Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

171
Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 5 CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA 6 1. CONCEITOS BÁSICOS 6 2. DEFINIÇÃO DE ECONOMIA 6 2.1. Os problemas econômicos fundamentais 7 2.2. Sistemas econômicos 7 2.3. Funcionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetários 8 2.4. Divisão do estudo econômico 10 CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II - INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA 11 11 11 11 1. CONCEITO 11 1.1. Pressupostos básicos da análise microeconômica 11 1.2. Aplicações da análise microeconômica 12 1.3. Divisão do estudo microeconômico 13 CAPÍTULO III CAPÍTULO III CAPÍTULO III CAPÍTULO III - DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO 15 15 15 15 1. BREVE HISTÓRICO 15 1.1. Demanda de mercado 15 1.2. Oferta de mercado 17 1.3. Equilíbrio de mercado 19 1.4. Interferência do governo no equilíbrio de mercado 20 CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV - ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO 23 23 23 23 1. INTRODUÇÃO 23 1.1. Concorrência pura ou perfeita 23 1.2. Monopólio 24 1.3. Oligopólio 24 1.4. Concorrência monopolística 25 1.5. Estruturas do mercado de fatores de produção 25 1.6. A ação governamental e os abusos do poder econômico nos mercados 26 CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V - INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA ACROECONOMIA ACROECONOMIA ACROECONOMIA 27 27 27 27 1. INTRODUÇÃO 27 2. OBJETIVOS DA POLÍTICA MACROECONÔMICA 27 2.1. Alto nível de emprego 27 2.2. Estabilidade de preços 28 2.3. Distribuição eqüitativa de renda 28 2.4. Crescimento econômico 29 2.5. Dilemas de política econômica: inter-relações e conflitos de objetivos 29 3. INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA 30 3.1. Política Fiscal 30 3.2. Política monetária 30 3.3. Políticas cambial e comercial 31 3.4. Política de rendas 31 4. ESTRUTURA DE ANÁLISE MACROECONÔMICA 31 4.1. Mercado de bens e serviços 32 4.2. Mercado de trabalho 32 4.3. Mercado monetário 33 4.4. Mercado de títulos 33 4.5. Mercado de divisas 33

Transcript of Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Page 1: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

1

SUMÁRIO INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO 5555 CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I ---- INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA 6666 1. CONCEITOS BÁSICOS 6

2. DEFINIÇÃO DE ECONOMIA 6

2.1. Os problemas econômicos fundamentais 7

2.2. Sistemas econômicos 7

2.3. Funcionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetários 8

2.4. Divisão do estudo econômico 10

CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II ---- INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA 11111111 1. CONCEITO 11

1.1. Pressupostos básicos da análise microeconômica 11

1.2. Aplicações da análise microeconômica 12

1.3. Divisão do estudo microeconômico 13

CAPÍTULO III CAPÍTULO III CAPÍTULO III CAPÍTULO III ---- DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO 15151515 1. BREVE HISTÓRICO 15

1.1. Demanda de mercado 15

1.2. Oferta de mercado 17

1.3. Equilíbrio de mercado 19

1.4. Interferência do governo no equilíbrio de mercado 20

CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV CAPÍTULO IV ---- ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO 23232323 1. INTRODUÇÃO 23

1.1. Concorrência pura ou perfeita 23

1.2. Monopólio 24

1.3. Oligopólio 24

1.4. Concorrência monopolística 25

1.5. Estruturas do mercado de fatores de produção 25

1.6. A ação governamental e os abusos do poder econômico nos mercados 26

CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V ---- INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À M INTRODUÇÃO À MACROECONOMIAACROECONOMIAACROECONOMIAACROECONOMIA 27272727 1. INTRODUÇÃO 27

2. OBJETIVOS DA POLÍTICA MACROECONÔMICA 27

2.1. Alto nível de emprego 27

2.2. Estabilidade de preços 28

2.3. Distribuição eqüitativa de renda 28

2.4. Crescimento econômico 29

2.5. Dilemas de política econômica: inter-relações e conflitos de objetivos 29

3. INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA 30

3.1. Política Fiscal 30

3.2. Política monetária 30

3.3. Políticas cambial e comercial 31

3.4. Política de rendas 31

4. ESTRUTURA DE ANÁLISE MACROECONÔMICA 31

4.1. Mercado de bens e serviços 32

4.2. Mercado de trabalho 32

4.3. Mercado monetário 33

4.4. Mercado de títulos 33

4.5. Mercado de divisas 33

Page 2: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

2

CAPÍTULO VI CAPÍTULO VI CAPÍTULO VI CAPÍTULO VI ---- CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL 35353535 1. INTRODUÇÃO 35

2. SISTEMAS DE CONTABILIDADE SOCIAL 35

2.1. Sistema de contas nacionais 35

2.2. Matriz de relações intersetoriais (ou matriz insumo-produto ou matriz de Leontief) 35

3. PRINCÍPIOS BÁSICOS DAS CONTAS NACIONAIS 36

4. ECONOMIA A DOIS SETORES: FAMÍLIAS E EMPRESAS 36

4.1. O fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da renda 36

4.2. Formação de capital: poupança, investimento e depreciação. 40

5. ECONOMIA A TRÊS SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR PÚBLICO 42

5.1. Receita fiscal do governo 42

5.2. Gastos do governo 42

5.3. Superávit ou déficit público 42

5.4. Renda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercado 43

6. ECONOMIA A QUATRO SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR EXTERNO 44

6.1. Exportações e importações 44

6.2. Produto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exterior 44

7. O PIB COMO MEDIDA DO BEM-ESTAR 45

7.1. PIB em dólares 45

7.2. Índice de Desenvolvimento Humano - IDH 46

7.3. IDH – Posição do Brasil 47

8. NÚMEROS-ÍNDICES 52

8.1. Índices de preços 52

CAPÍTULO VII CAPÍTULO VII CAPÍTULO VII CAPÍTULO VII ---- ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO 57575757 1. CONCEITO 57

1.1. O fenômeno financeiro 57

1.2. Características fundamentais da atividade financeira 57

1.3. A instrumentalidade da atividade financeira 58

1.4. Instrumentalidade e política econômica 59

1.5. Fins da atividade financeira 59

2. CIÊNCIA DAS FINANÇAS 63

2.1. Conceito 63

2.2. Objeto 63

3. CIÊNCIA DAS FINANÇAS E DIREITO FINANCEIRO 64

CAPÍTULO VIII - -DIREITO FINANCEIRO 65

1. CONCEITO 65

2. DELIMITAÇÃO 66

2.1. Autonomia 66

2.2. Relacionamento com os demais ramos do direito 67

CAPITULO IX CAPITULO IX CAPITULO IX CAPITULO IX –––– A EVOLUÇÃO DO ESTADO A EVOLUÇÃO DO ESTADO A EVOLUÇÃO DO ESTADO A EVOLUÇÃO DO ESTADO 70707070 1. EVOLUÇÃO DAS FUNÇÕES DO GOVERNO E CRESCIMENTO DO SETOR PÚBLICO 70

2. ATRIBUIÇÕES ECONÔMICAS DO GOVERNO 72

2.1. Crescimento das despesas públicas 74

2.2. Determinantes das despesas públicas 78

3. DO ESTADO PROVEDOR AO ESTADO REGULADOR 80

3.1. Responsabilidades do Estado e tamanho do governo 83

3.2. Objetivos e alternativas de intervenção 88

3.3. Possibilidades de conflito e necessidades de coordenação 89

3.4. Federalismo fiscal 90

Page 3: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

3

CAPITULO X CAPITULO X CAPITULO X CAPITULO X ---- RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS 93939393 1. CONCEITO 93

2. DEFINIÇÃO 93

3. RECEITA E INGRESSO 94

4. CONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICAS 94

5. CONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE RECEITAS PÚBLICAS 95

6. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS ADOTADA PELA LEI Nº 4.320/64 96

7. CODIFICAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DA RECEITA 98

7.1. Codificação da natureza da receita do ponto de vista contábil 98

7.2. Detalhamento de código da natureza da receita orçamentária 99

8. ESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICA 100

8.1. Resíduos ativos ou restos a arrecadar 100

CAPITULO XI CAPITULO XI CAPITULO XI CAPITULO XI ---- DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS 101101101101 1. CONCEITO 101

2. CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS SEGUNDO A LEI Nº. 4.320/64 101

2.1. Detalhamento de código da natureza da despesa orçamentária 104

3. DESPESA ORÇAMENTÁRIA 105

4. DESPESA EXTRA-ORÇAMENTÁRIA 106

5. PROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICA 106

5.1. Estágios da despesa, segundo a lei 106

5.2. Estágios da despesa, segundo a realidade 106

5.3. Divida pública ou dívida passiva 110

5.4. Despesas de exercícios anteriores 110

CAPITULO XII CAPITULO XII CAPITULO XII CAPITULO XII –––– ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO 112112112112 1. CONCEITO E DEFINIÇÃO 112

2. PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS - CONCEITO 112

3. ORÇAMENTO TRADICIONAL DE RECEITAS E DESPESAS 114

4. ORÇAMENTO-PROGRAMA 115

4.1. Recursos para execução do Orçamento-Programa 115

4.2. Estimativa da receita 116

5. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASIL 117

5.1. Orçamento Geral da União (OGU) 117

5.2. A elaboração do Orçamento 118

5.3. Processo de elaboração do Orçamento 120

5.4. Resumo das fases do Orçamento 128

5.5. Períodos de atividades do orçamento público 128

5.6. Créditos adicionais 129

5.7. Alterações do orçamento durante sua execução 130

5.8. Previsão e resultado orçamentários 132

CAPITULO XIII CAPITULO XIII CAPITULO XIII CAPITULO XIII –––– F F F FISCALIZAÇÃO E CONTROLEISCALIZAÇÃO E CONTROLEISCALIZAÇÃO E CONTROLEISCALIZAÇÃO E CONTROLE 133133133133 1. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL 133

1.1. Origens e experiências anteriores 133

2. OBJETIVOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL 134

2.1. Equilíbrio das contas públicas 135

2.2. Receita Corrente Líquida - RCL 135

3. PLANEJAMENTO 136

3.1. Plano Plurianual – PPA 136

3.2. Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO 136

3.3. Lei Orçamentária Anual - LOA 137

3.4. Execução orçamentária e cumprimento de metas 138

Page 4: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

4

4. RECEITA PÚBLICA 138

4.1. Previsão e Arrecadação da Receita 139

4.2. Renúncia de Receita 139

5. DESPESA PÚBLICA 140

5.1. Despesas com pessoal: fiscalização e controle 141

5.2. Limites com pessoal 141

5.3. Despesas com a seguridade social 143

5.4. Transferências voluntárias 143

6. DESTINAÇÃO DE RECURSOS PARA O SETOR PRIVADO 143

7. DÍVIDA E ENDIVIDAMENTO PÚBLICO 144

7.1. A LRF e a dívida pública 144

7.2. Limites de endividamento de acordo com a LRF 145

7.3. A regra de ouro 146

7.4. Recondução da dívida aos limites 147

7.5. Contratação de Operação de Crédito 148

7.6. Antecipações de Receitas Orçamentárias – aro’s 148

7.7. Garantia e contragarantia 148

7.8. Restos a pagar 149

8. TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO 150

8.1. Transparência na Gestão Fiscal 150

8.2. Relatório Resumido da Execução Orçamentária - RREO 150

8.3. Relatório de Gestão Fiscal - RGF 151

8.4. Fiscalização da Gestão Fiscal 152

9. SANÇÕES INSTITUCIONAIS PARA DESCUMPRIMENTO DA LRF 152

10. SANÇÕES PESSOAIS 152

11. O PAPEL DO CONTROLE 153

12. O CONTROLE EXTERNO NO MUNDO 153

13. O CONTROLE NO BRASIL 154

13.1. Controle particular 155

13.2. O Controle interno 155

13.3. O Controle externo 156

14. ÓRGÃOS DE CONTROLE NO BRASIL 157

14.1. O alcance do controle judicial 158

14.2. O Controle externo como ferramenta de aprimoramento da Administração Pública 158

14.3. As potencialidades e limitações do TCU 159

14.4. Os Tribunais de Contas nos estados e nos municípios 161

CAPITULO XIV CAPITULO XIV CAPITULO XIV CAPITULO XIV –––– DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA 162162162162 1. DÍVIDA PÚBLICA 162

1.1. Formas de extinção da dívida pública 163

2. A DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA 164

2.1. Regime constitucional da dívida pública brasileira 166

CAPITULO XV – GLOBALIZAÇÃO 168

1. A GLOBALIZAÇÃO 168

BIBLIOGRAFIA 171

Page 5: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

5

INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO

O material de apoio ora apresentado destina-se a atender as necessidades dos acadêmicos de Direito no que diz respeito à disciplina Ciência das Finanças.

A Ciência das Finanças, embora trate do mesmo objeto de estudo do Direito Financeiro, qual seja, a Atividade Financeira do Estado, o seu enfoque é dado na parte teórica ou especulativa, diferentemente do Direito Financeiro que enfoca a parte prática.

Com o intuito de dar um melhor embasamento ao acadêmico, optou-se por dividir a presente apostila em duas partes. Na primeira parte que engloba do Capítulo I até o Capítulo VI tratar-se-á de assuntos à Microeconomia e Macroeconomia. A segunda parte que versa especificamente sobre Ciência das Finanças será tratada nos demais capítulos.

No Capítulo VII é tratada a Atividade Financeira do Estado, demonstrando definições e importância bem como é conceituada e definida a Ciência das Finanças, no capítulo VIII trata-se, de forma bastante sucinta do Direito Financeiro e seus interdependência com o Direito Tributário e Administrativo. Ao capítulo IX cabe destacar a evolução do Estado desde os seus primórdios até os dias atuais. Nos capítulos X, XI e XII tratar-se-á das Receitas Despesas e Orçamento Público enquanto no capítulo VII será definido os modelos de Controle bem como será demonstrado a importância de cada um dentro do contexto atual do Estado. Nos capítulos XIII, XIV e XV tratar-se-á dos conceitos de Dívida Pública e Dívida Pública do Brasil e da Globalização e Direito Financeiro.

Page 6: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

6

CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I CAPÍTULO I ---- INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA INTRODUÇÃO À ECONOMIA

1.1.1.1. CONCEITOS BÁSICOSCONCEITOS BÁSICOSCONCEITOS BÁSICOSCONCEITOS BÁSICOS Seja no cotidiano, seja nos jornais, rádio e televisão, deparar-se-á com inúmeras questões

econômicas, como:

♦ aumentos de preços; ♦ períodos de crise econômica ou de crescimento; ♦ desemprego; ♦ setores que crescem mais do que outros; ♦ diferenças salariais; ♦ crises no balanço de pagamentos; ♦ vulnerabilidade externa; ♦ valorização ou desvalorização da taxa de câmbio; ♦ dívida externa; ♦ ociosidade em alguns setores de atividade; ♦ diferenças de renda entre as várias regiões do país; ♦ comportamento das taxas de juros; ♦ déficit governamental; ♦ elevação de impostos e tarifas públicas.

Esses temas, já rotineiros no dia-a-dia da sociedade, são discutidos pelos cidadãos comuns, que, com altas doses de empirismo, têm opiniões formadas sobre as medidas que o Estado deve adotar. Um estudante de Economia, de Direito ou de outra área pode vir a ocupar um cargo de responsabilidade em uma empresa ou na própria administração pública e necessitará de conhecimentos teóricos mais sólidos para poder analisar os problemas econômicos que modelam a sociedade diariamente.

O objetivo do estudo da Ciência Econômica é analisar os problemas econômicos e formular soluções para resolvê-los, de forma a melhorar a qualidade de vida da sociedade.

2.2.2.2. DEFINDEFINDEFINDEFINIÇÃOIÇÃOIÇÃOIÇÃO DE ECONOMIA DE ECONOMIA DE ECONOMIA DE ECONOMIA A palavra economia deriva do grego oikonomía (de óikos, casa; nómos, lei), que significa a

administração de uma casa, ou do Estado, e pode ser assim definida:

Economia é a ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem (escolhem) empregar recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas.

Essa definição contém vários conceitos importantes, que são a base e o objeto do estudo da Ciência Econômica:

♦ escolha; ♦ escassez; ♦ necessidades; ♦ recursos; ♦ produção; ♦ distribuição.

Page 7: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

7

Em qualquer sociedade, os recursos produtivos ou fatores de produção (mão-de-obra, matérias-primas, dentre outros) são limitados. Por outro lado, as necessidades humanas são ilimitadas e sempre se renovam, por força do próprio crescimento populacional e do contínuo desejo de elevação do padrão de vida, Independentemente do grau de desenvolvimento do país, nenhum deles dispõe de todos os recursos necessários para satisfazer todas as necessidades da coletividade.

Tem-se, então, um problema de escassez: recursos limitados contrapondo-se a necessidades humanas ilimitadas.

Em função da escassez de recursos, toda sociedade tem de escolher entre alternativas de produção e de distribuição dos resultados da atividade produtiva entre os vários grupos da sociedade. Essa é a questão central do estudo da Economia: como alocar recursos produtivos limitados, de forma a atender ao máximo às necessidades humanas.

2.1.2.1.2.1.2.1. Os problemas econômicos fundamentaisOs problemas econômicos fundamentaisOs problemas econômicos fundamentaisOs problemas econômicos fundamentais

Da escassez dos recursos ou fatores de produção, associadas às necessidades ilimitadas do homem, originam-se os chamados problemas econômicos fundamentais: O quê e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir?

♦ OOOO QUÊ E QUANTO PRODUZIR QUÊ E QUANTO PRODUZIR QUÊ E QUANTO PRODUZIR QUÊ E QUANTO PRODUZIR: dada a escassez de recursos de produção, a sociedade terá de escolher, dentro do leque de possibilidades de produção, quais produtos serão produzidos e as respectivas quantidades a serem fabricadas;

♦ COMO PRODUZIRCOMO PRODUZIRCOMO PRODUZIRCOMO PRODUZIR: a sociedade terá de escolher ainda quais recursos de produção serão utilizados para a produção de bens e serviços, dado o nível tecnológico existente. A concorrência entre os diferentes produtores acaba decidindo como serão produzidos os bens e serviços. Os produtores escolherão, entre os métodos mais eficientes, aquele que tiver o menor custo de produção possível;

♦ PARA QUEM PRODUZIRPARA QUEM PRODUZIRPARA QUEM PRODUZIRPARA QUEM PRODUZIR: a sociedade terá também de decidir como seus membros participarão da distribuição dos resultados de sua produção. A distribuição da renda dependerá não só da oferta e da demanda nos mercados de serviços produtivos, ou seja, da determinação dos salários, das rendas da terra, dos juros e dos benefícios do capital, mas também da repartição inicial da propriedade e da maneira como ela se transmite por herança.

O modo como as sociedades resolvem os problemas econômicos fundamentais depende da forma da organização econômica do país, ou seja, do sistema econômico de cada nação.

2.2.2.2.2.2.2.2. Sistemas econômicosSistemas econômicosSistemas econômicosSistemas econômicos

Um sistema econômico pode ser definido como a forma política, social e econômica pela qual está organizada uma sociedade. É um particular sistema de organização da produção, distribuição e consumo de todos os bens e serviços que as pessoas utilizam buscando uma melhoria no padrão de vida e bem-estar.

Os elementos básicos de um sistema econômico são:

♦ estoque de recursos produtivos ou fatores de produção: aqui se incluem os recursos humanos (trabalho e capacidade empresarial), o capital, a terra, as reservas naturais e a tecnologia;

♦ complexo de unidades de produção: constituído pelas empresas; ♦ conjunto de instituições políticas, jurídicas, econômicas e sociais: que são a base da

organização da sociedade.

Page 8: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

8

Os sistemas econômicos podem ser classificados em:

♦ sistema capitalista, ou economia de mercado, regido pelas forças de mercado, predominando a livre iniciativa e a propriedade privada dos fatores de produção;

♦ sistema socialista, ou economia centralizada, ou ainda economia planificada. Nesse sistema as questões econômicas fundamentais são resolvidas por um órgão central de planejamento, predominando a propriedade pública dos fatores de produção, chamados nessas economias de meios de produção, englobando os bens de capital, terra, prédios, bancos, matérias-primas1.

Os países organizam-se segundo esses dois sistemas, ou alguma forma intermediária entre eles.

Pelo menos até o início do século XX, prevalecia nas economias ocidentais o sistema de concorrência pura, em que não havia a intervenção do Estado na atividade econômica. Era a filosofia do Liberalismo.

Principalmente a partir de 1930, passaram a predominar os sistemas de economia mista, no qual ainda prevalecem as forças de mercado, mas com a atuação do Estado, tanto na alocação e distribuição de recursos como na própria produção de bens e serviços, nas áreas de infra-estrutura, energia, saneamento e telecomunicações.

Em economias de mercado, a maioria dos preços dos bens, serviços e salários é determinada predominantemente pelo mecanismo de preços, que atua por meio da oferta e da demanda dos fatores de produção.

Nas economias centralizadas, essas questões são decididas por um órgão central de planejamento, a partir de um levantamento dos recursos de produção disponíveis e das necessidades do país. Ou seja, grande parte dos preços dos bens e serviços, salários, cotas de produção e de recursos é calculada nos computadores desse órgão, e não pela oferta e demanda no mercado.

Após o fim da chamada “Cortina de Ferro”’ ao final dos anos 1980, mesmo as economias guiadas por governos comunistas, como Rússia e China, têm aberto cada vez mais espaço para atuação da iniciativa privada, caracterizando um “socialismo de mercado”: regime político comunista, com economia de mercado.

2.3.2.3.2.3.2.3. Funcionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetáriosFuncionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetáriosFuncionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetáriosFuncionamento de uma economia de mercado: fluxos reais e monetários

Para se entender o funcionamento do sistema econômico, supor-se-á uma economia de mercado que não tenha interferência do governo nem transações com o exterior (economia fechada). Os agentes econômicos são as famílias (unidades familiares) e as empresas (unidades produtoras). As famílias são proprietárias dos fatores de produção e os fornecem às unidades de produção (empresas) no mercado dos fatores de produção. As empresas, pela combinação dos fatores de produção, produzem bens e serviços e os fornecem às famílias no mercado de bens e serviços.

A esse fluxo de fatores de produção, bens e serviços denominou-se de fluxo real da economia.2

1 Não pertencem ao Estado pequenas atividades comerciais e artesanais, que, com os meios de sobrevivência, como roupas, automóveis e móveis pertencem aos indivíduos (mas com preços fixados pelo governo). Existe também liberdade para escolha de profissão (ou seja, há mobilidade de mão-de-obra).

2 Um fluxo é definido ao longo de um dado período de tempo (ano, mês etc.). Diferencia-se do conceito de estoque, que é definido num dado momento do tempo, e não ao longo de um período.

Page 9: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

9

Figura Figura Figura Figura I.1I.1I.1I.1: Fluxo real da economia.: Fluxo real da economia.: Fluxo real da economia.: Fluxo real da economia.

Como pode ser observado na figura I.1, famílias e empresas exercem um duplo papel. No

mercado de bens e serviços, as famílias demandam bens e serviços, enquanto as empresas os oferecem; no mercado de fatores de produção, as famílias oferecem os serviços dos fatores de produção (que são de sua propriedade), enquanto as empresas os demandam.

No entanto, o fluxo real da economia só se torna possível com a presença da moeda, que é utilizada para remunerar os fatores de produção e para o pagamento dos bens e serviços.

Desse modo, paralelamente ao fluxo real, tem-se um fluxo monetário da economia (ver a Figura I.2).

Figura Figura Figura Figura I.2I.2I.2I.2: Fluxo monetário da economia.: Fluxo monetário da economia.: Fluxo monetário da economia.: Fluxo monetário da economia.

Unindo os fluxos real e monetário da economia, tem-se o chamado fluxo circular de renda

(ver a Figura I.3).

Em cada um dos mercados atuam conjuntamente as forças da oferta e da demanda, determinando o preço. Assim, no mercado de bens e serviços formam-se os preços dos bens e serviços, enquanto no mercado de fatores de produção são determinados os preços dos fatores de produção (salários, juros, aluguéis, lucros, royalties, dentre outros).

Figura Figura Figura Figura I.3I.3I.3I.3: Fluxo circular de renda.: Fluxo circular de renda.: Fluxo circular de renda.: Fluxo circular de renda.

Page 10: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

10

Esse fluxo, também chamado de fluxo básico, é o que se estabelece entre famílias e empresas. O fluxo completo incorpora o setor público, adicionando-se o efeito dos impostos e dos gastos públicos ao fluxo anterior, bem como o setor externo, que inclui todas as transações com mercadorias, serviços e o movimento financeiro com o resto do mundo.

a.a.a.a. Definição dos vários tipos de bDefinição dos vários tipos de bDefinição dos vários tipos de bDefinição dos vários tipos de bensensensens

Os bens de capital são utilizados na fabricação de outros bens, mas não se desgastam totalmente no processo produtivo. É o caso, por exemplo, de máquinas, equipamentos e instalações. São usualmente classificados no ativo fixo das empresas, e uma de suas características é contribuir para a melhoria da produtividade da mão-de-obra.

Os bens de consumo destinam-se diretamente ao atendimento das necessidades humanas. De acordo com sua durabilidade, podem ser classificados como duráveis (por exemplo, geladeiras, fogões, automóveis) ou como não-duráveis (alimentos, produtos de limpeza).

Os bens intermediários são transformados ou agregados na produção de outros bens e são consumidos totalmente no processo produtivo (insumos, matérias-primas e componentes). Diferenciam-se dos bens finais, que são vendidos para consumo ou utilização final. Os bens de capital, como não são “consumidos” no processo produtivo, são bens finais, e não intermediários.

Os fatores de produção, chamados recursos de produção da economia, são constituídos pelos recursos humanos (trabalho e capacidade empresarial), terra, capital e tecnologia.

As famílias são as proprietárias dos fatores de produção. Inclusive, como se observa, em Economia considera-se o lucro também como remuneração a um fator de produção, representado pela capacidade empresarial ou gerencial dos proprietários da empresa. As empresas vendem bens e serviços no mercado, e o resultado de suas atividades (lucro/prejuízo) pertence a seus proprietários (unidades familiares).

A cada fator de produção corresponde uma remuneração ao seu proprietário, conforme o quadro a seguir:

Quadro Quadro Quadro Quadro I.I.I.I.1: Fator de produção e tipo d1: Fator de produção e tipo d1: Fator de produção e tipo d1: Fator de produção e tipo de remuneraçãoe remuneraçãoe remuneraçãoe remuneração

2.4.2.4.2.4.2.4. Divisão do estudo econômicoDivisão do estudo econômicoDivisão do estudo econômicoDivisão do estudo econômico

A análise econômica, para fins metodológicos e didáticos, é normalmente dividida em:

Microeconomia ou teoria de formação de preços. Examina a formação de preços em mercados específicos, ou seja, como consumidores e empresas interagem no mercado e como decidem os preços e a quantidade para satisfazer a ambos simultaneamente.

Macroeconomia. Estuda a determinação e o comportamento dos grandes agregados nacionais, como o produto interno bruto (PIB), investimento agregado, a poupança agregada, o nível geral de preços, entre outros. Seu enfoque é basicamente de curto prazo (ou conjuntural).

Page 11: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

11

CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II CAPÍTULO II ---- INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA INTRODUÇÃO À MICROECONOMIA

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO A Microeconomia, ou teoria dos preços, analisa a formação de preços no mercado, ou seja,

como a empresa e o consumidor interagem e decidem qual o preço e a quantidade de determinado bem ou serviço em mercados específicos.

A teoria microeconômica não deve ser confundida com economia de empresas, pois tem enfoque distinto. A Microeconomia estuda o funcionamento da oferta e da demanda na formação do preço no mercado, isto é, o preço obtido pela interação do conjunto de consumidores com o conjunto de empresas que fabricam um dado bem ou serviço.

Os agentes da demanda — os consumidores — são aqueles que se dirigem ao mercado com o intuito de adquirir um conjunto de bens ou serviços que lhes maximize sua função utilidade. No Direito, utilizou-se a conceituação econômica para se definir consumidor: pessoa natural ou jurídica que no mercado adquire bens ou contrata serviços como destinatário final, visando atender a uma necessidade própria.

A conceituação de empresa, entretanto, possui duas visões: a econômica e a jurídica. Do ponto de vista econômico, empresa ou estabelecimento comercial é a combinação realizada pelo empresário dos fatores de produção: capital, trabalho, terra e tecnologia, de tal modo organizados para se obter o maior volume possível de produção ou de serviços ao menor custo.

Na doutrina jurídica, reconhece-se o estabelecimento como uma universalidade de direito, incluindo-se na atividade econômica um complexo de relações jurídicas entre o empresário e a empresa.3 O empresário é, assim, o sujeito da atividade econômica, e o objeto é constituído pelo estabelecimento, que é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos utilizados no processo de produção. A empresa, nesse contexto, é o complexo de relações jurídicas que unem o sujeito ao objeto da atividade econômica.4

1.1.1.1.1.1.1.1. Pressupostos básicos da análise microeconômicaPressupostos básicos da análise microeconômicaPressupostos básicos da análise microeconômicaPressupostos básicos da análise microeconômica

a.a.a.a. A hipótese A hipótese A hipótese A hipótese coeteris pacoeteris pacoeteris pacoeteris paribusribusribusribus

Para analisar um mercado específico, a Microeconomia se vale da hipótese de que tudo o mais permanece constante (em latim, coeteris paribus). O foco de estudo é dirigido apenas àquele mercado, analisando-se o papel que a oferta e a demanda nele exercem, supondo que outras variáveis interfiram muito pouco, ou que não interfiram de maneira absoluta.

Adotando-se essa hipótese, torna-se possível o estudo de determinado mercado, selecionando-se apenas as variáveis que influenciam os agentes econômicos — consumidores e produtores — nesse particular mercado, independentemente de outros fatores, que estão em outros mercados, poderem influenciá-los.

Sabe-se, por exemplo, que a procura de uma mercadoria é normalmente mais afetada por seu preço e pela renda dos consumidores. Para analisar o efeito do preço sobre a procura, se supõe que a renda permanece constante (coeteris paribus); da mesma forma, para avaliar a relação entre a procura e a renda dos consumidores, supor-se-á que o preço da mercadoria não varia. Tem-se, assim, o efeito “puro” ou “líquido” de cada uma dessas variáveis sobre a procura.

3 No Brasil, a lei reconhece o estabelecimento como uma universalidade de fato e não de direito.

4 É de se notar que, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, em vez de serem utilizados termos como “industrial”, “comerciante”, “banqueiro” etc, ou genericamente “empresário”, preferiu-se “fornecedor”, na realidade o responsável, nas relações de consumo (relações jurídicas), pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor.

Page 12: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

12

b.b.b.b. Papel dos preços relativosPapel dos preços relativosPapel dos preços relativosPapel dos preços relativos

Na análise microeconômica, são mais relevantes os preços relativos, isto é, os preços de um bem em relação aos demais, do que os preços absolutos (isolados) das mercadorias.

Por exemplo, se o preço do guaraná cair em 10%, mas também o preço da soda cair em 10%, nada deve acontecer com a demanda (procura) dos dois bens (supondo que as demais variáveis permaneceram constantes). Agora, tudo o mais permanecendo constante, se cair apenas o preço do guaraná, permanecendo inalterado o preço da soda, deve-se esperar um aumento na quantidade procurada de guaraná, e uma queda na de soda. Embora não tenha havido alteração no preço absoluto da soda, seu preço relativo aumentou, quando comparado com o do guaraná.

1.2.1.2.1.2.1.2. Aplicações da análise microeconômicaAplicações da análise microeconômicaAplicações da análise microeconômicaAplicações da análise microeconômica

A análise microeconômica, ou teoria dos preços, como parte da ciência econômica, preocupa-se em explicar como se determina o preço dos bens e serviços, bem como dos fatores de produção. O instrumental microeconômico procura responder, também, a questões aparentemente triviais; por exemplo, por que, quando o preço de um bem se eleva, a quantidade demandada desse bem deve cair, coeteris paribus?

Entretanto, deve-se salientar que, se a teoria microeconômica não é um manual de técnicas para a tomada de decisões do dia-a-dia, mesmo assim ela representa uma ferramenta útil para estabelecer políticas e estratégias, dentro de um horizonte de planejamento, tanto para empresas como para políticas econômicas.

Para as empresas, a análise microeconômica pode subsidiar as seguintes decisões:

♦ política de preços da empresa; ♦ previsões de demanda e faturamento; ♦ previsões de custos de produção; ♦ decisões ótimas de produção (escolha da melhor alternativa de produção, isto é, da

melhor combinação de fatores de produção, e do tamanho (escala) ótima de operação);

♦ avaliação e elaboração de projetos de investimentos (análise custo—benefício da com pra de equipamentos, ampliação da empresa);

♦ política de propaganda e publicidade (como as preferências dos consumidores podem afetar a procura do produto);

♦ localização da empresa (se a empresa deve situar-se próxima aos centros consumidores ou aos centros fornecedores de insumos);

♦ diferenciação de mercados (possibilidades de preços diferenciados, em diferentes mercados consumidores do mesmo produto).

Em relação à política econômica, a teoria microeconômica pode contribuir na análise e tomada de decisões das seguintes questões:

♦ avaliação de projetos de investimentos públicos; ♦ efeitos de impostos sobre mercados específicos; ♦ política de subsídios (nos preços de produtos como trigo e leite, ou na compra de

insumos como máquinas, fertilizantes); ♦ fixação de preços mínimos na agricultura; ♦ fixação do salário mínimo; ♦ controle de preços; ♦ política salarial; ♦ política de tarifas públicas (água, luz e outras);

Page 13: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

13

♦ política de preços públicos (como petróleo, aço); ♦ leis antitruste (controle de lucros de monopólios e oligopólios).

Como pode ser observado, são decisões necessárias ao planejamento estratégico das empresas e à política e à programação econômica do setor público.

1.3.1.3.1.3.1.3. Divisão do estudo microeconômicoDivisão do estudo microeconômicoDivisão do estudo microeconômicoDivisão do estudo microeconômico

A teoria microeconômica consiste nos seguintes tópicos:

a.a.a.a. Análise da demandaAnálise da demandaAnálise da demandaAnálise da demanda

A teoria da demanda ou procura de uma mercadoria ou serviço divide-se em teoria do consumidor (demanda individual) e teoria da demanda de mercado.

b.b.b.b. Análise da ofertaAnálise da ofertaAnálise da ofertaAnálise da oferta

A teoria da oferta de um bem ou serviço também subdivide-se em oferta da firma individual e oferta de mercado. Dentro da análise da oferta da firma são abordadas a teoria da produção, que analisa as relações entre quantidades físicas do produto e os fatores de produção, e a teoria dos custos de produção, que incorpora, além das quantidades físicas, os preços dos insumos.

c.c.c.c. Análise das estruAnálise das estruAnálise das estruAnálise das estruturas de mercadoturas de mercadoturas de mercadoturas de mercado

A partir da demanda e da oferta de mercado, são determinados o preço e a quantidade de equilíbrio de um dado bem ou serviço, O preço e a quantidade, entretanto, dependerão da particular forma ou estrutura desse mercado, ou seja, se ele é competitivo, com muitas empresas produzindo um dado produto, ou concentrado em poucas ou em uma única empresa.

Na análise das estruturas de mercado, avaliam-se os efeitos da oferta e da demanda, tanto no mercado de bens e serviços como no mercado de fatores de produção. As estruturas do mercado de bens e serviços são:

a. concorrência perfeita; b. concorrência imperfeita ou monopolística; c. monopólio; d. oligopólio.

As estruturas do mercado de fatores de produção são:

a. concorrência perfeita; b. concorrência imperfeita; c. monopsônio; d. oligopsônio.

No mercado de fatores de produção, a procura de fatores produtivos é chamada de demanda derivada, uma vez que a demanda por insumos (mão-de-obra, capital) está condicionada à (ou derivada da) procura pelo produto final da empresa no mercado de bens e serviços.

d.d.d.d. Teoria do equilíbrio geralTeoria do equilíbrio geralTeoria do equilíbrio geralTeoria do equilíbrio geral

A análise do equilíbrio geral leva em conta as inter-relações entre todos os mercados, ou seja, procura analisar se o comportamento independente de cada agente econômico conduz todos a uma posição de equilíbrio global, embora todos sejam, na realidade, interdependentes.

A teoria do bem-estar, ou welfare economics, estuda como alcançar soluções socialmente eficientes para o problema da alocação e distribuição dos recursos, ou seja, encontrar a “alocação ótima dos recursos”.

Page 14: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

14

Há de se destacar que no estudo microeconômico um dos tópicos consiste na análise das imperfeições de mercado, em que se analisam situações nas quais os preços não são determinados isoladamente em cada mercado.

Na realidade, tanto a teoria do equilíbrio geral e do bem-estar como a teoria do consumidor são fundamentalmente abstratas, utilizando-se, com freqüência, modelos matemáticos de razoável grau de dificuldade. Entretanto, o objetivo deste estudo é fornecer aos estudantes e profissionais de Direito, conceitos básicos de Economia, que dêem subsídios para sua atuação no dia-a-dia e um melhor entendimento das principais questões econômicas de nosso tempo.

Page 15: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

15

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO IIIIIIIIIIII ---- DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO DEMANDA, OFERTA E EQUILÍBRIO DE MERCADO

1.1.1.1. BREVE HISTÓRICOBREVE HISTÓRICOBREVE HISTÓRICOBREVE HISTÓRICO A evolução do estudo da teoria microeconômica teve início basicamente com a análise da

demanda de bens e serviços, cujos fundamentos estão alicerçados no conceito subjetivo de utilidade. A utilidade representa o valor ou grau de satisfação que os consumidores atribuem aos bens e serviços que podem adquirir no mercado.

Como a utilidade está baseada em aspectos psicológicos ou preferências, a utilidade difere de consumidor para consumidor (uns preferem uísque, outros, cerveja).

1.1.1.1.1.1.1.1. Demanda de mercadoDemanda de mercadoDemanda de mercadoDemanda de mercado

a.a.a.a. ConceitoConceitoConceitoConceito

A demanda ou procura pode ser definida como a quantidade de certo bem ou serviço que os consumidores desejam adquirir em determinado período de tempo.

A procura depende de variáveis que influenciam a escolha do consumidor. São elas: o preço do bem ou serviço, o preço dos outros bens, a renda do consumidor e o gosto ou preferência do indivíduo. Para estudar-se a influência isolada dessas variáveis utiliza-se a hipótese do coeteris paribus, ou seja, considera-se cada uma dessas variáveis afetando separadamente as decisões do consumidor.

b.b.b.b. Relação entre quantidade procurada e preço do bem: a lei geral da demandaRelação entre quantidade procurada e preço do bem: a lei geral da demandaRelação entre quantidade procurada e preço do bem: a lei geral da demandaRelação entre quantidade procurada e preço do bem: a lei geral da demanda

Há uma relação inversamente proporcional entre a quantidade procurada e o preço do bem, coeteris paribus. É a chamada lei geral da demanda.

Essa relação quantidade procurada/preço do bem pode ser representada por uma escala de procura (veja a Tabela III.1), curva de procura ou função demanda.

TabelTabelTabelTabelaaaa III.III.III.III.1: Escala de procura1: Escala de procura1: Escala de procura1: Escala de procura

Os economistas supõem que a curva ou a escala de procura revela as preferências dos consumidores, sob a hipótese de que estão maximizando sua utilidade, ou grau de satisfação no consumo daquele produto. Ou seja, subjacente à curva há toda uma teoria de valor, que envolve, como foi visto, os fundamentos psicológicos do consumidor5.

A curva de procura inclina-se de cima para baixo, no sentido da esquerda para a direita, refletindo o fato de que a quantidade procurada de determinado produto varia inversamente com relação a seu preço, coeteris paribus.

5 Essa parte da análise microeconômica é denominada teoria do consumidor, como observamos anteriormente, ela é reativamente abstrata, inclusive com razoável grau de formalização matemática e não costuma ser aprofundada em cursos introdutórios de Economia.

Page 16: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

16

Outra forma de apresentar essas diversas alternativas é pela curva de procura (veja a Figura III.1).

Figura Figura Figura Figura III.III.III.III.1: Curva de procura do bem X1: Curva de procura do bem X1: Curva de procura do bem X1: Curva de procura do bem X6666....

Matematicamente, a relação entre a quantidade demandada e o preço de um bem ou serviço pode ser expressa pela chamada função demanda ou equação da demanda:

Qd = f(Qd = f(Qd = f(Qd = f(P)P)P)P)

em que:

QdQdQdQd = quantidade procurada de determinado bem ou serviço, num dado período de tempo; PPPP = preço do bem ou serviço.

A expressão Qd = f(P)Qd = f(P)Qd = f(P)Qd = f(P) significa que a quantidade demandada QdQdQdQd é uma função do preço PPPP, isto é, depende do preço PPPP.

A curva de demanda é negativamente inclinada devido ao efeito conjunto de dois fatores: o efeito substituição e o efeito renda. Se o preço de um bem aumenta, a queda da quantidade demandada será provocada por esses dois efeitos somados:

a. efeito substituição: se um bem X X X X possui um bem substituto YYYY, ou seja, outro bem similar que satisfaça a mesma necessidade, quando o preço do bem XXXX aumenta, coeteris paribus, o consumidor passa a adquirir o bem substituto (o bem YYYY), reduzindo assim a demanda do bem XXXX. Exemplo: se o preço da caixa de fósforos subir demasiadamente, os consumidores passarão a demandar isqueiros, reduzindo assim sua demanda por fósforo;

b. efeito renda: quando aumenta o preço de um bem XXXX, tudo o mais constante (renda do consumidor e preços de outros bens estando constantes), o consumidor perde poder aquisitivo, e a demanda por esse produto XXXX diminui. Assim, embora seu salário monetário não tenha sofrido nenhuma alteração, seu salário “real”, em termos de poder de compra, foi corroído.

c.c.c.c. Outras variáveis que determinam aOutras variáveis que determinam aOutras variáveis que determinam aOutras variáveis que determinam a demand demand demand demandaaaa de um bem de um bem de um bem de um bem

Efetivamente, a procura de uma mercadoria não é influenciada apenas por seu preço. Existe uma série de outras variáveis que também afetam a procura.

6 Apenas por questão de simplificação, vamos supor que a relação entre a quantidade procurada e o preço de uma dada mercadoria ou serviço seja do tipo linear. Na realidade, essa relação pode assumir outras funções matemáticas, como potência, exponencial.

Page 17: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

17

Para a maioria dos produtos, a procura será também afetada por:

♦ renda dos consumidores; ♦ preço dos bens substitutos (ou concorrentes); ♦ preço dos bens complementares; e ♦ preferências ou hábitos dos consumidores.

Se a renda dos consumidores aumenta e a demanda do produto também, tem-se um bem normal. Existe também uma classe de bens que são chamados bens inferiores, cuja demanda varia em sentido inverso às variações da renda; por exemplo, se o consumidor ficar mais rico, diminuirá o consumo de carne de segunda e aumentará o consumo de carne de primeira. Analogamente, tem-se a categoria de bens superiores ou de luxo: se o consumidor fica mais rico, demandará mais produtos de maior qualidade. Tem-se ainda o caso de bens de consumo saciado, quando a demanda do bem não é influenciada pela renda dos consumidores (como arroz, farinha, sal).

A demanda de um bem ou serviço também pode ser influenciada pelos preços de outros bens e serviços. Quando há uma relação direta entre preço de um bem e quantidade de outro, coeteris paribus, eles são chamados de bens substitutos ou concorrentes, ou ainda sucedâneos. Por exemplo, um aumento no preço da carne deve elevar a demanda de peixe, tudo o mais constante. Quando há uma relação inversa entre o preço de um bem e a demanda de Outro, eles são chamados de bens complementares (por exemplo, quantidade de automóveis e preço da gasolina, quantidade de camisas sociais e preço das gravatas).

Finalmente, a demanda de um bem ou serviço também sofre a influência dos hábitos e preferências dos consumidores. Os gastos em publicidade e propaganda objetivam justamente aumentar a procura de bens e serviços influenciando preferências e hábitos.

Além das variáveis anteriores, que se aplicam ao estudo da procura pela maior parte dos bens, alguns produtos são afetados por fatores mais específicos, como efeitos sazonais e localização do consumidor, ou fatores mais gerais, como condições de crédito, perspectivas da economia, congelamentos ou tabelamentos de preços e salários.

Pode-se, então, resumir as principais variáveis que afetam a demanda de determinado bem ou serviço:

1.2.1.2.1.2.1.2. Oferta de merOferta de merOferta de merOferta de mercadocadocadocado

Pode-se conceituar oferta como as várias quantidades que os produtores desejam oferecer ao mercado em determinado período de tempo. Da mesma maneira que a demanda, oferta depende de vários fatores; dentre eles, de seu próprio preço, do preço (custo) dos fatores de produção e das metas ou objetivos dos empresários.

Diferentemente da função demanda, a função oferta mostra uma correlação direta entre quantidade ofertada e nível de preços, coeteris paribus. É a chamada lei geral da oferta.

Pode-se expressar uma escala de oferta de um bem XXXX: dada uma série de preços, quais seriam as quantidades ofertadas a cada preço:

Page 18: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

18

Tabela Tabela Tabela Tabela III.III.III.III.2: Escala de oferta2: Escala de oferta2: Escala de oferta2: Escala de oferta

Essa escala pode ser expressa graficamente conforme pode ser visto na figura 4:

Figura Figura Figura Figura III.III.III.III.2222: Curva de ofe: Curva de ofe: Curva de ofe: Curva de oferta do bem X.rta do bem X.rta do bem X.rta do bem X.

Matematicamente, a função ou equação da oferta é dada pela expressão:

QQQQOOOO = f(P) = f(P) = f(P) = f(P) em que:

QQQQOOOO = quantidade ofertada de um bem ou serviço, num dado período;

PPPP = preço do bem ou serviço.

A relação direta entre a quantidade ofertada de um bem e o preço desse bem deve-se ao fato de que, coeteris paribus, um aumento do preço de mercado estimula as empresas a elevar a produção; novas empresas serão atraídas, aumentando a quantidade ofertada do produto.

Além do preço do bem, a oferta de um bem ou serviço é afetada pelos custos dos fatores de produção (matérias-primas, salários, preço da terra), por alterações tecnológicas e pelo aumento do número de empresas no mercado.

Parece claro que a relação entre a oferta e o custo dos fatores de produção seja inversamente proporcional. Por exemplo, um aumento dos salários ou do custo das matérias-primas deve provocar, coeteris paribus, uma retração da oferta do produto.

A relação entre a oferta e nível de conhecimento tecnológico é diretamente proporcional, dado que melhorias tecnológicas promovem melhorias da produtividade no uso dos fatores de produção e, portanto, aumento da oferta. Da mesma forma, há uma relação direta entre a oferta de um bem ou serviço e o número de empresas ofertantes do produto no setor.

Page 19: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

19

1.3.1.3.1.3.1.3. Equilíbrio de mercadoEquilíbrio de mercadoEquilíbrio de mercadoEquilíbrio de mercado

a.a.a.a. A lei da oferta e da procura: tendência ao equilíbrioA lei da oferta e da procura: tendência ao equilíbrioA lei da oferta e da procura: tendência ao equilíbrioA lei da oferta e da procura: tendência ao equilíbrio

A interação das curvas de demanda e de oferta determina o preço e a quantidade de equilíbrio de um bem ou serviço em um dado mercado.

Seja a Tabela III.3, representativa da oferta e da demanda do bem XXXX:

Tabela 3: Oferta e demanda do bem XTabela 3: Oferta e demanda do bem XTabela 3: Oferta e demanda do bem XTabela 3: Oferta e demanda do bem X

Como se observa na Tabela 3, existe equilíbrio entre oferta e demanda do bem XXXX quando o preço é igual a 6,00 unidades monetárias.

Graficamente:

Figura Figura Figura Figura III.III.III.III.3333: Equilíbrio de mercado.: Equilíbrio de mercado.: Equilíbrio de mercado.: Equilíbrio de mercado.

Na intersecção das curvas de oferta e demanda (ponto EEEE), ter-se-á o preço e a quantidade

de equilíbrio, isto é, o preço e a quantidade que atendem às aspirações dos consumidores e dos produtores simultaneamente.

Se a quantidade ofertada se encontrar abaixo daquela de equilíbrio EEEE (A,A,A,A, por exemplo), teremos uma situação de escassez do produto. Haverá uma competição entre os consumidores, pois as quantidades procuradas serão maiores que as ofertadas. Formar-se-ão filas, o que forçará a elevação dos preços, até atingir-se o equilíbrio (ponto E), quando as filas cessarão.

Analogamente, se a quantidade ofertada se encontrar acima do ponto de equilíbrio EEEE (BBBB, por exemplo), haverá um excesso ou excedente de produção, um acúmulo de estoques não programado do produto, o que provocará uma competição entre os produtores, conduzindo a uma redução dos preços, até que se atinja o ponto de equilíbrio EEEE.

Como se observa, quando há competição tanto de consumidores como de ofertantes, há uma tendência natural no mercado para se chegar a uma situação de equilíbrio estacionário - sem filas e sem estoques não desejados pelas empresas.

Desse modo, se não há obstáculos para a livre movimentação dos preços, ou seja, se o sistema é de concorrência pura ou perfeita, será observada essa tendência natural de o preço e a

Page 20: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

20

quantidade atingirem determinado nível desejado tanto pelos consumidores como pelos ofertantes. Para que isso ocorra, é necessário que não haja interferência nem do governo nem de forças oligopólicas, que tem poder de afetar o preço de mercado.

b.b.b.b. Deslocamento das curvas de demanda e ofertaDeslocamento das curvas de demanda e ofertaDeslocamento das curvas de demanda e ofertaDeslocamento das curvas de demanda e oferta

Como foi visto, existem vários fatores que podem provocar deslocamento das curvas de oferta e demanda, com evidentes mudanças do ponto de equilíbrio. Supondo, por exemplo, que o mercado do bem XXXX (um bem normal, não inferior) esteja em equilíbrio. O preço de equilíbrio inicial é PPPP0000 e a quantidade, QQQQ0000 (ponto AAAA).

Figura Figura Figura Figura III.III.III.III.4444: Deslocamento do ponto de equilíbrio.: Deslocamento do ponto de equilíbrio.: Deslocamento do ponto de equilíbrio.: Deslocamento do ponto de equilíbrio.

Se, por hipótese, os consumidores obtêm um aumento de renda real (aumento de poder

aquisitivo), coeteris paribus, a demanda do bem XXXX, aos mesmos preços anteriores, será maior. Isso significa um deslocamento da curva de demanda para a direita, para DDDD1111 Assim, ao preço PPPP0000 ter-se-á inicialmente um excesso de demanda, que provocará um aumento de preços até que o excesso de demanda acabe.

O novo equilíbrio se dará ao preço PPPP1111 e quantidade QQQQ1111 (ponto B).

Da mesma forma, um deslocamento da curva de oferta afetará a quantidade de mercado e o preço de equilíbrio. Supondo, para exemplificar, que haja uma redução dos preços das matérias-primas usadas na produção do bem XXXX. Conseqüentemente, a curva de oferta do bem XXXX se deslocará para a direita, e, por raciocínio análogo ao anterior, o preço de equilíbrio se tornará menor e a quantidade maior.

1.4.1.4.1.4.1.4. Interferência doInterferência doInterferência doInterferência do governo no equilíbrio de mercado governo no equilíbrio de mercado governo no equilíbrio de mercado governo no equilíbrio de mercado

O governo intervém na formação de preços de mercado quando fixa impostos, dá subsídios, estabelece os critérios de reajuste do salário mínimo, fixa preços mínimos para produtos agrícolas, decreta tabelamentos ou, ainda, congela preços e salários.

a.a.a.a. Estabelecimento de impostosEstabelecimento de impostosEstabelecimento de impostosEstabelecimento de impostos

Embora seja tratado nos capítulos de Macroeconomia o papel do governo por meio dos instrumentos da política tributária, é interessante observar o enfoque microeconômico da tributação, que ressalta a questão da incidência do tributo. Sabe-se que quem recolhe a totalidade do tributo é a empresa, mas isso não quer dizer que é ela quem efetivamente o paga. Assim, saber sobre quem recai efetivamente o ônus do tributo é uma questão da maior importância na análise dos mercados.

Page 21: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

21

Os tributos podem ser impostos, taxas ou contribuições de melhoria. Os impostos dividem-se em:

♦ impostos indiretos: impostos incidentes sobre o consumo ou sobre as vendas. Exemplos: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

♦ impostos diretos: impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio. Exemplos: Imposto de Renda (IR) e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Entre os impostos indiretos destacar-se-ão:

♦ imposto específico: o valor do imposto é fixo, independentemente do valor da unidade vendida. Exemplo: para cada carro vendido, recolhe-se, a título de imposto, R$ 5.000 ao governo (esse valor é fixo e independe do valor do automóvel);

♦ imposto ad valorem: é um percentual (alíquota) aplicado sobre o valor da venda. Exemplo: supondo a alíquota do IPI sobre automóveis de 10%, se o valor do automóvel for de R$ 50.000, o valor do IPI será de R$ 5.000; se seu valor aumentar para R$ 60.000, o valor do IPI será de R$ 6.000. Assim, como se pode notar, a alíquota permanece inalterada em 10%, enquanto o valor do imposto varia com o preço do automóvel.

No Brasil, há poucos impostos específicos, sendo a quase totalidade dos impostos incidentes sobre o consumo do gênero ad valoremad valoremad valoremad valorem.

No ato do recolhimento, um aumento de impostos representa um aumento de custos de produção para a empresa. Se ela quiser continuar vendendo as mesmas quantidades anteriores, terá de elevar o preço de seu produto, ou seja, procurará repassar o imposto para o consumidor. Caso contrário terá de reduzir seu volume de produção. A proporção do imposto paga por produtores e consumidores é a chamada incidência tributária, que mostra sobre quem recai efetivamente o ônus do imposto.

O produtor procurará repassar a totalidade do imposto ao consumidor. Entretanto, a margem de manobra de repassá-lo dependerá do grau de sensibilidade desse a alterações do preço do bem. E essa sensibilidade (ou elasticidade) dependerá do tipo de mercado. Quanto mais competitivo ou concorrencial o mercado, maior a parcela do imposto paga pelos produtores, pois eles não poderão aumentar o preço do produto para nele embutir o tributo, O mesmo ocorrerá se s consumidores dispuserem de vários substitutos para esse bem. Por outro lado, quanto mais concentrado o mercado — ou seja, com poucas empresas —, maior o grau de transferência do posto para os consumidores finais, que contribuirão com maior parcela do imposto.

Há uma diferença entre o conceito jurídico e o conceito econômico de incidência. Do ponto de vista legal, a incidência refere-se a quem recolhe o imposto aos cofres públicos; do ponto de vista econômico, diz respeito a quem arca efetivamente com o ônus. Normalmente os impostos indiretos são recolhidos pelas empresas, mas elas repassam parte do imposto, aumentando o preço do produto e, assim, onerando o consumidor final.

b.b.b.b. Política de preços mínimos na agriculturaPolítica de preços mínimos na agriculturaPolítica de preços mínimos na agriculturaPolítica de preços mínimos na agricultura

Trata-se de uma política que visa dar uma garantia de preços ao produtor agrícola, com propósito de protegê-lo das flutuações dos preços no mercado, ou seja, ajudá-lo diante de ma possível queda acentuada de preços e conseqüentemente da renda agrícola. O governo, antes do início do plantio, garante um preço que ele pagará após a colheita do produto. Se, por ocasião da colheita, os preços de mercado forem superiores aos preços mínimos, o agricultor preferirá vendê-la no mercado. Contudo, se os preços mínimos forem superiores aos preços de mercado, o produtor preferirá vender sua produção para o governo ao preço anteriormente fixado. Nesse caso, com o preço mínimo acima do preço de equilíbrio de mercado, haverá um excedente de produto adquirido pelo governo, que será utilizado como estoque regulador em momentos subseqüentes.

Page 22: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

22

Graficamente pode ser visto assim:

Figura Figura Figura Figura III.III.III.III.5555:::: Fixação do preço mí Fixação do preço mí Fixação do preço mí Fixação do preço mínimo.nimo.nimo.nimo.

Nesse caso, o governo pode adotar dois tipos alternativos de políticas:

a. comprar o excedente (Q0 menos Q’0) ao preço mínimo Pmin (política de compras); b. pagar subsídio no preço (política de subsídios): o governo deixa os produtores

colocarem no mercado toda a produção Q0, o que provocará grande queda no preço pago pelos consumidores (Pcons) Os produtores receberão Pmin e o governo bancará a diferença (Pmin—Pcons). Evidentemente, que o governo optará pela política menos onerosa.

c.c.c.c. TabelamentoTabelamentoTabelamentoTabelamento

Refere-se à intervenção do governo no sistema de preços de mercado visando coibir abusos por parte dos vendedores, controlar preços de bens de primeira necessidade ou, então, refrear o processo inflacionário, como foi adotado no Brasil (Planos Cruzado, Bresser), quando se aplicou o congelamento de preços e salários.

Page 23: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

23

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO IIIIV V V V ---- ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO ESTRUTURAS DE MERCADO

1.1.1.1. INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO Foi visto anteriormente quais variáveis afetam a oferta e demanda de bens e serviços, e

como são determinados os preços, supondo que, sem interferências, o mercado automaticamente encontra seu equilíbrio. Implicitamente, estava sendo suposta uma estrutura específica de mercado, qual seja a de concorrência perfeita. Discutir-se-á neste capítulo mais detidamente essa e outras formas de mercado.

As várias formas ou estruturas de mercado dependem fundamentalmente de três características:

a) número de empresas que compõem esse mercado;

b) tipo do produto (se as firmas fabricam produtos idênticos ou diferenciados); e

c) se existem ou não barreiras ao acesso de novas empresas nesse mercado.

A maior parte dos modelos existentes pressupõe que as empresas maximizam o lucro total, o que, como foi visto no final do capítulo anterior, corresponde ao nível de produção no qual a receita marginal se iguala ao custo marginal. Essa é a hipótese da teoria tradicional ou marginalista.

Especificamente para o caso de estruturas oligopolistas de mercado, veremos que existe uma teoria alternativa, que pressupõe que a empresa maximiza o mark-up, que é a margem entre a receita e os custos diretos (ou variáveis) de produção.

1.1.1.1.1.1.1.1. Concorrência pura ou perfeitaConcorrência pura ou perfeitaConcorrência pura ou perfeitaConcorrência pura ou perfeita

A concorrência pura ou concorrência perfeita é um tipo de mercado em que há grande número de vendedores (empresas), de tal sorte que uma empresa, isoladamente, não afeta a oferta do mercado nem, conseqüentemente, o preço de equilíbrio. O grande número de empresas nesse mercado faz com que elas sejam apenas tomadoras de preços, ou pricetakers.

Nesse tipo de mercado, devem prevalecer as seguintes premissas:

♦ mercado atomizado, composto de grande número de empresas, como se fossem “átomos”;

♦ produtos homogêneos: não existe diferenciação entre produtos ofertados pelas empresas concorrentes;

♦ não existem barreiras para o ingresso de empresas no mercado; ♦ transparência do mercado: todas as informações sobre lucros, preços etc. são

conhecidas por todos os participantes do mercado.

Uma característica do mercado em concorrência perfeita é que, no longo prazo, não existem lucros extras ou extraordinários (em que as receitas superam os custos), mas apenas os chamados lucros normais, que representam a remuneração implícita do empresário (seu custo de oportunidade).

Em concorrência perfeita, como o mercado é transparente, se existirem lucros extraordinários em curto prazo, isso atrairá novas firmas para o mercado, pois também não há barreiras ao acesso. Com o aumento da oferta de mercado (devido ao aumento no número de empresas), os preços de mercado tenderão a cair, e conseqüentemente também os lucros extras que tendem a zero. Existirão apenas lucros normais, implícitos nos custos, quando então cessa o ingresso de novas empresas nesse mercado.

Deve-se salientar que, na realidade, não existe o mercado tipicamente de concorrência perfeita, sendo talvez o mercado de produtos hortifrutigranjeiros o exemplo mais próximo a esse modelo.

Page 24: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

24

1.2.1.2.1.2.1.2. MonopólioMonopólioMonopólioMonopólio

O mercado monopolista caracteriza-se por apresentar condições diametralmente opostas às da concorrência perfeita. Nele existe um único empresário (empresa) dominando inteiramente a oferta, de um lado, e todos os consumidores, de outro. Não há, portanto, concorrência, nem produto substituto ou concorrente. Nesse caso, ou os consumidores se submetem às condições impostas pelo vendedor, ou simplesmente deixarão de consumir o produto.

Para que existam monopólios, deve haver barreiras que praticamente impeçam a entrada de novas firmas no mercado. Essas barreiras à entrada podem advir das seguintes condições:

♦ monopólio puro ou natural: ocorre quando o mercado, por características próprias, exige elevado volume de capital. As empresas já instaladas operam com grandes plantas industriais, com elevadas economias de escala e custos unitários bastante baixos, o que possibilita a cobrança de preços relativamente baixos por seu produto, o que acaba sendo uma grande barreira para a entrada de novos concorrentes;

♦ patentes: enquanto a patente não cai em domínio público, a empresa é a única que detém a tecnologia apropriada para produzir aquele determinado bem;

♦ controle de matérias-primas básicas: por exemplo, o controle das minas de bauxita pelas empresas produtoras de alumínio.

Existe, ainda, o monopólio institucional ou estatal em setores considerados estratégicos de segurança nacional (por exemplo, energia, comunicações e petróleo). Isso ocorreu e ainda ocorre com muitos desses setores no Brasil e no mundo.

Dada a existência de barreiras à entrada de novas empresas, os lucros extraordinários devem persistir também no longo prazo em mercados monopolizados, diferentemente do que ocorre em concorrência perfeita, quando no longo prazo só existirão lucros normais.

1.3.1.3.1.3.1.3. OligopólioOligopólioOligopólioOligopólio

O oligopólio é um tipo de estrutura normalmente caracterizada por um pequeno número de empresas que dominam a oferta de mercado. Ele pode ser definido como um mercado em que há pequeno número de empresas, como a indústria automobilística, ou então em que há grande número de empresas, mas poucas dominam o mercado, como na indústria de bebidas.

O setor produtivo brasileiro é altamente oligopolizado, sendo possível encontrar inúmeros exemplos: montadoras de veículos, setor de cosméticos, indústria de papel, indústria de bebidas, indústria química, indústria farmacêutica, dentre outras.

No oligopólio, tanto as quantidades ofertadas como os preços são fixados entre as empresas por meio de conluios ou cartéis. O cartel é uma organização (formal ou informal) de produtores dentro de um setor que determina a política de preços para todas as empresas que a ela pertencem. Elas costumam adotar uma política de preços comum, agindo como monopolistas (a chamada solução de monopólio). Elas podem fazer uma concorrência extra-preço em termos de propaganda, publicidade, promoções, etc.

Nos oligopólios, há empresas líderes que, via de regra, fixam o preço, respeitando as estruturas de custos das demais, e há empresas satélites que seguem as regras ditadas pelas deres. Esse é um modelo chamado de liderança de preços. Como exemplo, no Brasil, pode-se citar a indústria de bebidas,

É possível caracterizar também tanto oligopólios com produtos diferenciados (como a indústria automobilística) como oligopólios com produtos homogêneos (alumínio, cimento).

Page 25: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

25

1.4.1.4.1.4.1.4. Concorrência monopolísticaConcorrência monopolísticaConcorrência monopolísticaConcorrência monopolística

A concorrência monopolística é uma estrutura de mercado intermediária entre a concorrência perfeita e o monopólio, mas que não se confunde com o oligopólio, pelas seguintes características:

♦ número relativamente grande de empresas com certo poder concorrencial, porém com segmentos de mercados e produtos diferenciados, seja por características físicas, embalagem, seja pela prestação de serviços complementares (pós-venda);

♦ margem de manobra para fixação dos preços não muito ampla, uma vez que existem produtos substitutos no mercado.

Essas características acabam dando um pequeno poder monopolista sobre o preço do produto, embora o mercado seja competitivo (daí o nome concorrência monopolística, que é aparentemente contraditório).

Como em concorrência perfeita, não há barreiras ao acesso de empresas no mercado. Assim, lucros extraordinários em curto prazo atrairão novas empresas, e, em longo prazo, só existirão lucros normais.

1.5.1.5.1.5.1.5. Estruturas do mercEstruturas do mercEstruturas do mercEstruturas do mercado de fatores de produçãoado de fatores de produçãoado de fatores de produçãoado de fatores de produção

Até aqui foram identificadas as estruturas de mercados de bens e serviços. O mercado de fatores de produção — mão-de-obra, capital, terra e tecnologia — também apresenta diferentes estruturas. Como o mercado de fatores depende da demanda de insumos pelos setores produtores de bens e serviços, ou seja, deriva do mercado do produto, a demanda por esses fatores é chamada de demanda derivada. Por exemplo, como a demanda de autopeças deriva da demanda de automóveis, se houver redução da demanda de automóveis, cairá também a demanda por autopeças.

As estruturas no mercado de fatores são resumidas a seguir.

a.a.a.a. Concorrência perfeita no mercado de fatoresConcorrência perfeita no mercado de fatoresConcorrência perfeita no mercado de fatoresConcorrência perfeita no mercado de fatores

A concorrência perfeita no mercado de fatores corresponde ao mercado cuja oferta do fator de produção (por exemplo, mão-de-obra não especializada) é abundante, o que torna o preço desse fator constante. Os ofertantes ou fornecedores, como são em grande número, não têm condições de obter preços mais elevados por seus serviços.

b.b.b.b. Monopólio no mercMonopólio no mercMonopólio no mercMonopólio no mercado de fatoresado de fatoresado de fatoresado de fatores

Quando há um monopolista na venda de insumos.

c.c.c.c. Oligopólio no mercado de fatoresOligopólio no mercado de fatoresOligopólio no mercado de fatoresOligopólio no mercado de fatores

Ocorre quando poucas empresas produzem um determinado insumo (oligopólio na venda do insumo).

d.d.d.d. Monopsônio (monopólio na compra de insumos)Monopsônio (monopólio na compra de insumos)Monopsônio (monopólio na compra de insumos)Monopsônio (monopólio na compra de insumos)

O monopsônio ou monopólio na compra de insumos compreende uma forma de mercado na qual há somente um comprador para muitos vendedores dos serviços dos insumos. E o caso da empresa que se instala em determinada cidade do interior e, por ser a única, torna-se demandante exclusiva da mão-de-obra local e das cidades próximas, tendo para si a totalidade da oferta de mão-de-obra.

Page 26: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

26

e.e.e.e. Oligopsônio (oligopólio na compra de insumos)Oligopsônio (oligopólio na compra de insumos)Oligopsônio (oligopólio na compra de insumos)Oligopsônio (oligopólio na compra de insumos)

O oligopsônio ou oligopólio na compra de insumos é o mercado em que há poucos compradores negociando com muitos vendedores. Por exemplo: a indústria de laticínios, pois em cada cidade existem dois ou três laticínios que adquirem a maior parte do leite dos inúmeros produtores rurais locais. A indústria automobilística, além de oligopolista no mercado de bens e serviços, também é oligopsonista na compra de autopeças.

f.f.f.f. Monopólio bilateralMonopólio bilateralMonopólio bilateralMonopólio bilateral

O monopólio bilateral ocorre quando um monopsonista, na compra do fator de produção, defronta com um monopolista na venda desse fator. Por exemplo, só a empresa AAAA compra um tipo de aço que é produzido apenas pela siderúrgica BBBB. A empresa AAAA é monopsonista, porque só ela compra esse tipo de aço, e a siderúrgica B B B B é monopolista, porque só ela vende esse tipo de aço.

Nesses casos, a determinação dos preços de mercado dependerá não só de fatores econômicos, mas do poder de barganha de ambos: o monopsonista tentando pagar o preço mais baixo (usando a força de ser o único comprador), e o monopolista tentando vender a um preço mais elevado (usando o poder de ser o único fornecedor).

1.6.1.6.1.6.1.6. A ação governaA ação governaA ação governaA ação governamental e os abusos do poder econômico nos mercadosmental e os abusos do poder econômico nos mercadosmental e os abusos do poder econômico nos mercadosmental e os abusos do poder econômico nos mercados

O Brasil possui, desde os anos 1960, extensa legislação que procura coibir os abusos do poder econômico em defesa da concorrência e da proteção aos consumidores.

Dentro do chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE), a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) são os órgãos que tem por objetivo julgar os excessos administrativos relativos a abusos do poder econômico, bem como analisar fusões de empresas que podem criar situações de monopólio ou maior domínio de mercado.

Quando se prova que a limitação da concorrência não propicia ganhos aos consumidores em termos de menores preços ou produtos tecnologicamente mais avançados, o Cade pode determinar que o negócio seja desfeito.

Page 27: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

27

CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V CAPÍTULO V ---- INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA INTRODUÇÃO À MACROECONOMIA

1.1.1.1. INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO A Macroeconomia estuda a economia como um todo analisando a determinação e o

comportamento de grandes agregados, tais como: renda e produto nacionais, nível geral de preços, emprego e desemprego, estoque de moeda e taxas de juros, balanço de pagamentos e taxa de câmbio.

Ao estudar e procurar relacionar os grandes agregados, a Macroeconomia não tem por enfoque o comportamento das unidades econômicas individuais e de mercados específicos. A Macroeconomia trata o mercado de bens e serviços como um todo (agregando produtos agrícolas, industriais e serviços de transporte, por exemplo), assim como o mercado de trabalho (não se preocupando com diferenças na qualificação, sexo, idade, origem da força de trabalho etc.).

Entretanto, embora exista um aparente contraste, não há conflito entre a Micro e a Macroeconomia, uma vez que o conjunto da economia é a soma de seus mercados individuais. A diferença é primordialmente uma questão de ênfase, de enfoque. Ao se estudar as determinações de preços num dado setor, na Microeconomia consideram-se constantes os preços dos outros setores (a hipótese de coeteris paribus). Na Macroeconomia, estuda-se o nível geral de preços, ignorando-se as mudanças de preços relativos dos bens dos diferentes setores.

Em resumo, a teoria macroeconômica tradicional trata fundamentalmente das questões do desemprego e da inflação, consideradas como problemas de curto prazo ou conjunturais, enquanto as teorias de desenvolvimento e crescimento incorporam questões estruturais, que envolvem políticas cujos efeitos demandam um período maior de tempo para apresentarem resultados, pois exigem mudanças profundas na estrutura econômica e institucional do país.

2.2.2.2. OBJETIVOS DA POLÍTICOBJETIVOS DA POLÍTICOBJETIVOS DA POLÍTICOBJETIVOS DA POLÍTICA MACROECONÔMICAA MACROECONÔMICAA MACROECONÔMICAA MACROECONÔMICA São os seguintes os objetivos da política macroeconômica:

♦ alto nível de emprego; ♦ estabilidade de preços; ♦ distribuição de renda socialmente justa; ♦ crescimento econômico.

As questões relativas ao emprego e à inflação são consideradas conjunturais, de curto prazo, a preocupação central das chamadas políticas de estabilização. As questões relativas ao crescimento econômico e à distribuição de renda envolvem aspectos também estruturais, que são predominantemente de longo prazo.

Alguns textos colocam também como meta o equilíbrio no balanço de pagamentos, ou equilíbrio externo, mas esse não representa um objetivo em si mesmo, mas sim um meio, um instrumento que depende da orientação geral da política econômica determinada pelo governo sobre as metas já assinaladas. Isto posto, segue-se uma visão geral dessas questões.

2.1.2.1.2.1.2.1. Alto nível de empregoAlto nível de empregoAlto nível de empregoAlto nível de emprego

Pode-se dizer que as discussões sobre desemprego, a partir dos anos 1930, permitiram um aprofundamento da análise macroeconômica. E o livro de John Maynard Keynes, Teoria geral do emprego, dos juros e da moeda, de 1936, forneceu aos governantes os instrumentos necessários para que a economia recuperasse seu nível de emprego potencial ao longo do tempo.

Deve-se salientar que antes da crise mundial dos anos 30 do século XX, o desemprego não preocupava a maioria dos governantes, pelo menos nos países capitalistas. Isso porque predominava o pensamento liberal, que acreditava que os mercados, sem interferência do Estado,

Page 28: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

28

conduziriam a economia ao pleno emprego de seus recursos, ou a seu produto potencial: milhões de consumidores e milhares de empresas, como que guiados por uma “mão invisível” determinariam os preços e a produção de equilíbrio, e, desse modo, não haveria problemas de desempenho.

De fato, desde a Revolução Industrial, em fins do século XVIII, até o início do século XX, o mundo econômico parece ter funcionado mais ou menos assim. Entretanto, a evolução da economia mundial trouxe em seu bojo novas variáveis, como o surgimento dos sindicatos de trabalhadores, os grupos econômicos e o desenvolvimento do mercado de capitais e do comércio internacional, de sorte a complicar e trazer incertezas sobre o funcionamento da economia. A não interferência do governo levou à quebra da Bolsa de Nova York em 1929, e uma crise de desemprego atingiu todos os países do mundo ocidental nos anos seguintes.

Com a contribuição de Keynes, contudo, fincaram-se as bases da moderna teoria macroeconômica, e da intervenção do Estado na economia de mercado. Na verdade, Keynes praticamente inaugurou a seguinte discussão macroeconômica, que perdura até hoje: qual deve ser o grau de intervenção do Estado na economia e em que medida ele deve ser produtor de bens ou serviços. A corrente dos economistas liberais (hoje neoliberais) prega que, na economia, o governo deva cuidar apenas da política monetária e deixar a produção de bens e serviços para o setor privado, enquanto outras correntes apregoam maior grau de atuação do Estado na atividade econômica (keynesianos, desenvolvimentistas, socialistas, etc.).

2.2.2.2.2.2.2.2. Estabilidade de preçosEstabilidade de preçosEstabilidade de preçosEstabilidade de preços

Define-se inflação como o aumento contínuo e generalizado no nível geral de preços. Esta torna-se um problema para toda a sociedade porque acarreta distorções, principalmente sobre a distribuição da renda, sobre as expectativas dos agentes econômicos e sobre o balanço de pagamentos.

Costuma-se aceitar que um pouco de inflação faça parte dos ajustes de uma sociedade dinâmica, em crescimento. Efetivamente, a experiência histórica mostra que existem algumas condições inflacionárias que são inerentes ao próprio processo de crescimento econômico. As tentativas dos países em via de desenvolvimento de alcançar estágios mais avançados de crescimento econômico dificilmente se realizam sem que também ocorram, concomitantemente, elevações no nível geral de preços.

Mesmo em países mais desenvolvidos, o controle da inflação também é uma preocupação sempre presente, dado que, quanto maior o nível de atividade econômica, a utilização dos recursos produtivos tende a atingir sua capacidade máxima, gerando tensões inflacionárias.

2.3.2.3.2.3.2.3. Distribuição eqüitativa de rendaDistribuição eqüitativa de rendaDistribuição eqüitativa de rendaDistribuição eqüitativa de renda

A economia brasileira cresceu razoavelmente entre o fim dos anos 1960 e a maior parte da década de 1970. Apesar disso, verificou-se uma disparidade muito acentuada de nível de renda, tanto entre diferentes grupos socioeconômicos como entre as regiões brasileiras. Tal situação fere, evidentemente, o sentido de eqüidade ou justiça social.

No Brasil, os críticos do “milagre econômico” argumentam que a concentração de renda no país piorou entre os anos 1967 e 1973 devido a uma política deliberada do governo de primeiro crescer para depois distribuir (a chamada teoria do bolo).

A posição oficial era de que certo aumento na concentração de renda seria inerente ao próprio desenvolvimento capitalista, dadas as transformações estruturais que ocorrem nesse processo: êxodo rural, com trabalhadores de baixa qualificação, aumento da proporção de jovens, entre outros.

Em países que tiveram um crescimento bastante rápido, principalmente após a 2 guerra mundial, como Brasil, Chile, México, Coréia do Sul, gerou-se um aumento abrupto da demanda por

Page 29: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

29

mão-de-obra qualificada, que, por ser escassa, obtém ganhos extras relativamente aos trabalhadores menos qualificados (que também tiveram ganhos nesse processo, mas menores que os mais qualificados). Assim, a falta de qualificação da mão-de-obra teria sido o principal determinante da piora distributiva nesses países.

Deve ser observado que, embora tenha ocorrido no Brasil uma concentração de renda naquele período, o padrão de vida de toda a população melhorou, o que é aparentemente contraditório. O que ocorreu é que a renda média por habitante (renda per capitaper capitaper capitaper capita) de todas as classes aumentou, mas a renda das classes mais ricas aumentou proporcionalmente mais que a renda das classes mais pobres. A renda dos pobres aumentou, melhorou seu padrão de vida no período, mas a participação deles na renda do país diminuiu.

2.4.2.4.2.4.2.4. Crescimento econômicoCrescimento econômicoCrescimento econômicoCrescimento econômico

Se existe desemprego e capacidade ociosa, pode-se aumentar o produto nacional por meio de políticas econômicas que estimulem a atividade produtiva. No entanto, feito isso, há um limite à quantidade que se pode produzir com a tecnologia e os recursos disponíveis.

Aumentar o produto além desse limite exigirá:

a) ou um aumento nos recursos disponíveis;

b) ou um avanço tecnológico, ou seja, melhoria tecnológica, novas maneiras de organizar a produção, qualificação da mão-de-obra.

Quando se fala em crescimento econômico, esta se referindo ao crescimento da renda nacional per capita, ou seja, em colocar à disposição da coletividade uma quantidade de mercadorias e serviços que supere o crescimento populacional. A renda per capita é considerada um razoável indicador o mais operacional para se aferir a melhoria do padrão de vida da população, embora apresente falhas (os países árabes têm as maiores rendas per capita no mundo, mas não o melhor padrão de vida em relação a outros países com renda per capita elevada).

2.5.2.5.2.5.2.5. Dilemas de política econômica: iDilemas de política econômica: iDilemas de política econômica: iDilemas de política econômica: internternternter----relações e conflitos de objetivosrelações e conflitos de objetivosrelações e conflitos de objetivosrelações e conflitos de objetivos

O crescimento econômico pode facilitar a solução de problemas relativos à pobreza, pois os conflitos sociais sobre a divisão do bolo produtivo podem ser abrandados quando ele aumenta. Nesse sentido, poder-se-ia aumentar a renda dos pobres sem diminuir a dos ricos.

Entretanto, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, as metas de crescimento e eqüidade distributiva têm-se mostrado conflitantes, fundamentalmente devido ao fator educacional, com a maioria da mão-de-obra com baixa qualificação e, portanto, com baixos rendimentos.

Outro conflito gerado por políticas econômicas pode ser observado entre as metas de redução de desemprego e a estabilidade de preços. É fato que, quando o desemprego diminui e a economia aproxima-se da plena utilização de recursos, passam a ocorrer pressões por aumentos de preços, principalmente nos setores fornecedores de insumos básicos (aço, embalagens, matérias-primas), o que explica o freqüente controle do crescimento do consumo pelas autoridades para não provocar inflação. Por outro lado, observa-se que, numa situação recessiva (desemprego elevado), as taxas de inflação tendem a ceder, uma vez que as empresas estarão mais voltadas a desovar seus estoques acumulados e os sindicatos de trabalhadores não estarão tão preocupados em obter salários mais elevados, mas sim com a manutenção do emprego.

Essa tendência a uma relação inversa entre inflação e desemprego é denominada na literatura econômica tradetradetradetrade----offoffoffoff entre inflação e desemprego, que é um reflexo de uma tendência cíclica da economia, alternando períodos de maior prosperidade com outros mais recessivos.

Decidir qual o objetivo prioritário é tarefa que pertence mais ao âmbito do poder político. Cabe aos economistas apresentar os custos e os benefícios de cada alternativa de política econômica, mas a decisão final sobre qual caminho percorrer pertence aos políticos.

Page 30: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

30

3.3.3.3. INSTRUMENTOS DE POLÍINSTRUMENTOS DE POLÍINSTRUMENTOS DE POLÍINSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICATICA MACROECONÔMICATICA MACROECONÔMICATICA MACROECONÔMICA A política macroeconômica envolve a atuação do governo sobre a capacidade produtiva

(oferta agregada) e as despesas planejadas (demanda agregada), com o objetivo de permitir que a economia opere a pleno emprego, com baixas taxas de inflação, com distribuição de renda justa, e cresça de forma contínua e sustentável.

Os principais instrumentos para atingir tais objetivos são as políticas fiscal, monetária, cambial e comercial, e de rendas.

3.1.3.1.3.1.3.1. Política FiscalPolítica FiscalPolítica FiscalPolítica Fiscal

Refere-se a todos os instrumentos de que o governo dispõe para arrecadar tributos (política tributária) e controlar suas despesas (política de gastos). A política tributária, além influir sobre o nível de tributação, é utilizada, por meio da manipulação da estrutura e alíquotas de impostos, para estimular (ou inibir) os gastos de consumo do setor privado.

Se o objetivo da política econômica for reduzir a taxa de inflação, as medidas fiscais normalmente adotadas são: a diminuição de gastos públicos e/ou o aumento da carga tributária (o que inibe o consumo). Logo, essas medidas visam diminuir os gastos da coletividade.

Se o objetivo for maior crescimento e emprego, os instrumentos fiscais são os mesmos, mas em sentido inverso, para elevar a demanda agregada.

Para uma política que vise melhorar a distribuição de renda, esses instrumentos devem ser utilizados de forma seletiva, em benefício dos grupos menos favorecidos. Por exemplo, impostos progressivos, gastos do governo em regiões mais atrasadas etc.

Toda política tributária deve obedecer a um princípio constitucional, chamado princípio da princípio da princípio da princípio da anterioridadeanterioridadeanterioridadeanterioridade (antes conhecido como princípio da anualidadeprincípio da anualidadeprincípio da anualidadeprincípio da anualidade), segundo o qual a implementação de uma medida só pode ocorrer a partir do ano seguinte ao de sua aprovação pelo Congresso Nacional. Como consta do art. 150, inciso III, b, da Constituição Federal de 1988, é vedado às autoridades públicas cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

3.2.3.2.3.2.3.2. Política monetáriaPolítica monetáriaPolítica monetáriaPolítica monetária

Refere-se à atuação do governo sobre a quantidade de moeda e títulos públicos existentes na economia. Os instrumentos disponíveis para tal são:

♦ emissões de moeda; ♦ reservas compulsórias (percentual sobre os depósitos que os bancos comerciais

devem colocar à disposição do Banco Central); ♦ open market (compra e venda de títulos públicos); ♦ redescontos (empréstimos do Banco Central aos bancos comerciais); ♦ regulamentação sobre crédito e taxa de juros.

Assim, por exemplo, se o objetivo for o controle da inflação, a medida apropriada de política monetária seria diminuir o estoque monetário da economia (aumento da taxa de juros, aumento das reservas compulsórias, ou venda de títulos no open market. Se a meta for o crescimento econômico, seria o inverso: redução da taxa de juros e da taxa de compulsório, compra de títulos no open market.

As políticas monetária e fiscal representam meios alternativos diferentes para as mesmas finalidades. A política econômica deve ser executada por meio de uma combinação adequada de instrumentos fiscais e monetários.

Pode-se dizer que a política fiscal tem mais eficácia quando o objetivo é uma melhoria na distribuição de renda, tanto na taxação às rendas mais altas como pelo aumento dos gastos do

Page 31: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

31

governo com destinação a setores menos favorecidos. A política monetária é mais difusa no tocante à questão distributiva.

Uma vantagem freqüentemente apontada da política monetária sobre a fiscal é que a primeira pode ser implementada logo após sua aprovação, dado que depende apenas de decisões diretas as autoridades monetárias, enquanto o processo de implementação de políticas fiscais é muito lento, pois depende de votação no Congresso, e deve obedecer ao princípio da anterioridade, aumentando a defasagem entre a tomada de decisão e a implementação das medidas fiscais.

3.3.3.3.3.3.3.3. Políticas cambial e comercialPolíticas cambial e comercialPolíticas cambial e comercialPolíticas cambial e comercial

São políticas que atuam sobre as variáveis relacionadas ao setor externo da economia.

A poA poA poA política cambiallítica cambiallítica cambiallítica cambial refere-se à atuação do governo sobre a taxa de câmbio. As autoridades monetárias podem fixar a taxa de câmbio (regime de taxas fixas de câmbio) ou permitir que ela seja flexível e determinada pelo mercado de divisas (regime de taxas flutuantes de câmbio).

A política comercialA política comercialA política comercialA política comercial diz respeito aos instrumentos de incentivos às exportações e/ou ao estímulo e desestímulo às importações, ou seja, refere-se a estímulos fiscais (crédito-prêmio do ICMS, IPI etc.) e creditícios (taxas de juros subsidiadas) às exportações e ao controle das importações (via tarifas e barreiras quantitativas sobre importações).

No Brasil, as decisões de política cambial são de alçada do Conselho Monetário Nacional, enquanto a política comercial é comandada pelos Ministros do Planejamento, da Indústria e Comércio e Agricultura, com apoio do Ministério das Relações Exteriores.

3.4.3.4.3.4.3.4. Política de rendasPolítica de rendasPolítica de rendasPolítica de rendas

A política de rendas refere-se à intervenção direta do Estado na formação de renda (salários, aluguéis), com o controle e congelamento de preços.

Alguns tipos de controle exercidos pelas autoridades econômicas podem ser considerados dentro do âmbito das políticas monetária, fiscal ou cambial, por exemplo, o controle das taxas de juros e da taxa de câmbio. Entretanto, os controles sobre preços e salários situam-se em categoria própria de política econômica. A característica especial é que, nesses controles, os preços são congelados e os agentes econômicos não podem responder às influências econômicas normais do mercado. Normalmente esses controles são utilizados como política de combate à inflação.

No Brasil, a fixação da política salarial, o salário mínimo, a atuação do Conselho Interministerial de Preços (CIP), depois da Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (SEAP), e os congelamentos de preços e salários nos planos econômicos (Cruzado, Bresser, Verão e Collor) situaram-se no contexto de políticas antiinflacionárias.

4.4.4.4. ESTRUTURA DE ANÁLISEESTRUTURA DE ANÁLISEESTRUTURA DE ANÁLISEESTRUTURA DE ANÁLISE MACROECONÔMICA MACROECONÔMICA MACROECONÔMICA MACROECONÔMICA7777 Tradicionalmente, a estrutura básica do modelo macroeconômico compõe-se de cinco

mercados que podem ser tidos como:

Parte “real” da economia:Parte “real” da economia:Parte “real” da economia:Parte “real” da economia:

♦ mercado de bens e serviços ♦ mercado de trabalho

Parte “monetária”da economia:Parte “monetária”da economia:Parte “monetária”da economia:Parte “monetária”da economia:

♦ mercado monetário ♦ mercado de títulos ♦ mercado de divisas

7 Colaboração do Prof. Carlos Antonio Luque, titular da FEA-USP.

Page 32: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

32

As variáveis ou agregados macroeconômicos são determinados pelo encontro da oferta e da demanda em cada um desses mercados.

A seguir será apresentado um esboço da estrutura básica do modelo macroeconômico. Nos próximos capítulos, essa estrutura, bem como as variáveis macroeconômicas determinadas, será discutida com mais detalhes.

4.1.4.1.4.1.4.1. Mercado de bens e serviçosMercado de bens e serviçosMercado de bens e serviçosMercado de bens e serviços

A idéia básica seria a de se idealizar a economia como se ela teoricamente produzisse apenas um único bem, que seria obtido pela agregação dos diversos bens produzidos. Esse mercado determina o nível de produção agregada, bem como o nível geral de preços.

A determinação do nível geral de preços e do nível agregado de produção está condicionada pela evolução do nível de demanda e oferta agregadas de bens e serviços. A demanda agregada depende fundamentalmente da evolução da demanda dos quatro grandes setores ou agentes macroeconômicos:

♦ consumidores; ♦ empresas; ♦ governo; ♦ setor externo.

Por outro lado, a oferta ou produção agregada depende da evolução do nível de emprego e da capacidade instalada na economia.

A condição de equilíbrio do mercado é dada por:

Oferta agregada de bens e serviços = Demanda agregada de bens e serviçosOferta agregada de bens e serviços = Demanda agregada de bens e serviçosOferta agregada de bens e serviços = Demanda agregada de bens e serviçosOferta agregada de bens e serviços = Demanda agregada de bens e serviços

As variáveis determinadas nesse mercado são as seguintes:

♦ nível de renda e produto nacional; ♦ nível de preços; ♦ consumo agregado; ♦ poupança agregada; ♦ investimentos agregados; ♦ exportações totais; ♦ importações totais.

4.2.4.2.4.2.4.2. Mercado de trabalhoMercado de trabalhoMercado de trabalhoMercado de trabalho

Assim como no mercado de bens e serviços não se levam em conta os diferentes tipos de bens produzidos pela economia, nesse mercado não se distinguem os diferentes tipos de trabalho. Admite-se a existência de um único tipo de mão-de-obra, independentemente de características como grau de qualificação, escolaridade, sexo etc. Esse mercado determina a taxa de salários e o nível geral de emprego.

A demanda ou procura de mão-de-obra depende de dois fatores básicos: da taxa de salário real (ou custo efetivo da mão-de-obra para as empresas) e do nível de produção desejado pelas empresas. A oferta de mão-de-obra depende do salário real (custo efetivo da cesta básica de consumo para os trabalhadores) e da evolução da população economicamente ativa.

A condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

Oferta de mãoOferta de mãoOferta de mãoOferta de mão----dededede----obra = Demanda de mãoobra = Demanda de mãoobra = Demanda de mãoobra = Demanda de mão----dededede----obraobraobraobra

Page 33: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

33

As variáveis determinadas são:

♦ nível de emprego;

♦ taxa de salários monetários.

Em conjunto com o mercado de bens e serviços, que determina a taxa de inflação, o mercado de trabalho determina também o salário real, isto é, o salário monetário, descontada a inflação.

4.3.4.3.4.3.4.3. Mercado monetárioMercado monetárioMercado monetárioMercado monetário

Dado que todas as transações da economia são efetuadas com a utilização de moeda, admite-se também a existência de um mercado monetário. Nesse mercado, supõe-se a existência de uma demanda de moeda (em função da necessidade de transações dos agentes econômicos, ou seja, da necessidade de liquidez) e de uma oferta de moeda, determinada pelo Banco Central8 e pela atuação dos bancos comerciais. A demanda e a oferta de moeda determinam a taxa de juros.

A condição de equilíbrio é dada por:

Oferta de moeda = Demanda de moedaOferta de moeda = Demanda de moedaOferta de moeda = Demanda de moedaOferta de moeda = Demanda de moeda

As variáveis determinadas nesse mercado são:

♦ taxa de juros; ♦ estoque de moeda (meios de pagamentos).

4.4.4.4.4.4.4.4. Mercado de títulosMercado de títulosMercado de títulosMercado de títulos

O mercado de títulos é incluído no modelo macroeconômico básico para que seja analisado o papel de agentes econômicos superavitários e deficitários, e como interagem. Os agentes econômicos superavitários, que possuem um nível de gastos inferior a seu volume de renda, podem efetuar empréstimos para os agentes econômicos deficitários (aqueles que possuem nível de gastos superior a seu nível de renda).

De maneira semelhante aos mercados de bens e serviços e ao mercado de trabalho, não se considera a existência de diferentes tipos de títulos; ao contrário, supõe-se que exista um título-padrão. Normalmente utiliza-se o título público federal como exemplo.

A condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

Oferta de títulos = Demanda de títulosOferta de títulos = Demanda de títulosOferta de títulos = Demanda de títulosOferta de títulos = Demanda de títulos

e a variável determinada nesse mercado é o preço dos títulos.

Normalmente os mercados monetário e de títulos são analisados conjuntamente, que podem genericamente ser chamados de mercado financeiro, dada sua grande interdependência. Na verdade, a taxa de juros é determinada por esses dois mercados.

4.5.4.5.4.5.4.5. Mercado de divisasMercado de divisasMercado de divisasMercado de divisas

Como a economia mantém transações com o resto do mundo, existem mercados de divisas ou de moeda estrangeira. A oferta de divisas depende das exportações e da entrada de capitais financeiros, enquanto a demanda de divisas é determinada pelo volume de importações e saída de capital financeiro.

8 No Brasil, as principais normas e decisões de política monetária são feitas pelo conselho Monetário Nacional (CMN). Como o Banco Central é o órgão executor dessas políticas, implicitamente estamos também nos referindo ao CMN.

Page 34: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

34

Assim, a condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

Oferta de divisas = Demanda de divisasOferta de divisas = Demanda de divisasOferta de divisas = Demanda de divisasOferta de divisas = Demanda de divisas

sendo que a variável determinante nesse mercado é a taxa de câmbio.

O Banco Central pode interferir no mercado de divisas fixando antecipadamente a taxa de câmbio (regime de taxas de câmbio fixas) ou deixando a taxa flutuar (regime de taxas de câmbio flutuantes ou flexíveis), mas praticamente determinando a taxa de equilíbrio, pois ele atua tanto na compra como na venda de divisas (o que é chamado de ”flutuação suja” ou dirty floatingdirty floatingdirty floatingdirty floating).

Na análise macroeconômica, os gastos do governo e a oferta de moeda são exógenos, isto é, não são determinados nesses mercados, mas sim de forma autônoma pelas autoridades. Diz-se que são variáveis determinadas institucionalmente, já que dependem do tipo de política econômica adotado pelas autoridades.

Por exemplo, se a meta for a estabilização da taxa de inflação, deve ocorrer uma diminuição tanto nos gastos do governo como na oferta de moeda; se o objetivo for desenvolvimentista, devem ser adotadas políticas de expansão monetária e de gastos públicos. Elas vão condicionar o comportamento de todos os demais agregados, mas não são determinadas por eles.

O mercado de capitais físicos está embutido no mercado de bens e serviços por meio dos investimentos (gastos com a formação de capital) e da poupança (financiamento da formação de capital). O mercado de capitais financeiros é estudado com o mercado monetário e de títulos.

Page 35: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

35

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO VVVVI I I I ---- CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL CONTABILIDADE SOCIAL

1.1.1.1. INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO Como foi visto anteriormente, a teoria macroeconômica estuda a determinação e o

comportamento dos agregados econômicos nacionais. A parte relativa à medição desses agregados é denominada contabilidade social, que é o registro contábil da atividade produtiva de um país ao longo de um dado período de tempo. A análise do comportamento dos agregados econômicos constitui a teoria macroeconômica propriamente dita, cujo foco é a evolução desses agregados e como atuar sobre eles por meio dos instrumentos de política econômica.

A contabilidade social procura definir e medir os principais agregados a partir de valores já realizados ou efetivados (ou ex postex postex postex post, a posteriori,a posteriori,a posteriori,a posteriori, depois de ocorridos). Já a Macroeconomia antecipa ou prevê o que pode ocorrer, e trabalha com valores teóricos, previstos, planejados (ou ex ex ex ex ante, a prioriante, a prioriante, a prioriante, a priori, antes de ocorrerem). Assim, quando se fala, por exemplo, em poupança agregada na contabilidade social, referi-se à poupança realizada (ex post); na teoria macroeconômica é poupança planejada ou desejada (ex anteex anteex anteex ante).

Neste capítulo, será apresentada a parte relativa à contabilidade social. Nos capítulos seguintes, serão discutidas questões pertinentes à teoria e política macroeconômicas.

2.2.2.2. SISTEMAS DE CONTABILSISTEMAS DE CONTABILSISTEMAS DE CONTABILSISTEMAS DE CONTABILIDADE SOCIALIDADE SOCIALIDADE SOCIALIDADE SOCIAL Os agregados macroeconômicos, que serão definidos neste capítulo, são determinadas a

partir de um sistema contábil que trata o país como se ele fosse uma grande empresa que produz um produto único, o produto nacional bruto, que é o agregado de tudo o que é produzido nessa economia.

Existem dois sistemas principais de contabilidade social, adotados na quase totalidade dos países: o sistema de contas nacionais e a matriz de relações intersetoriais. A Organização das Nações Unidas (ONU) apresenta modelos e manuais desses sistemas, que orientam os institutos de pesquisas na medição dos agregados nacionais.

2.1.2.1.2.1.2.1. Sistema de contas nacionaisSistema de contas nacionaisSistema de contas nacionaisSistema de contas nacionais

Assim como na contabilidade privada, o sistema de contas nacionais utiliza o método tradicional das partidas dobradas, discriminando as transações dos grandes agentes (setores) macroeconômicos: famílias, empresas, governo e setor externo, cada um representado por uma conta específica. Nesse sistema, medem-se apenas as transações com bens e serviços finais, e não as transações com insumos ou matérias-primas, utilizados na produção dos bens finais.

2.2.2.2.2.2.2.2. Matriz de relações intersetoriais (ou matriz insumoMatriz de relações intersetoriais (ou matriz insumoMatriz de relações intersetoriais (ou matriz insumoMatriz de relações intersetoriais (ou matriz insumo----produto ou matriz de Leontief)produto ou matriz de Leontief)produto ou matriz de Leontief)produto ou matriz de Leontief)

Diferentemente do sistema de contas nacionais, a matriz de Leontief inclui as transações intermediárias, permitindo analisar também relações econômicas entre os vários setores de atividade (o que cada setor gasta e o que vende para outros setores).

Essa matriz fornece informações mais completas, por incluir também as transações intersetoriais. Entretanto, ela exige dados mais detalhados, que só são obtidos nos censos econômicos, elaborados normalmente com intervalos de cinco anos.

Assim, por questões operacionais, o sistema de contas nacionais é o mais adotado no mundo todo, permitindo obter mais rapidamente estimativas anuais dos agregados macroeconômicos. Os conceitos apresentados neste capítulo baseiam-se nesse sistema9.

9 Para mais informações sobre a estrutura contábil do sistema de contas nacionais e da matriz insumo-produto, ver PAULANI, L.; BRAGA, M. B., A nova contabilidade social São Paulo: Saraiva, 2006.

Page 36: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

36

3.3.3.3. PRINCÍPIOS BÁSICOS DPRINCÍPIOS BÁSICOS DPRINCÍPIOS BÁSICOS DPRINCÍPIOS BÁSICOS DAS CONTAS NACAS CONTAS NACAS CONTAS NACAS CONTAS NACIONAISIONAISIONAISIONAIS Alguns princípios básicos devem ser observados no levantamento e medição dos

agregados macroeconômicos, a saber:

♦ consideram-se apenas as transações com bens e serviços finais, não sendo computadas as transações com bens e serviços intermediários (matérias-primas, componentes). Os custos de produção referem-se, então, apenas à remuneração aos fatores de produção (salários, juros, aluguéis e lucros), não sendo considerados os custos de matérias-primas e demais produtos intermediários10

♦ mede-se apenas a produção corrente do próprio período. Assim, não é levado em conta o valor de transações com bens produzidos em períodos anteriores (automóveis, máquinas, imóveis usados, por exemplo). Entretanto, como as atividades econômicas compõem-se também do setor de serviços, a atividade comercial é um serviço corrente. Então, considera-se a remuneração do vendedor (mesmo que de um produto de segunda mão) como parte do produto corrente, mas não o valor do objeto de transação (o produto em si);

♦ as transações referem-se a um fluxo, ou seja, são definidas ao longo de certo período de tempo. Normalmente, considera-se o ano, embora existam também estimativas trimestrais, como no Brasil, mas que são amostras parciais;

♦ a moeda é neutra, no sentido de ser considerada apenas como unidade de medida, ou seja, um padrão para permitir a agregação de bens e serviços fisicamente diferentes, e instrumento de troca;

♦ não são considerados os valores das transações puramente financeiras, dado que essas não representam diretamente acréscimos do produto real da economia. Esses agregados (depósitos e empréstimos bancários, transações na Bolsa de Valores) são considerados transferências financeiras entre aplicadores e tomadores11. Nessa mesma linha de raciocínio, as taxas de juros e a taxa de câmbio também não são apresentadas no sistema de contabilidade social. Ou seja, a contabilidade social preocupa-se apenas em mensurar os agregados reais, que representam diretamente alterações da renda e da riqueza.

4.4.4.4. ECONOMIA A DOIS SETOECONOMIA A DOIS SETOECONOMIA A DOIS SETOECONOMIA A DOIS SETORES: FAMÍLIAS E EMPRRES: FAMÍLIAS E EMPRRES: FAMÍLIAS E EMPRRES: FAMÍLIAS E EMPREEEESASSASSASSAS Seguindo a metodologia tradicionalmente adotada na teoria macroeconômica, partiremos

inicialmente de algumas hipóteses simplificadoras. Primeiro, serão considerados apenas dois agentes: empresas e famílias (economia a dois setores). A seguir serão introduzidas as variáveis relativas do setor público (economia a três setores), e, finalmente, agrega-se o setor externo (economia a quatro setores).

4.1.4.1.4.1.4.1. O fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da rendaO fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da rendaO fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da rendaO fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da renda

A análise macroeconômica trata da formação e distribuição do produto e da renda gerados pela atividade econômica a partir de um fluxo contínuo que se estabelece entre os chamados agentes macroeconômicos: famílias, empresas, governo e setor externo. Esse fluxo (fluxo circular de

10 Tudo que é vendido diretamente a famílias, governo e setor externo é considerado bem ou serviço final. Assim, também são considerados bens finais a reposição de peças, exportações de matérias-primas, bem como os estoques de matérias-primas e componentes que não chegaram a ser utilizados na elaboração de outros produtos.

11 Deve ficar claro que não são computados os montantes dessas transações financeiras como parte da formação do produto e da renda nacionais. Entretanto, a remuneração dos corretores da Bolsa de valores, os salários e os lucros gerados pelas atividades financeiras são computados, já que representam geração de renda oriunda da atividade de prestação de serviços pelo setor financeiro da economia.

Page 37: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

37

renda) precisa ser periodicamente quantificado, para se avaliar o desempenho da economia no período.

O resultado da atividade econômica do país pode ser medido de três óticas: pelo lado da produção e venda de bens e serviços finais na economia (ótica do produto e ótica da despesa), e também pela renda gerada no processo de produção (ótica da renda), que vem a ser a remuneração dos fatores de produção (salários, juros, aluguéis e lucros). As análises das óticas do produto e da despesa são medidas no mercado de bens e serviços, enquanto a da renda é medida no mercado de fatores de produção.

Para entender melhor os conceitos dos agregados macroeconômicos, vamos supor uma economia em que só existam três empresas. A empresa AAAA produz trigo, sendo que o total de sua produção é vendido para a empresa BBBB, que produz a farinha de trigo. O total de farinha de trigo produzido pela empresa BBBB é vendido para a empresa CCCC, que produz o pão e vende aos consumidores finais.

Supondo que os balancetes das três empresas sejam os seguintes:

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI.1: Empresa A.1: Empresa A.1: Empresa A.1: Empresa A���� produção de trigo produção de trigo produção de trigo produção de trigo

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI.2: Empresa B.2: Empresa B.2: Empresa B.2: Empresa B���� produção de farinha de trigo produção de farinha de trigo produção de farinha de trigo produção de farinha de trigo

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI.3: Empresa C .3: Empresa C .3: Empresa C .3: Empresa C ���� produção de pães (em $) produção de pães (em $) produção de pães (em $) produção de pães (em $)

Considerando, inicialmente, apenas o balancete da empresa AAAA. Do lado esquerdo da

Tabela 9.1 encontram-se relacionadas as despesas necessárias para a produção de $140 de trigo$140 de trigo$140 de trigo$140 de trigo. Por simplificação, e supondo que só existam as três empresas citadas, o setor trigo não tem

Page 38: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

38

despesas com a compra de matérias-primas. Assim, a despesa da empresa A ($140)A ($140)A ($140)A ($140) é apenas o que ela gasta com o pagamento ou remuneração dos fatores de produção:

♦ salário, que é a remuneração do trabalho: = $ 80; ♦ juros, que remuneram o capital: = $ 30; ♦ aluguel da terra: = $ 20; ♦ lucro: = $ 10.

O lucro é interpretado nas contas nacionais como a remuneração da capacidade empresarial, ou gerencial, obtida da diferença entre a receita da venda ($ 140)($ 140)($ 140)($ 140) e o pagamento dos demais fatores (80 + 30 + 20 = $ 130)(80 + 30 + 20 = $ 130)(80 + 30 + 20 = $ 130)(80 + 30 + 20 = $ 130). Como já foi mostrado na parte de microeconomia, há uma diferença entre a interpretação econômica e a contábil, pois, para os economistas, o lucro é uma parcela dos custos de produção das empresas, que remuneram seus proprietários e acionistas. Na visão contábil, é apenas a diferença entre as receitas e as despesas, e não é interpretado como custo.

Consolidando as informações das três empresas, vamos introduzir os conceitos de produto nacional, despesa nacional e renda nacional, e mostrar que, embora sejam conceitos diferentes, levarão ao mesmo resultado numérico12.

Produto NacionalProduto NacionalProduto NacionalProduto Nacional

Produto Nacional (PN) é o valor de todos os bens e serviços finais, medidos a preços de mercado, produzidos num dado período de tempo:

em que:

PNPNPNPN = produto nacional; ppppiiii= preço unitário dos bens e serviços finais; qqqqiiii = quantidades produzidas dos bens e serviços finais; ∑∑∑∑ = símbolo de somatório, ou soma; iiii = bens e serviços finais.

No exemplo anterior, o produto nacional é determinado apenas pela venda de pães, que é

o único bem final correspondendo a $ 390$ 390$ 390$ 390. Então, nesse modelo básico, a economia só produz bens de consumo (C), e

PN = CPN = CPN = CPN = C

Despesa NacionalDespesa NacionalDespesa NacionalDespesa Nacional

Despesa nacional (DN) é o gasto dos agentes econômicos com o produto nacional. Revela quais são os setores compradores do produto nacional.

12 Considerando apenas a empresa A, as vendas de trigo representam o produto final, ou consumo final. Quando se consideram as três empresas, o trigo é um produto intermediário, e o pão passa a ser o produto final. Na prática, o trigo pode ser também um bem final, desde que vendido diretamente ao consumidor, para uso final.

Page 39: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

39

No exemplo anterior, bastante simplificado, a despesa nacional é composta apenas pelos gastos das famílias com bens de consumo (C), isto é:

DN = CDN = CDN = CDN = C

que é igual à compra de pão, $ 390. Ou seja, é um valor idêntico ao produto nacional, mas medido pela ótica de quem compra (ótica da despesa), enquanto o produto nacional é medido da ótica de quem produz e vende (ótica da produção).

A fórmula mais completa, que inclui os demais agentes de despesa (empresa, governo e setor externo), que será discutida posteriormente, é a seguinte:

DN = C +DN = C +DN = C +DN = C +IIII + G + (X + G + (X + G + (X + G + (X ---- M) M) M) M)

em que:

CCCC = despesas das famílias com bens de consumo;

IIII = despesas das empresas com investimentos;

G G G G = despesas do governo;

XXXX----MMMM = despesas líquidas do setor externo (sendo X = exportações e M = importações).

Isso significa que o produto nacional é vendido para os quatro agentes de despesa: consumidores, empresas, governo e setor externo (este em termos de saldo líquido, já que estamos interessados nas despesas com o nosso produto, o que exclui as despesas com importações)13.

Renda NacionalRenda NacionalRenda NacionalRenda Nacional

Renda nacional (RN) é a soma dos rendimentos pagos aos fatores de produção no período:

RN = Salários + Juros + Aluguéis + LucrosRN = Salários + Juros + Aluguéis + LucrosRN = Salários + Juros + Aluguéis + LucrosRN = Salários + Juros + Aluguéis + Lucros ���� RN = w +j + a +lRN = w +j + a +lRN = w +j + a +lRN = w +j + a +l

Se somar-se todos os pagamentos de salários, juros, aluguéis e lucros das três empresas do exemplo anterior chegar-se-ía novamente ao valor de $ 390de $ 390de $ 390de $ 390.

Observe, finalmente, a identidade básica das contas nacionais:

Produto nacional = Despesa nacional = Renda nacionalProduto nacional = Despesa nacional = Renda nacionalProduto nacional = Despesa nacional = Renda nacionalProduto nacional = Despesa nacional = Renda nacional

PN = DN = RNPN = DN = RNPN = DN = RNPN = DN = RN

No exemplo, consolidando-se as três empresas, tem-se que:

PN=DN=RN= $390PN=DN=RN= $390PN=DN=RN= $390PN=DN=RN= $390

Isso ocorre porque, como os bens intermediários acabam se anulando (venda de empresa), tudo o que a empresa recebe (PN = DN)14 ela gasta na remuneração aos fatores de produção (RN), que inclui o lucro dos empresários, igualando o fluxo do produto e o fluxo dos rendimentos.

Essas são as três óticas de medição do resultado da atividade econômica de um país num dado período. Em termos operacionais, entretanto, a forma mais prática utilizada pelos estatísticos é a do valor adicionado, que veremos a seguir.

13 Rigorosamente, a identidade deveria ocorrer entre o produto nacional e a despesa com o produto nacional (PN = C + I + G + X), independentemente das importações. Ocorre que as estatísticas dos quatro itens de despesa não permitem excluir o componente importado; entretanto, como existe a estatística do valor global das importações, basta excluí-lo por seu total, permitindo a identidade entre produto nacional e despesa nacional. Se as importações (M) forem passadas para o lado direito da identidade, tem-se o conceito de oferta global (soma do produto nacional com as importações), que representa o total de mercadorias e serviços colocados à disposição da coletividade.

14 Como nesse modelo básico não há ainda formação de estoques, tudo que as empresas produzem (PN), vendem (DN).

Page 40: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

40

Valor AdicionadoValor AdicionadoValor AdicionadoValor Adicionado

Valor adicionado (ou valor agregado) é o valor que se adiciona ao produto em cada estágio de produção, ou seja, é a renda adicionada por cada setor produtivo. Somando o valor adicionado em cada estágio de produção, chegar-se-á ao produto final da economia. Na Tabela 9.4, o valor adicionado é calculado por diferença (valor das vendas menos os custos dos bens intermediários). Na Tabela 9.5, o valor adicionado é calculado diretamente pelo somatório da remuneração dos fatores de produção, alocados nos três estágios da produção do pão (trigo, farinha de trigo e pão), o que dá, evidentemente, o mesmo resultado.

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI.4 .4 .4 .4 –––– Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI.5 .5 .5 .5 –––– Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado

Como dificilmente se dispõe de informações tão detalhadas como as da Tabela 9.5 (no

Brasil, há dados de salários apenas em anos de Censo), em termos práticos o valor adicionado é medido por diferença, como na Tabela 9.4, ou seja:

Valor adicionado = Valor bruto da produção (receita de vendas)Valor adicionado = Valor bruto da produção (receita de vendas)Valor adicionado = Valor bruto da produção (receita de vendas)Valor adicionado = Valor bruto da produção (receita de vendas) − Compra de bens e serviços intermediários− Compra de bens e serviços intermediários− Compra de bens e serviços intermediários− Compra de bens e serviços intermediários

A vantagem é que o valor adicionado pode ser obtido a partir de notas fiscais, já que todas essas transações são realizadas entre empresas (vendas de bens finais e intermediários) e cópias dessas notas são enviadas aos órgãos de arrecadação. De outra forma, para obter Penda nacional, seria necessário medi-la somando todas as declarações de imposto de renda do país, que é menos seguro do que a obtida por notas fiscais.

4.2.4.2.4.2.4.2. Formação de capital: poupança, investimento e depreciação.Formação de capital: poupança, investimento e depreciação.Formação de capital: poupança, investimento e depreciação.Formação de capital: poupança, investimento e depreciação.

Até agora, foram consideradas apenas transações com bens de consumo corrente. Admitindo-se, ainda dentro do modelo de uma economia a dois setores, que as famílias não gastam toda sua renda em bens de consumo (elas também poupam para o futuro), e as empresa não produzem apenas bens de consumo, mas também bens de capital, que aumentarão capacidade

Page 41: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

41

produtiva da economia. Isso introduz os conceitos de poupança, investimento depreciação, em nível agregado.

Poupança Agregada (S)Poupança Agregada (S)Poupança Agregada (S)Poupança Agregada (S)15151515

É a parcela da Renda Nacional (RN)Renda Nacional (RN)Renda Nacional (RN)Renda Nacional (RN) que não é consumida no período, isto é:

S = RN S = RN S = RN S = RN − C − C − C − C

em que CCCC é o consumo agregado. Ou seja, de toda a renda recebida pelas famílias, na forma de salários, juros, aluguéis e lucros, a parcela que não for gasta em consumo num dado período é a poupança agregada, não importando o que será feito posteriormente com ela (se ficará embaixo do colchão, se será aplicada, se será transformada em investimentos etc.). Poupança é o ato de não consumir no período, deixando-a para consumo futuro.

Investimento Agregado (I)Investimento Agregado (I)Investimento Agregado (I)Investimento Agregado (I)

É o gasto com bens que foram produzidos, mas não foram consumidos no período, e que aumentam a capacidade produtiva da economia nos períodos seguintes, O investimento (também chamado de taxa de acumulação do capitaltaxa de acumulação do capitaltaxa de acumulação do capitaltaxa de acumulação do capital) é composto pelo investimento em bens de capitalinvestimento em bens de capitalinvestimento em bens de capitalinvestimento em bens de capital (máquinas e imóveis) e pela varvarvarvariação de estoquesiação de estoquesiação de estoquesiação de estoques16 de produtos que não foram consumidos (ou seja, diferença entre o início e o fim do período). Os bens de capital são chamados, nas contas nacionais, de formação bruta de capital fixoformação bruta de capital fixoformação bruta de capital fixoformação bruta de capital fixo.

Tem-se, então, que:

Investimento total = InvestimentosInvestimento total = InvestimentosInvestimento total = InvestimentosInvestimento total = Investimentos em bens de capital + Variação de estoques em bens de capital + Variação de estoques em bens de capital + Variação de estoques em bens de capital + Variação de estoques

Deve ser observado que o investimento agregado é um conceito que envolve produtos físicos. Assim, “investir em ações”investir em ações”investir em ações”investir em ações”, por exemplo, não é um investimento no sentido econômico. Trata-se de uma transferência financeira, que não aumentou a capacidade produtiva da economia. Entretanto, quando a empresa utiliza esse recurso ou parte dele para a compra de equipamentos, por exemplo, aí, sim, tem-se caracterizado um investimento no sentido macroeconômico (a compra do equipamento, não a transação na Bolsa de Valores).

Além disso, o investimento em ativos de segunda mãoinvestimento em ativos de segunda mãoinvestimento em ativos de segunda mãoinvestimento em ativos de segunda mão (máquinas, equipamentos, imóveis) não entra no investimento agregado, pois, no fundo, constitui uma transferência de ativos que se compensa: alguém “desinvestiu” Esse bem já foi computado como investimento no passado.

Com a introdução do Investimento (IIII), o produto nacional (PNPNPNPN) fica:

PN = C +IPN = C +IPN = C +IPN = C +I

(ou seja, as empresas produzem bens de consumo (CCCC) e bens de capital (IIII)).

DepreciaçãoDepreciaçãoDepreciaçãoDepreciação

É o desgaste do equipamento de capital da economia num dado período.

Sabe-se que, no processo de produção, as máquinas e os equipamentos sofrem desgastes, tornando-se obsoletos, de forma que precisam ser repostos, para garantir a manutenção da capacidade produtiva. A depreciação é justamente a parte do produto que se destina a tal reposição. O conceito de depreciação introduz uma diferenciação entre investimento bruto e investimento líquido, que é dada pela depreciação:

15 S = saving em inglês.

16 Os estoques são vistos nas contas nacionais como bens que foram produzidos num período, mas não foram consumidos, ficando para o período seguinte; ou seja, aumentam a capacidade produtiva no período seguinte, representando então investimento.

Page 42: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

42

Investimento líquido = Investimento bruto Investimento líquido = Investimento bruto Investimento líquido = Investimento bruto Investimento líquido = Investimento bruto −Depreciaç−Depreciaç−Depreciaç−Depreciaçãoãoãoão

Da mesma forma, pode-se distinguir o produto nacional líquido (PNLPNLPNLPNL) e o produto nacional bruto (PNBPNBPNBPNB), assim:

Produto Nacional Líquido = Produto Nacional Bruto Produto Nacional Líquido = Produto Nacional Bruto Produto Nacional Líquido = Produto Nacional Bruto Produto Nacional Líquido = Produto Nacional Bruto − Depreciaç− Depreciaç− Depreciaç− Depreciaçãoãoãoão

5.5.5.5. ECONOMIA A TRÊS SETOECONOMIA A TRÊS SETOECONOMIA A TRÊS SETOECONOMIA A TRÊS SETORES: AGREGADOS RELARES: AGREGADOS RELARES: AGREGADOS RELARES: AGREGADOS RELATIVOSTIVOSTIVOSTIVOS AO SETOR AO SETOR AO SETOR AO SETOR PÚBLICOPÚBLICOPÚBLICOPÚBLICO Agora adicionar-se-á ao modelo anterior, que continha apenas famílias e empresas, o setor

público.

O setor público é considerado em suas três esferas: União, Estados e Municípios. Com sua inclusão, se introduzirá os conceitos de receita fiscal e gastos públicos.

5.1.5.1.5.1.5.1. Receita fiscal do governReceita fiscal do governReceita fiscal do governReceita fiscal do governoooo

A receita ou arrecadação fiscal do governo constitui-se das seguintes receitas:

♦ impostos indiretos: incidem sobre transações com bens e serviços. Por exemplo: IPI, ICMS;

♦ impostos diretos: incidem sobre as pessoas físicas e jurídicas. Por exemplo: imposto de renda;

♦ contribuições à previdência social (de empregados e empregadores); ♦ outras receitas: taxas, multas, pedágios, aluguéis.

5.2.5.2.5.2.5.2. Gastos do governoGastos do governoGastos do governoGastos do governo

Nas contas nacionais, são considerados três tipos de gastos do governo:

♦ gastos dos ministérios e autarquias, cujas receitas provêm de dotações orçamentárias. Como os serviços do governo (justiça, educação, planejamento) não têm preço de venda de mercado, o produto gerado pelo governo é medido por suas despesas correntes ou de custeio (salários, compras de materiais para a manutenção da máquina administrativa) e despesas de capital (aquisição de equipamentos, construção de estradas, hospitais, escolas, prisões);

♦ gastos das empresas públicas e sociedades de economia mista: como suas receitas advêm da venda de bens e serviços no mercado, atuando como empresas privadas, elas são consideradas, nas contas nacionais, dentro do setor de produção, junto com empresas privadas, e não como governo. Por exemplo: Petrobras, USP, Eletrobrás;

♦ gastos com transferências e subsídios: são considerados nas contas nacionais como transferências (normalmente, donativos, pensões e subsídios), não são computados como parte da renda nacional, pois representam apenas uma transferência financeira do setor público ao setor privado, não ocorrendo qualquer aumento da produção corrente. Por exemplo: aposentadorias e bolsas de estudo, que não são fatores de produção do período corrente.

5.3.5.3.5.3.5.3. Superávit ou déficit públicoSuperávit ou déficit públicoSuperávit ou déficit públicoSuperávit ou déficit público

Se o total da arrecadação superar o total dos gastos públicos nas várias esferas de governo, tem-se um superávit das contas públicas, caso contrário, tem-se um déficit (também chamado de necessidades de financiamento do setor público).

Page 43: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

43

Excluindo-se os juros da dívida pública, interna e externa, tem-se o conceito de superávit ou déficit primário ou fiscal. Quando são incluídos os juros nominais sobre a dívida, tem-se o conceito de superávit ou déficit total ou nominal. Se forem considerados apenas os juros reais (excluindo a taxa de inflação e a variação cambial), tem-se o conceito de superávit ou déficit operacional17.

Nos acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI, o conceito relevante é o fiscal ou primário). Para o FMI, um país que apresenta superávit primário, mesmo que apresente déficit nominal ou total, está com suas contas relativamente equilibradas e revela condições de honrar seus compromissos futuros, ganhando mais credibilidade para negociar sua dívida externa, com juros menores e prazos maiores18.

5.4.5.4.5.4.5.4. Renda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercaRenda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercaRenda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercaRenda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercadodododo

O preço de mercado de um produto normalmente está acima do valor remunerado aos fatores de produção utilizados. Isso porque em seu preço estão incorporados os impostos indiretos cobrados pelo governo (ICMS, IPI e outros.). Além disso, quando o produto é essencial para a população, o governo, em alguns casos, subsidia o preço do produto, fazendo com que o preço pelo qual o produto é vendido seja inferior a seu custo de produção. Por exemplo, o governo concede subsídios ao produtor de trigo para que esse tenha condição de vendê-lo abaixo do custo de produção, sem sofrer prejuízo, pois o diferencial entre o preço de mercado e o preço do produto é coberto pelo governo.

Com isso, torna-se necessário distinguir os conceitos de custo de fatores e preços de mercado. Custo de fatores é o que a empresa paga aos fatores de produção, salários, juros, aluguéis e lucros, enquanto preço de mercado, que é o preço final pago na venda, adiciona ao custo de fatores de produção os impostos indiretos (ICMS e IPI) e subtrai os subsídios.

Assim, partindo, por exemplo, da RNLRNLRNLRNL (ou PNLPNLPNLPNL) a custo de fatoresa custo de fatoresa custo de fatoresa custo de fatores para se chegar ao PNL a PNL a PNL a PNL a preços de mercadopreços de mercadopreços de mercadopreços de mercado, tem-se19:

PNL a preços de mercado = RNL a custo de fatores + Impostos indiretos PNL a preços de mercado = RNL a custo de fatores + Impostos indiretos PNL a preços de mercado = RNL a custo de fatores + Impostos indiretos PNL a preços de mercado = RNL a custo de fatores + Impostos indiretos − Subsídios− Subsídios− Subsídios− Subsídios

ou:

PNLPNLPNLPNLpmpmpmpm = RNL = RNL = RNL = RNLcfcfcfcf + Impostos indiretos + Impostos indiretos + Impostos indiretos + Impostos indiretos − Subsí− Subsí− Subsí− Subsídiosdiosdiosdios

Evidentemente, a mesma diferença vale em termos brutos, não só líquidos: se se parte, por exemplo, da RNBRNBRNBRNBcfcfcfcf em vez da RNLRNLRNLRNLcfcfcfcf, chega-se ao PNBPNBPNBPNBpmpmpmpm, ao se somarem impostos indiretos e subtraírem os subsídios.

Apenas os impostos indiretos, e não os diretos são relevantes nessa diferenciação. Isso porque os impostos diretos não representam uma diferença entre o custo de fatores para a empresa e o preço final de mercado, já que não são as empresas que pagam, mas os proprietários dos fatores de produção. Ou seja, incidirá sobre salários, juros, aluguéis e lucros. Não é custo para a empresa, mas para os proprietários dos fatores de produção.

17 No Capítulo 14, sobre o setor público, aprofundamos um pouco mais esses conceitos e seu comportamento para o caso brasileiro no período recente.

18 É interessante ressaltar que o conceito de déficit ou superávit representa um fluxo, expresso ao longo de terminado período de tempo (ano, trimestre, mês), enquanto o conceito de dívida pública é o saldo (estoque) acumulado até determinado instante do tempo.

19 Por convenção, costuma-se associar aos preços de mercado o produto; e ao custo de fatores, a renda. Assim, quando passamos de custo de fatores para preços de mercado, também passamos do conceito de renda para o de produto. Contudo, muitos textos consideram isso uma convenção de pouca importância. Ë comum encontrarmos na literatura os conceitos de renda nacional a preços de mercado e produto nacional a custo de fatores.

Page 44: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

44

a.a.a.a. Renda pessoal disponívelRenda pessoal disponívelRenda pessoal disponívelRenda pessoal disponível

Esse conceito procura medir quanto da renda gerada no processo econômico fica em poder das famílias. Partindo da renda nacional líquida a custo de fatores, que é a soma dos salários, juros, aluguéis e lucros e já descontada a depreciação, é preciso deduzir os lucros retidos (não distribuídos) pelas empresas para reinvestimentos, pois, apesar de essa parcela da renda se encontrar de posse das empresas, não é transferida de imediato às famílias. Devem-se deduzir ainda os impostos diretos e as contribuições previdenciárias pagas pelas famílias e empresas ao governo. Finalmente, tem-se de deduzir as demais receitas correntes do governo e adicionara transferências correntes do governo às famílias, como aposentadorias, bolsas de estudo.

Tem-se, então:

Renda pessoal disponível = Renda Nacional Líquida(cf)Renda pessoal disponível = Renda Nacional Líquida(cf)Renda pessoal disponível = Renda Nacional Líquida(cf)Renda pessoal disponível = Renda Nacional Líquida(cf) − Lucros retidos− Lucros retidos− Lucros retidos− Lucros retidos − Impostos diretos− Impostos diretos− Impostos diretos− Impostos diretos − Contribuiç− Contribuiç− Contribuiç− Contribuições previdenciáriasões previdenciáriasões previdenciáriasões previdenciárias − Outras receitas correntes do governo− Outras receitas correntes do governo− Outras receitas correntes do governo− Outras receitas correntes do governo + Transferências do governo às famílias+ Transferências do governo às famílias+ Transferências do governo às famílias+ Transferências do governo às famílias

Ou seja, a renda pessoal disponível mede quanto “sobra” para as famílias decidirem na compra de bens e serviços ou, então, poupar.

b.b.b.b. Carga tributária bruta e líquidaCarga tributária bruta e líquidaCarga tributária bruta e líquidaCarga tributária bruta e líquida

A carga tributária bruta é o total da arrecadação fiscal do governo (impostos diretos e indiretos e outras receitas do governo, como taxas, multas e aluguéis), No entanto, parte desses tributos retorna ao setor privado na forma de transferências e subsídios.

Ao se deduzirem da carga tributária bruta os subsídios e as transferências do setor privado, chega-se à carga tributária líquida.

Carga tributária líquida = Carga tributária brutaCarga tributária líquida = Carga tributária brutaCarga tributária líquida = Carga tributária brutaCarga tributária líquida = Carga tributária bruta − Transfer− Transfer− Transfer− Transferências e subsídios do governo ao setor privadoências e subsídios do governo ao setor privadoências e subsídios do governo ao setor privadoências e subsídios do governo ao setor privado

6.6.6.6. ECONOMIA A QUATRO SEECONOMIA A QUATRO SEECONOMIA A QUATRO SEECONOMIA A QUATRO SETORES: AGREGADOS RELTORES: AGREGADOS RELTORES: AGREGADOS RELTORES: AGREGADOS RELAAAATIVOSTIVOSTIVOSTIVOS AO SETOR AO SETOR AO SETOR AO SETOR EXTERNOEXTERNOEXTERNOEXTERNO Finalmente, o esquema da contabilidade social fica completo quando se considera a

economia “aberta” ao exterior. Com isso, definem-se os conceitos de exportação, importação e renda líquida do exterior, e introduz-se uma diferença entre produto interno e produto nacional.

6.1.6.1.6.1.6.1. Exportações e importaçõesExportações e importaçõesExportações e importaçõesExportações e importações

As exportações representam as compras pelos estrangeiros, de mercadorias e produtos pelas empresas de capital nacional enquanto as importações representam as despesas que os brasileiros fazem com produtos estrangeiros.

6.2.6.2.6.2.6.2. Produto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exteriorProduto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exteriorProduto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exteriorProduto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exterior

O Produto Interno Bruto (PIB) é o somatório de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território nacional num dado período, valorizados a preço de mercado, sem se levar em consideração se os fatores de produção são de propriedade de residentes ou de não-residentes.

Page 45: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

45

Entretanto, para produzir o PIBPIBPIBPIB, utiliza-se dos fatores de produção que pertencem a não-residentes, cuja remuneração é remetida a seus proprietários no exterior, na forma de juros, lucros e royalties. Os juros representam o pagamento pela utilização do capital monetário externo (isto é, da dívida externa); as remessas de lucros são a remuneração pelo capital físico de propriedade das empresas estrangeiras instaladas no país; e os royalties representam o pagamento pela utilização da tecnologia estrangeira. Também existem residentes que possuem fatores de produção fora do país e recebem, portanto, renda do exterior (extração de petróleo pela Petrobrás, grandes construtoras brasileiras no exterior etc.).

Somando-se ao PIBPIBPIBPIB a renda recebida do exterior e subtraindo a renda enviada ao exterior tem-se o Produto Nacional Bruto (PNB)Produto Nacional Bruto (PNB)Produto Nacional Bruto (PNB)Produto Nacional Bruto (PNB), que é a renda que efetivamente pertence aos residentes do país.

Tem-se então:

PNB = PIB + Renda recebida do exterior PNB = PIB + Renda recebida do exterior PNB = PIB + Renda recebida do exterior PNB = PIB + Renda recebida do exterior ———— Renda enviada ao exterior Renda enviada ao exterior Renda enviada ao exterior Renda enviada ao exterior

A diferença entre a renda recebida e a renda enviada ao exterior é chamada de renda líquida do exterior (RLE). Tem-se então:

PNB=PIB +RLEPNB=PIB +RLEPNB=PIB +RLEPNB=PIB +RLE

No Brasil, como a renda enviada supera a renda recebida, a diferença é chamada de renda líquida enviada ao exterior. Então, o PIBPIBPIBPIB é maior que o PNBPNBPNBPNB, o que significa que os brasileiros utilizam mais os serviços dos fatores de produção estrangeiros do que os estrangeiros utilizam os brasileiros.

7.7.7.7. O PIB COMO MEDIDA DOO PIB COMO MEDIDA DOO PIB COMO MEDIDA DOO PIB COMO MEDIDA DO BEM BEM BEM BEM----ESTARESTARESTARESTAR Muitos economistas argumentam que o PIB não mede adequadamente o bem-estar da

coletividade, isto é, não reflete as condições econômicas e sociais de um país. Ou seja:

♦ não registra a economia informal;20 ♦ não considera os custos sociais derivados do crescimento econômico, tais como

poluição, congestionamentos, piora do meio ambiente etc.; ♦ não considera diferenças na distribuição de renda entre os vários grupos da

sociedade.

7.1.7.1.7.1.7.1. PIB em dólaresPIB em dólaresPIB em dólaresPIB em dólares

Para comparações internacionais, utiliza-se o PIB em dólares, mas não os dólares correntes, que são muito afetados pela política cambial de cada país.

Por exemplo, em janeiro de 1999, o PIB brasileiro era de aproximadamente R$ 900 bilhões, que equivalia a cerca de US$ 750 bilhões (o dólar era cotado a R$ 1,20). Houve um aumento da taxa de câmbio para R$ 1,80, o que reduziu o PIB do Brasil para US$ 500 bilhões.

Embora tenha caído o poder de compra dos brasileiros na compra de produtos importados, isso não significou que o Brasil ficou 50% mais pobre (a renda interna, salários, lucros, aluguéis não caíram em 50%).

Para sanar esse problema, a ONU criou, para comparações internacionais, o conceito de dólar PPP — purchasing powerparity, ou paridade do poder de compra, que toma como valor de referência os preços dos produtos dos Estados Unidos, assim:

20 A economia informal é a desobediência civil às atividades formais de mercado, como a sonegação fiscal, o não registro de empregados, o “caixa 2” etc., e não se refere a atividades ilegais (quando essas são incluídas, tem-se a chamada economia subterrânea ou economia submersa).

Page 46: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

46

ou seja, tomam-se as quantidades produzidas em cada país, mas não a preços desses produtos do país em dólares (dólar corrente), mas aos preços dos Estados Unidos.

Como o próprio nome diz, esse procedimento supõe que o dólar tenha o mesmo poder de compra em todos os países. Para esse cálculo, considera-se uma cesta de produtos homogênea, consumida em todos os países.

De acordo com as Nações Unidas21, em 2005, o Brasil apresentou um PIB de 796,1 bilhões de dólares correntes, colocando-se em 10º lugar, e um PIB de US$ 1.566,3 bilhões, em dólares PPP colocando-se em 9º lugar na economia mundial. Outro exemplo é a China, que é a 4ª economia em dólares correntes (US$ 2.234,3 bilhões), e passa para o 2º posto em termos PPP (US$ 8.814,9 bilhões). Significa que, nesses dois países, a moeda nacional está desvalorizada perante o dólar (o dólar compra mais produtos no Brasil e na China que nos Estados Unidos).

7.2.7.2.7.2.7.2. Índice de Desenvolvimento Humano Índice de Desenvolvimento Humano Índice de Desenvolvimento Humano Índice de Desenvolvimento Humano ---- IDH IDH IDH IDH

Dentro da discussão da adequação (ou não) do PIB como medida de bem-estar, é interessante observar que as Nações Unidas calculam periodicamente um Índice de Índice de Índice de Índice de Desenvolvimento HDesenvolvimento HDesenvolvimento HDesenvolvimento Humanoumanoumanoumano (IDH)(IDH)(IDH)(IDH), que, além de um indicador econômico (PIB per capitaper capitaper capitaper capita), inclui dois indicadores sociais: um índice de expectativa de vida e um índice de educação.

O Índice de Desenvolvimento HumanoÍndice de Desenvolvimento HumanoÍndice de Desenvolvimento HumanoÍndice de Desenvolvimento Humano (IDHIDHIDHIDH) é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e expectativa de vida ao nascer. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. O índice foi desenvolvido em 1990 pelos economistas Amartya Sen e Mahbub ul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no seu relatório anual.

Todo ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. Na edição de 2009, o IDH avaliou 182 países, com a inclusão de Andorra e Liechtenstein pela primeira vez, e a volta do Afeganistão, que havia saído do índice em 1996.

A Noruega continuou no topo da lista, seguida pela Austrália e Islândia. Serra Leoa, Afeganistão e Níger são os três últimos e apresentam os piores índices de desenvolvimento humano.

Critérios de avaliaçãoCritérios de avaliaçãoCritérios de avaliaçãoCritérios de avaliação

♦♦♦♦ Índice de educaçãoÍndice de educaçãoÍndice de educaçãoÍndice de educação:::: Para avaliar a dimensão da educação o cálculo do IDH considera dois indicadores. O primeiro, com peso dois, é a taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de idade — na maioria dos países, uma criança já concluiu o primeiro ciclo de estudos (no Brasil, o Ensino Fundamental) antes dessa idade. Por isso a medição do analfabetismo se dá, tradicionalmente a partir dos 15 anos. O segundo indicador é a taxa de escolarização: somatório das pessoas, independentemente da idade, matriculadas em algum curso, seja ele fundamental, médio ou superior, dividido pelo total de pessoas entre 7 e 22 anos da localidade. Também entram na contagem os alunos supletivo, de classes de aceleração e de pós-graduação universitária, nesta área também está incluído o sistema de equivalências Rvcc ou Crvcc, apenas classes especiais de alfabetização são descartadas para efeito do cálculo.

21 PNUD — Relatório de Desenvolvimento Humano 2007-8.

Page 47: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

47

♦♦♦♦ Índice de Índice de Índice de Índice de LongevidadeLongevidadeLongevidadeLongevidade:::: O item longevidade é avaliado considerando a expectativa de vida ao nascer. Esse indicador mostra a quantidade de anos que uma pessoa nascida em uma localidade, em um ano de referência, deve viver. Reflete as condições de saúde e de salubridade no local, já que o cálculo da expectativa de vida é fortemente influenciado pelo número de mortes precoces.

♦♦♦♦ Índice de Índice de Índice de Índice de RendaRendaRendaRenda:::: A renda é calculada tendo como base o PIB per capita (por pessoa) do país. Como existem diferenças entre o custo de vida de um país para o outro, a renda medida pelo IDH é em dólar PPC (Paridade do Poder de Compra), que elimina essas diferenças.

CálculoCálculoCálculoCálculo

Para se calcular o IDHIDHIDHIDH de uma localidade, faz-se a seguinte média aritmética:

(onde L = Longevidade, E = Educação e R = Renda)

Legenda:Legenda:Legenda:Legenda:

EV = Expectativa de vida ao nascer; TA = Taxa de Alfabetização; TE = Taxa de Escolarização; log10PIBpc = logaritmo decimal do PIB per capita.

ClassificaçãoClassificaçãoClassificaçãoClassificação

♦♦♦♦ O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados deste modo:

♦♦♦♦ Quando o IDH de um país está entre 0 e 0,499, é considerado baixo – país de desenvolvimento baixo (subdesenvolvido)

♦♦♦♦ Quando o IDH de um país está entre 0,500 e 0,799, é considerado médio – país de desenvolvimento médio (em desenvolvimento)

♦♦♦♦ Quando o IDH de um país está entre 0,800 e 0,899, é considerado elevado – país de desenvolvimento alto (em desenvolvimento)

♦♦♦♦ Quando o IDH de um país está entre 0,900 e 1, é considerado muito elevado – país de desenvolvimento muito alto (desenvolvido)

7.3.7.3.7.3.7.3. IDH IDH IDH IDH –––– Posição do Posição do Posição do Posição do BrasilBrasilBrasilBrasil

Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) o Brasil entrou pela primeira vez para o grupo de países

Page 48: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

48

com elevado desenvolvimento humano, com um índice medido em 0,800 no ano de 2005. Em 2006, obteve uma melhora no índice de 0,007 com uma pontuação de 0,807. No ano de 2009 encontra-se na 75ª colocação mundial, com um índice de 0,813 valor considerado de alto desenvolvimento humano.

Evolução do IDH no BrasilEvolução do IDH no BrasilEvolução do IDH no BrasilEvolução do IDH no Brasil

Há muitas controvérsias quanto ao relatório de 2007 divulgado pelas Nações Unidas. Muitas instituições afirmam que o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil possa estar errado e que o correto seria de 0,802 a 0,808. O motivo seria a não atualização de vários dados relativos ao Brasil por parte da organização.

O primeiro dado seria o do PIB per capita, que atualizando as revisões do IBGE seria de US$ 9.318 e o índice saltaria para algo entorno de 0,806. Outro dado é a taxa de alfabetização, que evoluiu 88,6% para 89,0%, isso significaria uma elevação de 0,003 no índice final. E há ainda um problema estatístico, a renda per capita de 2005 foi calculada com base em uma projeção de população de 184 milhões de brasileiros.

Mas a Contagem Nacional da População, feita recentemente pelo instituto, revelou que apenas em 2007 o país atingiu este número de habitantes. Se isso for levado em conta, com menos gente para repartir o PIB, a renda per capita subirá, e o índice ganhará um acréscimo de 0,002.

Mesmo assim, o Brasil continua a ser internacionalmente conhecido por ser uma das sociedades mais desiguais do planeta, onde a diferença na qualidade de vida de ricos e pobres é imensa. Mas dados estatísticos recentes, contidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o quadro começa a se alterar.

2007 ▲ 0,813

2005 ▲ 0,800

2000 ▲ 0,789

1995 ▲ 0,753

1990 ▲ 0,723

1985 ▲ 0,700

1980 ▲ 0,685

Page 49: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

49

Mapa de Mapa de Mapa de Mapa de estados do Brasilestados do Brasilestados do Brasilestados do Brasil segundo o segundo o segundo o segundo o IDHIDHIDHIDH de 2005. de 2005. de 2005. de 2005.

Legenda

██ 0,800 – 0,900 (Elevado) ██ 0,700 - 0,799 (Médio-alto) ██ 0,600 - 0,699 (Médio-baixo)

Entre 2001 e 2004 a renda dos 20% mais pobres cresceu cerca de 5% ao ano enquanto os 20% mais ricos perderam 1%. Nesse mesmo período houve queda de 1% na renda per capita e o Produto Interno Bruto (PIB) não cresceu significativamente. A explicação dos economistas brasileiros e também de técnicos do Banco Mundial para a redução das desigualdades está nos programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família. No entanto, como mais de dois terços dos rendimentos das famílias brasileiras provém do trabalho assalariado, há necessidade de crescimento da economia e do mercado de trabalho.

♦♦♦♦ EducaçãoEducaçãoEducaçãoEducação no Brasil no Brasil no Brasil no Brasil

Na área de educação, o Brasil tem melhor desempenho que a média mundial e regional. No relatório 2007, o país ficou com um índice de alfabetização adulta de 88,6% (64ª colocação mundial, logo abaixo dos Emirados Árabes Unidos e logo acima de São Vicente e Granadinas), índice igual ao encontrado em 2004, por conta das Nações Unidas não ter atualizado os dados. Segundo o IBGE, a taxa de alfabetização adulta evoluiu de 88,6% para 89,0% no período. O relatório captou, porém, um aumento no percentual de pessoas em idade escolar dentro das escolas e universidades, de 86,0% em 2004 para 87,5% em 2005 (36ª colocação mundial, logo abaixo da Alemanha e acima de Singapura).

35 Emirados Árabes Unidos ▼ 88,0 36 Brasil ▲ 87,5 37 Malásia ▲ 87,3

♦♦♦♦ LongevidadeLongevidadeLongevidadeLongevidade no Brasil no Brasil no Brasil no Brasil

Na área de longevidade, o Brasil vem conquistando grandes avanços nos últimos anos. A expectativa do Brasil é, atualmente, de 72,4 anos (93ª colocação mundial logo abaixo de Sri Lanka e acima da Argélia). Em 2005 foi estimada em 71,7 anos ao nascer (79ª colocação mundial, logo

Page 50: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

50

abaixo da Jordânia e acima da Armênia) segundo o relatório. Em 2004, o índice era estimado em 70,8 anos ao nascer, e, em 2000, 67,7 anos. A expectativa de vida do brasileiro supera a média global. Esse aumento da longevidade é um indicativo de melhoras no acesso a alimentação, saúde e saneamento.

91 Sri Lanka ▲ 72,5 92929292 BrasilBrasilBrasilBrasil ▲ 72,472,472,472,4 93 Argélia ▲ 72,3

♦♦♦♦ RendaRendaRendaRenda no Brasil no Brasil no Brasil no Brasil

Por fim, também a renda influi no cálculo do desenvolvimento humano, sendo no que o Brasil mais precisa melhorar. O último relatório das nações unidas apresenta um PIB per capita (PPC) de US$ 8,402 (67ª colocação mundial, logo abaixo da Turquia e acima da Tunísia). Com isso, a renda dos brasileiros aumentou, entre 2004 e 2005, de US$ 8.195 PPC para US$ 8.402 PPC. O que causa controvérsia pois as Nações Unidas não atualizaram as revisões do IBGE e continuam usando os métodos do chamado "Velho PIB". Com uma revisão de cálculos em Março de 2007, o IBGE descobriu que o país era 10,9% mais rico do que se imaginava, mudando assim uma série de dados, entre eles o PIB per capita que deveria ser de US$ 9.318.

66 Turquia ▲ 8,407 67676767 BrasilBrasilBrasilBrasil ▲▲▲▲ 8,402 8,402 8,402 8,402 68 Tunísia ▲ 8,371

Mapa de Mapa de Mapa de Mapa de estados do Brasilestados do Brasilestados do Brasilestados do Brasil segundo o segundo o segundo o segundo o IDHIDHIDHIDH----LLLL

LegendaLegendaLegendaLegenda

██ 0,800 – 0,900 (Elevado) ██ 0,700 - 0,799 (Médio-alto) ██ 0,600 - 0,699 (Médio-baixo)

Page 51: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

51

Mapa de Mapa de Mapa de Mapa de estados do Brasilestados do Brasilestados do Brasilestados do Brasil segundo o segundo o segundo o segundo o IDHIDHIDHIDH----E.E.E.E.

LegendaLegendaLegendaLegenda

██ 0,900 – 0,999 (Elevado) ██ 0,800 - 0,899 (Elevado-baixo) ██ 0,700 - 0,799 (Médio-alto)

Mapa de Mapa de Mapa de Mapa de estados do Brasilestados do Brasilestados do Brasilestados do Brasil segundo o segundo o segundo o segundo o IDHIDHIDHIDH----R.R.R.R.

LegendaLegendaLegendaLegenda

██ 0,800 – 0,900 (Elevado) ██ 0,700 - 0,799 (Médio-alto) ██ 0,600 - 0,699 (Médio-baixo) ██ 0,500 - 0,599 (Baixo)

Há nações com diferenças notáveis entre o indicador socioeconômico (IDH) e o puramente econômico (PIB), principalmente os países árabes, que apresentam alta renda per capita, mas padrão social relativamente baixo. Em 2005, de um total de 177 países, 79 apresentavam posição IDH menor do que sua posição PlB per capitaper capitaper capitaper capita, enquanto 98 tinham posição IDH maior do que sua

Page 52: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

52

posição PlB per capitaper capitaper capitaper capita. Contudo, no geral, há uma razoável correlação do PlB per capitaper capitaper capitaper capita com o grau de desenvolvimento social de um país. Se os países forem classificados em 10 grupos, o Brasil, por exemplo, localiza-se no quarto grupo (países de desenvolvimento médio), tanto em termos de renda per capitaper capitaper capitaper capita como pelo IDH.

O Brasil está um pouco mais bem posicionado em termos de PlB per capita per capita per capita per capita (conceito”econômico”), do que pelo IDH (conceito “sócio-econômico”), mas em 2005 atingiu pela primeira vez o”status”de país com Alto Desenvolvimento Econômico, como são classificados os países com IDH igual ou acima de 0,800. Antes, era classificado como país com Desenvolvimento Econômico Médio (IDH entre 0,500 e 0,799). Abaixo de 0,499, estão os países com Desenvolvimento Humano Baixo.

Pode-se concluir que, apesar de algumas limitações, a medida do PIB é um indicador tanto para comparações internacionais como para medir o crescimento do país ao longo dos anos, captando o grau de desenvolvimento social e econômico. Entretanto, é sempre oportuno considerar também outros indicadores, como grau de distribuição de renda, taxa de analfabetismo, mortalidade infantil, expectativa de vida, leitos hospitalares per capita, consumo calorias e proteínas per capita, para que se tenha uma avaliação mais completa da real condição socioeconômica de um país.

8.8.8.8. NÚMEROSNÚMEROSNÚMEROSNÚMEROS----ÍNDICESÍNDICESÍNDICESÍNDICES O número-índice é uma estatística da variação de um conjunto composto por bens

fisicamente diferentes.

Não haveria dificuldades se fosse o caso de conhecer a variação de preços de um único bem. A necessidade da construção de índices aparece quando é preciso saber a variação conjunta de bens que são fisicamente diferentes e/ou que variam a taxas diferentes.

Existem índices de preços e índices de quantidade. Os índices de preços são mais difundidos, dada sua utilidade para deflacionar (tirar o efeito da inflação) ou inflacionar informações monetárias e para o acompanhamento da taxa de inflação. Os índices de quantidade (ou de quantum) são úteis para determinar a variação física de séries compostas por produtos diferentes (por exemplo, o produto real).

8.1.8.1.8.1.8.1. Índices de preçosÍndices de preçosÍndices de preçosÍndices de preços

Existem índices de preços por atacado (indústria e agricultura) e índice de preços de varejo (consumidor e construção civil). Até agora estivemos considerando como principal base de referência os índices de preços ao consumidor (IPC), também chamados índices de custo de vida (ICV).

Supondo três bens na economia e a respectiva variação de preços entre dois meses:

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI....8888: Variação de preço (em percentagem): Variação de preço (em percentagem): Variação de preço (em percentagem): Variação de preço (em percentagem)

Page 53: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

53

No conjunto, quanto variou a taxa de inflação? Evidentemente, não se pode calcular uma média aritmética, pois os três bens têm pesos diferentes. Calcula-se, então, uma média aritmética ponderada:

Média aritmética ponderada = 0,1x0,3+0,1x0,6+1x0,1=0,03+0,06+0,1=0,19 ou 19%Média aritmética ponderada = 0,1x0,3+0,1x0,6+1x0,1=0,03+0,06+0,1=0,19 ou 19%Média aritmética ponderada = 0,1x0,3+0,1x0,6+1x0,1=0,03+0,06+0,1=0,19 ou 19%Média aritmética ponderada = 0,1x0,3+0,1x0,6+1x0,1=0,03+0,06+0,1=0,19 ou 19%

Esse exemplo revela que, para calcular um número-índice, são necessários três componentes:

a) a variação de preços no período;

b) a importância relativa (ou peso relativo) de cada produto ou serviço no orçamento mensal do consumidor;

c) a fórmula de cálculo.

A forma como as instituições de pesquisa determinam esses componentes é o que provoca algumas diferenças entre os índices. Apresentamos, na Tabela VI.9, um resumo dos principais índices de preços no Brasil.

A necessidade de se dispor de um índice de inflação nos primeiros dias do mês, para reajuste de contratos financeiros, salários etc., levou à criação de índices cujo período de coleta de preços não é do dia 1º ao último dia do mês (que só são divulgados cerca de 10 dias após o levantamento das informações), o que gera um fato curioso. Por exemplo, o IGP e o IGP-M só se diferenciam justamente no período de coleta (o IGP-M é levantado do dia 21 de um mês a 20 do outro, e o IGP corresponde ao mês completo). Se a inflação for crescente nos últimos 10 dias do mês (digamos abril), a inflação de abril medida pelo IGP será maior que a inflação de abril medida pelo IGP-M, já que o IGP captou a inflação desse final de mês, e o IGP-M não.

Nota-se que os índices diferem também na região considerada. Por exemplo, o IPC-Fipe refere-se apenas ao Município de São Paulo, o IPC-Dieese cobre a Região Metropolitana de São Paulo, enquanto os demais índices são mais abrangentes, considerando dez capitais mais o Distrito Federal.

Page 54: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

54

Tabela Tabela Tabela Tabela VI.9VI.9VI.9VI.9: Principais índices que acompanham : Principais índices que acompanham : Principais índices que acompanham : Principais índices que acompanham os preçosos preçosos preçosos preços

Outra diferenciação reside nas classes de renda consideradas, que é uma informação necessária para o cálculo da importância relativa dos bens e serviços no orçamento do consumidor. Assim, por exemplo, o INPC considera, em sua amostra, os preços dos bens e serviços relevantes para famílias que têm renda assalariada de 1 a 8 mínimos, enquanto o IPCA (IPC amplo) considera famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos. Obviamente, a escolha das classes renda da amostra fará com que os pesos relativos dos itens componentes do índice sejam significativamente diferentes. Por exemplo, o tem “alimentação” tem peso maior nos índices que incluem mais classes com renda menor.

Page 55: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

55

a.a.a.a. Interpretação de uma série de númeroInterpretação de uma série de númeroInterpretação de uma série de númeroInterpretação de uma série de número----índiceíndiceíndiceíndice

Para se interpretar uma série de um número-índice tem-se que se saber que as séries de índices divulgados têm sempre um mês-base (ou ano) igual a 100. Todos os demais valores da série devem ser comparados com o valor do mês-base.

Supondo uma série de um índice hipotético, com base em janeiro:

TTTTabela abela abela abela VIVIVIVI.1.1.1.10000: Índice de preços: Índice de preços: Índice de preços: Índice de preços

Assim, os preços cresceram 20% em fevereiro, o que é a taxa de inflação do mês.

Agora, em março, o valor do índice (138) indica que os preços cresceram 38% em relação a janeiro, mas não indica a taxa de inflação de março, que deve ser calculada sobre o mês anterior (fevereiro) da seguinte forma:

A mesma interpretação vale para os meses seguintes.

Ou seja, o índice representa uma estimativa do nível de preços do mês, e não da taxa de variação. Normalmente as publicações especializadas trazem as duas séries (a do índice e sua taxa de variação).

b.b.b.b. Exemplo de atualização de uma dívidaExemplo de atualização de uma dívidaExemplo de atualização de uma dívidaExemplo de atualização de uma dívida

Exemplo 1

Supondo que em 10/02/2001 AAAA ingressou em juízo pedindo a tutela jurisdicional para cobrar dívida de BBBB., representada por nota promissória, com vencimento em 31/01/2001, no valor de R$ 50.000,00. O juiz prolatou sentença em 31/10/2001, condenando BBBB. a pagar a dívida atualizada em 24 horas. Qual o valor que AAAA deve receber?

Para atualizar o valor da dívida, é usual tomar-se o IGP-Dl (Índice Geral de Preços — Disponibilidade Interna), calculado pela FGV-RJ, publicado na Revista Conjuntura Econômica e reproduzido a seguir:

Page 56: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

56

Tabela Tabela Tabela Tabela VIVIVIVI....11111111: IGP: IGP: IGP: IGP----DlDlDlDl

Deve-se levar em conta a inflação de fevereiro de 2001, pois o título de crédito teve seu vencimento em 31/01/2001, e também a inflação do mês de outubro, uma vez que a sentença condenatória foi prolatada em 31/10/2001.

Tem-se que a inflação acumulada de fevereiro a outubro de 2001 foi:

Índice out01 = 101,8333 ────── − 1 = 0,088318 ou 8,83% Índice jan01 = 93,5694

isto é, o índice apurado em outubro dividido pelo índice calculado em janeiro. O resultado dessa divisão menos a unidade indica a taxa de inflação do período fevereiro a outubro de 2001.

Com a taxa de inflação acumulada e o valor da dívida em 31/10/2001, calcula-se o valor atual da dívida fazendo-se os seguintes cálculos:

a) R$ 50.000,00 vezes 8,83% = R$ 4.415,92;

b) esse valor é somado à dívida inicial de R$ 50.000,00, gerando o valor de R$ 54.415,92, que corresponde à dívida atualizada.

Em atualizações de valores muito antigos, dois pontos devem ser observados. Primeiro, tomar cuidado com as constantes alterações do valor da moeda nacional. Por exemplo, em ações judiciais com início anterior à implantação do Plano Real, em 12 de julho de 1994, os valores em cruzeiros reais, para passar para reais, têm de ser divididos por 2.750. Segundo, tomar cuidado ainda ao utilizar números diferentes de uma mesma revista, pois podem ter bases diferentes, mesmo se tratando de um só índice, Por exemplo, a Fundação Getulio VargasFundação Getulio VargasFundação Getulio VargasFundação Getulio Vargas, que publica a revista Conjuntura EconômicaConjuntura EconômicaConjuntura EconômicaConjuntura Econômica, altera o mês-base de comparação de seus índices a cada dois anos. Nesse caso, a atualização deve ser feita por etapas, tantas quantas forem as alterações ocorridas.

Page 57: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

57

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO VIVIVIVII I I I ---- ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO O Estado não deixa de ser uma grande associação. Enquanto tal; existe para o atingimento

de certos fins que dizem respeito aos interesses da própria coletividade. É a atividade política quem determina a escolha dos objetivos que devem ser perseguidos prioritariamente, visto que não é possível querer-se atingi-los, a todos, simultaneamente, em razão da escassez de meios financeiros. Fundamentalmente o Estado dispõe daquilo que arrecada na sociedade, no mais das vezes, de forma coercitiva.

O importante é se reconhecer que o funcionamento do Estado conduz, necessariamente, à existência de uma atividade financeira consistente na obtenção de recursos, na sua gestão e, ao final, na sua aplicação.

É uma atividade, sem dúvida, importante porque torna possível a existência das demais. Sabe-se que são hoje muitos os fins vistos pelo Estado: manutenção da ordem interna, asseguramento da defesa contra eventual inimigo externo, aplicação do Direito aos casos controvertidos (distribuição da justiça), feitura das leis que regerão a comunidade, prestação de serviços públicos, construção de estradas, fiscalização de muitas atividades particulares, e até mesmo no campo social e econômico a presença do Estado faz-se sentir de forma acentuada.

Ora, a execução destas tarefas envolve necessariamente custos impossíveis de serem cobertos exclusivamente com o patrimônio próprio do Estado. Daí necessitar ele, sempre de outros recursos, a serem obtidos num volume tal que implica a utilização de métodos exclusivos seus, isto é, que envolvem a prática de atos coercitivos, diferençados, portanto, da atividade financeira de uma entidade privada.

Os fins estatais diferem, também, daqueles próprios dos particulares. A passagem dos dinheiros arrecadados pelos diversos órgãos estatais é feita também segundo regras próprias.

Em síntese, portanto, a atividade financeira do Estado é toda aquela marcada ou pela realização de uma receita ou pela administração do produto arrecadado ou, ainda, pela realização de um dispêndio ou investimento. E o conjunto das atividades que têm por objeto o dinheiro.

1.1.1.1.1.1.1.1. O O O O ffffenômeno enômeno enômeno enômeno ffffinanceiroinanceiroinanceiroinanceiro

O fenômeno financeiro se manifesta, sobretudo na atividade de obtenção de ingressos de recursos e na realização de gastos. Situa-se no contexto interventivo dos entes públicos tanto no tráfico jurídico quanto na atividade econômica.

O fenômeno financeiro se apresenta como objeto de análise no âmbito das ciências sociais. Diversas são as teorias elaboradas, principalmente por autores italianos, que procuram explicar essa atividade, ora conceituando-a como puramente econômica, ora como política ou político-sociológica.

1.2.1.2.1.2.1.2. Características fundamentais da atividade financeiraCaracterísticas fundamentais da atividade financeiraCaracterísticas fundamentais da atividade financeiraCaracterísticas fundamentais da atividade financeira

O desempenho da atividade financeira revela certas características que nela estão sempre presentes e cujo estudo colabora para desvendar a sua natureza íntima.

a.a.a.a. Presença constante de uma pessoa jurídica de direito públicoPresença constante de uma pessoa jurídica de direito públicoPresença constante de uma pessoa jurídica de direito públicoPresença constante de uma pessoa jurídica de direito público

A atividade financeira tem sempre como sujeito um ente público. São, na verdade, as pessoas de direito público, em razão das exigências e das demandas que lhes são intrínsecas, profundamente diferentes das necessidades das pessoas jurídicas regidas pelo direito privado, a ponto de desenvolverem a atividade financeira conformada por uma dogmática jurídica própria. Essa atividade financeira dos entes públicos é concretizada sob duas modalidades fundamentais.

Page 58: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

58

Na primeira ocorre uma relação jurídica intersubjetiva, na qual cada uma das partes adota uma situação jurídica complementar (direito-obrigação, poder-sujeição, potestade-dever etc.). Na outra, pode, contudo assumir a vestimenta de uma atuação de caráter interno, o que significa dizer que se está diante de relações entre órgãos das mesmas pessoas jurídicas, sem implicar verificação daquelas mencionadas situações correlatas. Essas modalidades de atividade financeira encontram o seu respaldo em duas categorias diferentes de normas jurídicas: normas de relação no primeiro caso e normas de ação no segundo.

Fica excluída da atividade financeira do Estado a desenvolvida por pessoas de direito privado no exercício de função ou serviço público. Nada obstante do ângulo do Direito Administrativo ser esta uma função que, em princípio, poderia estar sendo prestada pelo próprio Estado, a verdade é que a qualidade da pessoa que a desempenha, por não ser ela mesma de direito público, exclui a qualificação de atividade financeira. Dentro desta recai, portanto, só a levada a efeito por pessoas a quem não se recusa a qualificação de públicas: a União, os Estados-membros, os Municípios, o Distrito Federal e as suas respectivas autarquias.

Portanto, em todos os casos, é necessária, para poder falar de atividade financeira e de Direito Financeiro, a presença de um ente público nas relações ou situações que este ramo do Direito regula. Mas isto não significa que toda relação econômica em que intervenha um ente público seja atividade financeira. Para que tenha os efeitos dessa atividade é necessário que concorram outros elementos. É o que ver-se-á a seguir.

b.b.b.b. AtAtAtAtividade de conteúdo econômicoividade de conteúdo econômicoividade de conteúdo econômicoividade de conteúdo econômico

A atividade financeira tem, inequivocamente, um objeto econômico na medida em que lida com recursos que têm essa natureza. Entretanto, seria um grave erro identificar-se como financeira toda a atividade econômica do Estado. Há muitos momentos em que o Estado interfere na economia, quer regulamentando-a, quer praticando, direta ou indiretamente, atos de economicidade manifesta. Nem por isso, contudo, se tornam eles financeiros. E necessário separar-se o Direito Econômico do Direito Financeiro.

O primeiro tem por objeto o estudo das normas que disciplinam o comportamento do Estado relativamente à economia, isto é, a disciplina jurídica da macroeconomia. O segundo disciplina a captação, guarda e dispêndio dos recursos públicos. Na atividade econômica, propriamente dita, está sempre presente o objeto consistente na geração de bens ou serviços, enquanto na atividade financeira figura sempre a preocupação com o fenômeno do ingresso ou saída de recursos exclusivamente financeiros.

c.c.c.c. ConteConteConteConteúdo monetárioúdo monetárioúdo monetárioúdo monetário

Já foi visto que a atividade financeira tem um objeto econômico não, contudo, confundível com quaisquer dos objetos com que lida a economia, mas consistente num muito específico, qual seja, o dinheiro. Está fora da atividade financeira a captação de outros valores representados por bens in natura ou mesmo pela prestação pessoal de serviços. Portanto, o Direito Financeiro regula as situações e relações jurídicas que, de forma mediata ou imediata, se referem à obtenção, gestão e gasto de recursos monetários por parte dos entes públicos. Estão aí incluídas as operações que envolvam títulos públicos, como também aquelas que têm por objeto créditos ou débitos.

1.3.1.3.1.3.1.3. A instrumentalidade da atividade financeiraA instrumentalidade da atividade financeiraA instrumentalidade da atividade financeiraA instrumentalidade da atividade financeira

Não se pode incluir a atividade financeira nos fins últimos do Estado. Como é reconhecido, estes compreendem a segurança pública, a realização de Direito, a prestação do ensino, da saúde etc. Acontece, entretanto, que esses fins não se cumprem sem que tenham um suporte financeiro. É indispensável que haja recursos econômicos para enfrentar o custo da implementação desses objetivos. Daí a necessidade de o Estado simultaneamente levar a efeito toda uma série de atividades destinadas a arrecadar os meios financeiros e direcioná-los para a concretização dos referidos fins. Isto faz emergir o que os autores apontam como o caráter instrumental da atividade

Page 59: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

59

financeira. Afirmação verdadeira, na medida em que se entenda que esta atividade não se esgota em si mesma, ou seja, que o Estado não arrecada recursos para o fim de armazená-los indefinidamente. Há, portanto, uma relação de meio e fim, na medida em que é por intermédio da atividade financeira que o Estado pode cumprir suas metas de custear a sua existência.

Em síntese, a atividade financeira não visa diretamente à satisfação de uma necessidade coletiva, mas cumpre uma função instrumental de grande importância, sendo seu regular desenvolvimento condição indispensável para o desempenho de todas as demais atividades.

O reconhecimento da atividade financeira como instrumental não deve levar à errônea conclusão de que tudo que tem caráter de meio na atuação do Estado é de natureza financeira. Não. Na verdade o Estado é uma complexa engrenagem de serviços humanos. Nem tudo, pois, que é meio de atuação administrativa do Estado constitui atividade financeira. O traço diferenciador parece residir no objeto sempre presente na atuação financeira, que é o dinheiro. A nota característica da atividade financeira é aquela que a distingue da atividade administrativa pelos mecanismos ou instrumentos através dos quais se atua.

Neste sentido a atividade financeira caracteriza-se por ser atividade de gestão direta e movimento do dinheiro público, abarcando o ciclo financeiro, que começa no momento em que o Estado retira rendas das economias privadas, as administra ou gerencia, fixando-as para o atingimento de determinados fins, e termina no momento em que o Estado gasta os ingressos obtidos na forma de bens ou serviços com objeto de satisfazer necessidades coletivas.

Neste sentido a atividade financeira aparece qualificada precisamente pela nota característica de referir-se ao manejo de um bem instrumental por excelência, que é o dinheiro.

Na verdade, a moeda possui características que lhe são muito peculiares. Em primeiro lugar é um bem que não serve em si mesmo para nada; só se presta a servir de instrumento de trocas. Com o dinheiro pode-se adquirir todo e qualquer bem, este sim revestido de utilidade. O dinheiro é, em conseqüência, o meio de troca por excelência. Daí porque a atividade financeira do Estado tem por objeto a obtenção de recursos monetários. Já houve épocas em que os Estados se valiam, como fontes de recursos, da exploração do seu próprio patrimônio ou, então, dos deveres que os súditos tinham de prestar serviços ao monarca.

Em conseqüência, o Estado necessita como fonte primordial dos recursos econômicos para a sua atuação de arrecadar valores na forma de dinheiro, com o qual possa, também aqui, de forma praticamente generalizada, saldar os seus compromissos. E em dinheiro que os Estados quitam os seus débitos. A própria utilização de títulos da dívida pública não constitui exceção, visto que são destinados a ser convertidos, no futuro, em dinheiro.

1.4.1.4.1.4.1.4. Instrumentalidade e política econômicaInstrumentalidade e política econômicaInstrumentalidade e política econômicaInstrumentalidade e política econômica

Admite-se que a instrumentalidade não fica comprometida mesmo naquelas hipóteses em que, por meio da atividade financeira, pretenda o Estado interferir na economia. Ainda aqui o que interessa para o Direito Financeiro são tão-somente os aspectos de ingresso ou saída de recursos. Os fins econômicos colimados ficam fora da disciplina.

1.5.1.5.1.5.1.5. Fins da atividade financeiraFins da atividade financeiraFins da atividade financeiraFins da atividade financeira

Tem-se visto reiteradamente que os objetivos fundamentais da atividade financeira são os de proporcionar recursos econômicos para o custeio da manutenção e funcionamento do Estado. A primeira inferência que se pode extrair é que esta atividade de propiciar meios ao Estado está intimamente vinculada aos próprios fins do Estado. Sendo a atividade financeira uma parcela da atuação do Estado, só destacável para fins de conhecimento, mas não isolável das demais funções na concreta atuação do ente estatal, parece claro que o papel que as finanças públicas devem cumprir dentro dessas organizações políticas é condicionado pela própria concepção que se tenha dessas entidades.

Page 60: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

60

Assim é que num primeiro momento — que coincide com o surgimento do Estado de Direito — predominou a idéia de um Estado mínimo, o que não significa dizer inexistência ou insuficiência do Estado, mas, sim, de um Estado dimensionado para o atingimento tão-somente daquelas atividades que se consideravam inexoravelmente inseridas no seu campo de atuação.

Era o pensamento liberal, formulado, sobretudo durante o século XVIII e que viria atingir a plenitude de seu desabrochar durante o século XIX e uma retomada de vigor no último quartel do século XX, depois do intermédio das correntes estatizantes nas suas diversas modalidades.

Note-se que a idéia central do pensamento liberal consiste em conceber o Estado como um mal, embora necessário. Enquanto tal, há de ser mantido e valorado na medida em que se traduza em entidade insubstituível na prestação de algumas atividades para as quais o indivíduo isolado, ou voluntariamente associado, é impotente. A manutenção da ordem interna, a defesa contra o inimigo externo, a distribuição da justiça, a aprovação e a imposição de um Direito Penal, Civil, Comercial etc., a prestação de um ensino público para propiciar a justiça social eram todas as atividades cuja legitimidade da prestação pelo Estado não se questionava.

De outra parte, não se permitia que o mesmo Estado ultrapassasse o círculo de suas atividades próprias, pela óbvia razão de que, fora destas, ele encontra agentes mais aptos para prestá-las e que o fazem sem os ônus e os inconvenientes que toda atuação estatal acarreta (improdutividade, empreguismo e, do ponto de vista político, o favorecimento do autoritarismo).

Nesse contexto parece claro que as finanças públicas tinham de se ajustar a essa realidade principalmente pela sua neutralidade, ou seja, o Estado não deveria intrometer-se nos campos econômico e social, as suas finanças também deveriam mostrar-se equilibradas, isto é, não-geradoras de efeitos sobre a economia.

A manipulação dos orçamentos, sobretudo pelo alargamento das despesas públicas, era uma arma poderosa de intervenção do Estado na economia. Foi uma virtualidade que só muito mais tarde veio a se descobrir. Para o pensamento liberal isto era inconcebível. As finanças tinham de conformar-se à própria descrição do perfil do Estado não interferindo na ordem econômica.

Os orçamentos necessitavam de ser equilibrados e o Estado só poderia gastar aquilo que arrecadasse, procurando, igualmente, repartir essa arrecadação da forma mais eqüitativa possível entre todos os habitantes do país.

Portanto, esta corrente de pensamento defende os menores gastos possíveis do Estado e o conseqüente equilíbrio orçamentário. As despesas devem ser cobertas por impostos, os quais são concebidos como improdutivos do ponto de vista econômico e devem molestar o menos possível os contribuintes, sem, inclusive, alterar os preços dos produtos. O sigilo patrimonial deve ser respeitado, com a conseqüente condenação de qualquer forma de inquisição fiscal, e, o que é muito importante, prevalece uma recriminação absoluta da inflação monetária.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial a desorganização da economia, sobretudo dos países derrotados, convocou a presença do Estado na tentativa de resolvê-las.

Era compreensível que assim ocorresse, já que diante de contingentes populacionais enormes, sem emprego, e diante da destruição quase completa dos parques industriais, ante a falta de moradia, era praticamente inevitável que o Estado fosse chamado a remediar tanta aflição. O próprio desenrolar da guerra, com a incumbência que gerou para as finanças públicas de custearem os gigantescos gastos bélicos, já havia suscitado mecanismos interventivos, como se deu com a implantação da progressividade das imposições tributárias incidentes sobre as rendas e as heranças e com a acentuação do papel extra fiscal dos tributos.

Surgem taxas aduaneiras protecionistas, grava-se o celibato, estimulam-se as famílias numerosas. Por outro lado, as despesas do Estado aumentam enormemente, sobretudo pelo incremento de investimentos no campo social, tais como os subsídios familiares, pensão por invalidez, socorro aos desempregados, ampliação do crédito público. Em conseqüência, instaura-se o déficit orçamentário, ao qual se seguem acentuadas flutuações monetárias.

Page 61: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

61

Altera-se a concepção da atuação do Estado com o enfraquecimento dos objetivos do liberalismo, que são substituídos por preocupações, sobretudo com o social. Daí falar-se em Estado-previdência ou mesmo liberalismo social.

As tendências intervencionistas sofrem profunda acentuação no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Torna-se uma nota caracterizadora desse período uma ação paralela provinda, de um lado, de um capitalismo poderoso e, de outro, de uma classe operária cada vez mais homogênea e influente. A meta fundamental é a procura da prosperidade social como caminho para evitar que se produzam transformações por meios violentos. Almeja-se, pois, uma revolução pacífica. O que caberia agora perguntar-se é como se expressaria esse procurado bem-estar social. Em três pontos fundamentais.

Em primeiro lugar, o atendimento pelo Estado de necessidades sociais básicas, como segurança, instrução, serviços públicos (correios e telecomunicações, transportes, energia etc.). Em segundo lugar, a adoção de medidas voltadas ao desenvolvimento econômico do país, com o objetivo do asseguramento do pleno emprego e do aumento da renda nacional.

Defende-se a redação de um plano econômico geral, por um plano de investimentos, pela criação de novos empregos públicos em geral e pelo favorecimento e controle da atividade econômica privada e, finalmente, visa-se a redistribuição da renda nacional como forma de realização da justiça e do aumento do nível de vida.

Ganha corpo nesse período a idéia do planejamento como forma de coordenar a atividade econômico-financeira do Estado. É certo que esse planejamento adquire uma coloração muito diversa dependendo do tipo de economia praticada pelo Estado.

Nos países de economia centralizada (marxista), o planejamento é vinculante e obrigatório; é o próprio instrumento ordenador da economia. Nos países de economia aberta (capitalista), mercê da predominância das leis de mercado, o planejamento não pode ter essa força coercitiva. Não deixa, contudo, de apresentar instrumentos tendentes a conduzir a economia nos sentidos desejados. Os fundamentais são os prêmios e os incentivos.

As finanças públicas, como não poderiam deixar de ser, sofrem o influxo dessas novas realidades, e podem ser sumarizadas em cinco pontos as repercussões fundamentais, quais sejam:

1) o orçamento sofre a ação da economia e, por sua vez, influi sobre esta: abandona-se a mística do equilíbrio anual e procura-se um equilíbrio econômico (orçamentos cíclicos);

2) o gasto público não constitui um simples meio para atender os serviços públicos; também deve cumprir funções econômicas, fomentando o incremento do poder aquisitivo;

3) o imposto tem finalidades extras fiscais e deve atuar positivamente como elemento regulador e redistribuidor (cerceamento de certas rendas); absorção da economia; estímulo industrial etc.;

4) o empréstimo já não é um recurso ‘extraordinário’; pode ser empregado normalmente e utilizado nos seus efeitos sobre o mercado de capitais; e

5) criação da moeda em condições e circunstâncias especiais, com fins transitórios. .

O destino do planejamento econômico não foi tão glorioso quanto os seus idealizadores faziam crer. Independentemente do sistema econômico, o planejamento tem-se mostrado instrumento imperfeito para a regulação da economia. Embora o seu abandono nunca possa ser total, porque o Estado não pode abdicar de uma antecipação de suas necessidades fundamentais e de sua atividade, no que diz respeito, contudo, à execução dessas políticas, a tendência moderna é de liberá-las o mais possível à iniciativa privada, reservando-se o Estado para uma atuação meramente supletiva das omissões da sociedade.

As finanças públicas — e esta parece ser a grande lição oferecida pelo passado — são, simultaneamente, um reflexo do próprio sistema econômico adotado, como podem tornar-se um

Page 62: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

62

instrumento reforçador desse sistema. Em outras palavras, as finanças públicas podem tornar-se poderoso instrumento de atuação do Estado no domínio econômico. Atualmente a tendência é a utilização moderada desse recurso, porque a sua exacerbação pode conduzir a profundas distorções da economia.

Embora não haja mais condições para voltar-se a uma concepção de finanças neutras, porque, obviamente, alguma influência elas haverão de cumprir, entretanto, a procura de um orçamento equilibrado e a contenção dos gastos públicos continuam a ser metas almejadas. Crê-se que é por aí que se propiciam as condições ideais de desenvolvimento, sobretudo com o combate ao gigantismo estatal, ao desperdício dos dinheiros públicos e, fundamentalmente, à inflação... Em síntese, os aspectos atinentes à política financeira são preocupações importantes da própria política econômica do Estado, da qual a financeira não é, senão, uma parte.

a.a.a.a. Necessidades públicasNecessidades públicasNecessidades públicasNecessidades públicas

No capítulo sobre a atividade financeira do Estado, ficou claro que a finalidade da atividade financeira coincide com a própria finalidade do Estado, qual seja, a realização do bem comum. Na atividade financeira busca-se prover e aplicar recursos financeiros com o intuito de satisfazer às necessidades públicas. Em outras palavras, ao ente estatal cabe a realização daquilo que for considerado como “necessidades públicas”. Embora estas não sejam sempre as mesmas, pois variam de acordo com o regime jurídico e político adotado pelo Estado.

Adverte-se que as necessidades públicas não devem ser confundidas com as “necessidades coletivas”. Estas últimas nada mais são do que a soma de necessidades individuais, ou melhor, de interesses individuais. As necessidades coletivas estão a cargo do direito privado e, portanto são regidas pelo princípio da autonomia da vontade. Já por necessidades públicas entende-se aquelas necessidades que o Estado deve prestar em virtude da existência de uma norma jurídica.

As necessidades públicas são decorrentes de uma norma jurídica seja ela, de ordem constitucional ou não. As necessidades públicas encontram-se sob a égide do Direito Público, e por conseqüência estão adstritas ao princípio da estrita legalidade. Este princípio dentro do âmbito do Direito Financeiro traduz-se no fato de que as necessidades públicas devem estar sempre atreladas à lei, ou melhor, dela devem derivar. Como é sabido a Administração Pública não tem fins próprios, mas há de buscá-los na própria lei, assim como, em regra, não desfruta de liberdade, escrava que é da ordem jurídica. As necessidades públicas caracterizam- se por representarem sempre um interesse geral, que não se reduz a mera soma de interesses individuais.

b.b.b.b. Serviços públicosServiços públicosServiços públicosServiços públicos

Ao se estudar a atividade financeira do Estado que visa à obtenção de recursos e a sua aplicação para a realização das necessidades públicas básicas, verifica-se que elas são realizadas exclusivamente pela prestação de serviços públicos. Daí a importância de entender-se o que vem a ser serviço público. Este consiste no conjunto de atividades que a Administração presta objetivando o atendimento de necessidades que surgem exatamente em decorrência da vida social, própria do homem, embora também atendam interesses individuais. E, portanto, a satisfação de algo que emerge da própria vida em sociedade.

Trata-se de uma parte da função administrativa do Estado que tem como finalidade precípua atender às necessidades materiais, consubstanciadas em comodidades ou serviços postos à disposição dos usuários que podem fazer uso dele na qualidade individual de cidadão, ou como membro da coletividade, como exemplo dos serviços de iluminação.

Portanto, o serviço público é resultante do atendimento de um interesse que, embora possa ser fruído individualmente, transcende à satisfação individual porque brota realmente da vida em coletividade. Serviço Público é uma atividade prestada pela Administração, que se vale do seu regime próprio de direito administrativo, com vistas ao atingimento de uma necessidade coletiva.

Page 63: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

63

2.2.2.2. CIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇAS Primeiramente é necessário deixar claro que a atividade financeira é estudada tanto pela

Ciência das Finanças, como pelo Direito Financeiro A Ciência das Finanças visa evidenciar o estudo, no plano teórico, dos fenômenos financeiros e todas as suas conseqüências. As finanças públicas, por sua vez, são uma realidade do Estado, dizem respeito ao universo do ser, do plano real. Contudo, ela necessita de ser disciplinada por um conjunto de regras jurídicas que compõem o Direito Financeiro.

2.1.2.1.2.1.2.1. ConceitoConceitoConceitoConceito

A Ciência das Finanças se caracteriza por ser a ciência que estuda a atividade financeira do Estado sob o prisma teórico. Trata-se, portanto, de uma ciência especulativa. A atividade financeira consiste em tudo o que diga respeito às receitas, despesas, orçamento e crédito público. Ela se preocupa, precipuamente, com o estudo da ação desenvolvida pelo Estado para a satisfação de suas necessidades coletivas e também na escolha da ação mais adequada para o suprimento de tais necessidades. Assim sendo vai-se estudar a atividade financeira à luz do comportamento do Estado em seus diversos aspectos.

O estudo das finanças dá lugar a uma ciência informativa, que pertence ao ramo da Ciência Política, e que tem o seu campo de atuação restrito ao auxílio do agente político no que se refere à tomada de decisões dentro da atividade financeira. E dizer, ela busca fornecer aos agentes políticos os elementos necessários para compor a política financeira.

É interessante dizer que é a Ciência das Finanças quem fornece aos administradores públicos os elementos indispensáveis à política financeira. Como não poderia deixar de ser, a atividade financeira encontra-se delimitada por princípios das ciências sociais. Estas, por sua vez, se dividem no que se refere à atividade financeira, em economia e política. A partir daí pode-se falar em economia financeira e política financeira. Portanto, pode-se conceituar a Ciência das Finanças como sendo a ciência descritiva e informativa que busca desvendar e desenvolver os conhecimentos teóricos sobre a atividade financeira.

2.2.2.2.2.2.2.2. ObjetoObjetoObjetoObjeto

O objeto da Ciência das Finanças é a atividade financeira, ou melhor, a atividade fiscal, entendida esta como a atividade realizada pelos poderes públicos com o objetivo de captar e aplicar recursos para o custeio da rede de serviços públicos. Todavia esse objeto não fica restrito apenas ao estudo da atividade financeira. Pelo contrário, abrange também os seus aspectos extra-fiscais.

Pode-se dizer, portanto, que ela tem como objeto o estudo de todos os aspectos que influenciam a atividade financeira, para que desse modo possa orientar os agentes públicos na formação de uma política financeira.

a.a.a.a. Política financeiraPolítica financeiraPolítica financeiraPolítica financeira

A Política Financeira consiste na elaboração de programas de despesas e receitas com o intuito de cumprir os objetivos da política econômica assumidos pelo Estado. Sua preocupação precípua reside nos fins da atividade financeira, nos objetivos por ela perseguidos. Pode-se afirmar que a política financeira consiste no conjunto de medidas adotadas pelo Estado tendo em vista uma determinada finalidade, qual seja, o aumento de recursos e a sua aplicação no pagamento das despesas estatais. E através dela que são traçadas as diretrizes a serem tomadas pelo Estado na área financeira, bem como os meios cabíveis para tanto.

Não se pode negar que em toda atividade financeira há um conteúdo político, que é facilmente verificável em todas as fases da atividade financeira: receita, despesa, orçamento e crédito, eis que as finanças públicas dizem respeito às finanças do Estado.

Page 64: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

64

Há assim uma dupla forma de encarar a política financeira: por um lado, ela é a expressão concreta da utilização dos instrumentos financeiros, para prosseguir determinadas utilidades e finalidades econômico-sociais; mas, num outro ângulo de visão, designará também a teorização dos fenômenos financeiros como meios susceptíveis de realizar essas finalidades. Estuda-se, assim, um tipo ou certos tipos de experiências concretas; e, depois, selecionam-se e teorizam-se os traços comuns a essas experiências concretas.

É preciso deixar claro que há uma relação entre a política financeira e a política econômica, na medida em que a primeira visa a elaboração de programas que auxiliem no cumprimento dos objetivos impostos pela segunda.

b.b.b.b. Política Política Política Política EEEEconômicaconômicaconômicaconômica

A Política Econômica consiste no conjunto de medidas adotadas pelo Estado tendo em vista um objetivo, como o progresso, o desenvolvimento, o crescimento, a estabilidade econômica, a melhor distribuição de renda, a busca do pleno emprego, a justiça social, o controle da inflação etc. E através dela que são traçadas as diretrizes a serem tomadas pelo Estado e pela sociedade (setores públicos e privado) na área econômica.

Pode-se dizer que ela, para alcançar os seus objetivos, realiza algumas alterações no sistema econômico, ou melhor, exige dele algumas adaptações, sem, contudo contrariar seus princípios fundamentais. Pelo contrário, ela é um forte meio pelo qual se vale o Estado para atingir os seus objetivos dentro do campo econômico.

3.3.3.3. CIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇASCIÊNCIA DAS FINANÇAS E DIREITO FINANCEIR E DIREITO FINANCEIR E DIREITO FINANCEIR E DIREITO FINANCEIROOOO A Ciência das Finanças e o Direito Financeiro têm o mesmo objeto de estudo, qual seja, a

atividade financeira. A diferença entre elas reside na perspectiva a partir da qual elas vêem esse objeto, que na primeira é o ângulo especulativo (teórico) e na segunda o normativo prático. O Direito Financeiro tem como objeto o estudo das normas jurídico-financeiras. Já a Ciência das Finanças estuda os fenômenos da atividade financeira em toda a sua extensão, levando em conta os seus aspectos econômicos e políticos. Ela encontra-se diretamente relacionada com os aspectos econômicos e administrativos das finanças públicas. O Direito Financeiro caracteriza-se por ser uma disciplina jurídica que tem como objeto de seu estudo toda a atividade do Estado no tocante à forma de realização da receita e despesa.

O Direito Financeiro também pode ser conceituado como a Ciência das Finanças em seu aspecto institucional, jurídico, quer dizer, em seu aspecto objetivo. Em função da política financeira do país, emerge um sistema de princípios e normas a que a atividade financeira deve se adequar. O Direito Financeiro fica adstrito ao estudo da estrutura normativa, Ou seja, à elaboração de modelos jurídicos que sejam responsáveis pela instauração das relações entre as pessoas e o Estado enquanto agente da atividade financeira. Portanto, o Direito Financeiro tem como objetivo regular a obtenção, a gestão e o dispêndio dos meios financeiros públicos.

Page 65: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

65

CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO CAPÍTULO VIVIVIVIII II II II ---- ----DIREITO FINANCEIRODIREITO FINANCEIRODIREITO FINANCEIRODIREITO FINANCEIRO

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO O Direito Financeiro é a disciplina jurídica da atividade financeira. As características desta

já foram estudadas no capítulo precedente. O que cumpre agora examinar é em que consiste, especificamente, o Direito Financeiro.

O Direito Financeiro regula a atividade financeira sob o ponto de vista jurídico. Isso quer dizer que regula as garantias formais e materiais do que se arrecada, de como se arrecada e de quem se arrecada, assim como de, em que, como e com quem se gasta; de tal maneira que as regras sejam a expressão dos ingressos e dos gastos livremente erigidos. Quem vê, pois, a regra e não a liberdade vê a lei, mas não vê o Direito.

Nada obstante ser ele um segmento ou uma parcela do Direito em geral, é forçoso reconhecer-se, no entanto, que, de outra parte, deve ser tomado como uma unidade autônoma para efeito de seu estudo, da sua interpretação, da elaboração das suas normas e mesmo para efeitos didáticos. Contudo, esta divisão não deve ser entendida como algo abissal e intransponível, que o torne estanque. Não. Há um processo de interpenetração do Direito Financeiro com outras áreas jurídicas, assim como destas para com ele. Em se reconhecendo essas ressalvas e em se tendo em conta que o Direito compõe um todo, no fundo indivisível, não há por que deixar-se de reconhecer a autonomia do Direito Financeiro.

De outra parte há de se reconhecer no Direito Financeiro duas vertentes principais. Em primeiro lugar, o conjunto de normas jurídicas que o compõem. Elas estão dispersas pelo ordenamento jurídico, começando na própria Constituição, que é rica em normas dessa natureza, descendo, ao depois, pelos escalões normativos inferiores. São as fontes por excelência do Direito Financeiro. Em segundo lugar, a ciência deste ramo do Direito Público que não é composta tão-somente da catalogação dessas regras objetivas. A elas é necessário acrescentar o esforço sistematizador da ciência jurídica.

É pelo trabalho dos doutrinadores que emerge um conjunto sistemático de normas e princípios ao qual se confere a condição de ciência. As meras normas não são suficientes para desvendar todo o Direito Financeiro; é preciso buscar-lhes o sentido profundo, o alcance da sua significação, e isso só é possível mediante a utilização de técnicas próprias da ciência jurídica.

Vimos que o Direito Financeiro tem por objeto o estudo das normas que compõem a organização e a estrutura financeira do Estado. Há, sem dúvida, uma diferença de enfoques entre a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro. Aquela tem por objeto os fenômenos financeiros, e a sua metodologia é fundamentalmente descritiva e especulativa. Visa também a formular leis, mas não ao modo das leis jurídicas. As leis financeiras vistas pelo ângulo da Ciência das Finanças são aquelas que decorrem das próprias relações financeiras regidas por um princípio de causalidade. E especulativa, porque não precisa cifrar-se à realidade concreta de um país. Pode idealizar modelos extraídos de outros Estados, assim como criá-los imaginativamente.

O Direito Financeiro, pelo contrário, é sempre individualizado. É necessariamente referido a um país sobre cujo ordenamento jurídico se erige. Daí porque suas conclusões, em regra, não são extrapoláveis. São próprias do país sobre cuja ordem jurídica a doutrina se alicerçou, e o seu objeto não são os efetivos comportamentos financeiros do Estado, mas as normas que o disciplinam.

Contudo, mais uma vez faz-se necessário uma ressalva. Embora como ciência normativa estude o dever-ser, o cultor do Direito Financeiro, todavia, não pode desconhecer as realidades econômicas, políticas, sociológicas sobre as quais incidem as normas, objeto de seu estudo. É que essas realidades interferem na compreensão do fenômeno jurídico. A norma tal como vazada na lei é uma abstração que só se concretiza ao contato da realidade, e essa dimensão só é oferecida por outras ciências sociais, das quais, como já visto, o estudioso do Direito Financeiro não pode estar desligado.

Page 66: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

66

Enquanto ciência normativa, o Direito das Finanças não se confunde com as finanças em si mesmas, que são objeto de interesse de outras ciências, as quais, todavia são de inegável valia para o jurista na compreensão e interpretação do texto normativo financeiro. Fica, assim, posta a distinção entre o Direito Financeiro e o objeto de seu estudo. Conviria agora distinguir um pouco melhor o Direito Financeiro de outras áreas jurídicas que lhe são próximas.

2.2.2.2. DELIMITAÇÃODELIMITAÇÃODELIMITAÇÃODELIMITAÇÃO Cumpre tecer desde logo algumas considerações sobre a finalidade do Direito Financeiro.

Lhering observou com irrefutável acerto que toda norma jurídica, por ser um produto da vontade, tem sempre um fim ou causa final. Neste sentido é muito claro que as normas jurídicas protegem determinados interesses que lhes são opostos. Qual seria o interesse nuclear protegido pelo Direito Financeiro? É o de os entes públicos obterem meios econômicos com que financiar os gastos públicos e conseguirem um emprego correto dos aludidos meios.

Há outro ponto, quiçá de maior importância, a merecer destaque. É o fato de que, para o atingimento de suas finalidades, o Direito Financeiro se vale de um regime jurídico dotado de prerrogativas que não são encontráveis em outros ramos do Direito. Há, portanto, uma técnica jurídica própria ao Direito Financeiro que o insere dentro do Direito Público. Destarte, fica bem demarcada a distinção existente entre as finanças do Estado e as dos particulares. Embora o nome “Direito Financeiro” possa prestar-se a confusões e chegar-se mesmo a entender que ele cuida do sistema financeiro, na verdade tal não acontece. As operações de natureza financeira levadas a efeito pelos particulares obedecem a regras do direito privado, enquanto o Direito Financeiro, ramo do direito público, rege exclusivamente as finanças públicas.

2.1.2.1.2.1.2.1. AutonomiaAutonomiaAutonomiaAutonomia

O Direito é uno não podendo levar-se a efeito nenhuma operação destinada a depreender-se dele uma seara de molde a que esta restasse afastada e independente do todo. Todavia, para efeitos didáticos e científicos é possível dividi-lo em ramos que receberão tratamento próprio, de acordo com as suas peculiaridades. O fato é que se pode perfeitamente falar em autonomia das diversas searas integrantes do Direito, uma vez que cada uma delas é dotada de especificidade e princípios jurídicos próprios. Tanto é assim que qualquer pessoa leiga é capaz de visualizar facilmente a diferença existente entre o Direito Penal e o Direito Civil. Contudo, as distinções existentes entre as áreas do Direito não impede que haja uma relação entre elas. Na verdade, existe uma constante interpenetração entre as diversas áreas do Direito. Este se divide em duas grandes áreas, quais sejam, a pública e a privada, que por sua vez são subdivididas em vários ramos.

Apesar de o Direito Financeiro ser um ramo do Direito Público, não há negar-se que ele deve ser considerado como uma unidade autônoma para efeitos de interpretação, estudo e elaboração de suas normas. Todavia, essa divisão não pode ser concebida como algo intransponível, que torne o Direito Financeiro estático, pois há um processo de interpenetração dessa área jurídica com outros ramos do Direito.

O Direito Financeiro é um desdobramento autônomo do Direito Público, que se caracteriza pela existência de princípios jurídicos específicos, não passíveis de aplicação em outros ramos do Direito. A autonomia do Direito Financeiro também pode ser reconhecida em razão da existência de um objeto próprio, qual seja, as finanças públicas e de sua finalidade consistente na normatização desta atividade.

Note-se também que a autonomia didática de um determinado ramo do Direito, é alcançada através de uma série de elementos, que são precipuamente: a existência de princípios e normas específicas que regem o seu objeto de estudo, a doutrina e jurisprudência próprias e o seu estudo em separado em virtude de razões didáticas. Os princípios específicos se diferenciam dos princípios gerais na exata medida em que os primeiros têm uma abrangência mais restrita, Ou seja,

Page 67: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

67

aplicam-se a um determinado ramo do Direito, já os segundos podem ser conformadores de qualquer área do Direito, sendo, portanto, pertinentes a toda a Ciência Jurídica.

O Direito Financeiro é elaborado e estudado de maneira orgânica e unitária, através de uma coordenação sistemática de seus princípios fundamentais. Adverte-se aqui que seu estudo é autônomo e não independente, pois o Direito é uno.

A Constituição Federal de 1.988 consagrou a autonomia do Direito Financeiro “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: 1- direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.” No que diz respeito às normas infraconstitucionais o Direito Financeiro é regulado pela Lei nº. 4.320/64 que dispõe sobre as normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

É interessante notar que no passado não se reconhecia a autonomia do Direito Financeiro. No entanto, hoje não mais se aceita qualquer dúvida quanto à sua autonomia e à distinção, por exemplo, entre ele e o Direito Administrativo e Tributário.

Em síntese, até aqui se procurou demonstrar o seguinte: a realidade jurídica é muito ampla e muito complexa para ser abarcada por uma única disciplina. Daí a consagração do recurso à divisão do Direito em áreas. Essa divisão tem muito de convencional, uma vez que os critérios sobre os quais se funda não são de absoluta cientificidade. O papel da tradição nesse particular é também muito grande. Nada obstante isso, deve conceber-se o Direito Financeiro como uma área específica do Direito. Especificidade esta a que se dá o nome de “autonomia”, que não deve ser, de forma alguma, confundida com separação, estanque ou absoluta independência.

2.2.2.2.2.2.2.2. Relacionamento com os demais ramos do Relacionamento com os demais ramos do Relacionamento com os demais ramos do Relacionamento com os demais ramos do direitodireitodireitodireito

a.a.a.a. Direito Financeiro Direito Financeiro Direito Financeiro Direito Financeiro eeee Direito AdministrativoDireito AdministrativoDireito AdministrativoDireito Administrativo

O Direito Financeiro guarda estritas relações com o Direito Administrativo. Todavia, dele se destaca em função da especificidade dos princípios e normas que regem a atividade financeira do Estado. Uma das principais diferenças entre o Direito Administrativo e o Direito Financeiro, reside no fato de que o primeiro cuida de administrar os bens que o Estado possui, enquanto o segundo cuida de arrecadar os recursos que o Estado não tem.

É bom notar que os ingressos que hoje se dão nos cofres públicos e que são produzidos ou gerados pelo próprio patrimônio estatal representam muito pouco do total dos gastos públicos. Fala-se em 10% no máximo. Daí decorre que há forte dependência estatal do produto da arrecadação de dinheiro por métodos originários, isto é, impostos ao cidadão sem qualquer relação de derivação de um bem estatal.

Há uma outra faceta ainda a diferençar o Direito Financeiro do Administrativo. É a discricionariedade. Sabe-se que esta se mostra freqüente nos atos praticados pela Administração. No que diz respeito, contudo, ao Direito Financeiro, ela é inexistente. A razão é a seguinte: na atividade administrativa não há um delineamento exaustivo do comando legal, restando, em conseqüência, ao administrador uma margem de apreciação subjetiva destinada a concretizar a vontade da lei nos casos a que se volta. Ora, o Direito Financeiro procede diferentemente. O interesse público que a Administração deve gerir no exercício da atividade financeira está perfeitamente definido pela ordem jurídica, o que vale dizer, pelas normas de caráter genérico.

Diante do exposto, fica claro que, salvo casos realmente excepcionais, a Administração carece de poder discricionário, quer dizer, de possibilidade para definir o interesse público quando da aplicação do Direito Financeiro.

Page 68: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

68

b.b.b.b. Direito Financeiro e Direito TributárioDireito Financeiro e Direito TributárioDireito Financeiro e Direito TributárioDireito Financeiro e Direito Tributário

Muito tormentosas são as ligações do Direito Financeiro com o Direito Tributário. Alguns países negam a autonomia do Direito Financeiro, por não verificarem nela a presença de princípios homogêneos que o informem. Para esta parte da doutrina só seria considerado cientificamente autônomo o Direito Tributário. Outros, entretanto, procedem de forma diametralmente oposta. Não conseguem vislumbrar no Direito Tributário princípios que possam destacá-lo do Direito Financeiro, do qual, na verdade, seria apenas um mero capítulo.

Cremos que a questão posta em termos tão radicais remanesce insolúvel. É preciso ter sempre em mente a relatividade da noção de autonomia científica de um ramo do Direito. Em última análise, a ciência jurídica é única, e há princípios que informam a todas as suas áreas.

Portanto, a maior ou menor divisão do conjunto do Direito vai sempre depender do rigor com que se estabelecem os requisitos para a configuração de uma disciplina autônoma. O que parece certo, também, é que o reconhecer-se a autonomia relativa de uma disciplina não significa deixar de admitir-se, igualmente, que ela mantém laços com uma mais abrangente. E o que acontece com o Direito Tributário, que o deixa de se constituir em uma das grandes vertentes do Direito Financeiro, qual seja, a dos ingressos de dinheiro nos cofres públicos de forma coercitiva, assunto que muito justificadamente mereceu a atenção e os estudos cujas dimensões ninguém pode ignorar.

De outra parte não há como se negar ser perfeitamente exeqüível a identificação de certas regras ou princípios mais acentuadamente aplicáveis ao Direito Tributário, ou até mesmo exclusivamente a este concerníveis. Isto não significa, entretanto, recusar-se que ele também possa ser encarado de forma vinculada com o Direito Financeiro. Aliás, a tendência moderna vai mesmo no sentido de analisar os ingressos públicos à luz dos próprios dispêndios ou gastos, também públicos. Em última análise, uma justiça tributária só se perfaz com uma justiça a distribuição das despesas. Portanto, sob muitos aspectos, o Direito Tributário não pode ser destacado do Financeiro. Isto não impede, contudo, que se lhe confira uma relativa autonomia.

O sistema constitucional brasileiro, de resto, oferece suporte tanto para o estudo isolado de cada uma das concreções do fenômeno financeiro como também para a sua tomada em consideração como um fenômeno unitário. E óbvio que a própria extensão da matéria está a convidar que o seu estudo seja feito de forma autônoma, o que já levara Baleeiro a constatar no Brasil a existência tanto de cadeiras de Direito Fiscal (outro nome pelo qual é identificado o Direito Tributário) nas Faculdades de Direito quanto de Legislação Tributária nas Faculdades de Ciências Econômicas.

Em síntese, portanto, existe a autonomia do Direito Tributário como ramo do Direito Financeiro, sem que com isso queiramos significar uma divisão estanque entre ambos, que, de resto não existe em nenhuma área do Direito.

O fenômeno financeiro pode, portanto, ser passível de estudos mais abrangentes e abstratos que o tomem na sua unidade, desde a receita até os gastos, como pode também ser passível de um destaque da parte tributária para merecer um estudo de menor nível de abstratividade e. conseqüentemente, de maior especificidade.

c.c.c.c. Direito Financeiro Direito Financeiro Direito Financeiro Direito Financeiro eeee Direito Econômico Direito Econômico Direito Econômico Direito Econômico

O Direito Econômico tem como finalidade precípua o estudo das normas que dispõem sobre a organização econômica de um País, ou seja, a análise das leis que regem a produção, a distribuição, circulação e o consumo de riquezas, tanto no plano nacional como no internacional. Trata-se do estudo das leis econômicas que regem os preços, a moeda, o crédito e o câmbio. O seu objeto de estudo é a base da organização jurídica e econômica. Saliente-se aqui que o Direito Econômico encontra-se também voltado para o estudo do controle do poder econômico.

Page 69: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

69

O Direito Econômico é um ramo do Direito Público. No entanto, ele também regula as atividades econômicas dos particulares. Como é sabido as normas de direito privado tem grande relevância na configuração jurídica da intervenção econômica. O Direito Econômico diz respeito também a intervenção do Estado na economia, Ou seja, às normas que regem a política econômica estatal.

Trata-se, portanto, do conjunto das regras jurídicas que normatizam a intervenção do Estado na seara econômica. Pode-se afirmar que ele consubstancia o conteúdo da Constituição econômica. Esta pode ser entendida como um sistema, ou melhor dizendo, um conjunto de normas jurídicas, tendo como critério unificador o dado econômico ou a regulação da economia. Ela não é, todavia, autônoma. Pelo contrário, só ganha sentido e significação quando embutida dentro da Constituição em sentido amplo, em função da qual se torna inteligível e compreensível.

O Direito Financeiro se caracteriza por ser a disciplina jurídica da atividade financeira do Estado. O seu objeto de estudo é a disciplina da captação, guarda e dispêndio dos recursos públicos, enquanto o objeto do Direito Econômico é o estudo das normas que regem o comportamento do ente estatal no que se refere à economia, ou seja, a disciplina jurídica da macroeconomia. Cumpre deixar claro que as operações financeiras não se confundem com as econômicas. Estas últimas têm por base uma riqueza: a produção, a comercialização de bens, que já têm em si o seu valor. Já o campo financeiro tem por objeto o crédito e as operações com dinheiro.

Page 70: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

70

CAPITULO ICAPITULO ICAPITULO ICAPITULO IXXXX –––– A EVOLUÇÃO DO ESTADOA EVOLUÇÃO DO ESTADOA EVOLUÇÃO DO ESTADOA EVOLUÇÃO DO ESTADO

1.1.1.1. EVOLUÇÃO DAS FUNÇÕESEVOLUÇÃO DAS FUNÇÕESEVOLUÇÃO DAS FUNÇÕESEVOLUÇÃO DAS FUNÇÕES DO GOVERNO E CRESCI DO GOVERNO E CRESCI DO GOVERNO E CRESCI DO GOVERNO E CRESCIMEMEMEMENTO DO SETOR NTO DO SETOR NTO DO SETOR NTO DO SETOR PÚBLICOPÚBLICOPÚBLICOPÚBLICO De acordo com os índices globais, o setor público no Brasil apresentou uma expansão

considerável nos últimos 50 anos. Tal expansão refletiu-se em crescimento significativo do volume de despesas do governo e na participação das despesas totais no Produto Interno Bruto (PIB) do país. Os dados disponíveis indicam que, entre 1948 e 1994, a despesa total do setor público, excluídas as empresas do governo, elevou-se de 17% do PIB em 1948 para uma média de 30% nos últimos anos do período considerado.

Em conseqüência, elevação semelhante é também observada no volume total de recursos necessários ao financiamento da expansão das atividades. A relação entre o total da arrecadação tributária mais o déficit do governo e o PIB elevou-se de um patamar ao redor de 16% em 1953 para níveis superiores a 30% na década de 90 do século XX

Considerando apenas as despesas de consumo, isto é, desconsiderando-se as despesas financeiras, os investimentos e as transferências, chega-se a resultados interessantes. A Tabela IX.1 classifica os países em três categorias, segundo a participação do consumo do governo no consumo final total e no PIB: os de baixa participação, os de média participação e os de elevada participação. Na primeira categoria, observam-se quatro países da América do Sul, o Japão — membro do grupo dos sete países mais poderosos economicamente do mundo (G-7) —, a Índia e dois países do Sudeste asiático, a Indonésia e a Coréia do Sul. No segundo grupo, encontram-se os Estados Unidos, a Holanda, a Bélgica e a Itália, além do Brasil. No grupo de maior participação do governo, estão França, Canadá, Reino Unido, Alemanha e países escandinavos.

Nota-se que, entre os países de alta participação do governo, não há nenhum subdesenvolvido. Já nos países de baixa participação do governo aparecem tanto países subdesenvolvidos, a exemplo de Paraguai e Venezuela, como os de grande capacidade econômica, como Japão e Hong Kong. Observa-se ainda que, entre o país de mais baixo consumo do governo (Paraguai) e o de mais alto (Suécia), a participação do setor público é mais de quatro vezes superior.

Dessa forma, os números da Tabela IX.1 sugerem que a participação do governo no consumo final está mais associada ao modelo de desenvolvimento seguido por um país do que a seu grau de desenvolvimento: em países como a Suécia e a Dinamarca, por exemplo, em que as políticas de bem-estar social se destacam, é forte a presença do Estado. Já no Japão, país de mais alta renda per capita entre os listados, a participação do consumo final do governo é menos do que a metade da participação na Suécia.

No Brasil, a participação do consumo final do governo no PIB aumenta de 9,9%, em 1984, para 15,8%, em 1991, mantendo-se em patamar próximo a esse em 1994 (15,4%).

Page 71: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

71

Tabela Tabela Tabela Tabela IX.IX.IX.IX.IIII: : : : ParticipParticipParticipParticipação do consumo final do governo nas despesas de consumo final e no PIB ação do consumo final do governo nas despesas de consumo final e no PIB ação do consumo final do governo nas despesas de consumo final e no PIB ação do consumo final do governo nas despesas de consumo final e no PIB (1994) (1994) (1994) (1994) ———— países selecionados. países selecionados. países selecionados. países selecionados.

A simples observação dos índices globais de relação entre despesas e tributos e o PIB é,

todavia, insuficiente para permitir conclusões acerca da dimensão do setor público. E necessário que a avaliação seja feita com base na identificação das principais atribuições econômicas do Estado e do papel da diversificação dessas atribuições como determinantes do crescimento das despesas do governo. Por outro lado, a forma pela qual a expansão das despesas é financiada é também importante, tendo em vista os diferentes efeitos de políticas de financiamento da expansão dos gastos sobre o nível e a distribuição da Renda Nacional.

Page 72: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

72

2.2.2.2. ATRIBUIÇÕES ECONÔMICATRIBUIÇÕES ECONÔMICATRIBUIÇÕES ECONÔMICATRIBUIÇÕES ECONÔMICAS DO GOVERNOAS DO GOVERNOAS DO GOVERNOAS DO GOVERNO As funções do governo na economia expandiram-se consideravelmente nos três primeiros

quartéis do século passado, refletindo uma evolução dos princípios teóricos que recomendavam a necessidade de intervenção governamental no sistema econômico, assim como modificações nas preferências da coletividade quanto à intervenção do governo em atividades relacionadas à distribuição da Renda Nacional.

De uma posição inicial bastante modesta, na qual lhe cabia apenas a prestação de alguns serviços essenciais à coletividade — tais como justiça e segurança, em que as características especiais de oferta e demanda não induziam o setor privado a produzir —, o papel do governo na economia modificou-se substancialmente. A grande crise de depressão econômica da década de 30 do século XX deu origem a estudos que vieram justificar a necessidade de o governo intervir na economia para combater a inflação ou o desemprego de mão-de-obra. As duas grandes guerras mundiais provocaram alterações definitivas nas preferências da coletividade quanto à necessidade de interferência do governo, visando à promoção do bem-estar social, isto é, uma distribuição de renda mais eqüitativa e uma ampliação das atividades previdenciárias e de assistência social para o atendimento das classes menos favorecidas. No pós-guerra, a preocupação com os problemas de desenvolvimento econômico constituiu-se em outro fator importante para aumentar as atribuições do governo — especialmente em países retardatários na corrida pelo desenvolvimento.

Como resultado dessa evolução, ampliou-se o elenco das atribuições econômicas governamentais. De acordo com a classificação tradicional de Musgrave22, essas atribuições enquadram-se em três grandes categorias:

a) promover ajustamentos na alocação de recursos;

b) promover ajustamentos na distribuição da renda; e

c) manter a estabilidade econômica.

Ajustamentos na alocação de recursos seriam requeridos sempre que não fossem encontradas condições que assegurassem maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis na economia mediante o funcionamento do mecanismo de determinação dos preços no mercado. Os casos mais importantes a serem considerados referiam-se à possibilidade de existência de economias externas, ou a problemas de satisfação de necessidades coletivas. O primeiro era usualmente utilizado para justificar a intervenção do governo em atividades relacionadas à expansão da infra-estrutura econômica. A construção de uma estrada, por exemplo, ao induzir a expansão da atividade econômica em uma região, poderia promover um resultado sobre o nível de Renda Nacional muito superior ao resultado individual do empreendimento do ponto de vista do setor privado. Nesses casos, a rentabilidade do projeto, considerados os efeitos diretos e indiretos sobre a atividade econômica na região, é bastante superior à rentabilidade que resultaria da apreciação isolada do empreendimento. A intervenção do governo visando orientar a aplicação de recursos nesse setor seria, portanto, justificada. 23

O segundo caso refere-se à produção de bens cujas características especiais de demanda tornem o mecanismo de determinação de preços no mercado incapaz de orientar a aplicação de recursos com a finalidade mencionada. Esses bens que, segundo definição de Paul Samuelson24, seriam chamados de “bens públicos”, distinguem-se dos demais principalmente pela indivisibilidade de consumo, isto é, devem ser consumidos por todos, independentemente de manifestação individual de preferências. Exemplos clássicos desse tipo de bem são fornecidos por serviços de 22 MUSGRAVE, Richard A. The theory of public finance. New York: McGraw-Hill, 1959.

23 Um tratamento extenso do problema de análise e cálculo da rentabilidade macroeconômica de projetos de investimento do Governo é encontrado em Edmar L. Bacha e outros. A análise da rentabilidade macroeconômica de projetos de investimento no Brasil. Pesquisa e planejamento. Rio de Janeiro Ipea/Inpes, jun. 1971, v. 1, n 1, p. 35-82.

24 SAMUELSON, Paul. Aspects of public expenditures. In: CAMERON, H. A., HENDERSON, W Public finance selected readings. New York: Random House, 1966.

Page 73: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

73

segurança e justiça. As exigências de manutenção da ordem interna e externa e de defesa nacional constituem uma necessidade coletiva da comunidade. Todavia, na medida em que é impossível avaliar a quantidade desses serviços que é consumida pelos diferentes indivíduos, a determinação de um preço por meio do mercado pelo mecanismo clássico de oferta e demanda torna-se impossível, e, na ausência de um preço de mercado, a alocação de recursos para a produção desses bens por parte do setor privado afigura-se, também, impraticável. Daí a exigência da intervenção do governo com o objetivo de satisfazer a essas necessidades coletivas, utilizando a tributação para obter compulsoriamente os recursos necessários ao financiamento de sua produção.

Um caso intermediário entre os bens públicos definidos e os de mercado seria constituído por bens que, embora passíveis de exploração pelo setor privado, poderiam ser totalmente ou em parte produzidos pelo setor público, tendo em vista os benefícios sociais a eles associados. Tal é, por exemplo, o caso dos serviços de educação e saúde.

Embora passíveis de serem produzidos pelo setor privado, um elevado nível de preços pode impedir, especialmente em países de baixa renda, o acesso de uma parcela substancial dos habitantes aos benefícios resultantes da oferta dos serviços mencionados. Tendo em vista que substanciais economias externas estão associadas à elevação do nível de educação e de saúde da comunidade, a produção desses serviços pelo governo, com caráter gratuito ou a preços subsidiados, é considerada necessária.

Nesse caso, a exemplo dos bens públicos, os recursos necessários à sua produção teriam que ser obtidos por meio da tributação, de forma a repartir os encargos pela comunidade. Musgrave denominou esses bens de “bens meritórios”25 tendo em vista que seria exatamente o caráter de mérito associado a sua produção que justificaria a intervenção do governo com o objetivo de produzir em quantidades superiores àquelas que seriam normalmente produzidas pelo setor privado.

No que se refere à necessidade de ajustamentos na distribuição da renda, é importante notar que, numa economia de mercado, a distribuição do Produto Nacional pelos diferentes habitantes do país está condicionada não só à disponibilidade relativa dos fatores de produção, como também aos respectivos níveis de produtividade. Isso significa que, à medida que critérios puramente econômicos de eficiência são considerados nas decisões relativas à utilização dos fatores de produção, a distribuição da renda gerada pelos habitantes do país pode não ser considerada socialmente aceitável.26

Nesse caso, a correção de desigualdade na repartição do Produto Nacional poderia ser efetuada mediante intervenção governamental. Um dos processos mais utilizados com vista em tal objetivo consiste, exatamente, em utilizar o sistema tributário e a política de gastos governamentais. De um lado, introduzindo maior progressividade nos tributos, de forma a impor um ônus relativamente maior sobre indivíduos de nível de renda elevada, e, de outro, ampliando despesas de transferência que beneficiem direta ou indiretamente (mediante manutenção de serviços gratuitos — Educação e Saúde, por exemplo) as classes de renda mais baixa.

Quanto ao objetivo de manutenção da estabilidade econômica, a preocupação fundamental consiste em controlar o nível agregado de demanda, com o propósito de atenuar o impacto social e econômico de crises de inflação ou depressão. O controle da demanda agregada implica intervir sobre o crescimento das despesas privadas e governamentais de consumo ou de investimento por meio, por exemplo, do controle dos gastos públicos, do crédito e dos níveis de

25 Também chamados de “bens semipúblicos”.

26 Além da redistribuição da renda gerada entre os indivíduos que contribuíram para sua formação, tem papel importante na atividade redistributiva do governo a manutenção de grupos de indivíduos que, por motivos principalmente de idade, não integram a população economicamente ativa do país, e que por esse mesmo motivo teriam rendimento nulo, se critérios puramente econômicos fossem utilizados. Tal é o caso, por exemplo, das atividades relacionadas ao pagamento de pensões e auxílios a aposentados ou à infância.

Page 74: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

74

tributação. Vale a pena notar que problemas de estabilidade econômica são particularmente importantes no caso de economias subdesenvolvidas, na medida em que a manutenção da estabilidade constitui um requisito importante para que seja alcançado o objetivo de manutenção de taxas elevadas de crescimento.

2.1.2.1.2.1.2.1. Crescimento das despesas públicasCrescimento das despesas públicasCrescimento das despesas públicasCrescimento das despesas públicas

a.a.a.a. Hipóteses teóricasHipóteses teóricasHipóteses teóricasHipóteses teóricas

Algumas generalizações sobre o comportamento dinâmico das despesas públicas têm sido formuladas. Entre essas se destacam as contribuições de Adolph Wagner27 e de Peacock e Wiseman28 quanto ao estabelecimento de hipóteses teóricas que expliquem o processo de evolução do setor público. Em ambos os casos, enfatiza-se o problema da identificação dos determinantes da expansão de gastos do governo baseado na análise empírica de dados disponíveis, processo esse que vem-se expandindo substancialmente com base em estudos econométricos.

A contribuição de Adolph Wagner ao estudo do crescimento e das despesas públicas é sintetizada na chamada “Lei de Wagner”, que estabelece a seguinte proposição: “À medida que cresce o nível de renda em países industrializados, o setor público cresce sempre a taxas mais elevadas, de tal forma que a participação relativa do governo na economia cresce com o próprio ritmo de crescimento econômico do país.” As razões apontadas para a formulação de tal hipótese são de três tipos, conforme observa Richard Bird.29

A primeira é relacionada ao crescimento das funções administrativas e de segurança que acompanham o processo de industrialização, inclusive o próprio crescimento do número de bens públicos em decorrência de maior complexidade da vida urbana. A segunda é devida ao crescimento das necessidades relacionadas à promoção de bem-estar social (Educação e Saúde), cuja demanda deveria aumentar com o crescimento econômico do país. A terceira razão é em face do desenvolvimento de condições para a criação dos monopólios, em virtude de modificações tecnológicas e da crescente necessidade de vultosos investimentos para a expansão de alguns setores industriais, cujos efeitos teriam que ser reduzidos por meio de maior intervenção direta ou indireta do governo no processo produtivo.

Embora a “Lei de Wagner” não tenha sido estabelecida com base em verificações empíricas de preferências individuais por bens públicos durante o processo de crescimento, sua argumentação aproxima-se de tentativas recentes de explicar o comportamento da evolução das despesas públicas baseado nos estudos econométricos da demanda dos diferentes componentes da atividade exercida pelo governo. Em praticamente todos os estudos formulados, a renda per capita, a população, a densidade demográfica, o grau de urbanização etc. são destacados como variáveis importantes na análise e determinação do crescimento dos gastos nas diferentes funções exercidas pelo governo. À medida que outros fatores — principalmente demográficos — evoluem juntamente com o próprio crescimento da renda, a demanda global de bens produzidos pelo governo apresenta-se, normalmente, com elasticidade-renda superior à unidade, o que comprova, em parte, a proposição estabelecida anteriormente. É necessário enfatizar, todavia, que a hipótese formulada se refere ao crescimento dinâmico da participação do governo em um mesmo país e não pode evidentemente ser comprovada com base em comparações internacionais que utilizem a relação despesas governo/PIB em um ponto do tempo para diferentes países30.

27 A contribuição de Wagner é resumida por BIRD, Richard. The growth of government spending in Canada. Canadian Tax Papers. Toronto: Canadian Tax Foundation, 1970. v. 51.

28 PEACOCK, Alan T., WISEMAN, Jack. The growth of public expenditure in the United Kirigdom. Princeton : Princeton University Press, 1970.

29 BIRD, Richard. Op. cit. p. 70.

30 Esse ponto também foi notado por BIRD, Op. cit. p. 76.

Page 75: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

75

Peacock e Wiseman, por outro lado, abordam o problema de crescimento das despesas públicas por um ângulo completamente diferente. Para eles, o crescimento dos gastos totais do governo em determinado país é muito mais uma função das possibilidades de obtenção de recursos do que da expansão dos fatores que explicam o crescimento da demanda de serviços produzidos pelo governo. Isto é, o crescimento das atividades do governo é limitado pelas possibilidades de expansão da oferta, e estas, por seu turno, limitadas pelas possibilidades de incremento na tributação.

Os indivíduos, segundo Peacock e Wiseman, teriam, assim, comportamento diferente quanto à demanda de bens produzidos pelo governo e quanto à disposição de contribuir com os recursos necessários à produção desses mesmos bens. Em períodos normais, a resistência à elevação da carga tributária seria suficiente para impedir um crescimento dos gastos, a despeito da pressão exercida pelo crescimento da demanda. Esta, por sua vez, se faria sentir quando grandes perturbações de natureza política ou socioeconômica — tais como as grandes guerras mundiais — contribuíssem para aliviar a mencionada resistência ao incremento na tributação. Este, tornado efetivo, elevaria imediatamente o total de gastos aos novos níveis permitidos pelo incremento na disponibilidade de recursos. Esse efeito de fatores exógenos sobre o comportamento dos gastos foi chamado de “efeito translação”, reconhecido pelos autores como o principal fator a explicar o processo evolutivo das despesas governamentais com base na análise empírica da experiência da Grã-Bretanha.

Além das guerras mundiais, períodos de grande depressão econômica, como a década de 30 do século XX, ou de acentuado processo inflacionário têm sido mencionados como fatores capazes de provocar o “efeito-translação” referido. O caso da inflação é típico e interessa de perto à experiência brasileira e de outros países em processo de desenvolvimento. À medida que os indivíduos sofram de ilusão monetária, o limite à expansão dos gastos imposto pela resistência a aumentos na carga tributária pode ser superado utilizando a inflação como um substituto para aumento dos tributos. Nesse caso, a expansão dos gastos é financiada com a emissão de papel-moeda, pelo mecanismo normalmente chamado de “poupança forçada”. Como o processo só funciona enquanto persistir a ilusão monetária, e como esta tende a desaparecer à medida que perdura a inflação, o efeito sobre o nível relativo das despesas do governo no produto é transitório, assumindo, assim, as características do “efeito-translação” citado.

Além do “efeito-translação”, Peacock e Wiseman identificam outro efeito importante no processo de crescimento dos gastos do setor público: o “efeito-concentração”. Este se refere à tendência à progressiva concentração das decisões em níveis mais elevados de governo, concomitantemente com a própria expansão da participação do governo na economia. Essa centralização das decisões — que não significa necessariamente centralização dos gastos — tem sido grandemente observada em países de organização federal de governo, nos quais o mecanismo decisório é progressivamente centralizado nas mãos do Governo Federal, ao mesmo tempo em que a execução direta é atribuída aos governos locais. As razões principais para a ocorrência do fenômeno mencionado estão basicamente associadas ao objetivo simultâneo de centralização das decisões para compatibilizar os problemas de política fiscal com a formulação geral de política econômica, e de descentralização das atividades executivas para aumentar a eficiência da atuação do governo.

Para a análise secular do crescimento das despesas públicas, as contribuições teóricas mencionadas parecem complementar-se na tentativa de generalização de princípios que explicam o processo de crescimento das atividades do setor público. De um lado, a análise de Wagner enfatiza a renda per capita como principal variável a explicar a expansão da demanda de bens produzidos pelo governo. De outro, Peacock e Wiseman estabelecem que o crescimento do setor público, em que pese o crescimento da demanda, estaria limitado pelas possibilidades de expansão da oferta, a qual, por sua vez, é limitada pela possibilidade de crescimento da tributação. Isso significa que, embora em longo prazo a participação das despesas do governo na Renda Nacional cresça, o processo de crescimento não deve apresentar-se harmônico, mas obedecer a um padrão alternado de períodos de relativa estabilidade com outros de rápido crescimento.

Page 76: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

76

b.b.b.b. A experiência brasileiraA experiência brasileiraA experiência brasileiraA experiência brasileira

Uma boa aproximação do caso brasileiro às formulações teóricas apresentadas anteriormente é proporcionada pela análise dos dados disponíveis. De acordo com essas informações, reunidas no Gráfico 1.1, a expansão dos gastos públicos assumiu proporções consideráveis no período 1948/1994. O total de despesas do setor público, excluindo empresas do governo, cresceu cerca de oito vezes em termos reais. Em relação ao PIB, as despesas expandiram-se de cerca de 17% em 1948 para 19% em 1950, crescendo para 20,6% em 1953, e situando-se acima de 21% em 1957 e 1958, e ao redor de 20% nos demais anos, até 1961. A partir de 1962, elevam-se para 21% do PIB, até 1967, quando experimentam novo salto: 22% em 1967 e 1968, 23% em 1969 e 26% em 1970, ficando em 24% em média nos anos 70. Nos anos 80, as despesas públicas atingem novo patamar, chegando a 28% do PIB em 1984. Na segunda metade da década de 80, as despesas públicas atingem a média de 39% do PIB. Até 1993, as despesas permanecem acima de 40%, exceto em 1990 (32%), caindo em 1994 para 26%.

Gráfico I Gráfico I Gráfico I Gráfico I ---- Participação da despesa total do setor públi Participação da despesa total do setor públi Participação da despesa total do setor públi Participação da despesa total do setor público brasileiro no PIB co brasileiro no PIB co brasileiro no PIB co brasileiro no PIB ———— 1948/ 1994. 1948/ 1994. 1948/ 1994. 1948/ 1994.

Fontes: FGV e IBGE.

Em particular, a ocorrência do “efeito-translação” a que se refere o estudo de Peacock e Wiseman é notada particularmente nos períodos 1955/1960 e 1965/ 1969. No primeiro caso, a política desenvolvimentista, com a utilização do mecanismo inflacionário para financiamento da expansão dos gastos públicos, teria sido o principal fator a explicar o rápido crescimento exigido pela disposição de acelerar o ritmo de crescimento econômico do país. Tal fato pode ser, inclusive, observado com base no exame dos dados apresentados na Tabela 1.2. Entre 1955 e 1960, o total do déficit do governo financiado praticamente em sua totalidade por emissão de papel-moeda elevou-se de 0,7 para 2,8% do PIB, fazendo com que, nesse mesmo período, o total de recursos disponíveis para aplicação pelo setor público se elevasse de 16,4 para 22,8%.

No intervalo 1960/1963, em que pese a continuidade no crescimento da relação déficit/PIB (atingindo 4,3% em 1962), o total de recursos disponíveis manteve-se estável, devido à redução na arrecadação tributária. Nesse período, a continuidade do processo inflacionário teria acabado com os possíveis efeitos da ilusão monetária sobre a disponibilidade real de recursos para o setor público por meio da utilização do mecanismo de emissão.

A partir de 1964, a disposição do governo de promover o crescimento econômico simultaneamente com a estabilidade do nível de preços modificou substancialmente a política de financiamento dos gastos. A redução do déficit, tornada imperiosa pela política antiinflacionária, exigia, em contrapartida, elevação da carga tributária, de forma a não reduzir o total de recursos disponíveis para aplicação pelo setor público, tendo em vista não comprometer o objetivo

Page 77: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

77

simultâneo de promover o crescimento da economia. Novamente, condições excepcionais, que poderiam ser enquadradas nas perturbações sociais consideradas como capazes de alterar a disposição dos indivíduos quanto à aceitação de incremento nos níveis de tributação, contribuíram para tomar possível o incremento necessário na carga tributária. Entre 1963 e 1969, a carga tributária elevou-se de 18,0 para 27,9% do PIB, elevação essa parcialmente utilizada para reduzir a participação do déficit no PIB a níveis inferiores àqueles existentes em 1956. A elevação total nos recursos disponíveis (22,2% do PIB, em 1963, para 27,7%, em 1968) foi bastante inferior à elevação total da carga tributária, conforme pode ser observado na Tabela 1.2.

É importante notar que, nesse período, o “efeito-translação” não foi totalmente evidenciado mediante simples observação do crescimento da relação despesa/PIB. Sua importância só fica perfeitamente caracterizada com a observação apresentada sobre a alteração na estrutura do financiamento.

No início da década de 70 do século XX, o preço do petróleo quadruplicou, trazendo dificuldades para as contas externas. Com a farta disponibilidade de recursos no mercado internacional, o governo manteve a política de crescimento econômico, com a continuidade de grandes investimentos públicos, em que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) foi o grande símbolo. A manutenção da carga tributária em patamar elevado, as baixas taxas de juros e o esforço de ajuste fiscal iniciado no final da década de 60 trouxeram superávit público em alguns anos da década de 70 do século XX, até 1977. Em 1978 e 1979, registraram-se pequenos déficits.

Na primeira metade dos anos 80 do século XX, as despesas públicas aumentaram consideravelmente, em especial as despesas com juros (em decorrência do aumento do endividamento nos anos 70 do século XX e da elevação da taxa de juros americana) e com a previdência social, sem o correspondente aumento das receitas. Além disso, prosseguia a política de investimentos públicos, notadamente em exploração de petróleo e na substituição de importações de insumos básicos e nas atividades voltadas à exportação (Carneiro & Modiano, 1990). Em conseqüência, o déficit público cresceu substancialmente. Note-se que esse período corresponde ao último governo do período militar, com a oposição fortalecida, sendo difícil o aumento da carga tributária.

A segunda metade dos anos 80 do século XX marca-se pela explosão do déficit público, embora a carga tributária tenha elevado-se. Em parte, o crescimento do déficit deve-se à aceleração da taxa de inflação, que eleva o valor nominal da dívida e, em conseqüência, o pagamento de juros. Nesse período, poder-se-ia falar no efeito-translação para explicar o crescimento dos tributos: a sociedade estaria disposta a pagar mais impostos em prol da consolidação da recém-restabelecida democracia. Note-se que a receita tributária saltou de 22,9% do PIB em 1985 para 28,3% em 1989.

Na primeira metade dos anos 90 do século XX, a receita tributária permanece em torno de 30% do PIB. É um período conturbado da história política e econômica do país. O primeiro Presidente da República eleito após mais de 25 anos sem eleições diretas renuncia, para não sofrer um inevitável impeachment. Sua política econômica foi marcada pela tentativa controvertida de controle da inflação, bem-sucedido apenas nos primeiros meses. Titulares de ativos financeiros, incluindo conta corrente e caderneta de poupança, foram impedidos de sacá-los por 18 meses. Houve superávit em 1990, em parte pelo controle do gasto público, mas na maior parte pela redução da inflação. Note-se, também, que esse ano é atípico em termos de receita tributária, que atinge 33% do PIB31.

31 Certamente, a redução do chamado efeito Tanzi (perda de arrecadação causada pela inflação em razão da defasagem de tempo entre o fato gerador do tributo e o efetivo recolhimento pelo governo).

Page 78: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

78

Tabela II Tabela II Tabela II Tabela II ---- Participação dos recursos do setor público no PIB Participação dos recursos do setor público no PIB Participação dos recursos do setor público no PIB Participação dos recursos do setor público no PIB ———— 1947/1994. 1947/1994. 1947/1994. 1947/1994.

Fontes: FGV (até 1973) e IBGE — Departamento de Contas Nacionais (1974 em diante).

2.2.2.2.2.2.2.2. Determinantes das despesas públicasDeterminantes das despesas públicasDeterminantes das despesas públicasDeterminantes das despesas públicas

a.a.a.a. Falhas de mercadoFalhas de mercadoFalhas de mercadoFalhas de mercado

No mundo real, mercados perfeitamente competitivos são raros, existindo falhas de mercado que justificam a intervenção do governo. São exemplos mais comuns de tais falhas a existência de bens públicos, de externalidades, de participantes do mercado com grau elevado de influência sobre os preços e a quantidade produzida e de assimetria de informações.

Page 79: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

79

b.b.b.b. Bens PúblicosBens PúblicosBens PúblicosBens Públicos

Bens públicos puros possuem duas características: a não-rivalidade e a impossibilidade de exclusão de seu consumo. O exemplo mais acabado é a defesa nacional, cujo consumo é claramente não rival e não exclusivo. O regresso de um brasileiro que estava no exterior não diminui a defesa nacional dos que já estão e não seria possível ao governo excluir esse cidadão de usufruir da defesa das fronteiras do país. Com tais características, esses bens são insuficientemente ofertados pelo mecanismo de mercado, visto que não há incentivo para uma empresa ofertar um bem que pode ser consumido por qualquer um sem nenhum pagamento, já que é impossível excluir alguém do consumo. Por essa razão, bens públicos são geralmente ofertados pelo governo.

Além dos bens públicos puros, há os bens semipúblicos, que possuem parte das características dos bens públicos. Há quem os classifique como bens meritórios, isso justificando a atuação do governo no fornecimento de tais bens. A educação é um bom exemplo: até determinado limite, não há diferença se em uma sala de aula entra um novo aluno, ou seja, não há rivalidade no consumo do serviço (a aula). Há, todavia, capacidade de facilmente excluir alguém do consumo, o que a enquadra, assim, na categoria de bem semi-público. A atuação do governo dar-se-ia pelo mérito intrínseco que a educação possui.

É raro encontrar bens públicos que atendam completamente às características de não-rivalidade e não-exclusividade. O que há em geral é um contínuo em que uma parte maior ou menor dessas características é observada.

O crescimento populacional exerce efeito direto sobre o volume de bens públicos e semipúblicos. Maior número de habitantes implica a necessidade de crescimento dos serviços de segurança, o aumento do número de escolas, a ampliação dos serviços assistenciais e de saúde pública etc. Se esse crescimento populacional faz-se ainda acompanhar por incrementos mais que proporcionais na população urbana e por um alargamento da base da pirâmide etária, como é provável em países em processo de desenvolvimento, os efeitos sobre as necessidades de expansão dos bens públicos e semipúblicos são ainda, provavelmente, mais acentuados. Incrementos na urbanização aumentam a demanda de serviços urbanos (ruas, praças, trânsito, saneamento, polícia, bombeiros etc.) e ampliam mais que proporcionalmente, para dado crescimento populacional, as necessidades de escolas, hospitais, creches, ambulatórios etc.

Por outro lado, modificações na estrutura etária da população tendem a reforçar ainda mais a demanda de serviços culturais e assistenciais. Se as alterações implicam aumento da população jovem (alargamento da base da pirâmide), o efeito será maior sobre a necessidade de gastos em escolas, assistência médica, ambulatórios especializados etc. Se a modificação se refere a aumento da população inativa por idade elevada, ampliam-se as necessidades de gasto de transferência com pensões, aposentadorias etc.

Além do crescimento da demanda de bens públicos e semipúblicos referidos, outra causa importante da necessidade da expansão de gastos governamentais com a manutenção dessa atividade relaciona-se à própria ampliação do número desses bens à medida que o país se desenvolve. Em primeiro lugar, a elevação do nível de renda per capita e do padrão de vida da população amplia o tempo disponível para o lazer, o que implica criar demanda de novos tipos de bens públicos: museus, parques, jardins, praias etc. Segundo, o próprio processo de crescimento econômico tem provocado deseconomias externas que implicam a necessidade de manutenção de novos serviços pelo governo. Caso típico consiste na poluição do meio ambiente que acompanha o processo de industrialização e que vem criando um novo tipo de obrigação para o governo: o controle da poluição e a preservação do meio ambiente.

c.c.c.c. ExternalidadesExternalidadesExternalidadesExternalidades

As externalidades implicam custo e benefício sociais diferentes do custo e do benefício privados, O sistema de preços reflete apenas os custos e os benefícios privados, sendo necessária a presença do governo para incorporar as externalidades ao custo privado, mediante, por exemplo, a

Page 80: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

80

tributação ou incentivo fiscal. Por exemplo: um fabricante que polui o ar de uma cidade, piorando a qualidade de vida dos moradores. Ele não incorporará em seus custos o malefício que causa; lá estarão apenas seus insumos, como matéria-prima e mão-de-obra, não constando os gastos dos vizinhos com remédios ou purificadores de ar em conseqüência do ar poluído. Caso os moradores não consigam entrar em acordo com o dono da fábrica, o que muitas vezes não ocorre, porque um dos lados é muito mais forte que o outro, o governo precisa intervir, aplicando uma multa ou uma taxa ao fabricante e destinando seu produto aos moradores como forma de compensação32.

Dessa forma, o custo privado elevar-se-ia, aproximando-se do custo social. Há também o caso de externalidades positivas que podem demandar a intervenção do governo para que não haja uma sub-oferta. Por exemplo: alguém planta uma árvore em frente de sua casa com o intuito de obter sombra para estacionar seu carro. Mesmo que a sombra eventualmente beneficie vizinhos, na conta do que plantou a árvore só está o benefício privado, que, neste caso, é menor que o social. O governo pode aumentar o benefício privado mediante a distribuição de mudas ou descontos de taxas para moradores que plantem árvores.

d.d.d.d. Poder de merPoder de merPoder de merPoder de mercadocadocadocado

A existência de produtores e consumidores atomizados, tomadores de preços, não é comum no mundo real. O que há, em geral, é uma forma de competição imperfeita, como o monopólio e o oligopólio. Essas estruturas de mercado fazem a produção ser menor que na de concorrência perfeita e o preço mais elevado, muitas vezes prejudicando os consumidores. O papel do governo é então limitar o poder de mercado das firmas, mediante as várias formas de regulação existentes: fixação de preço máximo, de lucro máximo, estímulo à concorrência, seja com incentivos diretos à instalação de competidores, seja pela limitação de fusões.

No Brasil, com a privatização dos serviços de utilidade pública — Telecomunicações e Energia Elétrica —, o governo criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com o intuito de regular as atividades desses setores, por natureza pouco competitivos e que prestam um serviço essencial à população. Também com a função de regular o mercado há diversos órgãos do governo, como o CADE e a Secretaria de Direito Econômico.

e.e.e.e. Informação assimétricaInformação assimétricaInformação assimétricaInformação assimétrica

Freqüentemente, há assimetria de informação no mercado, com fabricantes ou outros vendedores dispondo de muito mais informações sobre os produtos que produzem ou comercializam que os consumidores. Estes devem ser informados, por exemplo, dos componentes químicos de um alimento ou medicamento que consomem. Muitas vezes, são necessárias leis especificando o que deve ser informado pelos fabricantes, sob pena de a informação disponível ao consumidor ser deficiente. Da mesma forma, há leis obrigando o sistema financeiro a informar que taxa de juros se cobra dos consumidores e o preço total a prazo. O papel do governo é tentar mitigar a assimetria de informação por meio de leis e de fiscalização sobre as informações de que todo consumidor deve dispor.

3.3.3.3. DO ESTADO PROVEDOR ADO ESTADO PROVEDOR ADO ESTADO PROVEDOR ADO ESTADO PROVEDOR AO ESTADO REGULADORO ESTADO REGULADORO ESTADO REGULADORO ESTADO REGULADOR Um dos aspectos mais enfatizados no debate recente sobre a reforma do Estado na

América Latina é o que aponta para uma profunda mudança na natureza de suas atribuições. Após várias décadas de convivência com um Estado que absorvia grande parte das responsabilidades pela provisão de bens a serviços, ganha corpo, em vários países da região, a proposta de reforçar sua função reguladora, em decorrência dos novos desafios impostos pelo avanço da privatização.

32 O Teorema de Coase (ver COASE, R. The problem of social cost. Journal of Law and Economics 3, 1960), segundo o qual o resultado das negociações entre as partes será eficiente, se houver baixo custo de negociação e possibilidade de ganhos para ambos os lados.

Page 81: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

81

A rigor, a privatização é o fator novo que aviva o debate sobre a regulação, mas não é o único aspecto a ser considerado. É preciso levar em conta que as mudanças necessárias no papel do Estado relacionam-se a um conjunto mais amplo de transformações que sacudiu o mundo nesse final de século, tanto no cenário político, quanto no econômico, e que está a exigir profundas mudanças de atitudes e de métodos com respeito ao relacionamento entre Estados e entre eles e suas sociedades.

A globalização financeira, a abertura comercial, a privatização de empresas públicas, a formação de blocos regionais, o fortalecimento dos poderes locais (descentralização) alteram radicalmente o contexto no qual se situavam as estratégias de desenvolvimento dos países da região, exigindo, em contrapartida, profunda revisão do papel a ser desempenhado pelo Estado nesse momento.

Não se trata, portanto, apenas de regular os novos mercados que emergirão do processo de privatização. Trata-se, também, de re-regular outros aspectos importantes da vida econômica, em particular, os referentes às relações internacionais. Discute-se, por exemplo, nos foros internacionais, o problema de regulação dos mercados financeiros e a necessidade de maior controle sobre os fluxos internacionais de capitais para evitar a ocorrência de crises provocadas pela alta volatilidade desses fluxos. Novas instituições são criadas para arbitrar conflitos no comércio internacional. Problemas ambientais, tráfico de drogas e segurança firmam-se cada vez mais na agenda internacional e exigem novos esforços de cooperação.

No plano doméstico, a abertura comercial cria a necessidade de se repensarem os mecanismos de defesa da concorrência. A queda das barreiras tarifárias não significa o fim de práticas restritivas ao livre intercâmbio de mercadorias e serviços, nem o abandono de conhecidas práticas desleais de comércio. De outra parte, as exigências da competitividade demandam nova postura diante do processo de fusão e incorporação de empresas, em face da importância da escala produtiva para a preservação de padrões de competitividade compatíveis com os apresentados por grandes conglomerados internacionais.

A transformação do Estado provedor em um Estado regulador traz importantes desafios para os países da região. É preciso modificar a cultura burocrática, estabelecer novos padrões de gerenciamento das políticas públicas, instituir novas formas de parceria e de controle social. É preciso, acima de tudo, aumentar a transparência das ações do governo, pois, embora a privatização reduza o dispêndio público, a regulação impõe custos sociais que nem sempre são facilmente percebidos. Quanto maior for o espectro de questões a serem objeto da regulação, maior será a transferência para o setor privado de custos até então suportados pelo governo, o que irá exigir maior rigor na aferição de seus benefícios33.

No Brasil, o debate sobre a necessidade de regulação enfrenta as dificuldades decorrentes da inexperiência nessa matéria. Após várias décadas de predominância da intervenção direta do Estado na vida econômica e social do país, as entidades públicas encarregadas da produção de mercadorias e da prestação de serviços tornaram-se mais poderosas do que os órgãos que supostamente deveriam controlá-las. O conhecimento técnico especializado migrou da Administração Pública para as empresas estatais e outras entidades dotadas de autonomia gerencial e financeira, gerando uma situação na qual o concessionário assumia, na prática, as atribuições do poder concedente.

Duas áreas são, pois, prioritárias no Brasil com respeito à regulação. Primeiro, a que se refere aos novos mercados que advirão do processo de privatização: a infra-estrutura e de serviços urbanos. Segundo, a que se volta para a instituição e a operação de mecanismos eficazes de defesa da concorrência, tanto no mercado interno, quanto no internacional.

33 Reportagem recente (The Economist, 27 July 1996) estima que o custo da regulação imposta pelo Governo norte-americano já alcança montante equivalente a 47% do orçamento federal daquele país.

Page 82: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

82

Algumas questões importantes predominaram no debate sobre a regulação no Brasil na primeira metade dos anos 90, com maior intensidade a partir da aprovação das emendas constitucionais que quebraram o monopólio do Estado na infra-estrutura. Entre essas, convém destacar:

a. A questão da autonomia do órgão regulador;

b. A questão da representatividade dos interesses envolvidos;

c. A questão da expansão; e

d. A questão da eqüidade.

A autonomia do órgão regulador é um dos focos principais do debate. A tese de que os membros da comissão reguladora devem gozar de ampla autonomia, dispondo de mandato fixo e não podendo ser demitidos ad nutum, precisa ser examinada com maior rigor, em face das particularidades que o caso brasileiro encerra. Em primeiro lugar, é preciso analisar a natureza das atribuições do órgão regulador, em face do alcance e do ritmo geograficamente diferenciados da privatização e suas implicações sociais.

Os limites da autonomia precisam ser demarcados à luz das preocupações mais gerais com o planejamento setorial e a formulação de políticas voltadas para a expansão e modernização dos setores que estão sendo privatizados. Além disso, o impacto inicial da privatização sobre as desigualdades regionais e sociais requer cautela e preocupação por parte do governo, para evitar conflitos que possam comprometer o próprio avanço do processo.

A separação de funções é uma alternativa a ser contemplada, mas que envolve distintos problemas de coordenação. Mantido o planejamento setorial na esfera do governo, como conciliar a autonomia do órgão regulador com a preservação de algum grau de interferência do setor público em questões estratégicas para o país, como por exemplo, a tarifária? Como a privatização deverá avançar a ritmos geograficamente diferentes, como administrar a convivência de empresas públicas e privadas em um contexto de articulação do poder público com o órgão regulador? Tendo em vista a importância social de alguns serviços a serem privatizados, como o saneamento, por exemplo, como evitar que a privatização acarrete um aumento na exclusão de um expressivo contingente de usuários em potencial do acesso aos serviços?

A questão da autonomia não pode, pois, ser vista de forma dissociada das demais. Ela liga-se, desde logo, à questão da representatividade. E ponto pacífico que a administração dos órgãos reguladores deve ser cometida a um colegiado, mas a composição desse colegiado é objeto de controvérsia. Para uns, o colegiado deveria ser composto por representantes dos três principais interesses envolvidos: governo, produtores e usuários, em uma composição paritária e tripartite. Para outros, o colegiado deveria ser composto por profissionais independentes, de notória especialização e familiaridade com o tema, de modo a preservar maior independência em relação aos interesses envolvidos.

Claro está que a divergência com respeito à composição do colegiado relaciona-se às atribuições do órgão regulador. Como a estabilidade das regras — em especial a questão tarifária — é crucial para o processo da privatização, a preocupação com a não-ingerência política nas decisões do órgão regulador é um aspecto central do problema. Nesse sentido, um colegiado de notáveis teria maior chance de desempenhar bem esse papel. Com atribuições mais restritas, a independência de opiniões dos membros do colegiado poderia ser mais facilmente aceita, e a tese da autonomia do órgão regulador poderia ser mais bem assimilada.

Os limites da autonomia do órgão regulador e de seu colegiado são dados pelo enorme desafio da expansão e modernização da infra-estrutura e sua importância para o desenvolvimento do país. Essa é uma questão que usualmente não se apresenta nos casos usados como referência para a análise da situação brasileira — a experiência européia e, em particular, a britânica —, pois ali se tratava de situações nas quais a infra-estrutura já estava usualmente construída, enquanto no caso brasileiro boa parte dela ainda está por construir. Nessas condições, a privatização não

Page 83: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

83

significa uma retirada do setor público das áreas que estão sendo privatizadas, mas uma nova forma de convivência entre ambos — público e privado —, cabendo ao primeiro grande dose de responsabilidade com respeito ao planejamento e aos investimentos com vista em evitar indesejável agravamento das disparidades regionais.

A conciliação entre a autonomia do órgão regulador e a preservação de alguma forma de ingerência estatal passa por uma visão abrangente do problema. Uma política de expansão e modernização da infra-estrutura, preocupada com um desenvolvimento espacialmente mais equilibrado, não pode ater-se a visões setoriais do problema. E preciso considerar que o equilíbrio na oferta de energia, de transportes, de telecomunicações, de serviços urbanos é indispensável para que o adequado aproveitamento das potencialidades de desenvolvimento de cada região o país seja alcançado.

A observação anterior nos remete à discussão da necessidade de adicionar um enfoque global à questão da regulação da infra-estrutura. Nesse caso, as preocupações governamentais com o papel da infra-estrutura na nova estratégia do desenvolvimento do país poderiam ser mais bem atendidas mediante clara distinção entre as atribuições do órgão regulador setorial e as responsabilidades mais gerais do poder público. Isso significaria instituir uma instância deliberativa maior, apoiada em um colegiado próprio, com as responsabilidades de definir políticas para o setor, estimular e apoiar programas integrados de investimentos e incentivar parcerias com a iniciativa privada em áreas que não apresentarem condições imediatas propícias de rentabilidade.

A preocupação social, principalmente no caso dos serviços urbanos, também não pode ser ignorada. Aqui, o desafio está em assegurar que a remuneração do capital privado investido em saneamento e transporte urbano seja preservada, ao mesmo tempo em que sejam ampliadas as possibilidades de acesso da população baixa renda a esses serviços. O Brasil tem razoável experiência na área de transportes urbanos — majoritariamente explorado pela iniciativa privada, — mas nenhuma na área de saneamento (água e esgotos).

Nesses casos, a experiência mostra que nem a primazia do setor privado (transporte) nem a predominância estatal (saneamento) produziram resultados satisfatórios do ponto de vista do acesso da população pobre a esses serviços, revelando que o problema não está na propriedade dos serviços, mas na ausência de uma política integrada para lidar com o problema da exclusão social. Assim, não é a privatização em si que é objeto de preocupação, mas a ausência de políticas eficazes para lidar com esse problema.

Cabe acrescentar que a questão da composição e da autonomia dos órgãos reguladores também depende do objeto da regulação. A maioria das questões anteriormente levantadas refere-se ao debate sobre a regulação dos serviços que estão sendo privatizados, em especial os de infra-estrutura. Outras áreas prioritárias, como as relacionadas à competitividade doméstica e internacional, ainda estão em fase incipiente de reformulação, em que pesem as pressões por avanços mais rápidos nessa direção.

3.1.3.1.3.1.3.1. Responsabilidades do Estado e tamanho do governoResponsabilidades do Estado e tamanho do governoResponsabilidades do Estado e tamanho do governoResponsabilidades do Estado e tamanho do governo

Tem-se intensificado, nos últimos anos, a denúncia de que o Estado brasileiro teria expandido-se demasiadamente. Tal assertiva sustenta-se na constatação de que a carga total de tributos exigidos da sociedade voltou a crescer nos anos 90, após ter declinado na década anterior, retornando ao patamar de 30% do PIB em que se situava no auge do intervencionismo estatal dos anos 70.

Comparações internacionais reforçam o argumento. Em relação a países do mesmo nível de desenvolvimento, o Brasil estaria exigindo um sacrifício muito maior de seus cidadãos, deles extraindo compulsoriamente recursos equivalentes aos recolhidos pelos governos de países muito mais adiantados, para oferecer-lhes, em contrapartida, serviços da qualidade dos encontrados em regiões mais pobres do planeta.

Page 84: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

84

Como de hábito, o debate sobre esse tema é pontuado por posições que mal disfarçam opiniões preconcebidas. Não só a escolha dos indicadores que medem o tamanho do Estado encerra aspectos que podem distorcer comparações, como a apreciação de seu tamanho não pode ser feita isolada da análise de suas funções.

A relação entre as funções do Estado e seu tamanho é complexa. Às clássicas funções do Estado sobrepõem-se aspectos culturais, históricos, sociais e políticos que evoluem ao longo do tempo, alterando a intensidade e a natureza das demandas da sociedade por maior ou menor intervenção do Estado na vida socioeconômica de um país. Em economias de mesmo tamanho, as necessidades de atuação estatal sofrem a influência de desigualdades regionais e sociais, cuja correção não dispensa a ação coletiva voltada para a eliminação dos fatores que concorrem para a preservação dessas disparidades.

A retirada do Estado das atividades tipicamente produtivas, com o avanço da privatização, não acarreta, necessariamente, uma redução no papel e no tamanho do Estado, mas uma mudança em suas prioridades. A experiência dos países da OECD a esse respeito é bastante elucidativa. Apesar da privatização, a relação entre o gasto público e o PIB dos países que integram essa organização manteve-se no patamar alcançado previamente, indicando que os ganhos decorrentes do menor intervencionismo estatal na economia teriam sido absorvidos pelas crescentes exigências de sustentação dos programas sociais.

Nos países industrializados do Ocidente, a expansão do Estado do Bem-Estar Social foi o motivo principal do contínuo incremento das necessidades financeiras do Estado. Parte substancial da carga tributária de países como a Suécia, a Alemanha e a França destina-se à sustentação dos programas de proteção dos riscos sociais associados à doença, à velhice, à invalidez e ao desemprego.

A absorção pelo Estado moderno de responsabilidades sociais que historicamente eram atendidas no seio das famílias cresceu em sintonia com a urbanização, a participação feminina no mercado de trabalho e a quebra da estrutura familiar. O retorno ao passado é improvável, mas a busca de novas formas de solidariedade social, sustentadas em parcerias do Estado com a sociedade, podem reduzir a necessidade da mobilização compulsória de recursos pelo Estado, e é um dos caminhos que vêm sendo insistentemente apontados para manter o tamanho do Estado em níveis aceitáveis.

À diferença dos países industrializados, o Brasil encontra-se em uma situação particularmente delicada para lidar com o problema em questão. Aqui, trata-se de reformar o Estado, e rever suas funções, num contexto em que a universalização do acesso a direitos sociais básicos está longe de ser alcançada, e em que a crise fiscal dita a velocidade e a profundidade das mudanças que devem ser processadas. Por isso, é fundamental aprofundar o debate sobre os diferentes aspectos envolvidos, para evitar maiores danos ao objetivo de construir uma nação justa e desenvolvida.

a.a.a.a. É excessivo o tamanho do Estado brasileiro?É excessivo o tamanho do Estado brasileiro?É excessivo o tamanho do Estado brasileiro?É excessivo o tamanho do Estado brasileiro?

A observação ligeira de alguns indicadores usualmente utilizados para medir o tamanho do Estado pode conduzir a uma resposta afirmativa à questão aqui formulada. De fato, o tamanho de nossa carga tributária é significativamente maior do que a apresentada por outros países nos quais a renda per capita é igual ou maior do que a nossa. Esse julgamento apressado merece, todavia, maior atenção.

Na verdade, a aferição do tamanho do Estado não é uma tarefa trivial, uma vez que a forma de atuação do Estado e os instrumentos que ele utiliza variam ao longo do tempo e entre países. A parte mais visível da intervenção é a representada pelo montante de tributos que arrecada, daí o recurso fácil a essa informação para formar juízos e fazer comparações. Há, entretanto, inúmeros fatores que concorrem para distorcer o resultado e as comparações feitas com base em informações sobre o tamanho da carga tributária, como será visto a seguir.

Page 85: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

85

Em primeiro lugar, talvez fosse melhor medir o tamanho do Estado pelo montante de seu gasto e não por uma de suas modalidades de financiamento. Uma baixa carga tributária pode estar associada a altos níveis de inflação ou de endividamento, que constituem opções de financiamento do governo. Pode também revelar preferências por formas indiretas de intervenção, que não requerem aumento de recursos privados depositados nos cofres públicos. Créditos generosos concedidos pelo sistema financeiro, por exemplo, com o beneplácito das autoridades monetárias, podem criar situações artificiais de estímulo a investimentos privados com efeito muito mais poderoso do que o recurso, mais usual entre nós, de concessão de incentivos fiscais.

Informações sobre o gasto público, porém, também não revelam toda a verdade. Todas as formas indiretas de intervenção, a exemplo de renúncias tributárias e subsídios creditícios, não cobertos com recursos do Tesouro, estariam desconsideradas. Além disso, nem sempre é possível saber se estão sendo utilizadas informações que abrangem a totalidade dos órgãos que compõem a estrutura político-administrativa do país ou apenas parte deles.

Além das conhecidas dificuldades para medir, é preciso cuidado para avaliar. Uma carga tributária da ordem de 30% do PIB é alta ou baixa quando comparada com as necessidades do país? Que fatores precisam ser levados em conta nesse julgamento?

Um aspecto que tem sido objeto de exame recente é o de uma possível relação entre o tamanho do governo e o grau de descentralização político-administrativa do país. Em trabalho recente, Fukusaku e Mello Jr.34 utilizam informações relativas a 31 países para analisar a relação entre a descentralização fiscal e a estabilidade macroeconômica, tomando em consideração, também, o tamanho do governo. Os números contidos no estudo em questão, utilizado na construção da Figura IX.1, mostram que o tamanho dos governos sub-nacionais, medido pela relação entre o gasto público dessas esferas e o PIB, apresenta forte correlação positiva com o tamanho de todo o setor público (medido pela carga tributária global).

De forma estatisticamente mais rigorosa, essa mesma relação é demonstrada por Stein,35 que analisa uma amostra de países da América Latina e da OECD para concluir que, “se a diferença entre dois países em termos de grau de descentralização é de 20 pontos de porcentagem, espera-se que o mais descentralizado apresente, em média, um governo cujo tamanho é quatro pontos de porcentagem maior que o dos países mais centralizados”.

E continua:

“Países descentralizados com alto grau de desequilíbrio vertical (isto é, aqueles em que a descentralização sustenta-se em grande volume de transferência de recursos do governo central para os demais) apresentam, em média, governos ainda maiores.”

Interessa notar que, como regimes federativos costumam apresentar grau mais elevado de descentralização, os resultados desses estudos indicam que, sob condições equivalentes, o tamanho do governo seria maior em uma federação do que em um país unitário. Seria tal informação um indicador importante para julgamento sobre vícios a virtudes desses dois regimes?

Se a descentralização político-administrativa acarreta um aumento no tamanho do governo, ela levanta outros aspectos importantes a respeito. Entre outras coisas, a descentralização aproxima governantes e governados, fazendo com que expressão das demandas da sociedade e a disposição do governo em atendê-las encontrem melhor equilíbrio. Nesse caso, o tamanho do governo poderia ser maior, mas a eficiência e a eficácia de sua atuação também o seriam. De outra parte, a descentralização permite lidar melhor com a diversidade de problemas e de situações, o que também é importante para o bom desempenho do governo. É possível dizer, portanto, que a

34 FUKUSAKU, K., MELLO JR., Luiz. Fiscal decentralization and macroeconomic stability: the experience of large developing and transition economies. Democracy, Decentralizarion and Deficits in Latin America. BID/OECD.

35 STEIN, Ernesto. Fiscal decentralization and government size in Latin America. Democracy, Decentrulization and Deficits in Latin America. BID/OECD.

Page 86: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

86

sociedade estaria mais disposta a suportar um Estado maior em situações nas quais seu relacionamento com ele é mais próximo, como é o caso dos regimes mais descentralizados.

Outros fatores que concorrem para que as pressões sobre o Estado brasileiro devam permanecer elevadas ainda por muito tempo são o ritmo e a natureza das transformações demográficas que vêm ocorrendo, bem como as previsões que a respeito se fazem para o futuro. A uma velocidade inimaginável há bem pouco tempo, o perfil populacional do Brasil aproxima-se do padrão europeu e sobrepõe novos desafios em um contexto no qual velhas e pesadas carências ainda estão longe de ser resolvidas.

Visto na perspectiva nacional, o traço marcante das transformações demográficas em curso e das projeções para as duas próximas décadas do novo milênio é o rápido envelhecimento populacional. Estima-se que, no ano 2020, o Brasil terá uma população de idosos quase igual à atual população da Venezuela (cerca de 18 milhões de pessoas com idade superior a 65 anos). Taxas decrescentes de incremento da população jovem reduzirão as necessidades de expansão de serviços a eles direcionados — a atenção materno-infantil, a pré-escola, o ensino básico —, mas ainda não provocarão alívio na pressão por novos postos de trabalho, pois aqueles que irão alcançar a idade de ingresso na força de trabalho, no horizonte temporal dos próximos 20 anos, ainda refletem padrões demográficos do passado. Já as necessidades dos mais velhos, no campo da saúde e da previdência, crescerão a índices cada vez mais expressivos (os Gráficos IX.2 e IX.3 expressam com clareza a magnitude das transformações esperadas no perfil da distribuição da população brasileira segundo as faixas etárias consideradas).

Paralelamente às mudanças no perfil etário, registra-se a continuidade do processo de acentuada urbanização. Cerca de 80% da população brasileira já vive em áreas urbanas, sendo que, mais de terça parte, em cidades com mais de 500 mil habitantes. Nas projeções para o ano 2020, restam apenas 15% da população brasileira nas áreas rurais, menos da metade da população atual das grandes metrópoles.

Se na perspectiva nacional as mudanças demográficas já apontam para alguns problemas, o quadro revela-se ainda mais complexo quando se focaliza o tema na perspectiva regional e nas diferenças de ritmo entre segmentos socioeconômicos da população.

Nas populações cujos rendimentos estão abaixo de qualquer possibilidade de serem encontradas soluções próprias para o atendimento das necessidades básicas, o ritmo de crescimento populacional ainda guarda padrões do passado. No conjunto da população infanto-juvenil, os que pertencem a famílias de baixa renda, que hoje já formam um contingente numeroso, assumirão uma participação crescente. Uma parcela também crescente dos que buscam o primeiro emprego, oriunda dessas famílias, encontrará maiores dificuldades de acesso a ocupações de melhor qualidade, se não tiver oportunidade de melhorar seu desempenho educacional. Como a expectativa de vida aos 65 anos de idade não é muito diferente para os que têm muito pouco e os mais abastados, a saúde e a previdência estatal continuarão sofrendo pressões acentuadas por expansão.

Gráfico Gráfico Gráfico Gráfico IX.2IX.2IX.2IX.2 ---- Pirâmide etá Pirâmide etá Pirâmide etá Pirâmide etária ria ria ria ———— Brasil Brasil Brasil Brasil ———— 1990. 1990. 1990. 1990.

Page 87: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

87

GráficoGráficoGráficoGráfico IX.3 IX.3 IX.3 IX.3 ---- Pirâmide etária Pirâmide etária Pirâmide etária Pirâmide etária ———— Brasil Brasil Brasil Brasil ———— 2020. 2020. 2020. 2020.

Como as manifestações mais graves de pobreza ocorrem nas regiões de menor

desenvolvimento e nas periferias das grandes metrópoles, é aí que as responsabilidades sociais do Estado serão mais exigidas. Tal fato reforça as tendências à descentralização, uma vez que a diversidade de situações nela encontra maiores possibilidades de adaptação.

A perspectiva de que as crescentes responsabilidades de atendimento das demandas da população por soluções que concorrem para um desenvolvimento menos desigual possam ser mais bem resolvidas em regimes mais descentralizados traz de volta a questão do tamanho do Estado. Seria inevitável, levando em conta a relação anteriormente mencionada entre descentralização e tamanho do governo, aceitar, em países marcados por fortes diferenças regionais e sociais, como é o caso do Brasil, a perspectiva de um Estado relativamente maior do que o encontrado em situações nas quais essas diversidades não são tão marcantes?

b.b.b.b. Instituições e tamanho. Que novos caminhos podem ser trilhados para evitar o Instituições e tamanho. Que novos caminhos podem ser trilhados para evitar o Instituições e tamanho. Que novos caminhos podem ser trilhados para evitar o Instituições e tamanho. Que novos caminhos podem ser trilhados para evitar o crescimento do Estado?crescimento do Estado?crescimento do Estado?crescimento do Estado?

Um dos temas mais em voga ultimamente é o das parcerias. De modos distintos, buscam-se novas parcerias entre Estado e diferentes setores da sociedade, voltadas para a mobilização de recursos, a redefinição de propostas e a melhoria gerencial. Caso seja possível ultrapassar o estágio das experiências exitosas, porém localizadas, as parcerias podem vir a ser o caminho para evitar que o avanço da descentralização concorra para preservar um Estado grande.

Na relação entre o tamanho do Estado e o grau de descentralização está implícita a idéia de que os custos da descentralização superam seus benefícios. A sobreposição de hierarquias amplia os custos administrativos, a multiplicidade de instâncias decisórias aumenta a descoordenação, a autonomia para endividamento abre brechas para descontrole na expansão do gasto, a dependência de recursos transferidos do governo central afrouxa os controles da população local, uma vez que boa parte (ou a grande maioria) do gasto não é financiada com tributos locais.

A possibilidade de que a descentralização crie um novo espaço para a construção de parcerias não foi considerada nos estudos mencionados, embora seja bastante plausível. De uma parte, a descentralização permite lidar melhor com as diversidades encontradas em distintos pontos do território brasileiro, no sentido da adoção de propostas e soluções mais ajustadas às realidades locais. De outra, pode trazer reduções substanciais de custo, mediante criação de instrumentos mais adequados a uma gestão eficiente dos recursos e para melhor controle dos resultados.

Cresce, em todo o país, a participação das empresas em ações que até então eram campo quase exclusivo da ação governamental. Distintas iniciativas, como a proposta de elaboração do Balanço Social, já adotada por número expressivo de empresas brasileiras, mostra que a responsabilidade social das empresas vem sendo objeto crescente de atuação. Essa nova realidade permite reforçar a descentralização que ocorre na esfera inter-governamental ampliando-a na dimensão das relações do Estado com a iniciativa privada.

Page 88: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

88

Boa parte dos recursos que financiam as ações dos governos locais percorre um longo caminho — de ida e volta. Tributos recolhidos pelas empresas ao Tesouro Nacional retornam parcialmente à esfera local, mediante repasses e transferências para a cobertura dos serviços prestados à população. Se parte desse caminho puder ser evitado, mediante regras que incentivem a participação direta das empresas no financiamento e na gestão dos serviços prestados à população local de menor poder aquisitivo, a maior eficiência decorrente dessa parceria poderá trazer conseqüências positivas para o objetivo de conciliar a pressão pelo atendimento das necessidades dessas populações, com o objetivo de evitar que isso signifique a preservação de um Estado grande e inoperante.

O compromisso com um desenvolvimento mais justo e regionalmente mais equilibrado requer redobrado esforço da sociedade brasileira para propiciar iguais oportunidades de mobilidade social a todos os seus cidadãos. As enormes carências já acumuladas, com respeito a condições de acesso de expressiva parcela da população brasileira a serviços básicos, somam-se novas demandas provocadas pelo ritmo e pela diversidade das transformações demográficas que estão mudando e vão mudar ainda mais profundamente o perfil da população brasileira.

Para que o compromisso apontado não seja visto como uma responsabilidade exclusiva do Estado, pois isso significaria aceitar que ele não apenas mantenha seu atual tamanho como até mesmo apresente algum crescimento, é preciso soldar amplas parcerias do Estado com o setor privado. Algumas iniciativas importantes nesse sentido vêm sendo tomadas, de escala, porém, ainda limitada.

3.2.3.2.3.2.3.2. Objetivos e alternativas de intervençãoObjetivos e alternativas de intervençãoObjetivos e alternativas de intervençãoObjetivos e alternativas de intervenção

A diversificação dos objetivos da intervenção governamental na atividade econômica, bem como dos instrumentos utilizados, gera possibilidades de conflito e requer um esforço organizado de planejamento e coordenação.

O Gráfico IX.4 reúne os principais objetivos e instrumentos da intervenção. Os objetivos são agrupados em quatro grandes categorias: (1) Satisfação das Necessidades Coletivas; (2) Manutenção da Estabilidade Econômica; (3) Promoção do Crescimento Econômico; e (4) Melhoria na Distribuição da Renda. Por sua vez, do ponto de vista das entidades encarregadas da execução das diferentes atividades, os instrumentos de intervenção podem ser agrupados em duas grandes categorias. De um lado, os que traduzem maior intervenção direta do governo na produção de bens e serviços e no processo de acumulação de capital. Enquadram-se nesse caso as medidas que resultam numa expansão das atividades da Administração Direta e Indireta relacionadas, por exemplo, com a produção de bens públicos, a produção de serviços sociais e investimentos na infra-estrutura econômica. O outro subconjunto desse mesmo grupamento refere-se às atividades exercidas pelas empresas governamentais que atuam principalmente na provisão de Serviços Urbanos e Financeiros.

A intervenção indireta do governo no processo produtivo utiliza medidas que interferem nas decisões de produção do setor privado mediante alteração nos preços relativos. Essa interferência pode-se dar de maneira direta ou indireta. A intervenção direta nos preços lança mão de medidas legais e traduz-se em tabela mentos, quotas ou regulamentação. Por sua vez, o controle indireto resulta da aplicação das chamadas medidas de política econômica, entre elas a política fiscal, a política monetária e a política cambial.

Os preços de determinadas mercadorias, por exemplo, podem ser modificados por meio de uma redução no imposto cobrado sobre o valor da respectiva produção ou mediante recurso ao tabelamento. Da mesma forma, o preço do dinheiro (taxa de juros) pode ser controlado indiretamente mediante variações nos meios de pagamento provocadas por medidas usuais de política monetária ou de forma direta pela fixação de uma ou mais taxas de juros pelo governo. A mesma alternativa estende-se à política cambial, que tanto pode recorrer a uma manipulação direta da taxa de câmbio pelo governo quanto advogar o controle indireto do preço da divisa estrangeira via medidas de estímulo à exportação ou contenção de importações.

Page 89: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

89

Vale a pena notar que, dependendo da opção utilizada, diferentes são os requisitos em termos de necessidade de mobilização de recursos financeiros por parte do governo. Maior intervenção direta do governo na produção implica maior transferência de recursos financeiros (e reais) do setor privado para o público, aumentando a importância de análises das alternativas de financiamento. Ocorre que, quanto maior for a importância relativa do governo como produtor de bens e ser viços — e maior, por conseguinte, for a necessidade de transferência de recursos financeiros —, maiores serão os efeitos indiretos sobre o setor privado que resultam das opções utilizadas para o financiamento dos encargos governamentais.

Por seu turno, a importância relativa de cada uma das principais alternativas de financiamento no total de recursos financeiros mobilizados pelo governo depende também da organização administrativa das atividades governamentais. Quanto maior a centralização administrativa das ações do governo e menor a diversificação da execução de programas públicos, maior deve ser a importância relativa dos tributos no total dos recursos destinados ao financiamento de programas governamentais. Maior importância de órgãos descentralizados e de agências organizadas sob a forma empresarial implica, normalmente, o uso mais intensivo de outras formas de captação, como a instituição de contribuições compulsórias de natureza jurídica não-tributária e a cobrança de preços pela venda de mercadorias e serviços.

3.3.3.3.3.3.3.3. Possibilidades de conflito e necessPossibilidades de conflito e necessPossibilidades de conflito e necessPossibilidades de conflito e necessidades de coordenaçãoidades de coordenaçãoidades de coordenaçãoidades de coordenação

A diversificação de objetivos amplia as possibilidades de conflito e aumenta a necessidade de planejamento e de coordenação na análise de alternativas de intervenção. Particularmente notório a esse respeito é o alegado conflito entre os objetivos de alcançar, simultaneamente, uma taxa mais rápida de crescimento do Produto Nacional e uma melhor repartição dos frutos desse crescimento pelas diferentes camadas da população. Para tanto, admite-se que maior taxa de crescimento depende primordialmente de mais alta taxa de acumulação de capital, e que essa varia diretamente com o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda. Nesse sentido, uma distribuição de carga tributária mais eqüitativa, motivada por objetivos de redistribuição da renda, poderia conflitar com o objetivo de crescimento, se se aceitar a hipótese de que uma medida dessa natureza teria efeito negativo sobre a taxa global de poupança.

Outra possibilidade de conflito, freqüentemente encontrada na literatura, refere-se à compatibilização entre os objetivos de curto prazo e os que demandam um horizonte de tempo mais longo para serem efetivamente observados. De acordo com a distinção usual na análise macroeconômica, supõe-se que os problemas de estabilização econômica sejam essencialmente de curto prazo, enquanto o crescimento e a distribuição de renda encerram basicamente questões de longo prazo. O ponto de partida para essa distinção é a definição do curto e do longo prazo na análise macroeconômica. No primeiro caso, supõe-se constante a capacidade de produção, de tal forma que o nível de renda e o de emprego em determinado período ficam determinados pelo nível de demanda agregada efetiva e variam instantaneamente em face de variações na demanda. No segundo caso, considera-se que tanto aumentos continuados na renda como modificações em sua distribuição dependem fundamentalmente de modificações do lado da oferta, representadas por aumentos na capacidade de produção e/ou por modificações na estrutura produtiva. Por sua vez, modificações na oferta requerem um prazo mais longo para serem observadas, tendo em vista que dependem da realização de novos investimentos e da incorporação de novas técnicas de produção.

Assim, a adoção de medidas que visem controlar a demanda pode resultar em efeitos negativos sobre as perspectivas de expansão da oferta, caracterizando um possível conflito entre a política antiinflacionária e os objetivos de crescimento. Suponha-se, por exemplo, que o governo recorra a medidas tradicionais de política fiscal para combater um surto inflacionário provocado por excesso de demanda global face à capacidade interna de produção. Tais medidas consistem em promover uma redução na renda disponível do setor privado por meio do aumento na carga tributária e uma contenção dos dispêndios governamentais. Reduz-se, em conseqüência, o volume global de investimentos e o ritmo de aumento na capacidade de produção com reflexos negativos futuros sobre a taxa de crescimento.

Page 90: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

90

Ainda um outro exemplo refere-se a possíveis conflitos entre objetivos de estabilidade interna e externa. Considere-se a ocorrência simultânea de uma forte elevação interna de preços e de um acentuado desequilíbrio no Balanço de Pagamentos, caracterizado por um elevado déficit nas transações correntes. Tal déficit poderia ser combatido mediante uma brusca elevação das alíquotas do Imposto de Importação, de forma a desencorajar as importações e re-equilibrar o Balanço de Pagamentos. No entanto, dependendo da natureza dos bens importados, o aumento no imposto pode provocar uma elevação interna de preços maior do que o efeito positivo dessa mesma medida sobre o Balanço de Pagamentos. Isso poderia ocorrer no caso em que a pauta de importações apresentasse uma elevada participação de bens intermediários com baixa elasticidade-preço de demanda; de forma que uma elevação no preço desses produtos repercutiria amplamente sobre os preços dos produtos industrializados no país.

É claro que a ocorrência de conflitos como os mencionados nos parágrafos anteriores depende da verificação de hipóteses teóricas acerca da reação de empresas e indivíduos face a modificações no nível de renda e no sistema de preços provocadas por medidas governamentais. Não obstante, a análise de possibilidades de compatibilização fica sempre na dependência da adoção simultânea de um conjunto de medidas, tal que o saldo líquido, em termos de atingimento dos diferentes objetivos da intervenção governamental na economia, seja positivo. A mistura apropriada de instrumentos é, portanto, uma tarefa que requer esforço acentuado de coordenação de decisões baseado em análise criteriosa dos possíveis efeitos de cada medida sobre os diferentes objetivos da intervenção governamental.

Quanto aos problemas de coordenação, é importante destacar três aspectos:

(1) a Coordenação Macroeconômica, que trata da análise das inter-relações entre instrumentos e objetivos, visando à escolha de uma mistura apropriada de alternativas, de intervenção que satisfaça às prioridades estabelecidas no plano; (2) a Coordenação Administrativa, que analisa a forma como se divide entre os diferentes segmentos da Administração a responsabilidade pela execução dos programas governamentais, assim como os recursos necessários ao seu financiamento; e (3) a Coordenação Político-Institucional, que trata o mesmo problema do ponto de vista da coerência na tomada de decisões e da repartição de recursos e encargos entre diferentes níveis de governo.

Em nível macroeconômico, a complexidade das tarefas de coordenação amplia-se com a diversificação dos objetivos e das alternativas de intervenção do governo na economia. Quanto aos objetivos, o mais recente acréscimo em relação à lista apresentada no Gráfico 2.1 refere-se a preocupações com a preservação do meio ambiente que provocam o surgimento de um novo conflito potencial entre esse objetivo e os propósitos de uma rápida industrialização. Quanto a instrumentos, deve-se destacar a ênfase crescente na regulação.

Assim, a inserção das finanças públicas, na perspectiva da análise macroeconômica, implica basicamente uma tentativa de avaliação do impacto do programa de gastos e das diferentes alternativas para financiamento desses gastos sobre os objetivos nacionais. Por outro lado, tal avaliação requer cuidado especial com os problemas que resultam de maior descentralização de decisões originária de uma organização federativa de governo e da proliferação de entidades administrativas encarregadas da execução dos programas governamentais.

3.4.3.4.3.4.3.4. Federalismo fiscalFederalismo fiscalFederalismo fiscalFederalismo fiscal

O estudo da política fiscal do ponto de vista macroeconômico discute questões relativas a tamanho e composição dos gastos do governo, volume e distribuição da carga tributária etc. e seus efeitos sobre a economia, de um ponto de vista agregativo, isto é, considerado o governo constituído por unidades diretamente subordinadas a um único centro de decisão.

A análise agregada conduz evidentemente a recomendações de políticas governamentais em termos globais. Se é um problema keynesiano de depressão por insuficiência de demanda, a recomendação correspondente seria a de um incremento nas despesas totais do governo. Se, por

Page 91: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

91

outro lado, o problema é o de promover uma aplicação mais racional dos recursos públicos, tendo em vista acelerar o crescimento econômico do país, poderia ser estabelecida uma distribuição setorial ótima das despesas totais do governo do ponto de vista da maximização das taxas de crescimento do produto per capita.

A implementação de políticas desse tipo não teria problemas no caso de um sistema de governo unitário. Neste, as decisões sobre aumento de despesas ou sobre distribuição setorial dos gastos são tomadas no mesmo nível das decisões relativas às medidas a serem utilizadas. Não devem, portanto, existir problemas relativos à falta de coordenação entre os elementos que formulam a política e aqueles encarregados de tomar as decisões necessárias a sua implementação.

Tal não ocorre, porém, no caso de países onde a organização é federativa. Nestes, a autonomia dos governos estaduais estabelece, em parte, uma dicotomia entre as definições de política fiscal dentro de um ponto de vista puramente agregativo, e a visão parcial dos problemas puramente locais que influenciam as autoridades estaduais. Grande parte dos recursos a serem aplicados, assim como dos poderes para a obtenção dos recursos necessários, está fora do controle direto do governo central. Pode, então, ocorrer a hipótese de que a aplicação total dos recursos ou a distribuição dos impostos não seja, exatamente a que seria recomendada pela análise agregada.

Em federações, os problemas de política fiscal precisam ser analisados não apenas do ponto de vista da adequação entre o montante previsto de gastos e o volume de recursos disponíveis, mas também quanto à repercussão dos diferentes componentes da receita e da despesa sobre a estabilidade econômica, a distribuição da renda e a promoção do crescimento econômico. Isso conduz à preocupação de harmonizar a política tributária, tendo em vista o propósito de compatibilizar as demandas federativas com os objetivos nacionais, reduzindo o grau de liberdade dos governos subnacionais em matéria de tributação.

Por outro lado, na revisão do papel do governo destaca-se a renovada importância de sua responsabilidade como produtor de bens e serviços prioritários para a melhoria da competitividade econômica e da distribuição da renda. Tal é o caso, principalmente, dos serviços de educação e saúde, em que a presença do governo como produtor torna-se cada vez mais importante. Esses serviços, cuja demanda se expande não só com o próprio crescimento demográfico, mas também com a expansão do nível de renda, seriam mais eficientemente produzidos em nível local, face às condições de proximidade do mercado consumidor.

Assim, ao mesmo tempo em que as necessidades de harmonização tributária limitam o poder de instituir tributos no nível local, as necessidades de gasto nesse mesmo nível são progressivamente ampliadas, devido à própria expansão das atividades públicas mais eficientemente produzidas em nível local.

Na ausência de uma nova abordagem para o problema da repartição de competências tributárias na federação, o hiato entre rendas próprias e necessidades de gasto em nível local tende a ampliar-se à medida que:

a) o processo de crescimento econômico e a conseqüente expansão da população urbana exerçam pressão cada vez maior sobre a necessidade de expansão dos gastos em nível local;

b) a crescente preocupação com o ajuste fiscal imponha novos limites à autonomia para tributar.

Uma das soluções para o problema consiste na transferência de recursos arrecadados pelo governo federal aos Estados e municípios. Isso, por outro lado, implica considerar quais os critérios a serem empregados para a utilização dos recursos transferidos, tendo em vista que, de acordo com o sistema de transferências utilizado, os efeitos sobre a aplicação de recursos serão diferentes. A esse respeito, as principais alternativas referem-se a uma transferência incondicional de recursos,

Page 92: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

92

cujo objetivo se resume à cobertura do hiato financeiro, ou a transferências vinculadas (total ou parcialmente) a determinados programas ou categorias de dispêndio.

No caso das transferências vinculadas, a aplicação dos recursos transferidos pode não conduzir a uma aplicação mais eficiente de recursos por parte dos governos locais, à medida que:

a) os programas contemplados não sejam prioritários do ponto de vista do Estado ou município em virtude de diferenças regionais quanto à necessidade dos diferentes setores; e

b) além do problema apontado no item anterior, a utilização dos recursos transferidos influencie a aplicação dos recursos próprios, seja por meio de exigências de contrapartida local para que eles possam ser utilizados, seja mediante obrigatoriedade adicional de utilização dos recursos transferidos em despesa de investimentos, os quais vão exigir, para a manutenção dos novos serviços criados, a ampliação posterior de despesas de custeio nesses mesmos programas.

Por seu turno, a transferência incondicional pode gerar ineficiências, à medida que dissocie as decisões relativas à aplicação de recursos das referentes ao mecanismo de financiamento a ser utilizado. Em outras palavras, a decisão de aumentar o volume de dispêndio em determinados setores não fica condicionada à comparação dos possíveis benefícios de sua expansão com o sacrifício decorrente da necessidade de aumentar os tributos para financiar o acréscimo na oferta. Ademais, à medida que essas transferências sejam efetuadas sem preocupação com o esforço próprio de arrecadação dos governos locais, a ineficiência nesse nível de governo poderia ser também observada quanto ao nível de esforço realizado internamente para financiar com recursos próprios as despesas programadas, provocando disparidades regionais indesejáveis nesse particular. Por motivos óbvios, seria mais cômodo do ponto de vista local postergar decisões relativas à elevação da carga tributária própria e confiar na obtenção dos meios necessários à expansão de suas despesas por meio das transferências federais de recursos.

Page 93: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

93

CAPITULO CAPITULO CAPITULO CAPITULO XXXX ---- RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS RECEITAS PÚBLICAS

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO As despesas públicas têm, obviamente, de ser satisfeitas por receitas. Uma noção

meramente introdutória já indica que receita é todo ingresso de dinheiro nos cofres de uma pessoa de direito público.

A primeira observação que cumpre ser feita acerca da receita é que ela assume formas muito variadas no Estado Moderno. Já se foi o tempo em que o Estado atuava como qualquer pessoa, isto é, valia-se dos recursos que pudesse obter pela exploração de seu patrimônio. Fundamentalmente, o que se passou é que o Estado veio, cada vez de forma mais acentuada, a lançar mão da sua força coercitiva para impor aos particulares o pagamento de quantias em dinheiro, independentemente de contraprestação de sua parte.

2.2.2.2. DEFINIÇÃODEFINIÇÃODEFINIÇÃODEFINIÇÃO Antes de se adentrar mais profundamente na classificação das receitas, cumpre defini-las

melhor.

Receita Pública é o montante total em dinheiro recolhido pelo Tesouro Nacional, incorporado ao patrimônio do Estado, que serve para custear as despesas públicas e as necessidades de investimentos públicos.

Pode-se ainda definir, observando a pequena nuance “de forma definitiva” entre uma definição e outra, como sendo: Receitas Públicas são os recursos, ou melhor, dizendo, o dinheiro que ingressa nos cofres públicos de maneira definitiva com a finalidade de satisfazer as despesas públicas.

Antonio L. de Sousa Franco conceitua: “As receitas públicas podem ser assim genericamente definidas como qualquer recurso obtido durante um dado período financeiro, mediante o qual o sujeito público pode satisfazer as despesas públicas que estão a seu cargo.”

Sainz de Bujanda é mais sintético e define receita pública como: “As somas de dinheiro que recebem o Estado e os demais entes públicos para cobrir com elas seus gastos”.

Aliomar Baleeiro conceitua receita pública como: “A entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”.

Quando se fala em receitas públicas, o qualificativo “públicas”, na verdade, faz referência à natureza do ente que as recebe e não à qualidade em si da receita. Daí porque ser lícito afirmar que são receitas públicas as que são recebidas por uma pessoa pública e, ao contrário, são privadas as receitas auferidas por uma pessoa jurídica de direito privado.

Quanto ao objeto das receitas, na sua concepção moderna é unicamente no dinheiro e se expressa, pois, em moeda.

Os bens in natura e os serviços pessoais, por exemplo, adquiridos mediante expropriação ou mediante liberalidades intervivos ou causa mortis, incluindo serviços pessoais, como o militar, embora integrando o patrimônio do Estado, não se constituem em receitas, nem são, portanto, objeto do Direito Financeiro, mas de outras disciplinas (Direito civil, político, administrativo).

A obtenção dos recursos decorre, primordialmente, da execução das receitas públicas. Kiyoshi Harada36 define receita pública como sendo o ingresso de dinheiro aos cofres do Estado para atendimento de suas finalidades.

36 Direito Financeiro e Tributário. 7ª edição. Ed. Atlas, 2000. p.55

Page 94: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

94

3.3.3.3. RECEITA E INGRESSORECEITA E INGRESSORECEITA E INGRESSORECEITA E INGRESSO Denomina-se de ingresso ou entrada todo e qualquer dinheiro que entra nos cofres

públicos, não importando a que título tenha sido. Contudo, não se deve confundir ingresso com receita, isso porque nem todo ingresso pode ser considerado como receita. Não se pode negar que existem ingressos que devem ser devolvidos, ou seja, só permanecem provisoriamente nos cofres públicos.

Trata-se, na verdade, de quantias em dinheiro que entram nos cofres públicos somente por um determinado período de tempo. Exemplos de ingresso são: a fiança, a caução e o empréstimo compulsório. É sabido que estas quantias não permanecem definitivamente nos cofres públicos, eis que o seu destino é de retornar para o seu proprietário.

Já as receitas caracterizam-se por serem ingressos definitivos de dinheiro nos cofres públicos, ou seja, trata-se daqueles ingressos que têm como finalidade permanecerem definitivamente nos cofres públicos. As receitas podem advir do poder constritivo que o Estado exerce sobre o particular através da cobrança de impostos, taxas, contribuições de melhoria ou multas.

Sob o ponto de vista doutrinário, muito se discute sobre o conceito de receitas públicas. Alguns autores afirmam que todo e qualquer ingresso de recursos nos cofres do Estado são Receitas Públicas, outros dizem que aquelas de caráter devolutivo, tais como depósitos, cauções etc. não as são, visto que não são definitivas, isto é, elas ingressam nos cofres públicos, na maioria das vezes de forma temporária.

Alguns autores consideram que os ingressos de disponibilidades aos cofres públicos, que possuem caráter devolutivo, são receitas públicas. Desse entendimento, surgiu o conceito de receita extra-orçamentária. No entanto, recentes normas expedidas pela Secretaria do Tesouro Nacional possuem entendimento contrário.

Diante do exposto fica claro que o critério diferenciador entre receita e ingresso não é outro senão o da permanência nos cofres públicos.

Para dar prosseguimento ao estudo das receitas públicas é necessário analisar seus principais conceitos doutrinários e os conceitos advindos de atos legais e normativos.

4.4.4.4. CONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICAS O Estado, na busca do bem comum, lança mão de suas funções econômicas: a alocativa,

que corresponde ao ajustamento na alocação de recursos, em face das imperfeições inerentes ao mercado aberto, a distributiva, que corresponde a ajustamentos na distribuição da renda e da riqueza e a estabilizadora, que visa a estabilização econômica através de ações que normalizem a distribuição da renda e da riqueza na sociedade. Para a consecução dessas funções, o Estado utiliza a sua atividade financeira como principal instrumento.

A obtenção dos recursos decorre, primordialmente, da execução das receitas públicas. Kiyoshi Harada37 define receita pública como sendo o ingresso de dinheiro aos cofres do Estado para atendimento de suas finalidades.

Durante o processo de elaboração orçamentária, no caso brasileiro, o Poder Executivo parte do montante da receita estimada pelos órgãos competentes para, com base neste montante, fixar as despesas públicas. Desse fato, depreende-se a importância da receita pública para a consecução da atividade financeira do Estado.

37 Direito Financeiro e Tributário. 7ª edição. Ed. Atlas, 2000. p.55

Page 95: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

95

Antes de se estudar como a as Receitas Públicas são classificadas, faz-se necessário definir-se aqueles recursos financeiros, partes integrantes das receitas. Isto é o que será mostrado a seguir.

a. TributoTributoTributoTributo

É toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. São espécies de tributo: o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. (artigo 3.° da L.F. n.° 5.172/66).

1.1.1.1. ImpostoImpostoImpostoImposto

É o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. É pago coativamente, independentemente de uma contraprestação imediata e direta do Estado. (artigo 16 da L.F. n.° 5.172/66).

2.2.2.2. TaxaTaxaTaxaTaxa

É o tributo que tem como fato gerador o exercício do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Do exposto verifica-se que a taxa, ao contrário do imposto, corresponde, em princípio, a uma contraprestação, imediata e direta do Estado. (artigo 77 da L.F. n.° 5.172/66).

3.3.3.3. Contribuição de melhoriaContribuição de melhoriaContribuição de melhoriaContribuição de melhoria

É o tributo destinado a fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (artigo 81 da L.F. n.° 5.172/66).

5.5.5.5. CONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE RECEITAS PÚBLICASCONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE RECEITAS PÚBLICAS Do ponto de vista doutrinário no que diz respeito à classificação as Receitas Públicas

podem ser assim discriminadas:

a.a.a.a. Quanto à regularidadeQuanto à regularidadeQuanto à regularidadeQuanto à regularidade

Ordinárias – são aquelas que ingressam com regularidade no erário, constituindo-se, assim, fonte regular e permanente de recursos financeiros destinados à consecução da atividade financeira do Estado. Ex.: receita tributária, de contribuições etc.

Extraordinárias – são as que ingressam em caráter excepcional e temporário. Ex.: empréstimo compulsório e o imposto extraordinário (art. 148, II e art.154, II da Carta Magna).

b.b.b.b. QuanQuanQuanQuanto à origemto à origemto à origemto à origem

Originária – é a receita auferida quando o Estado está na mesma condição do particular, não havendo coercitividade na sua exigência. É a receita pública efetiva oriunda das rendas produzidas pelos ativos do Poder Público, pela cessão remunerada de bens e valores (aluguéis e ganhos em aplicações financeiras), ou aplicação em atividades econômicas (produção, comércio ou serviços). É uma classificação da Receita Corrente.

As Receitas Originárias também são denominadas como Receitas de Economia Privada ou de Direito Privado. Ex: Receitas Patrimoniais, Receitas Agropecuárias, Receitas Comerciais, Receitas de Serviço, etc.

Derivada – é a receita que deriva da prevalência do Estado sobre o particular, caracterizando-se por sua exigência coercitiva e compulsoriedade. É a receita pública efetiva, obtida pelo Estado, em função de sua soberania, por meio de Tributos, Penalidades, Indenizações e Restituições. É uma classificação da Receita Corrente. As Receitas Derivadas são formadas por Receitas Correntes, segundo a classificação da Receita Pública por Categoria Econômica. Ex: Receita Tributária, Receita de Contribuições, etc.

Page 96: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

96

c.c.c.c. Quanto à previsão orçamentáriaQuanto à previsão orçamentáriaQuanto à previsão orçamentáriaQuanto à previsão orçamentária

Orçamentária – é a receita prevista ou não no orçamento e que não possui caráter devolutivo. Ex.: receita tributária, receita de serviços, receita patrimonial.

De acordo com o art. 57 da Lei 4.320/64, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3º desta lei serão classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no Orçamento.

Segundo o art. 3º: A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.

Parágrafo único: Não se consideram para os fins deste artigo as operações de crédito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros.

Extra-orcamentária – é a receita não prevista no orçamento, ingressando em caráter temporário na disponibilidade do Estado para posterior devolução.

O Manual de Receitas Públicas, aprovado pela Portaria STN nº. 340/2006, não considera este tipo de ingresso de disponibilidade como receita pública, entretanto, os concursos públicos utilizam a notação receita extra-orcamentária.

d.d.d.d. Quanto à efetividadeQuanto à efetividadeQuanto à efetividadeQuanto à efetividade

Efetiva – São ingressos orçamentários (receitas públicas) em que a entrada de disponibilidades de recursos não foi precedida de registro de reconhecimento do direito e não geram obrigações correspondentes e, por isto, alteram a situação líquida patrimonial (aumentam) do ente.

São receitas que no momento do seu reconhecimento passam a compor o patrimônio da Entidade Pública como elemento novo e positivo (ex.: receita tributária) e que não se originou de uma diminuição do ativo ou de um aumento correspondente no passivo. Trata-se de um fato contábil modificativo aumentativo.

Não-efetiva – São ingressos orçamentários (receitas públicas) que foram precedidos de registro do reconhecimento do direito ou que geram obrigações correspondentes, e, por isso, não alteram a situação líquida patrimonial.

São as receitas que no momento do seu recebimento ocasionam um aumento correspondente no passivo, através do reconhecimento de uma obrigação (ex.: operação de crédito) ou uma diminuição do ativo, através da baixa de um bem ou direito (ex.: recebimento da Dívida Ativa, receita de alienação de bens). Este aumento do passivo ou diminuição do ativo chama-se mutação passiva.

6.6.6.6. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS ADOTADA PELA CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS ADOTADA PELA CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS ADOTADA PELA CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS ADOTADA PELA LEI NLEI NLEI NLEI Nºººº 4.320/64 4.320/64 4.320/64 4.320/64 A Lei no 4.320/64, que dispõe sobre as normas gerais de Direito Financeiro, em seu art.

11 classifica a Receita Orçamentária em duas grandes categorias econômicas, quais sejam: as receitas orçamentárias e as extra-orçamentárias.

a) Receita Receita Receita Receita OOOOrçrçrçrçamentáriaamentáriaamentáriaamentária

Receitas orçamentárias são aquelas que fazem parte do orçamento público estabelecidas na Lei Orçamentária Anual – LOA e são divididas em.

1. 1. 1. 1. ---- Receitas Correntes Receitas Correntes Receitas Correntes Receitas Correntes — destinadas a cobrir as depesas orçamentárias que visam a manutenção das atividades governamentais e são subdivididas em:

Page 97: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

97

♦ Receita Tributária — é a proveniente de impostos, taxas e contribuições de melhorias;

♦ Receita de Contribuições38 — é a proveniente das seguintes contribuições sociais (previdência social, saúde e assistência social), de intervenção domínio econômico (tarifas de telecomunicações) e de interesse das categorias profissionais ou econômicas(órgãos representativos de categorias de profissionais), como instrumentos de intervenção nas respectivas áreas;

Contribuições Sociais – destinadas ao custeio da seguridade social, que compreende a previdência social, a saúde e a assistência social;

Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – derivam da contraprestação à atuação estatal exercida em favor de determinado grupo ou coletividade.

Contribuições de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas – destinadas ao fornecimento de recursos aos órgãos representativos de categorias profissionais legalmente regulamentadas ou a órgãos de defesa de interesse dos empregadores ou empregados.

♦ Receita Patrimonial — rendas obtidas pelo Estado quando este aplica recursos em inversões financeiras, ou as rendas provenientes de bens de propriedade do Estado, tais como aluguéis;

♦ Receita Agropecuária — é a proveniente da exploração de atividades agropecuárias de origem vegetal ou animal;

♦ Receita de Serviços — é a proveniente de atividades caracterizadas pelas prestações de serviços financeiros, transporte, saúde, comunicação, portuário, armazenagem, de inspeção e fiscalização, judiciário, processamento de dados, vendas de mercadorias e produtos inerentes a atividades da entidade entre outros;

♦ Receita Industrial — resultante da ação direta do Estado em atividades comerciais, industriais ou agropecuárias;

♦ Transferências Correntes — recursos financeiros recebidos de outras entidades públicas ou privadas e que se destinam a cobrir despesas correntes;

♦ Outras Receitas Correntes — provenientes de multas, cobrança da dívida ativa, indenizações e outra receitas de classificação específica.

2222 ---- RRRReceieceieceieceitas de tas de tas de tas de CCCCapitaapitaapitaapital — provenientes de operações de crédito, alienações de bens, amortizações de empréstimos concedidos, transferências de capital e outras receitas de capitais;

♦ Operações de Crédito — oriundas da constituição de dívidas (empréstimos e financiamentos);

♦ Alienação de Bens — provenientes da venda de bens móveis e imóveis e de alienação de direitos;

♦ Amortização de Empréstimos Concedidos — retorno de valores anteriormente emprestados a outras entidades de direito público;

♦ Transferência de Capital — recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados à aquisição de bens;

38

Podem ser: Contribuições Sociais (Ex.: COFINS, Salário Educação, Contribuições sobre Receitas de Concursos de Prognósticos, Contribuições Previdenciárias para o RPPS e RGPS, Contribuições para os Serviços Sociais Autônomos – SESI, SESC, SENAI etc, PIS/PASEP, CSLL etc) e Contribuições Econômicas (Cota-parte do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, Contribuição sobre a Receita das Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, PIN, PROTERRA, CIDE-Combustíveis etc).

Page 98: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

98

♦ Outras Receitas de Capital — classificação genérica para receitas não especificadas na lei; também classifica-se aqui o superávit do orçamento corrente (diferença entre receitas e despesas correntes), embora este não constitua item orçamentário.

b) Receita Receita Receita Receita EEEExtraxtraxtraxtra----OOOOrçamentáriarçamentáriarçamentáriarçamentária

Receitas extra-orçamentárias são aquelas que não fazem parte do orçamento público.

Como exemplo tem-se as cauções, fianças, depósitos para garantia, consignações em folha de pagamento, retenções na fonte, salários não reclamados, operações de crédito em curto prazo e outras operações assemelhadas.

Sua arrecadação não depende de autorização legislativa e sua realização não se vincula à execução do orçamento.

Tais receitas também não constituem renda para o Estado, uma vez que este é apenas depositário de tais valores. Contudo tais receitas somam-se às disponibilidades financeiras do Estado, porém têm em contrapartida um passivo exigível que será resgatado quando da realização da correspondente despesa extra-orcamentária.

Em casos especiais, a receita extra-orcamentária pode converter-se em receita orçamentária. é o caso de quando alguém perde, em favor do Estado, o valor de uma caução por inadimplência ou quando perde o valor depositado em garantia. O mesmo acontece quando os restos a pagar têm sua prescrição administrativa decorrida.

É importante frisar que cauções, fianças, e depósitos efetuados em títulos e assemelhados quando em moeda estrangeira são registrados em contas de compensação, não sendo, portanto considerados receitas extra-orçamentárias.

A receita pública (ingresso orçamentário) também pode ser classificada como:

Efetiva: quando altera a situação líquida patrimonial do ente para maior. São exemplos de receitas públicas efetivas as receitas tributárias, patrimoniais, de serviços.

Não-efetiva: quando não há alteração da situação líquida, pois, ao mesmo tempo em que entra a disponibilidade de recursos o ente incorre em uma obrigação ou se desfaz de um bem ou direito a ele pertencente (fato contábil permutativo). São exemplos de receitas públicas não-efetivas, as receitas de operações de crédito.

7.7.7.7. CODIFICAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DA RECEITACODIFICAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DA RECEITACODIFICAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DA RECEITACODIFICAÇÃO ORÇAMENTÁRIA DA RECEITA

7.1.7.1.7.1.7.1. Codificação da natureza da receita do ponto de vista contábilCodificação da natureza da receita do ponto de vista contábilCodificação da natureza da receita do ponto de vista contábilCodificação da natureza da receita do ponto de vista contábil

O parágrafo 1º do art. 8º da Lei nº 4.320/64 define que os itens da discriminação da receita mencionados no seu art. 11, serão identificados por números de código decimal. Convencionou-se denominar este código de natureza de receita. Esse código busca classificar a receita identificando a origem do recurso segundo seu fato gerador.

Dessa forma, as naturezas de receitas orçamentárias procuram refletir o fato gerador que ocasionou o ingresso dos recursos aos cofres públicos. É a menor célula de informação no contexto orçamentário para as receitas públicas, devendo, portanto conter todas as informações necessárias para as devidas vinculações.

Face à necessidade de constante atualização e melhor identificação dos ingressos aos cofres públicos, o código identificador da natureza de receita é desmembrado em níveis. Assim, na elaboração do orçamento público a codificação econômica da receita orçamentária é composta dos níveis a seguir:

1º Nível – Categoria Econômica 2º Nível – Origem

Page 99: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

99

3º Nível – Espécie 4º Nível – Rubrica 5º Nível – Alínea 6º Nível – Sub-alínea

1º Nível – Categoria Econômica – utilizado para mensurar o impacto das decisões do Governo na economia nacional (formação de capital, custeio, investimentos etc.).

2º Nível – Origem – Identifica a procedência dos recursos públicos, em relação ao fato gerador dos ingressos das receitas (derivada, originária, transferências e outras). É a subdivisão das Categorias Econômicas, que tem por objetivo identificar a origem das receitas, no momento em que as mesmas ingressam no patrimônio público.

No caso das receitas correntes, tal classificação serve para identificar se as receitas são compulsórias (tributos e contribuições), provenientes das atividades em que o Estado atua diretamente na produção (agropecuárias, industriais ou de prestação de serviços), da exploração do seu próprio patrimônio (patrimoniais), se provenientes de transferências destinadas ao atendimento de despesas correntes, ou ainda, de outros ingressos.

No caso das receitas de capital, distinguem-se as provenientes de operações de crédito, da alienação de bens, da amortização dos empréstimos, das transferências destinadas ao atendimento de despesas de capital, ou ainda, de outros ingressos de capital.

3º Nível – Espécie – É o nível de classificação vinculado à Origem, composto por títulos que permitem qualificar com maior detalhe o fato gerador dos ingressos de tais receitas. Por exemplo, dentro da Origem Receita Tributária (receita proveniente de tributos), podemos identificar as suas espécies, tais como impostos, taxas e contribuições de melhoria (conforme definido na Constituição Federal de 1988 e no Código Tributário Nacional), sendo cada uma dessas receitas uma espécie de tributo diferente das demais. É a espécie de receita.

4º Nível – Rubrica – É o detalhamento das espécies de receita. A rubrica busca identificar dentro de cada espécie de receita uma qualificação mais específica. Agrega determinadas receitas com características próprias e semelhantes entre si.

5º Nível – Alínea – Funciona como uma qualificação da rubrica.

Apresenta o nome da receita propriamente dita e que recebe o registro pela entrada de recursos financeiros.

6º Nível – Sub-alínea – Constitui o nível mais analítico da receita.

7.2.7.2.7.2.7.2. Detalhamento de código da natureza da receita orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da receita orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da receita orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da receita orçamentária

Para atender às necessidades internas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão detalhar as classificações orçamentárias constantes do anexo VII, a partir do nível ainda não detalhado. A administração dos níveis já detalhados cabe à União.

Exemplo 1: 1.1.1.2.04.10 – Pessoas Físicas:

1 = Receita Corrente (Categoria Econômica); 1 = Receita Tributária (Origem);

1 = Receita de Impostos (Espécie); 2 = Impostos sobre o Patrimônio e a Renda (Rubrica);

04 = Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (Alínea); 10 = Pessoas Físicas (Subalínea)

XX = NÍVEL DE DETALHAMENTO OPTATIVO.

Page 100: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

100

Exemplo 2: 1.1.2.1.40.00 – Taxas de Serviço de Transporte Marítimo de Passageiros:

1 = Receita Corrente (Categoria Econômica); 1 = Receita Tributária (Origem);

2 = Taxas (Espécie); 1 = Taxa pelo Exercício do Poder de Polícia (Rubrica);

40 = Taxas Serv. de Transp. Marítimo de Passag. (Alínea) 00 = NÍVEL DE DETALHAMENTO OPTATIVO (Subalínea).

XX = NÍVEL DE DETALHAMENTO OPTATIVO.

De acordo com os exemplos, o detalhamento de nível de código de natureza de receita somente poderá ser efetivado nos níveis que estão com zeros, ou em um 7º nível a ser criado, opcionalmente pelo ente.

8.8.8.8. ESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICAESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICAESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICAESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICA Estágio da receita orçamentária é cada passo identificado que evidencia o comportamento

da receita e facilita o conhecimento e a gestão dos ingressos de recursos.

Os estágios da receita orçamentária são os seguintes:

a) Previsão – estimativa de arrecadação da receita, constante da Lei Orçamentária Anual – LOA, compreendido em fases distintas:

1. A primeira fase consiste na organização e no estabelecimento da metodologia de elaboração da estimativa;

2. A segunda fase consiste no lançamento, que é tratado pela Lei nº 4.320/64 nos seus artigos 51 e 53, é o assentamento dos débitos futuros dos contribuintes de impostos diretos, cotas ou contribuições prefixadas ou decorrentes de outras fontes de recursos, efetuados pelos órgãos competentes que verificam a procedência do crédito a natureza da pessoa do contribuinte quer seja física ou jurídica e o valor correspondente à respectiva estimativa. O lançamento é a legalização da receita pela sua instituição e a respectiva inclusão no orçamento.

b) Arrecadação – entrega, realizada pelos contribuintes ou devedores aos agentes arrecadadores ou bancos autorizados pelo ente, dos recursos devidos ao Tesouro. A arrecadação ocorre somente uma vez, vindo em seguida o recolhimento. Quando um ente arrecada para outro ente, cumpre-lhe apenas entregar-lhe os recursos pela transferência dos recursos, não sendo considerada arrecadação, quando do recebimento pelo ente beneficiário.

c) Recolhimento – transferência dos valores arrecadados à conta específica do Tesouro, responsável pela administração e controle da arrecadação e programação financeira, observando o Princípio da Unidade de Caixa representado pelo controle centralizado dos recursos arrecadados em cada ente.

É importante observar que nenhum agente arrecadador pode utilizar o produto da arrecadação para realizar pagamentos. Os pagamentos devem ser feitos com recursos específicos para este fim.

8.1.8.1.8.1.8.1. Resíduos ativos ou restos a arrecadarResíduos ativos ou restos a arrecadarResíduos ativos ou restos a arrecadarResíduos ativos ou restos a arrecadar

Os créditos não lançados e não arrecadados até o último dia do exercício financeiro a que pertencem constituirão receita no exercício em que forem arrecadados.

Já os créditos lançados e não arrecadados são, no Brasil, incorporados ao patrimônio, no ativo permanente, como componente da dívida ativa.

Page 101: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

101

CAPITULO CAPITULO CAPITULO CAPITULO XIXIXIXI ---- DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS DESPESAS PÚBLICAS

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO Antes de qualquer coisa, a despesa é, sem dúvida, uma aplicação, ou seja, uma perda de

substância econômica do Poder Público feita com o propósito de saldar uma obrigação de pagar.

O acerto há de ser em dinheiro, que é a forma usual pela qual se dá o resgate dos compromissos obrigacionais. O dinheiro é da essência das próprias despesas. Se houve o resgate da dívida por outros meios, já não se trata de despesa.

Aliomar Baleeiro define despesa pública como sendo a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo.

É inegável que, historicamente, houve outras modalidades de o Estado saldar obrigações. Ora valia-se da concessão de honrarias, títulos, ora da faculdade de exigir pagamento direto do público, a requisição de hospedagem, de forragem para cavalos, feitas pelos reis em vilegiatura, o recebimento pelos juízes, no Brasil Colonial, de emolumentos e salários diretamente das partes. Todos esses são exemplos de uma realidade já caduca que o Estado de Direito não permitiu perdurar.

Despesa pública é a aplicação (em dinheiro) de recursos do Estado para custear os serviços de ordem pública ou para investir no desenvolvimento econômico do Estado.

As despesas públicas devem ser autorizadas pelo Poder legislativo, através do ato administrativo chamado orçamento público. Exceção são as chamadas despesas extra-orçamentárias.

As despesas públicas devem obedecer aos seguintes requisitos:

♦♦♦♦ utilidade (atender a um número significativo de pessoas) ♦♦♦♦ legitimidade (deve atender uma necessidade pública real) ♦♦♦♦ discussão pública (deve ser discutida e aprovada pelo Poder Legislativo e pelo

Tribunal de Contas) ♦♦♦♦ possibilidade contributiva (possibilidade da população atender à carga tributária

decorrente da despesa) ♦♦♦♦ oportunidade ♦♦♦♦ hierarquia de gastos ♦♦♦♦ deve ser estipulada em lei

Portanto, sintetizando a definição: despesa pública é todo pagamento efetuado a qualquer título pelos agentes pagadores.

2.2.2.2. CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS SEGUNDO A LEI Nº. 4.320/64CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS SEGUNDO A LEI Nº. 4.320/64CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS SEGUNDO A LEI Nº. 4.320/64CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS SEGUNDO A LEI Nº. 4.320/64 No Brasil dividem-se as despesas públicas em Despesa Orçamentária e Despesa Extra-

orcamentária.

Despesa Orçamentária é aquela que depende de autorização legislativa para ser realizada e que não pode ser efetivada sem a existência de crédito orçamentário que a corresponda suficientemente.

Constituem Despesa Extra-orcamentária os pagamentos que não dependem de autorização legislativa, ou seja, não integram o orçamento público. Se resumem a devolução de valores arrecadados sob título de receitas extra-orçamentárias.

Page 102: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

102

As Despesas governamentais podem se classificar ainda em Despesas Próprias e Despesas com Transferências.

Despesas PrópriasDespesas PrópriasDespesas PrópriasDespesas Próprias

No universo das despesas pessoais, vislumbra-se que uma parcela delas corresponde a compras de bens e serviços destinados a atender necessidades. Assim ocorre quando, por exemplo, se adquire um par de sapatos. Só se compra pela necessidade de se calçar melhor.

Todavia, o que interessa quando se analisa a situação da aquisição do par de sapatos é a ocorrência de um benefício pessoal. Esta é a marca característica dessa parcela destes gastos. Assim, diante de uma despesa própria, há sempre uma contraprestação direta em bens ou serviços, realizada logo após se incorrer nos gastos. Assim, a contraprestação se realizou no par de sapatos.

Concluindo, pode-se afirmar que ao incorrer numa despesa própria incorre-se também num gasto pessoal, destinado a melhorar o padrão de vida e/ou incrementar o bem-estar pessoal.

Despesas com TransferênciasDespesas com TransferênciasDespesas com TransferênciasDespesas com Transferências

A mesma afirmação não se pode fazer, todavia, quando se realiza Despesas com Transferências. Isto porque, ao se realizar esta modalidade de despesa, não se desfruta de nenhuma contraprestação direta em bens e serviços. É o que ocorre, por exemplo, quando se paga um sorvete para uma outra pessoa. Realiza-se a despesa, mas não se desfruta do sorvete adquirido. Não é a pessoa da despesa que irá consumi-lo, mas um terceiro. Esta modalidade de despesa destina-se a atender necessidades de uma terceira pessoa

Ao lado da classificação comentada nos tópicos precedentes, a Despesa Pública poderá assumir as modalidades de Despesas Correntes e Despesas de Capital.

É a Lei nº 4.320/64 que remete a essa classificação. Muito embora seus dispositivos não definam explicitamente o que vem a ser uma Despesa Corrente ou uma Despesa de Capital, pode-se, por analogia, se socorrer dos conceitos referidos quando se comenta as Receitas Correntes e de Capital.

Serão consideradas como Despesas Correntes todas aquelas despesas do governo que se realizam de forma contínua, uma vez que estão ligadas à sua manutenção. São permanentes, daí o seu nome: Despesas Correntes.

Portanto, pode-se dizer que as Despesas Correntes compreendem o universo dos gastos do governo imprescindíveis à sua sobrevivência e/ou à prestação dos serviços públicos.

Quanto às Despesas de Capitais, elas assumem um papel singular no rol das despesas públicas. Sua característica principal é a descontinuidade, tendo uma data para se iniciarem e serem concluídas, diversamente do que ocorre com as despesas correntes, cuja conclusão é fato, em regra, impossível de se cogitar39.

É difícil imaginar que uma dada instituição pública venha deixar de gerar despesas com energia elétrica (despesa corrente), a menos que esta instituição seja extinta. Entretanto, é perfeitamente plausível a idéia de que o término da construção de uma escola (despesa de capital) esteja previsto para ocorrer em uma data no futuro. Assim, concluída a escola, também estará realizada a despesa de capital correspondente.

Outra característica das despesas de capital é que através delas o Poder Público expande os serviços públicos prestados, ao contrário das despesas correntes, por intermédio das quais o Estado mantém os serviços anteriormente criados.

Ao construir um hospital o Poder Público está disponibilizando, em última análise, mais leitos hospitalares à população em geral. Amplia-se, portanto, o rol de pessoas atendidas pelos serviços hospitalares. O mesmo ocorrerá quando a Administração Pública resolve construir uma 39 O termo “impossível de se cogitar” deverá ser tomado no sentido de improbabilidade.

Page 103: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

103

nova rodovia: mais quilometragens são postas à disposição dos transportadores. Em decorrência, mais rapidamente circularão as riquezas no País, com possibilidade até de redução nos preços dos produtos, já que os custos poderão ser menores.

Por último, convém ressaltar o aspecto econômico a envolver as despesas correntes e de capital.

É que a classificação das despesas públicas em correntes e de capital decorre de uma necessidade econômica que ajuda a mensurar a demanda governamental no universo da demanda agregada do País.

O governo se apresenta como um gigantesco consumidor de bens e serviços, o que acaba por impulsionar toda a economia. Uma elevação no consumo do governo representa um estímulo para que o setor produtivo (empresas) oferte mais bens e serviços. Mas, para produzirem mais, as empresas necessitarão ampliar o seu quadro de produção, o que passa pela contratação de mais mão-de-obra. Será ampliado, portanto, o nível de renda na economia, uma vez que mais pessoas estarão empregadas. Este fato acarretará, ainda, a redução nas taxas de desemprego no País, fato que contribuirá para uma significativa melhora do padrão sócio-econômico da população.

Enfim, muitos são os benefícios que poderão ser contabilizados a partir da elevação do consumo governamental. O inverso, contudo, também é verdadeiro, com significativas conseqüências negativas para toda a economia.

A divisão dos gastos públicos em despesas correntes e de capital presta-se especialmente a mensurar estas conseqüências de índole econômica advindas da atuação do governo. Isto porque, de um lado, as despesas correntes darão uma idéia do tamanho do consumo governamental, enquanto as despesas de capital podem fornecer subsídios valiosos quanto à magnitude da poupança pública.40

A Lei nº. 4.320/64 que estabelece as normas gerais dobre Direito Financeiro em seu art. 12 classifica as despesas públicas nas seguintes categorias econômicas:

a. Despesas correntes

b. Despesas de capital

As As As As DDDDespesas espesas espesas espesas CCCCorrentes que são subdividas em:orrentes que são subdividas em:orrentes que são subdividas em:orrentes que são subdividas em:

1.1.1.1. Despesas de custeio:Despesas de custeio:Despesas de custeio:Despesas de custeio: são as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis.

2.2.2.2. Transferências correntes:Transferências correntes:Transferências correntes:Transferências correntes: são aquelas dotações para despesas às quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado.

As As As As DDDDespesas de espesas de espesas de espesas de CCCCapital que se subdividem em:apital que se subdividem em:apital que se subdividem em:apital que se subdividem em:

1.1.1.1. InvestimentosInvestimentosInvestimentosInvestimentos:::: constituem-se nas dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro.

2.2.2.2. Inversões financeirasInversões financeirasInversões financeirasInversões financeiras:::: são as dotações destinadas a: a) aquisição de imóveis, ou de bens de capital já em utilização; b) aquisição de títulos representativos do capital de

40 A chamada poupança governamental corresponde à diferença positiva entre suas receitas correntes e o rol dos dispêndios correntes. Esta diferença positiva é chamada de superávit corrente e será aplicada em despesas de capital.

Page 104: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

104

empresas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital; c) constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas que visem a objetivos comerciais ou financeiros, inclusive operações bancárias ou de seguros.

3333 TrTrTrTransferências de capitalansferências de capitalansferências de capitalansferências de capital:::: entendem-se as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especialmente anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública.

Consideram-se subvenções, para os efeitos da Lei n. 4.320/64, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:

a) subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;

b) subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

2.1.2.1.2.1.2.1. Detalhamento de código da natureza da despesa orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da despesa orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da despesa orçamentáriaDetalhamento de código da natureza da despesa orçamentária

As categorias econômicas dividem-se em elementos que se separam em subelementos, estes por sua vez bifurcam, por fim, em rubricas e sub-rubricas.

A estrutura da conta, para fins de consolidação nacional dos Balanços das Contas Públicas e cumprir dispositivo da LRF, apresenta 6 dígitos. O 1º dígito (1º nível) corresponde a categoria econômica. O 2º dígito (2º nível) correponde ao grupo da despesa. O 3º e 4º dígitos (3º nível) corresponde a modalidade da despesa. O 5º e 6º dígitos (4º nível) correspondem ao elemento da despesa.

Categorias EconômicasCategorias EconômicasCategorias EconômicasCategorias Econômicas

♦♦♦♦ 3 - Despesas Correntes ♦♦♦♦ 4 - Despesas De Capital

Grupo dGrupo dGrupo dGrupo da Natureza da Despesaa Natureza da Despesaa Natureza da Despesaa Natureza da Despesa

♦♦♦♦ 1 - Pessoal e Encargos Sociais ♦♦♦♦ 2 - Juros e Encargos da Dívida ♦♦♦♦ 3 - Outras Despesas Correntes ♦♦♦♦ 4 - Investimentos ♦♦♦♦ 5 - Inversões Financeiras ♦♦♦♦ 6 - Amortização da Dívida ♦♦♦♦ 7 - Reserva do Regime Próprio da Previdência Social - RPPS ♦♦♦♦ 9 - Reserva de Contingência

Modalidade de AplicaçãoModalidade de AplicaçãoModalidade de AplicaçãoModalidade de Aplicação

♦♦♦♦ 20 - Transferências à União ♦♦♦♦ 30 - Transferências a Estados e ao Distrito Federal ♦♦♦♦ 40 - Transferências a Municípios ♦♦♦♦ 50 - Transferências a Instituições Privadas sem Fins Lucrativos ♦♦♦♦ 60 - Transferências a Instituições Privadas com Fins Lucrativos ♦♦♦♦ 70 - Transferências a Instituições Multigovernamentais

Page 105: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

105

♦♦♦♦ 71 - Transferências a Consórcios Públicos ♦♦♦♦ 80 - Transferências ao Exterior ♦♦♦♦ 90 - Aplicações Diretas ♦♦♦♦ 91 - Aplicação Direta Decorrente de Operação entre Órgãos, Fundos e Entidades

Integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social. ♦♦♦♦ 99 - A Definir

Exemplo: 3.1.90.XX.YY.

3 = Despesa Corrente (Categoria Econômica); 1 = Pessoal e Encargos Sociais(grupo de despesa) ;

90 = Aplicação Direta (modalidade de aplicação): XX = Objeto do Gasto do benefício previdenciário (elemento de despesa);

YY = Detalhamento do elemento de despesa (facultativo) (desdobramento)

3.3.3.3. DESPESA ORÇAMENTÁRIADESPESA ORÇAMENTÁRIADESPESA ORÇAMENTÁRIADESPESA ORÇAMENTÁRIA O orçamento é importante instrumento de planejamento de qualquer entidade, seja

pública ou privada, e representa o fluxo de ingressos e aplicação de recursos em determinado período.

Dessa forma, Despesa/Dispêndio orçamentário é fluxo que deriva da utilização de crédito consignado no orçamento da entidade, podendo ou não diminuir a situação líquida patrimonial.

A despesa orçamentária pode ser classificada:

a. Quanto às entidades destinatárias do orçamento:

♦ Despesa Orçamentária Pública – aquela executada por entidades públicas e que depende de autorização legislativa para sua realização, por meio da Lei Orçamentária Anual ou de Créditos Adicionais, pertencendo ao exercício financeiro da emissão do empenho.

♦ Despesa Orçamentária Privada – aquela executada por entidades privadas e que depende de autorização orçamentária aprovada por ato de conselho superior ou outros procedimentos internos para sua consecução.

b. Quanto ao impacto na situação líquida patrimonial:

♦ Despesa Orçamentária Efetiva – aquela que, no momento da sua realização, reduz a situação líquida patrimonial da entidade. Constitui fato contábil modificativo diminutivo.

Em geral, a Despesa Orçamentária Efetiva coincide com a Despesa Corrente. Entretanto, há despesa corrente não-efetiva como, por exemplo, a despesa com a aquisição de materiais para estoque e a despesa com adiantamento, que representam fatos permutativos.

♦ Despesa Orçamentária Não-Efetiva – aquela que, no momento da sua realização, não reduz a situação líquida patrimonial da entidade e constitui fato contábil permutativo. Neste caso, além da despesa orçamentária, registra-se concomitantemente conta de variação ativa para anular o efeito dessa despesa sobre o patrimônio líquido da entidade.

Em geral, a despesa não-efetiva coincide com a despesa de capital. Entretanto, há despesa de capital que é efetiva como, por exemplo, as transferências de capital que causam decréscimo patrimonial e, por isso, classificam-se como despesa efetiva.

Page 106: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

106

4.4.4.4. DESPESA EXTRADESPESA EXTRADESPESA EXTRADESPESA EXTRA----ORÇAMENTÁRIAORÇAMENTÁRIAORÇAMENTÁRIAORÇAMENTÁRIA Constituem despesas extra-orçamentárias os pagamentos que não dependem de

autorização legislativa; aqueles que não estão vinculados ao orçamento público; não integram o orçamento. Correspondem à restituição ou à entrega de valores arrecadados sob o título de receita extra-orcamentária.

São exemplos de despesas extra-orçamentárias: devoluções de cauções, fianças, salários e vencimentos não reclamados, pagamentos de restos a pagar, restituições a pagar e consignações em folha de pagamento. São classificadas nas mesmas fichas individuais em que foram registradas as receitas extra-orçamentárias.

5.5.5.5. PROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICAPROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICAPROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICAPROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICA Entende-se por processamento da despesa pública o conjunto de atividades

desempenhadas por órgãos de despesa na aquisição de bens e serviços.

Por atividades desempenhadas por órgão de despesa deve-se entender não apenas aquelas exercidas pelos caixas pagadores mas também, num sentido bem mais amplo, tudo quanto for feito para que serviços e bens sejam colocados à disposição dos dirigentes públicos.

São responsáveis pelo atingimento desse objetivo, em princípio, todos os órgãos que requisitam recursos materiais e humanos para cumprirem os projetos e as atividades previamente incluídos no orçamento-programa; em seguida, os órgãos programadores da despesa, os encarregados da programação financeira, os autorizadores de despesas, as comissões de licitação, as comissões de compra, os responsáveis pela inspeção dos bens adquiridos, o serviço de suprimento de fundos, os agentes pagadores, os serviços contábeis, a tomada de contas, o controle interno, a auditoria etc.

A matéria relativa à despesa pública, da mesma maneira que a receita pública envolve dois períodos distintos de atividades: um período que será denominado fixação da despesa, durante o qual se desenvolve um complexo de atividades específicas destinadas à elaboração da proposta orçamentária; que já foi tratado anteriormente. É do segundo período, denominado realização da despesa, que será detalhado a seguir.

As atividades desenvolvidas em cada um dos períodos têm características próprias e não se confundem, embora muitas operações realizadas no segundo período constituam excelentes subsídios aos trabalhos da fixação da despesa.

5.1.5.1.5.1.5.1. Estágios da despesa, segundo a leiEstágios da despesa, segundo a leiEstágios da despesa, segundo a leiEstágios da despesa, segundo a lei

Os procedimentos adotados na realização da despesa pública são classificados em grupos que reúnem operações da mesma natureza. Cada um desses grupos denomina-se estágio. Tanto o período fixação da despesa como o período realização da despesa são constituídos, portanto, de estágios. Estudar-se-á aqui apenas, e detalhadamente, os estágios da realização da despesa.

5.2.5.2.5.2.5.2. Estágios da despesa, segundo a realidadeEstágios da despesa, segundo a realidadeEstágios da despesa, segundo a realidadeEstágios da despesa, segundo a realidade

Dispõe o artigo 144 e seguintes, do Regulamento de Contabilidade Pública, que toda a despesa percorre três estágios: empenho, liquidação e pagamento.

Se for examinado cuidadosamente o percurso da despesa pública, em conformidade com as disposições legais e regulamentares que disciplinam o processamento da despesa orçamentária, será obrigatório a admissão de que três outros estágios, de considerável importância, devem ser estudados: o suprimento que antecede o estágio pagamento; a programação da despesa e a licitação que antecedem, nessa ordem, o estágio empenho.

Os três estágios anteriormente referidos, percorridos obrigatoriamente pela despesa, não costumam ser mencionados pelos autores. Certamente por se aterem eles ao mandamento legal que fixa como estágios da despesa, apenas o empenho, a liquidação e o pagamento. Mas aqueles

Page 107: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

107

que convivem com os problemas mais íntimos do processamento da despesa pública sabem da existência do estágio suprimento antecedendo o do pagamento. É que ao estágio empenho se antepõem os estágios programação da despesa e licitação.

Em alguns casos o estágio licitação é dispensado, mas esse fato constitui exceção e não regra; não deixa de ser um momento da despesa. Da mesma forma já vimos que nem todas as receitas passam pelo estágio lançamento e nem por isso ele deixa de ser um importante momento da receita.

Assim, fica entendido que a despesa pública percorre seis estágios: programação da despesa, licitação, empenho, liquidação, suprimento e pagamento.

Cada um dos estágios subdivide-se em conjuntos de operações menores as quais denominamos fases da despesa, quais sejam:

1. Programação da despesa 2. Licitação 3. Empenho 4. Liquidação 5. Suprimento 6. Pagamento

a.a.a.a. Programação da despesaProgramação da despesaProgramação da despesaProgramação da despesa

A programação da despesa é o primeiro estágio da despesa pública. Após a publicação da lei orçamentária, o Poder Executivo, através de decreto, traçará um programa de utilização dos créditos orçamentários aprovados para o exercício (arts. 47 a 50). Essa programação visa disciplinar os gastos à mesma medida que se realizam as receitas. Se não houvesse a programação da despesa, as dependências poderiam utilizar, logo nos primeiros meses do ano, todos os recursos orçamentários, gerando problemas de insuficiência de caixa, uma vez que a receita se realiza ao longo dos doze meses do exercício financeiro. Este estágio divide-se nas seguintes fases: a) cronograma de desencaixes fixos; b) projeção do comportamento da receita; c) decreto executivo normativo.

b.b.b.b. LicitaçãoLicitaçãoLicitaçãoLicitação

O segundo estágio, licitação, só terá início depois de decretada a programação da despesa, com a fixação das cotas trimestrais.

Em conformidade com o artigo 244 do Regulamento de Contabilidade Pública, nenhuma aquisição de material, contratação de serviços ou de obras far-se-á sem prévia licitação.

Licitação é o procedimento administrativo que tem por objetivo verificar, entre vários fornecedores habilitados, quem oferece condições mais vantajosas. A Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, em seu artigo 22, estabelece modalidades de licitação: a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão.

A concorrência e a tomada de preços desdobram-se nas seguintes fases: a) preparação; b) edital; c) encerramento; d) julgamento; e) adjudicação; f) contrato. O convite tem apenas as seguintes fases:

a) preparação; b) expedição dos convites; c) análise das cotações; e d) adjudicação.

c.c.c.c. EmpenhoEmpenhoEmpenhoEmpenho

O empenho, terceiro estágio da despesa, é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Poder Público obrigação de pagamento. É o empenho que gera a obrigação de pagar (art. 58).

Page 108: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

108

Empenhar uma despesa consiste em emitir um documento denominado NOTA DE EMPENHO. Divide-se este estágio nas fases: a) autorização; b) emissão; c) assinatura; d) controle interno e e) contabilização. O empenhamento da despesa, é tratado em capítulo especial mais adiante.

d.d.d.d. LiquidaçãoLiquidaçãoLiquidaçãoLiquidação

Segundo conceituação legal (art. 63), liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Essa verificação tem por fim apurar a origem e o objeto do pagamento, a importância exata e a quem se deve pagar para extinguir a obrigação. A liquidação da despesa, por fornecimentos feitos ou serviços prestados, terá por base o contrato, o ajuste ou acordo respectivo, a nota de empenho e os comprovantes de entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.

São fases deste estágio: a) recebimento da mercadoria ou do serviço; b) inspeção e liberação; c) laudo de medição; d) atestado de prestação de serviços; e) requisição do pagamento; f) controle interno; g) autorização de pagamento; e h) cheque.

e.e.e.e. SuprimentoSuprimentoSuprimentoSuprimento

Suprimento é o estágio da despesa em que o Tesouro Público entrega aos agentes pagadores os meios de pagamento para liquidação dos compromissos financeiros marcados para determinado dia ou período. Compõe-se de uma única fase: entrega de meios de pagamento aos agentes pagadores.

f.f.f.f. PagamentoPagamentoPagamentoPagamento

O pagamento é o último estágio da despesa. O credor comparece perante o agente pagador, identifica-se, recebe seu crédito e dá a competente quitação; essa atividade constitui a última operação do processamento da despesa.

I. Fases do estágio pagamento:

a) liquidação da obrigação; b) quitação do credor: c) contabilização.

Agentes pagadoresAgentes pagadoresAgentes pagadoresAgentes pagadores

Agentes pagadores são as tesourarias, as pagadorias, as exatorias, as caixas e outros órgãos públicos. Não há agentes pagadores privados. -

Da mesma forma que na arrecadação, onde o contribuinte não tem acesso direto ao Tesouro, pois são atendidos pelos agentes arrecadadores, no processamento da despesa também não há contato direto entre o Tesouro e os credores; eles são atendidos sempre pelos agentes pagadores.

O Tesouro Público supre os agentes pagadores com dinheiro ou com créditos bancários em contas especiais e por eles movimentadas. Seja em dinheiro, seja por limite de saque bancário em conta especial, são meios de pagamento colocados à disposição dos agentes pagadores pelo Tesouro. É o suprimento de fundos.

A seguir será apresentado um quadro comparativo dos estágios da receita e da despesa, bem como uma demonstração gráfica do fluxo de caixa, assinalando, nos momentos oportunos, a realização dos estágios financeiros da receita e da despesa.

Page 109: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

109

QuadroQuadroQuadroQuadroXI.1:XI.1:XI.1:XI.1: Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa

Note-se que esses estágios, recolhimento e suprimento, são os que materializam o

princípio de unidade de tesouraria, segundo o qual o produto bruto da arrecadação é encaminhado a um cofre comum de onde são retirados os recursos para pagamento das despesas. O terceiro gráfico mostra os estágios e as correspondentes fases da despesa pública.

Quadro Quadro Quadro Quadro XI.2:XI.2:XI.2:XI.2: Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa Comparativo dos estágios da receita e da despesa

Page 110: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

110

Restos a pagar ou resíduos passivosRestos a pagar ou resíduos passivosRestos a pagar ou resíduos passivosRestos a pagar ou resíduos passivos

A despesa orçamentária empenhada, mas não paga até o último dia do ano financeiro, é apropriada ao exercício em contrapartida com a conta financeira resíduos passivos ou restos a pagar. As duas denominações equivalem-se. Entretanto, restos a pagar tem sido a mais utilizada na prática, e está mesmo consagrada em várias disposições legais como, p. ex., nos arts. 3.° e 4.° e parágrafo único da Lei n.° 869, de 16 de outubro de 1949 e no art. 36 da Lei n.° 4.320/64.

O último artigo mencionado dispõe que são considerados restos a pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas.

Despesas pDespesas pDespesas pDespesas processadas e não processadasrocessadas e não processadasrocessadas e não processadasrocessadas e não processadas

Por despesas processadas entende-se aquelas despesas que completaram o estágio “liquidação”, pelo menos até a fase “g autorização de pagamento (v. Gráfico 03).

Já as despesas não processadas são as que não concluíram o estágio “liquidação”, mesmo que nele já tenham ingressado.

5.3.5.3.5.3.5.3. Divida pública ou dívida passivaDivida pública ou dívida passivaDivida pública ou dívida passivaDivida pública ou dívida passiva

Dívida pública e dívida passiva do Estado são expressões equivalentes. Significam o conjunto de compromissos assumidos pelo Estado com terceiros. Compreendem os empréstimos internos e externos, a curto e a longos prazos, bem como os valores arrecadados a título de receita extra-orcamentária.

A dívida pública é classificada em dois grupos: dívida consolidada ou fundada e dívida flutuante. A primeira, que pode ser interna ou externa, conforme o empréstimo seja feito no país ou no exterior, depende de autorização legislativa para ser contraída. O resgate anual da dívida consolidada constitui despesa orçamentária do exercício. Do exposto conclui-se que a constituição e a liquidação da dívida consolidada dependem de autorização legislativa. Já a constituição e a liquidação da dívida flutuante não dependem de autorização legislativa. A dívida flutuante restringe-se à área nacional e seu resgate é sempre programado em curto prazo. Compreende a dívida flutuante toda a receita extra-orcamentária, os restos a pagar, as restituições a pagar e os débitos de tesouraria.

5.4.5.4.5.4.5.4. Despesas de exercícios anterioresDespesas de exercícios anterioresDespesas de exercícios anterioresDespesas de exercícios anteriores

O orçamento pode consignar dotação especial para o processamento de despesas relativas a exercícios encerrados, constantes do Anexo n°4 da Lei Federal n.° 4.320/64.

A intitulação dessa rubrica orçamentária transmite a idéia de que todas e quaisquer despesas de exercícios anteriores possam ser processadas à conta do orçamento vigente. Esse entendimento tem levado muitos administradores, menos assessorados, a procederem assim sistematicamente.

Esse crédito foi criado com a finalidade de eliminar, ou pelo menos de reduzir, a abertura de créditos especiais destinados a atender pagamentos de despesas que, por razões diversas, não puderam ser pagas em exercícios anteriores; entretanto, sua aplicação tem restrições disciplinadas pela legislação financeira em vigor.

A Lei n° 4.320/64 estabelece que as despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento correspondente consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os restos a pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível a ordem cronológica.

Page 111: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

111

O artigo 37 foi regulamentado pelo Decreto Federal n.° 62.115, de 12 de janeiro de 1968. Pelo regulamento mencionado podem correr à conta dos elementos acima mencionados dívidas classificadas nas seguintes categorias:

1 — despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria;

II — despesas de restos a pagar, com prescrição interrompida, desde que o crédito respectivo tenha sido convertido em renda; e

III — compromissos reconhecidos pela autoridade competente, ainda que não tenha sido prevista a dotação orçamentária própria ou não tenha esta deixada saldo no exercício respectivo, mas que pudessem ser atendidos em face da legislação vigente.

Em conformidade com o art. 2. ° desse decreto, são competentes para reconhecer dívidas de exercícios anteriores os chefes das repartições, exceto as compreendidas no inciso III, que deverão ser reconhecidas pelo Ministro de Estado, dirigente de órgão subordinado à Presidência da República ou autoridade a quem estes delegarem competência.

Os Estados poderão legislar supletivamente, sobre a matéria, como fez o Estado de São Paulo, pelo artigo 35 da Lei n°10.320, de. 16 de dezembro de 1968.

Outras despesas de exercícios anteriores que não se enquadram nas disposições do regulamento federal devem ser atendidas mediante abertura de crédito especial sem prejuízo de, concomitantemente, instaurar-se processo para apuração de responsabilidade.

Page 112: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

112

CAPITULO XII CAPITULO XII CAPITULO XII CAPITULO XII –––– ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO ORÇAMENTO PÚBLICO

1.1.1.1. CONCEITOCONCEITOCONCEITOCONCEITO E DEFINIÇÃO E DEFINIÇÃO E DEFINIÇÃO E DEFINIÇÃO Ainda não se chegou a uma definição de orçamento que fosse livre de crítica e aceita

pacificamente pela maioria dos autores. Divergem as opiniões e, assim, a questão continua aberta à discussão.

Há, sobre a matéria, três teorias. A primeira, tendo à frente o economista alemão Hoennel, que declara ser o orçamento sempre uma lei. A segunda, comandada pelo constitucionalista francês Léon Duguit, sustenta que o orçamento é, em algumas de suas partes, um simples ato administrativo, às vezes simplesmente contábil e, em outras partes, ele é lei. A terceira teoria, mais difundida, liderada pelo financista Gaston Jèze, entende que o orçamento possui apenas a aparência de lei, mas sua substância não é a de uma lei.

Atualmente, o orçamento não é essencialmente uma lei, mas um programa de trabalho do Poder Executivo. Programa que contém planos de custeio dos serviços públicos, planos de investimentos, de inversões e, ainda, planos de obtenção de recursos. A execução desse programa de trabalho exige autorização prévia do órgão de representação popular; e a forma material desse órgão expressar sua autorização é a lei.

Por isso entende-se que o orçamento é um programa de custeios, investimentos, inversões, transferências e receitas, proposto pelo Poder Executivo para um período financeiro, e aprovado pelo Poder Legislativo.

Em outras palavras: orçamento público é um planejamento de aplicação dos recursos esperados, em programas de custeios, investimentos, inversões e transferências durante um período financeiro.

Essas são definições do orçamento examinado sob o ângulo financeiro; porém, analisando o aspecto econômico, a definição do Professor Alberto Deodato é mais adequada. “O orçamento é, na sua mais exata expressão, o quadro orgânico da economia pública. É o espelho da vida do Estado e, pelas cifras, se conhecem os detalhes de seu processo, de sua cultura e de sua civilização”.

2.2.2.2. PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS ---- CONCEITO CONCEITO CONCEITO CONCEITO O orçamento público surgiu para atuar como instrumento de controle das atividades

financeiras do Governo. Através da autorização prévia, pode o órgão de representação popular exercer sua ação fiscalizadora sobre a arrecadação e a aplicação realizadas pelo Poder Executivo. Entretanto, para real eficácia desse controle, faz-se mister que a constituição orgânica do orçamento se vincule a determinadas regras ou princípios orçamentários.

Em torno dessa necessidade movimentaram-se os autores clássicos, oferecendo um rol de regras a serem observadas, tanto na elaboração e apresentação do orçamento, como na sua votação pelo Congresso.

Divergem os escritores na fixação dos princípios e, em conseqüência, torna-se extensa a relação que apresentam. Entre os princípios mais salientados pelos tratadistas, destacam-se os seguintes: anualidade, autorização prévia, clareza, especificação, exatidão, exclusividade, natureza contábil, não afetação das receitas, orçamento bruto, periodicidade, precedência da despesa sobre a receita, publicidade, sinceridade, unidade de caixa, unidade orçamentária, universalidade etc.

Dos inúmeros princípios expostos sobressaem-se alguns que já se confirmaram na doutrina pela constância com que são defendidos pela maioria dos financistas: anualidade, especificação, exclusividade, unidade e universalidade. Somente sobre estes princípios faremos breve comentário, levando-se em conta o fato de que eles foram consagrados pelo nosso Direito Financeiro.

Page 113: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

113

1.1.1.1. Princípio da anualidadePrincípio da anualidadePrincípio da anualidadePrincípio da anualidade

De conformidade com o princípio da anualidade, também denominado princípio da periodicidade, as previsões de receita e despesa devem referir-se, sempre, a um período limitado de tempo; esta regra obriga o Poder Executivo a pedir, periodicamente, nova autorização para cobrar tributos e aplicar o produto da arrecadação. O período de doze meses tem sido considerado ideal, em quase todos os países; assim, o orçamento vigora durante um ano, que poderá ou não coincidir com o ano civil.

O princípio da anualidade, de origem inglesa, constitui hoje um dos princípios básicos do orçamento público; é importante notar que o cumprimento desse princípio interessa tanto ao Poder Legislativo como ao próprio Poder Executivo. Este tem a possibilidade de, anualmente, reajustar o custo dos serviços públicos, com base em valores novos conseqüentes da oscilação de preços. Por outro lado, o Poder Legislativo revê, periodicamente, o custo do programa governamental e autoriza a cobrança de tributos, na medida necessária à boa execução do plano. O princípio amplia a ação fiscalizadora do órgão de representação e propicia ao Governo a possibilidade de reformular seu programa de atividades com os preços reajustados à nova realidade econômico-financeira.

Entretanto, tais vantagens beneficiam apenas os serviços públicos existentes e os investimentos em curto prazo. Atualmente, as novas responsabilidades assumidas pelo Estado, atuando nas áreas comercial e industrial, levam o Governo a elaborar programas de investimentos em longo prazo; mas a execução de tais planos, em longo prazo, não pode ficar na dependência de aprovações anuais e esse fato conduz à reformulação do princípio da anualidade.

Assim, os programas anuais vêm sendo acompanhados de planejamentos plurianuais, único modo de o Estado desempenhar, eficientemente e com segurança, suas novas responsabilidades no campo econômico. Surgiu desse modo a necessidade de conciliar as vantagens dos programas anuais com a exigência de planos em longo prazo. E isto vem sendo atendido através do orçamento paralelo, denominado plano plurianual de investimentos.

Embora reajustado em seu conceito fundamental, o princípio da anualidade continua a dominar a constituição do orçamento público.

2.2.2.2. Principio da especificaçãoPrincipio da especificaçãoPrincipio da especificaçãoPrincipio da especificação

O princípio da especificação, ou princípio da discriminação, tem por escopo vedar as autorizações globais, tanto para arrecadar tributos como para aplicar os recursos financeiros; exige que o plano de cobrança dos tributos e o programa de custeio e investimentos sejam expostos pormenorizadamente. Esta regra reforça a ação fiscalizadora do Poder Legislativo. A dificuldade surge ao indagar-se qual o sistema ideal de classificação e quais os graus de especificação a serem adotados. No Brasil, os sistemas e os graus de especificação são aqueles determinados pelos Anexos nº 3, 4 e 5 da L. F. n° 4.320/64.

3.3.3.3. Princípio da exclusividadePrincípio da exclusividadePrincípio da exclusividadePrincípio da exclusividade

Segundo o princípio da exclusividade, a lei orçamentária não conterá matéria estranha à previsão da receita e à fixação da despesa. O objetivo é impedir que seja utilizado um procedimento legislativo rápido, em virtude dos prazos fatais a que está sujeito, para se aprovarem, com facilidades, medidas que em tramitação regular talvez não lograssem êxito.

4.4.4.4. Principio da unidadePrincipio da unidadePrincipio da unidadePrincipio da unidade

De acordo com o princípio da unidade, o orçamento deve constituir uma só peça, compreendendo as receitas e as despesas do exercício, de modo a demonstrar, pelo confronto das duas somas, se há equilíbrio, saldo ou déficit. Esse é o conceito de unidade sob o aspecto formal, defendido por alguns autores, para outra corrente, entretanto, o conceito de unidade refere-se à unidade de caixa, isto é, todas as receitas devem entrar em uma caixa única e daí deverá sair o dinheiro para pagamento de todas as despesas.

Page 114: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

114

O objetivo da regra é possibilitar controle mais fácil ao Poder Legislativo sobre as origens e destinações dos fundos públicos.

Em decorrência da expansão das atividades comerciais e industriais do Estado, o princípio da unidade é freqüentemente violado pelo surgimento dos orçamentos paralelos, pela necessidade da descentralização das atividades governamentais, criando-se órgãos dotados de autonomia financeira, fundos especiais e regimes financeiros especiais (art. 164, § 3°, da Constituição de 1988).

A tendência é a de substituir o princípio da unidade pelo princípio da totalidade orçamentária, segundo o qual o orçamento constituiria uma aglutinação dos orçamentos administrativos, plurianuais e especiais, com inclusão dos orçamentos dos órgãos descentralizados.

Isso formaria um documento harmônico demonstrando, numa visão de conjunto, os montantes das receitas e das despesas, analisados por grupos orçamentários representativos dos órgãos descentralizados.

5.5.5.5. Principio da universalidadePrincipio da universalidadePrincipio da universalidadePrincipio da universalidade

Conforme o princípio da universalidade, todas as receitas e todas as despesas devem ser incluídas no orçamento. De origem francesa, o princípio tem por objetivo oferecer ao Parlamento um controle seguro sobre as operações financeiras realizadas pelo Poder Executivo.

Este princípio costuma ser acompanhado da regra do orçamento bruto, segundo a qual as receitas e despesas devem figurar no orçamento pelos seus valores brutos, isto é, sem subtrair da arrecadação de determinado órgão suas despesas, fazendo constar no orçamento apenas a parte líquida da arrecadação.

Mas as atividades descentralizadas não permitem a aplicação dessa regra, uma vez que, das operações comerciais e industriais, apenas o resultado líquido figura no orçamento; por tais motivos a importância da regra do orçamento bruto começa a declinar.

Entretanto, o princípio da universalidade continua a merecer, por parte dos tratadistas de finanças públicas, a mais franca aceitação por entenderem eles que se trata de requisito essencial de um bom sistema orçamentário, procurando-se, entretanto, dissociá-lo da regra do orçamento bruto.

3.3.3.3. ORÇAMENTO TRADICIONAL DE RECEITAS E DESPESASORÇAMENTO TRADICIONAL DE RECEITAS E DESPESASORÇAMENTO TRADICIONAL DE RECEITAS E DESPESASORÇAMENTO TRADICIONAL DE RECEITAS E DESPESAS Denomina-se orçamento tradicional aquele que se elaborava antes do advento do

orçamento-programa. Tratava-se de um simples relacionamento das receitas a arrecadar e das despesas de custeio. Era a reunião, num só documento, das duas demonstrações analíticas que descrevemos nos títulos anteriores.

Se o total das receitas fosse superior ao das despesas, a diferença positiva seria aplicada na criação de novos serviços ou na ampliação e aprimoramento de serviços já em funcionamento. Dessa forma a ampliação dos serviços públicos ficava à mercê da existência de saldo positivo entre a receita e a despesa.

Não eram planejados os investimentos, os quais, por não serem especificados e quantificados a priori, ficavam ao sabor das circunstâncias. O orçamento ortodoxo nada mais era do que um extenso rol, profundamente analítico, das receitas e das despesas do exercício.

Não tinha o cunho de planejamento. Os melhoramentos dos serviços públicos ocorriam somente em razão do superávit, e os graus prioridade eram sujeitos às injunções políticas e ao interesse dos governantes.

Page 115: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

115

4.4.4.4. ORÇAMENTOORÇAMENTOORÇAMENTOORÇAMENTO----PROGRAMAPROGRAMAPROGRAMAPROGRAMA Foi visto que o orçamento tradicional era a peça na qual a administração analisava em

primeiro lugar os recursos disponíveis: e em seguida, definia a distribuição desses recursos na manutenção da rede de serviços públicos existentes. Não passava, em verdade, de um simples programa administrativo. Não criava, não ampliava, não mostrava, previamente, se havia objetivos a serem atingidos dentro do exercício financeiro.

O orçamento tradicional era elaborado pelos órgãos de contabilidade sem participação efetiva da alta administração. Os autores costumavam definir o orçamento como um simples ato contendo a aprovação prévia das receitas e das despesas públicas, Alguns tratadistas, mais argutos, já admitiam, nas suas definições de orçamento, a idéia de planejamento, embora de fato eles não o fossem. Preocupava-se o orçamento comum com os meios41 e não com os fins das funções governamentais.

O orçamento-programa, por sua vez, põe em destaque as metas, os objetivos e as intenções do Governo. Consolida um grupo de programas que o Governo se propõe a realizar durante um período Os planos são expressos em unidades mensuráveis e seus custos definidos. É um programa de trabalho e constitui, portanto, um instrumento de planejamento.

Enquanto o orçamento tradicional mostrava o que se pretendia gastar ou comprar, o orçamento-programa realça o que se pretende realizar. Ë um programa de trabalho definindo objetivos a serem alcançados, seus custos e as fontes dos recursos. O orçamento comum restringe os gastos e as compras ao montante da receita estimada, enquanto o orçamento-programa não limita as metas governamentais aos recursos orçamentários previstos.

O orçamento-programa constitui modalidade de orçamento na qual a previsão dos recursos financeiros e sua destinação decorrem da elaboração de um plano completo. Distingue-se do orçamento comum porque este parte da previsão de recursos para a execução de atividades instituídas, enquanto no orçamento-programa a previsão de recursos é a etapa final do planejamento.

A elaboração do orçamento-programa abrange quatro etapas:

1. Planejamento: é a definição dos objetivos a atingir;

2. Programação: é a definição das atividades necessárias à consecução dos objetivos;

3. Projeto: é a estimação dos recursos de trabalho necessários à realização das atividades;

4. Orçamentação: é a estimação dos recursos financeiros para pagar a utilização dos recursos de trabalho e prever as fontes dos recursos.

4.1.4.1.4.1.4.1. Recursos para execução do OrçamentoRecursos para execução do OrçamentoRecursos para execução do OrçamentoRecursos para execução do Orçamento----ProgramaProgramaProgramaPrograma

Elaborado o planejamento, faz-se necessário definir as fontes de recursos financeiros que deverão sustentar e assegurar o desenvolvimento do plano de ação e o atingimento dos objetivos do Governo.

As primeiras e principais fontes de recursos são as receitas próprias, provenientes dos tributos.

A fim de que o volume dos recursos próprios do Governo possa atingir, ano a ano, pico mais alto de arrecadação será indispensável ficar atento às distorções do Código Tributário e corrigi-las sempre em tempo hábil. É importante rever anualmente as Plantas de Valores, os ajustamentos das alíquotas e das tarifas; intensificar e atualizar os meios legais e administrativos de cobrança amigável e judicial dos tributos não recolhidos.

41 Origem provável da expressão “lei de meios”.

Page 116: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

116

Outra fonte de recursos é a contribuição de melhoria que permite recuperar o custo de certas obras que beneficiam indiretamente determinados grupos de contribuintes.

O financiamento de obras de infra-estrutura física, tributáveis, que garantem o retorno do capital aplicado, a curto e a médios prazos, constitui também legítima fonte de recursos para levar a bom termo as metas governamentais.

Finalmente, os empréstimos a curto, a médio e a longos prazos são recursos hábeis e legais. Podem ser obtidos por meio de operações financeiras ou emissão de títulos da dívida pública.

4.2.4.2.4.2.4.2. Estimativa da receitaEstimativa da receitaEstimativa da receitaEstimativa da receita

O cálculo da receita a ser arrecadada no exercício seguinte constitui um trabalho relevante e de responsabilidade, pois a receita orçamentária representa uma importante fonte de recursos para a realização dos programas de trabalho — atividades e projetos — traçados pelo chefe do Poder Executivo.

A tarefa não é fácil. Os procedimentos adotados na estimação da receita evoluíram, mas ainda não existem normas concretas e definitivas que conduzam a uma avaliação exata da receita.

O método de tomar por base a receita arrecadada no penúltimo exercício já foi há muito abandonado. Outro procedimento adotado durante algum tempo foi o de tomar como base a média das arrecadações dos últimos três anos. Outros métodos menos técnicos já foram esquecidos.

A estimativa da receita não é uma ciência, nem pode ser tratada como profecia. Muitos são os fatores que envolvem a análise e a mensuração da receita futura. A tarefa é árida e os resultados são considerados sempre em nível de aproximação. O problema agrava-se nos países de moeda instável.

A oscilação dos preços, o crescimento vegetativo, o aumento demográfico, o incremento dos centros de produção, a política tributária, a revisão da Planta de Valores, as alterações de alíquotas, a eficácia na cobrança dos contribuintes faltosos e a intensificação da fiscalização são, entre outros, alguns fatores de influência direta na estimativa da receita.

O órgão central de orçamento, auxiliado pelo cadastro fiscal, pela contabilidade, pela administração tributária e por outros órgãos da administração, envolvidos no processo arrecadatório, terá condições de definir, numa primeira aproximação, o montante da receita a ser arrecadada no exercício seguinte. Em seguida, a análise cuidadosa de cada um dos fatores de influência determinará, mediante sucessivas aproximações, o montante provável da arrecadação.

A comissão, ou órgão centralizador do orçamento, deve catalogar, de forma sistemática e permanente, informações que auxiliarão no trabalho de estimar as receitas. O técnico orçamentista precisa ser dotado de suficiente experiência e sensibilidade para pesar bem cada um dos fatores que modificam o valor da receita prevista.

Um dos procedimentos mais corretos na avaliação da receita global é dividi-la em seus diversos componentes, isto é, analisar e mensurar, separadamente, uma por uma, as fontes de arrecadação. Cada uma delas tem a sua peculiaridade.

A seção central de orçamento deve conhecer profundamente as características de cada espécie de tributo. Às vezes, a alíquota de determinado tributo é aumentada sem o objetivo de se obter um aumento na arrecadação.

Assim, em diversas etapas aproximatórias obtém-se uma estimativa de receita fiel ao princípio orçamentário da sinceridade.

Page 117: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

117

5.5.5.5. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASILO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASILO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASILO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASIL O processo orçamentário brasileiro obedece aos ditames estabelecidos na Constituição

nos artigos 165 a 169, das disposições gerais que norteiam o referido processo. Em particular, o artigo 165 confere ao Poder Executivo a obrigatoriedade de estabelecer o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) que é o próprio orçamento.

Com a estabilização econômica, o orçamento se reveste da maior importância, na medida em que os valores expressos em termos reais tendem a não ficar defasados, como ocorria no período inflacionário. Em conseqüência, passa a espelhar, com maior nitidez, a alocação dos recursos, favorecendo o acompanhamento e a avaliação das ações governamentais, principalmente pelo contribuinte e seus representantes, colaborando assim, para a construção de um estado moderno, voltado para os interesses da sociedade.

Esta nova realidade demanda a necessidade de se difundir amplamente o conteúdo do orçamento, que expressa o esforço do governo para atender à programação requerida pela sociedade, a qual é financiada com as contribuições de todos os cidadãos por meio do pagamento de seus tributos, contribuições sociais e tarifas de serviços públicos.

O orçamento público é uma lei que, entre outros aspectos, exprime em termos financeiros a alocação dos recursos públicos.

Trata-se de um instrumento de planejamento que espelha as decisões políticas, estabelecendo as ações prioritárias para o atendimento das demandas da sociedade, em face da escassez de recursos. Apresenta múltiplas funções - de planejamento, contábil, financeira e de controle. As despesas, para serem realizadas, têm que estar autorizadas na lei orçamentária anual refletindo a co-responsabilidade entre os poderes, caracterizando-se por configurar quatro fases distintas quais sejam:

1. A elaboração da proposta, feita no âmbito do Poder Executivo; 2. A apreciação e votação pelo Legislativo - no caso do governo federal, o Congresso

Nacional; 3. A sua execução; e 4. O controle, consubstanciado no acompanhamento e avaliação da execução.

5.1.5.1.5.1.5.1. Orçamento Geral da União (OGU)Orçamento Geral da União (OGU)Orçamento Geral da União (OGU)Orçamento Geral da União (OGU)

O Orçamento Geral da União (OGU) prevê todos os recursos e fixa todas as despesas do Governo Federal, referentes aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

As despesas fixadas no orçamento são cobertas com o produto da arrecadação dos impostos, taxas e contribuições federais bem como pelas operações de crédito que nada mais são do que o endividamento do Tesouro Nacional junto ao mercado financeiro interno e externo.

No tocante às receitas, estas são estimadas pelo governo, não refletindo com exatidão aquilo que foi previsto arrecadar. Por isso mesmo, elas podem ser maiores ou menores do que foi inicialmente previsto.

Com base na receita prevista, são fixadas as despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Depois que o Orçamento é aprovado pelo Congresso, o governo passa a gastar o que foi autorizado.

Se a receita do ano for superior à previsão inicial, o governo encaminha ao Congresso um projeto de lei pedindo autorização para incorporar e executar o excesso de arrecadação, definindo as novas despesas que serão custeadas pelos novos recursos. Se, ao contrário, a receita cair, o governo fica impossibilitado de executar o orçamento na sua totalidade, o que exigirá corte nas despesas programadas.

Page 118: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

118

5.2.5.2.5.2.5.2. A elaboração do OrçamentoA elaboração do OrçamentoA elaboração do OrçamentoA elaboração do Orçamento

Historicamente, o processo de elaboração do orçamento brasileiro tem alternado situações em que o Congresso efetivamente participa e define onde e como os recursos públicos são distribuídos e outras nas quais ele tem pouca ou nenhuma influência direta. Atualmente, mesmo quando os parlamentares têm um papel efetivo, este se limita essencialmente à proposição de emendas ao projeto de lei orçamentária que visam direcionar para suas bases eleitorais programas e projetos de interesse local.

A Constituição de 1988 gerou um novo conjunto de normas complexas para regulamentar o processo decisório do orçamento federal. O principal objetivo dessas inovações foi criar um sofisticado sistema hierárquico de coordenação e planejamento para um período de quatro anos, ampliando, assim, o ciclo orçamentário para além da formulação do projeto de lei anual.

Foram criados três instrumentos institucionais responsáveis pela regulamentação (Plano Plurianual – PPA), planejamento (Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO) e distribuição dos recursos federais (Lei Orçamentária Anual – LOA). Pela Constituição, esta tríade se liga hierarquicamente em diferentes etapas.

O Orçamento é elaborado pelos três poderes da República e consolidado pelo Poder Executivo. Quando de sua elaboração não se pode fixar despesas em valores superiores aos recursos disponíveis, ou seja, ele precisa ser equilibrado.

Essa limitação obriga o governo a definir prioridades na aplicação dos recursos estimados. As metas para a elaboração da proposta orçamentária são definidas pelo Plano Plurianual (PPA) e priorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

1.1.1.1. Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual ---- PPA PPA PPA PPA

O projeto do Plano Plurianual precisa ser elaborado pelo governo e encaminhado ao Congresso, para ser discutido e votado, até o dia 31 de agosto do primeiro ano do mandato de cada presidente, como determina a Constituição. Depois de aprovado, o PPA é válido para os quatro anos seguintes. O PPA estabelece as diretrizes, objetivos e metas, de forma regionalizada, da administração pública federal.

A finalidade do PPA, em termos orçamentários, é a de estabelecer objetivos e metas que comprometam o Poder Executivo e o Poder Legislativo a dar continuidade aos programas na distribuição dos recursos.

O PPA precisa ser aprovado pelo Congresso até o final do primeiro ano do mandato do presidente eleito. O controle e a fiscalização da execução do PPA são realizados pelo sistema de controle interno do Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas da União. O acompanhamento e a avaliação são feitos pelo Ministério do Planejamento e Orçamento.

2.2.2.2. Lei de Diretrizes OrçamenLei de Diretrizes OrçamenLei de Diretrizes OrçamenLei de Diretrizes Orçamentárias tárias tárias tárias ---- LDO LDO LDO LDO

As metas e diretrizes definidas pelo PPA e pela LDO são utilizadas pelo Executivo para elaborar o Projeto de Lei Orçamentária - PLO. Este projeto de orçamento estima o total das receitas e fixa as despesas para o exercício fiscal subseqüente, ou seja, a proposta detalha programas e atividades específicas que devem estar de acordo com os dois instrumentos mencionados.

O projeto da LDO é elaborado pelo Poder Executivo, sob a direção do Ministério do Planejamento e Orçamento e a coordenação da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), e precisa ser encaminhado ao Congresso até o dia 15 de abril de cada ano. O projeto da LDO tem como base o PPA e deve ser apreciado pelo Congresso Nacional até 30 de junho de cada exercício. Depois de aprovado, o projeto é sancionado pelo Presidente da República.

Com base na LDO, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) elabora a proposta orçamentária para o ano seguinte, com a participação dos Ministérios (órgãos setoriais) e as unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Page 119: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

119

3.3.3.3. Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual ---- LOA LOA LOA LOA

O Executivo é responsável pela coordenação e elaboração da Proposta de Orçamento Anual - POA, mais especificamente, pela Secretaria de Orçamento Federal - SOF, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a participação dos demais Ministérios (órgãos setoriais) e as unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário a coordenação e detalhamento da POA.

A Secretaria de Orçamento Federal - SOF estima o total de receitas e despesas de cada ministério (pessoal, contribuições previdenciárias, dívidas etc.), do Legislativo e do Judiciário. Na seqüência, define os parâmetros para todas as demais despesas, inclusive operacionais e de investimentos, além de especificar os limites de despesas para cada programa que cada um dos órgãos públicos se propõe a desenvolver.

Após considerar esses limites orçamentários, cada ministério e órgão público devolve seu projeto à SOF, que fica com a responsabilidade de consolidar tudo em uma proposta única, o PLO, que é então encaminhado ao Congresso.

É importante notar que é nessa etapa que alguns parlamentares, especialmente os de mais prestígio e poder político, recorrem às suas redes políticas dentro dos ministérios e órgãos federais para incluir projetos de seu interesse na proposta que o Executivo deve enviar ao Congresso Nacional.

Esses parlamentares “furam a fila” num estágio importante das negociações no Congresso, fazendo constar seus pedidos já no projeto enviado pelo presidente da República. É nessa fase que se dão as negociações mais ardilosas dentro do Poder Executivo, com cada parte buscando alargar seu quinhão do orçamento e o Tesouro procurando conter as reivindicações de todos.

Mas o jogo orçamentário não acaba depois que o PLOA é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República. Mesmo esgotadas essas etapas, ainda é possível modificar o projeto mediante créditos adicionais que abrem a possibilidade de introduzir novas emendas com potencial de redistribuir recursos.

Esse mecanismo institucional torna o processo orçamentário quase interminável, convertendo-o em um jogo seqüencial em que Executivo e Congresso interagem em mais de uma ocasião. O Executivo participa desse jogo em uma posição mais favorável, pois se utiliza da assimetria de informações e de mecanismos institucionais que lhe outorgam consideráveis poderes discricionários.

Por determinação constitucional o presidente da República está obrigado a enviar para o Congresso o PLOA até 30 de agosto e o prazo que este tem para emendar e aprovar o projeto se estende até 15 de dezembro. O exame da proposta é realizado pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização - CMPOF, sendo em seguida apreciado pelas duas Casas do Congresso. O PLOA, posteriormente, é devolvido ao Executivo para sanção, com ou sem vetos.

Depois de sancionado pelo presidente da República, o PLOA transforma-se em lei, denominada de Lei Orçamentária Anual (LOA).

A Lei Orçamentária Anual é composta de três orçamentos diferentes:

a.a.a.a. Orçamento FiscalOrçamento FiscalOrçamento FiscalOrçamento Fiscal

O orçamento fiscal abrange impostos e as despesas de toda a administração pública, incluindo os três Poderes e as fundações mantidas pelo Estado.

b.b.b.b. Orçamento de Seguridade SocialOrçamento de Seguridade SocialOrçamento de Seguridade SocialOrçamento de Seguridade Social::::

O orçamento da seguridade social corresponde à ação do governo em três setores: saúde, previdência e assistência social.

Page 120: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

120

c.c.c.c. Orçamento de Investimentos das Estatais.Orçamento de Investimentos das Estatais.Orçamento de Investimentos das Estatais.Orçamento de Investimentos das Estatais.

O orçamento de investimentos das estatais é responsável pelo montante total das receitas de capital (de origem não fiscal) a ser investido pelos órgãos públicos.

5.3.5.3.5.3.5.3. Processo de elaboraçãProcesso de elaboraçãProcesso de elaboraçãProcesso de elaboração do Orçamentoo do Orçamentoo do Orçamentoo do Orçamento

O processo orçamentário compreende as fases de elaboração e execução das leis orçamentárias – PPA, LDO e LOA. Cada uma dessas leis tem ritos próprios de elaboração, aprovação e implementação pelos Poderes Legislativo e Executivo. Entender esses ritos é o primeiro passo para a participação da sociedade no processo decisório, fortalecendo, assim, o exercício do controle social na aplicação dos recursos públicos.

a.a.a.a. Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual ---- PPA PPA PPA PPA

O plano plurianual – PPA é instrumento de planejamento de médio prazo, que estabelece as diretrizes, objetivos e metas do governo para os projetos e programas de longa duração, para um período de quatro anos. Nenhuma obra de grande vulto ou cuja execução ultrapasse um exercício financeiro pode ser iniciada sem prévia inclusão no plano plurianual.

Para a elaboração e execução do PPA são obedecidas as seguintes fases:

ElaboraçãoElaboraçãoElaboraçãoElaboração

1.1.1.1. Projeto de LeiProjeto de LeiProjeto de LeiProjeto de Lei

O projeto de PPA (PPPA) é elaborado pela Secretaria de Investimentos e Planejamento Estratégico (SPI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, que possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei e diversos anexos, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso Nacional até 31 de agosto do primeiro ano de mandato presidencial, devendo vigorar por quatro anos.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a tramitação legislativa, observadas as normas constantes da Resolução nº. 01, de 2006 – CN. O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO.

2.2.2.2. Parecer PreliminarParecer PreliminarParecer PreliminarParecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator do projeto de plano plurianual (PPPA) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o projeto, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análise e apreciação do projeto, tais como: i) condições para o remanejamento e cancelamento de valores financeiros constantes do projeto; ii) critérios para alocação de eventuais recursos adicionais decorrentes da reestimativa das receitas; e iii) orientações sobre apresentação e apreciação de emendas.

Em complemento à análise inicial, a CMO pode realizar audiências públicas regionais para debater o projeto.

Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares, Comissões Permanentes da Câmara e do Senado e Bancadas Estaduais.

3.3.3.3. EmendasEmendasEmendasEmendas

Após aprovado o parecer preliminar, abre-se prazo para a apresentação de emendas ao projeto de plano plurianual, com vistas a inserir, suprimir, substituir ou modificar dispositivos constantes do projeto.

Ao projeto podem ser apresentadas até dez emendas por parlamentar, até cinco emendas por Comissão Permanente da Câmara e do Senado e até cinco emendas por Bancada Estadual.

Page 121: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

121

As emendas são apresentadas perante a CMO, que sobre elas emite parecer conclusivo e final, o qual somente poderá ser modificado mediante a aprovação de destaque no Plenário do Congresso Nacional.

4.4.4.4. RelatórioRelatórioRelatórioRelatório

O relator deve analisar o projeto de plano plurianual e as emendas apresentadas, tendo como orientação as regras estabelecidas no Parecer Preliminar, e formalizar, em relatório, as razões pelas quais acolhe ou rejeita as emendas. Deve também justificar quaisquer outras alterações que tenham sido introduzidas no texto do projeto de lei. O produto final desse trabalho, contendo as alterações propostas ao texto do PPPA, decorrentes das emendas acolhidas pelo relator e das por ele apresentadas, constitui a proposta de substitutivo.

O relatório e a proposta de substitutivo são discutidos e votados no Plenário da CMO, sendo necessário para aprová-los a manifestação favorável da maioria dos membros de cada uma das Casas, que integram a CMO.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

5.5.5.5. Autógrafos e LeisAutógrafos e LeisAutógrafos e LeisAutógrafos e Leis

Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

♦♦♦♦ ExecuçãoExecuçãoExecuçãoExecução

Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução OrçamentáriaComitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução OrçamentáriaComitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução OrçamentáriaComitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária

O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária é composto por cinco a dez membros, designados entre os membros titulares ou suplentes da CMO, em até cinco dias após a instalação dessa Comissão. Além dos membros escolhidos pelo Presidente da CMO, integrarão o Comitê os Relatores Setoriais e o Relator-Geral do projeto de lei orçamentária anual.

O Comitê tem por atribuições:

a. acompanhar, avaliar e fiscalizar a execução orçamentária e financeira, inclusive os decretos de contingenciamento, o cumprimento das metas fixadas na lei de diretrizes orçamentárias e o desempenho dos programas governamentais;

b. analisar a consistência fiscal dos projetos de lei do plano plurianual e da lei orçamentária anual, em conjunto com o Comitê de Avaliação da Receita;

c. apreciar os Relatórios de Gestão Fiscal previstos no art. 54 da Lei de Responsabilidade Fiscal;

Page 122: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

122

d. analisar as informações encaminhadas pelo Tribunal de Contas da União acerca da execução orçamentária e financeira e do cumprimento das metas fixadas na lei de diretrizes orçamentárias;

e. analisar as demais informações encaminhadas pelo Tribunal de Contas da União, exceto as relativas a obras e serviços com indícios de irregularidades e as relativas à receita.

Os relatórios produzidos pelo Comitê serão encaminhados para conhecimento e deliberação pela CMO. No caso do projeto de lei orçamentária anual, o Relatório do Comitê sobre a consistência fiscal do projeto será parte integrante do Parecer Preliminar.

O Comitê realizará, bimestralmente, reuniões de avaliação de seus relatórios com representantes dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda para discutir a evolução e as projeções das metas fiscais, dos grandes itens de despesa, em especial as projeções das despesas obrigatórias e de funcionamento dos órgãos e entidades para o exercício corrente e os dois seguintes, bem como outras matérias de competência do Comitê.

Também bimestralmente, o Comitê realizará encontros técnicos com representantes de outros Ministérios para discutir a avaliação dos programas de sua responsabilidade, os critérios de aplicação de recursos, os critérios e efeitos da limitação de empenho, a respectiva execução orçamentária, inclusive das ações que foram objeto de emendas parlamentares, as projeções de necessidades de recursos para os exercícios seguintes, bem como outras matérias de competência do Comitê.

b.b.b.b. Lei das Diretrizes Orçamentárias Lei das Diretrizes Orçamentárias Lei das Diretrizes Orçamentárias Lei das Diretrizes Orçamentárias ---- LDO LDO LDO LDO

A lei de diretrizes orçamentárias - LDO define as metas e prioridades do governo para o ano seguinte, orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política das agências de desenvolvimento (Banco do Nordeste, Banco do Brasil, BNDES, Banco da Amazônia, etc.). Também fixa limites para os orçamentos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e dispõe sobre os gastos com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal remeteu à LDO diversos outros temas, como política fiscal, contingenciamento dos gastos, transferências de recursos para entidades públicas e privadas e política monetária.

Para a elaboração da LDO são obedecidas as seguintes fases:

1.1.1.1. Projeto de LeiProjeto de LeiProjeto de LeiProjeto de Lei

O projeto de LDO (PLDO) é elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, que possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei e diversos anexos, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso Nacional até 15 de abril de cada ano.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a tramitação legislativa, observadas as normas constantes da Resolução nº. 01, de 2006 – CN. O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO.

2.2.2.2. Parecer PreliminarParecer PreliminarParecer PreliminarParecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator do projeto de diretrizes orçamentárias (PLDO) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o projeto, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análise e apreciação do projeto, tais como: i) condições para o cancelamento de metas constantes do projeto; ii) critérios para o acolhimento de emendas; e iii) disposições sobre apresentação e apreciação de emendas individuais e coletivas.

Além disso, o parecer preliminar avalia os cenários econômico-fiscal e social, bem como os parâmetros macroeconômicos utilizados na elaboração do projeto e as informações constantes de

Page 123: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

123

seus anexos, com o objetivo de promover análises prévias ao conteúdo apresentado. Como complemento à análise inicial, a CMO realiza audiência pública com o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, antes da apresentação do Relatório Preliminar.

Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares e pelas Comissões Permanentes da Câmara e do Senado.

3.3.3.3. EmendasEmendasEmendasEmendas

Após aprovado o parecer preliminar, abre-se prazo para a apresentação de emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias, com vistas a inserir, suprimir, substituir ou modificar dispositivos constantes do projeto.

Cada parlamentar, Comissão Permanente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e Bancada Estadual do Congresso Nacional pode apresentar até cinco emendas ao anexo de metas e prioridades. Não se incluem nesse limite as emendas ao texto do projeto de lei. Para essa finalidade, as emendas são ilimitadas.

As emendas são apresentadas perante a CMO, que sobre elas emite parecer conclusivo e final, que somente poderá ser modificado mediante a aprovação de destaque no Plenário do Congresso Nacional.

4.4.4.4. RelatórioRelatórioRelatórioRelatório

O relator deve analisar o projeto de diretrizes orçamentárias e as emendas apresentadas, tendo como orientação as regras estabelecidas no Parecer Preliminar, e formalizar, em relatório, as razões pelas quais acolhe ou rejeita as emendas. Deve também justificar quaisquer outras alterações que tenham sido introduzidas no texto do projeto de lei. O produto final desse trabalho, contendo as alterações propostas ao texto do PLDO, decorrentes das emendas acolhidas pelo relator e das por ele apresentadas, constitui a proposta de substitutivo. O relatório e a proposta de substitutivo são discutidos e votados no Plenário da CMO, sendo necessário para aprová-los a manifestação favorável da maioria dos membros de cada uma das Casas, que integram a CMO.

A Constituição Federal não estabelece prazo final para a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. No entanto, determina que o Congresso Nacional não tenha direito a recesso a partir de 17 de julho enquanto o PLDO não for aprovado.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

5.5.5.5. Autógrafos e LeisAutógrafos e LeisAutógrafos e LeisAutógrafos e Leis

Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

c.c.c.c. Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual ---- LOA LOA LOA LOA

Page 124: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

124

Na lei orçamentária anual (LOA) estão estimadas as receitas que serão arrecadadas durante o ano e definidas as despesas que o governo espera realizar com esses recursos, conforme aprovado pelo Legislativo. A LOA contém três orçamentos, previstos na Constituição Federal: o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social (previdência, assistência e saúde) e o orçamento de investimentos das empresas estatais.

Para a elaboração e execução da LOA são obedecidas as seguintes fases:

1.1.1.1. Projeto de LeiProjeto de LeiProjeto de LeiProjeto de Lei

O projeto de lei orçamentária é elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. O Executivo possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei, quadros orçamentários consolidados e anexos dos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Social e de Investimento das Empresas Estatais, o projeto de lei deve ser encaminhado para apreciação do Congresso Nacional até 31 de agosto de cada ano.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO. A Resolução nº. 01, de 2006 – CN regula a tramitação legislativa do orçamento.

Para conhecer o conteúdo do projeto e promover o debate inicial sobre a matéria, a CMO realiza audiências públicas com Ministros ou representantes dos órgãos de Planejamento, Orçamento e Fazenda do Executivo e com representantes das diversas áreas que compõem o orçamento. Nessa oportunidade os parlamentares começam a avaliar a proposta apresentada e têm a possibilidade de ouvir tanto as autoridades governamentais como a sociedade.

2.2.2.2. Relatório de ReceitaRelatório de ReceitaRelatório de ReceitaRelatório de Receita

Cabe ao relator da receita, com o auxílio do Comitê de Avaliação da Receita, avaliar, inicialmente, a receita prevista pelo Executivo no projeto de lei orçamentária. O objetivo é verificar se o montante estimado da receita está de acordo com os parâmetros econômicos previstos para o ano seguinte. Caso encontre algum erro ou omissão, é facultado ao Legislativo reavaliar a receita e propor nova estimativa.

O relator da receita apresenta suas conclusões no Relatório da Receita. Esse documento deve conter, entre outros assuntos, o exame da conjuntura macroeconômica e do impacto do endividamento sobre as finanças públicas, a análise da evolução da arrecadação das receitas nos últimos exercícios e da sua estimativa no projeto, o demonstrativo das receitas reestimadas e os pareceres às emendas apresentadas. O Relatório da Receita deve ser aprovado pela CMO.

O relator da receita pode propor atualização do Relatório da Receita aprovado pela CMO, no caso de alterações nos parâmetros utilizados para a projeção ou na legislação tributária ocorridas durante a tramitação do projeto no Congresso. O prazo máximo para propor alterações é de até dez dias após a votação do último relatório setorial.

3.3.3.3. Parecer PreliminarParecer PreliminarParecer PreliminarParecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator-geral do projeto de lei orçamentária deve elaborar Relatório Preliminar sobre a matéria, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece os parâmetros e critérios a serem obedecidos na apresentação de emendas e na elaboração do relatório pelo relator-geral e pelos relatores setoriais.

O Relatório Preliminar é composto de duas partes. A primeira parte – geral – apresenta análise das metas fiscais, exame da compatibilidade com o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei de responsabilidade fiscal, avaliação das despesas por área temática, incluindo a execução recente, entre outros temas. A segunda parte – especial – contém as regras para a atuação dos relatores setoriais e geral e as orientações específicas referentes à apresentação e apreciação de emendas, inclusive as de relator. Define, também, a composição da Reserva de Recursos a ser utilizada para o atendimento das emendas apresentadas.

Page 125: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

125

Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares e pelas Comissões Permanentes das duas Casas do Congresso Nacional.

4.4.4.4. EmendasEmendasEmendasEmendas

As emendas à despesa são classificadas como de remanejamento, de apropriação ou de cancelamento.

Emenda de remanejamento é a que propõe acréscimo ou inclusão de dotações e, simultaneamente, como fonte exclusiva de recursos, a anulação equivalente de dotações constantes do projeto, exceto as da Reserva de Contingência. Com isso, somente poderá ser aprovada com a anulação das dotações indicadas na própria emenda, observada a compatibilidade das fontes de recursos.

Emenda de apropriação é a que propõe acréscimo ou inclusão de dotações e, simultaneamente, como fonte de recursos, a anulação equivalente de valores da Reserva de Recursos ou outras dotações definidas no Parecer Preliminar.

Emenda de Cancelamento é a que propõe, exclusivamente, a redução de dotações constantes do projeto.

A emenda ao projeto que propõe acréscimo ou inclusão de dotações somente será aprovada se: i) estiver compatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; ii) indicar os recursos necessários; iii) não for constituída de várias ações que devam ser objeto de emendas distintas; e iv) não contrariar as normas regimentais sobre a matéria. Não serão aprovadas emendas em valor superior ao solicitado, ressalvados os casos de remanejamento entre emendas individuais, respeitado o limite global.

As bancadas estaduais no Congresso Nacional e as comissões permanentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados podem apresentar emendas ao projeto nas matérias diretamente ligadas às suas áreas de atuação.

Cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas individuais, no valor total definido pelo Parecer Preliminar.

Os relatores somente podem apresentar emendas para corrigir erros e omissões de ordem técnica e legal, recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas e atender às especificações do Parecer Preliminar.

5.5.5.5. Ciclos setoriaisCiclos setoriaisCiclos setoriaisCiclos setoriais

O projeto de lei orçamentária anual é divido em 10 áreas temáticas, com o objetivo de dar atenção às particularidades dos diversos temas que permeiam a proposta, como educação, saúde, transporte, agricultura, entre outros. Para cada área temática é designado um relator setorial, que deve avaliar o projeto encaminhado, analisar as emendas apresentadas e elaborar relatório setorial com as suas conclusões e pareceres.

Os Relatores Setoriais devem debater o projeto nas Comissões Permanentes, antes de apresentar o relatório, podendo ser convidados, na oportunidade, representantes da sociedade civil.

Na elaboração dos relatórios setoriais, serão observados, estritamente, os limites e critérios fixados no Parecer Preliminar. O Relator deve verificar a compatibilidade do projeto com o PPA, a LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a execução orçamentária recente e os efeitos dos créditos adicionais dos últimos quatro meses. Os critérios utilizados para a distribuição dos recursos e as medidas adotadas quanto às obras e serviços com indícios de irregularidades graves apontadas pelo TCU também devem constar do relatório.

Os relatórios setoriais são discutidos e votados individualmente na CMO.

6.6.6.6. Ciclo GeralCiclo GeralCiclo GeralCiclo Geral

Page 126: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

126

Após a aprovação dos relatórios setoriais, é tarefa do Relator Geral compilar as decisões setoriais em um único documento, chamado Relatório Geral, que será submetido à CMO. O papel do relator geral é verificar a constitucionalidade e legalidade das alocações de recursos e zelar pelo equilíbrio regional da distribuição realizada.

No relatório geral, assim como nos setoriais, são analisados a compatibilidade do projeto com o PPA, a LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a execução orçamentária recente e os efeitos dos créditos adicionais dos últimos quatro meses. Os critérios utilizados pelo relator na distribuição dos recursos e as medidas adotadas quanto às obras e serviços com indícios de irregularidades graves apontadas pelo TCU também devem constar do relatório.

Integram, ainda, o Relatório Geral os relatórios dos Comitês Permanentes e daqueles constituídos para assessorar o relator geral.

As emendas ao texto e as de cancelamento são analisadas exclusivamente pelo relator geral, que sobre elas emite parecer.

A apreciação do Relatório Geral, na CMO, somente terá início após a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de plano plurianual ou de projeto de lei que o revise.

O Relatório Geral é lido, discutido e votado no plenário da CMO. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres propostos pelo Relator.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

7.7.7.7. Autógrafos e LeiAutógrafos e LeiAutógrafos e LeiAutógrafos e Leissss

O parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

♦♦♦♦ Execução OrçamentáriaExecução OrçamentáriaExecução OrçamentáriaExecução Orçamentária

1.1.1.1. Execução da Despesa Fiscal e SeguridadeExecução da Despesa Fiscal e SeguridadeExecução da Despesa Fiscal e SeguridadeExecução da Despesa Fiscal e Seguridade

A execução do orçamento fiscal e orçamento da seguridade social é realizada em três estágios: empenho, liquidação e pagamento.

A partir das dotações autorizadas na lei orçamentária (dotação inicial mais/menos créditos adicionais) o gestor irá iniciar a execução das despesas por meio do empenho, que é a reserva de recursos para uma determinada despesa.

Empenhada a despesa, é feita a aquisição do bem ou contratação do serviço objeto da dotação orçamentária. Uma vez entregue o bem ou prestado o serviço, processa-se a liquidação da despesa, que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor junto ao Estado, pela comparação entre o que foi contratado e o que foi efetivamente entregue ou realizado.

Page 127: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

127

Após a liquidação da despesa, é feito o pagamento ao credor pela autoridade competente, por meio da emissão de ordem bancária ou outro instrumento financeiro. Finaliza-se, assim, a realização da despesa.

As despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro, são inscritas em restos a pagar, o que permite que sua realização continue a ocorrer normalmente no curso do exercício seguinte.

As despesas são apresentadas na lei orçamentária sob diversas classificações, principalmente as classificações funcional, programática, institucional e por natureza.

2.2.2.2. Execução de Despesa Execução de Despesa Execução de Despesa Execução de Despesa ---- Estatais Estatais Estatais Estatais

O Orçamento de Investimentos das Estatais abrange a programação de investimentos das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Sob a coordenação do Departamento de Coordenação e Controle de Empresas Estatais (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), esse orçamento é formulado com metodologia diferente da usada nos orçamentos fiscal e da seguridade social, já que as empresas estatais se submetem a um regime jurídico diferenciado daquele que vige para os órgãos públicos.

Não existem normas bem definidas sobre a elaboração, execução e prestação de contas do orçamento de investimentos das estatais, por ainda não ter sido editada a lei complementar sobre a matéria prevista no art. 165, § 9º da Constituição Federal.

3.3.3.3. Programação Financeira e ContingenciamentoProgramação Financeira e ContingenciamentoProgramação Financeira e ContingenciamentoProgramação Financeira e Contingenciamento

A programação orçamentária e financeira da lei orçamentária foi instituída, inicialmente, como forma de controlar os fluxos de caixa do governo às necessidades de pagamento.

A partir da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF e da obrigatoriedade de se cumprir as metas fiscais fixadas na lei de diretrizes orçamentárias - LDO, essa prática passou a ser regulada e acompanhada bimestralmente. O Executivo encaminhará à Comissão Mista de Orçamento - CMO relatório bimestral de acompanhamento da execução da receita e da despesa, mesmo nos no caso de não haver alteração nos limites de empenho e pagamento fixados anteriormente. Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Executivo deverá, ainda, demonstrar e avaliar o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na CMO.

Segundo a LRF, se verificado, ao final de um bimestre, que a realização de receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais da LDO, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, limitação de empenho e movimentação financeira das dotações disponíveis (contingenciamento de dotações), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

No caso de restabelecimento da receita prevista inicialmente, ainda que parcial, haverá recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados de forma proporcional às reduções efetivadas.

O contingenciamento das dotações não incidirá sobre as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, como pessoal, transferências a estados e municípios, sentenças judiciais, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e sobre aquelas protegidas pela lei de diretrizes orçamentárias.

4.4.4.4. Execução da ReceiExecução da ReceiExecução da ReceiExecução da Receitatatata

As receitas são estimadas no orçamento. O valor constante em cada item da receita orçamentária constitui-se em mera previsão, podendo, como resultado da execução, ficar aquém ou ultrapassar o valor estimado. A inexistência de determinado item – rubrica – na lei orçamentária não inibe que a receita correspondente seja arrecadada.

Page 128: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

128

São consideradas do exercício as receitas nele arrecadadas.

São consideradas receitas orçamentárias todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operação de crédito, ainda que não previstas no orçamento. São exemplos de receitas os tributos, contribuições, rendas patrimoniais e de serviços, operações de crédito etc.

5.4.5.4.5.4.5.4. Resumo das fases do OrçamentoResumo das fases do OrçamentoResumo das fases do OrçamentoResumo das fases do Orçamento

1ª Etapa: Entre os meses de janeiro e maio, na Secretaria de Orçamento Federal - SOF, é desenvolvida a análise da série histórica da execução dos últimos exercícios, para definição dos limites de gastos por unidade orçamentária da União.

2ª Etapa: No mês de junho, os órgãos setoriais apresentam uma proposição detalhada relativa às suas programações em:

Atividades - envolvendo o montante de recursos necessários para assegurar a manutenção da execução das ações atualmente desenvolvidas para a prestação de serviços à comunidade;

Despesas Obrigatórias - relativas a despesas com pessoal, serviço da dívida, benefícios previdenciários.

3ª Etapa: Com a estimativa da Receita a ser arrecadada e o montante de gastos projetados para o exercício na 2ª Etapa, define um limite adicional e o remete aos órgãos para complementar a sua programação orçamentária, compreendendo:

a. Expansão de atividades - os valores necessários para expansão dos serviços;

b. Projetos - gastos requeridos para aumento da capacidade física de atendimento ou inserção de uma ação nova nas atribuições dos órgãos.

4ª Etapa: Formaliza o documento final elaborando todos os demonstrativos exigidos pela Lei Federal no 4.320/64 e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.

No Congresso, deputados e senadores discutem a proposta que o Executivo preparou, fazem as mudanças que consideram necessárias e votam o projeto. Até à Constituição de 1988, o Congresso apenas homologava o orçamento tal qual ele vinha do Executivo. A partir de 1988, deputados e senadores adquiriram o direito de emendar o orçamento, o que significa que os parlamentares podem propor alterações em programas e projetos apresentados pelo Poder Executivo, desde que sejam compatíveis com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A Constituição determina que o Congresso deve votar o Orçamento até o encerramento da sessão legislativa de cada ano.

Depois da aprovação pelo Legislativo, o projeto é enviado ao Presidente da República para ser sancionado. Após a sanção, transforma-se em lei.

Utilizando-se do Sistema Integrado de Dados Orçamentários (SIDOR), a Secretaria de Orçamento Federal acompanha e avalia a execução orçamentária, procedendo a alterações, através de créditos adicionais, quando necessário. A Secretaria do Tesouro Nacional registra no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) a execução orçamentária realizada pelos órgãos da administração pública.

5.5.5.5.5.5.5.5. Períodos de atividades do orçamento públicoPeríodos de atividades do orçamento públicoPeríodos de atividades do orçamento públicoPeríodos de atividades do orçamento público

A elaboração do orçamento obedece às diretrizes conceituais dos princípios orçamentários. O orçamento é elaborado para o período de um ano. As despesas são rigorosamente discriminadas, conforme dispõem os princípios orçamentários da anualidade e da especificação. Os mais importantes princípios orçamentários discutidos doutrinariamente pela Ciência das Finanças estão consagrados em nossa legislação financeira: anualidade, especificação, exclusividade, unidade e universalidade. Alguns outros princípios são observados tradicionalmente: clareza, exatidão, publicidade etc.

Page 129: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

129

Tanto a receita — recursos financeiros — como a despesa — aplicações — têm três períodos de atividades extremamente importantes: a) período de estimação da receita e da fixação da despesa (proposta orçamentária); b) período de realização da receita e da despesa (execução orçamentária); c) período de confrontações das receitas estimadas com as realizadas e das despesas fixadas com as realizadas; os resultados deste período servirão de base à elaboração da proposta orçamentária do ano seguinte, realimentando, portanto, as atividades mencionadas na letra “a”.

5.6.5.6.5.6.5.6. Créditos adicionaisCréditos adicionaisCréditos adicionaisCréditos adicionais

Durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram o orçamento em vigor. Por essa razão, denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento.

A fim de não prejudicar o equilíbrio do orçamento em execução, a lei determina que cada solicitação de crédito adicional seja acompanhada da indicação de recursos hábeis (art. 43).

São considerados recursos hábeis: 1 — o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; II — os provenientes de excesso de arrecadação; III — os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em lei; IV — o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que, juridicamente, possibilite ao Poder Executivo realizá-las (art. 43).

Sem a indicação de um ou mais recursos hábeis o Poder Legislativo não concederá o crédito solicitado. E o valor do crédito adicional deverá ser expresso, pois não serão concedidos créditos ilimitados (art. 41) e artigo 167, V, VI e VII, da Constituição de 1988.

Os créditos adicionais, segundo suas finalidades, classificam-se em:

1. Créditos suplementares;

2. Créditos especiais; e

3. Créditos extraordinários.

1.1.1.1. Créditos suplementaresCréditos suplementaresCréditos suplementaresCréditos suplementares

Os créditos suplementares destinam-se a reforçar dotação já existente no orçamento em vigor. Sua vigência acompanha a da dotação suplementada, ou seja, expira em 31 de dezembro. São autorizados, por lei e abertos por decreto.

A finalidade dessa processualística é a de permitir ao chefe do Poder Executivo a abertura dos créditos suplementares até o limite concedido, aos poucos, na medida exata de suas necessidades. Esse é o espírito da Lei.

Entretanto, na prática não tem se observado tais procedimentos. São publicados concomitantemente, até no mesmo dia, Lei e Decreto, este abrindo desde logo a totalidade do crédito autorizado. A Lei diz:: Fica o Poder Executivo autorizado a abrir.., enquanto o Decreto é assim redigido: De acordo com a Lei n.° ... fica aberto um crédito...

A lei que autoriza a abertura de um crédito adicional e uma só, mas pode existir mais de um decreto abrindo, parceladamente, o crédito autorizado.

A fim de evitar freqüentes pedidos de suplementações, cuja tramitação normal pelo Legislativo exige algum tempo, atrasando os cronogramas físicos e financeiros, e para dar um certo dinamismo à execução orçamentária, a legislação financeira permite que a própria Lei Orçamentária autorize o Poder Executivo a reajustar as dotações orçamentárias suplementando e reduzindo dentro de um limite percentual estabelecido (art. 70, I, da Lei n.° 4.320/64 e art. 165, § 8°, da Constituição de 1988).

Page 130: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

130

2.2.2.2. Créditos especiaisCréditos especiaisCréditos especiaisCréditos especiais

Os créditos especiais destinam-se a amparar programas novos que não figuram no orçamento. Geralmente a autorização para abertura de um crédito especial consta da própria lei que autoriza a inclusão no orçamento de um novo programa. O termo final de sua vigência é igual ao do orçamento, mas se for aberto dentro dos últimos quatro meses do ano, sua vigência poderá estender-se até o final do exercício seguinte. Também são autorizados por lei e abertos por decreto e exigem indicação de recursos (art. 167, § 2.°, da Constituição de 1988).

3333.... Créditos extraordináriosCréditos extraordináriosCréditos extraordináriosCréditos extraordinários

A terceira modalidade de crédito adicional é a de créditos extraordinários. Destinam-se a atender despesas imprevisíveis e urgentes como as decorrentes de guerra, subversão interna ou calamidade publica42. São abertos por Decreto do Poder Executivo independentemente de prévia autorização legislativa. Aberto um crédito extraordinário, o chefe do Poder Executivo informará imediatamente ao Legislativo, justificando as causas determinantes do ato (art. 44). A vigência do crédito extraordinário expira no final do exercício, exceto se for aberto nos últimos quatro meses do ano; neste caso sua vigência poderá estender-se até 31 de dezembro do exercício seguinte, ou terminar antes, se cessarem as causas que determinaram sua abertura.

5.7.5.7.5.7.5.7. AlteraAlteraAlteraAlterações do orçamento durante sua execuçãoções do orçamento durante sua execuçãoções do orçamento durante sua execuçãoções do orçamento durante sua execução43434343

Aprovado por lei, o orçamento público não pode ser alterado senão por outra lei. No tocante à receita são incomuns as alterações orçamentárias. Elas se fazem presentes nos créditos orçamentários. Ocorrem com freqüência casos de dotações que se esgotam antes do término do exercício financeiro.

A insuficiência de dotações deve-se à falta de previsão adequada e mostra, sobretudo, ausência de planejamento. Era acontecimento comum e até considerado normal à época dos orçamentos tradicionais de receita e despesa.

O orçamento-programa, se elaborado com toda a técnica que sua filosofia sugere, não deveria sofrer durante o exercício financeiro qualquer alteração.

Há, sim, alterações estratégicas geradas por correção de desvios no planejamento global. Elas são aceitáveis, previstas e necessárias.

Não há que se criticar também as alterações destinadas a reajustamentos de custos de programas em razão de oscilações de preços que atingiram limites imprevisíveis à época da orçamentação dos custos. Mas para estes casos, o próprio orçamento pode dispor de uma reserva de contingência. Estas alterações são aceitáveis sempre que não alterem os programas, projetos e atividades perfeitamente definidos.

O que não se pode admitir, por exemplo, é reduzir a dotação “A” para suplementar a dotação “B”. Depois, reduzir a dotação “C” para suplementar a “A”. Mais tarde elimina-se um projeto para restabelecer a dotação “C”. E estas transposições de dotações prosseguem desregradamente pelo exercício inteiro. É um procedimento que demonstra claramente a total ausência de planejamento na elaboração do orçamento-programa.

O orçamento-programa está institucionalizado no Brasil. Mas as alterações orçamentárias ainda constituem matéria abundante nas publicações oficiais. Se a União, os Estados e os Municípios mais ricos, dotados de poderosa infra-estrutura de planejamento, engrossam os Diários Oficiais com alterações orçamentárias, não se pode condenar os Municípios de orçamentos modestos pela falta de planejamento.

42 Na República Argentina, além das causas aqui enumeradas, o Poder Executivo pode abrir créditos extraordinários para atendimento de gastos com o cumprimento de leis eleitorais e sentenças judiciais transitadas em julgado (Virginio Valsang, in Finanzas Publicas). 43 O Decreto-lei n.° 1.875, de 15-07-81, introduziu o orçamento simplificado para os municípios com menos de 50.000 habitantes.

Page 131: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

131

Os orçamentos das prefeituras modestas possuem, por força da lei, as características extrínsecas de orçamento-programa. Mas seu conteúdo é fictício, nada está programado. A execução orçamentária desenvolve-se ao sabor das necessidades emergentes. Os orçamentos aparentam planejamento por força dos modelos oficiais padronizados, os quais as Prefeituras são obrigadas a preencher.

Na verdade, a execução orçamentária segue, ainda, nas pequenas Prefeituras, os mesmos procedimentos adotados antigamente na execução do orça mento ortodoxo. A prova desse fato está na fartura de suplementações e reduções desenfreadas de créditos orçamentários, desfigurando totalmente o orçamento original.

A Lei poderia bloquear esse procedimento impondo a proibição de suplementar uma dotação já reduzida. Isso obrigaria as prefeituras a calcularem melhor suas dotações e, principalmente, ter mais cuidado nas reduções.

Se um orçamento equilibrado — despesa igual à receita — teve sua receita estimada com o necessário cuidado, observando o princípio da sinceridade, procurando sempre adotar o critério de usar um pequeno índice de subestimação de cada fonte de receita, é óbvio que, pelo menos teoricamente, ingressarão nos cofres públicos recursos suficientes para cumprir todas as aplicações programadas.

Qualquer suplementação de dotação aumentará a despesa sem um correspondente aumento de receita. Esse fato provoca desequilíbrio no orçamento, fazendo prever uma execução deficitária. É para evitar esse perigo que a Lei exige que as suplementações sejam compensadas por recursos adequados já descritos e que agora comentar-se-á um a um Lei 4.320/64 (art. 43.°, § 1.°).

1. Superávit financeiro. Este recurso, se houver, constitui um dos mais legítimos recursos para amparar o aumento das despesas no orçamento em vigor. Superávit financeiro significa dinheiro em caixa, disponível, proveniente de receita realizada a maior que a despesa, em exercícios anteriores. O recurso é bom até o limite do superávit.

2. Os provenientes do excesso de arrecadação. Também são recursos legítimos se adotados honestamente. O excesso de arrecadação, já foi visto, é a diferença positiva entre a arrecadação prevista e a realizada. Calcula-se o excesso de arrecadação do exercício com base nos excessos apurados mês a mês. Obviamente, quanto maior o número de meses tomados por base, mais aproximado será o resultado final. Assim, somente se pode pensar em excesso de arrecadação, como recurso para suplementações, pelo menos teoricamente, a partir do segundo semestre. Em tese, não se pode aceitar como bom o cálculo de excesso de arrecadação do exercício, com base nos primeiros dois ou três meses do ano.

3. Os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias. O recurso é legítimo. Mas não se pode compreender, pelo menos teoricamente, como o administrador pode anular parcialmente determinado programa em favor de outro. Como levará a cabo o programa cujos recursos foram reduzidos? E qual o programa que se deve reduzir ou anular? Isso ficará a critério do administrador. Se houve planejamento global, existe, certamente, uma escala de prioridades para os projetos e atividades.

4. Operações de créditos. Este é um recurso pernicioso. Aumenta a despesa correspondente à dotação suplementada e, ainda, aumenta a despesa da operação de crédito, além de endividar o patrimônio público. Somente se justifica a adoção deste recurso em aplicações que proporcionem retorno de capital. Ou se se tratar de casos urgentes e inadiáveis e que possam resultar sérios prejuízos à população ou ao patrimônio público; há também que considerar o caso de calamidade pública. Nesta última hipótese nem há que se cogitar sobre vantagens ou desvantagens.

Page 132: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

132

Por outro lado é de se lembrar que as operações de créditos poderão ser realizadas aos poucos, à medida que os recursos financeiros se fizerem realmente necessários. Esse procedimento é salutar para minimizar os efeitos perniciosos dos custos das operações de créditos, principalmente quando as aplicações não prevêem retorno de capital.

5.8.5.8.5.8.5.8. Previsão e resultado orçamentáriosPrevisão e resultado orçamentáriosPrevisão e resultado orçamentáriosPrevisão e resultado orçamentários

Os Orçamentos, visto não terem necessariamente suas Receitas iguais às suas Despesas correspondentes, podem se apresentar nas seguintes condições:

1. Equilibrado;

2. Deficitário; e

3. Superavitário

Considera-se equilibrado o orçamento em que o total da receita prevista coincide com o total da despesa fixada; deficitário, o orçamento em que a receita orçada é inferior à despesa autorizada; e orçamento superavitário aquele em que a receita estimada supera o total da despesa.

Assim, segundo a natureza da diferença entre as somas da receita e da despesa, ou inexistindo diferença, diz-se que há um déficit previsto, um superávit previsto, ou um orçamento equilibrado. Trata-se de uma situação prevista na ocasião em que a lei orçamentária é sancionada.

Entretanto, no final do exercício, o resultado financeiro alcançado, após a execução orçamentária, poderá coincidir ou não com a previsão da peça orçamentária original. No quadro seguinte mostramos as possibilidades de resultados finais, após a execução orçamentária, partindo da previsão inicial.

PREVISÃO INICIAL PROGNÓSTICOS EQUILÍBRIO PREVISTO a) Equilíbrio b) Superávit c) Déficit SUPERÁVIT PREVISTO a) Superávit maior que o previsto b) Superávit igual ao previsto c) Superávit menor que o previsto d) Equilíbrio e) Déficit DÉFICIT PREVISTO a) Déficit maior que o previsto b) Déficit igual ao previsto c) Déficit menor que o previsto d) Equilíbrio e) Superávit

Os fatores que modificam a situação prevista, responsáveis, portanto pelos resultados finais diferentes, podem ser classificados em dois grupos:

1. Fatores negativos; e

2. Fatores positivos.

Como fatores negativos arrolados: queda da arrecadação, ausência de economia orçamentária, abertura de créditos adicionais com recursos provenientes de operações de crédito.

Como fatores positivos: excesso de arrecadação, economia e ausência de créditos adicionais sustentados por operações de créditos.

Assim, a soma algébrica do resultado previsto no início do exercício, com os fatores positivos e negativos, será igual ao resultado financeiro do exercício.

Page 133: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

133

CAPITULO CAPITULO CAPITULO CAPITULO XIIIXIIIXIIIXIII –––– FISCALIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO E CONTROLECONTROLECONTROLECONTROLE

1.1.1.1. INTRODUÇÃO AO ESTUDOINTRODUÇÃO AO ESTUDOINTRODUÇÃO AO ESTUDOINTRODUÇÃO AO ESTUDO DA LEI DE RESPONSAB DA LEI DE RESPONSAB DA LEI DE RESPONSAB DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCALILIDADE FISCALILIDADE FISCALILIDADE FISCAL A Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar n º 101, de 4 de maio de 2000, visa a

regulamentar a Constituição Federal, na parte da Tributação e do Orçamento que estabelece as normas gerais de finanças públicas a serem observadas pelos três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal.

Em particular, a LRF vem atender à prescrição do artigo 163 da CF de 1988, cuja redação é a seguinte:

“Lei complementar disporá sobre:

I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais

entidades controladas pelo poder público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas; IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública; V - fiscalização das instituições financeiras; VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios; VII- compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União,

resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.”

A LRF não substitui nem revoga a Lei nº 4.320/64, que normatiza as finanças públicas no país, atendendo também ao artigo 169 da Carta Magna, que determina o estabelecimento de limites para as despesas com pessoal ativo e inativo da União a partir de Lei Complementar.

A LRF atende ainda à prescrição do artigo 165 da Constituição, mais precisamente, o inciso II do parágrafo 9º. De acordo com este dispositivo,

“...Cabe à Lei Complementar estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de Fundos”.

Finalmente, a partir do seu artigo 68, a LRF vem atender à prescrição do artigo 250 da Constituição de 1988 que assim determina:

“Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo regime geral de previdência social, em adição aos recursos de sua arrecadação, a União poderá constituir fundo integrado por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei, que disporá sobre a natureza e administração desse fundo.”

1.1.1.1.1.1.1.1. Origens e expeOrigens e expeOrigens e expeOrigens e experiências anterioresriências anterioresriências anterioresriências anteriores

No que diz respeito a experiências de outros países, a LRF incorpora alguns princípios e normas, conforme analisaremos a seguir. Os modelos que foram tomados como referencial para a elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal são:

♦♦♦♦ O Fundo Monetário Internacional, organismo do qual o Brasil é Estado-membro, e que tem editado e difundido algumas normas de gestão pública em diversos países;

♦♦♦♦ A Nova Zelândia, através do Fiscal Responsibility Act, de 1994; ♦♦♦♦ A Comunidade Econômica Européia, a partir do Tratado de Maastricht; e,

Page 134: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

134

♦♦♦♦ Os Estados Unidos, cujas normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act, aliado ao princípio de “accountability”.

Estes exemplos, embora tomados como referência para a elaboração da versão brasileira da Lei de Responsabilidade Fiscal, não foram os únicos parâmetros utilizados, já que não existe um manual ótimo de finanças públicas que possa ser utilizado indiferentemente por qualquer nação.

2.2.2.2. OBJETIVOS DA LEI DE OBJETIVOS DA LEI DE OBJETIVOS DA LEI DE OBJETIVOS DA LEI DE RRRRESPONSABILIDADE FISCESPONSABILIDADE FISCESPONSABILIDADE FISCESPONSABILIDADE FISCALALALAL O principal objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal consiste em estabelecer “normas de

finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”, estabelecendo os seguintes postulados:

a. Ação planejada e transparente;

b. Prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas; e

c. Garantia de equilíbrio nas contas, via cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, com limites e condições para a renúncia de receita e a geração de despesas com pessoal, seguridade, dívida, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar;

Ação planejada nada mais é do que aquela baseada em planos previamente traçados, sujeitos à apreciação e aprovação da instância legislativa, garantindo-lhes a necessária legitimidade, característica do regime democrático de governo.

Os instrumentos preconizados pela LRF para o planejamento do gasto público são os mesmos já adotados na Constituição Federal: o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA.

O que a LRF busca é apenas, é a vinculação entre as atividades de planejamento e de execução do gasto público.

Por sua vez, a transparência será alcançada através do conhecimento e da participação da sociedade, assim como na ampla publicidade que deve cercar todos os atos e fatos ligados à arrecadação de receitas e à realização de despesas pelo poder público.

Para esse fim diversos mecanismos estão sendo instituídos pela LRF, dentre eles:

a. A participação popular na discussão e elaboração dos planos e orçamentos já referidos (artigo 48, parágrafo único);

b. A disponibilidade das contas dos administradores, durante todo o exercício, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade;

c. A emissão de relatórios periódicos de gestão fiscal e de execução orçamentária, igualmente de acesso público e ampla divulgação.

A prevenção de riscos, da mesma forma que a correção de desvios, deve estar presente em todo processo de planejamento confiável. Em primeiro lugar, a LRF preconiza a adoção de mecanismos para neutralizar o impacto de situações contingentes, tais como ações judiciais e outros eventos não corriqueiros.

Já as correções de desvios requerem a adoção de providências com vistas à eliminação dos fatores que lhes tenham dado causa.

Em termos práticos, se a despesa de pessoal em determinado período exceder os limites previstos na lei, medidas serão tomadas para que esse item de gasto volte a situar-se nos respectivos parâmetros, através da extinção de gratificações e cargos comissionados, além da demissão de servidores públicos, nos termos já previstos na Constituição Federal.

Page 135: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

135

2.1.2.1.2.1.2.1. Equilíbrio das contas públicasEquilíbrio das contas públicasEquilíbrio das contas públicasEquilíbrio das contas públicas

Diferente do equilíbrio orçamentário, este já previsto na Lei 4.320/64, a Lei de Responsabilidade Fiscal traz uma nova noção de equilíbrio para as contas públicas: aquele que prescinde de operações de crédito e, portanto, sem aumento da dívida pública.

A Lei Complementar n° 101 de 2000 - LRF, não revoga a Lei nº 4.320/64. Os objetivos das duas normas são distintos: enquanto a Lei nº 4320/64 estabelece as normas gerais para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços, a LRF estabelece normas de finanças públicas voltadas para a gestão fiscal.

Por outro lado, a Constituição Federal deu à Lei nº 4.320/64 o status de Lei Complementar. Mas, existindo algum dispositivo conflitante entre as duas normas jurídicas, prevalece a vontade da Lei mais recente.

Finalmente, a LRF atribui à contabilidade pública novas funções no controle orçamentário e financeiro, garantindo-lhe um caráter mais gerencial. Com a LRF, as informações contábeis passarão a interessar não apenas à administração pública e aos seus gestores. A sociedade passa a tornar-se participante do processo de acompanhamento e fiscalização das contas públicas, mediante os instrumentos que a LRF incorpora para esta finalidade.

2.2.2.2.2.2.2.2. Receita Corrente Líquida Receita Corrente Líquida Receita Corrente Líquida Receita Corrente Líquida ---- RCL RCL RCL RCL

O conceito mais importante na operacionalização da LRF é aquele que diz respeito ao atendimento dos limites legais: a Receita Corrente Líquida - RCL.

De acordo com os dispositivos legais anteriores, o total das despesas com pessoal não poderia ultrapassar o percentual de 60% da RCL. A definição de despesa total com pessoal, no primeiro caso, correspondia às despesas totais com pessoal ativo e inativo da administração direta e indireta, inclusive fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, pagas com receitas correntes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A Lei Complementar nº 96/99 ampliou o conceito de despesas com pessoal, além de especificar os itens que deveriam compor o montante desses gastos (adicionais, gratificações, horas extras, etc.). Além disso, essa norma retirava do cômputo das despesas com pessoal os gastos relativos às demissões incentivadas (PDV’s). Havia o cuidado também no sentido de evitar a dupla contagem das receitas correntes, o que representa um desvio em relação à real participação da folha de pessoal nas receitas públicas.

Analisando com cuidado a definição de RCL, de acordo com a LRF, observou-se que o legislador público continuou preocupado em identificar aquelas receitas disponíveis à União, aos Estados e Municípios para a realização de despesas com pessoal, gastos com serviços de terceiros, pagamento de dívidas, etc. Para tanto, a partir da Receita Corrente total, chega-se à RCL estadual, por exemplo, extraindo-se as transferências constitucionais44, a contribuição de servidores para o custeio de sistema de previdência e assistência, as compensações referentes à Lei nº 9.796/99, (a chamada “Lei Hauly”)45. Além disso, serão computados, no cálculo da RCL dos Estados, os valores pagos e recebidos em função da Lei Complementar nº 87 (Lei Kandir), assim como os valores pagos e recebidos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF.

Neste caso, valores pagos e recebidos devem ser entendidos como saldos da Lei Kandir e saldos do FUNDEF. Desta forma, se o saldo for negativo (valores pagos superiores aos valores recebidos), este resultado diminuirá o valor final da RCL. No caso dos Municípios, a RCL corresponde à Receita Corrente total, subtraídas as contribuições ao regime próprio de previdência e assistência social (quando houver), além das compensações relativas à Lei Hauly. Observe-se que,

44 No caso, 25% do ICMS, 50% do IPVA e 25% do IPI exportação. 45 Compensação financeira da União aos Estados e Municípios pela contribuição que os servidores fizeram ao INSS

Page 136: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

136

como os Municípios não realizam transferências constitucionais a outros entes, sua RCL poderá corresponder simplesmente à sua Receita Corrente total46.

A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades. Isto significa que a verificação da RCL deve ser para o período de um ano, não necessariamente o ano civil, e a sua apuração começará no mesmo mês em que se estiver calculando a RCL.

O quadro a seguir apresenta uma forma simplificada para o cálculo da RCL, apresentada no Balanço Geral do Estado da Bahia para 2000.

Exemplo de Cálculo da Receita Corrente Líquida EstadualExemplo de Cálculo da Receita Corrente Líquida EstadualExemplo de Cálculo da Receita Corrente Líquida EstadualExemplo de Cálculo da Receita Corrente Líquida Estadual Discriminação Discriminação Discriminação Discriminação Valores em R$Valores em R$Valores em R$Valores em R$ 1. Receita Corrente 1. Receita Corrente 1. Receita Corrente 1. Receita Corrente 6.837.768.4556.837.768.4556.837.768.4556.837.768.455 (+) Receita Corrente da Adm. Direta 6.010.634.199 (+) Receita Corrente da Adm. Indireta (fontes 40 e 90) 827.134.256 2. Deduções 2. Deduções 2. Deduções 2. Deduções 1.345.285.9801.345.285.9801.345.285.9801.345.285.980 (-) Transferências Constitucionais aos Municípios 1.007.990.865 (-) Contribuições a fundo – FUNPREV (art. 2º,Inv. IV, "c") 124.775.120 (-) Compensação Financeira (§ 9º, art. 201,CF) 2.494.768 (-) Perdas para o FUNDEF (saldo negativo) 210.025.227 3. Receita Corrente Líquida 3. Receita Corrente Líquida 3. Receita Corrente Líquida 3. Receita Corrente Líquida ---- RCL (1 RCL (1 RCL (1 RCL (1 ---- 2) 2) 2) 2) 5.492.482.475 5.492.482.475 5.492.482.475 5.492.482.475

Existe ainda, uma importante especificidade em relação ao cálculo da RCL, no que diz respeito ao seu período de apuração. Como visto anteriormente, a verificação da RCL deve ser para o período de um ano, mas não necessariamente o ano civil.

3.3.3.3. PLANEJAMENTOPLANEJAMENTOPLANEJAMENTOPLANEJAMENTO A Constituição de 1988, no tocante ao planejamento na administração pública, teve a clara

preocupação de institucionalizar a integração entre os processos de planejamento e orçamento47, ao tornar compulsória a elaboração dos três instrumentos básicos para esse fim, quais sejam: o Plano Plurianual - PPA, o Orçamento Anual, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.

A LRF procura aperfeiçoar a sistemática traçada pela norma constitucional, atribuindo novas e importantes funções ao Orçamento e à LDO.

3.1.3.1.3.1.3.1. Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual Plano Plurianual –––– PPA PPA PPA PPA

O que deve ser ressaltado é a condição do PPA como documento de mais alta hierarquia no sistema de planejamento de qualquer ente público, razão pela qual todos os demais planos e programas devem subordinar-se às diretrizes, objetivos e metas nele estabelecidos.

3.2.3.2.3.2.3.2. Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei de Diretrizes Orçamentárias ---- LDO LDO LDO LDO

A LDO, na sua concepção original, tinha como função básica orientar a elaboração dos orçamentos anuais, além de estabelecer as prioridades e metas da administração, no exercício financeiro subseqüente. Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a LDO recebe novas e importantes funções, sendo as mais importantes:

a. Dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas;

46 Isto quando não houver compensações da Lei Hauly ou outras receitas previdenciárias, utilizadas no pagamento de aposentadorias e pensões. 47 Art. 165, Caput, e § 1º ao 8º

Page 137: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

137

b. Estabelecer critérios e formas de limitação de empenho, na ocorrência de arrecadação da receita inferior ao esperado, de modo a comprometer as metas de resultado primário e nominal previstas para o exercício;

c. Dispor sobre o controle de custos e avaliação dos resultados dos programas financiados pelo orçamento;

d. Disciplinar as transferências de recursos a entidades públicas e privadas; e. Quantificar o resultado primário a ser obtido com vistas à redução do montante da

dívida e das despesas com juros; f. Estabelecer limitações à expansão de despesas obrigatórias de caráter continuado.

De acordo com a doutrina, a LDO deverá estabelecer os parâmetros necessários à alocação dos recursos no orçamento anual, de forma a garantir a realização das metas e objetivos contemplados no PPA.

3.2.1.3.2.1.3.2.1.3.2.1. Anexo de Metas Fiscais da LDOAnexo de Metas Fiscais da LDOAnexo de Metas Fiscais da LDOAnexo de Metas Fiscais da LDO

A Lei de Responsabilidade Fiscal veio fortalecer a LDO, especialmente a partir do Anexo de Metas Fiscais, onde serão estabelecidas metas anuais em valores correntes e constantes para um período de três anos. Essas metas correspondem às previsões para receitas e despesas, resultado nominal e resultado primário, além do montante da dívida pública para três anos, isto é, o exercício a que se referir a LDO e os dois seguintes.

Portanto, além do estabelecimento de Metas Fiscais relativas às receitas, despesas, resultados primário e nominal, montante da dívida pública, o Anexo de Metas Fiscais deverá:

♦♦♦♦ avaliar o cumprimento das metas do exercício anterior;

♦♦♦♦ comparar as metas anuais com as fixadas nos três exercícios anteriores (consistência com as premissas e objetivos da política econômica nacional);

♦♦♦♦ Demonstrar a evolução do patrimônio líquido, nos últimos três exercícios (venda de ativos: demonstrar origem e aplicação dos recursos);

♦♦♦♦ Avaliar a situação financeira e atuarial dos regimes de previdência, fundos e programas de natureza atuarial; e

♦♦♦♦ Demonstrativo da estimativa e da compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias

Tendo em vista o cumprimento das metas contidas no Anexo de Metas Fiscais, o artigo 9º determina que o acompanhamento do desempenho das receitas ocorra a cada bimestre.

3.2.2.3.2.2.3.2.2.3.2.2. Anexo de Riscos Fiscais da LDOAnexo de Riscos Fiscais da LDOAnexo de Riscos Fiscais da LDOAnexo de Riscos Fiscais da LDO

O Anexo de Riscos Fiscais, outra inovação da LRF, a constar da LDO, destaca aqueles fatos que poderão impactar nos resultados fiscais estabelecidos para o exercício. Um bom exemplo disso são as sentenças judiciais, que podem a qualquer momento gerar uma despesa inesperada, se não houver uma reserva para este tipo de contingência. O reconhecimento de uma despesa potencial corresponderá a um novo elemento a ser avaliado nas metas propostas no Anexo de Metas Fiscais.

3.3.3.3.3.3.3.3. Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual Lei Orçamentária Anual ---- LOA LOA LOA LOA

Da mesma forma que na LDO, várias alterações estão sendo introduzidas, pela LRF, na sistemática de elaboração do orçamento anual. Dentre as principais, destacam-se:

I. O demonstrativo da compatibilidade da programação do orçamento com as metas da LDO previstas no respectivo Anexo de Metas Fiscais.

Page 138: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

138

II. A previsão da reserva de contingência, em percentual da RCL, destinada ao pagamento de restos a pagar e passivos contingentes, além de outros imprevistos fiscais;

III. A LOA deverá apresentar as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual e respectivas receitas, sendo o refinanciamento da dívida (e suas receitas) demonstrado de forma separada, tanto na LOA como nas leis de créditos adicionais.

A Lei Orçamentária Anual, prevista no artigo 165, parágrafo 5º da Constituição Federal, constitui o mais importante instrumento de gerenciamento orçamentário e financeiro da Administração Pública, cuja principal finalidade é administrar o equilíbrio entre receitas e despesas públicas. Conforme o artigo 35 do ADCT, o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado ao Legislativo até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro (final de agosto) e devolvido para a sanção até o encerramento da sessão legislativa (até meados de dezembro). Estes prazos, em geral, também são observados pelos Estados e Municípios.

De acordo com o artigo 5º da LRF, a LOA demonstrará que está compatível e adequada ao Anexo de Metas Fiscais, analisado na sessão anterior, tendo ainda, por acompanhamento, o demonstrativo de efeitos sobre as receitas e as despesas decorrentes de anistias, isenções, subsídios, etc. Neste caso, a LOA, sendo orientada pela LDO, deve manter os objetivos definidos nesta. É o que se observa, ainda, na reserva de contingência, que a LDO deverá prever para o atendimento às despesas previstas no Anexo de Riscos Fiscais.

A dívida pública terá um tratamento especial na LOA, de acordo com o artigo 5º. O serviço da dívida (encargos mais amortizações), previsto contratualmente, e as receitas para esse fim devem estar destacadas na Lei.

3.4.3.4.3.4.3.4. Execução orçamentária e cumprimento de metasExecução orçamentária e cumprimento de metasExecução orçamentária e cumprimento de metasExecução orçamentária e cumprimento de metas

A LRF dispõe que: “Até trinta dias após a publicação dos orçamentos o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.”

Por sua vez, o parágrafo único deste artigo 8º determina a vinculação de recursos à finalidade específica e em caráter exclusivo, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

O cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre (elencadas no Anexo de Metas Fiscais) passa a ser demonstrado, pelo Chefe do Executivo, em audiência pública perante a Comissão de Orçamento da Câmara de Vereadores, Assembléias Legislativas e, no caso da União, na Comissão Mista do Congresso Nacional, até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro.

Finalmente, na execução da LOA, os pagamentos de sentenças judiciais deverão identificar os respectivos beneficiados, de forma a evidenciar a ordem cronológica da sua ocorrência.

4.4.4.4. RECEITA PÚBLICARECEITA PÚBLICARECEITA PÚBLICARECEITA PÚBLICA A Carta Magna aumentou significativamente a participação dos Estados e dos Municípios

na repartição do “bolo fiscal”, em detrimento da União. Isso ocorreu em virtude do aumento das transferências de recursos através dos fundos de participação (FPE e FPM). Além disso, não foram repassados aos governos estaduais e municipais as obrigações e os encargos pertinentes, na proporção do incremento das transferências.

Este fato não trazia estímulo para a arrecadação de impostos que, em alguns casos, representavam percentual pouco significativo das receitas correntes totais.

Portanto, a LRF visa a resgatar a importância das receitas próprias na realização de projetos e manutenção da máquina pública, em nível local. Estados e Municípios possuem legislação tributária própria e devem explorar com eficiência o seu potencial de arrecadação, desvinculando-se cada vez mais da dependência do Governo Federal.

Page 139: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

139

A determinação para a cobrança de tributos deve ser vista como um estímulo ao administrador para o desenvolvimento do sistema tributário próprio. Na verdade, nos termos da LRF e, nos termos da Lei 10.028 (Lei de Crimes Fiscais), cobrar imposto, mais do que um direito da administração pública, passa a ser uma obrigação.

4.1.4.1.4.1.4.1. Previsão e Arrecadação da ReceitaPrevisão e Arrecadação da ReceitaPrevisão e Arrecadação da ReceitaPrevisão e Arrecadação da Receita

A instituição, previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos é ressaltada pelo texto da LRF como requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal. O descumprimento dessa norma terá como conseqüência a imediata suspensão das transferências voluntárias ao ente público que se mostrar negligente nessa questão.

Para a sua previsão, além de observar as normas técnicas e legais e a respectiva metodologia de cálculo, as estimativas da receita devem estar acompanhadas de demonstrativo da sua evolução, nos três anos anteriores e nos dois seguintes àquele a que se referirem. Permanece também o mandamento constitucional que somente admite reestimativa de receita, pelo Poder Legislativo, nos casos de erro ou omissão, de ordem técnica ou legal.

A LRF prevê, ainda, que o Poder Executivo deverá informar aos demais Poderes e ao Ministério Público os estudos e as estimativas das receitas, pelo menos trinta dias antes de esgotar-se o prazo de envio das respectivas propostas orçamentárias.

A LRF determina que o Poder Executivo deverá, até trinta dias após a publicação do orçamento anual, efetuar o desdobramento das receitas em metas bimestrais de arrecadação, informando quais medidas serão adotadas para o combate a sonegação, a cobrança da dívida ativa e os créditos executáveis pela via administrativa. Ressalte-se a importância dessa medida, uma vez que tais metas bimestrais de receita servirão de parâmetro para a limitação de empenho e movimentação financeira.

4.2.4.2.4.2.4.2. Renúncia de ReceitaRenúncia de ReceitaRenúncia de ReceitaRenúncia de Receita

Conceito: deixar de cobrar ou reduzir a carga tributária, seja por via direta ou indireta.

Exemplos :

♦♦♦♦ AnistiaAnistiaAnistiaAnistia: é a dispensa de pagamento de multa (e juros de mora) a

♦♦♦♦ RemissãoRemissãoRemissãoRemissão: perdão do pagamento do principal e da sanção

♦♦♦♦ Crédito presumidoCrédito presumidoCrédito presumidoCrédito presumido: compensação por tributo não pago em virtude de incentivo

♦♦♦♦ Isenção em caráter não geralIsenção em caráter não geralIsenção em caráter não geralIsenção em caráter não geral: é uma forma de exclusão do crédito tributário

♦♦♦♦ SubsídioSubsídioSubsídioSubsídio:::: redução de carga tributária para certas atividades ou mesmo pagamento em espécie para fortalecer a atividade

♦♦♦♦ Benefício financeiroBenefício financeiroBenefício financeiroBenefício financeiro: operação financeira custeada pelo Estado ao contribuinte, no valor equivalente ao imposto.

A concessão indiscriminada dos chamados “incentivos fiscais” é prática danosa às finanças de qualquer ente público, e deve estar sujeita a regras disciplinadoras. A partir da vigência da LRF, tais iniciativas deverão atender, não só ao que dispuser a LDO, mas ainda aos seguintes requisitos:

♦♦♦♦ Estimar o impacto orçamentário financeiro no exercício inicial de sua vigência e nos dois seguintes;

♦♦♦♦ Demonstrar que a renúncia delas decorrente foi considerada ao se estimar a receita do orçamento e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas na LDO;

Page 140: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

140

♦♦♦♦ Prever medidas de compensação nos três exercícios já referidos, podendo ser através de: elevação de alíquota, ampliação da base de cálculo ou novos tributos ou contribuições, sendo que nos dois últimos casos o benefício só entrará em vigor após a ocorrência do aumento da receita. Estas medidas deverão observar ainda, o princípio da anterioridade, nos termos do Código Tributário Nacional.

Estão isentos das restrições acima apenas os cancelamentos de débitos em valor inferior aos seus custos de cobrança.

5.5.5.5. DESPESA PÚBLICADESPESA PÚBLICADESPESA PÚBLICADESPESA PÚBLICA A regra básica da LRF (art. 15), para todo e qualquer aumento de despesa pode ser assim

traduzida: toda e qualquer despesa que não esteja acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos três primeiros exercícios de sua vigência, da sua adequação orçamentária e financeira com a LOA, o PPA e a LDO e, no caso de despesa obrigatória de caráter continuado, de suas medidas compensatórias48, é considerada: não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público.

Essa norma, de acordo com o artigo 16 da LRF, é condição prévia, não só para a aquisição de bens, serviços e obras, como também para a desapropriação de imóveis urbanos, que, de acordo com a Constituição, deverá ser paga em dinheiro.

A novidade aqui está no conceito de despesa obrigatória de caráter continuado que, nos termos do art. 17, é a despesa corrente:

♦♦♦♦ derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo; ♦♦♦♦ geradora de obrigação legal de sua execução por um período superior a dois

exercícios.

Algumas ações governamentais objetivas poderão esclarecer um pouco mais este conceito:

♦♦♦♦ em nível municipal, por exemplo, o pagamento de “bolsa-escola” para famílias carentes que comprovem a freqüência dos filhos em idade escolar na rede pública de ensino;

♦♦♦♦ projeto para criação de Territórios Federais na Região Amazônica, aprovado no Plenário do Senado Federal em 2000.

Como se vê, as despesas geradas a partir dessas ações, atendem aos requisitos propostos: gerarão despesas correntes, derivadas de lei e execução por período superior a dois exercícios financeiros.

Diante do que estabelece a nova lei, para a questão do aumento nas despesas, duas alternativas são dadas, ambas de grande ônus político: aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Some-se ainda a restrição do art. 17 que, sem deixar margem para criatividade, define o aumento permanente de receita como o “proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” De nada valerão, pelo menos para esse fim, iniciativas do tipo “combate à sonegação”, “bolão fiscal” e outras medidas do gênero. E, para que não haja a menor chance de alguma brecha ou artifício legal, a lei equipara a aumento de despesa a prorrogação daquela já criada por prazo determinado.

Não é de estranhar, portanto, que este seja um dos pontos que mais tem suscitado críticas por parte dos governantes nos diversos níveis da Federação, diante das barreiras que são impostas a aumentos de despesa, sem a correspondente fonte de recursos. No entanto, o princípio que embasa tal conduta não é outro que o de “gastar apenas o que se arrecada”.

48 Aumento permanente de receita e/ou redução permanente de despesa.

Page 141: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

141

5.1.5.1.5.1.5.1. Despesas com pessoal: fiscalização e controleDespesas com pessoal: fiscalização e controleDespesas com pessoal: fiscalização e controleDespesas com pessoal: fiscalização e controle

Os gastos com a folha de pagamento de pessoal representam o principal item de despesas de todo o setor público brasileiro. Entre 1996 e 2000, o conjunto dos Estados brasileiros gastou, em média, 67% de suas receitas líquidas (receitas disponíveis) com pagamento de pessoal.

Isto significa que restam 30% para a realização dos serviços públicos básicos, como educação, saneamento, saúde e segurança, sem considerar a manutenção de estradas e vias urbanas, a preservação do patrimônio público etc. Além disso, o crescimento populacional demanda um programa de investimentos crescentes por parte dos governos.

A definição desses limites busca simplesmente permitir que o administrador público cumpra o papel que a sociedade lhe atribuiu: proporcionar bem-estar à população, a partir dos recursos que lhe são entregues na forma de impostos.

Certamente que o aumento da participação da folha de pagamento nas receitas de Estados e Municípios deveu-se, como já foi visto, à estabilidade econômica e à queda nos índices inflacionários. Além disso, a despesa com pessoal apresenta um componente vegetativo importante, responsável pelo crescimento deste tipo de despesa de forma continuada.

Por conseguinte, a limitação dos gastos com pessoal em percentual da RCL está de acordo com o princípio de equilíbrio da Lei Fiscal, segundo o qual as despesas devem observar preferencialmente o montante das receitas próprias arrecadadas.

5.2.5.2.5.2.5.2. Limites com pessoalLimites com pessoalLimites com pessoalLimites com pessoal

De acordo com a LRF, entende-se como despesas de pessoal:

1. somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos; 2. despesas com inativos e pensionistas; 3. mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de

Poder, com quaisquer espécies remuneratórias; 4. vencimentos e vantagens, fixas e variáveis; 5. subsídios, proventos de aposentadoria; 6. reformas e pensões; 7. adicionais de qualquer natureza; 8. gratificações, horas extras e vantagens pessoais; 9. encargos sociais; e 10. contribuições recolhidas pelo Ente às entidades de previdência.

A apuração dos gastos com pessoal será feita com base em um período de 12 meses. Neste caso, os limites a serem apresentados no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) do primeiro e do segundo quadrimestre somarão despesas com pessoal relativas a dois exercícios financeiros, já que a contagem retroage 11 meses. Somente o RGF referente ao último quadrimestre do ano apresentará as despesas de pessoal verificadas na unicidade do exercício financeiro.

A LRF determina dois limites distintos para os gastos com pessoal no setor público:

♦♦♦♦ 50% da RCL para a União; e

♦♦♦♦ 60% da RCL para Estados e Municípios.

Cumpre ressaltar que, após a publicação da LRF, fica revogada qualquer outra legislação que verse sobre estes limites.

Na esfera federal, o limite será de 50% da RCL, assim dividido:

♦♦♦♦ 40,9% para o Executivo;

Page 142: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

142

♦♦♦♦ 6% para o Judiciário;

♦♦♦♦ 2,5% para o Legislativo; e

♦♦♦♦ 0,6% para o Ministério Público.

Na esfera estadual, o limite de 60% será repartido da seguinte forma:

♦♦♦♦ 49% para o Executivo.

♦♦♦♦ 6% para o Judiciário;

♦♦♦♦ 3% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Estado; e

♦♦♦♦ 2% para o Ministério Público.

Na esfera municipal, o limite de 60% será assim repartido:

♦♦♦♦ 54% para o Executivo; e

♦♦♦♦ 6% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Município, quando houver.

Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os limites serão repartidos entre os seus diversos órgãos, na proporção das despesas que vinham sendo realizadas em exercícios anteriores.

Um exemplo: digamos que nos três exercícios financeiros anteriores à publicação da LRF (1997,1998 e 1999), dentro do Poder Judiciário, a média das despesas com pessoal tenha sido dividida entre o órgão A e o órgão B na proporção de 40% e 60%, respectivamente. A partir de maio de 2000, com a limitação dos gastos com pessoal sendo igual a 6% da RCL para o Poder Judiciário, isto significa que o órgão A terá um limite de 2,4% da RCL para as despesas com pessoal, enquanto que, para o órgão B, este limite será igual a 3,6%.

Nos Estados onde houver Tribunal de Contas dos Municípios, o limite para os gastos com pessoal do Legislativo será igual a 3,4% da RCL, enquanto que o Executivo perderá este percentual a maior do seu limite (0,4%), que passará então para 48,6% da RCL.

Finalmente, resta relacionar aquelas despesas que não serão computadas para o atendimento dos limites definidos nesta seção:

♦♦♦♦ as despesas com indenização por demissão de servidores ou empregados;

♦♦♦♦ as despesas relativas ao incentivo à demissão voluntária, o chamado PDV.

Não faria sentido decisão diferente, já que, por ocasião do afastamento, o servidor recebe valores superiores àqueles que receberia se continuasse na ativa. Em outras palavras, o PDV, em geral utilizado pontualmente e dirigido ao conjunto dos servidores, aumentará a despesa com pessoal no mês em que estiver sendo executado. Sua contagem no limite de pessoal desestimularia programas dessa natureza;

♦♦♦♦ as despesas com pessoal verificadas em decorrência de convocação extraordinária do Congresso Nacional;

♦♦♦♦ as despesas decorrentes de decisão judicial (em geral classificadas na rubrica "Sentenças Judiciais"), e da competência de período anterior ao da apuração das despesas com pessoal (somando-se o mês de referência com os onze meses anteriores), de acordo com o § 2° do artigo 18;

♦♦♦♦ as despesas com pessoal do Estado do Amapá, Roraima e do Distrito Federal, custeadas pela União. Parece lógico que, se estas despesas não são pagas com as receitas destes Estados, não há porque serem somadas aos limites (60%);

♦♦♦♦ as despesas com inativos custeadas com recursos de fundos próprios.

Atente-se para o fato de que as receitas originárias das contribuições a fundos não

Page 143: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

143

compõem o cálculo da RCL, o que torna nula esta operação do ponto de vista contábil.

5.3.5.3.5.3.5.3. Despesas com a seguridade socialDespesas com a seguridade socialDespesas com a seguridade socialDespesas com a seguridade social

Embora este assunto tenha merecido apenas um breve artigo, nem por isso a LRF é menos severa em relação aos aumentos de gastos com a seguridade social.

De modo idêntico aos demais aumentos de despesa, a criação, majoração ou extensão de qualquer benefício que integre a seguridade social requer, além da indicação de sua fonte de custeio total, o cumprimento do art. 17, que versa sobre a despesa obrigatória de caráter continuado. Apenas para relembrar, aquele dispositivo obriga à demonstração da origem dos recursos que custearão qualquer aumento na despesa, assim como à comprovação de que não serão afetadas as metas de resultados fiscais previstas na LDO, a partir de mecanismos de compensação.

5.4.5.4.5.4.5.4. Transferências voluntáriasTransferências voluntáriasTransferências voluntáriasTransferências voluntárias

Neste item a LRF estabelece as condições para a realização das transferências voluntárias de recursos entre os entes da Federação, mais ou menos na linha de procedimento que já era adotada pelo governo federal ao longo da última década. As transferências voluntárias compreendem a entrega de recursos correntes e de capital, de um ente para outro, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, com exceção daqueles que decorram de determinação constitucional, legal ou dos destinados ao SUS.

Dentre as exigências legais para a realização de transferências voluntárias, destacam-se :

♦♦♦♦ cumprimento das disposições da LDO sobre a matéria;

♦♦♦♦ existência de dotação específica na lei orçamentária;

♦♦♦♦ não serem destinadas a pagamento de pessoal ativo, inativo e pensionistas dos Estados, DF e Municípios;

♦♦♦♦ o beneficiário deverá comprovar, previamente ao recebimento dos recursos, que se acha em dia com o pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, que inexistem pendências quanto à prestação de contas de recursos já recebidos, que obedece aos limites constitucionais para gastos com educação e saúde, além daqueles relativos à dívida, despesas com pessoal e restos a pagar;

♦♦♦♦ existência de contrapartida no orçamento do ente beneficiário.

Como regra geral, os recursos recebidos não poderão ser utilizados em finalidade diversa daquela que for pactuada no instrumento utilizado para formalizar a transferência.

Cumpre ressaltar que aquelas transferências voluntárias constantes do artigo 25 (exceções no caso de suspensão - educação, saúde e assistência social) correspondem a dois terços do total de transferências voluntárias repassadas anualmente.

6.6.6.6. DESTINAÇÃO DE RECURSDESTINAÇÃO DE RECURSDESTINAÇÃO DE RECURSDESTINAÇÃO DE RECURSOS PARA O SETOR PRIVOS PARA O SETOR PRIVOS PARA O SETOR PRIVOS PARA O SETOR PRIVADOADOADOADO A LRF estabelece a regra básica para toda e qualquer destinação de recursos públicos ao

setor privado: a sua autorização por lei específica. E, como requisitos adicionais, é exigida a observância das disposições da LDO, além da sua previsão na lei orçamentária ou em crédito adicional.

Equiparam-se a transferências e sujeitam-se às mesmas normas as concessões de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, prorrogação e composição de dívidas, concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

Sempre que o ente beneficiário de uma operação de crédito não estiver sob controle direto

Page 144: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

144

do ente transferidor dos recursos, os encargos financeiros da operação, as comissões e outras despesas não poderão ser inferiores ao que dispuser a lei ou ao seu custo de captação.

Por sua vez, a LRF proíbe taxativamente o socorro às instituições do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Tal proibição tem como objetivo primordial evitar, de uma vez por todas, a repetição de programas nos moldes do PROER, feito para socorrer instituições integrantes do SFN. Para tanto, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo já antevê a solução para eventuais situações de insolvência, mediante a criação de fundos e outras formas legais que dêem cobertura a essas instituições.

7.7.7.7. DÍVIDA E DÍVIDA E DÍVIDA E DÍVIDA E ENDIVIDAMENTO PÚBLICENDIVIDAMENTO PÚBLICENDIVIDAMENTO PÚBLICENDIVIDAMENTO PÚBLICOOOO A dívida líquida do setor público brasileiro cresceu significativamente entre os anos de

1994 e 2000. E este endividamento desproporcional e crescente arquitetou-se a partir do aumento nas despesas públicas, sem a contrapartida do incremento das receitas próprias, principalmente nos Estados e Municípios.

Por definição, existem dois mecanismos fundamentais utilizados para a cobertura do déficit público: os recursos próprios, que provém nas receitas de impostos e transferências; e os recursos de terceiros, que significam endividar-se.

A dívida consolidada do Governo Federal em dezembro de 2000 atingiu o montante de R$ 830 bilhões (cerca de 78% do PIB calculado para o período) . Deste total, R$ 555 bilhões correspondiam à Dívida Mobiliária do Tesouro Nacional.

7.1.7.1.7.1.7.1. A LRF e a dívida públicaA LRF e a dívida públicaA LRF e a dívida públicaA LRF e a dívida pública

A Resolução do Senado Federal n° 43, de 21/12/2001, define os termos relacionados à dívida pública consolidada, dívida pública mobiliária, operações de crédito e empresa estatal dependente.

Considera-se dívida pública consolidada o montante total apurado, sem duplicidade:

♦♦♦♦ das obrigações financeiras do ente da Federação, inclusive as decorrentes de emissão de' títulos, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados;

♦♦♦♦ das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude da realização de operações de crédito para amortização em prazo superior a doze meses ou que, embora de prazo inferior a doze meses, tenham constado como receitas no orçamento;

♦♦♦♦ dos precatórios judiciais emitidos a partir de 5 de maio de 2000 e não pagos durante a execução do orçamento em que tenham sido incluídos.

Pelo disposto no parágrafo primeiro do art. 29 da LRF, a assunção, o reconhecimento e a confissão de dívidas pelo ente público são equiparados às operações de crédito, devendo, ainda, observar os termos dos arts. 15 e 16, que condicionam os aumentos de despesa à:

♦♦♦♦ estimativa de impacto orçamentário-financeiro nos três primeiros exercícios de sua vigência;

♦♦♦♦ adequação orçamentária e financeira com o PPA, a LDO e a LOA.

Além disso, a dívida pública consolidada não inclui as obrigações entre cada ente público e seus respectivos fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes ou entre estes. Já a dívida pública mobiliária é representada por títulos emitidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Operações de crédito correspondem a compromissos assumidos com credores situados no país ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e

Page 145: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

145

serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

Equiparam-se a operações de crédito o recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação, a assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito e a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.

Quanto à dívida consolidada líquida, corresponde à dívida pública consolidada deduzidas as disponibilidades de caixa, as aplicações financeiras e os demais haveres financeiros, considerando-se ainda as obrigações a pagar que deverão ser deduzidas das disponibilidades financeiras.

Empresa estatal dependente, de acordo com a Resolução n° 43/01, é empresa controlada pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município que tenha, no exercício anterior, recebido recursos financeiros de seu controlador, destinados ao pagamento de despesas com pessoal, de custeio em geral ou de capital, excluídos, neste último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária, e tenha, no exercício corrente, autorização orçamentária para recebimento de recursos financeiros com idêntica finalidade.

7.2.7.2.7.2.7.2. Limites de endividamento de acordo com a LRFLimites de endividamento de acordo com a LRFLimites de endividamento de acordo com a LRFLimites de endividamento de acordo com a LRF

Diz o artigo 30 da Lei de responsabilidade Fiscal:

Art. 30. No prazo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o Presidente da República submeterá ao:

I - Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo;

II - Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da dívida mobiliária federal a que se refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição, acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida consolidada da União, atendido o disposto no inciso I do § 1 ° deste artigo.

O Senado Federal editou em dezembro de 2001 as Resoluções nOS 40 e 43 versando sobre limites globais para o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e sobre limites e condições para contratação de operações de crédito e concessão de garantias, respectivamente.

Síntese da Resolução n° 40 do Senado Federal:

1. a dívida consolidada líquida dos Estados e do Distrito Federal terá por limite 2 vezes a sua RCL, calculada na forma do art. 2°, § 3°, da LRF (receita de 12 meses);

2. a dívida consolidada líquida dos Municípios terá um limite igual a 1,2 vezes (ou 120%) a RCL, calculada na forma do art. 2°, § 3°, da LRF (receita de 12 meses);

3. a observação desses limites valerá a partir de dezembro de 2001, sendo que os entes que estavam acima dos limites legais (Estados acima de 2 vezes a RCL e Municípios acima de 1,2 vezes) nessa data, e apenas eles, terão um prazo de 15 anos para retorno ao limite dentro de uma trajetória decrescente, na proporção de 1/15 avos por ano;

4. os entes que em dezembro de 2001 estavam dentro do limite legal e ultrapassarem os limites após dezembro de 2001 não terão 15 anos, mas

Page 146: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

146

dois quadrimestres para ajustarem-se, conforme disposto no artigo 31.

Conforme relatórios fiscais publicados em dezembro de 2001 (e republicações posteriores), existiam no Brasil 6 Estados com excesso de endividamento quando da publicação da Resolução n° 40: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esses Estados terão até o exercício de 2016 para chegarem a uma relação Dívida Consolidada Líquida/ Receita Corrente Líquida igual a 2, reduzindo o excesso dentro de uma proporção de 1/15 avos ao ano.

Além desses Estados, cerca de 20 Municípios estavam, em dezembro de 2001, acima de 1,2 para a relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida, entre eles os Municípios de São Paulo e Maceió.

Síntese da Resolução n° 43:

1. a contratação de operações de crédito para Estados e Municípios, dentro de um exercício financeiro, deverá observar o limite de 16% da RCL;

2. o comprometimento anual com o serviço da dívida (encargos mais amortizações) não poderá ultrapassar a 11,5% da RCL. Ressalte-se que, para aqueles contratos em andamento (cujo pagamento de dívidas superem os limites da Resolução nO 43), valerão as regras contratuais;

3. o saldo global das garantias concedidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios será o equivalente a 22% da RCL, podendo chegar a 32% da RCL, nas condições previstas na Resolução na 43;

4. O saldo devedor das operações de crédito por antecipação de receita orçamentária (AROs) não poderá ultrapassar, no exercício em que estiver sendo apurada, a 7% da RCL.

As novas regras para contratação de operações de crédito estão dispostas no Manual de Instrução de Pleitos (MIP), editado pelo Ministério da Fazenda, que substituiu o Banco Central nas análises dos pleitos para a contratação de operações de crédito estaduais e municipais.

No que se refere aos limites e condições para endividamento do governo federal, o projeto encaminhado ao Congresso Nacional determinava um limite de endividamento (Dívida Consolidada Líquida) igual a 3,5 vezes (ou 350%) a RCL anual do governo federal. Já a dívida mobiliária teria um limite diferenciado, equivalente a 6,5 vezes a RCL.

Ressalte-se que a Resolução na 43/01 revogou a Resolução na 78/98. Enquanto não forem editadas as novas resoluções que tratarão do endividamento do governo federal, devem ser observadas as regras dispostas na Resolução na 96/89.

Finalmente, a Resolução no 20 do Senado Federal, de 7 de novembro de 2003, alterou dispositivos da LRF e da Resolução SF na 40/01, a saber:

♦♦♦♦ o prazo para reenquadramento aos limites da dívida consolidada, conforme previsto inicialmente no artigo 31 da LRF, passa de 3 para 4 quadrimestres;

♦♦♦♦ de 10 de janeiro de 2003 a 30 de abril de 2005 fica suspensa a obrigatoriedade de cumprimento dos limites e condições estabelecidos nos artigos 30 e 40 da Resolução SF na 40/01;

♦♦♦♦ em 10 de maio de 2005, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão estar ajustados aos limites fixados ou à trajetória da dívida.

7.3.7.3.7.3.7.3. A regra de ouroA regra de ouroA regra de ouroA regra de ouro

Segundo o artigo 167, inciso III, da Constituição Federal de 1988:

"É vedada a realização de operações de crédito que excedam as despesas de capital, ressalvadas

Page 147: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

147

as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta."

Esse comando traz a chamada "regra de ouro", que pretende coibir o financiamento, via operação de crédito, de despesas correntes. É matéria orçamentária, ou seja, o limite das operações de crédito é o montante das despesas de capital previsto na lei orçamentária anual. Ressalte-se que, a partir da LRF, passou a ser também matéria financeira.

Em outras palavras, apenas em situações excepcionais, quando houver decisão de maioria absoluta das duas casas legislativas em nível federal, será possível contratar operações de crédito para a cobertura de despesas correntes.

O cumprimento do limite a que se refere o inciso lV do art. 167 da Constituição deverá ser comprovado mediante apuração das operações de crédito e das despesas de capital conforme os critérios definidos no art. 32, § 3°, da LRF, que determina, in verbis:

"§ 3° Para fins do disposto no inciso V do § 1°, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:

I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital".

O Supremo Tribunal Federal (STF), a partir do dia 9 de maio de 2002, tornou sem efeito alguns dispositivos da LRF, como, por exemplo, o § 2° do artigo 12. Diz a citada norma:

"O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária."

Percebe-se que no texto da LRF não havia, de fato, a ressalva constitucional. Certamente que, desde a publicação da LRF, tudo o que se refere à "regra de ouro" tem por referência a Constituição Federal, contra a qual nenhuma lei pode prevalecer. A decisão do STF, portanto, em nosso entendimento, não traz prejuízos à responsabilidade fiscal dos entes públicos.

7.4.7.4.7.4.7.4. Recondução da dívida aos limitesRecondução da dívida aos limitesRecondução da dívida aos limitesRecondução da dívida aos limites

A LRF estabelece prazos e condições rígidos para os entes que ultrapassarem os respectivos limites de endividamento. Se verificada a ultrapassagem dos seus limites ao final de um quadrimestre, a eles deverão retomar nos três quadrimestres seguintes, eliminando pelo menos 25% já no primeiro período.

Durante o tempo em que estiverem acima dos limites, os entes estarão sujeitos às seguintes sanções institucionais:

♦♦♦♦ proibição de realizar operação de crédito, inclusive ARO, excetuado o refinanciamento da dívida mobiliária;

♦♦♦♦ obrigatoriedade de obtenção de superávit primário para redução do excesso, inclusive através de limitação de empenho;

♦♦♦♦ proibição de recebimento de transferências voluntárias, caso não eliminado o excesso no prazo previsto e enquanto durar o mesmo.

Essas regras aplicam-se tanto para os casos de excedente nos limites da dívida mobiliária como das operações de crédito internas e externas. A relação dos entes que ultrapassarem esses limites será divulgada mensalmente pelo Ministério da Fazenda (art. 31, § 1° ao 5°).

Page 148: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

148

7.5.7.5.7.5.7.5. Contratação de Operação de CréditoContratação de Operação de CréditoContratação de Operação de CréditoContratação de Operação de Crédito

Toda e qualquer operação de crédito pleiteada, por ente da Federação, inclusive empresas controladas, estará sujeita à verificação do cumprimento dos respectivos limites de endividamento, pelo Ministério da Fazenda, nos termos do art. 32 da LRF.

De acordo com o parágrafo 1º do art. 33, qualquer operação que contrariar as disposições da LRF será considerada nula, devendo ser cancelada, devolvendo-se o principal, sem o pagamento de juros e encargos financeiros. Enquanto não efetuada a devolução, o ente não poderá receber transferências voluntárias, obter garantia ou contratar operações de crédito (art. 23, § 3º). Para tanto, a instituição credora deverá certificar-se de que o beneficiário da operação atende às exigências da lei.

Além disso, toda e qualquer operação de crédito realizada por ente da Federação será registrada pelo Ministério da Fazenda, garantido o acesso público a essas informações.

7.6.7.6.7.6.7.6. Antecipações de Receitas Orçamentárias Antecipações de Receitas Orçamentárias Antecipações de Receitas Orçamentárias Antecipações de Receitas Orçamentárias –––– aro’s aro’s aro’s aro’s

De uso bastante difundido, esse tipo de operação está agora mais restrito, devendo restringir-se unicamente ao atendimento de insuficiência de caixa durante o exercício e, ainda, atender a todas as normas relativas às operações de crédito constantes do art. 32.

As operações de aro’s somente poderão ser realizadas a partir do décimo dia do início do exercício, devendo ser saldadas, com os respectivos juros e encargos, até 10 de dezembro de cada ano. Quanto aos encargos, estão limitados à taxa de juros da operação, que deverá ser prefixada ou indexada à taxa básica financeira estipulada pelo governo.

Além disso, não poderão ser realizadas no último ano do mandato do Chefe do Poder Executivo, nem tampouco se operações anteriores da mesma natureza não estiverem totalmente saldadas.

Todas as operações de aro’s serão feitas através de abertura de crédito na instituição financeira que for vencedora de processo licitatório promovido pelo Banco Central, que fará também o seu acompanhamento e controle, aplicando as sanções cabíveis em caso de inobservância de limites, pela instituição credora.

As aro’s não estão incluídas no saldo devedor que comporá o limite de endividamento dos entes públicos. Trata-se de dívida flutuante, de curto prazo, devendo ser paga dentro do exercício em que for contratada.

7.7.7.7.7.7.7.7. Garantia e contragarantiaGarantia e contragarantiaGarantia e contragarantiaGarantia e contragarantia

A concessão de quaisquer garantias em operações de crédito está sujeita às normas do art. 32, que dispõe sobre os limites e condições das operações de crédito. Como pré-condição, qualquer garantia exige que o seu beneficiário ofereça contragarantia, em valor igualou superior à garantia a ser recebida, e, adicionalmente, a plena adimplência para com o ente garantidor.

Na concessão de garantias pela União aos Estados e Municípios, estes poderão vincular as suas receitas tributárias próprias, além das transferências constitucionais.

De acordo com o § 6° do artigo 40 da LRF, não está proibida a concessão de garantia por:

I empresa controlada a subsidiária ou controlada sua, nem a prestação de contragarantia nas mesmas condições;

II instituição financeira a empresa nacional, nos termos da lei.

Para a LRF empresa controlada é a sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação. Esse conceito estabelece diferença entre empresa controlada e empresa dependente. Nesse caso, o Banco do Brasil é uma empresa controlada pelo governo federal, enquanto que o SERPRO configura exemplo de empresa dependente.

Page 149: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

149

Portanto, o Banco do Brasil e outras empresas controladas pelo Poder Público poderão prestar garantias às suas subsidiárias, o que não será possível para as empresas dependentes. Da mesma forma, o Banco do Brasil poderá prestar garantias à empresa nacional, por exemplo, na abertura de carta de crédito para operações de importação e exportação.

Por último, toda dívida de ente público que tiver sido honrada em conseqüência de garantia prestada implica a suspensão de novos créditos até a completa liquidação da dívida em causa.

7.8.7.8.7.8.7.8. Restos a pagarRestos a pagarRestos a pagarRestos a pagar

Pelo disposto na LRF, nenhuma despesa poderá ser contraída nos dois últimos quadrimestres do mandato de qualquer titular de Poder ou órgão, sem adequada e suficiente disponibilidade de recursos para o seu atendimento, dentro do exercício financeiro ou, em caso de valores a serem pagos no exercício seguinte, sem que existam recursos em caixa para tal finalidade.

No cálculo das disponibilidades, deverão ser abatidos todos os encargos e demais compromissos a vencer até o final do exercício.

A rubrica Restos a Pagar, na sua origem, destinava-se a compatibilizar o término do exercício financeiro com a continuidade da Administração Pública. Isto porque nem todos os pagamentos de despesas coincidem com o término do exercício, e é natural que algumas despesas que pertencem a um exercício restem a pagar no exercício seguinte.

Com o passar do tempo, os Restos a Pagar foram sendo mal utilizados como instrumento de rolagem de dívidas. A má utilização decorria, em grande medida, de deficiências do processo orçamentário como instrumento de planejamento. O orçamento, eivado por superestimativa de receitas e/ou subestimativa de despesas, embutia autorização para assunção de compromissos que não eram acompanhados por efetiva arrecadação de receitas.

A falta de sincronia entre orçamento e execução financeira e a ausência de medidas corretivas ocasionavam uma sobra de pagamentos que não podiam ser atendidos no mesmo exercício e, por isso, eram transferidos para o exercício seguinte sob a forma de Restos a Pagar. O orçamento do exercício seguinte, por sua vez, freqüentemente não contemplava espaço para os Restos a Pagar que, para serem atendidos, ocasionavam deslocamento de outras despesas. Estas seriam também transferidas sob a forma de Restos a Pagar para o terceiro exercício, configurando-se, então, a rolagem extra-orcamentária de dívidas.

A situação agravava quando a série de planejamentos deficientes fazia com que os problemas se acumulassem, dando origem a uma trajetória crescente de Restos a Pagar; e, ainda mais, em último ano de mandato, quando a pressão pela acomodação de despesas também aumentava, elevando o volume de Restos a Pagar a tal magnitude que, muitas vezes, o sucessor era forçado a consumir um ou mais anos de seu mandato apenas para saldar tais dívidas.

Após a LRF, esse tipo de rolagem de dívidas fica vedado no último ano de mandato. O art. 42 foi concebido com o espírito de, por um lado, evitar que, em último ano de mandato, sejam irresponsavelmente contraídas novas despesas que não possam ser pagas no mesmo exercício, sob pressão do próprio pleito. Por outro lado, o fim do mandato serviria também como ponto de corte para equacionamento de todos os estoques. Em outras palavras, eventuais dívidas poderiam ser roladas ao longo de um mesmo mandato, mas jamais transferidas para o sucessor. A regra obriga o governante a "deixar a casa arrumada para o sucessor".

Posteriormente, a Lei n° 10.028, de 19 de outubro de 2000, denominada Lei de Crimes Fiscais, caracterizou como crime, punido com reclusão de um a quatro anos, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação em desacordo com a determinação do referido art. 42.

Várias dúvidas têm surgido quanto à interpretação desse dispositivo, tornando-se necessários alguns esclarecimentos. Vamos utilizar como referência o ano de 2000, que foi último ano de mandato.

Page 150: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

150

8.8.8.8. TRANSPARÊNCIA, CONTRTRANSPARÊNCIA, CONTRTRANSPARÊNCIA, CONTRTRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃOOLE E FISCALIZAÇÃOOLE E FISCALIZAÇÃOOLE E FISCALIZAÇÃO Este capítulo reúne todos os comandos normativos necessários à confecção e à divulgação

de relatórios e demonstrativos ligados às atividades de condução das finanças públicas, estabelecendo regras e procedimentos de fiscalização, controle e avaliação do grau de sucesso obtido na administração das finanças públicas, particularmente sob o prisma das normas previstas na LRF.

8.1.8.1.8.1.8.1. Transparência na Gestão FiscalTransparência na Gestão FiscalTransparência na Gestão FiscalTransparência na Gestão Fiscal

Neste item, verifica-se a existência de dois blocos normativos distintos: um de caráter geral, dedicado à explicitação dos instrumentos de transparência na gestão fiscal; outro, específico, voltado às contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo.

Para efeito da LRF, consideram-se instrumentos de transparência:

♦♦♦♦ Os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias;

♦♦♦♦ As prestações de contas e o respectivo parecer prévio;

♦♦♦♦ Relatório Resumido da Execução Orçamentária e a sua versão simplificada;

♦♦♦♦ Relatório de Gestão Fiscal e a sua versão simplificada.

A transparência da gestão pública exige também o incentivo à participação popular e pela realização de audiências públicas, tanto durante a elaboração como no curso da discussão dos planos, da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos.

Por sua vez, as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo devem estar à disposição do público, no âmbito tanto do respectivo Poder Legislativo como do órgão técnico responsável por sua elaboração. Tratando-se da União, as contas devem ser acompanhadas por demonstrativos, confeccionados pelo Tesouro Nacional e pelas agências financeiras oficiais de fomento, especificando as aplicações efetuadas com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social, assim como o impacto fiscal das operações realizadas pelas agências de fomento.

8.2.8.2.8.2.8.2. Relatório Resumido da Execução Relatório Resumido da Execução Relatório Resumido da Execução Relatório Resumido da Execução Orçamentária Orçamentária Orçamentária Orçamentária ---- RREO RREO RREO RREO

O Relatório Resumido da Execução Orçamentária é composto de duas peças básicas e de alguns demonstrativos de suporte. As peças básicas são o balanço orçamentário, cuja função é especificar, por categoria econômica, as receitas e as despesas, e o demonstrativo de execução das receitas (por categoria econômica e fonte) e das despesas (por categoria econômica, grupo de natureza, função e subfunção).

Nessas peças, devem os valores referentes ao refinanciamento da dívida mobiliária ser destacados dentre as demais receitas de operações de crédito. Já os demonstrativos de suporte visam evidenciar a receita corrente líquida, as receitas e despesas previdenciárias, os resultados primário e nominal, as despesas com juros e os valores inscritos em restos a pagar. Tratando-se do Relatório de último bimestre de cada exercício, exige-se a demonstração das projeções atuariais dos regimes de previdência social, da variação patrimonial e da conformidade do montante das operações de crédito com aquele das despesas de capital, nos termos previstos no inciso III do art. 167 da Constituição.

As limitações impostas ao empenho de dotações devem ser justificadas, assim como relacionadas as medidas destinadas à elevação da arrecadação, no caso de frustração na previsão de receitas. O quadro a seguir apresenta um modelo do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Todos os Municípios brasileiros (inclusive aqueles que possuírem menos de 50 mil habitantes) deverão apresentar o RREO a cada bimestre, sob risco de punições fiscais e penais.

Page 151: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

151

8.3.8.3.8.3.8.3. Relatório de Gestão Fiscal Relatório de Gestão Fiscal Relatório de Gestão Fiscal Relatório de Gestão Fiscal ---- RGF RGF RGF RGF

Do ponto de vista do regime de finanças públicas implantado com a LRF, o Relatório de Gestão Fiscal ocupa posição central no que diz respeito ao acompanhamento das atividades financeiras do Estado. Cada um dos Poderes, além do Ministério Público, deve emitir o seu próprio Relatório de Gestão Fiscal, abrangendo todas as variáveis imprescindíveis à consecução das metas fiscais e à observância dos limites fixados para despesas e dívida. Constam, portanto, do Relatório:

♦♦♦♦ As informações necessárias à verificação da conformidade, com os limites de que trata a LRF, das despesas com pessoal, das dívidas consolidada e mobiliária, da concessão de garantias, das operações de crédito e das despesas com juros;

♦♦♦♦ Elenco de medidas adotadas com vistas à adequação das variáveis fiscais aos seus respectivos limites; tratando-se do último quadrimestre, demonstração do montante das disponibilidades ao final do exercício financeiro e das despesas inscritas em restos a pagar.

O Relatório de Gestão Fiscal, conforme determina a LRF, conterá demonstrativos com informações relativas à despesa total com pessoal, dívida consolidada, concessão de garantias e contragarantias, bem como operações de crédito, devendo, no último quadrimestre, ser acrescido de demonstrativos referentes ao montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro, das inscrições em Restos a Pagar e da despesa com serviços de terceiros.

A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o relatório deverá ser publicado e disponibilizado ao acesso público, inclusive em meios eletrônicos, até trinta dias após o encerramento do período a que corresponder.

Prazo que, para o primeiro quadrimestre, se encerra em 30 de maio, para o segundo quadrimestre, se encerra em 30 de setembro e, para o terceiro quadrimestre, se encerra em 30 de janeiro do ano subseqüente ao de referência.

É facultado aos Municípios com população inferior a cinqüenta mil habitantes optar por divulgar, semestralmente, o Relatório de Gestão Fiscal. A divulgação do relatório com os seus demonstrativos deverá ser realizada em até trinta dias após o encerramento do semestre. Prazo que, para o primeiro semestre, se encerra em 30 de julho e, para o segundo semestre, se encerra em 30 de janeiro do ano subseqüente ao de referência.

A não divulgação do referido relatório, nos prazos e condições estabelecidos em lei, é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.

Além disso, o ente da Federação estará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

O Relatório de Gestão Fiscal conterá demonstrativos comparativos com os limites de que trata a LRF, dos seguintes montantes:

a. despesa total com pessoal, evidenciando as despesas com ativos, inativos e pensionistas;

b. dívida consolidada; c. concessão de garantias e contragarantias; e d. operações de crédito. e. demonstrativo dos limites

Além disso, o referido relatório indicará as medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer dos limites.

Page 152: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

152

8.4.8.4.8.4.8.4. Fiscalização da Gestão FiscalFiscalização da Gestão FiscalFiscalização da Gestão FiscalFiscalização da Gestão Fiscal

A responsabilidade pela fiscalização quanto ao cumprimento das normas de gestão fiscal é atribuída ao Poder Legislativo, este com o auxílio do Tribunal de Contas, e aos sistemas de controle interno de cada Poder e do Ministério Público. Ênfase especial deve ser atribuída, na fiscalização, a alguns aspectos específicos:

♦♦♦♦ Verificação do cumprimento das metas previstas na lei de diretrizes;

♦♦♦♦ Observância dos limites e das condições para a realização de operações de crédito e a inscrição de despesas em restos a pagar;

♦♦♦♦ Adoção de medidas para a adequação das despesas com pessoal e das dívidas mobiliária e consolidada aos respectivos limites;

♦♦♦♦ Observância das normas atinentes à destinação dos recursos oriundos da alienação de ativos;

♦♦♦♦ Respeito aos limites aplicáveis aos gastos do Poder Legislativo municipal, caso existam tais limites.

Cabe ainda aos Tribunais de Contas, além de verificar o cumprimento dos limites relativos às despesas com pessoal, alertar Poderes e órgãos:

♦♦♦♦ Sobre a possibilidade de extrapolação do limite referencial para as despesas com juros;

♦♦♦♦ Quando às despesas com pessoal e os montantes das dívidas consolidada e mobiliária, das operações de crédito e das garantias concedidas ultrapassarem 90 por cento dos limites a elas aplicáveis;

♦♦♦♦ Que as despesas com inativos e pensionistas se encontram acima do limite correspondente (Lei 9.717);

♦♦♦♦ Sobre fatos que comprometam os custos ou os resultados de programas, assim como indícios de irregularidades na gestão.

Ao Tribunal de Contas da União foi dada a especial incumbência de acompanhar a legalidade das operações com títulos públicos, realizadas entre a União, por intermédio do Tesouro Nacional, e o Banco Central do Brasil.

9.9.9.9. SANÇÕES INSTITUCIONASANÇÕES INSTITUCIONASANÇÕES INSTITUCIONASANÇÕES INSTITUCIONAIS PARA DESCUMPRIMENIS PARA DESCUMPRIMENIS PARA DESCUMPRIMENIS PARA DESCUMPRIMENTO DA LRFTO DA LRFTO DA LRFTO DA LRF As sanções institucionais correspondem à interrupção de transferências voluntárias (e a

sua contratação) realizadas pelo Governo Federal, ao impedimento de contratação de operações de crédito e a impossibilidade para a obtenção de garantias da União para a contratação de operações de crédito externo.

Com relação ao controle das operações de crédito, o Banco Central é a instituição que vinha acompanhando a dívida pública brasileira, inclusive o volume de contratações de operações de crédito de Estados e Municípios. A partir da Resolução n° 43, de 21 de dezembro de 2001, este papel passa a ser realizado pelo Ministério da Fazenda.

10.10.10.10. SANÇÕES PESSOAISSANÇÕES PESSOAISSANÇÕES PESSOAISSANÇÕES PESSOAIS Paralelamente às sanções institucionais, descritas no próprio texto da LRF, o

descumprimento da LRF poderá representar para o administrador público a aplicação de penalidades penais e administrativas, de acordo com a Lei nº 10.028, de 10-10-2000, a chamada Lei de Crimes. Cumpre ressaltar que a Lei 10.028 alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7-12-1940 (Código Penal), a Lei nº 1.079, de 10-04-1950 (define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento) e o Decreto-Lei nº 201, de 27-02-1967 (dispõe sobre a

Page 153: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

153

responsabilidade dos Prefeitos e vereadores, e dá outras providências).

A sanção penal, nos termos da Lei de Crimes, recairá sobre aquele administrador público que não seguir as regras gerais da LRF, desde a confecção das leis orçamentárias nos termos da LRF (artigo 4º), até a publicação de todos os relatórios exigidos, passando pela observação dos limites para contratação de pessoal, serviços terceirizados e endividamento.

As sanções pessoais recairão diretamente sobre o agente administrativo, importando na cassação de mandato, multa de 30% dos vencimentos anuais, inabilitação para o exercício da função pública e detenção, que poderá variar entre 6 meses e 4 anos.

11.11.11.11. O PAPEL DO CONTROLEO PAPEL DO CONTROLEO PAPEL DO CONTROLEO PAPEL DO CONTROLE Atuando sobre os próprios órgãos estatais, o controle desempenha importante papel nas

relações entre Estado e sociedade, contribuindo para a garantia do regime democrático. À medida que uma sociedade se organiza, surgem necessidades que devem ser preenchidas sem que os direitos e liberdades individuais sejam comprometidos.

O Estado relaciona-se permanentemente com a sociedade. Dessas relações surgem as funções que lhe são próprias, exercidas por meio dos seus órgãos – instituições burocráticas que prestam serviços públicos, ligados a uma das funções fundamentais: executiva, legislativa ou jurídica. O conjunto de órgãos constitui, formalmente, a administração pública.

12.12.12.12. O CONTROLE EXTERNO NO CONTROLE EXTERNO NO CONTROLE EXTERNO NO CONTROLE EXTERNO NO MUNDOO MUNDOO MUNDOO MUNDO Muitos países atribuem os seus controles externos a órgãos singulares, como as

auditorias-gerais ou controladorias da Austrália, Áustria, Canadá, China, Colômbia, EUA, Israel, Nova Zelândia, Peru, Reino Unido e Venezuela. Esses órgãos são dirigidos por um auditor-geral ou controlador, ao qual compete definir os rumos da organização, bem como responder publicamente pelos trabalhos realizados.

Em outros países, como Alemanha, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Grécia, Itália, Japão, Portugal e Uruguai, os dispêndios públicos são controlados por intermédio das cortes de contas. Nessas cortes, as principais decisões são tomadas por um colegiado de ministros ou conselheiros. Assim, embora geralmente os colegiados contem com um presidente49, a responsabilidade pela compatibilização entre meios e fins, bem como pelos trabalhos realizados, é exercida de modo difuso por todos com direito a voto.

Nos órgãos singulares, as recomendações resultantes das fiscalizações têm caráter unipessoal, subscritas pelo auditor-geral ou controlador. Nas cortes de contas, no entanto, em vez de recomendações, prevalecem as determinações, respaldadas em deliberações do colegiado.

As auditorias-gerais ou controladorias e as cortes de contas surgiram na Europa, mas influenciaram a organização de quase todos os Estados nacionais. As primeiras predominam nos países de tradição anglo-saxônica, enquanto as últimas são mais comuns naqueles influenciados pela Europa continental.

As cortes surgiram com a preocupação do controle da legalidade da gestão financeira do setor público. Esse controle pressupõe que o exato cumprimento da lei é uma condição necessária para a correta aplicação dos recursos públicos, ou seja: verificar se o gestor agiu conforme a legislação, se seus atos estavam respaldados nas normas aplicáveis, foi a primeira atribuição das cortes de contas.

49 No TCU, a presidência é ocupada pelos ministros segundo o sistema de rodízio. O mandato é de um ano, renovável uma única vez por igual período. A existência de um presidente, porém, não impede que os demais ministros requeiram trabalhos à área técnica da corte de contas da União. Conseqüentemente, o órgão precisa lidar não apenas com a curta duração do mandato de seus presidentes, o que dificulta o planejamento de longo prazo das atividades, como também com as demandas específicas dos vários ministros.

Page 154: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

154

O controle gerencial, por sua vez, é a principal marca das auditorias-gerais ou controladorias. Essa modalidade de controle prioriza a análise dos atos administrativos em relação tanto aos seus custos, como aos resultados almejados e alcançados.

Em relação ao status jurídico e à efetividade de suas decisões, as Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) diferem de país para país. Algumas têm natureza administrativa, ou seja, as suas decisões podem ser revistas pelo Poder Judiciário. Outras, porém, possuem natureza jurisdicional, ou seja, as suas decisões são definitivas em relação ao seu objeto.

Ademais, o controle externo das finanças públicas tanto pode ser anterior à realização da despesa (i.e., o controle prévio, no qual os atos sujeitos a controle podem ser vetados antes de serem efetivados), como pode ser posterior (i.e., o controle a posteriori).50

A maior presença do Estado no campo econômico e a ampliação dos serviços públicos oferecidos à população levaram as cortes de contas a buscar formas de controle que ultrapassassem a mera verificação dos aspectos formais dos atos administrativos, permitindo a incorporação de técnicas de controle gerencial, abrangendo questões acerca da eficiência, da eficácia e da efetividade das ações governamentais.

Coerentemente com esses desdobramentos, as mais destacadas tendências internacionais na área de controle, como apurado pela pesquisa “Tendências de Controle da Gestão Pública”51, realizada pelo TCU em 1999 e 2000, são (cf. TCU, B, 2000, p. 6):

a. O monitoramento sistemático pelas EFS do cumprimento de suas decisões ou recomendações;

b. A ampla publicidade das ações de controle;

c. A divulgação das boas práticas administrativas;

d. A crescente importância das auditorias de desempenho;

e. A utilização de especialistas e consultores externos para o planejamento de trabalhos mais complexos.

No caso do Brasil, as tendências em favor do controle gerencial foram assimiladas pela Constituição Federal de 1988. Efetivamente, as cortes de contas brasileiras tiveram as suas competências substancialmente ampliadas, passando a englobar a apreciação contábil, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como o exame da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos das administrações direta e indireta. Adicionalmente, além das despesas, também as receitas passaram a ser objeto de fiscalização. Já os débitos e multas imputados passaram a ter eficácia de títulos executivos.

Ademais, impera uma relação de duplo grau de “accountability”, uma vez que prestam contas (cf. TCU, F, 1999, p. 14):

a. O Presidente, em nível macro, sobre as ações do governo constantes do Orçamento Geral da União;

b. Os ordenadores de despesa, em nível micro, pelos atos praticados na administração dos respectivos órgãos e entidades.

13.13.13.13. O CONTROLE NO BRASILO CONTROLE NO BRASILO CONTROLE NO BRASILO CONTROLE NO BRASIL O Estado submete-se, então, à ordem e à eficiência administrativas, e à eficácia dos seus

atos. Esses princípios criam mecanismos ou sistemas de controle das atividades estatais, defendendo tanto a própria administração pública, como os direitos e garantias coletivos.

50 Predomina, no Brasil, a fiscalização a posteriori de natureza administrativa. 51 Cf.: TCU, A, 1999; TCU, B, 2000; TCU, C, 2000; TCU, E, 1999; TCU, F, 1999; TCU, G, 2000; e TCU, H,

Page 155: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

155

A Carta Magna prevê três tipos de controle: o particular, o interno e o externo.

a. O controle particular que torna acessível ao povo a possibilidade de denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

b. O controle interno, realizado pelos próprios órgãos do aparelho estatal;

c. O controle externo, realizado pelo Poder Legislativo, que conta com o auxílio da corte de contas.

13.1.13.1.13.1.13.1. Controle particularControle particularControle particularControle particular

A respeito do controle particular veio expresso, pela vez primeira, no § 2º do art. 74 da Constituição Federal de 1988, facultando a qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante as Cortes de Contas. De certa forma, essa faculdade já estava implícita no consagrado direito de petição. Até hoje não se tomou conhecimento de alguém que, sem ser detentor de mandato eletivo, já tivesse exercitado essa prerrogativa.

De fato, qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, proceder a essas denúncias. É mais um instrumento colocado no arsenal dos direitos políticos do cidadão. Conforme o tipo de medida a ser impugnada, pode tornar-se mais conveniente e mais prático a simples denúncia ao Tribunal de Contas, que, no exercício das suas atribuições, poderá introduzir as impugnações e sanções que a hipótese comportar, evitando-se, destarte, o caminho mais tortuoso de uma ação popular. A expressão “na forma da lei” não deve induzir a ninguém a idéia de que o preceito por ora é inócuo, já que a referida lei não se encontra ainda editada.

13.2.13.2.13.2.13.2. O Controle O Controle O Controle O Controle iiiinternonternonternonterno

A história do controle interno na Administração Pública Federal tem seu marco inicial na Lei nº. 4.320, de 17 de março de 1964, que introduziu as expressões controle interno e controle externo e definiu as competências para o exercício daquelas atividades. Ao Poder Executivo incumbiu-se o controle interno, enquanto o externo foi atribuído ao Poder Legislativo.

A lei definiu em primeiro lugar a universalidade do controle, ou seja, sua abrangência sobre todos os atos da Administração, sem exceção, quer se trate da receita quer da despesa. Em seguida, fez o controle recair sobre cada agente da Administração, individualmente, desde que responsável por bens e valores públicos. A grande inovação apareceu ao estabelecer a verificação do cumprimento do programa de trabalho, expresso em termos físico-financeiros. Pela primeira vez, pensava-se em controle de resultados na Administração Pública, além do controle meramente legal.

No que toca particularmente à fiscalização e controle, a Constituição de 1988 representou um avanço, em virtude da criação de sistemas de controle interno nos Poderes Legislativo e Judiciário e da determinação de que, juntamente com o do Poder Executivo, esses sistemas fossem mantidos de forma integrada.

O controle interno encontra fundamento no art. 74 da Constituição Federal, o qual determina que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem manter, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

a. Avaliar o cumprimento de metas do plano plurianual e a execução dos orçamentos públicos;

b. Comprovar a legalidade e avaliar os resultados, sob os aspectos de eficiência e eficácia, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial dos órgãos e entidades da administração;

c. Exercer o controle das operações de crédito;

d. Apoiar o controle externo.

Page 156: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

156

O órgão central e os órgãos setoriais medem a eficiência do administrador e da organização que dirige com o sentido de saber se prestaram, efetivamente, os serviços que lhes compete. E, quando não se produzem resultados satisfatórios, é por meio desses órgãos que se identificam as razões e procuram-se os meios para correção.

Até recentemente o sistema de controle interno era centralizado vinculado ao Ministério da Fazenda. Os Decretos da Presidência da República nº 4.113, de 5 de fevereiro de 2002, e 4.177, de 28 de março de 2002, porém, alteraram este quadro profundamente: o primeiro decreto transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) para a estrutura da Casa Civil da Presidência da República; o último, para a Corregedoria-Geral da União.

Ao subordinar a função de controle ao trabalho de correição, verifica-se que o Brasil se distanciou da experiência internacional. Ao proceder dessa forma, a contribuição do órgão de controle interno para o aprimoramento da administração pública pode estar sendo debilitada em decorrência da subordinação da atividade consultiva, essencial para o aprimoramento das práticas gerenciais, às atividades puramente coercitivas – não tão abrangentes e menos tempestivas em razão da busca da segurança jurídica.

O controle interno, por sua vez, que se assenta no princípio da hierarquia, claudica sempre que as irregularidades tenham origem nos altos escalões governamentais, como é de praxe.

13.3.13.3.13.3.13.3. O Controle O Controle O Controle O Controle eeeexternoxternoxternoxterno

O controle externo é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, conforme artigos 70 a 73 da Constituição Federal.

O controle externo é “por excelência, um controle político de legalidade contábil e financeira” (Meirelles, 1989, p. 602), destinando-se a comprovar:

a. A probidade dos atos da administração;

b. A regularidade dos gastos públicos e do emprego de bens, valores e dinheiros públicos;

c. A fiel execução do orçamento.

Esse controle abrange a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Os parlamentares não são necessariamente versados em matérias de direito, economia, contabilidade, administração, finanças públicas etc., pelo que, contam com o auxílio do TCU, cuja competência vem definida no art. 71 da Constituição Federal.. Compete ao Tribunal de Contas, dentre outras atribuições, apreciar as contas anuais do Presidente da República, realizar inspeções e auditorias nas unidades administrativas dos três Poderes, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados etc.

A atuação do Tribunal de Contas, nem sempre atinge o resultado desejado. Seu desempenho é passível de várias críticas, quer pela forma de investidura de seus membros, quer pela morosidade de sua atuação, quer pelo caráter não vinculativo de seus pareceres.

É verdade que a questão da investidura dos Ministros do TCU sofreu um avanço na Constituição de 1988 (§§ 1º e 2º do art. 73), que eliminou o critério de livre indicação pelo Presidente da República, contribuindo para eliminar a elevada dose de suspeição que contaminava a legitimidade do julgamento das contas prestadas pelo governante. Entretanto, os seus membros continuam sendo recrutados, sem o desejável concurso público específico ou genérico, através de um critério que não elimina de todo o subjetivismo de quem os nomeia.

É sabida a morosidade de atuação do Tribunal de Contas, deixando de detectar as irregularidades praticadas a tempo de viabilizar a reposição dos danos causados ao erário público.

Page 157: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

157

Com o passar do tempo tudo cai no esquecimento, segundo a máxima "o tempo apaga os vícios". Às vezes, uma irregularidade posterior de maior grandeza tem o condão de minimizar a anterior, ou de fazê-la cair no esquecimento, propiciando a formação de um clima para implantação de um círculo vicioso.

Com a eliminação do controle prévio, que estava na Constituição de 1946 (art. 77, §§ 1º e 2º), o qual, tornava obrigatório o registro do contrato para ulterior realização da despesa, para tornar eficiente a atuação do Tribunal só restaria a otimização de seu controle concomitante, isto é, aquele exercido no curso da realização da despesa, possibilitando a sua sustação sempre que detectada qualquer irregularidade. Ocorre que, na maioria das vezes, a atuação do Tribunal está voltada para o controle posterior e assim mesmo com muito atraso.

Em nível estadual, no estado de São Paulo, por exemplo, existem contas de governantes da década de setenta que ainda não foram apreciadas.

Outra ineficiência do TCU é a que diz respeito ao parecer meramente opinativo. Limita-se a julgar as contas e não as pessoas. Embora atualmente, o Tribunal de Contas tem o poder de proferir decisão imputando débito ou multa ao responsável pela ilegalidade de despesas ou irregularidade de contas, à qual a Constituição confere eficácia de título executivo (§ 3º do art. 71). Sua atuação serve, também, para dar embasamento aos processos de responsabilização a serem aplicados pelas instâncias próprias. Porém, se formos pesquisar o percentual de recuperação de despesas consideradas ilegais pelo TCU verificar-se-á que os malbaratadores de verbas públicas ficam, em sua maioria, impunes sob todos os aspectos. E isso porque a eficácia de suas decisões fica, na maioria das vezes, na dependência de atuação de outros órgãos do Executivo ou do Legislativo.

Apesar de investidos das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (§ 3º do art. 73 da CF) os membros do TCU estão longe de exercer uma função judicante, prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário que, em tese, poderá invalidar qualquer decisão da Corte de Contas, mesmo aquela em que a Constituição confere eficácia de título executivo.

A rejeição de contas pelo Tribunal de Contas pode não implicar sua rejeição pelo Congresso Nacional. Assim, o pronunciamento de técnicos, obtido com a mobilização de imensos recursos materiais e pessoais, pode ser ignorado por leigos, que detêm o poder decisório sobre a matéria, de forma monopolizada.

Diante da fragilidade técnica do Tribunal de Contas, talvez, a solução seria a de integrá-lo ao Poder Judiciário como uma Corte especializada, tomando-se o cuidado necessário na escolha do critério de sua composição por exigir, não só, conhecimentos técnicos especializados, como também, grande sensibilidade política, sob pena de criar impasses político-institucionais a todo o momento.

14.14.14.14. ÓRGÃOS DE CONTROLE ÓRGÃOS DE CONTROLE ÓRGÃOS DE CONTROLE ÓRGÃOS DE CONTROLE NO BRASILNO BRASILNO BRASILNO BRASIL No Brasil, há o TCU, 27 tribunais de contas dos estados, incluindo o Tribunal de Contas do

Distrito Federal, e 6 tribunais de contas dos municípios, mais os tribunais de contas específicos para as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Os órgãos em questão constam da seção que trata da fiscalização contábil, financeira e orçamentária do capítulo sobre o Poder Legislativo tanto da Constituição Federal de 1988, como das constituições estaduais e do Distrito Federal. A Constituição Federal, em particular, ampliou as funções desempenhadas pelas cortes de contas, acrescentando os critérios de legitimidade, economicidade e razoabilidade aos de legalidade e regularidade.

Observa-se, no entanto, que o controle externo ainda é realizado de modo parcial, com ênfase nos aspectos formais de legalidade dos atos e de regularidade da despesa. Assim, é preciso que sejam adotadas medidas para a sua plena execução, pois a sociedade não pode reconhecer a necessidade de um controle acerca do qual se tem idéia oposta, ou seja, “por omissão de fiscalização, verifica-se e registra-se, tão somente, o descontrole”. (Oliveira, 1995, p. 76.)

Page 158: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

158

Como, no caso brasileiro, o sistema de fiscalização e controle externo está a cargo das cortes de contas, que constituem órgãos autônomos e de atuação independente, embora vinculados aos Poderes Legislativos municipais, estaduais, distrital e federal, os registros de inoperância do controle atingem mais de perto essas instituições.

14.1.14.1.14.1.14.1. O alcance do controle judicialO alcance do controle judicialO alcance do controle judicialO alcance do controle judicial

A administração pública também está sujeita ao controle judicial – distinto dos controles interno e externo, mas inerente ao estado de direito. Esse controle é exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário por meio da função jurisdicional, visando a defender os administrados e manter a administração dentro das normas legais vigentes.

O seu objeto são os atos administrativos praticados pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo próprio Judiciário. Trata-se, portanto, de um controle da legalidade dos atos administrativos, abrangendo o exame de sua conformidade com a legislação, bem como os elementos fáticos e princípios gerais que o legitimaram.

Na perspectiva do sistema de controle externo, o que, em tese, não seria permitido ao Poder Judiciário é o controle do mérito administrativo, ou seja, da conveniência, oportunidade e justiça dos atos de gestão:

O mérito administrativo, relacionado a questões políticas e elementos técnicos, foge ao âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.

Atualmente, observa-se que quanto mais as cortes de contas, a começar pelo TCU, insistem na natureza jurisdicional de suas decisões, mais esses órgãos têm-se exposto a contestações perante o Poder Judiciário, o qual, cioso das suas próprias prerrogativas, têm imposto seguidas restrições às competências dessas cortes.

14.2.14.2.14.2.14.2. O Controle O Controle O Controle O Controle eeeexterno como ferramenta de aprimoramento da Administração Públicaxterno como ferramenta de aprimoramento da Administração Públicaxterno como ferramenta de aprimoramento da Administração Públicaxterno como ferramenta de aprimoramento da Administração Pública

O controle é parte integrante e essencial de qualquer processo de produção de bens e serviços. A sua principal função deve ser a busca de melhores resultados por parte das organizações que integra.

Para poder contribuir de forma efetiva para o êxito dos empreendimentos, o controle precisa atuar concomitantemente às diversas etapas do processo de produção, detectando desvios e anomalias em tempo compatível com a introdução oportuna dos aperfeiçoamentos e correções que se fizerem necessários.

A questão da oportunidade é crucial: o controle somente pode ser caracterizado como tal quando contribui tempestivamente para a consecução dos objetivos da organização. Pronunciar-se após a consumação do dano, limitando-se a identificar os responsáveis, é uma disfunção em termos da atuação esperada do controle.

Afinal, nem todo ato de má gestão constitui um ato ilícito, que requer, em prol da segurança jurídica, prolongadas demonstrações de responsabilidade. Pelo contrário, todo empreendimento, mesmo aqueles patrocinados pelo poder público, envolve riscos.

A minimização dos efeitos nocivos das decisões que se mostrarem equivocadas exige a pronta ação do sistema de controle, entendido como um insumo do processo de tomada de decisão. Esse entendimento pode ser assim resumido: a incompetência administrativa, no mais das vezes, não constitui ilicitude. A aferição de responsabilidades, de natureza eminentemente jurídica, deveria ser a exceção e não a regra.

A ocorrência de disfunções no desenrolar de quaisquer atividades é humana e inerente ao ato de fazer. Muitas podem ser debitadas às falhas de planejamento, associadas ou não a diagnósticos inconsistentes, às dificuldades inesperadas de execução, ao despreparo dos agentes,

Page 159: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

159

à subestimação dos obstáculos a serem transpostos ou mesmo à superveniência de eventos imprevisíveis e/ou incontornáveis.

A observação de disfunções deveria promover a interação entre gestores e controladores, para que os primeiros fossem alertados e auxiliados na identificação e, quando possível, superação das causas, bem como estimulados a introduzir correções e aperfeiçoamentos voltados para a obtenção dos melhores resultados.

Na prática, contudo, as ações de controle exibem inúmeras deficiências. O acompanhamento físico da execução dos projetos públicos, p. ex., é limitado. As prestações de contas, por sua vez, são analisadas à luz dos papéis apresentados, com ênfase nos aspectos formais. Já os trabalhos técnicos são, com freqüência, produzidos sob bases frágeis, pobres em evidências, carentes de validação técnica específica.

Ainda assim, na sua atuação rotineira, o controle, por vezes, depara-se com disfunções que não se enquadram nas situações descritas acima. Em vez da falha eventual, provocada pela imperícia, observam-se danos intencionais, desvios de recursos ou obtenções de vantagens indevidas – práticas ilícitas em prejuízo do interesse público. Esses casos extrapolam os limites da ação normal do controle. Uma vez constatados, compete ao controle promover a execução própria e, paralelamente, acionar e cooperar com as instâncias competentes para a determinação das responsabilidades e para a instrução dos processos pertinentes. Nesse contexto, portanto, a atuação do controle é essencialmente coadjuvante, auxiliar daqueles que detém a competência e os meios para a investigação e a instrução dos processos criminais (i.e., o Poder Judiciário e o Ministério Público).

O que não pode ocorrer é a substituição da premissa de que o controle é um instrumento gerencial por outra na qual o controle tem como finalidade apurar denúncias e crimes contra o patrimônio. Ao priorizar as exceções, o controle deixa de ter como foco principal a melhoria dos métodos e processos administrativos.

Não se trata de desvalorizar o papel da função judicante das cortes de contas. Entende-se somente que, no contexto brasileiro, é primordial reforçar o papel dessas cortes como instrumentos de controle gerencial, dando-lhe maior capacidade técnica e operacional. Assim, enquanto o colegiado integrado pelos ministros continuaria exercendo a função acima citada, atendo-se aos casos que demandassem pronunciamentos por maiorias qualificadas, a unidade técnica adquiriria um mandato próprio para controlar o conjunto de atos de gestão.

Para que a proposta acima possa ser mais bem compreendida, impõe-se um exame das potencialidades e limitações do TCU.

14.3.14.3.14.3.14.3. As potencialidades e limitações do TCUAs potencialidades e limitações do TCUAs potencialidades e limitações do TCUAs potencialidades e limitações do TCU

Para que os rumos de uma organização sejam planejados estrategicamente, os ambientes interno e externo devem ser analisados cuidadosamente, identificando-se oportunidades e ameaças. As primeiras representam vantagens a serem exploradas; as últimas, desafios a serem enfrentados ou obstáculos a serem contornados.

Em relação ao ambiente externo, o contexto no qual se insere o TCU não pode ser caracterizado como turbulento ou como sujeito a forte concorrência. Considerando-se, porém, as mudanças por que tem passado a administração pública (p. ex., aumento na quantidade de concessões de serviços públicos, expectativas de maior transparência nos gastos e de melhor avaliação da gestão pública e pressões políticas em favor da mudança do modelo de controle externo), percebe-se que o TCU não está inteiramente seguro, devendo dar respostas claras acerca da contribuição de suas ações para o bem-estar da coletividade.

Efetivamente, a interação com o ambiente externo é fundamental para que o TCU possa cumprir com eficácia a sua missão institucional, sendo primordial que as expectativas das partes

Page 160: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

160

interessadas no controle externo, especialmente o Congresso Nacional e a sociedade civil, sejam identificadas corretamente.

Na já mencionada pesquisa conduzida pelo TCU, foram identificadas várias oportunidades para a atuação da corte de contas da União, merecendo destaque (cf. TCU, H, 2000, p. 11):

a. A crescente demanda por serviços públicos, cuja prestação por empresas concessionárias requer acompanhamento;

b. As expectativas de que o TCU desenvolva ações que possam orientar e prevenir erros;

c. As demandas por avaliações dos resultados das ações públicas.

Por seu turno, o TCU também entende que deve estar atento a várias restrições, em especial:

a. A inconstância na estrutura da administração pública, principalmente do sistema de controle interno;

b. A concorrência com o Ministério Público da União e com outras entidades de auditoria;

c. A demanda superior à capacidade de atendimento;

d. O desgaste da imagem institucional;

e. A profusão normativa.

Já no que se refere ao ambiente intra-institucional, o TCU entende que possui prerrogativas que podem auxiliar na melhora do desempenho do controle externo, destacando-se (cf. TCU, H, 2000, p. 11):52

a. O poder sancionador;

b. O processo decisório compartilhado;

c. A autonomia e independência institucionais;

d. O assessoramento técnico ao Congresso Nacional;

e. O poder normativo referente às matérias de sua competência.

Por outro lado, a própria corte de contas da União reconhece que vários aspectos internos precisam ser aprimorados, para que o desempenho do controle externo não continue sendo prejudicado:

a. Predomínio do controle reativo;

b. Planejamento estratégico pouco efetivo;

c. Reduzida especialização em áreas temáticas;

d. Reduzida cobertura de recursos fiscalizados;

e. Poder sancionador pouco reconhecido pela sociedade;

f. Ausência de critérios de seletividade na execução da atividade de controle;

g. ausência de indicadores de desempenho que favoreçam a tempestividade, a eficácia e a efetividade do controle externo;

52 Naturalmente, aspectos julgados positivos no presente contexto jurídico-administrativo brasileiro, como as duas primeiras prerrogativas, podem representar, como exposto adiante, formidáveis obstáculos ao desenvolvimento do controle de natureza gerencial.

Page 161: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

161

h. Política de recursos humanos e estrutura organizacional pouco flexíveis para atender às constantes mudanças do ambiente externo.

As limitações em questão estão particularmente presentes no modo como os recursos internos são alocados, na extensão dos ritos processuais e na generalização dos procedimentos recursais.

14.4.14.4.14.4.14.4. Os Tribunais de Contas nos estados e nos municípiosOs Tribunais de Contas nos estados e nos municípiosOs Tribunais de Contas nos estados e nos municípiosOs Tribunais de Contas nos estados e nos municípios

Os Tribunais de Contas existem nos Estados e no Distrito Federal. O art. 75 da Constituição da República manda aplicar a estas Cortes de Contas as mesmas normas estabelecidas para o Tribunal de Contas da União. Dispõe o mencionado dispositivo, in verbis: “As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”

São idênticas, pois, a organização, a composição e a fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal de um lado, e o Tribunal de Contas da União, de outro. As Constituições estaduais dispõem sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros. Há que se consignar, entretanto, uma diferença no Tribunal de Contas da União, que tem nove ministros.

A situação é um tanto mais confusa com relação a estas Cortes no campo municipal. A sua disciplina vem prevista no art. 31, § 40, que dispõe no sentido de ser proibida a criação de Tribunais, Conselhos ou Órgãos de Contas Municipais. Acontece, entretanto, que o caput do art. 75 faz referência a Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Na verdade, o art. 31, § 1°, também se refere a Tribunal de Contas do Município, assim como aos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, acrescentada a cláusula onde houver. Consagrou-se, pois, a situação estabelecida, é dizer, onde eles já existem são mantidos e constitucionalizados; onde eles não existem, não podem ser criados. Há, portanto, Estados que têm um Tribunal de Contas com o nome de Conselho de Contas Municipais, voltado, exclusivamente, à fiscalização dos Municípios. Esses Conselhos são, pois, mantidos. De outra parte, há apenas dois Municípios (o de São Paulo e o do Rio de Janeiro) que têm tribunais de Contas próprios, é dizer, municipais. Ficam também mantidos e constitucionalizados em consonância com o disposto no caput do art. 75 da Lei Maior.

Page 162: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

162

CAPITULO XCAPITULO XCAPITULO XCAPITULO XIIIIV V V V –––– DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA DÍVIDA PÚBLICA

1.1.1.1. DÍVIDA PÚBLICADÍVIDA PÚBLICADÍVIDA PÚBLICADÍVIDA PÚBLICA Das operações de crédito, em que o Poder Público figura como tomador do dinheiro, acaba

por resultar uma dívida pública. Esta é, portanto, uma decorrência das operações creditícias. Daí que seus problemas, sua natureza, suas classificações apresentam, logicamente, estreita relação com o estudo do próprio empréstimo público.

O fato de o Estado ser responsável por débitos, muitas vezes avolumados, gera problemas com repercussão na ordem econômica, financeira, política, quer se trate de uma dívida interna, quer externa.

Já foi visto como o Estado nas operações de crédito interno dispõe de instrumentos que não lhe são acessíveis no mercado externo. Do ponto de vista da administração destas dívidas, as mesmas diferenças se colocam. Conviria recordá-las, pois, aqui, na boca do grande mestre (Las finanças públicas, que é José Joaquim Teixeira Ribeiro: “Ora, tem muita importância ser interna ou externa a dívida dum país. Desde logo, porque não é igual o ônus que uma e outra acarretam, como ver-se-á a seguir. E, depois, porque há mais diferenças.

Enquanto os encargos da dívida interna são geralmente satisfeitos em moeda nacional, os encargos da dívida externa são satisfeitos, ou em ouro, ou em moeda que goze de confiança internacional, e que por não ser, e quase sempre não é, a moeda do país devedor. Compreende-se: os credores estrangeiros querem premunir-se contra as variações desfavoráveis dos câmbios e, portanto, exigem o pagamento dos juros e a amortização ou reembolso em moeda que lhes mereça confiança. Daí resultam estas conseqüências:

I. A dívida externa não assegura ao Estado devedor o benefício da desvalorização da moeda, ou pelo menos não lho assegura no mesmo grau que se se tratasse de dívida interna sem garantia contra a desvalorização;

II. A dívida externa, ao contrário do que sucede com a dívida interna, pode provocar ou agravar o déficit da balança de pagamentos, colocando eventualmente o país devedor em situação difícil para solver os seus compromissos internacionais.

Outra diferença é esta de ordem política: sendo interna a dívida, o Estado deve, na generalidade dos casos, aos seus cidadãos; mas, sendo externa, o Estado deve a cidadãos de outros países. Ora, o Estado goza de soberania perante aqueles, e não perante estes. E estes — os credores estrangeiros —muitas vezes associam-se, constituindo grupos, que têm força, e, ainda quando não se associam, os seus interesses são defendi dos pelos Governos dos respectivos países. Daí que, através dos empréstimos externos, se possa exercer pressão sobre os Estados devedores; daí que, também os Estados devedores se vejam freqüentemente inibidos de efetuar, em relação aos empréstimos externos, certas operações que às vezes realizam, sendo internos: nomeadamente, a redução forçada do capital ou do juro.”

Outra classificação da dívida de aceitação bastante generalizada é a de considerá-la ou dívida fundada ou flutuante. A dívida fundada é a resultante dos empréstimos temporários a médio e em longo prazo, compreendidos também os empréstimos perpétuos. O termo “fundada” decorre de uma circunstância histórica. Na Inglaterra, outrora, quando se emitiam empréstimos desta natureza, simultaneamente era instituído um fundo para fazer face aos ônus advindos da operação: aí compreendidos os juros e o resgate do principal.

Quando a dívida fundada provém de empréstimos perpétuos, recebe o nome de dívida consolidada.

Dívida flutuante é a decorrente dos empréstimos em curto prazo. De fato, o tesouro pode sentir necessidade, e isso se dá muito freqüentemente, de fazer corresponder os ingressos públicos ao momento em que deverá ocorrer a despesa. Acontece, entretanto, que isto nem sempre possível,

Page 163: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

163

porque o sistema arrecadador tem a sua cronologia própria, que não corresponde, necessariamente, àquela do desembolso. A diferença pode ser pequena, dois, três meses, mas, para que não ocorra a insolvência do Poder Público, cumpre antecipar as receitas, e isto é feito por intermédio dessas operações creditícias que dão lugar à chamada dívida flutuante. Ela flutua no sentido de que oscila muito rapidamente.

Normalmente exige-se que a operação transcorra dentro do exercício financeiro, de modo a não haver saldo devedor a ser transferido para exercícios futuros. E uma dívida, portanto, precaríssima e que contabilmente está lastreada na previsão existente da arrecadação. Pode dar lugar à emissão de títulos representativos desse débito, por vezes chamados bilhetes do tesouro, como pode ser lastreada em abertura de crédito em conta corrente levada a efeito por instituições financeiras.

1.1.1.1.1.1.1.1. Formas de extinção da dívida públicaFormas de extinção da dívida públicaFormas de extinção da dívida públicaFormas de extinção da dívida pública

Sendo a dívida pública, hoje, fundamentalmente composta de obrigações a prazo e não-perpétuas, cumpre estudarem-se as formas pelas quais pode dar-se a satisfação do credor ou a extinção do débito.

a.a.a.a. AmortizaçãoAmortizaçãoAmortizaçãoAmortização

A primeira delas é a mais natural, por ser a forma mais consentânea com a natureza do vínculo obrigacional. É o pagamento na data do vencimento. Dá-se a esta operação o nome de “amortização”, que significa a diminuição do principal da dívida pública no montante reembolsado ao credor. Mas nem sempre o Poder Público tem condições ou vê interesse no resgate da dívida em dinheiro. Pode, então, o Poder Público valer-se de uma alteração da dívida, de sorte a alterar-lhe o conteúdo, principalmente no que diz respeito ao prazo de vencimento. E importante notar que essas alterações hão de dar-se enquanto estiver vigente o empréstimo público.

b.b.b.b. ConConConConversãoversãoversãoversão

A essa modalidade dá-se o nome de “conversão da dívida”. Pode ser voluntária — quando os novos termos contratuais são atingidos mediante o respeito à vontade dos credores, que, se recusarem os termos da proposta, poderão permanecer na situação em que se encontravam. Forçada — quando o Estado se vale de sua prerrogativa de, por meio de lei, alterar a relação de mútuo. Neste caso, não se toma em consideração a possível recusa dos prestamistas; daí o seu elo compulsório ou, como se disse, forçado.

E, finalmente, pode ser facultativa. Esta se dá quando se coloca o credor diante da possibilidade de optar pelo recebimento do seu crédito ao par, isto é, pelo valor nominal, ou, então, preferir receber, em troca dos títulos que possua, outros, submetidos a cláusulas também novas e diversas.

A questão que pode ser posta é de saber-se até que ponto o Estado pode exercer este poder de conversão no sentido de criar situações mais gravosas para o prestamista. A resposta é muito fácil no caso da conversão voluntária. Ela é sempre válida e legítima, visto que resulta do acordo livre das partes. No que diz respeito à conversão forçada, a matéria é bem mais intrincada. Não é possível uma resposta generalizadora Será sempre necessário examinar-se o alcance das alterações introduzidas e a virtualidade que elas tenham de lesar o patrimônio do subscritor dos títulos públicos. Se se tratar de diminuição dos juros ou do capital, torna-se isso impossível, por configurar-se autêntico confisco, lesando o princípio da propriedade (art. 50, XXII, da CF 88).

Entretanto, pode-se imaginar hipótese em que a alteração não respeite à expressão econômica do crédito, mas procure, tão-somente, urna dilação de prazo por motivos de interesse coletivo plenamente configurado. Ressalvado, pois, o direito à indenização, quer-nos parecer que deva prevalecer aqui a regra do predomínio do interesse público sobre o individual. Aquele que empresta ao Poder Público o faz sabedor da existência de certas garantias, como, por exemplo, a

Page 164: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

164

impossibilidade de falência do Poder Público, mas, por outro lado, não poderá desconhecer que os Poderes Públicos têm privilégios e prerrogativas que visam o melhor asseguramento dos interesses da comunidade.

c.c.c.c. RepúdioRepúdioRepúdioRepúdio

Dentro de uma ordem jurídica em funcionamento regular é inadmissível o repúdio da dívida. Entende-se por repúdio a rejeição ou, se preferirmos a auto-desoneração das obrigações decorrentes de um empréstimo, por razões de conveniência ou de validade jurídica. Sousa Franco observa muito bem tratar-se de uma declaração política ou administrativa. Não pode ser jurisdicional porque, nesta hipótese, haveria uma anulação e não um repúdio.

No campo externo, no passado, o repúdio foi invocado por governos revolucionários que não se consideravam sucessores dos governos anteriores. Segundo eles, haveria, na verdade, a extinção de um Estado com a criação de outro. Foi o que se deu com o acesso ao Poder pelo governo soviético, para quem os governos burgueses poderiam suceder-se entre si, mas um governo proletário nunca podia suceder a um governo burguês.

2.2.2.2. A DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRAA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRAA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRAA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA O hábito de contrair empréstimos é contemporâneo ao nascimento do próprio País. Já nos

séculos XVI e XVII registram-se casos de empréstimos celebrados por governadores e vereanças da Colônia. Note- se, todavia, que no rigor técnico da palavra não se podia falar numa dívida pública própria do País, visto que, na condição de Colônia, não podia o Brasil atuar soberanamente no campo internacional.

Tornado independente o Brasil, já em 1824, é firmado em Londres o primeiro contrato de nossa dívida externa, em condições extremamente onerosas para o nosso país. Durante o século XIX as operações vão suceder-se a cada aperto do tesouro. A destinação do dinheiro obtido era voltada ao financiamento de guerras, como as de Rosas, Lopez, repressão a revoluções, crises e déficits crônicos. Baleeiro oferece o número dezesseis para quantificar os empréstimos externos celebrados até o fim do Império.

A dívida interna em 31.12.1889 alcançou o total de 583.535.700$ (cinco vezes a receita daquele ano). O seguinte trecho da obra de Baleeiro, pelo confronto de opiniões de que dá conta, é extremamente útil para fazer-se um juízo valorativo da situação:

“Estas cifras, olhadas, hoje, serenamente, parecem modestas, ainda quando sejam confrontadas com as pequenas receitas do fim do Império. Alarmou-se, entretanto, Rui Barbosa, ministro da Fazenda do Governo Provisório, quando, um mês e meio após a inauguração do novo regime, expõe a situação financeira do país. A dívida externa andava por volta de £30.419.500 que, somada à interna, — fundada e flutuante, — totalizava 1.072.122.138 $. Um milhão de contos parecia algo esmagador.”

A situação não melhora com a República. Pelo contrário, agrava- se. Entre outras razões, porque os Estados e alguns Municípios também se envolvem no processo de endividamento. Quando se leva em conta a posição do comércio externo, altamente baseado na exportação de produtos de caráter colonial, muito sensíveis a oscilações de preços, é fácil imaginar-se que dificuldades muito sérias iriam surgir no balanço de pagamento da União. Tudo isso faz com que haja necessidade de recorrer-se ao funding-loan. Após a Revolução de 1930 ocorre até mesmo a suspensão do pagamento da dívida externa, cujo resgate só é retornado após a celebração de um terceiro funding-loan.

Segue-se um período de abalo do crédito brasileiro, o que faz com que o País seja forçado a deixar de recorrer ao mercado externo. A Segunda Guerra Mundial vai favorecer o Brasil do ponto de vista das suas finanças internacionais. O esforço de guerra dos países beligerantes impede a importação de muitos produtos, cujo racionamento acaba por se impor — gasolina, trigo etc. De outra parte crescem as exportações. Os benefícios para o País são manifestos, até pelo estímulo

Page 165: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

165

que causam ao desenvolvimento do nosso incipiente parque industrial. A verdade é que o País sai do conflito com uma folgada posição financeira da qual o governo do General Eurico Gaspar Dutra não vai tirar o proveito que era de se esperar para o desenvolvimento do País.

Malbaratam-se divisas com importações de produtos supérfluos, dilapidando, portanto, o precioso patrimônio em moeda estrangeira, cuja falta logo se fez sentir. O País vê-se forçado a ingressar no processo de endividamento exacerbado a partir da Revolução de 1964, que escolheu um modelo desenvolvimentista fortemente alicerçado na obtenção de empréstimos externos. As crises do petróleo da década de 1970 vão levar ao paradoxismo este processo. A necessidade de adquirir um produto com preço muitas vezes superior ao vigente antes da crise, assim como a elevação da taxa de juros, que, a partir de certo momento, é adotada pelos países credores, como forma de compensar as suas dificuldades advindas da mesma escassez, e os altos preços do petróleo foram, para os países endividados, um duro golpe.

As conseqüências críticas da situação vão-se fazer sentir na década de 1980, em que dois fenômenos salientes merecem registro. De um lado, a exaustão financeira do Estado, que o leva a situações de moratória, quer formalmente declarada, quer vigorante por mera força da suspensão dos pagamentos. De outra parte, surgem planos propostos por autoridades ou organismos com papel estratégico no processo de endividamento.

Os dois planos que ganharam mais repercussão são os provindos da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos e que ganharam o nome dos seus respectivos ocupantes à época da edição. Assim, em Seul, no ano de 1985, nasce o Plano Backer, cujas linhas mestras são as seguintes. Em primeiro lugar, a adoção, pelos principais países devedores, de medidas de grande alcance estrutural e macroeconômico, financiadas por instituições internacionais de caráter financeiro com a finalidade de promover o crescimento e o ajuste da balança de pagamentos, assim como a redução da inflação. Em segundo lugar, uma atuação continuada do Fundo Monetário Internacional — FMI, em conjugação com a oferta de créditos mais seletivos pelas instituições de desenvolvimento de caráter multilateral, ambas as medidas com vistas à adoção, pelos principais países devedores, de políticas orientadas para um mercado em desenvolvimento. E, em terceiro lugar, um aumento dos empréstimos pelos bancos privados em apoio aos programas de ajuste.

Observe-se, todavia, que não obstante o fato de alguns desses ambiciosos objetivos terem conseguido algum tipo de implementação — mercê tanto de esforços dos países devedores quanto da formulação de propostas de caráter econômico por parte dos países credores —, sem se deixar de referir a uma tímida flexibilização do lado de alguns bancos privados, no fundo, a situação da maior parte dos países devedores continuou a agravar-se, o que fez desencadear o Plano Brady.

No caso brasileiro, esse agravamento deu origem a uma série de mudanças na política econômica governamental pela adoção tanto de medidas específicas quanto de diretrizes básicas.

A primeira mudança refere-se ao relacionamento entre o País e seus maiores credores, isto é, os bancos comerciais privados, verificando-se momentos de grande desarmonia até um quase total acordo.

A situação não foi diferente quanto ao relacionamento entre o Brasil e o FMI, no qual os posicionamentos variaram desde um potencial rompimento até um “estudo de acordos”.

Medida de grande controvérsia na história do endividamento brasileiro foi, também, a decretação da moratória, em fevereiro de 1987.

Por outro lado, teve grande repercussão o bem-sucedido programa de conversão da dívida em capital de risco. É certo que ele não teve até o momento uma execução continuada que lhe permitisse alcançar volumes substanciais da dívida. De qualquer sorte, não há como negar- se o seu sucesso, já que foi observado mercê da sua implementação um decréscimo do principal da dívida, fato novo desde há muitos anos para cá.

Nesse exame no conjunto das medidas adotadas não pode deixar de ser mencionada a chamada securitização da dívida. “Por securitização entende-se o processo de troca de títulos

Page 166: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

166

representativos da dívida por novos títulos com um menor valor de face. Esse processo é viabilizado — via de regra — pelo oferecimento de garantias aos compradores de títulos novos”. Não que ela tenha até o momento tido alcance prático, mas o fato de ter sido retomada no plano posterior dá mostras de sua consistência.

Dá-se o nome de “Plano Brady” ao pronunciamento feito pelo Secretário do Tesouro dos Estados Unidos acerca da política do Presidente George Bush para a questão da dívida externa do Terceiro Mundo. Três são as principais propostas embutidas no plano.

A primeira delas consiste numa incitação à reversão da tendência de fuga do capital dos países devedores, para o que esses países deverão tomar medidas adequadas. Transcrevamos um trecho do plano:

Em primeiro lugar, as nações devedoras devem concentrar sua particular atenção na adoção de políticas que fomentem novos fluxos de investimentos, fortaleçam a economia doméstica e promovam o repatriamento do capital em fuga. Isso requer uma ressonante política de crescimento que fomente a confiança nos investidores, tanto domésticos quanto estrangeiros.

A segunda traduziu-se numa proposta da redução da dívida, ponto no qual realmente foi o Plano Brady bastante inovador, visto que o anterior contemplava tão-somente um refinanciamento da dívida com um aumento efetivo de seu principal. Chegou a dirigir-se especialmente aos bancos credores, nestes termos:

É preciso que os bancos comerciais trabalhem juntamente com as nações devedoras, a fim de oferecer uma variedade mais ampla de opções para o apoio financeiro, que incluam maiores esforços na busca da redução tanto da dívida quanto do serviço da dívida, e no sentido de proporcionar novos empréstimos.

E finalmente, o Secretário Brady tratou de traçar as tarefas que incumbiriam tanto ao FMI quanto ao Banco Mundial, a saber:

Orientar as instituições financeiras internacionais — através de um trabalho de assessoramento e apoio — no sentido da viabilização de financiamentos novos; e

Apoiar e incentivar os esforços dos bancos comerciais e países credores no sentido de redução do principal e do serviço da dívida.

Foi sob tal inspiração que o Brasil, último dos grandes devedores a regularizar suas relações com os bancos, concluiu em abril de 1994 um acordo de redução da dívida externa segundo as regras do Plano Brady. O acordo de renegociação da dívida externa com os bancos Privados consistiu, basicamente, na securitização da dívida, ou seja, na substituição dos títulos antigos por novos, com vencimento final no ano 2024.

Quando completado, o acordo deverá reduzir em cerca de US$ 7 bilhões a conta de US$ 35 bilhões de débitos renegociados e estenderá os pagamentos de juros e do principal da dívida restante ao longo dos próximos 30 anos, a taxas fixas.

O ministro da Fazenda de então ressaltou a importância histórica do ato, dizendo ter a convicção de que o Brasil aceitava ali o caminho do futuro.

2.1.2.1.2.1.2.1. Regime constitucional da dívida pública brasileiraRegime constitucional da dívida pública brasileiraRegime constitucional da dívida pública brasileiraRegime constitucional da dívida pública brasileira

É de reconhecer-se que a Constituição de 1988 confere um tratamento razoavelmente adequado à questão da dívida pública. De fato, não seria o caso aqui de discutir as vantagens e desvantagens do endividamento público. Basta tão-somente ter-se em conta que é ele um processo que tem limites, o que significa dizer que o endividamento não pode seguir uma espiral crescente com um ponto no infinito. Isto colocaria problemas que afetariam a própria soberania nacional quando da dívida externa se tratasse, assim como poderia impor aos habitantes de um país sérios gravames afetando ônus e prerrogativas para os diversos membros da coletividade, de molde, inclusive, a pôr em risco a própria coesão social. Não se pode ainda esquecer o problema

Page 167: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

167

consistente no gasto feito por uma geração cuja conta, entretanto, fica para ser resgatada pelas posteriores. Diante de tudo isso é natural que o Texto Constitucional tenha procurado traçar um balizamento desse processo, cujas regras principais serão a seguir abordadas.

Dependem de autorização do Senado as operações externas de natureza financeira, quer sejam de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (art. 52, V). Qualquer uma dessas pessoas de direito público pode celebrar um contrato de empréstimo pinto às praças financeiras internacionais. Ocorre, no entanto, que não basta a iniciativa do Executivo. É necessário que ela seja precedida de uma autorização expedida pelo Senado, que obviamente levará em conta aspectos de toda ordem, desde os econômico-financeiros até os político- administrativos.

O inciso VII do mesmo artigo reforça as limitações a que estão sujeitas essas pessoas pela previsão que faz da competência do Senado para fixar limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal. Note-se, ainda, que o endividamento indireto, que seria aquele resultante não da contração de um débito, mas da outorga de uma garantia, também encontra vedação expressa na Lei Maior. O conferimento pela União de avales sofre as restrições do inciso VIII, que diz caber ao Senado dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno.

Os incisos VI e IX, quase que redundantes, vêm prever a possibilidade de fixação de limites globais tanto para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como também para o montante da própria dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Mais adiante, no capítulo referente às finanças públicas, a Constituição da República retoma o tema para deixar certo que a dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público, será objeto de lei complementar (atualmente, LC no 101, de 04.05.2000). Esta deverá também disciplinar a concessão de garantias pelas entidades públicas, assim como a emissão e resgate de títulos da dívida pública (art. 163, lhe IV).

De outra parte, o art. 164, § 1°, veda ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira. Ademais, o § 2° do mesmo artigo permite o exercício pelo Banco Central da tarefa de aumentar ou diminuir a liquidez do sistema financeiro mediante a compra e venda de títulos de emissão do Tesouro Nacional.

Page 168: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

168

CACACACAPITULO XV PITULO XV PITULO XV PITULO XV –––– GLOBALIZAÇÃO GLOBALIZAÇÃO GLOBALIZAÇÃO GLOBALIZAÇÃO

1.1.1.1. A GLOBALIZAÇÃOA GLOBALIZAÇÃOA GLOBALIZAÇÃOA GLOBALIZAÇÃO Não se pode negar que muitas razões colaboram para a eclosão do movimento da

globalização. Sem dúvida, tudo que no passado foi feito para diminuir a distância existente entre os homens acaba por parecer pouca coisa diante do que foi feito nas duas últimas décadas por força da aproximação resultante das comunicações (internet) e do intenso comércio. Tudo isto, sem dúvida, estava a criar as primeiras bases para o tipo de sociedade que foi atingida no século XX. Há, contudo, a nosso ver, um fator histórico que, muito embora não possa ser tido como o único a desencadear a crise, é, sem dúvida, pela imensidão das suas proporções, o seu elemento deflagrador ou catalisador, qual seja, o esboroamento do império soviético.

Não há dúvida de que os dois movimentos revolucionários ocorridos na Rússia em 1917, na primeira vez, e em 1989, na segunda, foram tão graves que eles acabaram por demarcar um período da história, que ganhou o nome “bipolar”: o dos países capitalistas, à oeste, e o dos países socialistas, à leste. De fato, a contradição existente entre o capitalismo e o movimento socialista, que tinha como meta final a desintegração total do mundo capitalista, obrigou a que ambas as potências líderes (EUA e URSS) acumulassem vastíssimos arsenais atômicos. E nada de político acontecia no mundo que não passasse imediatamente pelo crivo desse sistema bipolar. Nessas condições, um dos dois sistemas haveria de ceder, e é óbvio que, como se sabe, o capitalismo saiu vencedor a ponto de se impor hoje como a única fórmula de organizarem-se economias de forma produtiva e, simultaneamente de manter-se a democracia.

Ninguém, no início dos anos 80, ousaria dizer que o capitalismo venceria o comunismo sem o derramamento de sangue. Contudo, dois países provaram o contrário, (Estados Unidos e Grã-Bretanha) pois conseguiram colocar fim às astronômicas contas sociais dos seus respectivos países, tudo acompanhado de uma menor tributação. Ambos sufocaram as respectivas economias levando-as à recessão. Esses dois Países buscaram: a) uma menor prestação do Estado no tocante a) serviço social; b) uma redução de tributos; e, e) uma maior produtividade. Essa trilogia aplicada a ambos os países fez com que houvesse um surto econômico o que, de resto, contrastava com o marasmo e a estagnação dos demais países. A União Soviética, consciente do fenômeno e não desejando se retardar no processo de desenvolvimento tecnológico, preferiu abandonar o regime comunista a ver-se definitivamente banida das potências mundiais.

A eliminação da bipolaridade até então existente foi um dos fatores determinantes para as explosões sociais, políticas, raciais, lingüísticas, religiosas etc., que se seguiram, marcando até hoje os nossos dias. A bipolaridade funcionava como uma tampa de pressão que sufocava essas diversidades que, aliás, não são novas. Podemos tomar entre outros, o exemplo da guerra entre Sérvios e Croatas. Embora a sua intolerância seja antiga, isto não impediu, contudo, que, sob o comunismo, vivessem no mesmo Estado pluriracial. A sua inserção no COMECON tirava a possibilidade de abrirem-se guerras civis, O que aconteceu, na verdade, foi que essas desavenças ficaram contidas diante da disputa maior e mais abrangente que mobilizava o mundo. Portanto, restava pouco campo para deflagrarem-se litígios sem com isto correr-se o risco de estar-se envolvendo numa conflagração mundial.

De outra parte, o liberalismo, na sua vertente econômica, ganhou também sensível terreno. Não que não remanesça ainda um ou outro país marxista. Cuba continua socialista. Nem mesmo se nega que alguns dos países que abandonaram o comunismo ainda guardam estruturas estatizantes e socializantes em grande escala. Contudo, também não se pode deixar de ver o outro lado da questão, que consiste em encararmos o planeta Terra unido por um sistema econômico unificado no seu fundamental, O capitalismo surgiu gradativamente e, como vimos, atingiu o seu apogeu no século XIX, mas mesmo assim não podemos dizer que o mundo tenha vivido sob uma ideologia global. O liberalismo vingou, sobretudo na condição de uma ideologia basicamente da Europa e dos Estados Unidos. Ideologia esta, de resto, que foi distorcida em muitos lugares sem que

Page 169: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

169

se tivesse atinado para o fato de que era, na verdade, um mercantilismo promovido pelos Estados para levar adiante o ideal capitalista.

Com a queda do império soviético, não se pode negar o caráter dominante do mercado como fator de regulação da economia, embora o Estado tenha um papel a cumprir no sentido de manter os mercados fora das práticas que os viciam. Estas realidades passam doravante a constar do dia a dia dos povos e é muito difícil insurgir-se contra elas. Eis que são fatos e não interpretações de fatos. Na realidade, trata-se de verdades que vieram com o ar de que vão ficar. Não se imagina nos dias de hoje nenhuma reversão. Não se cogita em centros sérios de estudo qualquer retorno a ideologias superadas como o nazismo, o comunismo, ou qualquer forma que exclua as práticas democráticas do liberalismo no que concerne à política e à economia. Isto porque há algo novo no ar: a intervenção do fator globalização. Este é que traça o elo entre essas realidades. Estes fenômenos descritos não se circunscrevem a cantões específicos do mundo ou a certas paragens recônditas da terra. Não. Afloraram, sobretudo na Europa, Ásia e América do Norte, difundindo-se pelo resto do mundo e produzindo inclusive ressonâncias na América Latina.

No Brasil, por exemplo, verificam-se diversos fenômenos tais como a reconstitucionalização e a liberalização, na sua vertente privatizante, numa economia que havia sido estatizada, que concebia projetos de desenvolvimentos nacionais. Muitos países investiram grandes somas em indústrias, minas, serviços públicos, custeados e explorados pelo Estado. Acontece que o ente estatal sempre se mostrou um mau administrador’ 00. Este foi criado por razões políticas para resolver os problemas coletivos e não para administrar a economia. Tudo o que pode ser feito por um grupo pequeno de homens, trabalhando na defesa dos seus interesses e com repercussão nos interesses coletivos, funciona melhor do que uma máquina formada de homens que trabalham para uma abstração que é o Estado.

Então, temos como prognóstico desse mundo do futuro a realidade de uma economia que terá fundamentalmente essa característica: a de estar entregue a grupos de pessoas privadas, que desenvolverão uma economia a nível internacional, — daí a globalização —, e com uma eficiência e uma produtividade até hoje não vistas no mundo. E isto não é tão difícil de se antever. Da mesma maneira que o liberalismo econômico demonstrou que é melhor um país concentrar-se na produção daquilo de que tem melhores recursos e produtividade e relegar à importação daquilo de que necessita. O projeto de ser auto-suficiente em tudo é uma absoluta utopia. Dessa forma, o mundo estará racionalmente melhor organizado na medida em que os bens provierem de regiões específicas onde eles são mais adequadamente produzidos. Mas isto leva a um entrelaçamento também fortíssimo da sociedade planetária e que, sem dúvida, vai influir na órbita jurídica, consistente na diminuição ou na distensão ou ainda na desagregação relativa ao poder soberano do Estado.

A soberania absoluta, na verdade, nunca existiu. Um Estado sempre teve que limitar-se a situações políticas, geográficas, econômicas que sua realidade impunha. Mas, pelo menos, a sua não-vinculação direta a tratados internacionais, bem como a inexistência de organismos internacionais na época davam ao Estado este papel formal de ser a fonte mais alta geradora do direito. Na verdade, isto já ocorria antes mesmo da queda do império soviético. Estamos a assistir no início do século XXI a uma gradativa implantação de organizações que desempenham um papel que, se por hora ainda não é transcendental, pelo menos nota-se uma predisposição significativa para chegar à administração do mundo. Muitas áreas de atuação dos países — retome-se o exemplo da aeronáutica civil - não seriam possíveis de serem realizadas a partir de atividades isoladas dos Estados. É bem de ver-se que esta área necessitaria sempre de uma organização mundial que coordenasse esse transporte.

Temos, portanto, integrações econômicas e financeiras que também são formas de mútua ajuda. Há que se falar também na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras entidades “transcendentais” a que todo o país deve estar ligado sob pena de desvincular-se e de ficar alheio por completo ao mundo. O que já agora é um absoluto “non sense”. O processo de globalização interfere diretamente nas finanças públicas de cada Estado na

Page 170: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

170

medida em que instituições, como o FMI, concedam empréstimos aos países em desenvolvimento, bem como fixam diretrizes a serem seguidas pelos mesmos, no que tange às finanças públicas.

Portanto, o século XXI deverá ser marcado pela intensificação dessas características. Haverá uma aproximação maior entre os povos, sobretudo, pela informática e pelo comércio e pela necessidade de se darem soluções unitárias para problemas globais. De outra parte, a proximidade obtida pela informação não acabará, de um momento para o outro, por colocar um fim nas diferenças que ainda separam os homens pelo rancor e pela violência, levando-os a debaterem-se em cruentas guerras civis. Infelizmente, as distinções surgidas pelo desafogo das asfixias da bipolaridade deram lugar, como vimos, a essa explosão de ódios, de diferenças étnicas, lingüísticas e religiosas que realmente são um paradoxo para um mundo assim já tão unido.

Nada obstante tenha se incrementado e muito o caminho para a globalização, ainda assim, continua a existir rivalidade entre os povos em virtude de diferenças étnicas e religiosas, em diversos quadrantes do mundo. Urge, portanto, contornar o mais rápido possível essas manifestações de ódio, tendo em vista o propósito de pacificação contido no processo de globalização. Acreditamos que chegará um momento em que, empurrados pelo cansaço de longas disputas dissonantes no mundo em que se viver, esses grupos perceberão que têm de chegar a uma pacificação.

Page 171: Apostila de Ciência das Finanças-2010.2

Professor: Raimundo N. S. Bertolesa Curso: Direito Disciplina: Ciência das Finanças

171

BBBBIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIAIBLIOGRAFIA ANGÉLICO, João. Contabilidade Pública. 8ª edição: Atlas, 2006.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 9ª edição, atualizada e ampliada, São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 2002.

REZENDE, Fernando Antônio. Finanças Públicas. 2ª edição: Atlas, 2006.

MANUAL DE ECONOMIA elaborado pelos Professores do Departamento de Economia e Administração da USP. 4ª edição, ampliada e atualizada, Editora Saraiva, 2004.

MANUAL DE RECEITA E DESPESA NACIONAL aplicado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a partir da elaboração e execução da lei orçamentária de 2009. Portaria Conjunta STN/SOF nº 3, de 2008. 1ª Edição