Aporias temporárias

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1 Aporias temporárias na investigação em artes João Maria Mendes Título Aporias temporárias na investigação em artes Autor João Maria Mendes Editor Escola Superior de Teatro e Cinema 1ª edição 60 exemplares Amadora Março de 2015 ISBN Imagem de capa Um dos painéis do Mnemosyne Atlas, de Aby Warburg

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João Maria Mendes

Transcript of Aporias temporárias

  • 1Aporias temporrias

    na investigao em artes

    Joo Maria Mendes

    Ttulo Aporias temporrias na investigao em artes Autor Joo Maria Mendes Editor Escola Superior de Teatro e Cinema 1 edio 60 exemplares Amadora Maro de 2015 ISBN Imagem de capa Um dos painis do Mnemosyne Atlas, de Aby Warburg

  • 2Aporias temporrias

    na investigao em artes

    Joo Maria Mendes

    ndice

    1. Falsa alternativa: comrcio no souk ou honoris causa 2. As definies de Linda Candy 3. Em telo de fundo: a sauce bolognaise 4. Compromesso storico, amistosa cedncia 5. Cerejas amargas no chantilly: cest la guerre 1 6. Batalha naval: tiros na sequncia LMD 7. Vo aceitar. Mas o qu e a que preo 8. Zizanie dos subsistemas: cest la guerre 2 Notas Obras e autores citados

    Palavras-chave

    Practice-based research. Art-based research.

    Doutoramento Prtico-Terico.

    Resumo Est em curso uma mudana de paradigma na investigao em artes destinada obteno de graus de segundo e terceiro ciclos do ensino superior. As dissertaes clssicas coexistem com a apresentao de artefactos criativos apoiados por textos de teoria crtica ou de outra natureza.

    VEM O QUE SEGUE inspirado pelo livro Investigao em Artes a Oscilao dos Mtodos, que o Centro de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa publicou em Maro de 2015: obra colectiva e internacional coordenada por Jos Quaresma e Fernando Rosa Dias, da Faculdade de Belas Artes da mesma universidade, d continuidade a uma srie de edies, razo de quase uma por ano, iniciadas no Centro de Investigao e de Estudos em Belas-Artes (o CIEBA da FBAUL) em 2010 (1). As questes adiante convocadas perpassam, directa ou indirectamente, pela relevante coleco de artigos deste livro, centrada na art-based research (aplicao s artes da practice-based research), ou seja, numa significativa mudana de paradigma na investigao em artes. 1. Falsa alternativa: comrcio no souk ou honor i s causa UMA EXPOSIO de pintura ou de fotografia, uma instalao, um filme, uma pea musical, uma novela ou um livro de poemas sero um dia objectos susceptveis, por si ss, de conduzir obteno de graus acadmicos? Se a resposta a esta pergunta for afirmativa, quantos artistas plsticos, msicos, fotgrafos ou realizadores de cinema, autores literrios, no podero ento requerer, apenas com base em obra feita, o grau de mestre ou de doutor? Para

  • 3qu nesse caso os cursos, as teses, os trabalhos finais, tantas lgrimas e suspiros, tanta depresso e tanta propina? J existem, e bem, doutoramentos concedidos por reconhecimento acadmico e inter-pares de obra publicada. Mas espera-se que tal comrcio no venha a cair no souk: Tome l este thriller (ou este video, esta instalao, esta performance) que acabei hoje mesmo, d-me c o diploma de doutor e que venha cum laude porque suei sangue para lho entregar. Caricatural, esta hiptese probabilisticamente ainda fraca conduz a uma das questes que discutimos a respeito dos actuais e futuros mestrados e doutoramentos em artes: pode a prtica artstica ou literria, em si mesma e por si s, ser recebida como investigao acadmica para efeitos de obteno de grau? A academia encontrou h muito tempo resposta a questes como esta: pensou-a lateralmente (em regime de pense latrale como a que veio a ser a de Bono), mas ao mesmo tempo com magnanimidade, e criou o ttulo (ttulo, no grau) de doutor honoris causa, que no habilita a qualquer carreira no ensino mas reconhece o mrito e o valor de um percurso artstico (ou de qualquer outro) e das suas prticas. E no o fez recentemente nem sob presso dos modernos: o primeiro ttulo honoris causa registado ter sido atribudo em Oxford, no ltimo quartel do sc. XV, a um clrigo que ia ser bispo. Ttulos honorficos, porm, nunca seduziram artistas enquanto jovens: estes sabem que esperariam toda a vida para os obter e s os obteriam (por milagre) numa idade em que j no lhes seriam de qualquer utilidade curricular ou profissional. Ou at post mortem (no faltam distines honoris causa nem estatais atribudas postumamente). Por isso parte destes artistas, proto-artistas e filo-artistas interessou-se legitimamente por cursos conferentes de grau, em muitos casos desejando incluir o ensino entre os seus futurveis pessoais, porque reconhecimento inter pares como

    artista e reconhecimento de competncias acadmicas so territrios que, apesar de por vezes litigantes, podem ser alternativos ou complementares um do outro e bom que o sejam, vanitas vanitatum parte. Fora do mbito das delicatessen honoris causa, no creio que qualquer das maiores universidades pblicas portuguesas hesitasse um segundo em conferir o grau de doutor em artes (aquelas que o tenham) a artistas plsticos como Jlio Pomar ou Julio Sarmento, para citar apenas dois exemplos dificilmente discutveis, mediante provas equivalentes ao reconhecimento de obra publicada: exposio retrospectiva apoiada por texto reflexivo do autor e por outros de crticos e curadores, por exemplo. O facto que nunca o fizeram: tero ficado espera de improvveis requerimentos dos interessados. Outros poderiam ter sido convidados por estas instituies a doutorar-se nelas. Se tivessem promovido esta poltica pr-activa de convite a artistas contemporneos, as instituies teriam hoje menos problemas de competncias para leccionamentos prticos das artes (fora das escolas especializadas) ou para garantirem a presena dessas competncias em jris de provas de segundo e terceiro ciclos de formaes superiores. Na verdade, no faltam artistas reconhecidos nas vrias artes e que poderiam, deste modo, pr os seus dons ao servio das formaes institucionais, no apenas como episdicos conferencistas, responsveis de workshops e master classes, mas de modo mais regular e integrado. Assim se reduziria, tambm na rea das artes, o to vitupendiado fosso entre a universidade e a sociedade real, o ensino e as prticas profissionais, o estudo e a vida criativa. Se, por absurdo, Jean-Luc Godard tivesse querido doutorar-se em artes, poderia ter apresentado como artefacto criativo um dos segmentos do seu Histoire(s) du

  • 4Cinma feito entre 1988 e 1998, por exemplo os 27 minutos da primeira parte do terceiro captulo, La monnaie de labsolu, ou qualquer outra equivalente. A dissertao que teria acompanhado esse artefacto criativo poderia ser constituda por 50 pginas seleccionadas do gigantesco livro homnimo que publicou na Gallimard no ltimo daqueles anos, onde explicasse que plano de trabalho seguiu e porqu, como seleccionou as suas palavras e ideias-chave, porque brincou tanto com anagramas nos seus letrismos, porque sobreps em layerings tantas imagens heterclitas, porque colou monlogos de Lanne dernire Marienbad sobre imagens de filmes que nada tinham a ver com Resnais, de quem se sentiu prximo ao fazer tudo isso ou em memria de quem o fez, que inovaes lhe pareceram bvias em matria de colagem de elementos heterogneos, que metodologia adoptou para os seleccionar e montar daquele modo, que objectivo(s) perseguiu e em que medida lhe pareceu, post factum, que ele foi atingido. Talvez at pudesse partir daquela frase em que expe a sua relao com o tempo de que uma histria, ou a histria, precisa:

    Preciso de um dia para fazer a histria de um segundo. Preciso de um ano para fazer a histria de um minuto [...] Podemos fazer tudo, menos a histria daquilo que fazemos.

    Nem lhe faltariam citaes, a ele que to prolificamente citou, de modo por vezes pouco rigoroso:

    H quase cinquenta anos que o povo das salas escuras arde em imaginrio para aquecer o real. Agora o real vinga-se e quer lgrimas e sangue genunos. Mas de Viena a Madrid, de Siodmark a Capra, de Paris a Los Angeles e a Moscovo, de Renoir a Malraux e a Dovchenko, os grandes realizadores de fico foram incapazes de controlar a vingana que mil vezes tinham encenado...

    Um arguente ter-lhe-ia porventura exigido que identificasse com preciso estas convocaes, situando-as em filmes concretos e nas pocas e cinematografias apontadas. E isso no sei se Godard faria. Nesta matria, ele teria de contar com a benevolncia do jri. la limite, o seu orientador (sim, ele teria, por exigncia acadmica, precisado de um), poderia ter sido um entrevistador que o tivesse obrigado a raciocinar com mtodo, forando-o a pr ordem nas suas ideias, temas e citaes e dando aos textos o perfil e a estrutura que a academia exige. Noutra verso desse hipottico doutoramento, Godard poderia ter apresentado como artefacto criativo metade do seu Scnario du Film Passion (1982), experincia flmica auto-reflexiva sobre Passion, (a longa-metragem do mesmo ano) e como texto para discusso uma verso expandida das onze pginas dactilografadas de Passion, introduction un scnario, principe rsum du film (ainda do mesmo ano). Godard, que tanto trabalhou no registo do filme-ensaio-declaratrio embebido em inspirao auto-etnogrfica, antecipou os contedos do que podero vir a ser os objectos conferentes de grau num doutoramento prtico-terico em cinema (passem os anacronismos: tais operaes teriam sido possveis a partir do incio do sc. XXI, no nos anos 80 do sc. XX). 2. As definies de Linda Candy TENTEMOS DEFINIR com mais preciso o que se entende por art-based research a partir da ideia de practice-based research. Desde h cerca de duas dcadas, novos hbitos universitrios relativos practice-based research e practice-led research em artes, sobretudo em contexto de trabalhos finais de doutoramento, tm conduzido a novas simbioses entre teoria e prtica, entre reflexo e criao, entre produo de objectos artsticos e comentrio terico, na construo de peas finais para obteno do grau. Foi a

  • 5practice-based research que gerou novos desafios, quer entre candidatos obteno do grau, quer no seio das instituies que os avaliam. No seu Practice-Based Research: a Guide (2006), Linda Candy, da Universidade de Tecnologia de Sydney, props as seguintes definies:

    1. Se um artefacto criativo est na base da contribuio para o conhecimento, a investigao baseada na prtica. (If a creative artefact is the basis of the contribution to knowledge, the research is practice-based). A investigao baseada na prtica uma investigao empreendida para adquirir novos conhecimentos em parte por meio da prtica e dos resultados dessa prtica. Numa tese doutoral, a reivindicao de originalidade e de contribuio para o conhecimento pode ser demonstrada atravs de resultados criativos em forma de design, msica, media digitais, performances ou exposies. Apesar de a significao e o contexto serem descritos por palavras, uma completa compreenso s pode ser obtida por referncia directa aos resultados. 2. Se a investigao conduz principalmente a novos conhecimentos sobre a prtica, conduzida pela prtica. (If the research leads primarily to new understandings about practice, it is practice-led). A investigao conduzida pela prtica precupa-se com a natureza dessa prtica e conduz a novos conhecimentos sobre o que nela tem significao operativa. Numa tese doutoral, os resultados da investigao conduzida pela prtica podem ser inteiramente descritos em forma de texto, sem incluso nele do trabalho criativo a que o texto se refere. O foco principal da investigao o aumento do conhecimento sobre a prtica, ou o avano do conhecimento no seio da prtica. Uma tal investigao inclui a prtica como parte integral do seu mtodo e muitas vezes pertence rea genrica da investigao-aco.

    Como se v, a practice-based research depende da produo ou criao de um artefacto criativo que apresentado como pilar da reflexo proposta e sem o qual essa reflexo

    no existiria. Mas as definies de Candy no oferecem uma distino exaustiva das duas opes: quem as l tende provavelmente a entender que existe entre elas tendncia para um recobrimento parcial, pelo menos no que respeita sua articulao com uma terceira via mais genrica, a da action-research. A maioria dos autores que usam estas definies concede que muitas teses doutorais, em artes mas no s, resultam hoje da mistura dos dois enfoques. Vale a pena recordar que a practice-based research no nasceu nas artes, mas sim na medicina, nas fsicas aplicadas, nas engenharias, na robtica e nos estudos de inteligncia artificial, l onde a experimentao prtica e investigativa conduzia e conduz directamente a new knowledge, a resultados experimentais que podem levar a patentes e a mercados. As artes limitaram-se a reivindicar para si a mesma nfase posta nas prticas laboratoriais, invocando a centralidade histrica, no seu caso, do atelier e da oficina. Devemos ainda anotar, a este respeito, as objeces levantadas por James Elkins a este modelo de doutoramento: a art-based research a nica que exige dois objectos para avaliao, o primeiro resultante de experimentao prtica artstica, o segundo desenvolvendo uma reflexo terica a partir do primeiro. Por comparao, os resultados do trabalho laboratorial num doutoramento em cincias exactas ou da natureza so apenas apresentados no texto: o trabalho laboratorial propriamente dito no integra os objectos em avaliao. Para Elkins, a duplicao dos objectos em avaliao cria aos doutoramentos practice-based em artes uma situao de dupla exigncia excepcional dificilmente aceitvel do ponto de vista das prticas acadmicas correntes. No mesmo texto, Candy recorda as guidelines adoptadas em 2000 pelo Arts and Humanities Research Board (hoje Council) britnico, no que respeita natureza da investigao a desenvolver num trabalho final de doutoramento, sublinhando que as metodologias so mais

  • 6importantes que os objectos efectivamente produzidos (2), o que, no universo artes, sempre foi e continuar a ser profundamente discutvel. 3. Em telo de fundo: a sauce bolognaise GANHEMOS DISTNCIA para vermos mais paisagem: na Europa, o processo de Bolonha (esboado em 1998 e objecto de vertiginosa aceitao geral) e a redefinio, por ele, dos percursos para a obteno de graus, normalizou, revitaminou e acelerou a industriosa sequncia Licenciatura Mestrado Doutoramento (LMD), tornando-a mais clere e convidando sua finalizao em continuidade de estudos, sem beliscar tradies minoritrias (por exemplo, a possibilidade de admisso a doutoramento de quem no tem outros graus). H diversas excepes ao engeneering de Bolonha, mas que no o contestam como nova regra geral. Ora, a hegemonia do modelo, tornado mais apetecvel pela internacionalizao das equivalncias de diplomas, pela mobilidade estudantil e docente em programas como o Erasmus e pelas formaes oferecidas ao longo da vida, no podia deixar de atingir, interessar e contaminar tambm os ensinos superiores artsticos, o que efectivamente sucedeu. Houve, como seria de esperar, instituies que recusaram reformatar-se no molde da reforma vencedora e que mantiveram, confiantes no prestgio das suas formaes, uma orgulhosa e desafiante solido. Mas, apesar das excepes, em menos de uma dcada e ao abrigo da reforma generalizada do ensino superior (feita em nome do mais idealista europesmo), numerosas escolas abriram o modelo LMD s formaes artsticas. De novo, houve resilincias em torno desta opo porque que os artistas ho-de agora querer ser doutores mas ela constituiu para estas formaes, pelo menos em alguns casos, uma nova carta de alforria: de relativamente

    periferizadas em instituies de referncia, viram-se levadas para uma nova centralidade normalizadora. A ideia de investigao em artes, de investigao baseada na prtica ou de art based research no nasceu aqui mas germinou e ganhou novo mpeto (na Europa) neste novo caldo de cultura o da imerso do saber e do conhecimento acadmico na sauce bolognaise da reafinada sequncia LMD. No poucos responsveis cientficos das instituies mais vidas de aggiornamento se tornaram, nesse habitus emergente e supostamente igualizador, em criativos matres sauciers. Mas, honi soit qui mal y pense: foi a cultura empreendedorista do Zeitgeist que os metamorfoseou. Tal migrao e tal abertura (das formaes artsticas no novo contexto de Bolonha) a segundos e terceiros ciclos conferentes de grau geraram a curto prazo um novo problema: dada a rara compatibilidade entre criao artstica, reflexo filosfica e investigao cientfica, reas divorciadas pela longa e morosa inscrio da tradio no-platnica nos hbitos mentais dos europeus e que nem as alm matres universitrias reconciliaram, como fazer para que o discurso produzido pelos artistas sobre a sua prtica atinja os nveis de competncia acadmica exigidos a filsofos e investigadores cientficos? Seria preciso, para abrir a porta aos artistas, criar polticas de dois pesos e duas medidas? A questo no pode ser menosprezada: at Deleuze e Guattari (1991) admitiram, separando guas, que a filosofia cria conceitos, a arte perceptos e as cincias funes. Decerto, separaram guas ao mesmo tempo que multiplicavam entre elas redes de canais, de preferncia rizomticas. Mas filosofia, artes e cincias no produzem os mesmos tipos de textos nem dissertaes da mesma natureza: apesar das suas interaces, produziram, na longa durao, trs culturas que convivem como

  • 7ourios: prximas, mas no demasiado prximas umas das outras. facto que, na histria das artes, nunca faltaram artistas que meditaram conceptualmente sobre a sua obra ou a de outros e deixaram escritos to relevantes quanto os seus empreendimentos artsticos (3). E o ensino superior artstico beneficiou deles, lidou bem com esse corpus (feito de escritos e de artefactos criativos, correspondncias e esquios, esplios vivos e mortos), acrescentando-os aos objectos das cincias das artes. Essa adopo de tal corpus pelas cincias das artes garantiu ao ensino, no tocante ao reconhecimento das suas metodologias de trabalho, quer a proximidade com os hbitos reflexivos das cincias sociais e humanas (extensivos aos das humanidades), quer a tolerncia parental das cpulas institucionais, guardies do valor do conhecimento nesses moldes produzido. No demais insistir em que o ensino superior artstico nunca deixou de prezar toda esta arca, com o apoio das cincias das artes, e a este respeito dir-se- que tout est bien qui finit bien. Mas o problema no se esgota neste mbito, porque entretanto a investigao em artes mudou, com os avanos da practice-based research. 4. Compromesso storico, amistosa cedncia DE VOLTA aos trabalhos e aos dias, aos tempos e modos da investigao conferente de grau: o manual de Umberto Eco, Come si fa una tesi di laurea (1977), exerceu, na sua poca, vasta influncia a um tempo salvfica e constrangedora, porque tentou fazer a ponte entre uma moderada autonomia da investigao e os (ento) tambm moderados preceitos e exigncias institucionais, tendo como pblico-alvo precisamente todas as humanidades, incluindo as dos estudos superiores artsticos. Importado, treslido, recebido como messinico inspirador ou como cnico negociador, o livro foi, em seu tempo, uma bem-

    intencionada tentativa de enxertar criatividade individual nas prticas de investigao sedimentadas em universidades-com-escleroses-mltiplas. Mas nunca conheci nenhum artista que se confessasse levado por Eco a escrever uma tesi di laurea. Apesar da sua muito open mind, Eco era ainda um acadmico clssico, um guardio, um clerc. Ora, o problema que hoje se coloca aos mestrados e doutoramentos em artes j no resolvel talvez nunca tenha sido pela diplomacia de Eco nem pelos seus sucedneos, que ainda so muitos e igualmente bem intencionados: artistas, proto-artistas e filo-artistas esto a viver um ansioso momentum reivindicativo s portas das reitorias e dos conselhos cientficos onde se repete o pesadelo do Kafka de Diante da Lei; descobrem-se moeda viva de um comrcio pouco justo que no controlam; querem ver as suas prticas criativas reconhecidas como investigao acadmica; querem escolher os seus orientadores fora das corporaes; e insistem em no suportar os pesados fardos dos estados da arte, das literature reviews e da adopo de metodologias experimentadas de investigao. Por seu turno as instituies, hesitantes e gastas pela usura mas desejosas de receber os artistas nos seus sales nobres, esto cada vez mais predispostas a ceder-lhes algum terreno, aceitando (mas s em segredo de confisso) duvidar da bondade universal das suas normas e farejando os ventos para oraculizar sobre se, feitas as contas, eles lhes sero fastos. Descobre-se propiciada uma negociao s aparentemente paradoxal: face aos artistas que reclamam tratamento especial, tudo se passa como se a universidade desejasse mudamente uma cedncia ou mesmo uma meia-derrota honrosa, semelhante a um compromesso storico irrecusvel e que lhe salve a face, compromesso concertado, j no entre cristos e comunistas em nome do humano como na Itlia de Berlinguer, mas entre Apolo e Dinisos ou entre Poussin e Dada em nome da homeostase entre a cannica

  • 8torre de marfim (onde a acusam de viver) e o turbulento ecossistema que proclama a liberdade e a seriedade das artes. A coisa no de hoje: as universidades so sobretudo criaturas de civilidade e de civilizao e as artes gostam de ser vistas como criaturas de guerrilha (nos seus piores dias, como criaturas de cultura cortes). As relaes entre ambas tm como pano de fundo um quadro de dissenso cristalizado na histria das academias. 5. Cerejas amargas no chantilly: cest la guerre 1 SUMARIEMOS alguns dos problemas concretos que caracterizam hoje a situao da art-based research (a practice-based research em artes) em meio universitrio: Por vezes, tudo parece afunilar na discusso da dimenso do texto dissertativo que acompanhar o objecto artstico produzido, da sua estrutura e da natureza dos seus contedos. Pode a tradicional dissertao deixar de ter 300 ou 150 pginas e passar a ter 50 ou 30, como sugeramos atrs a propsito de Godard? Pode um livre dartiste que exponha o percurso criativo do seu autor e o compare com outros substituir a estrutura explanativa que ia (e vai) da introduo e exposio do problema s metodologias, ao estado da arte, s anlises de casos e s concluses? Deve esse texto submeter-se ao regime de citaes legitimantes que suportam a reflexo desenvolvida? E, se h que citar autores e autoridades, podem Aristteles, Gadamer e Habermas ser apagados em favor de Pessoa, Clarice Lispector e Ravi Shankar? Ou seja, pode o aparelho convencional da teoria crtica ser substitudo por referncias vindas da poiesis? possvel aliviar o peso da teoria crtica quando o objecto prtico produzido suficientemente pesado?

    Estaremos, como sugere Jos Quaresma (2015), a mudar de um paradigma terico-prtico para um novo, prtico-terico, com clara inverso do valor das duas componentes? Podem e devem estes doutoramentos prtico-tericos, concludos em regime de practice-based research, ser abertos a candidatos que so igualmente candidatos a artistas, isto , cuja obra no ainda suficientemente reconhecida inter-pares, ou podem e devem ser reservados a artistas com obra feita e reconhecida e com um histrico de divulgao e de exposicionalidade que o curriculum desse candidato deve comprovar? Por outras palavras, e endurecendo o argumentrio que sustenta estas dvidas: Aceitar-se- que, em defesa pblica, algum que bricolou e colou uma dzia de fragmentos e que os apresenta como objecto artstico ou artefacto criativo os acompanhe por outros tantos textos curtos que, embora no sendo escritos por curadores nem por crticos e sim pelo seu autor, os situem criticamente no seu percurso criativo, comparando-os de modo compreensivo com linhagens e percursos alheios, e que tal trabalho, mesmo quando no produzido por algum que j obteve algum reconhecimento pblico, lhe granjeie o grau de doutor? Poder a dissertao de doutoramento tornar-se num curto exerccio auto-etnogrfico e especulativo sobre o trabalho artstico do prprio autor, onde os seus statements pouco argumentados e mal apoiados num estado da arte competente imperem como momentos de uma doxa irrespondvel, cuja subjectividade nada concede ao relatrio objectivo herdado das cincias da natureza, mesmo se e quando amaciado pelo maternage das compreensivas cincias sociais e humanas ou das humanidades?

  • 9 Ou ainda, sabendo-se que prprio das artes fabricar enigmticos objectos encriptados, pedir-se- ao artista lui-mme que seja o decifrador e o hermeneuta da sua prpria cifra, e que o faa numa linguagem acessvel a especialistas e no-especialistas, linguagem que evite e ultrapasse um discurso predominantemente autista, naf ou selvagem, e que esse autor seja capaz de se situar numa paisagem cultural reconhecvel e habitada por outros, assumindo uma obrigao comparatista? sabido como muitos poetas ou romancistas da belle poque evitaram a psicanlise, por temerem que ela desconstrusse e pusesse a nu a sua fbrica criativa, obrigando-os a reflectir e a explicitar a motivao e a intencionalidade das suas prticas. Este reflexo defensivo de quem prefere criar pursued by furies alimentou a mstica romntica do transe criativo que prefervel no transformar em discurso ao longo de todo o sc. XX. A art-based research desenvolvida para efeitos de obteno de graus acadmicos a sua componente crtica e reflexiva ocupa agora, pelas mesmas razes, aquele lugar ameaador da psicanlise. Uma coisa compor, por exemplo, um puzzle iconogrfico inspirado no Mnemosyne Atlas de Aby Warburg sem ter de justificar as escolhas que levaram sua composio, outra redigir uma reflexo com instrumentos da teoria crtica e acompanhada por um aparelho de citaes sobre o que justificou os seus agenciamentos e associaes internas, os comutadores e shifters privilegiados. Apesar de boa parte da arte contempornea ter interiorizado a necessidade de se sustentar discursivamente, permanece forte a crena em que o artista cria e outros (crticos, curadores) o comentam, e em que no possvel juntar no mesmo sujeito criador artstico, comentador e curador.

    6. Batalha naval: tiros na sequncia LMD A REVITALIZAO da industriosa sequncia LMD pelo processo de Bolonha no alheia s ansiedades e angstias destes questionamentos, devido aos danos colaterais, sempre menosprezados, que autorizou ou que, sempre bondosamente, estimulou. Nas humanidades globalmente consideradas, a mquina reformadora abriu a porta de mestrados e doutoramentos a candidatos sem formao especfica nas respectivas reas. O que seria impensvel em medicina, nas neurocincias ou em engenharia tornou-se moeda corrente nas cincias humanas e nos estudos culturais e artsticos. A bondade do gesto gerou, em muitos desses candidatos, dificuldades acrescidas no domnio ou empowerment dos vocabulrios tcnicos, das bibliografias e dos habitus culturais prprios dos segundos e terceiros ciclos por que livremente optaram. Por outro lado, na cadeia LMD, a formao intermdia, o mestrado, desvalorizou-se ou tornou-se no chanon manquant ou no elo fraco do sistema, porque uma mdia final razovel na licenciatura, acrescida de uma pouca formao adicional no conferente de grau ou de algum curriculum profissional, o tornou dispensvel no acesso a doutoramentos. De novo, a magnanimidade da deciso facilitou o acesso a terceiros ciclos a candidatos que tinham interrompido estudos ou deixado mestrados por concluir. Mas esses candidatos j no tinham sido obrigados a escrever uma tese para concluso da sua licenciatura e nunca escreveram uma dissertao de mestrado. Muitos deles no tinham e no tm qualquer experincia de escrita e de investigao acadmica, e s descobrem o peso e a importncia dessa falha nas dores de parto dos textos que tm de escrever como doutorandos. O esboroamento dos benchmarkings e dos marcos milirios nas suas formaes anteriores pe em evidncia (salvo excepo, e h excepes) capacitaes insuficientes para

  • 10lidar com as exigncias de que a academia no abdica. Deslumbrados pelo desafiante universo intelectual em que a universidade os convida a entrar, felizes por voltarem a sentar-se em salas de aula e por descobrirem na turma um recuperado grupo de pertena, so facilmente vtimas da insuficincia acadmica das suas histrias de vida. Tm dificuldade em centrar-se num projecto pertinente que os apaixone e que sejam capazes de trabalhar, dispersam-se na floresta dos temas interessantes, atrasam-se na escrita, aterrorizam-se diante de bibliografias que no pram de crescer e da obrigao de adoptar metodologias inteligveis e comunicveis, percebem tarde o que voltar a ler e tomar notas de modo orientado e sistemtico, desesperam na luta contra dificuldades insuspeitadas. Perante isto, que fazer? Talvez no desistam, mas eternizam o caminho que os deveria levar concluso do ciclo. A maioria das questes concretas acima sumariadas, relativas presso feita sobre as normas e procedimentos comuns nas instituies, enraiza-se total ou parcialmente em itinerrios como estes. Mas oh, surpresa se h entidades que conhecem bem esta paisagem e por isso no se deixam medusar pelo que nela vem so, precisamente, as instituies, que protagonizaram de modo contnuo todas as passagens do ante-Bolonha para o ps-Bolonha, as viveram conscientemente e por dentro e se foram adaptando sucesso de ecossistemas, sem desistir de criar, institucionalmente, os aggiornamentos possveis. Apesar da neura dos candidatos a graus, ergamos o copo por quem, nas instituies, nunca desistiu de inovar e por vezes conseguiu faz-lo. 7. Vo aceitar. Mas o qu e a que preo RESUMAMOS: o que est e estar em causa so, portanto, os critrios de aceitabilidade, pelas instituies, dos projectos finais de formaes conferentes de grau. No s

    no momento da apresentao sinptica do projecto a desenvolver, que dever ser aprovado pelo orgo cientfico do curso, mas tambm ao longo do seu desenvolvimento sob orientao. Depois, aos jris das provas pblicas no faltam, como todos sabemos, outros ns grdios e encruzilhadas sem sinalizao onde a avaliao pode encalhar: ausncia de relao directa com os materiais propostos, conhecimento crtico insuficiente do portfolio exibido, descrena na linguagem da curadoria, da crtica ou exasperao perante o discurso evasivo e a falta de rigor dos prprios artistas, proto-artistas e filo-artistas, et passim. Cedo ou tarde, porm, as universidades iro fornecendo respostas a estas questes, reformatando, re-caracterizando e re-concebendo os objectos susceptveis de conduzir, em prova pblica, concluso de mestrados e doutoramentos em artes. provvel e talvez desejvel que o faam na noite solitria da sua autonomia, valendo-se da liberdade acadmica em vez de aceitarem regulaes ou tratados inter-institucionais obrigantes e constrangedores. E tambm provvel e desejvel que observem pelo menos os candidatos a doutores caso-a-caso, projecto a projecto, perfil a perfil, adoptando uma jurisprudncia mais assente em precedentes pontuais do que em normas prvias, jurisprudncia que aprenda a voar entre aeroplanos de geometrias variveis e outros objectos dificilmente identificveis. Nada ofende mais a civilidade acadmica que a imposio de procedimentos por decreto ou por conivncia autoritria. Tambm nesta matria se aplica a frmula-ftiche de Antonio Machado: no hay camino, se hace camino al andar. Durante um perodo que pode antever-se longo e discreto, cada instituio ir modelando, de episdio crtico em episdio crtico e em clima moderadamente agnico, as suas normas e exigncias. Dos resultados da experincia adquirida surgir, deseja-se, um corpo de boas-prticas que se impor nos rankings ou na apreciao inter-pares.

  • 11admissvel, por exemplo, que em alguns casos os jris que avaliam provas no se limitem a scholars e incluam artistas da rea reconhecidos como especialistas de mrito, porque artistas, que aqui sero indispensveis, so specimens raros nos staffs de doutores. Ou que esses jris tenham de ser constitudos por medida, o que no constitui qualquer novidade. Ou que a hierarquia dos orientadores e dos arguentes tenha de se adaptar especificidade dos projectos e no o inverso. Ou que certos trabalhos propostos para obteno do grau deixem de ser forosamente individuais e passem a ser colectivos, desde que satisfaam preceitos de identificao individual de componentes exigidos pela instituio. Hic Rhodus, hic salta: cest ici quest la rose, cest ici quil faut danser. A inevitvel diversidade dos modelos que vierem a ser adoptados pelas escolas mais inovadoras no mercado das formaes oferecidas e mais envolvidas na concorrncia entre as ofertas a nvel nacional e internacional, no vai, espera-se, conduzir prevalncia de solues facilitistas que no dignificariam, nem as instituies, nem o seu ensino, nem os candidatos aos graus acadmicos. Todos sabemos que a m moeda expulsa a boa. Cada instituio procurar chegar a um guio ou guies onde a exigncia crtica, o conhecimento aprofundado da rea de estudos e a defesa argumentada e apoiada de percursos reflexivos se mantero, evitando a queda do ensino na irrelevncia. Desde circa 2000 que a reflexo sobre a natureza dos mestrados e doutoramentos em artes se tem aprofundado e que britnicos e australianos, entre outros, tm vindo a divulgar utilmente primeiros balanos de experincias de art based research e da sua avaliao. Nesta matria daro passos mais consistentes as instituies que estabilizarem procedimentos e normas consensualmente aceites pelos seus alunos, fazendo-os participar nas alteraes reguladoras e nos morosos polimentos que estas, faseadamente, sempre exigem. Em

    pases como Portugal, onde se do actualmente passos pioneiros no reconhecimento, pelas universidades, da practice-based research (em artes) para efeitos da obteno dos graus de mestre ou de doutor, as primeiras geraes de formandos so por um lado frgeis cobaias (e eventuais vtimas) de experincias institucionais e pedaggicas, mas por outro so fortes actantes com interesses e percursos a defender, e que as instituies tero de aprender a ouvir e interpretar. Nestes passos iniciais e instituintes, as primeiras geraes de formandos podero at viver paradoxalmente situaes de privilgio, porque o que propuserem beneficiar das hesitaes e dvidas a que as instituies no podero escapar. Mas eventuais sucessos de boa diplomacia em tais territrios tambm podero ser arruinados por tenses e entrincheiramentos agnicos oriundos de qualquer das partes envolvidas. Este nosso tempo um tempo instituinte e modificador, onde a procura exigente de consensos ser sempre prefervel a braos-de-ferro que impeam o achamento e a adopo das solues possveis. Do mesmo modo que o Maio 68 no fez implodir as universidades francesas mas as obrigou a reformular-se, do mesmo modo que a anti-psiquiatria europeia dos anos 70 no deixou os loucos tomarem conta do asilo (para usar uma terminologia pr-anti-psiquiatria) nem os autorizou a passarem receitas uns aos outros, tambm, sua micro-escala, a practice-based research em artes no far implodir o ensino superior artstico mas influenciar a reponderao das suas normatividades. 8. Zizanie dos subsistemas: cest la guerre 2 A MONTANTE das questes aqui brevemente evocadas, pases como Portugal, onde no existe sequer uma associao das escolas superiores de ensino artstico, ou seja, onde no existe esprito de corpo do ensino superior

  • 12artstico, tero ainda de resolver os problemas suscitados pela arrumao do ensino superior pblico em dois subsistemas, o universitrio e o politcnico. Recentes desenvolvimentos legislativos desta questo reconduziram as universidades a ter por objectivo, nas suas ofertas formativas, a reflexo fundamental nas reas de que se ocupam, e o politcnico a oferecer formaes mais prticas, entendendo-se por isto profissionalizantes. Esta separao de guas contraria a convergncia de formaes trabalhada por ambos os subsistemas nas ltimas dcadas: nem as universidades quiseram evitar o ensino prtico, nem o politcnico pde abdicar da teoria o que evidentemente tambm se aplicou aos ensinos superiores artsticos. Aqui, melhor se faria criando Institutos Superiores das Artes (mas a designao poderia ser outra) que integrassem, quer actuais faculdades, quer actuais escolas artsticas sob a tutela do segundo subsistema. Curiosamente, e pelo menos num caso em que uma Universidade se associou a um Politcnico para criar um Doutoramento em Artes, parte significativa dos formandos propendeu a querer como orientadores docentes do politcnico, precisamente por desejar desenvolver projectos de art based research e sentir que estes docentes (e suas escolas) esto mais prximos das prticas do que os seus colegas universitrios (e suas faculdades). O Ensino Superior Artstico precisa, em Portugal, de ser repensado a partir de uma nova arquitectura institucional, precisa de concretizar interaces colaborativas entre as diferentes instituies que o ministram, precisa de ganhar uma nova conscincia de si como corpo compsito, precisa de uma poltica integrada e que lhe d um projecto de internacionalizao, precisa de criar mestrados e doutoramentos internacionais e de concretizar parcerias pedaggicas com instituies estrangeiras, precisa de recriar uma gora e de se projectar e exprimir no espao pblico, precisa de ver a Fundao para a Cincia e a

    Tecnologia transformada em Fundao para as Artes, a Cincia e a Tecnologia, precisa de uma dupla tutela (Cultura e Educao)... no faltam componentes programticas para uma reforma que, cedo ou tarde, se impor. A no ser feito um percurso comparvel ao da antiga Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, que ao fim de longos anos de instalao se tornou na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, as escolas de artes do Politcnico arriscam-se a ser subalternizadas ao sabor de mudanas de orientao poltica que visam transformar o segundo subsistema do ensino superior num sucedneo das antigas escolas comerciais e industriais, uma espcie de ensino mdio e profissional cultivado pelo ancien rgime. Outra possibilidade, que, dadas as circunstncias, vem ganhando mais adeptos nos ltimos anos, a metamorfose do segundo subsistema do ensino superior em Universidades Politcnicas, naturalmente autorizadas a criar doutoramentos prprios. Nada as impediria, nesse caso, de estabelecer parcerias como a atrs referida, ou de criar colgios doutorais envolvendo diferentes instituies, ultrapassando-se assim o impasse relacional subsistente, e independentemente de novas rivalidades que tal inveno pudesse vir a gerar entre as Universidades clssicas e as novas. De qualquer modo, e para efeitos do que aqui nos interessou, as competncias oferecidas pelas formaes no mbito do ensino superior artstico subiriam de patamar se este ensino ultrapassasse a actual dicotomia imposta pela subsistncia dos dois subsistemas e entendesse que tem tudo a ganhar com a mudana para uma auto-imagem global e que vise projectar-se no futuro. Veremos at quando a inrcia institucional e a falta de uma poltica de novo lan continuaro a impossibilitar o renascimento e o redimensionamento de que o sector precisa.

  • 13No fim de contas, parafraseando livremente Robert Filiou, a arte o que torna a vida ainda mais empolgante do que a arte. Notas 1. As outras publicaes da mesma srie so as seguintes: Investigao em Arte: Uma floresta, muitos caminhos, CIEBA 2010, ISBN 978-989-8300-10-2, 316 pp. Investigao em Arte e Design: Fendas no Mtodo e na Criao, CIEBA 2011, ISBN 978-989-8300-15-7, 356 pp. Novos Estatutos Ontolgicos da Imagem: Sobre a Migrao das Imagens, as Obras de Arte, os Hibridismos e a Visualizao de Informao, CIEBA 2011, ISBN 978-989-8300-28-7, 245 pp. Analogia e Mediao: Transversalidade na Investigao em Arte, Filosofia e Cincia, CIEBA 2012, ISBN 978-989-8300-36-2, 248 pp. 2. As orientaes do Research Board de 2000 eram as seguintes: 1. [O projecto] deve definir uma srie de questes de investigao ou de problemas que sero abordados ao longo do trabalho. Tambm deve definir os seus objectivos em termos de procurar aprofundar o conhecimento e a compreenso relativos s questes ou problemas a abordar. 2. [O projecto] deve especificar um contexto de investigao para as questes ou problemas a abordar. Deve especificar por que importante que essas questes ou problemas sejam abordados, que outras investigaes esto a ser ou foram conduzidas na mesma rea e que contribuio particular ser a deste projecto para o avano da criatividade, anlise, conhecimento e compreenso nesta rea. 3. [O projecto] deve especificar os seus mtodos de investigao e de abordagem para responder s questes ou problemas investigados. Ao longo da investigao, deve explicar como se procura responder s questes ou se prope novo conhecimento ou compreenso relativos aos problemas abordados. Tambm deve explicitar a razo de ser dos mtodos escolhidos e porque oferecem eles os meios mais apropriados para responder s questes investigadas. Convenhamos que, na sua langue de bois prudencial e sibilina, as orientaes do Research Council apenas retomam, mais de 20 anos depois, a mesma

    defesa respeitosa da Academia que ECO tinha proposto. 3. Um brevssimo relance sobre tal corpus: os exemplos mais clssicos de artistas escreventes so Da Vinci (Trattato della pittura), Eugne Delacroix (Dirio) e, j no sc. XX, Matisse (crits et propos sur lart), Dal, Klee, Kandinsky. E no se ignoram correspondncias como a de Van Gogh com Gauguin e seu irmo Tho, ou a de Czanne com mile Bernard, onde se prefigurava o cubismo. E ainda menos a imparvel sucesso de manifestos doutrinrios, muitas vezes de autoria colectiva, que marcaram rupturas e emergncias de novas vanguardas artsticas: o primeiro Manifesto futurista sai no Le Figaro em 1909 (e uma sua verso tcnica, a mais conhecida, em 1910), seguido do Manifesto da Bauhaus (de Gropius, 1919) e do de Malevich sobre o suprematismo (s publicado, em 1927, tambm pela Bauhaus). Pintores cubistas como Gleizes e Metzinger escreveram sobre a sua pintura, embora no na forma de manifestos. Mas Larionov publicara entretanto o manifesto raionista em 1913, e Carr o seu La peinture des sons, bruits et odeurs no mesmo ano. De Stijl publicou o seu em 1917, Ozenfant e Jeanneret publicaram o manifesto purista em 1918, mesmo ano do manifesto Dada; Gabo e Pevsner divulgaram o manifesto realista em 1920, seguido do surrealista de Breton em 1924. A partir de 1930 os manifestos continuaram a multiplicar-se, tornando-se em algo familiar guerrilha cultural e artstica de todo o sc. XX. Mas os mais rupturantes tinham sido tornado pblicos durante as trs primeiras dcadas do sculo. Na arquitectura, na msica, no cinema, a tradio vanguardista da escrita dos autores sobre as suas obras manteve-se igualmente ao longo de todo o sculo, dos modernismos era ps-moderna. Obras e autores citados CANDY, Linda, Practice Based Research: A Guide, Creativity & Cognition Studios, http://www.creativityandcognition.com, University of Technology, Sydney, CCS Report: 2006-V1.0 November .

  • 14DELEUZE, Gilles., e GUATTARI, Felix., [1991], Quest-ce que la philosophie?, Paris, Minuit, 2005.

    GODARD, Jean-Luc, Histoire(s) du Cinma, Paris, Gallimard, 1998.

    ELKINS, James, Fourteen Reasons to Mistrust the PhD, in QUARESMA, Jos e DIAS, Fernando Rosa (coordenao), Investigao em Artes A oscilao dos mtodos, Lisboa, Centro de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maro de 2015.

    QUARESMA, Jos e DIAS, Fernando Rosa (coordenao), Investigao em Artes A oscilao dos mtodos, Lisboa, Centro de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maro de 2015.

    WARBURG, Aby, LAtlas Mnmosyne, Paris, Lcarquill, 2012, e WARNKE, Martin e BRINK, Claudia, Der Bilderatlas: Mnemosyne in Warburgs Gesammelte Schriften, II.1, Berlin: Akademie Verlag, 2000.