Apostila Alfabetizacao e Letramento Unicid Online

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2009 ALFABETIZAÇÃO e LETRAMENTO Maria Auxiliadora Cavazotti Luiz Percival Leme Britto

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2009

ALFABETIZAÇÃOe LETRAMENTO

Maria Auxiliadora CavazottiLuiz Percival Leme Britto

© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

C377 Cavazotti, Maria Auxiliadora; Britto, Luiz Percival Leme. / Alfabetização e Letramento. / Maria Auxiliadora Cavazotti;

Luiz Percival Leme Britto, — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.152 p.

ISBN: 978-85-387-0263-4

1. Alfabetização. 2. Alfabetização – Metodologia. 3. Letramento. I. Título. II. Britto, Luiz Percival Leme

CDD 372.414

Capa: IESDE Brasil S.A.

Crédito da imagem: Comstock Complete

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Doutor e mestre em Lingüística, e graduado em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor do Programa de Pós-graduação da Universidade de Sorocaba; Presidente da Associação de Leitura do Brasil; Autor dos livros A sombra do caos — ensino de língua x tradição gramatical; Contra o consenso — cultura escrita, educação e participação.

Luiz Percival Leme Britto

Pós-doutora na área de concentração: Filosofia e História da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), dou-tora em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduada em Pedagogia e Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora sobre a his-toricidade das práticas pedagógicas escolares e relações com as práticas sociais que as instituem.

Maria Auxiliadora Cavazotti

Sumário

O processo histórico do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita .............................................................. 11

Alfabetização: a cartilha desde Comenius ...................................................................... 11

Alfabetização ou letramento? .............................................. 17

Definição de letramento ......................................................................................................... 19

A produção social da linguagem oral e escrita.............. 23

Produção da linguagem, produção da consciência .................................................... 24

A relação entre aprendizagem da língua escrita e desenvolvimento do pensamento ...................................... 31

Processo inicial de aquisição da escrita ............................................................................. 32

Textualidade, código e meios de produção da escrita ..................................................................................... 37

Crítica aos métodos tradicionais de alfabetização ........................................................ 38

A prática pedagógica do ensino da língua escrita que articula textualidade, código e meios de produção da escrita ............................................................................ 40

As quatro práticas da alfabetização ................................... 47

Leitura e interpretação ........................................................................................................... 47

Leitura e interpretação ........................................................... 53

A prática pedagógica da leitura e interpretação .......................................................... 54

Seleção dos textos de leitura ................................................................................................ 55

Relação de conteúdos ............................................................................................................. 56

Produção de textos .................................................................. 61

O texto oral .................................................................................................................................. 61

Relação de conteúdos da produção oral .......................................................................... 62

Produção de texto escrito ..................................................... 69

Relação de conteúdos da produção escrita ..................................................................... 71

Prática de escrita ........................................................................................................................ 73

Análise lingüística ................................................................... 77

Sistematização para o domínio do código ..................... 85

Conteúdos relativos à codificação e à decodificação ................................................... 85

Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código ............................................................ 93

Reescrita do texto com vistas à sistematização do código ....................................................101

Avaliação em ensino da língua escrita ..........................109

Ficha de avaliação em ensino da língua escrita ...........................................................110

Letramento: novas realidades, novos conceitos .........123

As origens do novo conceito...............................................................................................123

Novidades e continuidades .................................................................................................124

Letramento: problemas conceituais .................................................................................130

Os termos em diálogo ...........................................................................................................133

Referências ................................................................................141

Anotações .................................................................................149

Apresentação

A concepção de alfabetização na perspectiva histórica e seus funda-mentos teórico-metodológicos, desenvolvidos nos textos que compõem esta disciplina, apóiam-se nas reflexões concebidas e elaboradas pela professora doutora Lígia Regina Klein.

Essa concepção e as questões e propostas de encaminhamentos das práticas pedagógicas que lhe são pertinentes constam das publicações da pes-quisadora, disponibilizadas há algumas décadas para a formação de professores da rede pública de ensino, em diferentes estados brasileiros.

Tenho compartilhado da trajetória de elaboração da produção teórica sobre a prática pedagógica assentada nos fundamentos da perspectiva histórica, razão pela qual me sinto estimulada a oferecer esta contribuição para os alunos desta disciplina, interessados em acessar o conhecimento científico produzido no campo da pesquisa em educação.

Maria Auxiliadora

Maria Auxiliadora CavazottiVamos iniciar nossa disciplina refletindo sobre o desenvolvimento his-

tórico do processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, apon-tando-o como prática pedagógica essencial da escola moderna.

Essa reflexão toma como marco inicial a organização do trabalho pe-dagógico proposto por Comenius, que oferece a sistematização da apren-dizagem da leitura por meio da cartilha, método que perdurou no longo período de vigência do ensino tradicional.

Na escola atual, as mudanças tecnológicas dos meios e conteúdos da comunicação, produzidas no interior do processo de expansão e globali-zação das relações sociais capitalistas, exigem a inserção do alfabetizando nas práticas sociais de leitura e escrita, que chamamos de letramento, ul-trapassando a mera aquisição da técnica do ler e escrever.

A concepção de letramento como fundamento do ensino e da apren-dizagem da leitura e da escrita, por sua vez, demanda a adoção tanto de novos conteúdos como da metodologia de seu ensino.

Alfabetização: a cartilha desde Comenius A produção social da necessidade de universalização do domínio da

leitura e da escrita pela via do ensino escolar tem suas raízes na moder-nidade. Sua emergência se dá no contexto da expansão do comércio de mercadorias, produzidas em manufatura, sob a forma do trabalho cole-tivo e do desenvolvimento da nova ordem social burguesa, constituída pelas classes em ascensão: a burguesia empreendedora e os trabalhado-res manufatureiros.

Por seu turno, os reformadores protestantes, coerentemente com o es-pírito burguês, preconizavam, desde o século XVI, o aprendizado da leitura, ainda que elementar, com a finalidade de conhecer o texto bíblico.

O processo histórico do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

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Alfabetização e Letramento

Nesse contexto de transformações sociais, coube a João Amós Coménio ou simplesmente Comenius, pastor protestante, considerado o pai da pedagogia moderna, lançar, no século XVII, os fundamentos da escola que perdura até nossos dias, definindo a organização do trabalho pedagógico com base nos ele-mentos constituintes da produção manufatureira, já presentes na sociedade de seu tempo. (ALVES, 2001)

Ao preconizar o princípio bem conhecido de “ensinar tudo a todos”, Come-nius define em primeiro lugar o papel do professor. Nessa escola, não há mais lugar para o sábio, que inicia cada discípulo nas fontes do conhecimento apro-fundado, mas o mestre capaz de promover a instrução sobre “tudo” pelo uso do método que generaliza o conhecimento necessário ao cidadão comum.

Tal como a manufatura, que abandona o artesão, conhecedor da arte de elaborar seu produto com maestria, e o substitui pelo trabalhador, que realiza tarefas parceladas no processo coletivo de trabalho, Comenius concebe a sim-plificação do trabalho do professor pelo emprego do manual didático como ins-trumento do ensino. O livro didático difere dos livros científicos ao apresentar o conhecimento não com a profundidade das fontes originais, mas compendiado em fórmulas e definições que introduzem o aprendiz nos primeiros passos da instrução científica.

Nessa perspectiva, Comenius propõe a cartilha de ensinar a ler, elaborada com a preocupação didática de iniciação à leitura, ilustrada com figuras ao lado das palavras, das sílabas e das letras do alfabeto. Nada mais parecido com as car-tilhas que perduraram ou ainda perduram atualmente nas nossas escolas.

Um outro aspecto da escola de Comenius que cabe mencionar é a instrução simultânea, ou seja, a classe heterogênea, com os alunos realizando o aprendi-zado ao mesmo tempo, embora em graus e atividades diferenciadas. Trata-se da utilização do mesmo princípio do trabalho coletivo manufatureiro e sua concomi-tante divisão de tarefas, que viabiliza o aumento da produção. Na escola, o ensino simultâneo possibilita a realização do princípio “do ensinar a todos”, embora sua realização só tenha sido efetivamente alcançada por meio de difícil e lento esfor-ço social, apresentando os primeiros resultados em meados do século XIX.

Consagrada a organização do trabalho pedagógico da escola moderna, em que com o professor e o livro didático ensinam o conhecimento sistematizado para muitos, o aprendizado da leitura e escrita ocupa um lugar de destaque no processo que chamamos de ensino-aprendizagem.

O processo histórico do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

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Texto complementar

A instrução pública e a Reforma Protestante(ALVES, 2001)

Comenius está na origem da escola moderna. A ele, mais do que a nenhum outro, coube o mérito de concebê-la. Nessa empreitada, foi impregnado pela clareza de que o estabelecimento escolar deveria ser pensado como uma ofi-cina de homens; foi tomado pela convicção de que a escola deveria fundar sua organização tendo como parâmetro as artes.

Note-se que artes, segundo a acepção dominante à época em que viveu Comenius, abrangiam também as manufaturas.

[…] Ocorre que a manufatura, depois de ter-se apropriado da base téc-nica do artesanato, representava a sua superação, pois, através da divisão do trabalho, havia decomposto o todo do ofício medieval em suas operações constitutivas; ao mesmo tempo, especializara não só os artífices em uma ou poucas dessas operações, mas até mesmo os instrumentos de trabalho, que ganharam formas mais adequadas às operações nas quais eram utilizadas.

[…] Logo, o educador morávio pressupunha uma organização para a ati-vidade de ensino no interior da escola que visava equipará-la à ordem vigen-te nas manufaturas, onde a divisão do trabalho permitia que diferentes ope-rações, realizadas por trabalhadores distintos, se desenvolvessem de forma rigorosamente controlada, segundo um plano prévio e intencional que as articulava, para produzir mais resultados com economia de tempo, de fadiga e de recursos.

[…] A simplificação do trabalho didático, tanto para o aluno como para o professor, ganhava destaque nas considerações de Comenius, ao mesmo tempo em que a sala de aula começava a ser tratada como um espaço cujo domínio se deslocava do professor para o manual didático. Na atividade de ensino passava a reinar o texto especializado, que excluía os antigos instru-mentos de trabalho e submetia o professor ao seu férreo controle. O manual

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Alfabetização e Letramento

Atividades1. Quais as características da organização do trabalho pedagógico da escola

atual perante as condições materiais e o trabalho social, próprios da nossa sociedade?

didático, comportando toda a gama de suas especializações, decorrentes dos diferentes momentos de escolarização e das distintas áreas de conhe-cimento, estreitou os limites do saber exigido do professor, pois, objetiva-mente, restringiu-os aos seus próprios limites. Assim, concretizou de uma forma evidente, também, a reprodução da divisão do trabalho, dentro do estabelecimento escolar, de um modo similar ao ocorrido anteriormente na manufatura.

O processo histórico do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

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2. Estabeleça uma comparação entre os livros didáticos utilizados atualmente na alfabetização e as cartilhas. Ressalte características que expressam de fato transformações significativas da prática pedagógica.

3. Arrole argumentos a favor ou contra cada uma das formas de organização do ensino que têm predominado na escola: ensino individualizado e ensino simultâneo em classe.

Dicas de estudo Recomendamos a leitura da obra de:

COMENIUS, Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

A prática pedagógica do aprendizado da leitura e da escrita por meio da cartilha perdurou durante o longo período que chamamos de ensino tradicional. Esse método, centrado no domínio do código, revelou-se su-ficiente dadas as condições históricas próprias do aprendizado da leitura, tais como o uso privilegiado da escrita (as cartas, os bilhetes, os registros de compra etc.) como recurso de comunicação entre interlocutores dis-tantes, em razão da ausência de outros meios técnicos.

Entretanto, o processo crescente de expansão e globalização do capital, ao intensificar as relações sociais recíprocas de interdependência entre su-jeitos de classes sociais, comunidades, regiões e países diversos, produziu também novos processos de comunicação quanto aos seus meios e conte-údos. Trata-se de um processo comunicacional dotado de tamanha rapidez, de tal simultaneidade entre a produção e a recepção de grande número de informações que passou a exigir novos patamares de leitura e de escrita, denominados pelos estudiosos de letramento. Segundo Soares (2003, p. 20), “só recentemente passamos a enfrentar esta nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente”. Para ampliar a concepção de letramento, recorremos às reflexões de Klein(2000, p. 11), que assim explica:

Não há dúvida que o letramento é, hoje, uma das condições necessárias para a realização do cidadão: ela o insere num círculo extremamente rico de informações, sem as quais ele, inclusive, nem poderia exercer livre e conscientemente sua vontade […] o homem contemporâneo é afetado por outros homens, fatos e processos por vezes tão distantes de seu cotidiano que somente uma rede muito complexa de informações pode dar conta de situá-lo, minimamente, na teia de relações em que se encontra inserido. Neste universo, tão mais vasto e complexo, a escrita assume relevante função, registrando e colocando ao seu alcance as informações que podem esclarecê-lo melhor.

Assim, podemos compreender que o processo educacional de acesso à leitura e à escrita modifica-se, pois o educando é instado a inserir-se nas práticas sociais de leitura e escrita, ultrapassando a mera aquisição da “tecnologia do ler e escrever” (SOARES, 2003, p. 21).

Em primeiro lugar, do ponto de vista da complexidade da interlocu-ção, faz-se necessário um leitor capaz de apreender o significado dos

Alfabetização ou letramento?

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Alfabetização e Letramento

discursos, interpretando os elementos históricos, científicos e ideológicos que o constituem. Para isso, precisa dominar os elementos de textualidade que constroem o âmbito discursivo oral e escrito, como também os elementos ma-teriais de sua codificação (letras e sons). Por outro lado, cabe salientar que os meios tecnológicos, que viabilizam simultaneidade à comunicação, conferem menor função prática à escrita manual, dispensando o aprendizado de vários conteúdos relativos ao domínio específico do código, como se procedia no passado no ensino sistematizado por meio das cartilhas. Em resumo, as mu-danças apontadas implicam a adoção de novos conteúdos do ensino da leitura e da escrita, pois, enquanto os conteúdos relativos à textualidade se tornam cada vez mais relevantes, alguns aspectos pertinentes ao código perdem sua predominância (KLEIN, 2000, p. 14).

Entretanto, no que se refere à alfabetização, como momento inicial do pro-cesso educativo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita, cabe enfa-tizar, ainda segundo Klein (2000, p. 41), que essa etapa se caracteriza pelo fato de desenvolver, juntamente com os conteúdos relativos à textualidade (coesão, coerência, unidade temática, clareza, concordância – que o modelo tradicional de alfabetização não levava em conta), também os conteúdos pertinentes à co-dificação/decodificação (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, seg-mentação etc.).

Por fim, como decorrência da adoção de novos conteúdos dos processos edu-cativos do ensino da leitura e da escrita, pressupõe-se também novos processos, metodologias e estratégias para seu ensino-aprendizagem.

Podemos concluir que compreender o desenvolvimento e as mudanças do processo do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita pressupõe refletir sobre os determinantes históricos que produziram formas diferenciadas de or-ganização do trabalho pedagógico em momentos distintos.

Também cabe examinar o processo social de comunicação, cujos avanços tecnológicos criam necessidades próprias de produção de um leitor e de um escritor capaz de se apropriar e de interpretar as informações que circulam na intensa rede de relações que se estabelece na sociedade.

Como decorrência, cabe à escola considerar a importância e a necessidade de fundamentar sua prática pedagógica numa clara concepção desses fenômenos sociais e de suas diferenças e relações. Assim, o caráter histórico da comunicação e do papel que a leitura e a escrita desempenham nesse contexto é o ponto de partida para a formação do educador-alfabetizador, que pretende desempenhar

Alfabetização ou letramento?

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sua função docente no desenvolvimento de processos educativos de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita.

Definição de letramentoSegundo Soares (2003), enquanto a alfabetização dedica-se ao ensinar/apren-

der a ler e a escrever, o letramento consiste não apenas em saber ler e escrever, mas ao cultivo das atividades de leitura e escrita que respondem às demandas sociais de exercício dessas práticas. Tratam-se, portanto, de ações pedagógicas que, embora distintas, processam-se de forma complementar e simultânea, de modo que possam ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e escrita, tornando-se o aluno ao mesmo tempo alfabetizado e letrado.

Uma dificuldade que essa concepção de letramento apresenta é de como dife-renciar um alfabetizado de um letrado. Faz-se necessário retomar o pressuposto já explicitado de que o letramento comporta a dimensão individual do domínio técnico de ler e escrever – desenvolvido no âmbito da alfabetização –, e a dimen-são cultural, com um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escri-ta e seu uso segundo o padrão das exigências de determinado contexto social. Pautando-se nessa concepção, pode-se distinguir o âmbito da aprendizagem da leitura e da escrita, que se refere à aquisição das habilidades de ler e escrever, e o âmbito que inclui a prática dessas habilidades em atividades significativas para a formação cultural, científica e ideológica do aprendiz.

Texto complementar

O que é letramento?(SOARES, 2003, p.15-18)

Letramento é palavra recém-chegada ao vocabulário de Educação e das Ciências Lingüísticas: é na segunda metade dos anos 1980, há cerca de apenas dez anos, portanto, que ela surge no discurso dos especialistas dessas áreas. Uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato, de 1986 (No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística, Editora Ática): a autora, logo no início do livro (p. 7), diz acreditar que a língua falada culta “é

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Alfabetização e Letramento

conseqüência do letramento”. Dois anos mais tarde, em 1988, no livro Adultos Não Alfabetizados: o avesso do avesso (Editora Pontes), Ieda Verdiani Tfouni, no capítulo introdutório, distingue alfabetização de letramento: talvez seja esse o momento em que letramento ganha estatuto de termo técnico no léxico dos campos da Educação e das Ciências Lingüísticas. Desde então, a palavra torna-se cada vez mais freqüente no discurso dos especialistas, de tal forma que, em 1995, já figura em título de livro organizado por Ângela Kleiman: Os Significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita.

[…] Onde fomos buscá-lo [esse vocábulo]? Trata-se, sem dúvida, da versão para o português da palavra inglesa literacy.

Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (“letra”), com o sufixo cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser. […] Ou seja, literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escre-ver. Implícita neste conceito está a idéia de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprende a usá-la. Em outras palavras: do ponto de vista individual, o aprender a ler e escrever – alfabetizar-se, deixar de ser analfabeto, tornar-se alfabetizado, ad-quirir a “tecnologia” do ler e escrever e envolver-se nas práticas sociais de lei-tura e escrita – têm conseqüências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, lin-güísticos. O “estado” ou a “condição” que o indivíduo ou grupo social passam a ter, sob o impacto dessas mudanças, é que é designado literacy.

[…] Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita.

Atividades1. Converse com alguns colegas sobre o filme Nenhum a menos ((Not one less)

Dir: Zhang Yimou. Columbia Pictures, 1999.) e discutam questões como:

interação da comunidade com a escola; �

importância conferida ao domínio da leitura; �

Alfabetização ou letramento?

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compromisso da alfabetizadora e dos alunos com o aprendizado; �

procedimentos pedagógicos. �

2. Anote as intervenções e argumentos e com os colegas redija um texto con-junto norteado pela pergunta: alfabetização ou letramento?

Maria Auxiliadora CavazottiA Educação Infantil – que, primeiramente, dedica-se a cuidar da crian-

ça – e as Séries Iniciais do Ensino Fundamental têm caráter essencialmen-te pedagógico, cumprindo a função social de proporcionar aos infantes o acesso ao conhecimento que lhes permite a apreensão da realidade histo-ricamente produzida pelos homens de sua sociedade. Evidentemente, essa apreensão corresponde a níveis diferenciados de interação que o aprendiz estabelece com a realidade, elaborando sua compreensão de forma pro-cessual, pela via do ensino e da aprendizagem oferecidos pela escola.

No que se refere à reflexão sobre o processo pedagógico da aquisição da linguagem escrita, nos níveis escolares que correspondem à Educação Infantil e às Séries Iniciais do Ensino Fundamental, faz-se necessário ex-plicitar, inicialmente, a produção social da linguagem oral e escrita, que fundamenta a sistematização da apropriação/transmissão escolar.

A história humana tem seu pressuposto nos indivíduos reais, na sua ação e nas condições materiais e concretas de vida por eles mesmos produzidas. Assim, o primeiro ato histórico, pelo qual os homens se distinguem dos animais, não é o fato de pensar, mas o de produzir os seus próprios meios de existência.

A ação dos homens sobre a natureza, pelo trabalho, leva-os à produção, ao mesmo tempo, dos seus meios de vida e de sua própria vida material. A mão humana – ela mesma órgão e produto do trabalho – cria instrumentos que vão lhe dominar a natureza. Assim, em um processo de mútua trans-formação, não só os homens imprimem sobre a natureza as marcas de sua ação, humanizando-a, como também produz a si mesmo, humanizando-se. Dito de outra forma, ao produzir seus próprios meios de existência, realiza uma forma humana de vida: produz tecnologia (artefatos, instrumentos); idéias (crenças, conhecimentos, valores); mecanismos para elaboração das idéias (planejamento, raciocínio, abstração), distinguindo-se cada vez mais das outras espécies animais. Dessa maneira, o modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende dos meios já encontrados e que podem reproduzir, construindo assim a história da humanidade.

A produção social da linguagem oral e escrita

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Alfabetização e Letramento

Ao buscar responder às suas necessidades nessa relação com a natureza, o homem supera os limites da situação imediata que o desafia, descobrindo pro-priedades nas coisas até então desconhecidas: penetra na sua essência, abstrai suas características e capta as relações nas quais se insere, rompendo as frontei-ras da experiência sensível. Realiza e incorpora experiências e conhecimentos e, ainda, cria novas necessidades.

Por seu turno, a complexidade crescente das atividades que precisa realizar para responder às necessidades criadas impõe ao homem a exigência de auxílio mútuo. Portanto, a produção da sua existência se estabelece como relação social no sentido de que se faz imprescindível a cooperação entre os semelhantes, quaisquer que sejam as condições, o modo e a finalidade das ações a serem em-preendidas. O enfrentamento desse importante desafio de cooperação mútua se efetiva na produção da linguagem.

Por meio da linguagem é possível organizar a atividade prática coletiva, siste-matizando e comunicando as informações necessárias à sua realização. Sobretu-do, a linguagem permite acumular as experiências socialmente realizadas, num processo de troca e transmissão da informação, pois é possível codificá-las pela palavra. Por essa razão, as gerações seguintes podem dar continuidade ao pro-cesso de desenvolvimento das formas humanas de vida a partir do estágio já alcançado, sem voltar ao ponto de partida da geração que a precedeu.

Produção da linguagem, produção da consciência Pela linguagem, além dos laços sociais serem consolidados e os conheci-

mentos acumulados e transmitidos, é produzida a possibilidade da consciência humana propriamente dita. A linguagem é, pois, a consciência real e prática dos homens. Ao viabilizar a representação por meio da abstração e generalização das características do mundo exterior no pensamento, possibilita a passagem da consciência sensível à consciência racional, permite a transposição das ope-rações com objetos concretos para operações mentais por meio de conceitos e representações.

Nessa perspectiva, a linguagem não só liberta o homem da sua subordina-ção ao concreto e ao imediato, permitindo-lhe operar na ausência dos objetos pela ação de uma consciência capaz de discernimento e abstração, como ainda

A produção social da linguagem oral e escrita

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é responsável – juntamente com a atividade prática – pela própria formação das faculdades que possibilitam a realização das operações mentais.

Dessa concepção decorre o princípio de que tanto a linguagem como a consciência não são faculdades naturais e inatas, mas resultado da ação que os homens realizam ao longo do processo histórico de produção social da existên-cia humana. Assim, nem a linguagem é imutável e acabada, nem os processos de abstração e generalização permanecem invariáveis. Pelo contrário, determina-dos pelo grau de desenvolvimento das relações materiais e sociais do modo de produção da vida, apresentam-se de forma diversificada nos diferentes estágios da sociedade.

Tendo em vista que a dimensão simbólica da linguagem implica a possibili-dade de realização de processos mentais mais elaborados, o domínio cada vez mais amplo da linguagem também acarreta maiores possibilidades de apreen-são do conhecimento historicamente acumulado, demandando, por seu turno, o desenvolvimento dos próprios processos mentais.

Portanto, historicamente, a linguagem, inicialmente presa à situação prática e ao gesto, avançou em possibilidade de representação – exigida pela produti-vidade gerada pela divisão social do trabalho – até a construção de um sistema de códigos capaz de transmitir as informações mais abstratas. Esse esforço para emancipar a linguagem da situação concreta imediata, ampliando seu grau de abstração, tem na linguagem escrita seu produto mais desenvolvido.

Dessa forma, o texto escrito – representação da representação – não conta com elementos extraverbais (gestos, mímica, entonação) que possam vinculá-lo à situação prática que lhe deu origem, de forma que toda informação se apoiará unicamente nos elementos próprios da escrita. Tal grau de abstração determina o desenvolvimento correspondente das funções mentais superiores.

Em decorrência desse princípio, pode-se afirmar que privar o homem da pos-sibilidade de domínio da língua escrita implica subtrair-lhe a condição plena de interação sociocultural que lhe permite o acesso ao acervo de experiências (co-nhecimentos) codificadas em língua escrita. Por conseguinte, implica também restringir as condições necessárias para o desenvolvimento das formas de pen-samento mais elevadas, compatíveis com os níveis mais avançados de conheci-mento já produzidos pela sociedade.

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Alfabetização e Letramento

Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem

(ENGELS, 2004)

O trabalho é a fonte de toda a riqueza, afirmam os economistas. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem. Há muitas centenas de milhares de anos, numa época ainda não estabelecida em definitivo, daquele período do desenvolvimento da Terra que os geólo-gos denominam terciário, provavelmente em fins desse período, vivia em algum lugar da zona tropical – talvez em um extenso continente hoje desa-parecido nas profundezas do oceano Índico – uma raça de macacos antropo-morfos extraordinariamente desenvolvida.

[…] É de supor que, como conseqüência direta de seu gênero de vida, devido ao uso das mãos, ao trepar, tinham que desempenhar funções distin-tas das dos pés, esses macacos foram-se acostumando a prescindir de suas mãos ao caminhar pelo chão e começaram a adotar cada vez mais uma posi-ção ereta. Foi o passo decisivo para a transição do macaco em homem.

[…] As funções, para as quais nossos antepassados foram adaptando pouco a pouco suas mãos durante milhares de anos em que se prolongam o período de transição do macaco em homem, só puderam ser, a princípio, funções sumamente simples.

[…] Antes de a primeira lasca de sílex ter sido transformada em machado pela mão do homem, deve ter transcorrido um período; e tempo tão largo que, em comparação com ele, o período histórico por nós conhecido torna-se insignificante. Mas havia sido dado o passo decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais destreza e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por herança e aumentava de geração em geração.

Texto complementar

A produção social da linguagem oral e escrita

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Vemos, pois, que a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também pro-duto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a novas e novas fun-ções, pela transmissão hereditária do aperfeiçoamento especial mais amplo, também pelos ossos; unicamente pela aplicação sempre renovada dessas habilidades transmitidas a funções novas e cada vez mais complexas foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que pode dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, às estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini.

[…] Como já dissemos, nossos antepassados simiescos eram animais que viviam em manadas; evidentemente, não é possível buscar a origem do homem, o mais social dos animais, em antepassados imediatos que não vi-vessem congregados. Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a na-tureza que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjun-ta para cada indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chega-ram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca apren-diam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro.

Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi-se trans-formando gradualmente em cérebro humano – que, apesar de toda sua seme-lhança, supera-o consideravelmente em tamanho e perfeição. E à medida que se desenvolvia o cérebro, desenvolviam-se também seus instrumentos mais imediatos: os órgãos dos sentidos. Da mesma maneira que o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado do correspondente aperfeiçoamento do órgão do ouvido, assim também o desenvolvimento geral do cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os órgãos dos sentidos.

O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, a crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de discernimento cada

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Alfabetização e Letramento

vez maiores, reagiram por sua vez sobre o trabalho e a palavra, estimulan-do mais e mais o seu desenvolvimento. Quando o homem se separa defi-nitivamente do macaco, esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado sentido por um elemento novo que surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade.

Atividades Agora que você já estudou esta unidade, reflita sobre a concepção social da

produção da linguagem e elabore uma síntese dos conceitos que a funda-mentam. Você pode encontrar o texto completo de Friederich Engels na in-ternet e fazer uma leitura com o objetivo de aprofundar sua reflexão.

A produção social da linguagem oral e escrita

29

Maria Auxiliadora CavazottiO processo inicial de apropriação da língua escrita assume, nos primei-

ros níveis de educação escolar, um papel fundamental ao instrumentalizar a criança para a inserção na cultura letrada. Além disso, cria as condições de operações mentais do aprendiz, que o capacitam à apreensão progres-siva dos conceitos mais elaborados, que resultam no desenvolvimento das formas sociais de produção de sua sociedade. Assim, a apropriação da língua escrita significa mais do que apreender um instrumento de comuni-cação: é sobretudo a possibilidade de construir estruturas de pensamento capazes de realizar abstrações necessárias à apreensão da realidade con-creta. Para iluminar essa importante questão, podemos recorrer à reflexão de Vygostsky acerca da relação entre aprendizado escolar e desenvolvi-mento, tomando como paradigma a aquisição da linguagem:

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.Desse ponto de vista, o aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendiza-do adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movi-mento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizada e especifica-mente humanas. (VYGOTSKY, 2002, p. 117-118)

Pode-se concluir, portanto, que a formação e o desenvolvimento das funções e faculdades psíquicas superiores ocorrem sob a forma de apro-priação do conteúdo da experiência humana, generalizado e fixado nos produtos materiais das atividades realizadas ou em categorias conceitu-ais sob a forma verbal. Ao interagir com o mundo objetivo, já não mais natural, mas transformado e marcado pela atividade humana, a criança se apropria, pela mediação dos adultos que a cercam, dessas categorias conceituais que organizam e explicam o mundo humanizado.

A relação entre aprendizagem da língua escrita e desenvolvimento do pensamento

32

Alfabetização e Letramento

Processo inicial de aquisição da escritaEm decorrência da concepção de conhecimento, de linguagem e de aprendiza-

gem explicitadas, ressalta-se que o objeto do processo de alfabetização é a própria língua portuguesa, em razão do que se toma como elemento norteador do ensi-no-aprendizagem o texto oral e escrito, enquanto unidade de sentido da língua.

É importante lembrar, já de início, que o texto não é mero pretexto para apre-sentação da palavra-chave ou de famílias silábicas, letras e fonemas, mas trata-se de um contexto de interação no qual os elementos textuais (palavras, sílabas etc.), que portam relações entre si, revestem-se de sentido. Para tanto, é preciso que o texto tenha significado para a criança, que configure um momento real de uso da linguagem. Além disso, a apresentação do texto para a criança deverá ser feita de forma a garantir sua compreensão global. Somente quando o aluno tem essa compreensão torna-se possível destacar frases e palavras – então saturadas de sentido – para a sistematização do domínio da leitura e da escrita. Assim, é por intermédio de palavras reconhecidas no texto que se iniciará o estudo das relações que organizam o sistema gráfico.

Essa perspectiva do processo de alfabetização exige que se explicite ainda o papel do professor, definindo-se qual a sua interferência possível e necessária no processo. Como vimos, a apropriação do conhecimento socialmente produzido se efetiva por meio da interação da criança com os adultos mais experientes, ca-pazes de inserir a criança no universo dos objetos de conhecimento. Como nos ensina Vygotsky (2002, p. 11): “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”.

No caso da língua escrita, é importante a participação decisiva do professor no processo pedagógico enquanto alguém que domina esse objeto de conheci-mento e pode estabelecer a mediação necessária entre a criança e ele.

É preciso considerar, ainda, que o processo de aquisição da escrita já teve início para as crianças muito antes de sua entrada na escola. Assim, muitas delas desde cedo estão em contato com a escrita pela interação com pessoas que lêem e escrevem e pela manipulação de material escrito. Assim, se por um lado é rele-vante evidenciar que a criança interage sobre esse objeto de conhecimento, ela-borando hipóteses, estabelecendo relações, por outro lado é necessário ressaltar que não basta proporcionar à criança contato com o material escrito para que ela desenvolva naturalmente um processo de conhecimento da língua escrita.

A relação entre aprendizagem da língua escrita e desenvolvimento do pensamento

33

Como já vimos, a produção da linguagem, quer oral, quer escrita, não é um processo natural, mas resultado de um lento esforço de produção dos homens. Da mesma forma, sua apropriação também não é natural ou espontânea: exige a inserção do aluno nessa realidade histórico-cultural pela mediação do professor capaz de desenvolver um processo pedagógico que comporta encaminhamen-tos metodológicos bem-definidos.

Texto complementar

Zona de desenvolvimento proximal: uma nova abordagem

(VYGOTSKY, 2002)

Um fato empiricamente estabelecido e bem conhecido é que o aprendiza-do deve ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança. Por exemplo, afirma que seria bom que se iniciasse o ensino da leitura, escrita e aritmética numa faixa etária específica. Só recentemente, entretanto, tem-se atentado para o fato de que não podemos limitar-nos meramente à determinação de níveis de desenvolvimento se o que quere-mos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. Temos que determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento.

O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se esta-beleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já comple-tados. Quando determinamos a idade mental de uma criança usando testes, estamos quase sempre tratando do nível de desenvolvimento real.

[…] Quando se demonstrou que a capacidade de crianças com iguais níveis de desenvolvimento mental, para aprender sob a orientação de um professor, variava enormemente, tornou-se evidente que aquelas crianças não tinham a mesma idade mental e que o curso subseqüente de seu apren-dizado seria, obviamente, diferente. Essa diferença entre doze ou entre nove e oito (anos), é o que chamamos a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar

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Alfabetização e Letramento

Atividades Faça uma leitura do livro de Vygotsky e elabore um resumo, destacando

os conceitos do autor que fundamentam a relação entre a aprendizado da criança e o seu pensamento. Lembre-se de que se trata de leitura indispen-sável para o professor alfabetizador.

através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

[…] Em crianças normais, o aprendizado orientado para os níveis de de-senvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do de-senvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao contrário, ao invés disso, vai a rebo-que desse processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento.

[…] Resumindo, o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção de que os processos de desenvolvimento não coincidem com o processo de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta seqüenciação resul-tam, então, as zonas de desenvolvimento proximal. Nossa análise modifica a visão tradicional, segundo a qual, no momento em que a criança assimila o significado de uma palavra, ou domina uma operação tal como a adição ou a linguagem escrita, seus processos de desenvolvimento estão basicamente completos. Na verdade, eles apenas começaram. A maior conseqüência de se analisar o processo educacional desta maneira é mostrar que, por exem-plo, o domínio inicial das quatro operações aritméticas fornece a base para o desenvolvimento subseqüente de vários processos internos altamente com-plexos no pensamento da criança.

A relação entre aprendizagem da língua escrita e desenvolvimento do pensamento

35

Maria Auxiliadora CavazottiConceber a escrita em uma perspectiva social implica, como vimos,

entendê-la como produção humana e compreender a forma que ela assume sob determinada organização social e quais funções cumpre. Por essa razão, o ensino da língua escrita – nem mesmo no período inicial de sua aprendizagem, que chamamos de alfabetização – se reduz ao mero domínio do código, pois este é apenas um instrumento de realização de determinadas funções, e como tal não esgota todas as possibilidades so-ciais da escrita.

No ensino dito tradicional, a concepção de alfabetização está orienta-da pelo princípio de que o aprendiz pode ser considerado alfabetizado quando reconhece o alfabeto, escreve o nome ou é capaz de “ler e escre-ver textos simples”.

A prática pedagógica decorrente dessa concepção limita-se, portanto, ao ensino dos elementos básicos do código. Nesse sentido, a alfabetiza-ção se reduz ao reconhecimento das letras e do seu valor fonético, o que permite, e até obriga, a partição da linguagem em seus elementos mate-riais mais simples: sílabas, letras e fonemas.

Entretanto, atualmente, há um consenso quanto à superação desse conceito limitado e só se considera alfabetizado quem é capaz de utilizar a escrita conforme sua vontade e necessidade, tanto veiculando seu pró-prio discurso quanto interpretando o discurso escrito de outrem, inclusive identificando sua intencionalidade. Dessa concepção decorrem exigên-cias pedagógicas não consideradas pelos ditos métodos tradicionais de alfabetização, os quais se centravam exclusivamente no domínio básico do código.

Textualidade, código e meios de produção da escrita

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Alfabetização e Letramento

Crítica aos métodos tradicionais de alfabetizaçãoFazem parte da concepção tradicional de alfabetização – que se configura

pelo uso da cartilha como sistematizadora dos procedimentos selecionados – os métodos orientados, basicamente, pelo princípio do processo ou de síntese ou de análise para chegar à codificação/decodificação dos elementos da escrita.

No primeiro grupo, situam-se os métodos fônicos e silábicos, conhecidos como sintéticos precisamente porque partem das menores unidades da língua.

O outro conjunto, o dos métodos analíticos, pretende superar os problemas que se verificam na aprendizagem por métodos sintéticos e inicia o processo de alfabetização pela palavra ou pela frase ou até mesmo por uma história. Nesse caso, apresenta às crianças uma palavra-chave, que pode ser escolhida aleatoria-mente ou retirada de uma frase ou história, e estudam-se as sílabas e letras que a compõem.

A crítica aos procedimentos do método analítico cabe, em primeiro lugar, ao fato de que o texto é tomado como mero pretexto para a apresentação da palavra-chave – ainda que significativa para a criança – na tentativa de motiva-ção para seu estudo, em detrimento do texto concebido como uma unidade de sentido. Por outro lado, supõe-se que a criança está alfabetizada quando conhe-ce o conjunto de famílias silábicas. É preciso assinalar, por fim, o fato de que é comum, ainda, a utilização de ambos os procedimentos, sintético e analítico, na prática pedagógica denominada método misto.

Embora, à primeira vista, os procedimentos sintéticos e analíticos de alfabe-tização pareçam radicalmente opostos, tais métodos têm em comum o privile-giamento do domínio do sistema gráfico em detrimento do conteúdo discursi-vo que se materializa nesse sistema. Por essa razão, elimina-se a dimensão mais importante da língua escrita: sua significação construída na produção social e histórica da vida dos homens e reconstruída no processo de interação verbal entre seus falantes.

Ora, a palavra só suscita significação quando é portadora da síntese das ex-periências acumuladas pelas gerações anteriores de que o falante se apropria e reconstrói num novo contexto significativo. Ao reconstruir a significação da palavra no contexto do texto, o falante recupera a rede semântica que carac-teriza e qualifica o objeto e explicita as possíveis relações em que ele se insere. Assim, por exemplo, ao dizer açucareiro, o falante estará embutindo em uma palavra toda uma série de conceitos que se formaram ao longo da história dos

Textualidade, código e meios de produção da escrita

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homens. No caso, açucareiro designa, por generalização, uma série de objetos; indica, ainda, que o objeto se relaciona com uma substância – o açúcar; informa sobre seu caráter instrumental – serve para – e insere o objeto na categoria de continente – contém algo.

Por outro lado, se a palavra é tomada, no contexto do texto, em uma significa-ção não apenas literal, mais rica ainda é a rede semântica que o falante constrói. Nesse caso, além da representação construída, ele a reconstrói, inserindo-a em outra rede de significação. Ou seja, lança mão de duas representações semânti-cas distintas e estabelece entre elas relações analógicas possíveis. A expressão “cada macaco no seu galho” é um bom exemplo dessa construção verbal, pois estabelece uma elaborada rede de relações conceituais, que contém, ao mesmo tempo, a significação literal das palavras macaco, galho, cada e a significação de duas situações distintas: “um macaco em cada galho”. Essa última formulação contém o sentido de respeito pelo espaço do outro; do profissional na função que lhe é própria e respeitando a área do outro. Enfim, a analogia une as duas situações na formulação do resultado desastroso da invasão do espaço alheio. Ora, esse conjunto de significações somente é possível de ser elaborado no texto. A palavra isolada, embora síntese de uma rica rede semântica, é portadora dos limites da literalidade, sem que possa realizar o movimento relacional mais amplo (KLEIN, SCHAFASCHEK, 1990, p. 37).

Nessa perspectiva, se a palavra isolada não garante a apropriação das possi-bilidades amplas de significação, o que dizer, então, da sílaba e da letra? Efetiva-mente, se a língua é significação, cuja representação se materializa nos sons e nas letras, o que é relevante na alfabetização é a apropriação do código escrito enquanto veículo de significação. Dessa forma, desloca-se a ênfase do aspecto material gráfico-sonoro da língua para a constituição de sentido, para a dimen-são argumentativa da linguagem, para o processo de interação verbal. Nesse caso, a alfabetização supera a redução ao mero domínio do código e se configura como um processo de aquisição de uma forma particular de linguagem, dotada de significação. Essa concepção se fundamenta no princípio de que, em lugar de um todo uniforme e acabado, regulado por regras fixas, a língua é o próprio processo dinâmico de interação verbal, oral ou escrito, no qual interlocutores instituem o sentido do discurso. Assim, analisar a palavra plena de significado requer apreendê-la enquanto interlocução, no processo de interação verbal que se institui no contexto mais amplo do texto.

Esses fundamentos permitem afirmar que o processo de alfabetização não pode limitar-se ao reconhecimento dos elementos materiais da escrita, centran-

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Alfabetização e Letramento

do-se, assim, no domínio do código escrito, embora este constitua um dos eixos importantes do processo. Impõe-se, pelo contrário, tomar a própria língua como objeto do processo de alfabetização. Para tanto, o elemento norteador dos pro-cedimentos alfabetizadores é o próprio texto oral e escrito, enquanto unidade de sentido da língua, no interior do qual a palavra, a sílaba e a letra ganham seu contexto.

A prática pedagógica do ensino da língua escrita que articula textualidade, código e meios de produção da escrita

A reflexão anteriormente desenvolvida aponta para a questão de que o ensino centrado na cartilha é limitador porque exclui do ensino da língua escrita o estudo das relações textuais. O esforço de superação dessa lacuna, incorporan-do tais conteúdos à prática pedagógica da alfabetização e enfatizando o trabalho com o texto como eixo norteador do processo, significou considerável avanço.

Entretanto, o embate entre as limitações do ensino centrado na cartilha e as propostas de trabalho com o texto abriram um novo flanco de equívocos no processo de alfabetização. Com a preocupação de suplantar o ensino da cartilha, muitas propostas de alfabetização passaram a enfatizar as questões da gramáti-ca textual, secundarizando as atividades de codificação/decodificação. Trata-se de outra tendência reducionista, pois, ao incorporar os conteúdos da discursi-vidade, secundarizaram-se os recursos e princípios articuladores do código da escrita, chegando-se, até mesmo, a abandoná-los, deixando-se que o aluno “os descubra” por si mesmo.

Essa é uma visão problemática porque o código constitui, efetivamente, um aspecto fundamental da escrita. Assim, nem cabe reduzir o ensino da escrita ao domínio básico do código, limitando as condições de produção do texto; nem comporta eliminar as atividades de codificação/decodificação, pois também são elementos necessários à produção textual.

A tentativa de eliminar essas atividades revela uma compreensão que des-considera a especificidade da alfabetização, vendo-a como um processo absolu-

Textualidade, código e meios de produção da escrita

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tamente indistinto de outros momentos de aprendizado da escrita. Se, por um lado, o aprendizado da escrita no chamado período de alfabetização contém ele-mentos comuns ao processo genérico de aprendizagem da língua escrita – so-bretudo no que diz respeito aos conteúdos da textualidade –, por outro, o domí-nio dos princípios gerais da codificação/decodificação requerem, neste período, procedimentos especiais, configurando uma especificidade da alfabetização.

Desse modo, a alfabetização, enquanto momento inicial do domínio da es-crita, caracteriza-se por desenvolver simultaneamente os conteúdos relativos à textualidade e os conteúdos pertinentes à codificação/decodificação. Nesse sentido, incorpora à sua prática pedagógica os conteúdos gerais da gramáti-ca textual (coesão, coerência, unidade temática, clareza, concordância, entre outros) e, também, os conteúdos básicos do código da escrita alfabética (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, segmentação etc.). No que se refere ao código, cabe enfatizar que a alfabetização requer estratégias específicas para seu ensino, propondo atividades de sistematização que desenvolvam conteú-dos relativos aos recursos do código e seus princípios organizadores.

Podemos concluir reafirmando a necessidade de superar as concepções re-ducionistas que limitam a alfabetização apenas ao domínio do código ou que, ao contrário, desconsideram a necessidade de procedimentos de sistematização para esse domínio. Assim, pode-se afirmar a compreensão de que a alfabetiza-ção constitui um momento do ensino-aprendizagem da língua escrita em que ambos os campos de conteúdo necessitam de desenvolvimento sistematizado, norteado por um objetivo mais amplo que é a compreensão das funções sociais do texto escrito.

O ensino da língua escrita, em qualquer nível, também no período da alfabe-tização, tem por objetivo produzir um leitor/escritor competente – portanto, res-saltando-se que os recursos discursivos podem ser aprimorados indefinidamen-te, e que os conteúdos que deles derivam devem ser abordados desde o início da alfabetização, embora se estendam ao longo de toda a formação escolar do aluno na Educação Básica. Por outro lado, a aquisição básica do código configura um rol de conhecimentos cujo domínio tem lugar no início do ensino-aprendi-zagem da língua escrita, que chamamos de alfabetização, contendo, portanto, determinado grau de especificidade, mas que não se distingue, de modo abso-luto, do processo geral de aprendizado da escrita.

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Alfabetização e Letramento

Texto complementar

A respeito de alguns fatos do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita pelas

crianças na alfabetização(CAGLIARI, 1998, p. 65-69)

Alunos que são submetidos a um processo de alfabetização, seguindo o método das cartilhas (com livro ou não), são alunos que são expostos ex-clusivamente ao processo de ensino. O método ensina tudo, passo a passo, numa ordem hierarquicamente estabelecida, do mais fácil para o mais difícil. O aluno, seja ele quem for, parte de um ponto inicial zero, igual para todos, e vai progredindo através dos elementos já dominados, de maneira lógica e ordenada. A todo instante, são feitos testes de avaliação (ditados, exercícios estruturais, leitura perante à classe), para que o professor avalie se o aluno “acompanha” ou se ficou para trás. Neste último caso, tudo é repetido de novo, para ver se o aluno, desta vez, aprende. Se ainda assim não aprender, repete-se mais uma vez, remanejam-se os alunos atrasados para uma classe especial, para não atrapalharem os que progrediram, até que o aluno, à força de ficar reprovado, desista de estudar, julgando-se incapaz. E a escola lamen-ta a chance que a criança teve e não soube aproveitar (sic!).

O método das cartilhas não leva em consideração o processo da apren-dizagem. Quando diz que faz a verificação da aprendizagem através de dita-dos, provas etc., na verdade não está verificando se o aluno aprendeu ou não, mas se o aluno sabe responder ao que se pergunta, reproduzir um modelo que lhe foi apresentado, demonstrar que o professor ensinou direito. O que se passa na mente do aluno, as razões pelas quais ele faz ou deixa de fazer algo são coisas que o método não permite que o aluno manifeste.

Um bom trabalho de alfabetização precisa levar em conta o processo de ensino e de aprendizagem de maneira equilibrada e adequada. O pro-fessor tem uma tarefa a realizar em sala de aula e não pode ser um mero espectador do que faz o aluno ou simples facilitador do processo de apren-

Textualidade, código e meios de produção da escrita

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dizagem, apenas passando tarefas. Cabe a ele ensinar também e, assim, ajudar cada aluno a dar um passo adiante e progredir na construção de seus conhecimentos.

Com as novas idéias do construtivismo, alguns professores têm levado os trabalhos da alfabetização para o extremo oposto ao das cartilhas, também com graves conseqüências para alguns alunos. É o caso absurdo do professor que pretende tirar todos os conhecimentos a partir do aluno e, para tanto, acha que sua tarefa não é a de ensinar, mas, apenas, a de promover situações para o aluno fazer algo. Tudo o que o aluno faz é valorizado – mesmo que se constate que ele começa a andar em círculos e não consegue ir além do que faz – na esperança de que, um dia, ele descubra a solução de seu problema. Isto pode demorar demais e o aluno pode se ver ridicularizado pelos seus colegas, perturbado pelos pais, quando não acontece, para sua grande sur-presa, um convite por parte da escola para ele se retirar ou ir para uma “classe de alunos de seu nível”. Muitos eufemismos e hipocrisias.

No extremo, por exemplo, algumas classes, estudando algo escrito, se pa-recem com um grupo de pessoas completamente desnorteadas diante do sistema de escrita; como turistas curiosos vendo peças de um museu: todos dão palpites e não se constrói nada. A escola tem de ser diferente: como o professor conhece o sistema de escrita que usamos (e alguns alunos conhe-cem alguns de seus aspectos), a escola deve dispor desses conhecimentos para ajudar quem não sabe. Não é só o professor que é um mediador entre uma atividade e um aluno que aprende, mas os próprios alunos podem ser mediadores uns dos outros, quando trabalham juntos e compartilham conhecimentos.

Deixar o aluno construir seus conhecimentos é fundamental como ativi-dade própria do aluno. Ensiná-lo, ajudá-lo a progredir é também fundamen-tal como atividade do professor que dá a razão de ser de uma escola. Se for apenas para constatar o que cada um faz na vida, não é preciso escola.

Atividades1. Faça uma pesquisa nas escolas, no órgão local da Secretaria de Educação e

junto a professores, buscando recuperar informações sobre os métodos de alfabetização:

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Alfabetização e Letramento

métodos de marcha sintética; �

métodos de marcha analítica; �

métodos fônicos ou silábicos; �

métodos globais; �

métodos mistos; �

métodos autodenominados construtivistas. �

2. Organize as informações, sistematizando dados como nome do método, nome do seu criador ou inspirador, material didático utilizado, cartilha ou livro didático em que se apóia, fundamentos que proclama, e ainda outras carac-terísticas que achar relevantes. Não se esqueça de classificá-lo nos conjuntos de métodos assinalados acima, evidenciando suas diferenças e semelhanças. Se for necessário, crie outras classificações, desde que fundamentadas.

Textualidade, código e meios de produção da escrita

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Maria Auxiliadora CavazottiAfirmar que o processo de alfabetização é centrado no trabalho con-

junto com o texto e o estudo do código implica a compreensão de alguns pressupostos relativos ao ensino da língua escrita, em razão de que esses princípios norteiam as quatro práticas pedagógicas da alfabetização, a saber: leitura e interpretação; produção de textos orais e escritos; análise lingüística; sistematização do código.

O trabalho permanente com textos, baseado nas quatro práticas articula-das acima citadas, permite que em cada nova situação discursiva se repitam os fundamentos da língua escrita, explicitando o sentido de cada um de seus recursos. Dessa forma, o aluno passa a ter reiteradas oportunidades de rever o mesmo conteúdo, sob enfoques diferentes, num processo gradativo, mas não fragmentado. Por outro lado, a compreensão gradativa dos fundamen-tos da língua permite uma avaliação processual em que o que conta são os fundamentos de que o aluno se apropriou e não os erros que cometeu.

Vamos ler o que nos diz Klein (2003, p. 34-38) sobre a leitura e a alfabetização.

As quatro práticas da alfabetização

Leitura e interpretação A leitura deverá contemplar uma tipologia variada de textos: in-

formativos, narrativos, narrativo-descritivos, normativos, dissertati-vos, de correspondência, textos argumentativos, literários, em prosa e em verso, textos lúdicos, textos didáticos, textos publicitários, entre outros, buscando promover o conhecimento da função social e dos mecanismos constitutivos de cada tipo.

A quantidade das práticas de leitura e a qualidade dos textos ofere-cidos aos alunos constituem regra básica do ensino da língua escrita. Entretanto, é necessário observar duas situações diferentes para essa prática: leituras de pura fruição, sem a intervenção do professor, e leitu-

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Alfabetização e Letramento

ras com intervenção pedagógica. No primeiro caso, é importante que o pro-fessor disponibilize para a classe várias opções de textos (livros de história, poesia, crônica, livros informativos, jornais e revistas, história em quadrinhos), promova um clima agradável e incentive os alunos à exploração desses textos sem, no entanto, fazer qualquer tipo de cobrança sobre a leitura realizada. Desta forma, pretende-se produzir intimidade com o material escrito e des-pertar o gosto pela leitura. No outro caso, a leitura é estratégia para ensino-aprendizagem; por esta razão, a escolha do texto estará minimamente deter-minada pelos conteúdos que o professor deseja sistematizar, seja enquanto leitura oral, seja enquanto interpretação, ou ainda como referência para o estudo dos conteúdos relativos ao gráfico ou às relações textuais.

Nos momentos iniciais do processo de alfabetização, a leitura será feita, pelo professor, para os alunos. À medida que estes forem dominando a deco-dificação, o professor irá transferindo-lhes progressivamente esta atividade, até que eles tenham condições de realizá-la autonomamente. Nas atividades de leitura, o professor trabalhará aspectos da função social do texto, sua in-terpretação, análise lingüística e decodificação.

Nas atividades de interpretação, é fundamental superar o nível superfi-cial que se caracteriza pela simples localização de informações ou reconhe-cimento do “enredo” e proceder à explicitação do tema propriamente dito, do conteúdo das entrelinhas, das posições e intenções do autor, bem como desmontar e desenvolver a crítica aos conteúdos ideológicos porventura presentes no texto. Em outras palavras, é necessário extrair do texto todas as conseqüências possíveis.

Produção de textosA produção de textos pode envolver desde a simples denominação de

elementos do desenho do próprio aluno, até relatos que supõe textos nar-rativos e narrativos-descritivos, textos informativos, de correspondência etc., até textos dissertativos. A composição poderá ser individual ou coletiva. No início do processo de alfabetização – quando os alunos ainda não dominam minimamente a escrita – o texto será produzido oralmente pelos alunos e transposto para escrita pelo professor. Progressivamente o professor vai transferindo essa atividade para os alunos, à medida que eles vão evoluindo nas suas tentativas de escrita.

As quatro práticas da alfabetização

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Análise lingüísticaA análise lingüística é uma atividade paralela às atividades de Leitura e

Produção de Textos. Essa prática objetiva apreender os mecanismos de cons-tituição de sentido do texto, tais como, concordância, regência, organização, ambigüidade, clareza, argumentação, entre outros. A atividade de reescrita do texto é a forma mais fecunda de desenvolver a análise lingüística, uma vez que apreende contextualmente esses mecanismos.

Sistematização para o domínio do códigoEsta prática, específica do processo de alfabetização, tem sido atualmen-

te ignorada por muitos professores, retardando ou até mesmo invibializando a aquisição da escrita. No entusiasmo da crítica aos métodos de cartilha, que se sustentavam na memorização de famílias silábicas e que ignoravam com-pletamente os elementos textuais, tais como coesão e coerência, acabou-se por ignorar ou até mesmo proibir intencionalmente qualquer trabalho espe-cífico com as letras, com as sílabas e, sobretudo, com as malfadadas famílias silábicas. Assim, se a alfabetização não pode estar assentada na monótona repetição das famílias silábicas segundo a proposição das cartilhas, também não é possível realizá-la sem uma abordagem das letras e sílabas que são afinal, o conteúdo gráfico, juntamente com os sinais diacríticos.

Evidentemente as práticas anteriormente descritas: leitura, produção de texto e análise lingüística contribuem para a aquisição do gráfico. Não são, entretanto, suficientes. É necessário que o professor desenvolva atividades específicas que auxiliem os alunos a compreenderem as relações entre letras e fonemas: percebendo a existência de relações permanentes, cruzadas e arbitrárias; identificando as letras e seus diferentes valores fonéticos, reco-nhecendo a exigência de uma única forma de grafia para uma dada palavra, não obstante a variedade de letras que possam representar alguns de seus fonemas etc.

Para tanto, propõe-se que, partindo de uma palavra já identificada num texto trabalhado, se desenvolvam atividades variadas de comparação gráfi-co-fonética com outras palavras, bem como atividades de identificação de outros vocábulos por meio de decomposição e de combinação, por exem-plo, para domínio dos padrões silábicos. Os jogos são a forma mais inte-ressante de desenvolvimento dessas atividades, que tem a finalidade de

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Alfabetização e Letramento

Atividades Questione alguns professores alfabetizadores a respeito das práticas de alfa-

betização acima explicitadas. Com apoio no estudo desta unidade, elabore um texto desenvolvendo uma análise crítica das respostas obtidas.

promover a repetição necessária à consolidação do aprendizado, de forma lúdica e que enseje o esforço de manter o interesse e a atenção necessários ao aprendizado.

As quatro práticas da alfabetização

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Maria Auxiliadora CavazottiA proposta de alfabetização pressupõe o desenvolvimento da prática

de leitura como forma de produção de sentido, por meio da interação do leitor ativo com o texto. Ler, portanto, é dialogar com o texto, estabelecen-do interlocução significativa, ou seja, não apenas decodificação de letras.

As crianças pequenas, que ainda não sabem ler a língua escrita, mantêm contato com material gráfico presente no ambiente cotidiano onde vivem – pinturas, sinais e propagandas – e se apropriam de seu significado, ainda que de forma limitada. Também manuseiam textos que circulam em seu meio, e são capazes de antecipar o sentido que eles contêm a partir das ilus-trações que o acompanham. Dessa forma, embora não realizem plenamen-te a leitura, estabelecem interação com alguns elementos do texto escrito.

A leitura é uma relação de diálogo que se estabelece entre o leitor e o texto, mas, efetivamente, a produção de sentido não constitui livre interpretação, sendo qualquer afirmação aceitável. Daí a importância da prática pedagógica capaz de produzir, progressivamente, um leitor capaz de perceber a riqueza de possibilidades e os limite de interpretação do texto. A sistematização da leitura, na escola, tem o objetivo de possibilitar a interação da criança com os mais diversos textos em situações significativas e diferenciadas, secundando essas interações com as reflexões necessárias sobre a língua escrita. Por isso, quanto à interpretação, os alunos serão incentivados a assumir uma postura crítica na leitura, realizando um estudo aprofundado do texto.

A leitura de um texto não é mera decodificação de sinais gráficos, mas a busca de significações marcadas pelo processo de produção do texto e também pela produção da leitura. Por essa razão, o professor precisa ter clareza sobre a função dos textos com os quais trabalha com os alunos e verificar, inclusive, em que contexto eles podem ou não ser alvo de inter-pretação crítica. Assim, desde o início da alfabetização, o professor incen-tiva as crianças a lerem criticamente, a fim de apreenderem a realidade humana na qual estão inseridas. Deve ser explicado a elas que a leitura é muito importante porque nos possibilita pensar sobre a sociedade em

Leitura e interpretação

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Alfabetização e Letramento

que vivemos e sobre as condições de vida dos homens dessa sociedade. Trata-se, pois, de um diálogo que envolve por que lemos, para quê, e como lemos.

A prática pedagógica da leitura e interpretação Ler é uma prática de natureza social, ou seja, é um processo de interação verbal

entre pessoas que estão determinadas pelas relações sociais de seu tempo: seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros. Desse modo, é importante que a criança seja levada a posicionar-se criticamente diante do texto, ou seja, que aprenda a efetuar uma análise desse texto para perceber a intenção do autor e suas idéias, bem como sua inserção na sociedade que lhe é contemporânea. A leitura, nessa perspectiva, desenvolve-se nas formas abaixo.

Estudo do texto, procurando, por meio da interpretação, fazer uma leitura �crítica, ou seja, uma análise do texto, que ensejará, inclusive, a possibilida-de de outras leituras, bem como a produção de textos.

Fruição, quando o aluno seleciona livremente a leitura que deseja fazer, sem a �intervenção do professor, e lê pelo prazer que isso lhe proporciona.

Busca de informação em textos que contenham instruções, notícias, co- �municações, como folhetos informativos sobre saúde, meio ambiente e outros assuntos de interesse; verbetes de dicionário e de enciclopédia; textos didáticos etc. Trata-se de uma leitura de busca de informação es-clarecedora ou prática, que possa atender a uma necessidade de conheci-mento imediato por parte do leitor.

Na leitura de textos informativos, o aluno deve ser levado a perceber as ideias do texto, bem como as relações ou contradições que existem entre elas. Além disso, é importante apreender a intencionalidade do autor e os argumentos de que se vale para buscar convencer o leitor.

Os textos literários, por sua vez, têm papel fundamental na alfabetização, princi-palmente os poéticos, que, pela sonoridade e a musicalidade do ritmo e da rima, têm finalidade de fruição, facilitando de forma lúdica a compreensão da relação existente entre oralidade e escrita. Convém ressaltar que o texto literário comporta possibili-dades de muitas interpretações de acordo com a sensibilidade, a cultura e a visão de mundo do leitor. Entretanto, o professor deve orientar os alunos quanto aos limites

Leitura e interpretação

55

da interpretação, no sentido de proporem idéias pertinentes ao texto do autor. Essa característica do texto literário torna muito rica as atividades de interpretação, mas, por outro lado, a avaliação da sua leitura e interpretação não obedece aos mesmos critérios do texto informativo ou científico. A leitura dos textos literários, pela experi-ência prazerosa que proporciona e pela importância que tem na formação do gosto e da prática de leitura, deve ser constante no trabalho pedagógico.

Seleção dos textos de leituraDos fundamentos explicitados até aqui, é possível depreender que a prática

de leitura na alfabetização implica seleção criteriosa e variada de textos a serem trabalhados em sala de aula. A boa qualidade dos textos, quer na forma, quer no conteúdo, é preocupação do professor que os escolhe.

Um primeiro critério norteador é que as crianças devem ler, na escola, os mesmos tipos de textos que circulam no cotidiano das pessoas: rótulos, avisos, listas, cartazes publicitários, receitas, manuais, agendas, bilhetes informais, pos-tais, convites, cartas, correspondência comercial, notícias da imprensa, entre outros.

Também devem ser trabalhadas, na sala de aula, as linguagens jornalística, televisiva e cinematográfica, uma vez que elas constituem uma diversidade de linguagens muito presente na sociedade contemporânea. No entanto, é perti-nente mostrar ao aluno como elas se relacionam entre si e com o contexto no qual se originam e são veiculadas.

É fundamental ainda, na alfabetização, desenvolver leituras utilizando textos que são, segundo a tradição cultural, próprios do universo infantil, tais como as cantigas de roda; as parlendas (rimas) usadas para escolher a vez no jogo, os trava-línguas (composição de recitação difícil, por ser composta por palavras repetidas), as poesias, as narrativas como as lendas, as fábulas, os contos, os contos de fadas; as crônicas e as histórias da literatura infantil. Da literatura, de modo geral, não deixar de inserir outros gêneros como textos teatrais, humorísticos, satíricos, diários de viagem e folhetos de cordel.

Convém lembrar, por fim, que os objetivos a serem alcançados determinam o tipo de texto a ser escolhido.

56

Alfabetização e Letramento

Relação de conteúdosConteúdos mais específicos da leitura e produção escrita

Reconhecimento de idéias contidas em alguns símbolos usuais.

Criação de símbolos em contextos diversos, com compreensão de sua convencionalidade.

Utilização e interpretação de formas variadas de representação (mímica, dramatização, desenho etc.).

Compreensão da função do símbolo.

Interpretação de desenhos.

Uso do desenho para representar idéias: compreensão do desenho como uma forma de repre-sentação gráfica de imagens visuais.

Compreensão das funções da escrita.

Distinção entre os símbolos da escrita e outros grafismos (desenho, logotipo, número etc.).

Discriminação visual das letras:– distinção das letras; – traçado legível das letras;– reconhecimento das letras em caixa alta e cursiva; – reconhecimento de letras escritas em tipos diferentes.

Distinção entre letras e notações léxicas (acentos, til, trema, apóstrofo, cedilha, hífen).

Reconhecimento da direção convencional da escrita.

Reconhecimento da segmentação entre palavras no texto escrito.

Conteúdos mais específicos da interpretação de textos orais

Compreensão das idéias e argumentos de textos orais.

Análise da coerência e pertinência das idéias e argumentos de textos.

Análise crítica de idéias e argumentos.

Distinção entre informações, idéias e argumentos essenciais e acessórios nos discursos.

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p. 4

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Leitura e interpretação

57

Reprodução compreensiva e adequada das idéias veiculadas em discurso oral.

Identificação da temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identificação de incorreções lingüísticas em texto ouvido.

Identificação de inadequações de fluxo, de ritmo, de entonação

Identificação de inadequações lexicais.

Identificação de inadequações de ordenação lógica das idéias.

Conteúdos mais específicos da interpretação de textos escritos

Compreensão das idéias e argumentos do autor.

Análise da coerência e pertinência das idéias e argumentos do autor.

Análise crítica das idéias e argumentos do autor.

Distinção entre informações, idéias e argumentos essenciais e acessórios no discurso do autor.

Reprodução das idéias veiculadas no texto.

Identificação da temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identificação, no texto, de incorreções gráficas e lingüísticas.

Identificação, no texto, de inadequações lexicais.

Identificação, no texto, de inadequações de ordenação lógica das idéias.

Estudo de vocábulos desconhecidos.

Texto complementar

Fobias(VERISSIMO, 2003, p. 97-98)

Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhe-cidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo de espa-ços abertos), acrofobia (medo de alturas) e as menos conhecidas ailurofobia

58

Alfabetização e Letramento

(medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependên-cia patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí da cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se as torneiras tinham “frio” e “quente” escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica, ten-tando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.

Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acom-panhar uma noite de insônia: enredo fantástico, grandes personagens, ro-mance, o sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência – e uma men-sagem positiva. Recomendo Gênesis pelo ímpeto narrativo. O Cântico dos Cânticos pela poesia e Isaías e João pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.

Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.

— Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina…

— Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rota-riana, qualquer coisa.

— Infelizmente, não tenho nenhuma revista.

— Não é possível! O que você faz durante a noite? Uma esperança!

— Tricô!

— Com manual?

— Não.

Danação.

Leitura e interpretação

59

— Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.

— Bem… Tem uma carta da mamãe.

— Manda!

Atividade Pergunte aos alunos de diferentes séries e graus de ensino: o que gostam de

ler, por que gostam de ler e como aprenderam a gostar de ler. Com apoio no estudo desta unidade, elabore um texto desenvolvendo uma análise crítica das respostas obtidas.

Maria Auxiliadora CavazottiEscrever um texto significa ser movido pela intenção de comunicação

com um interlocutor real ou virtual. O objetivo que leva à elaboração do texto, assim como o interlocutor a quem ele é dirigido, definem a escolha do tipo de texto e da linguagem mais adequada, das informações e dos argumentos – enfim, estruturam o conteúdo e a forma do texto.

Os teóricos da educação têm sido muito enfáticos em apontar com pro-priedade o vazio da escrita escolar quando propõem atividades apenas como mero exercício de escrever. Entretanto, é preciso considerar que é da natureza do processo pedagógico o desenvolvimento de atividades escolares que com-portam certo grau de artificialidade como recurso didático para incentivar o aluno ao aprendizado da escrita, como de outros objetos de conhecimento. É fundamental, entretanto, que esses artifícios se aproximem ao máximo das condições reais da experiência social vivida no cotidiano da vida das pessoas. Para tanto, o desenvolvimento da prática de produção de texto requer que se estabeleça, previamente, os elementos que o compõem: o interlocutor, o objetivo da interlocução, o assunto e a forma de veiculação do texto.

O texto oralAs crianças, mesmo as menores, quando chegam à escola, já

apresentam suficiente domínio da linguagem oral para produzirem textos, comunicarem-se e interagirem verbalmente com os outros. É claro que esse domínio da capacidade de uso da linguagem oral varia conforme as experiências anteriores de cada criança. De qualquer forma, são falantes de sua língua nativa e cabe ao trabalho escolar levar em consideração as diferentes formas de expressão que trazem de sua comunidade. Entretanto, não se pode perder de vista que o domínio da língua portuguesa requer que o ensino escolar ofereça ao aluno a possibilidade de aquisição da linguagem-padrão também na oralidade. Vale lembrar que tal objetivo pode ser alcançado mantendo-se respeito pelos valores culturais da comunidade da qual o aluno é oriundo. A incorporação de expressões,

Produção de textos

62

Alfabetização e Letramento

pronúncias e construções alheias à sua variedade dialetal podem se processar de forma não agressiva, pelo contato reiterado do aluno com a variedade padrão.

As situações de comunicação diferenciam-se em função do grau de forma-lidade ou de informalidade exigida, o que depende muito do assunto tratado, das relações entre os interlocutores e da intenção comunicativa. A maioria das crianças adquire a capacidade de uso da oralidade em contextos comunicati-vos informais, coloquiais, familiares. Essa experiência lingüística pode ser am-pliada na escola por meio de situações diversificadas de prática da oralidade como debates, conversas, relatos, recontos que proporcionam oportunidades de praticar formas de oralidade diferentes daquelas exercitadas no seu am-biente familiar. Assim, por meio de atividades de produção de textos orais, como comentários, discussões, apresentações etc., as possibilidades de ex-pressão oral se enriquecem, ampliando e aperfeiçoando o discurso, de modo a tornar o aluno um usuário competente da língua oral.

Isso pressupõe o ensino-aprendizagem do uso de diferentes recursos da linguagem oral, adequando-os às diversas situações, ao grau de formalidade necessária, aos objetivos pretendidos, ao interlocutor. Dessa forma, o aluno pode tornar-se um sujeito capaz de dotar sua fala de argumentos que dêem conta de estabelecer uma conversa, responder a uma entrevista, participar de um debate.

Nesse sentido, é preciso selecionar conteúdos e organizar estratégias adequa-das à composição oral, que pode ser individual ou coletiva.

Relação de conteúdos da produção oral

Conteúdos mais específicos da produção oral

Articulação correta dos fonemas.

Pronúncia correta das palavras conhecidas (eliminação de erros de ortoépia (ex: tó/cs/ico em vez de tó/s/ico; de prosódia (ex: rubrica em lugar de rúbrica) e de hiper-correção (ex: sorvete em lugar de solvete).

Emprego da entonação adequada à frase (interrogativa, afirmativa, exclamativa); emprego dos recursos de entonação para expressar sentimentos (ternura, zanga, medo).

Ritmo adequado do discurso oral (sem atropelo e sem lentidão cansativa): – fluxo adequado de oralidade, sem pausas desnecessárias.

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7-48

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Produção de textos

63

Vocabulário, domínio vocabular compatível:– observação do uso adequado dos termos no discurso oral;– ampliação do vocabulário por incorporação adequada de novos termos;– adequação do vocabulário aos objetivos do texto e ao interlocutor.

Clareza de idéias na exposição oral:– seqüência lógica;– objetividade na exposição oral;– capacidade de elaborar conclusões.

Riqueza de idéias:– acréscimo de detalhes e informações necessárias;– distinção entre informação e idéias essenciais e acessórias no discurso oral;– originalidade.

Argumentação:– desenvolvimento de argumentos com coerência e consistência.

Estilo:– eliminação de expressões viciosas (repetições, gírias, jargões, lugares-comuns, termos de baixo calão), salvo quando a narrativa assim o exigir;– emprego de figuras de linguagem como recurso de enriquecimento do texto oral.

Concordância verbal e nominal (de gênero e de número).

Conjugação verbal.

Modalidades de citação: discurso direto e indireto.

Prática da oralidade(KLEIN, 1996, p. 29-30)

Narrar falas em seqüência temporal e/ou casual. �

Fazer exposição oral com ajuda de perguntas feitas pelo professor. �

Descrever objetos que não se encontram na sala de aula. �

Descrever cenários e personagens de histórias lidas pelo professor. �

64

Alfabetização e Letramento

Realizar dramatizações de livros lidos pelo professor e de histórias �escritas coletivamente pelos alunos, com ajuda do professor.

Relatar de maneira clara e ordenada idéias, opiniões, sentimentos e �experiências manifestas.

Ouvir e reproduzir oralmente textos da tradição oral popular como �trava-línguas, quadrinhas, parlendas, adivinhações, canções, lendas e causos.

Produzir textos orais em situações de intercâmbio verbal, como �recados, instruções, saudações e diálogos, entrevistas, pesquisas, debates, diálogos com autoridades etc.

Ouvir e interpretar textos de rádio e televisão, como propagandas, �entrevistas e notícias.

Adequar a linguagem ao grau de formalidade requerida pela situ- �ação, como conversa com uma autoridade, solicitando a realização de um serviço; telefonema a um amigo, convidando-o para um passeio, ou a alguém, cumprimentando-o pelo aniversário; con-versa com o vendedor de estabelecimento comercial do bairro ou localidade em que vive.

Responder oralmente a problemas apresentados pelo professor. �

Dramatizar textos, poemas e músicas tendo em vista o aprimora- �mento da entonação, dicção, gesto, postura etc.

Ouvir atentamente a fala do professor e dos colegas para aprender �a esperar a vez de falar, bem como respeitar a fala do outro.

Contar filmes assistidos, histórias relatadas na família, fatos vi- �venciados.

Recriar histórias, compondo oralmente o início ou final incomple- �tos, alterando-os; inventando ou retirando personagens, acrescen-tando falas às personagens.

Produção de textos

65

O trabalho com texto e o estudo do código(KLEIN, 2003, p. 31-34)

O texto – oral e escrito – consiste num processo de interlocução. É a enun-ciação que se realiza por meio de um código e que contém unidade temá-tica, estrutura, coerência, coesão. O código da escrita apresenta elementos e aspectos próprios: além das letras, lançamos mão, ao escrever, de recursos como pontuação, acentuação, parágrafo. Mas há, ainda, para articularmos o sentido do texto, outros recursos da língua que o texto escrito deve incor-porar, tais como elementos de coesão, concordância, regência, entre outros. Ora, esses recursos não têm uma função em si mesmos. Esta é determinada pelo contexto do texto, de modo que para entendê-los é necessário obser-var sua inserção no interior do próprio texto. Este, por sua vez, está inserido num contexto de interlocução, o qual determina situações diferentes para um mesmo recurso. Daí a necessidade do exercício de produção de textos com a devida compreensão de que os objetivos do texto, o interlocutor a quem ele se destina e a situação do autor são fatores que vão determinar escolhas quanto ao tipo de texto, à linguagem adequada, à argumentação, às informações necessárias, entre outras.

Tomar a produção como eixo do processo significa que os conteúdos serão analisados na situação concreta em que aparecem no texto trabalha-do, ou seja, o texto será tomado como pretexto para um estudo generaliza-do de regras gramaticais. Dizendo de outro modo, o professor não utilizará, por exemplo, de um problema de concordância de número para “aproveitar” e explicar todos os casos de concordância, mas explicará exaustivamente, naquele caso específico, as razões da concordância.

Quando sugerimos um trabalho de ensino da língua portuguesa a partir do texto, não estamos nos preocupando em cumprir uma regra da moda. Esta sugestão apresenta uma série de razões bem fundamentadas. Porém, para que o professor efetivamente tire proveito desse tipo de trabalho, ex-

Texto complementar

66

Alfabetização e Letramento

traindo dele todas as vantagens possíveis, é necessário que ele conheça as razões de uma opção pelo texto. Se ele desconhece essas razões, vai, no máximo, desenvolver um trabalho que inverte o processo tradicional, indo do texto à letra, mas mantendo, na sua essência, os mesmos procedimentos dos métodos tradicionais, que, como já sabemos, tendiam a desenvolver um processo que ia dos menores aos maiores elementos da língua: da letra à sílaba, à palavra, à frase, até, finalmente, chegar ao período ou ao texto.

Esse desconhecimento também pode levar o professor – no intuito de fugir de um procedimento tradicional – a entusiasmar-se pela “produção de textos” e restringir o trabalho pedagógico à escrita de redações sem, no entanto, de-senvolver nenhum trabalho mais aprofundado dessas atividades de análise da função social da escrita e do conteúdo do discurso, análise lingüística e siste-matização do código.

A alfabetização fundada no texto não é apenas uma opção de “partir do texto”. Para acontecer, de fato, ela implica a compreensão do que significa, verdadeiramente, a escrita; implica a compreensão do que é texto, da função social dos diversos tipos de texto, a análise das relações intratextuais e, final-mente, implica desenvolver um processo sistematizado de estudo dessas re-lações – envolvendo tanto a gramática textual quanto o domínio do código.

Quando os professores alfabetizavam lançando mão de metodologias tradicionais, eles operavam apenas com um aspecto da escrita: as relações letra/fonema.

Esse trabalho, em que pese sua eficiência do ponto de vista da deco-dificação, isto é, da memorização das letras e sílabas, excluía do ensino da escrita outros aspectos igualmente importantes para a clareza do texto: a função social do texto, enquanto objeto veiculador de idéias, concepções, informações, valores etc., as relações intervocabulares, ou seja, os elementos de coesão, argumentação, ordem, direção da escrita etc., que juntamente com elementos do código, permitem a construção do discurso.

Os textos da cartilha, embora graficamente corretos, são textos falsos, “pobres”, pois neles faltam muitos elementos ou recursos importantes da escrita, tão importantes quanto as letras, a segmentação, acentuação, entre outros. A impossibilidade de utilizar tais recursos permite que o autor redija frases soltas, mas o impede de expressar as idéias que, na vida prática, pre-cisa comunicar. É por esta razão que os textos da cartilha são tão estereoti-

Produção de textos

67

pados e praticamente sem sentido, não tendo nenhuma semelhança com o discurso oral realmente existente na prática cotidiana. Os problemas formais desse tipo de texto, ao inviabilizarem a formulação de idéias, esvaziam esse material de qualquer sentido de uso real, de qualquer função social para além do mero pretexto de promover a memorização de letras e sílabas.

Assim, propomos que o trabalho de alfabetização deverá dar conta das várias questões que envolvem as relações leitor/escritor com o texto e que podemos agrupar em três áreas intimamente articuladas: a) o domínio da codificação/decodificação, propriamente dita (isto é, identificação de letras e das sílabas, seus valores fonéticos, o emprego dos sinais de acentuação, cedi-lha etc.); b) a compreensão da gramática textual (coerência, coesão, concor-dância etc.); c) o conhecimento e a prática da produção/interpretação dos vários sentidos de texto, com a compreensão de sua função social e de seus mecanismos de constituição de sentido.

Atividades Selecione um texto de uma cartilha e faça uma análise crítica com apoio no

estudo da unidade, apontando os elementos de que carece para se consti-tuir, de fato, um texto. Em contraposição, elabore você mesmo um texto de caráter científico sobre a importância da prática pedagógica da produção de texto na alfabetização e submeta-o às considerações dos colegas.

Maria Auxiliadora CavazottiPara que os alunos adquiram competência como escritores, isto é,

sejam capazes de escrever com qualidade verbal e correção lingüística, o ensino da língua escrita tem como eixo central, desde o momento ini-cial da alfabetização, as atividades com o texto. Desse modo, não se pode deixar para propor as atividades, que desenvolvem a produção do texto escrito, somente quando os alunos já souberem grafar as palavras de forma independente.

Como já vimos, os métodos tradicionais de alfabetização, via de regra, iniciam o ensino e a aprendizagem da língua escrita com um exaustivo trabalho de codificação/decodificação de letras e sílabas, seguindo-se da escrita de algumas palavras isoladas, depois da redação de algumas frases, até, finalmente, chegar à redação de composições muito simples e estereoti-padas, nos moldes dos textos lidos nas próprias cartilhas. Essas composições nem podem ser denominadas de textos porque não apresentam as carac-terísticas fundamentais da composição textual propriamente dita: unidade temática, coesão, articulação interna, coerência, estrutura textual.

O problema desse procedimento, ou seja, da composição escrita no modelo dos textos típicos dos métodos que se utilizam da cartilha, é que a criança internaliza a idéia de que há uma diferença de estrutura entre o discurso oral e o escrito. Ou seja, ela se apropria do princípio equivocado de que falamos fluentemente, usando recursos de coesão, mantendo a coerência e a estrutura do texto oral e, assim por diante, mas, ao escrever, devemos fazê-lo de modo fragmentado. Vejamos um exemplo ilustrativo:

Produção de texto escrito

70

Alfabetização e Letramento

Composição da cartilhaCanuto joga a bola.Eva pega a bola.A bola pula.Vai Canuto!Pega a bola!A bola bate na Eva.Acabou o jogo.

Produção de texto escrito

Hoje o João trouxe uma bola de praia e a turma aproveitou para jogar vôlei na hora do recreio. Alguns queriam jogar futebol, mas não deu porque a bola era de plástico bem fino e com um chute poderia rasgar.

Desse modo, a criança perde um conhecimento já adquirido sobre a textua-lidade e passa a escrever de forma estereotipada, inadequada para as situações reais de interlocução, nas quais é solicitada a se comunicar.

Por essa razão, desde o início do trabalho de alfabetização é proposta a rea-lização de atividades de produção de texto. Assim, não só o professor seleciona textos para o desenvolvimento da prática de leitura, cuja produção é de caráter social, vale dizer, real, como tem a preocupação metodológica de se reportar às condições de uso real da escrita ao propor aos alunos atividades práticas de pro-dução de texto. Nessa perspectiva, emprega estratégias tais como abaixo.

Promover situações de aquisição de conteúdos relativos ao assunto do �texto a ser produzido. Esse momento é importante porque ninguém es-creve com propriedade sobre o que não sabe. Assim, são previamente organizadas, sobre o assunto em pauta, discussões que permitam aos alu-nos refletir, trocar idéias e elaborar sua opinião sobre o tema;

Promover uma discussão sobre a organização do texto. Essa reflexão in- �cide sobre os elementos, anteriormente mencionados, que orientam a produção do texto: o interlocutor, seja ele real ou virtual; o tipo de texto e de linguagem, formal ou informal, mais adequado para os objetivos es-tabelecidos e para o interlocutor selecionado. Também é desejável avaliar algumas possibilidades de organização estrutural do texto, procurando equacionar os limites da introdução, do desenvolvimento e da conclusão.

É importante salientar que, para se produzir bons escritores na escola, é ca-bível permitir que as crianças realizem tentativas de escrita que, inicialmente, apresentem muitos erros. A idéia de que elas só deverão escrever textos quando forem capazes de não cometer mais erros traz conseqüências negativas para o processo de alfabetização: a) retardar-se-á demasiadamente o exercício da es-

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Produção de texto escrito

71

crita em situações de real exigência, de modo que as crianças provavelmente se desinteressarão pelo seu aprendizado e desconsiderarão a noção dos usos reais da escrita; b) os alunos tenderão a valorizar mais a forma que o conteúdo dos seus textos, do que resultarão textos estereotipados, cujo conteúdo não é rele-vante, e textos sem originalidade, com vocabulário pobre, pois tenderão a usar somente as palavras e estruturas frasais que já dominam perfeitamente. Possi-velmente, irão distorcer o conteúdo pensado, pois terão que se limitar às idéias, às palavras e frases das quais conhecem a escrita.

O fato de ser aceitável a criança errar ao escrever não significa, entretanto, que seus erros sejam desconsiderados, ou seja, os erros serão objeto de reflexão a fim de serem superados pela aprendizagem progressiva do aluno no momen-to próprio da prática de produção da escrita, denominada de reescrita do texto. Mas, antes disso, é preciso que as crianças sejam encorajadas a registrar suas idéias em tentativas de escrita para, depois, reformular os erros com o objetivo de produzir uma exposição de melhor qualidade. O princípio que norteia seu aprendizado é de que não se trata de escrever de forma gramatical e ortografi-camente correta, sendo o texto vazio de conteúdo. Pelo contrário, o objetivo do processo de ensino e aprendizagem da composição escrita é que o aluno seja capaz de escrever um bom texto, com boas idéias, expressas de modo claro e adequado. Dito de outra forma, a correção gráfica e gramatical estão a serviço do conteúdo que se quer expressar.

Relação de conteúdos da produção escritaRelação entre oralidade e escrita

Distinção entre a lógica do desenho e a lógica da escrita.

Reconhecimento do texto escrito como registro gráfico do texto oral.

Reconhecimento das letras do alfabeto como sistema de representação gráfica de sinais sonoros, referenciada na linguagem oral.

Reconhecimento das possibilidades de relações entre letras e fonemas na língua portuguesa: – relações fixas;– relações de valor posicional;– relações arbitrárias.

Reconhecimento das letras do alfabeto e seus nomes.

Distinção entre os nomes e o valor fonético das letras.

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Alfabetização e Letramento

Distinção entre letras e sílabas.

Reconhecimento do valor fonético das letras e sílabas.

Reconhecimento da grafia fixa das palavras, mesmo quando se utilizam letras de valor arbitrário.

Identificação de diferenças de pronúncia de determinados vocábulos dos dialetos populares re-lativamente à língua padrão. Ex: barde, balde.

Adequação do texto escrito à forma padrão.

Leitura:– identificação global de palavras;– decodificação das palavras;– leitura fluente de textos.

Reconhecimento dos sinais de acentuação e sua função:– identificação da função fonética do acento agudo e do acento circunflexo;– emprego de sinais de acentuação.

Compreensão da função fonética do til.

Compreensão da função do trema e situações de seu emprego.

Compreensão das funções do hífen e situações de seu emprego.

Distinção e compreensão das situações de emprego das letras maiúsculas e minúsculas.

Identificação e reconhecimento das funções dos sinais de pontuação.

Utilização, nos textos escritos, da competência lingüística adquirida no aprendizado da língua oral.

Adequação do texto aos seus objetivos e aos seus interlocutores

Unidade temática razoável.

Organização das idéias (seqüência lógica).

Coesão: utilização de elementos coesivos para articular os elementos do texto (palavras, frases,

períodos e parágrafos), buscando maior clareza e eliminando repetições desnecessárias.

Superação de determinadas marcas de oralidade no texto escrito, eliminando a repetição de de-

terminadas expressões (ex: e daí… e daí…).

Eliminação de repetições desnecessárias, valendo-se de sinônimos.

Exposição de idéias com originalidade e elegância, sem recorrência a chavões, lugares-comuns, gírias e termos de baixo calão (salvo em casos especiais, como quando caracterizam um perso-nagem, por exemplo).

Identificação das especificidades dos textos descritivo, narrativo e dissertativo.

Distinção entre prosa e poesia, com reconhecimento das características que as diferenciam.

Produção de texto escrito

73

Argumentação:– coerência argumentativa;– consistência argumentativa.

Distinção entre idéias ou informações centrais e secundárias.

Vocabulário – domínio vocabular compatível:– observação do uso adequado dos termos no discurso oral;– ampliação do vocabulário por incorporação adequada de novos termos;– adequação do vocabulário aos objetivos do texto e ao interlocutor.

Clareza na exposição de idéias:– seqüência lógica;– objetividade;– capacidade de elaborar conclusões.

Estilo:– identificação e eliminação de expressões viciosas (repetições, gírias, jargões, lugares-comuns, ter-mos de baixo calão), salvo quando a narrativa assim o exigir;– emprego de figuras de linguagem como recurso de enriquecimento do texto oral.

Concordância verbal:– uso adequado dos tempos verbais e das formas verbais adequadas às pessoas do discurso e à situação narrativa ou descritiva.

Modalidades de citação:– uso adequado dos recursos de citação, nas formas do discurso direto e indireto.

Prática de escrita As atividades de escrita decorrem naturalmente das atividades da prática �da oralidade já descritas. Cabe ao professor julgar a pertinência ou não de dar continuidade a um exercício de produção de texto oral com uma atividade de exercício escrito desse texto. Ele definirá, com os alunos, os critérios de escolha de qual ou quais textos serão registrados.

É muito importante organizar um trabalho de produção de textos narrati- �vos escritos com finalidade definida previamente com os alunos, como li-vro de história, mural das produções, cordel de anedotário, diário da turma. Essas produções, organizadas a partir de textos elaborados pelos alunos e registrados pelo professor ou escritos pelos próprios alunos, podem ser publicadas periodicamente (bimestre, semestre, ano letivo). Pressupõem,

74

Alfabetização e Letramento

sob a orientação do professor, escolha coletiva, do assunto (história do nome, de animais, fantásticas, textos humorísticos etc.); do interlocutor; dos objetivos, mediante resposta às perguntas: Como? Quem? Quando? Onde?

Além da produção de textos narrativos, o professor poderá propor ativi- �dades de registro de palavras que, embora isoladas, sejam significativas em decorrência de determinado contexto, como: a) nome de pessoas; b) legendas de objetos, animais, brinquedos, comidas, lugares desenhados; c) calendário com nome dos dias da semana, meses do ano, feriados e outros dados.

Finalmente, articulando procedimentos de produção de textos orais com ati-vidades de leitura e de registro dos textos dos alunos, o professor promove o de-senvolvimento da compreensão do que representa a escrita, seus usos, formas e representações simbólicas.

O domínio do gráfico (codificação/decodificação), por sua vez, far-se-á por meio de atividades de produção e leitura de textos, complementadas por ati-vidades específicas de estudo das letras e sílabas, a partir de palavras e frases significativas, oriundas dos textos produzidos.

Texto complementar

Breve parêntese: e a letra?(KLEIN, 2003, p. 36-37)

Cabe, aqui, uma consideração sobre os tipos de letra. Os professores não desconhecem que a letra caixa-alta é ideal para as primeiras tentativas de escrita. Seu traçado, de linhas retas, facilita o trabalho do aluno: na escrita, porque é mais fácil de traçar, uma vez que implica um grau de motricidade menos complexo; na leitura, porque é mais fácil sua discriminação visual, em razão de que cada letra aparece como uma imagem visual independente. Assim, muitos professores iniciam pela letra caixa-alta, mas logo ficam ansio-sos para levar os alunos à escrita cursiva. Propomos que o professor trabalhe, na leitura, com todos os tipos de letra, mas, para efeito do ato de escrita pelo

Produção de texto escrito

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aluno, se restrinja à letra caixa-alta. Esta proposta se fundamenta no fato de que, nos dias atuais, a letra cursiva perdeu sua utilidade: este tipo de letra foi produzido para permitir que as pessoas escrevessem textos muito longos, cansando menos. Entretanto, hoje ninguém mais escreve à mão longos textos; quando precisam fazê-lo recorrem à escrita mecânica, até mesmo porque ninguém mais se dispõe a ler um texto longo manuscrito. Todas as situações reais de necessidade de escrita manual com as quais deparamos hoje em dia, como preencher cheques, escrever bilhetes, listas de compras, redigir pequenas notas, registrar endereços, aceitam muito bem a letra cai-xa-alta. Deste modo, parece descabido impor aos alunos um esforço extra que se configura inútil. Porém, se o aluno já teve alguma experiência ante-rior com a escrita cursiva e já domina minimamente seu traçado, também não há razão para que o professor imponha uma mudança de registro para “conformá-lo” à turma. Cabe, no entanto, reforçar o fato de que o aluno deve aprender a ler todos os tipos de letra (inclusive os tipos de fantasia), pois esses tipos, mesmo na escrita mecânica, estão presentes.

Atividades Entreviste alguns professores a respeito do tipo de letra que eles propõem às

crianças na alfabetização. Analise criticamente suas escolhas e argumentos apoiado nas considerações da unidade estudada.

Maria Auxiliadora CavazottiPara que a criança desenvolva de forma progressiva sua capacidade

de produzir e interpretar textos, torna-se necessário realizar atividades de análise lingüística, compreendida como atividade de reflexão sobre a própria língua. Trata-se de uma prática fundamental, pois tornar-se letra-do significa ter o domínio do emprego da língua na escrita e na leitura e, ainda, ter a capacidade de pensar e falar sobre a língua materna, analisan-do as relações entre seus elementos constitutivos.

Assim, quanto às questões gramaticais, o professor deve desenvolver com as crianças a reflexão sobre a linguagem, com o objetivo de fazer com que elas reconheçam as diferentes possibilidades que a língua oferece para expressão das idéias de modo que, a partir dessa análise, entendam e superem as dificuldades gramaticais.

A prática da análise lingüística pode partir do texto produzido pela própria criança ou de um texto selecionado pelo professor. No seu pró-prio texto, a criança pode encontrar, com a mediação do professor, os elementos que lhe permitam entender as diferenças lingüísticas e as diversas possibilidades de expressão para dizer a mesma coisa. A com-preensão das características da linguagem formal na escrita, em compa-ração com a coloquial, usual na oralidade, constitui prática pedagógica relevante para que o aluno se aproprie desse código lingüístico.

Na escrita, a linguagem formal é consagrada socialmente. Por essa razão, as pessoas que não dominam seu uso podem ser discriminadas e, muitas vezes, preteridas em situações de competição no emprego, no co-mércio, e em outras circunstâncias com tal exigência. Assim, é importan-te explicar às crianças que na oralidade pode-se empregar a modalidade formal da linguagem, quando se trata de interação verbal que se realiza sob determinadas convenções sociais de pouca proximidade entre os in-terlocutores. A modalidade coloquial, por sua vez, é aquela que utiliza-mos diariamente em situações menos formais, com pessoas com as quais temos certa intimidade ou familiaridade.

Análise lingüística

78

Alfabetização e Letramento

Dessa forma, a criança entenderá que a língua é um conjunto de modalidades socialmente produzidas e com diferentes graus de prestígio social. A língua oral e escrita, enquanto produção histórica, comporta e expressa as mesmas contra-dições próprias da sociedade. As diferentes linguagens, formal e coloquial, refle-tem o âmbito cultural próprio do segmento social e do grupo que caracteriza as pessoas que as utilizam.

A linguagem formal, por conseguinte, é aquela aceita como legítima pelo conjunto da sociedade. É ela que está presente nos livros e permite acessar o patrimônio científico e cultural da sociedade na qual o aluno está inserido. É dela que ele busca se apropriar pela via do ensino escolar. Assim, a criança precisa en-tender a importância da sua apropriação, não apenas como meio de legitimação social, mas porque ela se caracteriza pela abrangência que permite expressar um rico conjunto de experiências, situações, fatos e objetos sociais, razão pela qual é um importante instrumento de análise e compreensão da realidade.

Por conseguinte, é preciso que as crianças percebam a importância das dife-rentes formas de linguagem e a necessidade de saber utilizá-las na oralidade, na leitura e escrita, em cada situação particular em que uma ou outra forma poderá ser aquela que melhor realizará os objetivos dos interlocutores. É muito impor-tante que, progressivamente, aprendam a usar a linguagem formal com compe-tência, para que possam estabelecer interações sociais próprias de circunstân-cias legitimadoras de diferenças lingüísticas e, principalmente, para acessar os registros, nessa forma de linguagem, dos conhecimentos culturais e científicos socialmente produzidos.

Uma vez explicitados os fundamentos, cabe enfocar a análise lingüística pro-priamente dita. Ela consiste na reflexão gramatical que objetiva levar a criança a buscar soluções para os problemas presentes no seu próprio texto. Essa cir-cunstância discursiva real oportuniza a análise e a exposição das diferentes pos-sibilidades e contextos em que se usam os vários elementos lingüísticos para a produção textual, em lugar da aprendizagem tradicional da gramática, com nomenclatura e regras descontextualizadas.

Na oralidade, a prática de análise e reflexão sobre a língua deve levar as crianças a se apropriarem dos diferentes registros, formais ou coloquiais, me-diante a reflexão e a comparação entre as formas de fala empregadas nas mais diferentes situações de uso. Além disso, propicia ao aluno as condições de ela-borar progressivamente seus textos orais e escritos empregando mecanismos

Análise lingüística

79

de constituição de sentido, tais como concordância, regência, organização, eli-minação de ambigüidades, clareza e argumentação, entre outros.

Quanto à leitura, a prática de análise lingüística permite levar a criança – além da incorporação de recursos lingüísticos, que poderão ser empregados nas pro-duções escritas – à reflexão sobre as múltiplas possibilidades de significado que se pode conferir ao texto diante da intencionalidade do autor. Para isso, é neces-sário desenvolver atividades de leitura, com análise de todos os elementos de constituição de sentido empregados, para se entender o sentido do texto.

O processo de revisão dos textos produzidos pelas crianças possibilita que elas exercitem, com a ajuda do professor, a retirar ou acrescentar elementos, alte-rar suas posições, sempre buscando torná-los mais compreensíveis para o leitor. Essa atividade de reescrita ajuda a criança a ser um interlocutor que se afirma ao produzir seu texto para o outro ler, entender, questionar, aceitar ou recusar.

A atividade de revisão de texto é melhor compreendida pela criança quando feita coletivamente e com a mediação do professor. Trata-se de um importante processo de reflexão gramatical que norteia a produção textual em realização. Nessa perspectiva, a gramática ganha importância no ensino e aprendizagem da língua escrita, liberando-se da didática tradicional, centrada em repetitivos e descontextualizados exercícios de memorização da nomenclatura e regras. Por conseguinte, o professor se exime de aulas expositivas de gramática, uma vez que a gramática só tem sentido, de fato, no contexto da produção textual. Isso não significa que ela foi abolida do ensino da Língua Portuguesa, mas sim que o professor propõe sua compreensão e apropriação por meio do esforço perma-nente do aluno para produzir seus próprios textos, buscando expressar com cla-reza e qualidade verbal aquilo que deseja dizer. Na busca do objetivo de produção de clareza e qualidade do texto, o aluno vai recorrer aos elementos gramaticais, em situações sempre contextualizadas em face do que se quer dizer, para quem quer dizer e o que se quer dizer.

O processo de reestruturação do texto permite enfatizar para o aluno o princípio de que o ato de escrever para a leitura de outro interlocutor requer o emprego das convenções e normas da escrita, pois elas garantem a fidelida-de daquilo que se quer veicular à interpretação que o leitor vai realizar. Além disso, a escrita legível e compreensível também é requisito necessário à apro-ximação máxima entre o que foi escrito e o interpretado.

80

Alfabetização e Letramento

No processo de reescrita, a mediação do professor é fundamental, uma vez que auxilia a criança a refletir sobre a própria escrita sob vários enfoques, tendo em vista a conquista, progressiva, de melhores formas de interlocução. Ao desen-volver o processo de interferência, é fundamental que o professor tome como procedimento apontar inicialmente para o aluno aquilo que ele já domina para que, com base nas apropriações já realizadas, possa perceber questões ainda não compreendidas e não incorporadas. Esse processo de ensino e aprendiza-gem favorece eficientemente a aquisição de conteúdos que possam melhorar o domínio do aluno com relação à língua escrita.

Texto complementar

A língua na literatura brasileiraMachado de Assis (1830-1908)

(Escrito em 1873, mas ainda com atualidade)

(ASSIS; MACHADO DE apud GONÇALVES; AQUINO; SILVA, 1996, p. 206)

Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa [hoje, inglesa]. Este ponto é objeto de divergência entre os nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defei-tos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou antes por uma exageração de princípio.

Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos é um erro igual o de afirmar que sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há portanto certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade.

Mas se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite; e o escritor não está

Análise lingüística

81

obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda in-ventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiço-ando-lhe a razão.

Feitas as exceções devidas, não se lêem muito os clássicos no Brasil. Entre as exceções poderia citar até alguns escritores, cuja opinião é diver-sa da minha neste ponto, mas que sabem perfeitamente os clássicos. Em geral, porém, não se lêem, o que é um mal. Escrever como Azurara ou Fernão Mendes seria hoje um anacronismo insuportável. Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhe as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas que, à força de velhas, se fazem novas, não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os moder-nos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.

Atividades Reflita sobre as questões e elabore suas considerações a respeito, fundamenta-

da no estudo do texto.

“A linguagem formal é aquela aceita como legítima pelo conjunto da sociedade.”

“É preciso que as crianças percebam a importância das diferentes formas de linguagem formal e coloquial e a necessidade de saber utilizá-las adequadamente.”

“Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. […] A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr.”

(Machado de Assis)

82

Alfabetização e Letramento

Análise lingüística

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Maria Auxiliadora CavazottiA sistematização para o domínio do código, prática específica da alfa-

betização, tem sido ignorada com certa freqüência no processo pedagó-gico do ensino da leitura e escrita que se desenvolve hoje nas nossas esco-las. A ênfase na crítica aos métodos de uso da cartilha, que se sustentavam na memorização de famílias silábicas e desconsideravam os elementos textuais, acabou por secundarizar ou até mesmo ignorar o trabalho com letras, sílabas e famílias silábicas. Assim, é necessário enfatizar que se a al-fabetização não pode estar assentada na repetição mecânica das famílias silábicas, também não é possível realizá-la sem a reflexão sobre o sistema gráfico da nossa língua portuguesa, o que demanda analisar, comparar, memorizar letras, sílabas e famílias silábicas.

Embora todas as práticas de alfabetização já abordadas – leitura, pro-dução de texto e análise lingüística – contribuam para a aquisição do gráfico, não são, entretanto, suficientes. Por conseguinte, é necessário o desenvolvimento de atividades específicas que auxiliem as crianças a compreenderem as relações entre letras e fonemas, percebendo a existên-cia de relações permanentes, cruzadas e arbitrárias; a identificarem letras e seus diferentes valores fonéticos; a reconhecerem a exigência de uma única forma de grafia para uma dada palavra, não obstante a variedade de letras que possam representar alguns de seus fonemas.

Conteúdos relativos à codificação e à decodificação

A escrita como representação. �

O princípio alfabético da língua escrita: o sistema escrito tem como �referência o sistema fonético.

Sistematização para o domínio do código

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Alfabetização e Letramento

As formas de relação entre letra e fonema: fixas, posicionais e arbitrárias. �

Os valores fonéticos das letras. �

O princípio do registro fixo dos vocábulos. �

Outros recursos de escrita: acentuação, notações léxicas, sinal de parágrafo �etc.

Direção da escrita. �

Segmentação. �

A escrita como representação da oralidadeA nossa escrita obedece a um sistema fonético, isto é, os sinais utilizados na

escrita representam os sons da fala. Diversamente do que acontece com o dese-nho, por exemplo, não há qualquer relação entre a forma visual da coisa que é fonetizada e sua representação escrita. Assim, como a fala, sendo que o código oral não tem nenhuma relação com a forma visual do objeto a que se refere, também a escrita não tem nenhuma relação com a forma visual do objeto repre-sentado. Podemos reafirmar, portanto, que a escrita se relaciona com a fala, isto é, representa, com sinais gráficos, os sons da voz humana, que denominamos como fonemas. Dizendo de outro modo, a escrita é o “desenho” da fala humana.

Para “desenhar” a fala humana, utilizamos as letras e os sinais gráficos próprios do código. Isso quer dizer que para decodificar os sinais da escrita precisamos conhecer sua relação com os fonemas. Ou seja, precisamos perceber a relação existente entre a oralidade e a escrita.

O princípio alfabético da língua escritaPodemos afirmar, portanto, que o primeiro grande desafio do processo de

alfabetização consiste em fazer o aluno compreender que o princípio alfabético que rege a língua escrita estabelece a relação entre uma impressão sonora e uma impressão visual, no caso da escrita, e vice-versa, no caso da leitura. Quando o aluno percebe o princípio alfabético, ele praticamente dominou o segredo da escrita. Daí para a frente, o trabalho será apenas – no que se refere ao código – identificar e memorizar as letras e as diferentes possibilidades de relação entre letra e fonema.

Sistematização para o domínio do código

87

As formas de relação entre letra e fonemaO domínio das possibilidades de relação entre letra e fonema é um aprendiza-

do demorado para o aprendiz, uma vez que a nossa língua admite uma comple-xa gama de relações letra-fonema, que podem ser classificadas em três grupos.

� Relações regulares ou biunívocas: compreendem as letras que repre-sentam sempre um único e mesmo fonema.

São regulares as letras � B, F, P, T e V.

Obedecer ao princípio da regularidade significa, por exemplo, que o �fonema /b/ só pode ser sempre representado pela letra B, da mesma forma que a letra B só pode ser representada pelo fonema /b/.

� Relações de valor posicional: referem-se às letras que têm dois valores, dependendo de sua posição na palavra.

É o caso, por exemplo, das letras � L, M e N, que apresentam um valor fo-nético antes de vogal (lata , medo, nota) e outro valor depois da vogal (alto, campo, canto).

� Relações arbitrárias: dizem respeito às letras que apresentam múltiplos valores ou aos fonemas que podem ser escritos por meio de diferentes letras.

Vejamos alguns exemplos:

O fonema � /z/ que pode ser grafado com S (casa), Z (azar), X (exato).

A letra � X pode corresponder aos fonemas /z/ (exato), /x/ (enxada), /ks/ (táxi), /s/ (exceto, expresso).

O princípio do registro fixo dos vocábulosNão obstante a possibilidade de uma letra representar mais de um fonema e

de um fonema ser representado por mais de uma letra, a língua escrita tem um princípio que estabelece uma grafia fixa para cada vocábulo.

É possível verificar esse princípio na utilização do fonema /z/, que pode ser gra-fado com as letras S, Z e X, em cada vocábulo ele admitirá um único registro. Na palavra – casa – , por exemplo, o fonema /z/ só poderá ser grafado com a letra S.

88

Alfabetização e Letramento

Direção da escrita, segmentação e outros recursos da escrita

Outros elementos importantes da grafia são a direção da escrita – que deter-mina seu traçado da esquerda para a direita, em alinhamento de cima para baixo – e a segmentação entre as palavras.

São igualmente imprescindíveis à escrita outros recursos, como acentuação, notações léxicas e sinal de parágrafo.

Esses aspectos, aparentemente simples, devem ser explicados para o aluno, pois são decorrentes do princípio de convenção da escrita e sua aprendizagem demanda muito esforço de compreensão e exercícios de consolidação desse conteúdo do registro do código.

Podemos concluir que, sendo a escrita alfabética uma produção inteiramen-te fundada em elementos convencionais, freqüentemente arbitrários, sua apro-priação não se dá espontaneamente. Portanto, a criança necessita da mediação de alguém que desvende para ela a lógica dessas convenções e arbitrarieda-des, por meio de um processo de sistematização que chamamos de processo de ensino-aprendizagem.

Texto complementar

Discutindo a alfabetização(KLEIN, 2000)

A alfabetização, seja de crianças, seja de jovens e adultos, tem sido objeto de intensa discussão, no sentido da superação do modelo tradicional, base-ado na cartilha. Em que pese o avanço já conquistado, sobretudo pela in-corporação da idéia de que o texto deve ser o articulador desse processo, verificamos um certo desalento dos professores, premidos por resultados que não condizem com sua dedicação e esforço.

Sistematização para o domínio do código

89

Não podemos desprezar o fato de que o insucesso da educação – expres-so em termos do alto índice de analfabetismo, de repetência e evasão esco-lar, entre outros – tem como razão predominante uma vasta gama de fatores de caráter social, os quais dificultam o acesso, permanência e aproveitamen-to escolar. Entretanto, a questão metodológica também se configura como um elemento importante nesse quadro de dificuldades. Esta proposta pre-tende, sem ignorar os fatores sociais, centrar-se na discussão metodológica da alfabetização.

A crítica ao ensino tradicional, baseado na cartilha, delineou um quadro de avanço e retrocesso. O avanço, como já dissemos acima, foi a ênfase no objetivo do ensino da língua escrita, qual seja, a produção de um leitor/es-critor competente. Em decorrência, propôs-se o texto, enquanto unidade discursiva, como eixo norteador do processo de alfabetização. O retrocesso se configura na situação esdrúxula de se secundarizar, ou até mesmo negar, a importância das atividades pedagógicas de codificação/decodificação. Es-tabeleceu-se a idéia de que o trabalho com texto dispensava o trabalho com outros aspectos mais específicos do código, como, por exemplo, as letras e famílias silábicas. Da negação da cartilha, passou-se à negação dos conteú-dos de que ela tratava.

Enfim, preocupadas em superar o ensino cartilhesco, muitas propostas de alfabetização enfatizam as questões da gramática textual, secundarizando as atividades de codificação/decodificação. Essa é uma visão problemática, porque o código constitui, efetivamente, um aspecto fundamental da escri-ta. Assim, nem cabe reduzir o ensino da escrita ao domínio básico do código, reduzindo as condições de produção do texto, nem cabe eliminar as ativi-dades de codificação/decodificação, também incluídas entre as condições de produção textual. Aquela visão tende a eliminar a especificidade da alfa-betização, vendo-a como um processo absolutamente indistinto de outros momentos do aprendizado da escrita. Novamente, entendemos haver aqui um exagero derivado da oposição às práticas tradicionais. Se, por um lado, concordamos inteiramente que o aprendizado da escrita no chamado perí-odo da alfabetização contém elementos comuns ao processo genérico de apredizagem da língua escrita – sobretudo no que diz respeito aos conteú-dos da textualidade – por outro, defendemos a idéia de que o domínio dos

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Alfabetização e Letramento

princípios gerais da codificação/decodificação requerem, neste período, pro-cedimentos especiais, configurando uma especificidade da alfabetização.

[…]

Assim, a alfabetização requer estratégias específicas de ensino do código. Daí porque sugerimos atividades de sistematização do código, as quais desen-volverão os conteúdos relativos aos recursos do código e seus princípios orga-nizadores. Após a consolidação da alfabetização, esses conteúdos permanece-rão presentes na prática de produção de textos, mas, uma vez dominados, não mais serão tomados como objeto de ensino, senão quando situações muito específicas demandarem uma retomada de aspectos normativos do código (mais especificamente, quando surgir um vocábulo ainda não conhecido, cuja grafia contenha elementos arbitrários, ou requeira acentuação, por exemplo).

Por outro lado, propôs-se uma revolução no ensino da língua escrita sem o devido cuidado com a qualificação dos alfabetizadores, os quais, forma-dos sob a égide da cartilha, não dominavam o conhecimento necessário para desenvolver o processo de alfabetização sob outra perspectiva. Numa linguagem mais popular, diríamos que se “tirou o tapete” dos professores, sem, muitas vezes, oferecer-lhes nenhum outro recurso no lugar. Em outros termos, enquanto as propostas tradicionais estão centradas exclusivamente no domínio da codificação/decofidifcação, as propostas mais atuais pratica-mente abandonam a sistematização para o domínio do código.

O caos estabelecido no início desse processo está sendo, progressiva-mente, superado pela incorporação – e divulgação cada vez mais ampla – dos elementos que, então, eram faltantes.

Atividades1. Examine as lições de uma cartilha e de um livro didático utilizado atualmen-

te na classe de alfabetização e analise os seguintes aspectos:

o critério utilizado para sistematizar as possibilidades de relação letra-fo- �nema;

a sistematização de formas de relação entre letra e fonema que abranja as �de valor fixo, posicional e arbitrário;

Sistematização para o domínio do código

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a sistematização de outros recursos de escrita: acentuação, notações léxi- �cas e sinal de parágrafo.

2. Com apoio no estudo desta unidade, elabore um texto registando os resulta-dos da análise dos textos de alfabetização empreendida.

Maria Auxiliadora CavazottiEm razão da importância da sistematização do código entre as práticas

da alfabetização, conforme enfatizado anteriormente, é necessário sele-cionar criteriosamente os procedimentos que objetivam o domínio da codificação/decodificação.

Em primeiro lugar, cabe reafirmar que é das tentativas de produção de textos que emergirão as tentativas de sistematização das letras e sílabas a serem trabalhadas com a criança. Com esse intuito, o professor realiza ativida-des de produção de textos orais, de preferência coletivos, e faz o registro escri-to de um texto previamente selecionado, na presença dos alunos. Ao registrá-lo, o professor acompanha a escrita de cada palavra lendo-a em voz alta, para que os alunos percebam a relação entre os fonemas e o registro gráfico.

Após o desenvolvimento dos procedimentos relativos às práticas de leitura e interpretação e análise lingüística, serão destacadas uma ou mais frases do texto para serem objeto da reflexão sobre o código, envolvendo atividades das crianças, como:

tentativas de cópia com o alfabeto móvel; �

cópia escrita e ilustração do conteúdo da frase; �

exercícios de composição e decomposição de palavras; �

montagem de palavras no alfabeto móvel; �

jogos de memória, bingo, quebra-cabeça, dominó de palavras etc. �

Esses exercícios permitem que a criança exercite a escrita, do seu aspec-to motor à aquisição de noções como direção da escrita, segmentação entre palavras, a noção de algumas letras e sílabas mais recorrentes, primeiras noções sobre outros sinais além das letras (cedilha, pontuação), entre outras noções. Permitem ainda que a criança constitua um pequeno cabedal de palavras apreendidas globalmente, isto é, que ela identifica relacionando-as com seus significados, mesmo que não saiba decodificar letra por letra.

Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

94

Alfabetização e Letramento

Para que estas atividades sejam produtivas do ponto de vista da reflexão sobre o código, é necessário que o professor tenha o cuidado de proceder às comparações mais variadas possíveis. Assim, a criança trabalhará, ao mesmo tempo, com um conjunto de palavras nas quais pode-se apontar diversas pos-sibilidades de relação entre letra e fonema. Ou seja, diante de dado fonema, o professor apresentará palavras cuja grafia dar-se-á com letras diferentes, como no exemplo /z/ casa, azar. Da mesma maneira, apresentará letras iguais repre-sentando fonemas diferentes: casa, sala.

Assim, partindo de uma ou mais palavras já identificadas nos textos trabalha-dos, desenvolvem-se atividades variadas de comparação gráfico-fonética com outras palavras, bem como atividades de identificação de outros vocábulos por meio de decomposição, de composição e de combinação, por exemplo, para domínio de padrões silábicos.

O trabalho com as palavras, além dos procedimentos já indicados, pode ser feito conforme a sistematização a seguir, proposta por Klein (2003, p. 67):

escolher no texto palavras com bom teor referencial – a mais repetida, a �que chamou a atenção dos alunos, a que faz parte do título do texto;

apresentar essas palavras em vários contextos, utilizando-se de recursos �como o quadro-de-giz, cartazes, fichas;

insistir na apresentação até perceber que os alunos já fazem uma leitura �globalizada, isto é, já identificam as palavras, fazendo a correspondência entre aquele grafismo e a expressão oral;

decompor as palavras em sílabas e fazer a relação entre oralidade e escrita �com cada sílaba;

realizar jogos variados para fixação das palavras, letras e sílabas; �

promover atividades de formação da sílaba com alfabeto móvel ou alfacabo; �

promover atividades de escrita com as sílabas estudadas; �

promover atividades de identificação, no interior de outros vocábulos, das �sílabas estudadas;

promover atividades de composição de novas palavras pela combinação �das sílabas estudadas;

promover atividades de memorização das letras em ordem alfabética. �

Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

95

Essas atividades devem caminhar em duas direções: da oralidade para a es-crita e da escrita para a oralidade. Em ambos os casos irão aparecer tanto os registros e valores fonéticos idênticos como os posicionais e arbitrários.

Quanto aos padrões silábicos, vejamos as considerações da professora Lígia Regina Klein a respeito da questão, tendo em vista que ela elaborou uma pro-posta de prática pedagógica para sistematização silábica assentada no critério da identidade fonética, e não gráfica. Desse modo, a referida educadora inverte o critério de identidade gráfica ainda predominante na maioria das propostas de alfabetização, como resquício da sistematização usual das cartilhas.

Podemos concluir a reflexão sobre a sistematização do código ressaltando que, tendo em vista o processo pedagógico proposto, não é necessário aguardar que o aluno domine o código para produzir seus textos escritos. Ao contrário, é imprescindível que o professor estimule a criança a escrever suas idéias desde o início da alfabetização, pois, nessas tentativas, ela vai ser levada a pensar sobre o código e começará a entender seus princípios. Além disso, ela contará com a me-diação do professor para a apropriação desse conhecimento, pois é importante que o educador se mostre sempre disponível para ajudar e fornecer as respostas, dizendo, por exemplo, como se escreve determinada palavra ou sílaba quando a criança não consegue fazê-lo sozinha.

Texto complementar

Famílias silábicas: trabalha-se com elas ou não?

Em que seqüência? Como organizá-las?(KLEIN, 2003)

Há hoje uma certa tendência em considerar ultrapassado e inútil o tra-balho pedagógico com as famílias silábicas, da mesma forma que se critica como coisa inadmissível a prática da memorização. Essa posição é equivo-cada, simplesmente porque, sendo a escrita pura convenção e contendo inúmeras arbitrariedades na relação letra/fonema, o aluno só poderá domi-nar a codificação/decodificação da escrita se: primeiro, compreender que

96

Alfabetização e Letramento

a referência para os sinais escritos são os fonemas; segundo, compreender a regularidade do padrão sonoro da articulação de uma consoantes com as cinco vogais (ba,be,bi,bo,bu,na,ne,ni,no,nu etc.); c) memorizar os valores foné-ticos de todas as vogais e de todas as consoantes; d) aplicar, dedutivamente, a partir de um cabedal de sílabas já conhecidas, a regularidade do padrão sonoro da articulação da consoante com as vogais (exemplificando: se m com u, faz mu, d com u faz du). Ora, à compreensão da relação oralidade-escrita deve seguir-se a memorização do valor fonético das letras (vogais e consoan-tes) e a memorização dos padrões silábicos. O aluno não necessitará memori-zar todas as formas silábicas da língua porque, reconhecendo o valor fonético das letras, poderá, por simples generalização, descobrir outras formas.

Deste modo, fica evidente a importância tanto do trabalho com as sílabas como do esforço de memorização. No entanto, é necessário ter claro que as atividades monótonas, repetitivas, mecânicas não concorrem para a memo-rização. Antes, cansam o aluno, tornam-no desatento e o desviam do esforço de aprender. Por esta razão, a memorização deve ser através de jogos, de brincadeiras, de atividades lúdicas variadas que permitem que o aluno opere com as sílabas e letras em contextos muito diversificados e prazerosos. Por outro lado, a memorização sempre deve ser decorrência de uma reflexão e compreensão, de maneira que nunca se deve provocar a memorização sem a concomitante ou anterior compreensão do fenômeno estudado.

Quanto à ordenação seqüencial das famílias silábicas, devemos distinguir abordagem pedagógica e aprendizagem. O trabalho com o texto, seja en-quanto leitura, seja enquanto produção dos alunos, inviabiliza a ordenação de famílias silábicas, uma vez que ao produzir um ato discursivo real, se diz aquilo que precisa ser dito, e não aquilo que um número reduzido de sílabas permitiria. Desta maneira, os padrões silábicos se introduzirão nas atividades pedagógicas, guindados pelas palavras que os alunos precisam e querem uti-lizar para poder contar suas histórias. Ordená-los, então, equivaleria a “calar” os meninos, impedindo-os de exercer sua palavra sempre que uma sílaba complexa fosse requerida. Logo, do ponto de vista da abordagem pedagógi-ca, não há nenhuma ordenação: trabalha-se com os padrões que integrarem os vocábulos dos textos (orais ou escritos) dos alunos.

Enfim, não há uma seqüência prévia de sílabas a serem trabalhadas. Elas vão depender das palavras que se apresentarem interessantes no desenvol-vimento das atividades com o texto. Assim, tanto se pode iniciar com ba,

Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

97

como com trans ou gue. Não há, aqui, a preocupação de distinguir entre sí-labas mais simples e mais complexas, com o fito de deixar para um segundo momento as famosas “dificuldades”. Essas dificuldades de fato não existem, ou melhor, elas só são reais quando se trabalha de forma parcelarizada e etapista conforme é o modelo proposto pelas cartilhas. Nas atividades de aquisição do gráfico, o importante é promover a identificação da relação oralidade-escrita, ora partindo da pronúncia das palavras em busca de sua representação escrita; ora da escrita da palavra em busca de sua sonoriza-ção. Nessas atividades, o professor deixará patente o princípio alfabético da língua e o seu contrário que é o princípio da memória etimológica . Em outras palavras, que há fonemas que sempre são registrados da mesma ma-neira, enquanto há outros que podem admitir diferentes registros, depen-dendo do vocábulo em que aparecem (exemplos: /d/ = d, enquanto /z/ = z, s, x). É importante, ainda, que o professor acentue que a variedade de possi-bilidades de registrar não implica poder utilizar indiscriminadamente esses registros, mas que cada palavra admite uma única forma de fazê-lo.

Por outro lado, embora compreendam a lógica da relação letra/fonema e, portanto, a relação sílaba/emissão de voz, os alunos tendem a memorizar mais rapidamente os padrões silábicos regulares, de valor fonético constan-te (ba,be,bi,bo,bu,da,de… pa… etc.); depois, os padrões complexos mais re-correntes no seu vocabulário usual. Da mesma forma, tendem a memorizar antes a grafia de vocábulos que requerem relações letra/fonema regulares, depois as que requerem relações de valor posicional e, finalmente, as que contêm relações arbitrárias.

De qualquer modo, a recorrência daquele padrão silábico nas palavras utilizadas nos textos e trabalhadas nas atividades de sistematização do código são as que têm mais chance de serem apreendidas rapidamente. Daí a importância de intensas atividades de leitura, de escrita e de sistematiza-ção, com textos que apresentam padrões silábicos bem diversificados e, ao mesmo tempo, recorrentes.

Resumindo, o professor não ordena os padrões silábicos para a aborda-gem pedagógica, enquanto os alunos tendem a apresentar uma certa orde-nação ou seqüência de padrões, enquanto resposta mais próxima da grafia correta, consoante com o grau de complexidade dos padrões silábicos.

Por esta razão, para efeito de avaliação e de ensino, o professor deverá distinguir esses níveis de aprendizagem, não atribuindo o mesmo peso a

98

Alfabetização e Letramento

erros que resultam de graus diferentes de dificuldade e enfatizando o traba-lho com padrões mais complexos.

No que se refere à composição das famílias silábicas, propomos um cri-tério inverso ao das cartilhas: enquanto as cartilhas organizam as famílias silábicas pelo critério da identidade gráfica, indicamos organizá-las a partir da sua identidade fonética, uma vez que a escrita decorre da oralidade e não o inverso. Propomos, então, como critério, o valor fonético da sílaba e não o gráfico. Portanto, diferentemente das cartilhas, que apresentam as famí-lias silábicas tendo como critério a forma mais comum de registro de um fonema, propomos a apresentação de todos os registros possíveis de um dado fonema ou emissão de voz. Vejamos alguns exemplos:

Família silábica do fonema /z/

Família silábica do Fonema /k/

Família silábica do fonema /x/

za – zé – zi – zo – zu

sa – se – si – so – su

xa – xe – xi – xo – xu

ca – co – cu

que – qui – qua – qüe

qüi – qüo

ka – ke – ki – ko – ku

cha – che – chi – cho – chu

xa – xe – xi – xo – xu

Na abordagem pedagógica, as famílias devem ser apresentadas a partir de uma sílaba integrante de alguma palavra apreendida globalmente (isto é, que o aluno reconhece visualmente, embora ainda não decodifique cada sílaba). O trabalho desenvolver-se-á através de comparação de palavras, decomposição, composição, jogos com letras e sílabas (memória, bingo, dominó etc.). Todas essas práticas requerem, como recursos didáticos, muito material escrito. Para a alfabetização, esses materiais vão desde rótulos, lo-gotipos, anúncios, caixas e pacotes de embalagem com algo escrito, alfabe-tos móveis variados, os cartazes e materiais elaborados pelo professor, até jornais, revistas, livros e, é claro, os textos produzidos pelos alunos: primeiro seus textos orais e depois suas tentativas de escrita – ainda que com pouca convencionalidade – e, finalmente, seus textos mais elaborados.

Procedimentos pedagógicos para sistematização do domínio do código

99

Atividades Comente com alguns alfabetizadores a respeito da proposta de se nortear

a sistematização do domínio do código pelo princípio da sistematização si-lábica assentada no critério da identidade fonética em lugar da identidade gráfica. Com apoio no estudo desta unidade, elabore um texto desenvolven-do uma análise crítica sobre as considerações dos professores.

Maria Auxiliadora CavazottiInicialmente, é importante ressaltar que, embora o exemplo a seguir

enfoque a reescrita do texto ressaltando aspectos da reflexão sobre o código, trata-se de uma explanação com objetivo didático, pois, como temos enfatizado, o procedimento pedagógico de reescrita do texto com-porta a reflexão sobre o código simultaneamente à análise das questões discursivas. Assim, relembrando a importância de não negligenciar nenhu-ma das práticas pedagógicas da alfabetização indicadas, vejamos como o professor pode desenvolver a análise do texto do aluno, cujas considera-ções permitirão sistematizar procedimentos pedagógicos que ensejem o domínio do código.

Texto da criança Texto reescrito

(KLE

IN, 2

000,

p. 9

2-94

).

Eu fui pescar. Minha irmã me bateu e depois eu fui brincar de carrinho. Minha irmã me chamou e me mandou ir à venda.

Cleber

A análise desse texto revela, no que diz respeito à produção textual, que é possível considerar que o aluno atingiu os objetivos essenciais do pri-meiro momento da alfabetização, estando em franco processo de domínio

Reescrita do texto com vistas à sistematização do código

102

Alfabetização e Letramento

da escrita, pois demonstra que reconhece os princípios fundamentais do código e atende a noções básicas da textualidade. Entre os conteúdos do domínio do código, verifica-se, nessa produção escrita do aluno, as seguintes aquisições:

reconhece a direção da escrita; �

tem noção de segmentação, pois faz tentativas, embora ainda não seg- �mente corretamente;

reconhece o princípio alfabético, identificando a relação letra-fonema; �

reconhece as letras e seus valores fonéticos, inclusive no caso das arbitrá- �rias, embora não complete e não grafe corretamente todas as palavras;

apresenta traçado legível das letras; �

reconhece a função do til; �

reconhece a função nasalizante do � m e do n;

utiliza recursos de coesão – depois, e; �

é capaz de desenvolver um texto narrativo; �

expõe idéias com seqüência lógica; �

emprega, no texto escrito, a flexão adequada dos verbos, fazendo uso de �sua competência lingüística oral, exceto na flexão do verbo ir, flexionado na terceira pessoa, em razão de marca dialetal;

produz um texto, ainda que breve, com unidade temática. �

Com base nessas considerações, conclui-se que o aluno produz um texto breve, ainda que com problemas de domínio do código. Cabe ao professor proceder de modo a consolidar esses conteúdos e continuar trabalhando com aqueles que ainda não se manifestam como aprendizagem, entre os quais:

segmentação; �

discriminação dos fonemas semelhantes – p/t, f/v e m/n; �

famílias silábicas compostas por relações arbitrárias – � c e q;

noção e princípio do uso do parágrafo; �

Reescrita do texto com vistas à sistematização do código

103

distinção entre nome de letra e seu valor fonético; �

regência, como por exemplo, ir à venda, ao invés de ir na venda; �

superação da marca dialetal – eu foi, dispois; �

pontuação; �

acentuação. �

Cabe ainda lembrar que os vocábulos cujo registro contém relações ar-bitrárias necessitam ter sua grafia memorizada. Daí a importância de variadas atividades de leitura e escrita.

Vejamos outro exemplo de análise dos conteúdos do domínio do código no texto de um aluno, verificando-se as aquisições e os problemas apresentados.

Texto da criança Texto reescrito

Omeo bigo edi pelusia eonomi de li e xiqino eli

e brãqo.

O meu bichinho é de pelúcia e o nome dele é

Chiquinho. Ele é branco.

Em primeiro lugar, a análise evidencia um conjunto de apropriações do aluno com relação ao domínio do código:

domínio da escrita; �

noção de segmentação, pois, embora não segmente corretamente, faz �tentativas de empregá-la entre as palavras;

domínio do princípio alfabético, quanto à relação oralidade-escrita; �

domínio do valor fonético de uma quantidade razoável de letras; �

domínio da função de nasalização do til; �

seqüência lógica de idéias. �

Outra questão muito importante, que se pode observar na produção do aluno, é que os problemas do texto contêm uma lógica, de tal forma que é pos-sível constatar um certo domínio dos conteúdos da língua escrita.

104

Alfabetização e Letramento

Registro Erros Causa provávelConhecimento

implícito no erro

OMEO Ausência de seg-

mentação. Troca

do U pelo O.

Referência no fluxo da oralidade, pois

no discurso oral não procedemos à

segmentação entre palavras. Marca

da oralidade, pois a pronúncia do

ditongo EU é muito próxima do di-

tongo EO.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético da

letra O.

BIGO Troca de sílaba

CHO por GO.

A referência do valor fonético do GI/

GE pela proximidade fonética:

BICHO = BIJO.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético do

G /j/.

EDI Ausência de acen-

to agudo. Erro de

segmentação. Tro-

ca do E pelo I.

Nenhuma noção. Referência no fluxo

da oralidade. Marca da oralidade.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético da

letra I.

PELUSIA Troca do C pelo S.

Ausência do acen-

to agudo.

Identidade do valor fonético dessas

letras, em determinados casos. Ne-

nhuma noção.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético da

letra S.

EONOMI Erro de segmen-

tação. Troca do E

pelo I.

Referência no fluxo da oralidade.

Marca da oralidade produz identida-

de de valor fonético dessas letras, em

determinados casos.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético da

letra I.

(KLE

IN, 2

000,

p. 5

6-57

)

Reescrita do texto com vistas à sistematização do código

105

DE/LI/ELI Erro de segmen-

tação. Troca do E

pelo I.

Tentativa de segmentação. Marca da

oralidade produz identidade “de va-

lor fonético dessas letras, “em deter-

minados casos.

Noção de segmen-

tação. Compreensão

da relação oralida-

de-escrita. Compre-

ensão do valor fo-

nético da letra I.

E Erro de acentua-

ção.

Nenhuma noção. Nenhuma noção.

XIQINO Troca de CH pelo

X. Omissão da le-

tra U.

Identidade do valor fonético dessas

letras, em determinados casos. Con-

fusão entre o nome da letra Q, seu

valor fonético e a arbritariedade da

sílaba.

Compreensão da re-

lação oralidade-es-

crita. Compreensão

do valor fonético da

letra X. Identificação

do nome da letra.

BRÃQO Troca do N pelo til.

Troca do C pelo Q.

Identidade de função nasalizante.

Identidade do valor fonético dessas

letras em determinados casos.

Compreensão da

relação oralidade-

-escrita. E do valor

nasalizante da letra

N. Compreensão da

relação oralidade-

-escrita e do valor

fonético da letra Q.

Os problemas mais recorrentes no texto analisado e que demandam serem retomados como objeto de sistematização são grafia fixa de vocábulos e seg-mentação das palavras, sendo que ambos os conteúdos estão relacionados entre si. Cabe ainda retomar a noção de pontuação e de parágrafo.

Podemos concluir a reflexão sobre a sistematização do código ressaltan-do que, tendo em vista o processo pedagógico proposto, não é necessário

106

Alfabetização e Letramento

aguardar que o aluno domine o código para produzir seus textos escritos. Ao contrário, como vimos no exemplo analisado, é imprescindível que o profes-sor estimule a criança a escrever suas idéias desde o início da alfabetização, pois, nessas tentativas, ela será levada a pensar sobre o código e começará a entender seus princípios. Além disso, ela contará com a mediação do professor para a apropriação desse conhecimento, pois é importante que o educador se mostre sempre disponível para ajudar e fornecer as respostas, dizendo, por exemplo, como se escreve determinada palavra ou sílaba quando a criança não consegue fazê-lo sozinha.

Texto complementar

As sílabas(TATIT, 2000)

Cantiga diga lá

A dica de cantar

O dom que o canto tem

Quem tem que ter se quer encantar

Só que as sílabas se embalam

Como sons que se rebelam

Que se embolam numa fila

E se acumulam numa bola

Tem sílabas contínuas:

Ia indo ao Piauí

Tem sílabas que pulam:

Vox populi

Tem sílaba que escapa

Reescrita do texto com vistas à sistematização do código

107

Que despenca

Rola a escada

E no caminho

Só se ouve

Aquele boi-bumbá

Tem sílaba de ar

Que sopra sai o sopro

E o som não sai

Tem sílaba com esse

Não sobe não desce

Tem sílaba legal

Consoante com vogal

Tem sílaba que leve oscila

E cai como uma luva na canção

Atividades Agora que você já estudou as unidades sobre a sistematização para o domínio

do código, elabore um texto no qual desenvolverá uma reflexão articulando os conceitos científicos estudados e as idéias contidas nos versos da canção.

Maria Auxiliadora CavazottiOs fundamentos teóricos e metodológicos que norteiam as práticas da

alfabetização propostas são compatíveis com uma concepção de avalia-ção processual, capaz de acompanhar o desenvolvimento da aprendiza-gem do aluno, com o objetivo de apreender o progresso alcançado e as dificuldades que interferem no seu crescimento.

Os resultados da avaliação da aprendizagem não têm qualquer des-tinação classificatória, mas se prestam unicamente para que o professor possa se valer deles para fazer um balanço das prováveis dificuldades que embaraçam o progresso dos alunos e planejar os procedimentos peda-gógicos que possam superá-las. Dessa forma, a avaliação cumpre uma função diagnóstica, identificando problemas que emperram a aprendiza-gem e orientando novos passos do planejamento do ensino: quais con-teúdos precisam ser retomados; o que fazer para tornar as questões mais acessíveis para a classe; a validade da metodologia adotada; as dificulda-des próprias de determinados alunos, entre outros.

Uma outra característica da avaliação é que ela deve ser sistemática e contínua, pois se processa no decorrer das atividades normais da sala de aula, não sendo compatível realizá-la na forma de uma atividade específi-ca, à parte daquelas que se realizam normalmente na sala de aula.

A avaliação também é importante para que as crianças se situem em relação ao seu próprio progresso da apropriação do conhecimento, per-mitindo-lhes identificar as conquistas realizadas e estimulando-as a avan-çarem naqueles conteúdos que ainda não conseguiram consolidar como apropriação.

A avaliação é sempre individual e se realiza por meio do acompanha-mento das atividades e produções de cada aluno, verificando-se seu do-mínio dos conceitos trabalhados.

Avaliação em ensino da língua escrita

110

Alfabetização e Letramento

Para auxiliar a atividade de avaliação do professor, sugerimos a ficha, elabo-rada pela professora Lígia Regina Klein (2003), que se caracteriza por privilegiar o aprendizado em lugar de ressaltar o erro. Além disso, permite uma visão deta-lhada do progresso da cada aluno e, ao mesmo tempo, da classe inteira.

O preenchimento dessa ficha não deve mobilizar o professor a ponto de deslocá-lo das tarefas de ensino, pois ele vai registrando as informações que for realizando no acompanhamento cotidiano dos alunos. Não é necessário fazer anotações diárias sobre cada aluno, mas não deixar de registrar sempre que ob-servar algum progresso realizado por um aluno determinado.

Por fim, a professora Lígia Regina Klein adverte que os conteúdos relaciona-dos na ficha não devem ser trabalhados e avaliados de forma seqüencial, mas sim na sistematização dos conteúdos e nos procedimentos propostos em cada uma das práticas da alfabetização. Assim, é importante observar que alguns con-teúdos encontram-se repetidos, pois sua indicação levou em conta as modalida-des oral e escrita.

Ficha de avaliação em ensino da língua escrita

CritériosNome dos alunos

Conteúdos mais específicos da produção oral

Articula corretamente os fonemas.

Procura pronunciar corretamente as palavras conhecidas,

eliminando erros de ortoépia (ex.: tó/cs/ico ao invés de tó/s/

ico), de prosódia (ex: rubrica em lugar de rúbrica) e de hiper-

correção (ex: sorvete, em lugar de solvete).

Ao falar, procura adotar a entonação adequada à frase (in-

terrogativa, afirmativa, exclamativa), superando o tom mo-

nótono.

Utiliza recursos de entonação para expressar sentimentos

(ternura, zanga, medo etc.).

Utiliza um ritmo adequado, sem atropelo e sem lentidão

cansativa.

Apresenta um fluxo adequado de oralidade, sem pausas des-

necessárias.

(KLE

IN, 2

003,

p. 5

5-63

)

Avaliação em ensino da língua escrita

111

Apresenta um domínio vocabular compatível com a idade,

o meio etc., observando o uso adequado dos termos no seu

discurso oral.

Preocupa-se em enriquecer seu discurso oral com a incorpo-

ração adequada de novos termos.

Procura adequar o vocabulário aos objetivos do texto e ao

interlocutor.

Expõe oralmente, com clareza, suas idéias.

Apresenta suas idéias observando uma seqüência lógica.

É objetivo nas suas exposições orais.

Acrescenta detalhes às suas descrições e narrações, sem con-

tudo perder a clareza do conteúdo que desenvolve.

No discurso argumentativo, procura desenvolver argumen-

tos com coêrencia e consistência, compatíveis com seu nível

de desenvolvimento.

Distingue informações e idéias essenciais e acessórias no seu

discurso oral, procurando fortalecer as primeiras.

Evita expressões viciosas (repetições, gírias, jargões, lugares-

comuns, termos de baixo calão), salvo quando a narrativa

assim o exigir.

Observa concordância de gênero e número, nos casos mais

simples.

Utiliza adequadamente os modos e tempos verbais nos ca-

sos comuns.

Observa a concordância verbal nos casos comuns.

Faz uso de citações, embora não utilizando adequadamente

os recursos do discurso direto e indireto.

Faz uso de citações, empregando com adequação os meca-

nismos do discurso direto e do discurso indireto, nas formas

mais comuns.

Participa dos debates, sabendo intervir no momento ade-

quado e agindo cortesmente com os demais participantes.

Participa dos debates, expondo com objetividade suas idéias.

Elabora conclusões.

Utiliza figuras de linguagem para enriquecer seu texto oral.

112

Alfabetização e Letramento

CritériosNome dos alunos

Conteúdos mais específicos da produção escrita

Reconhece as idéias contidas em alguns símbolos usuais.

Cria símbolos em contextos diversos, compreendendo sua

convencionalidade.

Utiliza e interpreta formas variadas de representação (mími-

ca, dramatização, desenho etc.).

Compreende a função do símbolo.

Interpreta desenhos.

Utiliza-se do desenho para representar suas idéias, compre-

endendo-o como uma forma de representação gráfica de

imagens visuais.

Compreende as funções comunicativa e informativa da lin-

guagem escrita.

Compreende as funções fática, literária, poética, apelativa e

expressiva da linguagem escrita.

Estabelece distinção entre os símbolos da escrita e outros

grafismos (desenho, logotipo, número etc.).

Reconhece as letras do alfabeto como sistema de represen-

tação gráfica de sinais sonoros, referenciada na linguagem

oral, distinguindo a lógica do desenho da lógica da escrita

(buscando a relação oralidade-escrita).

Reconhece o texto escrito como registro gráfico do texto

oral, estabelecendo a relação oralidade-escrita.

Identifica a direção da escrita (esquerda-direita, de cima para

baixo), entendendo a convencionalidade do nosso código de

escrita.

Distingue letras e notações léxicas (acentos, til, trema, após-

trofo, cedilha e hífen), embora não saiba utilizar estas últimas

adequadamente.

Consegue discriminar as letras com traçado mais distinto.

Consegue discriminar as letras com traçado muito parecido

ou que se distinguem apenas pela posição (f, t, p, b, d).

Avaliação em ensino da língua escrita

113

Estabelece relações de oralidade-escrita, observando seme-

lhanças “e diferenças entre palavras, relacionando a diferença

das palavras “na oralidade e sua diferente representação grá-

fica (ex: saída/caída, fome/nome).

Identifica diferenças de pronúncia de determinados vocá-

bulos dos dialetos populares relativamente à língua padrão,

procurando adequar o texto escrito à forma-padrão (ex: bar-

de/balde; gente/genti).

Estabelece relações de oralidade-escrita, identificando novas

palavras resultantes de trocas de sílaba, acréscimo ou supres-

são de letras numa palavra dada.

Estabelece relações entre palavras quanto a semelhanças e

diferenças de oralidade-escrita, percebendo que sons iguais

podem ter grafias iguais, bem como grafias diferentes; que

grafias iguais podem corresponder a sons iguais bem como

diferentes (ex: cena, celeiro, senhor/bebida, benedita, belo/

sala, casa).

Utiliza as letras do alfabeto nas tentativas de escrita, compre-

endendo o princípio alfabético da língua.

Reconhece algumas letras do alfabeto e seu valor fonético

(por exemplo, nas tentativas de escrita, utiliza com boa mar-

gem de acerto as letras do alfabeto correspondentes às vo-

gais e as pertencentes ao conjunto das relações biunívocas

(A-E-I-O-U; B-D-F-P-T-V), ou seja, reconhece famílias silábicas

relativas às relações biunívocas (A, E, I, O, U; BA, BE, BI, BO, BU;

DA, DE, DI, DO, DU etc.).

Distingue letras e sílabas, reconhecendo as famílias silábicas

relativas às relações biunívocas (A, E, I, O, U; BA, BE, BI, BO, BU;

DA, DE, DI, DO, DU etc.).

Nas tentativas de escrita, demonstra compreender o valor

posicional de determinadas letras, ainda que empregando-

as incorretamente (L-M-N-S etc.), ou seja, reconhece famílias

silábicas relativas às relações de valor posicional (NA, NE, NI,

NO, NU; AN, EN, IN, ON, UN etc.).

114

Alfabetização e Letramento

Nas tentativas de escrita, demonstra compreender o cará-

ter arbitrário de determinadas relações letra-fonema, reco-

nhecendo que algumas letras podem representar mais de

um fonema e vice-versa, ainda que empregando-as incor-

retamente (X, S, CH, C, K, Q etc.), ou seja, reconhece famílias

silábicas ligadas às relações arbitrárias, a partir do fonema

(/Z/: SA, SE, SI, SO, SU – ZA, ZE, ZI, ZO, ZU – XA, XE, XI, XO, XU;

/S/: CHA, CHE, CHI, CHO, CHU – XA, XE, XI, XO, XU, SHA, SHE,

SHI, SHO, SHU etc.).

Compreende que embora haja diversas possibilidades de

registro gráfico de determinados fonemas e diversos valores

fonéticos para determinadas letras, só há uma forma correta

de grafar o fonema em uma palavra dada.

Ao tentar ler palavras com letra de valor fonético arbitrário,

procura identificar os fonemas que podem ser representados

por aquela letra e selecionar a pronúncia correta daquela pa-

lavra (ou seja, reconhece a escrita fixa dos fonemas arbitrá-

rios no interior de uma palavra dada, tentando identificar as

alternativas possíveis e selecionar a provável).

Ao tentar escrever palavras com letra de valor fonético arbi-

trário, procura identificar as letras que podem representar

aquele fonema e selecionar a letra correta para a grafia da-

quela palavra (ou seja, reconhece a escrita fixa dos fonemas

arbitrários no interior de uma palavra dada, tentando identi-

ficar as alternativas possíveis e selecionar a provável).

Reconhece todos os valores fonéticos de cada uma das letras

do alfabeto (inclusive todas as arbitrariedades).

Faz a identificação global de certo número de palavras em

textos trabalhados, embora não saiba escrevê-las.

Nas tentativas de escrita, utiliza, ainda que com traçado rudi-

mentar, em caixa-alta, letras do alfabeto.

Escreve com traçado legível.

Lê palavras ou pequenos textos em caixa-alta.

Reconhece a mesma letra em caixa-alta e cursiva.

Lê palavras e pequenos textos em cursiva.

Avaliação em ensino da língua escrita

115

Reconhece letras escritas em tipos diferentes.

Utiliza-se, ainda que inadequadamente, dos sinais de acentu-

ação, “nas suas tentativas de escrita.

Identifica a função fonética do acento agudo e do acento cir-

cunflexo.

Acentua corretamente as palavras mais corriqueiras.

Utiliza-se dos sinais de acentuação com boa margem de

acerto, pela identificação global da palavra, mesmo desco-

nhecendo a regra.

Compreende a função dos sinais de acentuação, ainda que

os utilize arbitrariamente.

Utiliza adequadamente os sinais de acentuação.

Emprega o til com boa margem de acerto nas palavras mais

corriqueiras.

Nas tentativas de escrever, demonstra reconhecer a direção

convencional da escrita.

Nas tentativas de escrita, procura empregar a segmentação,

ainda que o faça incorretamente.

Nas tentativas de escrita, emprega a segmentação, com boa

margem “de acerto.

Nas tentativas de escrita, emprega corretamente a segmen-

tação quando se trata de palavras usuais.

Nas tentativas de escrita, só erra a segmentação em casos em

que a própria característica da língua pode induzir ao erro

(ex.: derrepente; a fim).

Demonstra reconhecer maiúsculas e minúsculas, empregando-

as em suas tentativas de escrita, ainda que inadequadamente.

Compreende os casos de uso da letra maiúscula, nos casos

mais comuns, empregando-a adequadamente em palavras

ou pequenos textos.

Emprega adequadamente a letra maiúscula, mesmo em vo-

cábulos menos comuns.

Escreve pequenos textos, ainda que com pouca convencio-

nalidade.

116

Alfabetização e Letramento

Escreve pequenos textos com razoável convencionalidade.

Na escrita de textos, faz tentativas de emprego de sinais de

pontuação.

Compreende a função do ponto final, do ponto de interroga-

ção e do ponto de exclamação, utilizando-os com boa mar-

gem de acerto nas suas produções textuais.

Faz tentativas de emprego da vírgula.

Utiliza vírgula com alguma propriedade.

Compreende a função da vírgula e a emprega com boa mar-

gem de acerto na sua produção de textos.

Compreende a função dos dois-pontos, empregando-os com

boa margem de acerto.

Compreende a função das reticências, empregando-as com

alguma propriedade.

Compreende a função do trema e o utiliza com razoável acer-

to na sua produção de textos.

Identifica o hífen e faz tentativas de utilizá-lo nas situações

mais corriqueiras em que essa notação léxica é requerida (al-

guns vocábulos compostos e no caso dos pronomes pesso-

ais oblíquos, por exemplo).

Escreve textos, valendo-se da competência lingüística adqui-

rida no aprendizado da língua oral.

Ao produzir seus textos, preocupa-se em adequá-los aos seus

objetivos e interlocutores, num grau mínimo de adequação.

Escreve textos observando a unidade temática de forma sa-

tisfatória.

Escreve textos com razoável organização das idéias (seqüên-

cia lógica).

Na produção do texto, procura organizá-lo observando intro-

dução, desenvolvimento e conclusão.

Utiliza elementos coesivos para articular os elementos do

texto (palavras, frases, períodos e parágrafos), buscando

maior clareza e eliminando repetições desnecessárias, ao

menos nas construções menos complexas.

Avaliação em ensino da língua escrita

117

Procura eliminar repetições desnecessárias, valendo-se de

sinônimos.

Demonstra reconhecer marca de parágrafo, utilizando-a nas suas tentativas de escrita, ainda que inadequadamente.

Compreende a lógica do uso do parágrafo, segmentando o

texto com alguma margem de acerto.

Compreende a lógica do uso do parágrafo, segmentando

adequadamente o texto num grau maior de complexidade.

Elimina marcas de oralidade no texto escrito.

Elimina repetição de palavras no texto escrito.

Identifica e procura eliminar redundância de idéias no texto

escrito.

Observa, na sua produção textual escrita, flexões de gênero e

de número, buscando a concordância nominal.

Observa a concordância verbal nos seus textos escritos, com

boa margem de acerto.

Utiliza adequadamente os modos e tempos verbais, com boa

margem de acerto.

Tem noção de regência nominal e verbal.

Observa a correção de regência nominal e verbal nos casos

mais comuns.

Faz uso dos mecanismos de citação – discurso direto e indire-

to – ainda que não dominando sua forma convencional.

Observa as normas do uso do discurso direto, valendo-se corre-

tamente do verbo discendi, dois-pontos, parágrafo e travessão.

Compreende a flexão dos verbos discendi na passagem do

discurso direto para o discurso indireto.

Utiliza as notações léxicas, ainda que arbitrariamente.

Utiliza as notações léxicas com boa margem de acerto.

Compreende a diferença entre sentido denotativo e sentido

conotativo.

Utiliza figuras de linguagem na sua produção textual.

118

Alfabetização e Letramento

Procura expor suas idéias com originalidade e elegância, evi-

tando recorrer a chavões, lugares-comuns, gírias e termos de

baixo calão (salvo em casos especiais, como quando caracte-

rizam um personagem).

Distingue textos descritivos, narrativos e dissertativos, procu-

rando utilizar-se dos recursos próprios de cada forma textual.

Tem noção de argumentação.

Distingue texto argumentativo, identificando os argumentos

do texto.

Utiliza argumentos em seus textos.

Identifica e produz texto epistolar (recados, convites, cartas).

Identifica algumas especificidades dos textos didático, in-

formativo, argumentativo, epistolar, jornalístico, publicitário

etc.

Distingue prosa e poesia, reconhecendo características que as diferenciam e procurando utilizá-las em seus textos.

Na produção de textos descritivos e narrativos, procura enri-

quecê-los com informações complementares, sem no entan-

to perder a objetividade e sem incorrer em incoerência.

Distingue, no texto, idéias ou informações centrais e secun-

dárias.

Tem noção de argumentação.

No texto argumentativo, procura desenvolver argumentos

consistentes e suficientes, evitando a incoerência, em grau

compatível com o esperado para seu nível de estudo.

Conteúdos mais específicos da interpretação de textos orais

Nome dos alunos

Compreende idéias e argumentos.

Analisa a coerência e pertinência das idéias e argumentos de

outrem.

Analisa criticamente as idéias e argumentos de outrem.

Avaliação em ensino da língua escrita

119

Distingue as informações, idéias e argumentos essenciais e aces-

sórios no discurso de outrem.

Reproduz com razoável propriedade as idéias veiculadas no texto

de outrem.

Identifica a temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identifica, no texto de outrem, incorreções lingüísticas.

Identifica, no texto de outrem, inadequações de fluxo, de ritmo,

de entonação.

Identifica, no texto de outrem, inadequações lexicais.

Identifica, no texto de outrem, inadequações de ordenação ló-

gica das idéias.

Identifica, no texto de outrem, o emprego de vocábulos que lhe

são desconhecidos e preocupa-se em conhecer seu sentido.

Conteúdos mais específicos da interpretação de textos escritos

Nome dos alunos

Compreende as idéias e argumentos de outrem.

Analisa a coerência e a pertinência das idéias e argumentos

de outrem.

Analisa criticamente as idéias e argumentos de outrem.

Distingue as informações, idéias e argumentos essenciais e

acessórios no discurso de outrem.

Reproduz com razoável propriedade as idéias veiculadas no

texto de outrem.

Identifica a temática de um discurso, distinguindo-a do enredo.

Identifica, no texto de outrem, incorreções gráficas e lingüísticas.

Identifica, no texto de outrem, inadequações lexicais.

Identifica, no texto de outrem, inadequações de ordenação

lógica das idéias.

Identifica, no texto de outrem, o emprego de vocábulos que lhe

são desconhecidos e preocupa-se em conhecer seu sentido.

120

Alfabetização e Letramento

Atividades A avaliação da aquisição da língua escrita tem caráter diagnóstico, sistemá-

tico, contínuo, formativo e, ainda, possibilita a auto-avaliação. Explique cada uma dessas caraterísticas e enriqueça sua reflexão com exemplos que aju-dem a elucidá-las.

Avaliação em ensino da língua escrita

121

Luiz Percival Leme BrittoApresenta-se, nesta aula, uma reflexão sobre o conceito de letramento,

examinando os motivos de sua emergência, seus antecedentes e o signi-ficado que tem saber ler e escrever na sociedade moderna, chamada de sociedade de cultura escrita.

As origens do novo conceitoNo mundo moderno globalizado, tornou-se lugar comum falar em

ensino básico universal, em elevação da escolaridade e educação de qua-lidade. Insistem os discursos político-pedagógicos que o trabalhador mo-derno, versátil e dinâmico deve ser escolarizado, capaz de manipular textos diversos e de resolver problemas. O analfabeto, sufocado pelas formas e espaços letrados, é menos produtivo e mais dependente. Incluído na cidade das letras – tem de transitar em ruas desenhadas e escrituradas, construir prédios antes projetados em pranchetas e telas, ouvir notícias escritas anunciadas por vozes domesticadas pela norma e pelo exercício disciplinar de um profissional das letras, trabalhar com sistemas monetá-rios – esse sujeito continua excluído do mundo da escrita, um mundo que supõe territórios privilegiados, caracterizados por formas de discursos e referências específicas, por expressões próprias de cultura e de valor.

Por isso, saber ler e escrever é condição para as pessoas participarem integralmente da sociedade contemporânea, como bem demonstra a preocupação com a escolarização e a alfabetização de todos os indivídu-os, inclusive os que não tiveram essa oportunidade em outro momento de sua vida.

Recentemente, a educação passou a utilizar o conceito de letramento para referir tanto os processos de ensino de leitura e escrita quanto de uso desse conhecimento pelas pessoas. A dinâmica social contemporâ-nea impõe às pessoas uma quantidade imensa de exigências, envolvendo capacidade de participação, de crítica, de transformação, de propor solu-ções criativas etc. Ou seja, para participar e mover-se com desenvoltura

Letramento: novas realidades, novos conceitos

124

Alfabetização e Letramento

nessa sociedade, a pessoa deve ser capaz de agir com autonomia, demonstrar iniciativa e ter capacidade de análise e decisão. A palavra-chave nesse contexto é autonomia intelectual, entendida como a capacidade de a pessoa, em situações diversas, decidir, calcular, planejar, intervir, criticar, transformar, solucionar, criar.

Quando maior o nível de letramento, maiores serão a freqüência de manipu-lação de textos escritos variados e a interação com discursos menos contextuali-zados ou mais auto-referidos, a convivência com domínios de raciocínio abstrato, a produção de textos para registro, comunicação ou ação planejada, a realização de leitura autônoma (sem intervenção ou apoio de outra pessoa), a capacidade e as oportunidades da pessoa de realizar tarefas que exigem automonitoração, inferências diversas e ajustamento constante.

O conceito de letramento trouxe para debate a educação – em especial a educação lingüística – as formas de apropriação e utilização das variadas cons-truções intelectuais e dos produtos de cultura da sociedade urbano-industrial, novos questionamento e proposições.

Esse processo resulta de três ordens de fatores:

o desenvolvimento dos estudos sobre a escrita – compreendida como algo �mais que cópia infiel da fala ou usurpadora do lugar original desta –, isto é, sobre os discursos, os gêneros, os modos de ler e escrever e de aprender a ler e escrever, as formas de produzir textos e objetos de leitura, as modifi-cações conseqüentes do uso de novas tecnologias, em particular o compu-tador;

o aumento da demanda social pelo domínio operacional do sistema de �escrita;

as mudanças no modo de produção, da economia e da política global. �

Novidades e continuidadesDe fato, podemos dizer que sua proposição tende a condensar uma série

de reflexões, proposições e ações principalmente na área da educação que já vinham ocorrendo. Vejamos as referências mais significativas.

Letramento: novas realidades, novos conceitos

125

O mundo da escritaSabemos que a escrita se organizou historicamente associada a uma deter-

minada variante lingüística, exatamente aquela das classes socialmente mais fa-vorecidas. Mas isto não explica o que é a escrita, qual sua natureza. Seria simplis-mo crer que a escrita apenas transfere para o papel uma forma de falar. Mais do que isso, e por razões próprias de sua constituição, a escrita organiza de forma particular a fala, acrescentando-lhe características novas e abandonando outras. Nesse sentido, pode-se dizer que “a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codifica-ção” (FERREIRO, 1984, p. 12).

Isto é, ao tomar a fala (na sua estrutura significante) como elemento a ser re-presentado, a escrita não reproduz todos os seus elementos, mas apenas alguns; além disso, ela constrói novas relações entre esses elementos. Fosse a escrita apenas um código da oralidade, então tanto os elementos como suas relações já estariam estabelecidos e a escrita apenas os reproduziria. Em outras palavras, a escrita seria igual à fala, e a cada símbolo usado na escrita corresponderia exata-mente outro (e com as mesmas características) da fala, numa relação um a um.

Haquira Osakabe, num artigo em que discute a linguagem do ponto de vista discursivo, diz que “a escrita atua como complemento da oralidade, cumprin-do certas atribuições que se situam além das propriedades inerentes a esta” (OSAKABE, 1983, p. 148). Superando os limites de tempo e espaço, que são característicos da fala, a escrita tornou-se um “instrumento de interlocução à distância”, virtualmente capaz de suprimir as limitações comunicativas da ora-lidade. Se a fala esvanece no mesmo momento em que é produzida, a escrita permanece registrada no papel.

Dessa possibilidade de permanência resultam duas características fundamen-tais do texto escrito que não existem na modalidade falada: a fixidez e a tendência monológica. A primeira é conseqüência da própria natureza do veículo (o papel ou outro portador), que permite a preservação do texto no espaço e no tempo. A segunda, por sua vez, decorre do fato de que, na ação de escrever, apenas um dos interlocutores tem o direito da palavra, estando o outro (o ouvinte, o leitor) ausente, apenas pressuposto na relação interlocutiva (isto é, ele é previsto por quem escreve, já que escreve para ser lido e pode idealizar esse leitor).

126

Alfabetização e Letramento

Essa assimilação faz com que a escrita acabe por ver-se impregnada de va-lores e sistemas de referências próprias dessa classe, transformando-se assim numa maneira particular de organizar o mundo, de modo que aprender a ler e a escrever, mais do que dominar um código de tradução do oral ao escrito, significaria ter a capacidade de interagir com discursos característicos da cultura escrita, organizados com sintaxe e vocabulário próprios.

Um exemplo contundente é que não é suficiente ser alfabetizado para con-seguir um bom emprego ou para compreender qualquer texto escrito. Ao con-trário, o que normalmente se observa é que a maioria das pessoas alfabetizadas, mas com pouca escolaridade, além de estar mal empregada (ou desempregada), só consegue usar a escrita num nível mais superficial relacionado às tarefas do cotidiano (leitura da escritas de rua, de cartazes, anúncios, ofertas de emprego, revistas de assuntos triviais ou de práticas manuais, enfim, todo um material pro-duzido numa linguagem aparentemente simples). Conforme anota Mário Perini

[...] a maior parte da população brasileira adulta é funcionalmente analfabeta. Quero dizer que, se bem que sejam capazes de assinar o nome e de decifrar o letreiro do ônibus que tomam diariamente, não conseguiriam ler com compreensão adequada uma página completa, ainda que se tratasse de assunto dentro de sua competência. (PERINI, 1988, p. 78)

Enfim, a escrita impõe-se, não é opção. E isso tanto do ponto de vista do indi-víduo (que, alfabetizado, está mais inserido na sociedade e possui mais chances de sobreviver nela), quanto do ponto de vista do sistema, que quer sujeitos mais capacitados para o trabalho e mais inseridos no mercado consumidor. “À alfa-betização se vincula uma necessidade pragmática” (OSAKABE, 1983, p. 150). Isto é, alfabetiza-se o indivíduo para que ele seja mais produtivo ao sistema. E não é necessário mais que isso.

Disso resulta que pouco importa a maneira como o analfabeto vê a língua. Ele pode até dizer que não sabe português, e efetivamente sentir assim, sem que isso interfira em sua capacidade produtiva. Interessa apenas que ele o saiba usar na justa medida em que fique facilitada a transmissão de ordem e dos valores estabelecidos e que se tornem compreensíveis os comandos e orientações de trabalho e consumo.

Leitura de mundo – leitura da palavraAo fundamentar sua proposta de educação de adultos, Paulo Freire, reme-

tendo-se à sua experiência pessoal de aprender a ler e a escrever e a conhecer o mundo que o cercava, afirma que:

Letramento: novas realidades, novos conceitos

127

Primeiramente [veio] a leitura do mundo, do pequeno mundo em que me envolvia. Depois [veio] a leitura da palavra que, nem sempre longe de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo” – não a leitura da palavra mundo, mas a leitura da “palavramundo”, uma palavra só. [...] O mundo de minhas primeiras leituras – os textos, as palavras, as letras daquele contexto, cuja percepção me experimentava e quanto mais o fazia mais aumentava a capacidade de perceber – se encarnava numa série de coisas, de objetos e sinais, cuja compreensão eu ia aprendendo no meu trato com eles. [...] O desenvolvimento e o desafio à expressividade oral da criança, o desafio à continuidade da leitura de seu mundo concomitantemente com a leitura da palavra é absolutamente indispensável. (FREIRE, 1995, p. 30)

Em outro trabalho, o educador retoma este tópico e escreve:

A compreensão crítica do ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. [...] Linguagem e realidade se aprende dinamicamente. [...] A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. (FREIRE, 1982, p.11 e 22)

O que ensina Paulo Freire com estas reflexões é que a educação não se dá em abstrato, de forma independente dos modos objetivos e concretos de vida social e coletiva. Ele adverte que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção e que quanto mais criticamente se exerce a capacidade de aprender, mais se constrói a curiosidade epistemológica.

Com isso, esse autor implicava que aprender a ler e a escrever não é aprender a decodificar as palavras, estando diretamente relacionado com as experiências de vida, com os contextos de uso e os sentidos que as palavras, escritas e faladas, ganham em nossas vidas. Enfim, a manipulação do escrito se relaciona com os modos de participar e fazer coisas na sociedade, um dos fundamentos principais do conceito de letramento.

Alfabetização contextualizadaNos anos 1970, a pesquisadora e educadora Emília Ferreiro e várias colabo-

radoras trouxeram para o debate pedagógico a hipótese de que as crianças, em sua aprendizagem da escrita, não incorporam mecanicamente o funcionamento desse sistema, mas sim o reconstroem, a partir de um intenso processo de cons-trução de conhecimento.

Entre seus postulados, dois são particularmente importantes para nossa ex-posição. O primeiro é aquele relativo à compreensão do que se seja a escrita. Para a autora

[...] a escrita é um sistema de representação cujo vínculo com a linguagem oral é muito mais complexa do que alguns admitem. [...] Eu entenderia representação como esse conjunto de atividades que as sociedades desenvolveram em graus diversos, que consiste em dar conta de certo tipo de realidade, com certos propósitos, em uma forma bidimensional. [...] A representação permite uma re-análise do objeto representado. (FERREIRO, 2001, p. 77-78)

128

Alfabetização e Letramento

Esse postulado nos leva a pensar não apenas na necessidade de repensar o processo de alfabetização, já que não se trata mais de treinar uma mente pronta a usar um código, mas principalmente a compreender a escrita como um fenô-meno dinâmico e complexo e que a aprendizagem desse sistema supõe a vivên-cia com os objetos culturais e modos de ser característicos da cultura escrita.

O segundo é que

[...] a escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de existência (especialmente nas concentrações urbanas). (FERREIRO, 1984, p. 43)

A autora refere-se aos múltiplos usos e às diversas funções que a escrita pode ser submetida. Ela lembra que o indivíduo urbano, mesmo aquele que nunca foi à escola (seja porque ainda não atingiu a idade escolar, seja porque, devido a condições sociais, não teve oportunidade), está exposto ao material escrito e faz suposições sobre ele.

De fato, a educação escolar parece não abranger e sequer controlar os usos possíveis da escrita na sociedade. Entretanto, ela é a principal instituição auto-rizada a transmitir esse saber. Em outras palavras, se a escrita está na rua (ou também na rua), a possibilidade de seu uso depende do aval escolar. E talvez seja por isso que muitos pesquisadores defendam que seja função da escola in-troduzir a criança no universo da escrita.

Práticas de leitura e escrita no ensino de línguaJoão Wanderley Geraldi (1983), em um artigo escrito para professores, defen-

de uma reinterpretação epistemológica do fenômeno da linguagem, com im-portantes implicações para o ensino de língua, em particular para a forma como se compreende a aprendizagem da escrita e de seus usos.

O autor sustenta que a linguagem é uma forma de interação. O pressuposto que sustenta esta concepção é a impossibilidade de considerar a linguagem sem levar em conta a relação dos sujeitos com a língua e as condições de uso. Mais de um meio de transmissão de informação, na qual os indivíduos atuariam como máquinas de codificação, a linguagem é percebida como espaço e resultado da interação humana. Utilizando-a, as pessoas realizam ações que não consegui-riam realizar a não ser falando; mais do que isso, elas agem sobre si e sobre as outras com quem se relacionam, constituindo-se nesse compromisso, transfor-mando (ou tentando mudar) seu comportamento.

Letramento: novas realidades, novos conceitos

129

Há que cuidar, contudo, para não pensar que a linguagem, porque só existe em função da relação interlocutiva, seja um fenômeno exclusivamente subjeti-vo; ao contrário, nessa concepção de linguagem, sua realidade é objetiva e cons-titui o espaço social em que os sujeitos interagem:

[...] na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre interlocutores, isto é, ela se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como não está também na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. (BAKHTIN, 1980, p. 132)

E que conseqüências tem essa concepção de linguagem para o ensino?

Em primeiro lugar, põe em evidência o caráter político e ideológico que impli-ca a eleição de qualquer variedade lingüística como aquela que deve ser ensina-da. Em segundo lugar, torna evidente que a aprendizagem de uma língua (ou de variedade lingüística, ou de gêneros da língua) não se dá por treinamento, mas pelo seu uso real em várias situações interlocutivas, nas quais falantes e ouvin-tes são muito mais que emissores e receptores de mensagens. Coloca professor e aluno frente a frente, não como oponentes, mas como participantes do jogo interlocutivo, o que significa que são sujeitos construindo um conhecimento.

Finalmente, destaca o caráter coletivo da aprendizagem. Na sociedade con-temporânea, há evidente sobrevalorização da dimensão individual, quase sempre centrada na verificação das competências e na produção de escalas de capacida-de auferida por testes individuais. Desconsidera-se o fato de que o conhecimento é um produto social e que aquilo que uma pessoa sabe e efetivamente faz se circunscreve às condições históricas objetivas em que se encontra. O que uma pessoa sabe e faz isoladamente é distinto do que ela sabe e faz em grupo ou em tarefas solicitadas em situações sociais reais, algo que torna limitados os testes de capacidade individual. Além disso, há uma variada gama de situações mediadas pela escrita que se realizam com base em relações sociais, culturais e políticas que são, em sua historicidade, estabelecidas independentemente das capacidades dos indivíduos. Com isso, a questão do conhecimento só se manifesta no plano técnico-individual, escamoteando-se os problemas políticos e sociais implicados nos modos de produção, circulação e apropriação do conhecimento.

Com base nessa concepção de linguagem, a idéia principal é a de que o ensino da leitura, da escrita e do conhecimento sobre e da língua se faz centrado em práticas de linguagem, isto é, em atividades contextualizadas e reflexivas, de modo que a aprendizagem é resultado do uso significativo da linguagem oral e escrita, novamente, antecipando o núcleo do conceito de letramento.

130

Alfabetização e Letramento

Letramento: problemas conceituaisTal como tem sido utilizado, tanto em estudos acadêmicos, como na educa-

ção escolar, o conceito de letramento tem recoberto uma gama variada de inter-pretações, as quais supõem diferentes objetos e têm implicado práticas sociais e orientações teórico-metodológicas escolares imprecisas e confusas. Parece necessário uma melhor delimitação do conceito, percebendo seus usos e espe-cificidades, assim como seus problemas teóricos e as formas como vem sendo incorporado na educação escolar.

De início, é preciso lembrar que a expressão original em inglês – literacy – foi praticamente durante todo o século passado traduzida para o português como alfabetização. A introdução letramento, como um neologismo que só viria a ser dicionarizado quando do lançamento do Dicionário Houaiss da Língua Portu-guesa em 2001, teria se dado, por Mary Kato, no livro No mundo da escrita – uma perspectiva psicolingüística. Esse livro, produzido para cursos de letras e profes-sores de português, apresenta de forma didática os estudos que vinham sendo feitos na época sobre a escrita, desde sua história, passando pela relação com a fala e incluindo suas formas de uso.

A autora usa a palavra logo na introdução de seu trabalho, em que defende que

[...] a função da escola é introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a um cidadão funcionalmente letrado. Isto é, um sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de comunicação. [...] A chamada norma-padrão, ou língua falada culta, é conseqüência do letramento, motivo porque, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita. (KATO, 1986, p. 7 [grifos meus]).

Kato não explica o uso do neologismo nem mesmo se debruça em explici-tar o conceito, talvez porque este lhe parecesse demasiado óbvio. Há contudo, um conjunto de expressões que leva a crer que letramento, naquele contexto, refere-se ao processo de aquisição da escrita, muito próximo do que se falava sobre alfabetização como processo contínuo e não apenas como aprendizagem do código.

Os temas sobre o ensino significativo e contextualizado do português escrito (ainda que naquele momento permanecesse confundido com norma culta ou dialeto de prestígio), apesar de circunscritos a uma disciplina, tanto do ponto de vista acadêmico, como do ponto de vista escolar, captavam três aspectos centrais:

Letramento: novas realidades, novos conceitos

131

a aprendizagem da leitura e da escrita não se resume à aprendizagem do �manuseio do código;

a variação lingüística não deve ser tomada como erro; e �

o conhecimento da escrita implica o conhecimento dos conteúdos refe- �renciais a ela associados, isto é, formas de argumentar e de cognição.

Haveria um quarto ponto, o qual, no entanto, pouco se considerava: a relação entre o domínio da escrita e os processos de inserção social.

As perguntas que se fazem, então, são como e por que surgiu a expressão le-tramento e qual teria sido sua finalidade. Magda Soares (1998, p. 16) sustenta que resultaria da necessidade de produzir um novo termo capaz de abarcar “novos fatos, novas idéias, novas maneiras de compreender os fenômenos”. Como era forte a tradição de vincular alfabetização à aprendizagem das primeiras letras, parecia haver, segundo alguns autores, a necessidade de buscar um outro termo que conceitualmente expressasse a diferença entre esse processo e as formas de inserção no mundo da cultura mediados pela escrita.

Ângela Kleiman, em Significados do Letramento, o primeiro livro a trazer a pa-lavra no título, define letramento como sendo

[...] um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetos específicos. [...] O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. (KLEIMAN, 1994, p. 19-20)

Esta parece ser também a posição de Leda Tfouni, ainda que a autora, em sua exposição compreenda letramento como um campo de estudo, mais do que um processo:

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio do processo de escolarização e, portanto, de instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do individual.O letramento, por sua vez focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada. [...] O letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social. (TFOUNI, 1995, p. 9-10)

Já Magda Soares, em um livro que se tornou referência para a implementação e divulgação desse conceito – Letramento, um tema em três gêneros –, defende que:

132

Alfabetização e Letramento

Letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender a ler e escrever. O estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita. [...] Já alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da escrita, incorporando as práticas sociais que as demandam. (SOARES, 1998, p. 18)

Para ser “letrado” (numa acepção semelhante à que usa Kato), insiste Soares:

“Não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente.” (SOARES, 1998, p. 20).

Temos, portanto, uma retomada do que se anunciava nos anos de 1970 e 1980. Trata-se de uma reconsideração de trabalhos anteriores, com alguns avan-ços, em função de novas reflexões sobre a importância da leitura e da escrita na sociedade moderna e, mais ainda, sobre as formas de participação nesta cultura, assim como da validação de instrumentos pedagógicos e de avaliação.

A utilização indiscriminada do conceito de letramento e a existência de outros termos conceitos aparentados têm trazido algumas confusões conceituais para a pesquisa e, principalmente, indefinição quanto aos objetivos dos projetos pe-dagógicos escolares.

Essa dificuldade fica evidente quando se examinam alguns títulos de livros publicados em português em que o termo letramento foi preterido por outro, aparentemente porque os autores ou tradutores das obras não se sentiam su-ficientemente à vontade com o conceito com que estavam operando. Assim, Ribeiro (1998) propõe Alfabetismo e Atitude como título de sua pesquisa que re-cobre problemas da mesma natureza que os que identificam os trabalhos em que letramento é o termo de referência. Já The Literacy Dictionary, the Vocabulary of Reading and Writing, de Theodore L. Harris e Richard E. Hodges, recebeu na edição brasileira (1999), o título de Dicionário de Alfabetização – vocabulário de leitura e escrita. A conhecida obra Literacy and Orality, de David Olson e Nancy Torrance, foi traduzida para o português com o título de Cultura escrita e ora-lidade (1995), explicitamente considerada equivocada por Soares (1998, p. 20), ainda que tenha sido uma opção também explícita do editor e da coordenado-ra da coleção, Emília Ferreiro, a qual tem sustentado que alfabetização deve ser compreendida como algo relativo ao conhecimento da escrita como um todo e não apenas à aprendizagem do sistema simbólico, tendo lançado no Brasil o livro Cultura Escrita e Educação (2002), com o mesmo título em espanhol, num momento em que já circulava com desenvoltura o termo letramento.

Há, portanto, quatro diferentes termos-conceito em uso atualmente: letra-

Letramento: novas realidades, novos conceitos

133

mento; alfabetismo; alfabetização e cultura escrita. É simplismo supor que são todos equivalentes, ainda que às vezes alguns deles se equivalham no uso. Mas é plenamente possível usar todos eles de forma complementar, contribuindo para o entendimento de um fenômeno tão significativo na sociedade moderna.

Os termos em diálogoLetramento é a palavra mais usada em tempos recentes, pode ter várias in-

terpretações, dependendo do raciocínio que se desenvolva. Duas distinções são úteis para nossa reflexão.

A primeira distinção é entre processo de distribuição dos saberes (ações polí-tico-sociais e pedagógicas de formação dos sujeitos na cultura escrita) e estado em que se encontram indivíduos ou grupos (as habilidades individuais ou cole-tivas de leitura e escrita). A noção de processo implica práticas sociais de uso da escrita e da leitura e agentes formadores que definem os modos privilegiados de levar adiante a tarefa do ensino da escrita e da cultura (cuja principal ins-tância, ainda que não a única, é sem dúvida a escola). A segunda concepção se associaria à idéia de alfabetizado, letrado ou educado, supondo aquilo que uma pessoa é capaz de fazer com seus conhecimentos de escrita, em diferentes esferas sociais.

Uma segunda distinção é a que se estabelece entre a dimensão individual e a dimensão coletiva, entre capacidades individuais e comportamentos ou condi-ções sociais. Essa distinção tem implicações metodológicas no estabelecimento, por exemplo, de instrumentos de avaliação de nível de alfabetismo e de esta-belecimento de políticas públicas de educação e cultura. Quando se fala em le-tramento de um grupo, não se imagina que isto seja a somatória de competên-cias ou habilidades singulares, mas sim formas de organização, de intercâmbio, produção e circulação de produtos de cultura, bem como o estabelecimento de valores e padrões de comportamento.

O termo letramento tem sido acompanhado da expressão letrado, sig-nificando aquele que tem letramento, e não como pessoa erudita, culta, como consta dos dicionários. Essa associação tem trazido dificuldades para a compreensão do conceito, porque não corresponde a um objeto concreto e ainda se confunde com outros conceitos como escolarizado, alfabetizado e até culto.

134

Alfabetização e Letramento

Alfabetização é o termo mais popular e tradicional de todos, tendo sofrido uma profunda ressignificação nos anos 1970 e 1980, quando deixou de signi-ficar apenas o processo de ensino e aprendizagem do código de escrita, com seus modelos e regras. Mesmo entre os estudos que se restringiam à aquisição propriamente do código se conheceram avanços significativos, com aportes da psicolingüística e de teorias não-comportamentalistas. A inclusão no conceito de letramento na educação tem provocado a retomada da idéia de alfabetiza-ção como simples sistema do código, como aquisição de tecnologia, como se alguém pudesse aprender ler e escrever sem aprender simultaneamente obje-tos culturais e comportamentos cognitivos associados a essa aprendizagem ou como se houvesse tecnologia neutra. A questão do que significa ser alfabetizado segue sendo um problema teórico e prático muito relevante, particularmente por que, no caso brasileiro, está ligado ao direito de elegibilidade (analfabetos podem votar, mas não podem ser eleitos).

Alfabetismo é outra palavra que guarda relação direta com alfabetização e alfabetizar (processo) e alfabetizado, analfabeto (condição individual). De uso raro, apesar de dicionarizado, foi revitalizado por Ribeiro (1998) e pela institui-ção do INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), inicialmente como palavra alternativa e hipoteticamente mais apropriada para captar a noção de habilidades estritamente relacionadas ao uso da escrita em suas várias esferas de uso social, agora tem sido usado para referir ao conjunto de capacidades de leitura e escrita (o estado ou a condição) de uma pessoa. Nesse sentido, Ribei-ro et al. (2002) propõem uma distinção entre alfabetismo (que seria usado para identificar capacidades individuais) e letramento (quando as práticas sociais de uso da escrita e da leitura fossem a referência).

Cultura escrita é, de todos os termos em consideração, o de significado mais amplo, implicando um modo de organização social cuja base é a escrita – algo que não se modificou em essência mesmo com o advento das novas tecnolo-gias, até porque estas resultam do tipo de sociedade, de ciência e de produção que se constituíram em função da escrita. Sendo mais abrangente, esse termo abarca os outros três (como subcomponentes de um campo mais amplo) e serve para indicar um modo de produção social. A cultura escrita implica valores, co-nhecimentos, modos de comportamento que não se limitam ao uso objetivo do escrito. Assim, alguns tópicos próprios de investigação e de intervenção nessa área são: relação da escrita e com o desenvolvimento cognitivo; a relação entre escrita, cultura e conhecimento; a inter-relação escrita-oralidade; as demandas por habilidades cognitivas e o modo de produção atual.

Letramento: novas realidades, novos conceitos

135

Cultura escrita – modalidade de organização social de base escrita, com implicações nas formas de produzir, viver, conhecer, representar.

Letramento – conjunto de práticas sociais de escrita e da leitura que defi-nem os modos privilegiados de participar e produzir na sociedade de cultura escrita, tanto em ambientes escolares como em outros ambientes sociais.

Alfabetismo – conjunto de habilidades individuais de uso da escrita.

Alfabetização – processo de ensino e aprendizagem do sistema da escrita.

Atividades1. Explique em suas palavras o que é letramento e como esse conceito pode

contribuir para a prática pedagógica.

136

Alfabetização e Letramento

2. Liste algumas situações em que uma pessoa analfabeta ou que pouco sabe ler e escrever está exposta a textos escritos. Em seguida, explique a relação dessas situações com o conceito de letramento.

3. A seguir transcreve-se o verbete da palavra “letrado” do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (LETRADO, 2004).

Letrado (adj.) 1 que ou aquele que possui cultura, erudição; que ou quem é erudito, instruído; 1.1 que ou aquele que possui profundo conhecimento literário; literato; 2 (pedagogia) que ou aquele que é capaz de usar diferentes tipos de material escrito; 3 (sm) indivíduo de grande conhecimento jurídico; advogado, jurisconsulto.

a) Qual das acepções previstas pelo dicionarista corresponde ao conceito de letramento? Por quê?

Letramento: novas realidades, novos conceitos

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b) Em que medida as outras acepções registradas estabelecem um conflito com esta?

4. Escreva um texto em que você procure explicar as diferenças das formas de letramento e de alfabetismo das pessoas na sociedade em que vivemos.

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Alfabetização e Letramento

Dicas de estudoSOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autên-tica, 1998.

O livro considera em três textos complementares, com graus de dificuldade distintos, o conceito de letramento na atualidade. Apresenta sua definição, as razões de sua emergência e possíveis aplicações pedagógicas e sociais.

KLEIMAN, Ângela. Os Significados do Letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1994.

Trata-se de uma coletânea de textos acadêmicos com o objetivo de informar os que se encarregam do ensino da escrita e os que participam de situações de comunicação entre escolarizados e não-escolarizados sobre os fatos e os mitos do letramento. Com isso, busca-se dar sustentação à prática do ensino da leitura e da escrita e de tecnologias das sociedades de cultura escrita, como forma de potencializar o cidadão na lida com as estruturas de poder na sociedade.

Letramento: novas realidades, novos conceitos

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Alfabetização e Letramento

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