noute deita-se sem a abra­çar, sem a ver sequer; pela manhã levanta-se sem ou­vir aquella voz amiga que o chamava á oração; sem a ter ao pé de si para resar com elle, sem que ella o guie ou o inspire; a mãe coitada cedeu os seus mais sagrados direitos, sem se lembrar de que elles ao mesmo tempo, são deveres. Pobre creaturinha!

E' verdade! Todo o mundo te abandona! A casa paterna fechou-se-te nas costas! Ficarás mezes, annos talvez, sem tocar esse solo, que fazia as tuas delicias, theatro da tua felicidade; então a tua alma se voltará para outras affeições; depois, quando tiver chegado o momento, voltarás a tua mãe, corrupio, indifférente, com o espirito refalsado pelos estudos do collegio e o coração afogado nos vicios, que alli tem morada».

Entre nós os collegios pelos seus processos de en­sino e pela educação n'elles ministrada, confirmam ple­namente a opinião do illustre escriptor.

Não são casas onde os nossos filhos vão colher os exemplos d'uma sã moral e a disciplinação do espi­rito pela acquisição methodica, lúcida, exacta de todos os conhecimentos úteis ao homem no estado actual da civilisação; são casas de perdição, onde as creanças n'um convívio desordenado, se communicam toda a,

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casta de vicies, d'onde os rapazes sanem moralmente perdidos e intelleelualmente indisciplinados, visto que nos collegios os professores não altendem á recom-mendação de Spencer, quando diz «que as creanças devem ser ensinadas o menos possível e predispostas a descobrirem o mais possível.»

«Se quer comprehender-se (') de que elementos se compõe a atmosphera intellectual e moral d'um colle-gio, é preciso considerar que nenhuma classe da so­ciedade é excluída d'esta joven população, que repre­senta em ponto pequeno a nossa França moderna. Assim o quer a egualdade e seria tão injusto como in­conveniente proceder a uma escolha anterior. Mas se­ria preciso fazer da natureza humana uma ideia bem optimista acreditar que estas creanças, recrutadas en­tre famílias muito différentes por seu valor moral, le­varão para o collegio a innocencia da mocidade ou que em presença da honestidade do maior numero se dissiparão ou oceultarão os maus instinctos cujo gér­men por alguns já foi conlrahido.

«São os maus fruclos, como sabemos, que atacam os bons e. não os fruetos intactos que curam aquelles que a corrupção já tem contaminado. Suppondo que a moralidade da creança resista ao contagio de tal visi-nhança, em todo o caso deixará no collegio essa pu­reza de espirito que tão bem fica á mocidade.»

Pois não seria mais vantajoso para as creanças,

C1) Michel Breal—Quelques mots sur l'instruction publi­que en France. Paris, 5." edição, pg. 3o5.

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que os pães, em vez de as mandarem para os colle-gios aos 4 ou 5 annos, as deliciassem em passeios pe­los campos e pelos montes emquanto lhes fossem mi­nistrando lições praticas e instructivas sobre as coisas da natureza?! Em vez de se aborrecerem e contrariarem como quasi sempre acontece quando as internam n'um coilegio, as creanças creariam no goso do passeio o gosto pelo estudo.

E quem deverá ministrar a educação á creança? 0 pae e só o pae.

Disse, ha alguns annos, L. Aimé Martin no seu livro Educação das mães de família:

. . . «a educação porém deve ser inteiriça: quem a interrompe nada consegue; quem a abandona, depois de a 1er começado, verá perecer o seu filho nas diva­gações do erro, ou, o que é mais deplorável, na indif-ferença da verdade.»

Se a educação deve pois ser inteiriça, na opinião do illustre escriptor, opinião que nós acceitamos por completo, quem deverá ministral-a senão o pae, visto que a mãe, pelas condicções da sua organisação delica­da, extremamente affectiva, deixa de exercer a influen­cia e poderio necessário, sobre o filho, logo que elle attinge a adolescência. E sendo certo que quem aban­dona a educação depois de a ter começado, verá pe­recer seu filho nas divagações do erro, a mãe que não pôde educar o filho até á idade da emancipação, deve­rá ceder ao pae a educação da creança desde a segun­da infância.

No entanto aproveitemos a mãe como indispensa-

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vel intermediaria entre o filho e o pae. Reservemos-lhe o papel importante de conciliadora e boa conse­lheira e para isso eduquemol-a de maneira que ella não prejudique, com a sua intervenção, as lições do pae, e harmonise os pensamentos dos dois com a docilida­de da sua vigilância.

A falsa comprehensão, o erro persistente em que vive a nossa sociedade de que a primeira educação dos filhos deve ser entregue ás mães, provém sem du­vida do papel despótico, estupidamente severo que o pae julga representar no seio da familia. Na sua maio­ria os pães não persuadem as famílias de que devem ser os mais respeitados, convencem-nas pelo uso brutal da sua força com castigos corporaes, que devem ser os mais temidos. E perante esta falsa comprehensão do amor paterno, o amor filial deixa de ser um enlevo respeitoso e terno das almas infantis, para se nos apre­sentar como uma humildade escrava, do fraco assus­tado pelo mais forte.

Ha filhos que fogem dos pães como de um inimigo terrível, cruel. E isto porque deante d'elles não po­dem rir, nem aventurar uma phrase, uma opinião, um pensamento. D'esta forma o respeito do filho que de­via ser imposto pelo convívio amigável, terno, conso­lador, com o pae, transmuda-se em terror.

Façamos dos filhos bons amigos que partilhem de todas as alegrias e pezares da nossa vida; interesse-mol-os desde a infância em tudo o que préoccupa a nossa alma, recebamos as suas confidencias, confiemos-

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lhes os nossos pensamentos, brinquemos com elles e riamos ao ouvil-os rir.

Para que fatigal-os com o esludo fastidioso, tortu­rante da grammatica n'essa idade em que elles mal sa­bem pronunciar as palavras? Para que cançar-lhes a memoria aos oito annos, com regras de syntaxe, sys-tema métrico e outras coisas pesadas, confusas, de que elles ignoram o sentido?

«Parece extraordinário H que haja tão pouca con­sciência dos perigos da educação excessiva durante a mocidade, quando ha uma consciência tão geral dos perigos d'essa educação durante a infância. Muitos pães ha que ao menos conhecem parcialmente as más consequências que se seguem á precocidade infantil. Em todas as conversações se pôde ouvir a reprovação d'aquelles que excitam muito cedo o espirito dos seus filhos. E o medo d'esta estimulação prematura é pro­porcional ao conhecimento que se possue dos seus efTeitos, como o testemunha a opinião de um dos nos­sos mais dislinctos professores de physiologia, que nos disse que não tencionava dar licção alguma ao fi­lho, antes de elle ter oito annos de edade.

«Mas apesar de para toda a gente ser uma verdade familiar que um desenvolvimento forçado da intelli-gencia na infância traz comsigo a fraqueza physica, a fraqueza intellectual e até a morte, parece que não se quer comprehender que esta mesma verdade im­pera ainda na juventude. Gomtudo, ella é inquesliona-

(i) Herbert Spencer, obra já citada.

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vel. As faculdades só se desenvolvem n'uma certa or­dem e n'uma certa proporção».

Estudemos a maneira delicada, mais facilmente per­suasiva de os educar sem os castigar, moslremos-lhes as consequências que naturalmente resultam das suas más acções.

« Os castigos occcasionados pela reacção necessária das coisas, (4) inílingidos por um agente impessoal, produzem uma irritação que é comparativamente cur­ta e ephemera; em quanto que o castigo voluntaria­mente applicado por um pae e, portanto, considerado como causado por elle, produz uma irritação cada vez maior e duradoira.

«A cólera dos pães, manifestada em reprehensões e em castigos, não pôde deixar de produzir o afasta­mento dos filhos quando repetidos.

«0 methodo da cultura moral pela experiência das reacções normaes, que é o methodo superiormente aconselhado, quer para a infância, quer para a vida adulta, é igualmente applicavel durante o periodo in­termédio da infância á juventude.

«Entre as vantagens d'esté methodo vemos pois as seguintes:

« Primeira: que elle dá o conhecimento racional do bom ou mau proceder que resulta da experiência pes-

(x) Herbert Spencer, obra já citada.

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soai das suas boas ou das suas más consequências. Segunda: a creanca, soffrendo apenas os efleitos pe­nosos das suas acções más, reconhece mais ou menos claramente a justiça das penalidades. Terceira: reco­nhecendo a justiça das penalidades, e recebendo-as fornecidas pelo trabalho das coisas e não das mãos dos indivíduos o seu caracter é menos magoado; emquan-to os pães, limitando a sua acção ao dever comparati­vamente passivo de deixar obrar os castigos naturaes, podem conservar uma relativa serenidade d'espirito. Quarta: sendo por esta forma prevenidas as exaspera­ções de uns e d'outros, entre os pães e os filhos de­vem existir relações muito mais felizes e de muito maior influencia.»

Não queremos que seja o meio apontado o único a empregar. Temos ainda um outro: o do exemplo.

Um nosso amigo sentia grande repugnância em cas­tigar ou reprehender seu filho.

Como conseguir que elle se corrijisse das diabru-ras que fatalmente praticam todas as creanças?

Por um meio simples. Narremos: N'um dos passeios que este nosso amigo deu com

o seu filho, acompanhado de sua esposa, foram visitar um amigo. O filho, uma sympathica creança de 8 an-nos, viu, sobre uma meza, uma figura de biscuit, quiz observal-a mais de perto e, pegando-lhe, deixou-a cair. O pae e a mãe fingiram não ver o que havia succe-dido. Terminado a visita saíram sem nada dizerem ao filho sobre o facto que elle praticara.

Dois dias depois, em casa, á meza, no fim do jan-

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tar, o pae disse, voltando-se para a esposa e na pre­sença da creanca:

—O pae e a mãe do Raul (Raul era uma creança quasi da mesma edade do Qlho do nosso amigo e que brincavam muitas vezes juntos) acabam de soiïrer um desgosto sério, quasi que choraram.

— Porque?—perguntou a mãe, previamente illuci-dada do facto que o marido ia narrar.

—Foram de visita a casa d'um amigo e levaram o Raul, mas como elle é muito travesso, muito desin­quieto e muito mau, quebrou uma figura de louça que vira sobre uma meza.

—Que pena, vês tu! se elle fosse como o Carlos, que é socegado e quieto, não llie succedia isso. Faço ideia do desgosto que devem 1er tido o pae e a mãe. Se aquillo se desse com o Carlos eu chorava de ver­gonha.

A creanca ouvindo isto pensa naturalmente: —No outro dia fiz o mesmo, e se o papá e a mamã

não se desgostaram foi porque não viram, aliás teriam chorado ambos.

Por este processo, que pôde ter muitas variantes, a creanca corrige-se gradualmente sem soíTrer castigos e reprehensões directas, que mais servem para fazer perder a força moral dos pães do que, como meios educativos, de algum alcance.

Temos para nós a convicção de que, em attenção aos fins educativos a que um pae deve sempre visar, não é conveniente que encontre seu filho em mentira,

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porque então terá de o castigar directa e immediata-raente para impedir que o vicio ganhe raizes no espi­rito da creança.

Quando a mentira for evidente, manifesta e inne-gavel, o pae deverá desculpar o filho, procurando en­volver n'essa desculpa o correctivo preciso para a falta, correctivo moral, é claro, dos que mais callam e fruclificam. Deverá dizer, por exemplo: —«Não; elle não disse uma mentira, porque é incapaz de Ião feia acção. Se disse isto foi porque o illudiram ou porque não prestou a devida attencão ao que lhe referiram; não viu bem, etc.;»—o que nunca deverá dizer é: — «Tu mentes,» porque assim mostrará â creança que ella sabe mentir, coisa que ella nunca deve saber que sabe.

Um outro ponto que se nos antolha d'uma impor­tância capital é a inveja que muitos pães, pouco es­crupulosos em questões de educação, fazem accender e avivar entre os filhos, conduzindo a péssimos resul­tados. Assim, não é raro ouvir-se um pae dizer: «Sou mais amigo do F. do que de ti»; e isto não serve para mais do que para fazer nascer no coração das crean-ças o abominável sentimento da inveja; e o ser inve­joso é uma das peiores qualidades que um homem pôde ter.

Somos francamente contra um tal procedimento. Um pae nunca deve servir-se d'esté meio porque dá resultados negativos, porque faz brotar ainda um ou­tro sentimento peior do que os já apontados:—o ódio entre irmãos.

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Condemnamos atraz os collegios e por esse facto não deve admirar que digamos ser a pratica d'esté meio, de uso corrente nas casas chamadas de educa­ção. Ahi chega-se muitas vezes a ir mais longe,— so­mos testemunha do facto revoltantíssimo, — chama-se um-alumno para castigar corporalmente um seu ir­mão!

E' também costume de muitos pães ensinarem a seus filhos, emquanto pequenos, certas phrases e acções condemnadas pela moral, simplesmente porque acham graça a essas phrases e a essas acções quando ditas ou praticadas por creanças de tenra idade.

E' este um péssimo costume, dando no futuro, como resultantes directas, gravíssimos inconvenientes e que muito seria para desejar não ver tão vulgari-sado como se encontra, especialmente nas classes po­pulares.

Com este proceder os pães desmoralisam-se por­que, quando mais tarde os filhos tiverem perfeito e exacto conhecimento do que dizem, olharão para seus pães d'uma forma diversa d'aquella por que deveriam olhal-os e não acceitarão, com tanta facilidade como deveriam, qualquer correcção que estes tenham ne­cessidade de applicar-lhes.

Sobre a forma de tratamento usada entre pães e filhos entendemos dever fazer algumas considerações que, embora rápidas, deem a synthèse do que pensa­mos acerca d'isto.

Optamos pelo-costume de ha muito usado em Hes-panha e França. Os filhos devem tratar seus pães por

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tu. Não vemos rasões nenhumas para que assim não procedam nem que nos convençam de que eslamos em erro. E' evidente que queremos que os pães exi­jam de seus filhos o máximo respeito mas também é evidente que devem inspirar-lhes a maxima confiança; e o tratamento de tu não exclue por forma alguma a falta de respeito.

Grande e altíssimo respeito inspira aos catholicos a Divindade e no entanto nas orações lithurgicas que lhe dirigem empregam o tratamento que advogamos: «Pae nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome, etc.»

Com este tratamento nasce expontânea a confiança e afervora-se o amor filial.

Apresentaremos agora umas considerações muito geraes sobre a educação physica. Se é verdade que sobre a educação moral e intellectual ha muito des­leixo e incúria da parte dos pães, sobre a educação physica, este desleixo e esta incúria, quasi chegam a ser criminosos.

Não ha entre nós quem se occupe da hygiene do­mestica e cremos que não são mais felizes,-o que, para nós é, evidentemente, uma consolação,—as na­ções extrangeiras; pelo menos é o que diz, no seu li­vro A Educação, o celebre philosopho inglez II. Spen­cer:

«Nas cidades também os numerosos artistas que teem cães, os rapazes que são bastante ricos para de tempos a tempos satisfazerem o seu gosto pela caça, e os homens mais graves que conversam sobre o pro-

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gresso da agricultura ou lêem os relatórios annuaes de Mr. Meachi e as cartas de Mr. Cairol para o 'Ames, formam, quando agrupados, uma grande porção dos seus habitantes. Observem os adultos de todo o reino e verão que a sua grande maioria se mostra interes­sada na geneologia, creação e educação dos animaes d'esla ou d'aquella espécie.

«Mas, nas conversações de depois de jantar, ou em qualquer outra época de conversa, quem ouve fallar da creação das creanças? Quando o fidalgo provinciano faz a sua visita á cavalhariça, inspeccionando pessoal­mente as condições e tratamento dos cavallos; quando lança um golpe de vista pelo seu gado mais pequeno, e faz recommendações a seu respeito; quantas vezes vae ao quarto dos filhos examinar o seu regimen ali­mentício, as horas em que elle é executado, e a ven-tillação do aposento? Nas prateleiras da sua livraria podem ver-se—-O Ferrador, de White, O Livro da Granja, de Stephens, e Da caça, por Nemrod; está mais ou menos familiarisado com a sua leitura; mus quantos livros tem lido sobre o tratamento da infân­cia e meninice?

«Às propriedades nutritivas do pão de óleo, os va­lores relativos do feno e da palha serrada, os perigos do excesso do trevo, são assumptos de que todos os proprietários, rendeiros e lavradores teem algum co­nhecimento; mas qual é o numero d'elles que quer sa­ber se o alimento que dão aos seus filhos é adequado ás necessidades constitucionaes do desenvolvimento dos rapazes e das raparigas?

«Entre os habitantes de uma cidade poucos haverá

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que ignorem o facto de que se não deve deixar tra­balhar os cavallos logo depois de comerem; pois, se todos esses cidadãos tivessem filhos provavelmente não se encontraria um que soubesse se o lapso de tempo decorrido entre o jantar dos filhos e a hora dos estudos seria suíflciente.

«No entanto os pães Icem livros e periódicos, as­sistem aos meetings agrícolas, fazem experiências, e entram em discussões, tudo no intuito de descobrirem a maneira de engordarem porcos que ganhem prémios nas exposições! Vemos os infinitos trabalhos envidados para se obter um bello cavallo de corridas que possa vencer o Derby; não vemos nenhum para produzir um athleta moderno.»

Os pães, revelam-nos, quando discutem as questões de educação, uma ignorância pasmosa. E, como os extremos se tocam em tudo, vamos dizer o que se passa acerca da alimentação das creanças.

Entendem muitos pães que devem fazer seus filhos comer muito; muita sopa. muitas batatas, etc. e que é isto que alimenta; e que, para augmentar a quanti­dade de sangue no organismo das creanças, devem es­tas beber muito vinho!!

Outros seguem o procedimento inverso;—de tudo muito pouco, para não ficar o estômago encharcado. As creanças,—dizem estes—devem sahir da meza com alguma vontade de comer.

Outros ha ainda que deixam as creanças comer de tudo quanto lhes apeteça durante o dia.

Sem nos propormos a apresentar com toda a mi-5

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nuciosidade, n'este nosso trabalho, detalhes especiaes sobre a alimentação das creanças, pois que, isso se deve procurar nos tratados de hygiene da alimentação, apenas apresentaremos algumas, poucas, regras mui­to geraes, sobre a forma porque devem alimentar-se.

Deve dar-se-lhes tudo o que lhes appeteça:—carne, peixe, leite, doces, fructas, queijo, manteiga, ele. O que, porém, é preciso dar-se-lhes cora toda a prudên­cia e cautella, é o vinho para não fazermos da creança de hoje, um alcoólico de amanhã.

Mas para se lhes dar de comer não basta saber que se lhes deve dar:—é preciso saber quando e como.

A creanca, como o adulto, deve ter uma regulari­dade quasi mathematica nas suas horas de refeição.

Comer a toda a hora do dia acarreta graves com­plicações, não permitte que se faça uma digestão re­gular e proveitosa e o estômago encontra-se sempre n'um trabalho activo, que o gasta e debilita, arrastando consequências assaz desagradáveis.

Muitos pães entendem, erradamente, que devem prohibir a seus filhos o comer doces, chamando-lhes gulosos e outros nomes feios e, ignorando que com este proceder incorrem n'um engano lamentável.

O assucar representa um papel importante no pro­cesso vital. Às matérias saecharinas e as matérias gor­das são oxigenadas no nosso corpo, dando-se esta ope­ração acompanhada de uma evolução de calor. O as­sucar é a forma a que muitos compostos devem ser reduzidos antes de poderem formar o calor animal; e esta formação de assucar effectua-se em o nosso pró­prio corpo. Não só o amido se transforma em assucar

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durante a digestão, mas, como o prova Claude Bernard, o fígado é uma retorta em que os outros elementos constitutivos da alimentação se transformam em assu-car: a necessidade de assucar é tão imperiosa que chega a ser produzida por substancias azotadas quan­do não ha outras que o forneçam.

Ora, se ao facto das creanças mostrarem um grande desejo por essa valiosa alimentação de calor, addicio-narmos este outro facto: — que ellas teem uma repu­gnância não menos pronunciada pelo alimento que dá o maior calórico durante a sua oxidação (pelas maté­rias gordas), teremos rasão em pensar que o excesso de um compensa a falta do outro — que o organismo exige mais assucar, porque não pôde assimilar muitas gorduras.

E para prova do que avançamos transcrevemos a seguinte auetorisada opinião:

«Todos os dias o corpo se gasta mais ou menos; no exercício muscular, no systema nervoso pelas acções mentaes, nas vísceras pelas funeções da vida; e o tecido assim gasto tem de ser renovado. Todos os dias, pela radiação, o corpo perde grande somma de calor: e para esse fim certos elementos constitutivos do corpo soffrem uma oxidação continua. Os únicos fins, por­tanto, para que os adultos precisam de nutrição são — supprir a este gasto diário, e fornecer a despeza diária de calor. Considere-se agora o caso do rapaz. Também elle gasta a substancia do corpo pela acção; e basta que nos lembremos da sua constante activi­dade para ver que, relativamente ao seu volume, pro­vavelmente dispende tanto como o homem. Também

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elle perde calor pela radiação; e, como o seu corpo expõe uma superfície maior em proporção á sua massa do que o do homem, perde portanto calor mais rapi­damente; a quantidade de alimento-calor de que pre­cisa, é, volume por volume, maior do que a necessi­tada pelo homem. De modo que, mesmo quando o ra­paz não tivesse de fornecer outro processo vital di­verso do homem, necessitaria, relativamente ao seu volume, um supplement maior de alimentação.

«Mas, além de ter de reparar o corpo e de alimen­tar o calor, o rapaz tem ainda de fazer tecido novo— tem de crescer. Depois de separadas as despezas de substancia e de calor, o excedente de alimentação que fica, vae para a construcção do corpo; e só em virtude d'esté excesso é que é possível o crescimento normal; o crescimento que muitas vezes se opera, sem esse excedente, causa uma prostração manifesta.»

Referentemente a vestuário não podemos também deixar de dizer alguma coisa ainda que pouco. Esta questão como a da alimentação não pôde ser tratada convenientemente n'estes Apontamentos, escriplos qua­si sobre o joelho, porque só este capitulo da educação daria bem um grosso volume. Apresentaremos apenas, como para a alimentação, umas considerações muito geraes.

Pensamos como Liebig quando diz: «0 nosso ves­tuário é, a respeito da temperatura do corpo um mero equivalente de uma certa quantidade de alimentação».

Devemos vestir os nossos filhos segundo a estação

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que atravessarmos. E' um erro o preconceito popular de que a creanca, para enrijar, precisa estar exposta ao frio. Se querem tirar, como consequência illogica d'esté erróneo modo de pensar, o facto de serem os filhos dos nossos aldeãos robustos, sadios, vigorosos, andando seminus, pensam desastradamente, porque não se importam senão com um facto sem quererem saber das causas que produzem um tal resultado.

E' preciso ponderar que os rapazes que saltam e brincam nos adros das aldeias, são favorecidos por varias circumstancias, — a vida d'elles decorre em quasi permanentes divertimentos, respiram todos os dias e a toda a bora, um ar mais puro e mais fresco e o seu systema nervoso não é perturbado nas suas funecões pelas sobre-excitacões do cérebro.

A verdade, a grande verdade é que, diminuindo a perda do calor, diminue a quantidade de combustível necessário para sustentar o calor, e que, quando o estômago tem menos trabalho em preparar o combus­tível, trabalha mais preparando outros materiaes.

Morton, diz na sua Encyclopedia da Agricultura: «Se o gado que está na engorda for exposto a uma temperatura baixa, ou o seu desenvolvimento se atraza, ou é necessário um grande augmento de alimenta­ção.»

Apperley diz também: «Para conservar os cavallos de capa em boas condições é necessário conservar a estrebaria sempre quente.»

Esta verdade scientifica, cunhada pela observação, corroborada pela ethnologia e reconhecida pelos agri­cultores e creadores, applica-se, com forca dupla, ás creancas. Quanto menos edade ellas tem, maior é o seu

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desenvolvimento e tanto maior é a influencia que o frio exerce sobre ellas.

«A regra é,—diz Combe,—de não se vestir em to­dos os casos da mesma maneira, mas de se enroupar em qualidade e em quantidade sufliciente para prote­ger o corpo contra qualquer sensação de frio embora leve.»

Trataremos por ultimo dos exercícios physicos. Já condemnamos os collegios entre nós e n'este

logar teremos ainda, mau grado nosso, de nos refe­rir a elles e muito principalmente aos de meninas.

Nos collegios de rapazes, existem alguns com quin-laes ou logares areados onde os alumnos se divertem, saltam, correm, etc.; outros nem quintal teem. Nos de meninas a coisa é um pouco mais ridícula: — ha jar­dim e não quintal.

Os jardins são occupados com relvedos, caminhos de areia vermelha, massiços e canteiros de flores.

Durante as horas de recreio as meninas passeiam vagarosamente ao longo dos caminhos com os livros na mão, outras passeiam, duas a duas, e outras ainda brincam, sentadas, com bonecas.

A nenhuma importância que se liga a esta parte da educação é deveras irrisória para não lhe chamar­mos estúpida.

Quer os pães, quer as mestras chamam a isto sa­ber guardar as conveniências e não sabem dar outra explicação do seu proceder.

Recentemente tem ido substituindo estes jogos

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pela gymnastica e acerca d'esta substituição vejamos a opinião de Herbert Spencer:

«Os exercícios gymnaslicos além de serem inferio­res aos jogos como quantidade de exercício muscular, ainda são mais inferiores como qualidade. A falta de relativa satisfação que nós apontamos como causa de abandono em pouco tempo dos exercícios artificiaes, é lambem causa de inferioridade nos effeitos que pro­duz sobre o systema. A presumpcão vulgar de que com tanto que a somma de acção corpórea seja a mesma, pouco importa que a acção seja agradável ou não, é um grave erro. Uma excitação mental agradá­vel tem uma influencia altamente fortificante. Veja-se o e ff eito que as boas novas ou a visita de um velho ami­go produzem sobre os enfermos. Note se o cuidado com que os medicos recommendam aos débeis uma companhia alegre. Lembrese quam benéfica á saúde é a mudança de vistas. A verdade é que a felicidade as­sim obtida é o melhor dos tónicos.

«Accelerando a circulação do sangue, facilita o com­primento de Iodas as funcções, tendendo, portanto, não só a augmentai- a saúde quando ella existe mas tam­bém a restaural-a quando é perdida. D'aqui a superio­ridade intrínseca dos jogos sobre a gymnastica. O ex­tremo interesse que as creanças tomam pelos jogos e a alegria sem peias com que se entregam ás mais ru­des folganças são de tanta importância como os exer­cícios que os acompanham. E como os exercícios gym­naslicos não produzem estes estímulos mentaes são ne­cessariamente defficientes.

«Repetindo, pois, que os exercícios formaes da gym-

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nastica são preferíveis á falta de exercido estabelecen­do, também, que elles podem ser usados com vanta­gem como auxílios supplementares; contestamos toda­via, que elles possam substituir os exercícios designa­dos pela Natureza. Para as meninas, como para os ra­pazes, a actividade dos jogos para que os nossos ins-tinctos nos impellem é essencial ao bem estar do cor­po. Aquelle que o prohibe, prohibe os meios de des­envolvimento physico superiormente fornecido.»

Não está na indole d'esté trabalho- apresentar aqui quaes as condições a que deveria satisfazer um colle-gio para merecer dignamente o titulo de casa de edu­cação. Vamos, porém, transcrever algumas palavras do livro do dr. Jules Rochard, A Educação dos nossos filhos:

«Como não pôde fazer-se tudo ao mesmo tempo, M. Godard—director da Escola Monge—começou pela educação physica, cerceando algumas horas ao traba­lho intellectual, em beneficio dos brinquedos, recreios e passeios. Não obstante as grandes dimensões e feliz disposição de seu grande jardim, comprehendeu que nada egualava o exercício ao ar livre e resolveu se a transportar seus discípulos para o Bosque de Bolonha, onde os deixa divertir livremente.

«Todos os dias é para alli transportado em omni­bus do estabelecimento um grupo de estudantes. M. Godard apossou-se da parte mais risonha do bosque. Cada dia 100 dos seus alumnos montam a cavallo no picadeiro do Jardim de Ácclimação, outros jogam o criquet, o foot ball nos relvados de Madrid; alguns re-

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Ih mam n'uma tlolilha de escaleres que sulcam o grande lago e os mais novos distrahem-se com brinquedos próprios da sua edade, á sombra do prado Catelan, emquanlo suas mães, sentadas a conversar, os estão vigiando. Todos estes mancebos respiram saúde, ale­gria e bom humor e dá prazer vel-os assim quando se está habituado ao aspecto triste e aborrecido dos alumnos dos nossos collegios. Os membros da socie­dade que corno nós, foram testemunhas d'estes fol­guedos, voltaram d'alli encantados e convencidos e até o próprio chefe do Estado se dignou assistir a este espectáculo consolador.»

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SEGUNDA PARTE

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Les éloges répartis avec descri-tion et justice sont les plus dé­licates et les plus précieuses récompenses. Elles suffiraient, à elles seules, même dans l'édu­cation commune.

Bernard Perez—L'éduca­tion morale dès le ber­ceau.

endo desenvolvido considerações geraes na pri­meira parte d'estes Apontamentos, considera­ções que também dizem respeito a esta e á

terceira parte, resta-nos agora dizer o que pensamos acerca dos cuidados a dispensar aos filhos dos 8 até aos 16 annos e isso será o único objecto d'esta segun­da parte.

Vamos expor franca, mas muitíssimo ligeiramente, a nossa opinião sobre a educação dos nossos filhos, du­rante a idade apontada, e se o não fazemos com o desenvolvimento que se nota na primeira parte é por­que, a ser assim, não só teríamos de repetir muito do que já dissemos, mas faltava-nos o tempo. Serão, pois, muito breves as nossas considerações.

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E' só depois dos 8 annos que a creança deve co­meçar a estudar. Antes, porém, de ministrarlhe a edu­cação intellectual deve o pae preparal-a de forma a que possa receber essa educação, sem tédio, aborre­cimento ou desgosto, de modo a que fructifique. Este é um ponto capital, porque até esta idade a creança está apenas costumada a folgar sem ter cuidados ou obrigações a cumprir. Vendo-se, de um momento para o outro, compellida á execução de certos deveres que vae cercear-lhe as suas horas de brinquedo, estranha e começa a sentir pelo estudo um certo aborrecimento que, como é intuitivo, vae perturbar a marcha educa­tiva do seu espirito,

Um bom pae, um pae que verdadeiramente com-prehenda os seus deveres, os deveres para com os filhos, deve cuidar, primeiro que tudo, como já disse­mos, em preparar-lhes o espirito para lhes ministrar a educação. Deve dar-lhes passeios instructivos, expli-cando-lhes certos phenomenos e varias coisas, dei­xando de explicar-lhes outras e dando lhes, como ra-são d'essa falta de explicação que, mais tarde, elles comprehenderão bem o que deixa agora de ser-lhes explicado, quando começarem a estudar, etc.

Assim, por este meio, vae despertando na creança o gosto pelo estudo, o desejo de saber e portanto fa-zendo-lhe crear vontade de aprender.

Nos primeiros tempos deverá ser muito curta a permanência na escola, de forma a que possa ope-rar-se uma transição lenta e por esse facto, pro­veitosa. Deverá escolher a hora em que a creança esteja menos entretida e até mesmo persuadil a de que o estudo é um brinquedo e isto conseguil-o-ha por

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diversas formas que nos abstemos de expor aqui, por ser uma questão que se resolve de momento sem ha­ver regras fixas que a dirijam.

Depende da forma porque fôr começada a educação, a mais perfeita realisaçãe dos fins educativos a que se aspira.

0 principal dever de um pae, para que seu filho se instrua o mais possível, é este, seja qual fôr o fu­turo que lhe destine ou prepare. E' claro que não de­sejamos que todos os pães dêem uma formatura a seus filhos, mas se é certo que a educação é uma couraça que protege, a instrucção é uma espada que abre ca­minho.

Quando se ministra a educação intellectual a uma creança não se deve castigar corporal ou physicamente. Ha certos castigos, em alguns collegios, que não sabe­mos bem como classifical-os, tão deshumanos elles são. Em alguns é costume pela falta de explicação, muitas vezes pela falta de comprehensão, castigar-se a crean­ça, prohibindo-lhe o lunch; outras vezes o recreio ou obrigando-a, durante o tempo que se segue immedia-tamente ás refeições, a escrever a licção que não estu­dara.

Isto faz-se ainda hoje nas nossas escolas! As horas de estudo da creança devem ir augmen-

tando gradualmente á medida que vae lendo mais ida­de e que vae comprehendendo a necessidade de apren­der.

O educador, deve 1er sempre presente as seguin­tes palavras de M. Marcel: — «As lições devem ser

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So

suspensas logo que a creánça mostre syraptoraas de cansaço.»

Também costuma empregar-se o estimulo como meio de correcção.

O estimulo como meio educativo não podemos ad* mitlil-o.

Bernard Perez diz:

«L'émulation est d'abord le désir de faire bien, de faire aussi bien que les autres, e dans certains cas, et suivant les caractères ou les exemples donnés, de faire mieux que les autres. En somme, le plaisir du succès, de Í- approbation, en est 1' element essentiel.»

Em logar de dizermos á creança:—Vés como F. é bom? Fez isto ou aquillo, que tu não fazes!—devemos empregar esta outra formula: —F. procedeu bem, fa­zendo aquillo. Tu, nos mesmos casos, sei que farias outro tanto; elle foi feliz por ter occasião de mostrar que era bom.

D'esta forma não se deprecia a creanca e ella cos-tuma-se a vér em nós um julgador imparcial e bene­volo ao mesmo tempo.

E', pensando d'esta forma que Bernard Perez es­creve no seu livro LyEducation morale dès le berceau:

«Rousseau et son disciple Kant, beaucoup trop exclusifs, ne veulent pas que l'enfant s'estime d'après les autres. Sauf une ou deux exceptions, par exemple, quand il s'agit de gagner un gâteau à la course, Emile n'a point de concurrent; c'est á lui seul qu'il doit se

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comparer: quels progrès a-t-il faits depuis six mois, depuis un an?» Il est absurde, dit Kant, de vouloir que l'enfant s'estime plus on moins que d'autres. «Vois-tu comme tel enfant se conduit? etc.» Parler ainsi aux en­fants n'est pas le moyen de leur inspirer de nobles sentiments. L'enfant, selon Rousseau et Kant, doit s'estimer d'après son experience, sa raison, et la con­naissance qu'il a de soi-même. Il est bon, en effet, qu'il en soit ainsi, pourvu que l'enfant y soit aidé. Il y a tout avantage, même pour un adulte, à se de­mander où il en est aujourd'hui de son évolution in­tellectuelle et morale. Cela vaut tout autant, sinon plus, que de calculer ses bénéfices et de supputer ses pertes au but de l'an. Mais, encore une fois il faut en ideal de raison, pour établir cette estimation compa­rative de soi-même. Au premier âge, le champ de tels jugements sera très limité, comme les forces et les facultés de l'enfant; nous devrons, en général, lui four­nir la matière d'après ses actes les plus importants.»

E' durante este tempo que o pae deve tratar de escolher, d'accordo com o filho, o futuro que lhe ha-de dar. Não deve esquecer este ponto capital.

Quer. tenham meios de fortuna quer não, a todos os pães corre o dever de procurarem e prepararem um futuro a seus filhos. A ociosidade é a mãe dos vi­cias, diz o annexim. E' uma verdade.

A ociosidade tem varias causas. Umas vezes é de­terminada por uma grande fortuna; outras pela negli­gencia dos pães, que deixam aos filhos a plena liber­dade de se empregarem ou não, sem muitas vezes cu­rarem de saber se estão ou não empregados; outras

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ainda pela orphandade; outras porque os pães, desmo-ralisados e corrompidos, são atirados para as enxovias das cadeias onde, não vão soffrer o castigo da sua per­versão, mas retemperar-se no crime; outras vezes também é determinada pela péssima educação que os pães dão a seus filhos, inflingindo-lhes castigos corpo-raes que os obrigam a fugir de casa; outras, finalmente, pela excessiva necessidade que obriga os pães e as mães a ter de abandonar os filhos, durante o dia, para ganharem o pão que os hade sustentar, etc.

Não ha muito tempo que, nós, interrogando muitos dos vadios que se acham reclusos nas Cadeias da Re­lação, senão de todos, ao menos da maior parte, ouvi­mos queixas assim:

—Meu pae embebedava-se todos os dias e quando chegava a casa batia-me muito.

—Meu pae morreu e a minha mãe amancebou-se com um homem que dizia não estar disposto a traba­lhar para sustentar os filhos dos outros.

—Meu pae morreu e a minha mãe fugiu para Lis­boa deixando-me ficar.

—Meu pae ia para o trabalho á segunda feira e só voltava ao sabbado. Eu ficava entregue aos cuidados de um visinho que não me dava de comer; então ia pedir esmola para comprar pão e se não m'a davam roubava o que podia, para comer.

E, por este theor, todo um verdadeiro sudário de misérias, revelando, sem admitlir contestação, que são os pães os únicos culpados nos desvarios dos filhos.

Nas classes mais abastadas quando um filho pra­tica algumas irregularidades, atira se com elle para os inhospitos climas da America do Sul. O Brazil foi e

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ainda é hoje a penitenciaria dos filhos-familias que comraeltem qualquer falta. Por exemplo: um pae vê o filho a fumar, manda-o para o Brazil; um filho fica reprovado n'um exame, manda-se para o Brazil; um rapaz é accusado pelo professor de não estudar, manda-se para o Brazil; emfim qualquer delicio, por mais insignificante que seja, era o bastante para um filho ser deportado!

Tal proceder é verdadeiramente indesculpável, mas muito mais o é este outro.

Um filho, por uma falta qualquer, por leve que seja, é castigado barbaramente pelo pae. Para se es­capar á fúria paterna sae de casa e o pae, só por esse facto não mais quer saber do filho o qual vendo-se sem protecção e sem recursos tem deante de si, aberta, de par em par, a porta do crime. Se a não transpõe é porque ainda possue uma parcella de moral que o re­tém. Um pae que assim pratica é um duplo assas­sino: assassino da honra e do futuro do filho e,—o que é mais,—da sua propria honra, intimamente li­gada á d'aquelle a quem deu o ser.

Condemnamos um tão ignóbil e criminoso procedi­mento.

Infelizmente no nosso paiz as questões de alta so­ciologia são tratados á revelia, fia nos nossos códigos muitos artigos e muitas disposições para tudo, menos para proteger efficazmentè os filhos contra a incúria, o desleixo e até a criminalidade dos pães para com elles.

E' ainda n'esta idade que o pae deve começar a dar uma pequena liberdade ao filho. Essa liberdade

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deve ir augmentando gradualmente alé aos dezeseis annos, idade em que deve já ser completa.

E' um erro que praticam certos pães, cerceando por completo a liberdade a seus filhos emquanto elles se não emancipam.

Fazem isto, como systema preventivo, mas os resul­tados d'esta pratica são negativos e perigosos. 0 fi­lho, que tem vivido sempre opprimido e reprimido, quando chega á idade de ser livre entrega-se descui-doso a todos os desmandos o que não suecederia se, por meio de liberdade gradualmente concedida, fosse adquirindo a comprehensão do que são esses desman­dos e de quaes os seus terríveis efleitos.

O pae deve também começar já n'esta idade a ensinar seus filhos a serem económicos e para isso de­ve estabelecer-lhes uma pequena quantia semanal que lhes entregará ao domingo, na medida das suas posses.

—E' preciso,—deverá dizer-lhes,—que um rapaz ande com dinheiro no bolso para satisfazer a qualquer necessidade que lhe appareca de momento. Pôde que-brarse um vidro, sem querer, e é preciso pagai o. Pôde, involuntariamente, derrubar um cântaro que uma mulher leva á cabeça e é preciso reparar o prejuiso que se causou, etc.

Na occasião de entregar o dinheiro ao filho deverá o pae, sem querer pedir-lhe contas ou saber eni que o dinheiro foi gasto, perguntar se ainda tem algum e, no caso de resposta affirmativa, pedir ao filho essas sobras e guardar Ih'as dizendo-lhe:

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— São estas as tuas economias. Guardar-t'as-hei to­das as semanas e dar-te-hei sempre a mesma quantia. Quando um dia precisares de comprar alguma coisa de mais importância, em vez de me vires pedir para eu t'a comprar, compral-a has tu mesmo com o dinhei­ro que tiveres economisado, etc.

Por esta forma o filho vae tacitamente comprehen-dendo as vantagens de ser económico e o pae con­tribuindo para que o Olho não adquira maus costumes como fatalmente succédera se não proceder assim ou por forma idêntica.

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TERCEIRA PARTE

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»

Travailler c'est fonctionner, c'est vivre. Chez l'animal, un muscle travaille quand il fait un effort; le cerveau travaille, soi qu'il éprouve une sensation, soit qu'il commande un mouve­ment; le coeur travaille quand il bat, une glande travaille quand elle sécrète, un nerf tra­vaille quand il transmet une impresion sensitive ou motrice.

Marvaud — Les aliments d'épargne, pg. 5.

iiy^is-nos chegados á edade em que o filho nos §MA\ exiJe maiores preoccupações.

«$P Se é um rapaz, já referimos quanto nos deve preoccupar o seu futuro, o modo de vida que lhe de­vemos dar. Se até esta idade elle tiver sido educado segundo as regras que deixamos indicadas, nas duas primeiras partes d'estes Apontamentos, a nossa preoc-cupação será relativamente menor; se, porém não se lhe deu uma educação regular, methodica e da mais sã moral, este ponto é escabroso e difficil.

Quando a educação que se tem dado a um rapaz consistir apenas em o fazer saber dançar uma walsa,

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ou uma polka, ou era andar vestido no rigor da moda, teremos um vadio, que para sustentar o luxo e não ten­do meios próprios para o fazer e não querendo o tra­balho excessivo, se deixa empolgar pela febre tão usual e vulgar no nosso paiz,—a do emprego publico.

Não pensa em outra coisa.—Não tenho responsabili­dades,—diz—não preciso preoccupar-me com letras a pagar, nem tenho que andar atraz defreguezes; não me incommodo de noite, não terei de estudar para fazer figura no dia seguinte; não terei que andar mon­tes e valles fazendo medições, etc., etc.

Quer seguir o exemplo dos outros:—ir para a re­partição, reclinar-se na poltrona, fumar o seu charuto, lôr e escrever cartas de namoro, fallar de politica in-coherentemente; é assim o futuro risonho que ambi­cionara os que desejam sentar-se á já bem depaupera-rada e concorrida meza do orçamento!

D'esta forma não passam de uns seres ociosos, in­dignos de si próprios e vergonha da sociedade.

E' sem duvida referindo-se a exemplares d'esta espécie que Victor Hugo, escreveu nos seus Misera-veis, esta brilhante pagina que é uma verdadeira pho­tographia:

«Ha em todas as cidades pequenas uma classe de mancebos que comem mil e quinhentos francos de renda, na província, com o mesmo feitio, com que em Paris outros que taes devoram duzentos mil fran­cos por anno. São entes da grande espécie neutra; castrados, parasitas, nullos; que teem alguns palmos de terra, alguma cousa de parvos e alguma cousa de espertos; que fariam figura de rústicos n'um salão, e que se julgam fidalgos n'uma casa de pasto; que di-

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zem: as rainhas quintas, as minhas devezas, as mi­nhas searas, os meus caseiros; que pateiam as actri­zes, para provar que são rapazes de gosto; que se intromettem com os offlciaes da guarnição, para baso-flar de destemidos e valentes; que vão á caça, fumam, bocejam, bebem, cheirara tabaco, jogam o bilhar, para ver descer das diligencias os viajantes, passam a vida pelos cafés, jantam nas hospedarias, teem um cão que come os ossos debaixo da meza, e uma amante que põe os pratos em cima; que exaggeram as modas, admiram a tragedia, olham para as mulhe­res com despreso, rompem as suas botas velhas, co­piam Londres atravez de Paris, e Paris atravez de Pont-à-Mousson, envelhecem patetas, não trabalham,-nem servem para nada...

«Se elles fossem mais ricos, dir-se-hia: são ele­gantes; se fossem mais pobres, dir-se-hia: são vadios. Pois não são, nem mais nem menos do que occio-sos. . . »

Se em vez de rapaz, é uma menina e se a esta uma defíiciente educação guiou os primeiros annos, teremos então uma refalsada sentimentalista,—pas­sando a maior parte do tempo em frente ao espelho, estudando posições e gestos; lendo romances impres­sionáveis ou pensando na melhor maneira de pintar o rosto para fazer desapparecer umas sardas, ou uma qualquer mancha, ou cicatriz; gastando-se á janella, olhando e criticando de quem passa, esquadrinhando, na curiosidade censurável das visinhas, a vida de todos, etc.

Se um dia contrahe matrimonio vae levar ao novo

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ménage o aborrecimento do marido que a não conhe­ceu bem, o exaspero das creadas e o marlyrio dos fi­lhos, emfim vae ser uma dona de casa que não sabe mandar e um algoz dos filhos, porque não sabe edu­car.

Se no marido encontra um rapaz que tenha tido uma boa educação, leva ao lar a desharmonia, a des­ordem, o cahos. Se, porém, encontra um rapaz com educação egual á que ella teve, veremos então o des­mazelo, a incúria, a desgraça e, como cupula a todo este edifício de abjecção, a infelicidade e a miséria de mãos dadas.

Espectáculos d'estes vêem-se ahi todos os dias com variantes mais ou menos negras, mas sempre tristís­simas e lamentáveis.

A sociedade é, sem duvida, a somma de todos es­tes factos isolados.

Para analysarmos detida e claramente estes diver­sos typos basta-nos assistir a um espectáculo, ir pas-seiar a um jardim publico e, aqui, no Porto, ir aos domingos, ao Palácio de Crystal. Alli patenteiam-se, em toda a sua nudez, os costumes de cada família, desde as creanças que correm e riem até ás matro­nas, avós, que sentadas lá estão com o inveterado costume de criticar tudo quanto vêem, costume que, muitas vezes, não é senão a manifestação indirecta da inveja que as roe.

Alli falla-se de tudo e de todos. Umas acham que este vestido não foi feito na modista, porque foi a mes­ma pessoa que o leva quem o fez; outras entendem que aquelle casaco não assenta bem, porque a fazenda 6 da mais barata e não tem a consistência precisa;

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outras que este corpete não tem elegância, porque o es­partilho está pouco apertado e muito baixo; outras que aquella saia está bonita, mas não fica bem a quem a leva: aquillo foi feito na modista de tal, conhece-se logo no talhe e no bem combinado dos enfeites; ou­tras acham que uma dada senhora, que passa, luxa de­masiado para os ganhos que tem o marido e, n'este ponto, ha sempre um pouco,—quando não é muito,— de má lingua, porque isso é parte obrigatória.

As raparigas, por seu turno, criticam tudo e de tudo mesmo sem conhecimento de causa:—6 fulana que namora fulano; é uma outra que desfez o casa­mento que já estava tratado, etc., e isto desde que sahem até que regressam a casa, para onde vão es­tudar novos assumptos, novos casos que a má fé enredadora das amigas lhes traz ao conhecimento, etc., e quando não ha mais casos inventam-nos, men­tem e calumniam.

Dma educação filiada no amor e não na vaidade e no orgulho,—dois dos peiores vicios que pôde haver, —é o que nós queremos e é o que todos os pães de­vem procurar dar a seus filhos, seja qual fôr o sexo, e isto consegue-se empregando meios suasórios, a que já alludimos e que, mais que outros, darão o resul­tado pretendido.

Muitos pães encommodam-se muito com o verem seus filhos fumar. E' uma falta de respeito, dizem elles.

Não entendemos que tenham razão; não encontra­mos mesmo motivo algum que justifique a tal preten­dida falta de respeito.

Que o pae procure evitar que o filho adquira o vi-

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cio do tabaco, comprehende-se e admilte-se porque esse vicio, quando não traga outros inconvenientes, traz, pelo menos, este:—o de fazer gastar dinheiro escusadamente; mas que uma vez adquirido esse vi­cio pelo filho, este lenha de andar a esconder-se do pae para satisfazer o que já então é para o seu orga­nismo uma necessidade, é com o que não podemos concordar por forma alguma.

A vida dos cafés deve também merecer um cuida­do especial aos pães. Quantos hábitos, quantos vicios não se adquirem alli? E', nas classes que os podem frequentar, a escala da maioria dos alcoólicos. Bebe-se canna, gim, cognac, etc., por simples comprazer e este comprazer arrasta o habito, que, por seu turno, traz o vicio com todo o cortejo das suas consequências. Res-pira-se alli um ar viciado, um ar que incommoda, uma atraosphera impregnada de anhydrido carbónico em ex­cesso, não só proveniente das exhalações dos que alli se acham, mas também do muito que alli se fuma. Condemnaraos a vida dos cafés, porque além das conse­quências que já apontamos ensinam-se maus costu­mes e, o que é talvez peior que tudo, adquirirem-se conhecimentos que são prejudiciaes a, todos os res­peitos.

N'um café não entram só indivíduos da sociedade ou do meio em que vivemos; o que se dá nos collegios dá-se nos cafés. Não é possível fazer uma escolha á entrada. Os conhecimentos de hoje são amanhã companhias e, comquanto não queiramos o rapaz só, melancólico, solitário, misantropo, todavia queremos

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que saiba escolher os amigos que o podem acompa­nhar.

Como deverá um pae affastar um filho d'esta vida? prohibindo-lh'a? Não! Prohibindo desperta o desejo, a curiosidade e tirará com certeza, um resultado muito différente: — o fructo prolnbido é o mais appetecido— diz o provérbio. Poderá, ou melhor conseguirá o que pre­tende, levando o filho aos cafés e depreciando tudo o que vir de mau, analysará detalhadamente o que poder observar, criticará imparcialmente o que lhe merecer a critica. Fará seu filho observar tudo, desde a qualidade dos seus frequentadores e do que estão tomando, até ao ar viciado, que alli se respira. Tudo o que poder merecer-lhe altencão, tudo servirá de base para incutir ao filho o aborrecimento pelo que vê.

Tal é o nosso modo de vêr sobre a momentosa questão da educação. Desejávamos explanal-a mais, mas, na impossibilidade de o podermos fazer hoje resta nos a esperança de um dia apresentarmos um trabalho mais completo sobre o assumpto.

Queríamos ver em todos o desejo da regeneração da pátria, pela educação e que ninguém esquecesse a celebre phrase de Napoleão:- «Um filho é obra de sua mãe.»

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PROPOSIÇÕES

Anatomia. —A myelina nos cordões nervosos é continua.

Physiologia. — A causa do punctum cœcum é toda physiologica e existe toda na retina.

Materia medica. — Preferimos o emprego dos al­calóides ao das substancias mães, no tratamento das creanças.

Anatomia pathologica,—O gonococco é o agente microbiano da. ophtalmia purulenta.

Pathologia geral.—Condemnamos em absoluto a vaccina de braço a braço.

Pathologia externa. — Os casos de rachitismo que se notam nas creanças são devidos, na sua grande maioria, aos castigos corporaes infligidos pelos pães.

Pathologia interna.—Previne se melhor do que se cura a diphteria consecutiva a certas doenças.

Operações.—Na operação do lábio lepurino pre­ferimos o processo modificado por Husson, fils.

Partos.—A febre puerperal é uma consequência imperdoável da ignorância do parteiro.

Hygiene.—Condemnamos os collegios, princi­palmente os internatos.

Approvada Pode imprimir-se O presidente, O director,

Oliveira éMonteiro. Visconde d'Oliveira.