APOSTILA 07 DE SETEMBRO

20
1 Notas de Aulas Ética Política e Sociedade Profª. Noemi Cardozo de Oliveira Silva 2010/02

Transcript of APOSTILA 07 DE SETEMBRO

Page 1: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

1  

 

 

     

                  

Notas de Aulas – Ética  Política e Sociedade Profª. Noemi Cardozo de Oliveira Silva

2010/02

Page 2: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

2  

Por que é certo ou errado agir de uma maneira ou de outra? (por medo de ser punido, por pensar no outro ou por fundamentos religiosos)  Problemas:  •  É possível que o MAL se apresente sobre a forma de BEM? •  O BEM e o MAL dependem da perspectiva de cada um? •  Vale a pena fazer o MAL visando um BEM maior? •  Deve‐se julgar as intenções e os atos? Até que medida isso é válido?   

Certo e Errado1 

 “Imagine que você trabalha numa biblioteca, verificando os livros que as pessoas levam ao sair, e um  amigo  lhe  pede  que  o  deixe  levar  as  escondidas  uma  obra  de  referência muito  difícil  de encontrar, que ele deseja ter para si”. (p.63)  Você não concordaria com seu amigo:  ‐ por medo de ser repreendido e sofrer alguma punição; ‐ pela sua vontade de que o livro continue na biblioteca; ‐ por achar que é “injusto com os outros usuários da biblioteca” (p.64); ‐ por acreditar que é “uma traição aos seus patrões, que lhe pagam justamente para impedir esse tipo de coisa” (p.64); ‐  por  acreditar  que  seria  um  ato  errado,  porque  Deus  proíbe  este  tipo  de  ação.  Você  não concordaria com seu amigo por medo de ser punido por Deus, ou porque você obedece aos seus mandamentos por amor a ele e por respeito ao amor que ele sente por você;   “a idéia de que uma coisa é errada depende do impacto que ela tem não apenas sobre aqueles que a praticam, mas também sobre outras pessoas” (p. 64)  Há um único certo e errado?  “se o  fato de algo ser errado deveria ser uma  razão para não  fazê‐lo e suas  razões para  fazer as coisas dependem de seus motivos, e os motivos das pessoas podem variar muito, parece então que não haverá um único certo e errado para todo o mundo”. (p.74)  Certo e errado são relativos a uma época, lugar ou contexto social específicos? “Muitas  coisas  que  você  provavelmente  considera  erradas  foram  aceitas  como  moralmente corretas  por  grandes  grupos  de  pessoas  no  passado:  escravidão,  servidão,  sacrifício  humano, segregação racial, negação de liberdade política e religiosa, sistemas de castas hereditárias”. (p.76)  

 

                                                            1 Adaptado de: NAGEL, Thomas. “Certo e errado” In: Uma breve introdução à filosofia. Trad. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

Page 3: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

3  

INTRODUÇÃO À MORAL 

A verdadeira moral zomba da moral. (Pascal) 

AXIOLOGIA: A DISCIPLINA DOS VALORES  O que é valor? Quais suas características básicas? Quais são os tipos de valores que existem? O que é hierarquia de valores? Há um valor mais elevado/importante? Qual a origem dos valores? A partir de onde nós os apreendemos?    Um  dos  temas  que mais  tem  gerado  discussão  na  sociedade,  seja  antiga  ou moderna,  é  a  axiologia,  a disciplina  filosófica que estuda os valores. A palavra axiologia é  formada por dois  termos gregos: axia que significa valor e logos que significa estudo. Vivemos cercados por um mundo de coisas. Estas coisas possuem um caráter próprio, peculiar, que nos faz 

assumir diante delas uma posição de preferência.  Isto porque elas se nos apresentam como feias, bonitas, 

profanas, sagradas etc., mas nunca indiferentes. 

Segundo a Axiologia, através da não‐indiferença perante as coisas existentes que se ergue o valor. Portanto 

o valor se caracteriza pela não‐indiferença entre o sujeito que aprecia e o ser que se apresenta como objeto 

de apreciação. Ser  indiferente é não sentir, não perceber, não  tomar conhecimento de algo conhecido. O 

valor, ou essa não  indiferença do sujeito perante as coisas, pode ser positivo ou negativo. Ou melhor, tem 

que ser positivo ou negativo. O ponto neutro do valor, isto é, a indiferença, seria a própria negação do valor. 

Qualquer valor tem que se situar num ou noutro pólo, pois jamais um valor é positivo e negativo ao mesmo 

tempo. Esta característica dos valores recebe o nome de polaridade. Em conseqüência da polaridade, ou bi‐

polaridade, não há um valor que seja único, pois ao valor opõe‐se o contravalor, isto é, ao bem contrapõe‐se 

o mal, ao melhor contrapõe‐se o pior. A parte objetiva do valor, aquilo que no objeto o faz ser desejável ou 

indesejável, sempre o coloca num pólo, de acordo com a necessidade do sujeito. É óbvio que o que para um 

sujeito pode ser um valor para o outro poderá ser um contravalor. Os juízos de valor são muito subjetivos, 

pessoais e  singulares dependendo de uma  série de  fatores,  como: necessidade ou  contingência do meio, 

emoções e sentimentos, formação familiar e cultural (ver quadrinhos), entre outros. Ao se falar de valores é 

necessário  também  fazer  uma  classificação  ou  divisão  dos  diversos  tipos  de  valores  que  existem  numa 

sociedade. Max Scheller (1874‐1928) propõe a seguinte classificação de tipos de valores. éticos: valores do 

bem moral  (caridade,  justiça,  honestidade,...);  estéticos:  valores  ligados  ao  belo,  ligados  à  expressão,  à 

aparência  (artes, música,..); hedônicos: valores  ligados ao prazer, à satisfação, ao agradável; vitais: valores 

essenciais  para  a  vida  e  sobrevivência:  saúde,  alimento,  ...;  úteis:  valores  que  servem  como meio  para 

obtermos a satisfação das necessidades; religiosos: valores que satisfazem as necessidade espirituais do ser 

humano;    Outras  divisões  ou  tipos  de  valores  podem  ser  aqui  referidos  como:  materiais,  culturais, 

econômicos, profissionais,... Os valores, de  forma geral, são  transmitidos ou  integrados aos  indivíduos por 

Page 4: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

4  

diversas  formas: pela  família,  igreja, escola, mídia, amigos, profissões,  instituições políticas, pela cultura e 

sociedade e pelas próprias experiências de vida do sujeito. 

 

1. Os valores 

 

Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de valor. Esta caneta é ruim, pois falha 

muito.  Esta moça  é  atraente.  Este  vaso  pode  não  ser  bonito, mas  foi  presente  de  alguém  que  estimo 

bastante, por  isso,  cuidado para não quebrá‐lo! Gosto  tanto de dia  chuvoso, quando não preciso  sair de 

casa! 

Acho que João agiu mal não ajudando você. Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta 

caneta, esta moça, este vaso existem, mas  também emitimos  juízos de valor quando o mesmo  conteúdo 

mobiliza nossa  atração ou  repulsa. Nos  exemplos,  referimo‐nos,  entre outros,  a  valores que  encarnam  a 

utilidade, a beleza, a bondade. 

Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão antiga como a humanidade, só no 

século XIX  surge uma     disciplina específica, a  teoria dos valores ou axiologia  (do grego axios,  "valor"). A 

axiologia não se ocupa dos seres, mas das  relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os 

aprecia. 

Diante  dos  seres  (sejam  eles  coisas  inertes,  ou  seres  vivos,  ou  idéias  etc.)  somos  mobilizados  pela 

afetividade,  somos  afetados  de  alguma  forma  por  ëlës,  porque  nos  atraem  ou  provocam  nossa  repulsa. 

Portanto, algo possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É nesse sentido que García 

Morente diz: "Os valores não são, mas valem.” 

Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas 

dizemos que não é indiferente. A não indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor 

ao ser. A não‐indiferença é a essência do valer"'. 

Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. 

O mundo cultural é um sistema de significados  já estabelecidos por outros, de  tal modo que aprendemos 

desde  cedo  como nos  comportar  à mesa, na  rua, diante de estranhos,  como, quando e quanto  falar em 

determinadas circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá‐lo; qual o 

padrão de beleza; que direitos e de‐ 

O mundo cultural é um sistema de significados  já estabelecidos por outros, de  tal modo que aprendemos 

desde  cedo  como nos  comportar  à mesa, na  rua, diante de estranhos,  como, quando e quanto  falar em 

determina‐ das circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá‐lo; qual 

o padrão de beleza; que direitos e deveres  temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os 

comportamentos são avaliados como bons ou maus.  

A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido as formas da boa educação ao não 

ter cedido  lugar à pessoa mais velha; ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a 

decoração  de  um  ambiente;  ou  nos  admoestam  por  termos  faltado  com  a  verdade.  Nós  próprios  nos 

Page 5: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

5  

alegramos ou nos arrependemos ou até sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer 

que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja. ao elogio ou à reprimenda, à recompensa ou à 

punição, nas mais diversas  intensidades, desde "aquele" olhar da mãe, a crítica de um amigo, a  indignação 

ou até a coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força).  

 

(Quino, Toda Mafalda, São Paulo, Martins Fontes, 1991.) 

 

Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos), consideramos 

neste capítulo apenas os valores éticos ou morais. 

                                          ARANHA, Maria Lúcia de. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2008. 

Mesmo não  consistindo um  tema  contemporâneo, evidenciamos, principalmente nestas últimas décadas, uma  retomada da discussão  sobre a moral e os valores. Um dos motivos que poderíamos elencar para o despertar dessa discussão encontra‐se na situação de crise da base moral que orienta o agir  dos indivíduos. Posicionar‐se com relação à temática da moral e dos valores demanda tomar conhecimento de uma rede de fatores que interagem na constituição desse problema.  

Segundo  Charlot  (2007,  p.  203)  é  necessário  entender  o  que  está  acontecendo  com  os  valores  numa sociedade em que mudaram o  trabalho, a  família, as  relações entre gerações e entre sexos, etc.   Autores como Cortella e La Taille (2005) afirmam que a sociedade atravessa uma crise de valores ou, ainda, que os próprios valores estariam passando por uma crise. “Crise de valores” traria a idéia de que os valores morais estariam “doentes” e,  logo, correndo perigo de extinção. “Valores em crise”, por sua vez, é uma expressão que expõe o fato de que os valores morais não desapareceram, mas estão mudando de interpretação.  

Logo, “crise de valores” remeteria à presença ou ausência de  legitimação da moral, enquanto “valores em crise” nos fariam pensar num processo de transformação dos referidos valores, mas não à sua ausência ou progressivo desaparecimento. 

Quando  nos  referimos  aos  valores,  os  entendemos  como  um  “[...]  conjunto  de  normas,  princípios  ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduos, classes, sociedades” (FERREIRA, 1986, p.1751), que são construídos  e  orientam  o  agir  dos  indivíduos.  Cada  um  dos  indivíduos  constrói  seu  próprio  sistema  de valores, que se integra a sua identidade e influencia sua conduta.   Analisar essa  rede de  elementos que  subjaz  a  temática dos  valores não é  algo  fácil,  transitamos por um campo de conceitos, de representações, movediço e arenoso.  

“A  preocupação  com  os  valores  do  comportamento  humano,  com  as  finalidades  e  os motivos de  suas  ações  constitui, muito  sumariamente, o  campo da  Ética.  Portanto, nela está implícito o conceito de melhor conduta. E por melhor conduta podemos entender duas coisas distintas que, no entanto, se comunicam. Ou bem se define a ética como ideal, como finalidade a ser alcançada, ou a entendemos como adequação entre a natureza humana e a necessidade da sobrevivência.” (MIRANDA, 2004:11, 12) 

Page 6: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

6  

 O  que  significa  melhor  conduta?  Segundo  o  autor  pode  ter  duas  significações:  Um  ideal,  ou  seja,  a construção e preservação dos bens e das virtudes, da inteligência  e dos prazeres, do modo mais apropriado possível. Deste modo, se pensarmos a  “melhor conduta” como um ideal, ela deverá ser buscada pela razão. Podemos então  dizer que a razão deve conduzir a ação que nos leve a uma melhor conduta. A “melhor conduta” pode indicar também um sentimento de preservação da vida e, além disso, sempre que possível afastar a dor. Esta é uma   visão pragmatista, que nos  leva a aceitação utilitarista dos valores de conduta pessoal.   Em virtude do fato do homem viver em sociedade e não isoladamente, as regras de convivência e a adoção de  comportamentos  comuns  são  imprescindíveis.  É  por  causa  do  reconhecimento  do  “outro”  que  posso adotar duas posturas  ou reconhecer no “outro”um meu igual,  quando utilizo   a razão, ou reconhecer este “outro”  como  alguém que pode me  causar  algum mal   ou dano  e neste  caso percebo”este  alguém”pelo sentimento. Nos dois casos estabeleço uma existência  ético – social.  Podemos  perceber  então,  que  as  nossas  preocupações  ultrapassam  a  esfera  do  indivíduo  particular,  se espalham  pelas  esferas  sociais,  econômicas,  políticas,  das  artes,  da  educação,  elevando‐se  inclusive  às comunidades supranacionais. Portanto, é  imprescindível que nos preocupemos com a “boa ação”, seja ela vista como investigação teórica, como um ordenamento jurídico, como um conjunto de princípios de ordem privada ou como um reflexo da consciência pessoal e criação simbólica.    Na verdade, a conservação da vida, a  justiça  social, o desenvolvimento econômico  sustentável, as tolerâncias religiosas e políticas, as expressões da  livre cultura dependem e fundamentam‐se em princípios éticos e em condutas morais.   O entendimento das conseqüências das realizações ou não, das ações éticas nos  levam a observar como  no  transcorrer  da  história  do  homem  as  questões  de  convivência  entre  as  diversas  culturas, coletividades e sociedades, foram resolvidas.   A atribuição ou reconhecimento de algo como valor significa eleger esse algo como fator determinante ou orientador das escolhas, ações e decisões. O agir humano é de natureza valorativa. Essa valoração pode ser subjetiva (pessoal) ou objetiva (fundada em razões). São valores: o bem, a felicidade, a virtude, o prazer. Juízo = Ato mental por meio do qual formamos uma opinião sobre algo (Locke) Juízos de fato - são juízos descritivos ('é’, ser) Juízos de valor - são juízos prescritivos ('deve’, dever-ser)   2. A moral 

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com freqüência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia  dos  ter‐  mos  é  semelhante:  moral  vem  do  latim  mos,  moris,  que  significa  "maneira  de  se comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes". Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de "costume". Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em de terminada época ou por um grupo de homens. Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata  ou transgride as regras do grupo. A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que  fundamentam  a  vida  moral.  Essa  reflexão  pode  seguir  as  mais  diversas  direções,  dependendo  da 

Page 7: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

7  

concepção de homem que se  toma como ponto de partida. Então, à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na vontade de Deus ou  em  nenhuma  ordem  exterior  à  própria  consciência  humana.  Podemos  perguntar  ainda:  Há  uma hierarquia de valores?  Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade? Por outro lado, é possível questionar: Os 

valores são essências? Têm conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? Ou, ao 

contrário,  são  relativos:  "verdade aquém, erro além dos Pireneus",  como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria 

possibilidade de superação das duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo? 

As  respostas a essas e outras questões nos darão as diversas  concepções de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos.  3. O ato moral  ‐  Estrutura do ato moral  A instauração do mundo moral exige do homem a consciência crítica, que chamamos de consciência moral. Trata‐se do conjunto de exigências e das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar a nossa escolha; é a consciência que discerne o valor moral dos nossos atos. O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o fatual. O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que enunciam o "dever ser". O fatual são os atos humanos enquanto se realizam efetivamente. Pertencem ao âmbito do normativo regras como: "Cumpra a sua obrigação de estudar"; "Não minta": "Não mate". O campo do fatual é a efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma. O  ato  efetivo  será moral  ou  imoral  conforme  esteja  de  acordo  ou  não  com  a  norma  estabelecida.  Por exemplo, diante da norma "Não minta", o ato de mentir será considera‐ do  imoral. Convém  lembrar aqui a discussão  estabelecida  anteriormente  a  respeito  do  social  e  do  pessoal  na moral.  Nesse  caso  estamos considerando que o ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente. Considera‐se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração a respeito das normas. Trata‐se da redução ao  fatual, negando o normativo. O homem  "sem princípios" quer pautar  sua  conduta a partir de situações  do  presente  e  ao  sabor  das  decisões momentâneas,  sem  nenhuma  referência  a  valores.  É  a negação da moral. Convém distinguira postura amoral da não‐moral, quando usamos outros critérios de avaliação que não são os da moral. Por exemplo, quando é feita a avaliação estética de um livro, a postura do crítico é não‐moral; isso não significa que ele próprio não tenha princípios morais nem que a própria obra não possa ser imoral, mas o que está sendo observado é o valor da obra como arte. As discussões a respeito do que é ou não é uma obra pornográfica se encontram muitas vezes prejudica‐ das devido à intromissão da moral em campos onde não foi chamada, o que muitas vezes tem justificado indevidamente a ação da censura.  4. A Ética  Ao abordar a ética como elemento de um estudo percebe‐se que muito se escreve sobre a temática, porém muitas também são as dúvidas de sua relação com a moral. Conceitualmente  ética  é  a  parte  da  filosofia  que  se  ocupa  como  o  valor  do  comportamento  humano. Investiga o sentido que o homem imprime à sua conduta para ser verdadeiramente feliz (COTRIM, 1992). 

 Ética é o estudo dos valores, da relação entre o bem e o mal. Epistemologicamente, Melo (2002) afirma que a palavra ética vinda do latim  ethos, expressa um significado de caráter, como sendo o lugar onde se situam os  valores morais de uma pessoa.  Esses  valores dariam o balizamento do  agir. A  ética  seria  a moral  em movimento, em realização.  

Page 8: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

8  

 Apesar das discórdias doutrinárias, a maioria dos autores considera a ética como a ciência da moral, a ética tem a função de explicar, esclarecer e investigar uma determinada realidade para que, desta, possa se fixar os padrões de conduta a esta correspondente.  O estudo da ética se defronta com problemas de variação de costumes.O que é moral na Etiópia não é moral no Brasil, por exemplo, a bigamia: Para os mulçumanos é honroso  ter mais de uma esposa.  Já os países católicos pregam a monogamia – casamento único.    5. Moral e ética  andam de mãos dadas e se confundem.   No centro da  ética aparece o dever, ou obrigação moral, conduta correta. A teoria não deve ser confundida com seu objeto: o mundo moral. A Ética não é a moral e não pode ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua função é explicar a moral efetiva e, dessa forma, pode influir na própria moral. 

A Moral (mos, moris, costume) é um conjunto de normas  livre e conscientemente adotadas que visam a 

organizar as relações das pessoas na sociedade, tendo em vista o bem e o mal; conjunto de costumes e 

valores de uma  sociedade, com caráter normativo  (regras do comportamento das pessoas no grupo). A 

Ética  (ethos, Costume)  é  a parte da  Filosofia que  se preocupa  com  a  reflexão  a  respeito das noções  e 

princípios que fundamentam a vida moral (ARANHA, 1993). 

A  Ética  é  a  teoria  que  explica  um  tipo  de  comportamento  dos  homens,  o moral,  em  sua  totalidade, 

diversidade e variedade. O que nela se afirme deve valer para qualquer sociedade. É  isso que assegura o 

seu  caráter  teórico  e  evita  sua  redução  a  uma  disciplina  normativa. O  valor  da  Ética  está  naquilo  que 

explica e não no fato de prescrever a ação em situações concretas (SANCHEZ VÁZQUEZ, 1996). 

   6. O início da ética no ocidente  

6.1  Ascensão e queda da filosofia grega  Uma pergunta que irá ocorrer a qualquer um que estude a história da filosofia grega será porque ela atinge seu esplendor  teórico  justamente no momento de  sua decadência material. Sócrates, Platão e Aristóteles vivem justamente no momento que a sociedade grega em geral, e a ateniense em particular, vive seu ponto mais  baixo  cuja  culminação  será  a  unificação  e  dominação  dos  helenos  pelos  macedônios  de  Filipe  e Alexandre.  De uma forma geral eles vivem o momento de maior desagregação interna, de dominação da política pelos demagogos, pela decadência dos velhos modos de vida, da superação da riqueza  intelectual pela material. Ainda assim  refletem  sobre as mais altas  virtudes humanas e  vêem a  felicidade  justamente na bondade, conceito que unifica as  três noções de ética, ainda que divergindo  sobre o  significado da eudaimonia – a felicidade derivada da harmonia entre os componentes da alma. Há um aspecto necessário a  ser  compreendido nesta noção dos  três  filósofos  serem o  canto do  cisne da filosofia  grega.  Seus  antecessores  e  adversários  não  são  conhecidos  a  não  ser  por  fragmentos,  em  geral recolhidos  e  comentados  por  seus  detratores,  assim  não  há  como  asseverar  que  Sócrates  e  seus  dois discípulos sejam tão superiores aos que os antecederam.   A filosofia que antecede aos sofistas é marcada por uma compreensão da identidade entre ser humano e ser cidadão tão profunda que a hipótese de uma dissociação entre o bem  individual e o bem comum sequer é formulada, é entendida como dado da realidade e premissa básica de qualquer reflexão sobre o ser humano. 

Page 9: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

9  

Da noção de um "Império da Lei" e não de reis, deuses e sacerdotes deriva a maior parte da originalidade do pensamento grego, ainda que raramente seja motivo da apreensão dos filósofos.  O que  se busca então é no máximo mecanismos que possam aprimorar as  leis, avaliar entre as possíveis alternativas  qual  seria  a mais  racional  –  portanto melhor  –  para  a  consecução  deste  Império  da  Lei.  As primeiras reflexões de natureza ética que surgem neste período, especialmente Pitágoras, não visam senão ao esforço de avaliar como poderiam ser julgadas as alternativas postas de forma perfeitamente racional. Mas o dinamismo da sociedade grega acaba trazendo em si um novo mundo que iria aos poucos se infiltrar no  antigo,  voltar  contra  si mesmos  os  princípios  tanto  da  democracia  quanto  da  filosofia.  Este  processo começa com os conflitos da crescente camada de comerciantes enriquecidos contra as velhas aristocracias – cuja base do poder era de um lado a tradição e de outro a propriedade fundiária – e termina com a ascensão dos tiranos – magnatas que se postulam defensores das camadas mais pobres da população.  Ao canalizar para a cidade vultoso volume de recursos, o  imperialismo garante um esplendor em todas as artes.  É o período dos  grandes monumentos, do  supremo desenvolvimento da  escultura, da mais  ampla extensão  da  democracia  que  chega  à  sofisticação  de  pagar  uma  contribuição  a  todos  os  cidadãos  que compareçam às Assembléias, como absoluta garantia do direito a todos a participar das decisões da cidade. É  também  o momento  no  qual  os  sábios  de  todo  o mundo  helênico  –  da Ásia Menor  à  Calábria,  então chamada de Magna Grécia – convergem à Atenas na busca tanto de um ambiente de efervescência cultural como de patronos, os mecenas.  Mas  este  crescimento  tem  um  preço  amargo  a  ser  pago. O  crescimento  das  desigualdades  sociais  gera crescentes  conflitos,  a  extensão  da  democracia  estimula  o  florescimento  e  domínio  da  demagogia,  o necessidade de justificação do Imperialismo rompe com as velhas noções de Império da lei e igualdade dos homens. Por fim gera a reação dos dominados, liderados pela oligarquica cidade de Esparta que leva ao fim da Liga de Delos e a restauração – ainda que temporária – da oligarquia ateniense.  O  fruto  filosófico  deste  período  atribulado  são  os  sofistas,  geralmente  acusados  de  seus  adversários  de destacar o conhecimento de sua base moral, ensinando que qualquer discussão poderia ser vencida desde que utilizados os meios corretos. Ainda que esta visão possa ser mero exagero dos seus comentadores – e é a partir deles que os conhecemos – há uma certa lógica entre a evolução econômica e política dos gregos e a atribuição de "valor instrumental" ao velho conhecimento grego de natureza especulativa.  Independente  das  críticas  aos  sofistas  serem  tendenciosas  ou  honestas,  há  nelas  um  componente  novo, inusitado, crítico: o relativismo moral. Da velha  identidade entre a felicidade  individual e o bem comum da sociedade grega se chegará, através dos sofistas, a uma situação na qual tanto o primeiro como o segundo tornam‐se relativos, não universais ou divinamente inspirados.   O pensamento sofista não deixa de ser um ataque à hipocrisia ateniense no qual os velhos valores não são mais  evocados  senão  como  uma  justificativa  da  dominação  de  Atenas  sobre  outros  Estados,  dos  ricos demagogos sobre os velhos  idéia da democracia, da escravidão e da plutocracia na qual a sociedade grega havia se transformado. A noção de "o homem é a medida de  todas as coisas", de Protágoras é sobretudo uma contestação da própria essência da legitimidade do Estado grego, firmada já não mais numa profunda consciência  do  Império  da  Lei, mas  simplesmente  em  um  amontoado  de  convenções  sociais  habilmente manipuladas pelos ricos.  O cerne desta estrutura de legitimação é trazida à luz por Trasimaco, para qual a justiça e outros conceitos derivados  da  lei  não  eram  senão  ferramentas  para  que  os  fortes  submetesse  e  dominassem  os  fracos. Conceitos  deste  tipo  iam  contra  todos  valores  da  sociedade  grega,  transformavam  o  velho  respeito  ao "Império  da  lei"  em  mera  hipocrisia,  o  velho  sentimento  de  missão  e  superioridade  gregos  em  vaga 

Page 10: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

10  

justificativa da escravidão. Eram, portanto, noções perigosas demais para não serem respondidas, ainda que a resposta não pudesse deixar de se tornar ela própria um tapa no rosto da hipocrisia dominante.  É nesse contexto de decadência e crise moral que os esforços  intelectuais de Sócrates, Platão e Aristóteles devem ser entendidos. Quando se enxerga a questão por este prisma, o fato de Sócrates ter "inventado" a Ética  revela não o surgimento de uma nova ordem, mas antes a necessidade de se  refletir, sistematizar e defender conceitos que antes eram dados como automáticos, em especial quanto à essência da ética, ou seja, as relações entre o bem comum e a felicidade individual.    7.Defina seus termos ‐ Sócrates e a crença que basta saber o que é a bondade para ser bom  O pressuposto básico da Ética de Sócrates – que basta saber o que é bondade para que se seja bom ‐ pode parecer  ingênuo no mundo de hoje, no qual já está profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de  coerção é  capaz de evitar que o homem  seja mau. Na  sua época era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento – ainda que não com a prática – da sociedade grega. Antes  dele  não  teria  havido  uma  reflexão  organizada  sobre  a  ética  e  o  "homem  moral"  a  não  ser  o relativismo dos sofistas, neste sentido é inegável que ele é o "Pai da Ética. Contudo é preciso ponderar que desde períodos mais  antigos havia uma  identidade perfeita  entre o bem  comum  e o bem  individual  tão arraigada na mente grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação de ambas na decadência grega é que  teriam, pela primeira vez, postulado a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade. Ao contrário da posição de Will Durant, portanto, só a decadência dos gregos, a dissolução entre uma teoria que concebia a  identidade entre o homem e o cidadão e uma prática na qual os valores morais significam pouco – cujo resultado é a hipocrisia denunciada pelos sofistas – é que tornaria Sócrates necessário.  É com os  sofistas que Sócrates dialoga, em um esforço para  refutar  seu  relativismo moral cuja validação, sabe ele, significaria o fim do "espírito grego". O grande mérito de Sócrates é enfrentar de forma virulenta a hipocrisia da sociedade ateniense cuja resposta aos sofistas era apenas a reafirmação  insincera dos velhos valores.  Sócrates  defende  a  identidade  entre  os  interesses  individuais  e  os  comunitários  como  único caminho para a felicidade, o que implica na valorização da bondade, da moderação dos apetites, na busca do conhecimento. Como se explicaria, então, a dissociação real de ambos, se ao homem, como afirma Sócrates, basta saber o que é bom para que ele seja bom?  Os sofistas  responderam a esta questão considerando que a Ética era mera convenção social, Sócrates os refuta,  afirmando  que  a  aparente  dissociação  se  dá  justamente  porque  os  homens  não  sabem  o  que realmente é a bondade. Esta noção perdida em meio à vaidade e a hipocrisia dominante cegaria o homem que ao  invés de  lutar por objetivos reais confunde‐se na névoa das convenções sociais.  Já se sente aqui o embrião da noção que Platão consolidará e generalizará na sua Alegoria da Caverna. Assim ao mesmo  tempo Sócrates busca uma volta às velhas  tradições da Cidadania, mas para  isto precisa voltar‐se contra estas próprias tradições. Ele aceita os princípios gerais definidos por aquelas tradições, mas apenas como um conceito, uma categoria a ser  investigada pela mente humana, rejeitando tanto a  forma pela qual estes valores são apreendidos como o conteúdo usualmente atribuído a eles. Assim ele ao mesmo tempo se contrapõe aos sofistas e aos tradicionalistas, aos primeiros por negarem uma realidade objetiva e universal aos valores éticos, aos  segundos por não serem capazes de compreender a essência destes  valores. Ele próprio pensa na Ética não  como uma especulação abstrata, mas  como uma força transformadora, capaz de trazer a felicidade a ambos, Sociedade e Indivíduo – aliás a única forma de se obter esta felicidade.  À questão  sobre o que é a  Justiça – para dar um exemplo prático desta dupla oposição de Sócrates – os sofistas  dizem  que  ela  é  a  convenção  estabelecida  pelo  mais  forte  para  dominar  o  mais  fraco,  os 

Page 11: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

11  

tradicionalistas a entendem como o conjunto das  instituições eu definem o "Império da Lei". Sócrates diz que ambos estão certos e errados ao mesmo tempo. Os sofistas não estão errados porque a descrição deles corresponde ao estado de coisas na época, os tradicionalistas também não estão errados porque o princípio que teoricamente rege aquelas instituições seriam aqueles elevados valores da cidadania.  Mas ambos estão errados, porque a deterioração da justiça não significa que não exista objetivamente uma Justiça e que esta não seja uma meta a ser alcançada – ao contrário do que pensam os sofistas – e porque o que as pessoas entendem como justiça não é justiça de fato, apenas uma visão distorcida daquele conceito – ao contrário do que dizem os tradicionalistas. O problema ético, para Sócrates, é sobretudo uma questão de definição de termos.   Como  chegar a estes valores absolutos que guiariam o homem? Sócrates não dá uma  resposta absoluta, antes  propõe  um método  para  se  chegar  a  resposta,  demolindo  as  visões  correntes, mostrando  quão ilusórias  eram  as  certezas,  abalando  as  convicções  arraigadas  através  de  questionamentos  implacáveis. Sócrates é um perguntador, disposto a arrancar as pessoas da vã certeza vaidosa na qual se encontram para fazê‐las mergulhar mais profundamente em suas consciências em busca de respostas.  A elas ele não oferece nenhuma resposta, apenas a esperança que ao fim haverá respostas definitivas, mas que estas não podem ser compreendidas sem provocar uma mudança do próprio homem. A mais profunda garantia da sua ética é  justamente este potencial auto‐reconstrutivo da verdade quando vista sem os véus das aparências e vaidades, um conhecimento capaz de por si só, tornar o homem mais sábio e melhor. A  própria  ausência  de  respostas  em  Sócrates  é  certamente  parte  deste método,  ele  teme  que  se  der respostas aquela verdade acabará se cristalizando com o  tempo e se  transformando ela própria em mera convenção. O caminho teria de ser trilhado por cada um, enquanto indivíduo e ao mestre não caberia indicar o caminho, apenas advertir contra os atalhos perigosos. Mas seus discípulos Platão e Aristóteles nem sempre serão capazes de compreender esta lição maior de seu mestre. Cada um deles  irá  interpretar a  reflexão  sobre os homens, a Moral e a Ética que Sócrates  teve o mérito de trazer à baila como objeto de estudo segundo seus ideais de uma Cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os diversos  interesses  individuais e  coletivos. E ambos dão  respostas diametralmente opostas...  “Sócrates,  filósofo grego  (469 a.C‐ 399 a.C.),  introduz a ética no Ocidente ao questionar  tanto o  indivíduo quanto à sociedade no que diz respeito às ações praticadas. Este questionamento expunha a dificuldade no discernimento entre o que é escolha  individual e pessoal e aquilo que era estipulado pela sociedade como regra de conduta para todos”. (FERREIRA, 2006:34)  O  filósofo demonstrou que a consciência moral precisa  ser  formada e para  tanto  se  tornava necessário o questionamento  sobre  a  validade  dos  valores morais  postos  pela  sociedade,  cuja  aceitação  só  pode  ser adequada quando o indivíduo entender o seu significado. “Isto significa dizer que o  indivíduo precisa ser formado, precisa ser educado para escolher ações virtuosas baseadas nos valores da sociedade.” (FERREIRA, 2006:34)  Sócrates afirma a autonomia da razão e esta autonomia traz uma conseqüência  imediata: se a nossa razão tem o poder para encontrar em si mesma suas próprias regras e normas, terá o mesmo poder para nos dar as regras e as normas de conduta, e, também, para a educação de nosso caráter para a virtude.  A  autonomia  moral  ou  ética  é  a  conseqüência  necessária  da  autonomia  intelectual  da  razão.  Ambas manifestam  o  “conhece‐te  a  ti  mesmo”.  Isto  quer  dizer  que,  ao  examinarmos  esta  máxima  socrática percebemos  que  ela  possui  três  elementos  que  caracterizava  o  conhecimento  sobre  o  homem.  Não  se entende este conhecer como um conhecimento psicológico, mas, antes de tudo, este conhecer é uma forma válida e universal. Sócrates levanta‐se contra os sofistas, para quem não existe nem verdade e nem erro, e, ainda, as normas porque são humanas, são transitórias. 

Page 12: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

12  

  Sócrates,  nos  debates  contra  os  sofistas,  reagia  contra  as  idéias  apregoadas  por  eles  de  que  a verdade  era  relativa  e  que  a moral  era  uma  convenção.  Entendia  o  filósofo  que  as  verdades,  frutos  de reflexões profundas, tinham que ser universalmente válidas.   Deste modo a máxima socrática “conhece‐te a ti mesmo” possui alguns elementos: ‐ é um conhecimento universalmente válido; ‐ é, antes de tudo, conhecimento moral; ‐ é um conhecimento prático (práxis) – Deve‐se conhecer para agir corretamente.   A ética  socrática é  racionalista e por  isso está  ligada a uma  concepção de bem que é entendida  como a felicidade  da  alma,  e,  do  bom,  como  tudo  aquilo  que  seja  útil  para  que  se  alcance  a  felicidade.  Afinal, segundo a concepção grega, o homem nasceu para ser feliz e realizar‐se virtuosamente dentro da polis. A virtude  (areté) é entendida como o conhecimento, por  isso, o papel da razão e, além disso, se a virtude é fruto de ato racional, ela pode ser transmitida ou ensinada. Isto  significa  dizer  que  para  a  filosofia  socrática,  bondade,  conhecimento  e  felicidade  se  entrelaçam estreitamente. O  homem  age  retamente  quando  conhece  o  bem  e,  conhecendo‐o,  não  pode  deixar  de praticá‐lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente‐se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz.  

Resumindo: Sócrates  ‐ ética racionalista:  

a) uma concepção do bem (como felicidade da alma) e do bom (como o útil para a felicidade);   b) a tese da virtude (areté) — capacidade radical e última do homem — como conhecimento, e do 

vício como ignorância (quem age mal é porque ignora o bem; por conseguinte, ninguém faz o mal voluntariamente)  

c) a tese, de origem sofista, segundo a qual a virtude pode ser transmitida ou ensinada.   d) bondade, conhecimento e felicidade se entrelaçam estreitamente. O homem age retamente 

quando conhece o bem e, conhecendo‐o, não pode deixar de praticá‐lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente‐se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz.  

 

   8.  A sociedade perfeita ‐ Platão e a necessidade de construir a "Cidade Perfeita" guiada pela ética  A resposta de Platão à necessidade de se resgatar o velho sentido da Ética, da Justiça e da Moral, perdidos durante o período de crescimento e enriquecimento de Atenas, contaminados pela hipocrisia, é a "volta a uma sociedade mais simples". Mas não uma volta ao passado real, antes a um passado  imaginário situado em  algum  lugar  no  futuro  no  qual  os  velhos  valores  –  renovados  a  partir  das  indagações  e  críticas  de Sócrates – possam orientar uma sociedade estável que tende à perfeição. Assim  à  dissociação  entre  o  mundo  real  e  os  valores  éticos  Platão  contrapõe  a  necessidade  de  uma reconstrução da sociedade segundo estes valores, por mais radical que ela possa parecer. O eixo da ampla reforma sugerida por Platão para construir a sociedade perfeita é a substituição da plutocracia que reinava na  Atenas  Imperial  dos mercadores  por  uma  "timocracia  do  espírito"  na  qual  os  governantes  seriam  os melhores dentre os homens de seu tempo em termos de conhecimento e sabedoria.  Mas as  implicações da utopia platônica não param por aí. É necessário  limitar ao mínimo a propriedade, tornar‐se vegetariano –  como proposto por Pitágoras – e até extinguir as unidades  familiares de  forma a garantir que todos se sintam irmãos de fato porque criados pelo Estado, não por famílias. Ele não se propõe a eliminar os mercadores e agricultores, mas  limitar‐lhes a ação e, sobretudo, privar‐lhes por completo do 

Page 13: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

13  

poder político. A eles não seria  imposta a dura disciplina da posse em comum das mulheres, das dietas e exercícios  rigorosos,  mas  exige‐se  obediência  à  lei  dura  e  às  ordens  dos  Guardiães,  a  elite  dirigente concebida por Platão Sobre estes Guardiães pesa tal grau de regras e responsabilidades que a escolha deixa de ser um privilégio para  tornar‐se  um  sacrifício,  só  concebível  para  aqueles  que  conseguem  realmente  compreender  que  a eudaimonia exige perfeita identidade entre o bem comum e a satisfação pessoal. Insatisfeito com os rumos da democracia, Platão concebe um sistema de governo no qual a educação universal – rígida e valorizada – serve  tanto  como  elemento  selecionador  de  quais  elementos  entrarão  na  classe  dos  Guardiães,  como elemento da formação destes guardiães.  Esta noção em certa medida vem das  inúmeras ocasiões nas quais Sócrates deplorou a pouca preparação intelectual dos dirigentes,  clamando que era  incompreensível que para as  tarefas mais  triviais  se exigisse preparação, mas que aos governantes bastava serem capazes de conduzir pela demagogia ou pela compra de  votos  à massa  dos  atenienses.  Platão  sabe  que  a  disciplina  extrema  que  prega  a  seus  guardiães  – paradoxalmente  tão  próxima  dos  grandes  adversários  dos  atenienses,  os  espartanos  –  não  pode  ser estendida a toda a sociedade, mas a considera essencial à existência de um princípio ético de fato que guie o conjunto da sociedade.  No pensamento de Platão, portanto, o  reencontro da  ética  e da  realidade  se dá  através de uma  grande reforma social, política e econômica que torne a cidade mais simples, mais desligada dos valores materiais, mais  igualitária. A preservação desta nova cidade só poderia ser  feita se o poder  fosse centralizado neste estrato  dominante  dos  guardiães  para  os  quais  a  simplicidade  e  a  privação  –  bem  como  a  educação  – deveriam ser ainda mais rígidos.   Também  a  ética  de  Platão  é  racionalista, mas  ela  se  relaciona  intimamente  com  a  sua  filosofia  política, porque para  ele,  a  polis  é o  terreno próprio da  vida moral.  Tanto  a  sua  formulação  ética,  como política dependem de  sua  concepção metafísica  (mundo  sensível e mundo  inteligível) e de  sua doutrina da alma (princípio que move o homem e se divide em três partes: razão, vontade ou ânimo e apetite). A razão que contempla e quer racionalmente é a parte superior. Pela razão o homem, a alma do homem se eleva ao Mundo das Idéias. Sua finalidade é libertar‐se da matéria para contemplar a idéia de Bem.  Para alcançar a purificação é preciso praticar várias virtudes, que correspondem a cada uma das partes da alma e consistem no seu funcionamento perfeito. Deste modo, a virtude da razão é a prudência, da vontade é a fortaleza e do apetite é a temperança.  A harmonia entre as diversas partes constitui a quarta virtude, ou  justiça. Como o  indivíduo por si só não pode  se aproximar da perfeição,  torna‐se necessário o Estado ou Comunidade Política. O homem é bom enquanto  bom  cidadão.  A  “idéia”de  homem  se  realiza  somente  na  Comunidade.  A  ética  desemboca necessariamente na política.   

 Resumindo: A ética de Platão depende:  

a) da sua concepção metafísica (dualismo do mundo sensível e do mundo das idéias permanentes, eternas, perfeitas e imutáveis, que constituem a verdadeira realidade e têm como cume a Idéia do Bem, divindade, artífice ou demiurgo do mundo);  

b) da sua doutrina da alma (princípio que anima ou move o homem e consta de três partes: razão, vontade ou ânimo, e apetite; a razão que contempla e quer racionalmente é a parte superior, e o apetite, relacionado com as necessidades corporais, é a inferior).  

Page 14: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

14  

Como o indivíduo por si só não pode aproximar‐se da perfeição, torna‐se necessário o Estado ou Comunidade política.  

O homem é bom enquanto bom cidadão.   A Idéia do homem se realiza somente na comunidade.   A ética desemboca necessariamente na política.  

  

9. O caminho do meio  ‐   Aristóteles e a moderação das paixões como caminho da felicidade  Enquanto Platão sonha com uma sociedade  ideal na qual não praticar o bem torna‐se uma  impossibilidade tal a extensão das instituições que eliminam a vida privada, Aristóteles propõe o que, de certa forma, pode ser compreendido como um caminho contrário. Para ele a Lei deve ser capaz de compreender as limitações do ser humano, aproveitar‐se das suas paixões e  instintos, e produzir  instituições que promovam o bem e reprimam o mal.  Assim se para Platão a Lei deve moldar o real, para Aristóteles o real deve moldar a Lei, única forma de seu cumprimento  ser  possível  a  todos.  A  exposição  destes  conceitos  na  Ética  de  Aristóteles  parece  estar diretamente  dirigida  contra  a Utopia  platônica  que,  na  visão  de Aristóteles,  está  condenada  ao  fracasso porque não respeita os impulsos do homem, seus apetites e paixões. Mas esta visão não pode ser entendida como uma ausência de princípios éticos  fortes ou a abstenção de promover o Bem – que Aristóteles entende também como uma aspiração do ser humano capaz de conciliar o interesse individual e o comunitário. Pelo contrário, ele propõe um controle estrito sobre as paixões, com a  diferença  que  ele  deriva  delas  tanto  as  virtudes  quanto  os  vícios,  ao  contrário  de  seus  mestres predecessores.  A essência da  virtude  seria, então,  a moderação entre os extremos de  cada paixão,  a Regra Dourada do caminho  do meio  entre  a  indulgência  absoluta  e  a  privação  absoluta.  Assim  a  verdadeira  definição  de coragem estaria entre a covardia e a bravata  itimorata, a amizade entre a  subserviência e a  insolência. É evidente o vínculo com os múltiplos questionamentos de Sócrates  sobre as essências dos valores morais, bem como com a noção das Idéias Gerais de Platão.  Mas  se há uma  continuidade há  igualmente uma  ruptura nesta nova noção. A mais  significativa dela é a existência  de  uma  resposta  objetiva  àquilo  que  Sócrates  recusou‐se  a  responder  e  Platão  respondeu  de forma  abstrata  e  filosófica. Aristóteles  está  preocupado  em  termos  de  Ética  –  como  no  restante  da  sua filosofia – em encontrar regras claras que possam ser conhecidas, rotuladas, catalogadas. Ele  também não está preocupado em uma utopia mirabolante, mas em  construir uma  sociedade  com os homens que estão disponíveis, não com super‐homens idealizados, assim tenta construir uma visão de ética que seja capaz de atender à maioria. A despeito disto traça uma visão aristocrática da sociedade na qual os méritos  de  forma  alguma  equivalem  e  no  qual  os  homens  estão  classificados  segundo  níveis  bastante objetivos – do ponto de vista dele – que faz com que alguns sejam senhores e outros escravos.  A  justificativa deste sistema que racionaliza a escravidão e  imagina um continuum do mineral ao homem – cujo tipo mais elevado seria o filósofo – seria o pressuposto de que todos os seres foram criados com uma finalidade em um projeto bem definido de universo ao qual os  teólogos cristãos medievais designarão de Summus Boni – O Bem Supremo.    A atribuição do homem, para ele, seria o pensamento racional, característica que o distinguiria do animal. Assim se tem um homem ideal que é puro pensamento especulativo e racional e portanto se concretiza no filósofo. Os gregos, dentre  todos os povos,  teriam mais  consciência desta  importância da  racionalidade e portanto se justifica a escravidão dos bárbaros cujo nível está mais próximo dos animais irracionais. 

Page 15: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

15  

Só  através  da  concretização  desta  "finalidade  racional",  crê  Aristóteles,  o  homem  poderia  atingir  a Eudaimonia,  a  felicidade  da  harmonia  interior.  Há  nesta  consideração  uma  ruptura  radical  com  os predecessores  já que para o macedônio a finalidade da Ética  já não será mais o Bem por si mesmo, mas o Bem enquanto elemento que leva à Felicidade, objetivo principal do homem.    Aristóteles distingue entre dois tipos de Bem, entre o que é Instrumental e o que é Intrínseco. Os primeiros são bons porque levam à Bondade, enquanto os segundos são bons por si mesmos. Assim o conhecimento também é dividido entre o conhecimento prático e teórico, o primeiro sendo o conhecimento de como agir corretamente e o segundo o conhecimento do que é bom por si mesmo.    Para Aristóteles (384 a.C./ 322 a.C), o homem deve, com o seu esforço, realizar aquilo que é em potência, para se realizar como ser humano.  A felicidade (eudaimonia) é o fim (telos) do homem enquanto tal. Esta só é atingida pela razão. A  vida  não  e  realiza  senão  mediante  certos  hábitos  (formas  de  agir),  que  são  as  virtudes.  Elas  são conseguidas pelo exercício, pois o homem é parte racional e, portanto, possui virtudes  intelectuais e parte irracional,  e,  portanto,  precisa  de  virtudes  práticas  ou  éticas  para  dobrar  as  paixões  e  os  apetites canalizando‐os racionalmente.  A virtude é o meio termo entre dois extremos (um excesso e um defeito). Por exemplo, a temeridade é um excesso de coragem, em contrapartida, a covardia é falta de coragem. A falta de medida (hýbris) é a origem do vício. O que é a virtude?  A medida entre os extremos, a moderação entre os dois extremos, o justo meio, nem excesso, nem falta. A ética é a ciência da moderação, ou, como diz Aristóteles da phronesis (prudência). A virtude é um hábito adquirido, ou uma disposição permanente, um estado ou qualidade da alma.   A  tarefa da ética é a de nos orientar para a aquisição desse hábito.  Isto quer dizer, o exercício da vontade  sob a orientação da  razão para deliberar e escolher ações que permitam  satisfazer o apetite e o desejo sem cair num dos extremos.     O apetite e os desejos são paixões (páthos), isto é, passividade, submissão aos objetos exteriores. A virtude é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe, segundo a orientação da razão que determina os fins racionais de uma escolha com vistas ao bem do indivíduo, isto é, sua felicidade.   “Sendo. Pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de regra, gera‐se e cresce graças ao ensino – por  isso requer experiências e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida em resultado  do  hábito,  donde  ter‐se  formado  o  seu  nome  (éthikê)  por  uma modificação  da  palavra  éthos (hábito). Por tudo  isso evidencia‐se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza (...) Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga‐se antes, que  somos  adaptados  por  natureza  a  recebê‐las,  e  nos  tornamos  perfeitos  pelo  hábito.” (ARISTÓTELES,1973:27)   “Vimos então que, par o grego, o homem só não fará ações morais por  ignorância, pois, se a razão comandar as suas ações, ela saberá propiciar ao homem o deliberar, o escolher, refreando e submetendo as paixões e os impulsos.” (FERREIRA, 2006:36).  Para Aristóteles, o fim do homem é a felicidade, a que é necessária à virtude, e a esta é necessária a razão.  A  característica  fundamental  da moral  aristotélica  é,  portanto,  o  racionalismo,  visto  ser  a  virtude  ação consciente segundo a razão.  

Page 16: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

16  

Se  a  virtude  é  uma  atividade  segundo  a  razão, mais  precisamente  é  ela  um  hábito,  um  costume moral, adquire‐se mediante a ação, a prática, o exercício e, uma vez adquirida, estabiliza‐se, mecaniza‐se; torna‐se quase uma segunda natureza e, logo, torna‐se de fácil execução ‐ como o vício  

Resumindo:  O fim último do homem é a felicidade (eudaimonia).  

se realiza mediante a aquisição de certos modos constantes de agir (ou hábitos) que são as virtudes.   Estas não são atitudes inatas, mas modos de ser que se adquirem ou conquistam pelo exercício e, já 

que o homem é ao mesmo tempo racional e irracional.  

Classes de virtudes  

intelectuais ou dianoéticas (que operam na parte racional do homem, isto é, na razão)   práticas ou éticas (que operam naquilo que há nele de irracional, ou seja, nas suas paixões e 

apetites, canalizando‐os racionalmente).  

A  comunidade social e política é o meio necessário da moral 

O homem é, por natureza, um animal político.   a vida moral  é uma condição ou meio para uma vida verdadeiramente humana: a vida teórica na 

qual consiste a felicidade.   acessível a uma minoria ou elite   a maior parte da população mantém‐se excluída não só da vida teórica, mas da vida política.   a vida moral  é exclusiva de uma elite que pode realizá‐la, o homem bom (o sábio) deve ser um bom 

cidadão.  

 

  

Bibliografia  ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:Abril Cultural, 1973. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2003. GOSDSCHMIDT,Victor. Os diálogos de Platão: estrutura e método dialético; tradução Dion Davi Macedo.São Paulo: Loyola, 2002. DURANT, Will – A História da Filosofia, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1996. Encyclopedia Britannica, on‐line: www.britannica.com . 18/11/99. MIRANDA, Danilo S. de (org.). Ética e Cultura. São Paulo: Perspectiva: SESC São Paulo, 2004. PLATÃO. Mênon; texto estabelecido e anotado por John Burnet; tradução de Maura Iglesias, Rio de janeiro; Ed. PUC‐Rio; Loyola, 2001.  

 II ‐ O CRISTIANISMO  O  processo  de  decadência  e  ruína  do mundo  grego,  através  das  invasões  dos  grandes  impérios (macedônico, romano) e sua posterior queda, desloca o eixo da visão moral grega.  A moral já não se define mais em relação a polis, mas ao universo; porque o mundo se ampliou, as fronteiras foram alargadas e como resultado da premissa da ética, tanto epicurista quanto estóica, 

Page 17: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

17  

passa a ser a física, porque o homem é um ser do mundo e nele deve cumprir o seu destino. Sábio é aquele que compreende que o mundo é regido pela necessidade e ausência de liberdade e age de acordo  com  a  razão,  com  a  consciência  de  seu  destino  e  de  sua  função  no  universo  de modo imperturbável. Neste contexto aparece uma nova corrente de idéias, o cristianismo que propõe um outro modo de pensar as relações humanas denominadas éticas.” (FERREIRA, 2006: 38) O cristianismo, assim como os judeus, não tenta buscar a Deus pela razão como faziam os gregos. Sabemos  que  os  gregos  eram  racionalistas  e  todo  o  sistema  religioso  era  estruturado  sobre  a atuação  dos  deuses  nas  cidades,  numa  relação  social  e  política,  enquanto  quem  os  judeus estribados na  idéia  se povo escolhido por Deus, estabelecia um monoteísmo espiritual aliado ao pensamento  de  que  este Deus  criador  e mantenedor  do  universo  estava  disposto  a  resgatar  o homem de sua desobediência às leis divinas. O cristianismo nasce, portanto, baseado em algumas concepções judaicas e se espalha rapidamente pelo mundo conhecido. Uma dessas idéias diz respeito à crença na existência de um só Deus (monoteísta) eterno, criador, todo‐poderoso, senhor de todas as coisas. Criou o mundo do nada; pelo poder de Sua palavra, criou todos os seres e fez o homem à Sua imagem e semelhança. Criado para ser imortal e eterno posto como senhor das outras criaturas, o casal (Adão e Eva) desobedece às  leis divinas e como sanção objetiva lhes é retirada a imortalidade, a abundância dos frutos e a tranqüilidade da existência.   Todos  são  castigados: o homem,  a mulher  e  a  terra. Dentre  as  várias  perdas, o homem  e  a mulher  perdem  a  amizade  com Deus  e  carreiam  para  si  a  conseqüência  disto:  dor, sofrimento,  fome,  enquanto  a  terra,  boa  e  produtiva,  passa  a  produzir  abrolhos  e  espinhos. (Gênesis 3: 14‐ 24)   Entretanto, se Deus é o Senhor, na visão judaica, assumida pelo cristianismo, Ele é também Pai e por causa deste zelo de Pai, castiga para corrigir, mas providencia meios para que os filhos  voltem  a  ter  comunhão  com  Ele. Para  tanto enviará o  Salvador  (o Messias, o Cristo), que tratará de reestruturar a harmonia entre Deus e os homens.  Para o cristianismo, então, Deus enviou o Seu próprio filho para servir de resgate e salvação para todos os homens: sacrifício de morte na cruz para resgatar. Por isso, não é o nascimento de Cristo, Sua vida e Seus atos que são fundamentais para o cristianismo, mas a Sua morte e ressurreição. Isto equivale  a  dizer  que  não  há  como  se  falar  em  cristianismo  sem  a  crença  que  Cristo morreu  e ressuscitou. Sem a “presença humana” de Cristo, a religião “cristianismo” não se sustenta.   A Ética Cristã “ O cristianismo mudou o sentido da ética porque surgiu como uma  religião de  interioridade, de individualidade, e por isso as ações dos indivíduos (que para os gregos só poderiam se completar na polis) são vistas como uma relação pessoal e  individual com Deus. Isto determinou uma alteração no  entendimento  do  que  era  a  virtude  e  n  os  modos  das  ações  dos  indivíduos”  (FERREIRA, 2006:38).Se para os gregos  (racionalistas) a razão deveria guiar a vontade dos indivíduos para que as ações fossem  julgadas boas,  justas e verdadeiras, para o cristianismo as ações só poderiam ser consideradas boas, justas e verdadeiras se estivessem de acordo com a vontade de Deus.  O apóstolo Paulo expressa muito bem qual é a origem da  lei e porque o homem, marcado pelo pecado  original,  herdado  de  Adão  e  Eva  (  eles  representam  a  humanidade  toda)  possui  uma tendência para o mal. Admite que o homem sozinho não  tem condição  (é  fraco) para  realizar as 

Page 18: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

18  

ações morais; ele precisa de um guia para ser um ser moral. Entretanto, este guia não será de modo algum a sua vontade racional, pois ela está comprometida, danificada pelo pecado. O homem só será moral se seguir, pela fé, a vontade de Deus revelada aos homens, no Velho Testamento pelos profetas e no Novo Testamento, por Jesus Cristo. Assim diz o apóstolo Paulo: “Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero,  já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (Romanos 7:19‐20).  Com este novo olhar sobre o homem, como um sujeito,  frágil que precisa de auxílio para ser um sujeito moral,  o  cristianismo  introduz  a  noção  do  dever  Ou  seja,  o  cristianismo  propõe  que, embora tenhamos uma vontade livre, mas fraca, ainda assim temos condições de sermos morais se seguirmos a vontade de Deus.  O sujeito moral e ético será aquele que cumprir inquestionavelmente as leis de Deus que aparecem nos Dez Mandamentos e nas verdades reveladas pelos profetas e por Cristo.  A partir desta visão do homem, a noção de virtude também se altera. Se para o grego, virtuoso era aquele que guiado pela vontade racional se realizava na polis com os outros cidadãos, e, portanto, a prudência, a escolha racional denotava virtude, para o cristianismo as virtudes se manifestam como meios de obediência  aos preceitos  incontestáveis de Deus.  Elas nos  auxiliam  a manter um bom relacionamento  com Deus. São elas: a  fé, a esperança e a  caridade. Estas  três virtudes  serão os esteios para que todas as outras se manifestem. O apóstolo Paulo, na Carta aos Gálatas, capítulo 5, versículos de 16 a 26, explica a necessidade da obediência às  leis de Deus e com ela o aparecimento das ações morais efetivas: “Mas o  fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gálatas 5:22) Ao  lado da noção do dever, o cristianismo advoga  também, como condição para a  realização de atos morais, a idéia de intenção.   Se para os gregos, a ação virtuosa era aquela que envolvia uma escolha  racional, que conseguia controlar as paixões, através de atos visíveis para todos, para o cristianismo, por ser uma religião e interioridade, os atos poderão ou não ser morais, dependendo da intenção. Deste  modo,  se  externamente  não  praticar  um  determinado  ato  considerado  injusto,  desleal, imoral, mas se no íntimo eu o desejar praticar, estarei pecando contra a vontade de Deus.  Isto decorre do fato de que para o cristianismo, Deus conhece o íntimo de cada um dos homens, e, portanto a obediência às leis de Deus não se refere apenas às ações externas, mas também aquelas que são  interiores, aquelas que estão em nosso coração. Por  isso não são apenas pelas ações que os homens pecam, mas também pelos pensamentos e palavras. No  livro  dos  Salmos  temos  um  exemplo  desta  concepção  de  que  Deus  conhece  o  íntimo  dos homens e que nada, absolutamente nada Lhe escapa:   “Senhor, tu me sondas   E me conheces.  Sabes quando me assento E quando me levanto; De longe penetras os meus pensamentos 

Page 19: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

19  

Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar E conheces todos os meus caminhos “(Salmo 139:1 a 3) “Sonda‐me, ó Deus, e conhece o meu coração, Prova‐me e conhece os meus pensamentos, Vê se há em mim algum caminho mau E guia‐me pelo caminho eterno.” (Salmo 139: 23 e 24)    Para os cristãos da idade média: o ideal ético é o da vida espiritual, de amor e fraternidade (Santo Agostinho).     Para Korte  (1999), a ética  sempre esteve vinculada, de uma  forma ou de outra, a  religiosidade. Muitos  são  os  textos  bíblicos  que  reportam  à  conduta  ética  e  moral;  uma  destas  passagens, relatadas no Sermão da Montanha, encontrado nos capítulos 5 e 6 do Evangelho segundo Mateus, de tão explícita a temática torna‐se recomendável a sua leitura para os estudos vinculados à ética, uma vez que o texto é abrangente e contém as idéias de moral que conduziram à formação cultural de quase toda a civilização ocidental: 

Bem‐aventurados os podres de espírito, porque deles é o reino dos céus; Bem‐aventurados os que choram, porque eles serão consolados; Bem‐aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem‐aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem‐aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem‐aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem‐aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem‐aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem‐aventurados sois vós quando vos  injuriarem e perseguirem, e, mentindo disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai‐vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós. (MATEUS, 5, 3‐12).  

   A Ética  Religiosa 

verdades  reveladas a  respeito de Deus, das  relações do homem como o  seu criador e do modo de vida prático que o homem deve seguir para obter a salvação no outro mundo.  

Deus é concebido como um ser pessoal, bom, onisciente e todo‐poderoso. O homem tem seu fim último em Deus, que é o seu bem mais alto e o seu valor supremo.  

Deus  exige  a  sua  obediência  e  a  sujeição  a  seus mandamentos,  que  têm  o  caráter  de imperativos supremos.  

o que o homem é e o que deve fazer definem‐se essencialmente não em relação com uma comunidade humana  (como a polis) ou com o universo  inteiro, e sim, em relação a Deus. todo o seu comportamento — incluindo a moral — deve orientar‐se para ele como objetivo supremo. A essência da felicidade (a beatitude) é a contemplação de Deus; o amor humano fica  subordinado  ao divino;  a ordem  sobrenatural  tem  a primazia  sobre  a ordem natural humana.  

  virtudes  

Page 20: APOSTILA 07 DE SETEMBRO

20  

virtudes  fundamentais —  a  prudência,  a  fortaleza,  a  temperança  e  a  justiça,  que  são  as virtudes morais em sentido próprio. regulam as relações entre os homens, são virtudes em escala humana  

virtudes  supremas  ou  teologais  (fé,  esperança  e  caridade).  regulam  as  relações  entre  o homem e Deus e são virtudes em escala divina.  

elevar o homem de uma ordem terrestre para uma ordem sobrenatural, na qual possa viver uma  vida  plena,  feliz  e  verdadeira,  sem  as  imperfeições,  as  desigualdades  e  injustiças terrenas.  

Todos  os  homens,  sem  distinção —  escravos  e  livres,  cultos  e  ignorantes —,  são  iguais diante de Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural.  

    A Ética Cristã Filosófica 

O cristianismo não é uma  filosofia, mas uma  religião  (isto é, antes de  tudo, uma  fé e um dogma).  

faz‐se  filosofia  na  Idade  Média  para  esclarecer  e  justificar,  lançando  mão  da  razão,  o domínio das verdades reveladas ou para abordar questões que derivam das (ou surgem em relação com as) questões teológicas.  

a filosofia é serva da teologia.   A  ética    é  limitada  pela  sua  índole  religiosa  e  dogmática.  

 Santo Agostinho (354‐430)   

elevação ascética até Deus, que culmina no êxtase místico ou felicidade, que não pode ser alcançada neste mundo.  

sublinha o valor da experiência pessoal, da interioridade, da vontade e do amor.     Santo Tomás de Aquino  (1226‐1274). 

Deus é o bem objetivo ou fim supremo, cuja posse causa gozo ou felicidade, que é um bem subjetivo.  

a  contemplação,  o  conhecimento  (como  visão  de  Deus)  é  o meio mais  adequado  para alcançar o fim último.  

 Na sua doutrina político‐social, atém‐se à tese do homem como ser social ou político, e, ao referir‐se às diversas  formas de governo,  inclina‐se para uma monarquia moderada, ainda que considere que todo o poder derive de Deus e o poder supremo caiba à Igreja.  

    BIBLIOGRAFIA   BÍBLIA de Estudos de Genebra. São Paulo: Editora Cultura Cristã e Sociedade bíblica Do Brasil, 1999.     CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo; Ática, 1995.    GAARDER, Jostein et all. O livro das Religiões. São Paulo: Cia das Letras, 2000.      LARA, T. Adão. A Filosofia nos Tempos e Contratempos da Cristandade Ocidental. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.