Apostila de Introducao a Ergonomia

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1 SUMÁRIO 1. Os precursores da ergonomia 2 2. As máquinas não lutam sozinhas 7 3. O batismo da ergonomia 9 4. A evolução da ergonomia 10 5. A ergonomia e os novos conflitos homem X máquina 13 6. Definições de ergonomia 16 6.1 Ergonomia: ciência ou tecnologia 18 6.2 Uma proposta de definição 20 7. Afluentes, efluentes e fronteiras da ergonomia 24 8. Tipificação da ergonomia 27 8.1. Quanto ao objeto de atuação 27 8.2. Quanto ao objetivo da intervenção 29 8.3. Quanto às ênfases 31 9. Ergonomia: segurança, produtividade e qualidade 37 10. Temas atuais em ergonomia 38 11. A ergonomia no Brasil 42 11.1 A implantação da Ergonomia no Brasil 42 11.2 A Associação Brasileira de Ergonomia 44 11.3 O SisCEB – Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro 44 12. Bibliografia recomendada em Ergonomia 47 12.1 Livros 47 12.2 Jornais científicos na área de Ergonomia 49 12.3 Jornais científicos em áreas afins a Ergonomia [português] 50

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SUMÁRIO 1. Os precursores da ergonomia 2 2. As máquinas não lutam sozinhas 7 3. O batismo da ergonomia 9 4. A evolução da ergonomia 10 5. A ergonomia e os novos conflitos homem X máquina 13 6. Definições de ergonomia 16

6.1 Ergonomia: ciência ou tecnologia 18 6.2 Uma proposta de definição 20

7. Afluentes, efluentes e fronteiras da ergonomia 24 8. Tipificação da ergonomia 27

8.1. Quanto ao objeto de atuação 27 8.2. Quanto ao objetivo da intervenção 29 8.3. Quanto às ênfases 31

9. Ergonomia: segurança, produtividade e qualidade 37 10. Temas atuais em ergonomia 38 11. A ergonomia no Brasil 42

11.1 A implantação da Ergonomia no Brasil 42 11.2 A Associação Brasileira de Ergonomia 44 11.3 O SisCEB – Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro 44

12. Bibliografia recomendada em Ergonomia 47

12.1 Livros 47 12.2 Jornais científicos na área de Ergonomia 49 12.3 Jornais científicos em áreas afins a Ergonomia [português] 50

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1. OS PRECURSORES DA ERGONOMIA1

Desde civilizações antigas, o homem sempre buscou melhorar as ferramentas, os instrumentos e os utensílios que usa na sua vida cotidiana. Existem exemplos de empunhaduras de foices, datadas de séculos atrás, que demonstram a preocupação em adequar a forma da pega às características da mão humana, de modo a propiciar mais conforto durante sua utilização. Enquanto a produção se dava de modo artesanal, era possível obter formas úteis, funcionais e ergonômicas sem excessivos requisitos projetuais. A produção em série - em larga escala ou mesmo em poucas unidades - impossibilita, no entanto, técnica e economicamente, a compatibilização e a adequação de produtos a partir do uso e de adaptações sucessivas. Paradoxalmente, a evolução tecnológica, com suas maravilhosas máquinas informacionais, voadoras e “inteligentes”, exigiu e enfatizou a necessidade de conhecer o homem. Depois de contínuos avanços em engenharia, onde o homem se adaptou, mal ou bem, às condições impostas pelos maquinismos, evidenciou-se que os fatores humanos são primordiais. Mais ainda, em sistemas complexos, onde parte das funções classicamente executadas pelos homens pode ser alocada às máquinas, uma incorreta adequação às capacidades humanas pode invalidar a confiabilidade de todo o sistema. Assim, faz-se necessário conhecer a priori os fatores determinantes da melhor adaptação de produtos, máquinas, equipamentos, trabalho e ambiente, aos usuários, operadores, operários, manutenidores (aqueles responsáveis pela manutenção), indivíduos em geral e pessoas portadoras de deficiências. A ergonomia se constituiu a partir da reunião de psicólogos, fisiólogos e engenheiros. A psicologia e a fisiologia são as duas principais ciências que fornecem aos ergonomistas referências sobre o funcionamento físico, psíquico e cognitivo do homem. O desempenho do homem no trabalho é cada vez mais complexo e a ergonomia ampliou progressivamente o campo de seus fundamentos científicos. A inteligência artificial, a semiótica, a antropologia e a sociologia passaram a fazer parte do acervo de conhecimentos do ergonomista. Embora, como veremos adiante, o nascimento “oficial” da ergonomia possa ser definido com precisão, o seu primórdio remonta ao primeiro homem pré-histórico, quando este escolheu uma pedra ou pedaço de madeira, de formato que melhor se adaptasse a forma e movimentos de sua mão, para usá-los como arma. Durante séculos o homem dependeu de ferramentas e utensílios rústicos construídos para abrigá-lo, auxiliá-lo na sobrevivência e tornar sua vida mais tolerável. Esta adaptação de objetos artificiais ao ambiente natural foi produzida de forma artesanal até o advento da era mecanizada. Com a revolução industrial, e a conseqüente produção em série de bens de consumo, a relação direta entre produtor e consumidor passou a incorporar a figura do intermediador (ou revendedor). O produto que era antes encomendado de acordo com as necessidades específicas do usuário, passou a ser produzido em série de forma a atender as necessidades de um universo bem mais amplo de usuários. O século 18 testemunhou o surgimento das primeiras fábricas mecanizadas, que caracterizavam-se por ser sujas, barulhentas, perigosas, escuras e as jornadas de trabalho atingiam correntemente 12, 14 ou mesmo 16 horas por dia, com o emprego de crianças na produção industrial, algumas vezes a partir dos 3 anos e, mais freqüentemente, a partir dos 7 anos. Tal prática veio a se consolidar, no século seguinte, como um período de desenvolvimento do capitalismo

1 Esta apostila faz parte do primeiro capítulo do livro ERGONOMIA E INTERVENÇÃO ERGONOMIZA-DORA: PESQUISA

E AÇÃO TECNOLÓGICA, atualmente em elaboração, tendo como autores os Professores Anamaria de Moraes e Marcelo Márcio Soares..

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industrial com um substancial crescimento da produção, êxodo rural e concentração de novas populações urbanas. DEJOUR (1998) aponta esta época como sendo de absoluta falta de higiene, promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de trabalho, subalimentação com a criação para condições de uma alta morbidade, alta mortalidade e de uma longevidade dramaticamente reduzida. Ainda, segundo o autor, a luta pela saúde entre os operários do século passado, identifica-se com a luta pela sobrevivência: “viver, para o operário, é não morrer”. A fase de incubação da Ergonomia durou aproximadamente um século, começando em cerca de 1850 e permanecendo até o término da Segunda Guerra Mundial. Nesta fase há diversas tentativas de aplicar os conhecimentos emergentes de fisiologia, antropometria e psicologia para melhorar o trabalho humano. De acordo com LAVILLE (1986), MONOD e VALENTIN (1979) e VALENTIN (1978), são vários os estudos e pesquisas que antecederam a criação da ergonomia. Um resumo destes é apresentado a seguir. [i] Físicos e fisiólogos As informações sobre os “componentes humanos” dos sistemas humanos-máquinas começaram a ser sistematicamente coletadas antes do aparecimento oficial da ergonomia. São os pesquisadores - físicos e fisiologistas -, que se interessam pelo estudo do homem em atividade, para compreender o funcionamento do organismo humano, que geram as primeiras informações sistemáticas sobre a máquina humana. Cumpre registrar a contribuição de três grandes gênios: a) Leonardo da Vinci (em 1500) que descreveu a amplitude dos movimentos articulares, estudou os segmentos funcionais e o deslocamento do centro de gravidade; b) Coulomb (1736-1806) que publicou em 1775 suas primeiras memórias “Sobre a força dos homens”, avaliando através de experiências e cálculos, os meios de trabalho cotidianos e as reações compensatórias dos trabalhadores; e c) Lavoisier (1743-1794) que realizou experiências sobre “O homem em trabalho e em repouso”, baseado na análise de gases respiratórios a partir de uma tarefa descrita com precisão (método utilizado atualmente). No início deste século, Jules Amar fornece as bases da ergonomia do trabalho físico estudando os diferentes tipos de contração muscular (dinâmica e estática). Interessa-se pelos problemas de fadiga, pelas influências do meio ambiente (temperatura, ruído, iluminação). Multiplica os sistemas de registro. Seu livro "O motor humano", de 1914, descreve métodos de avaliação e técnicas experimentais e fornece as bases fisiológicas do trabalho muscular e relaciona-as com as atividades profissionais. [ii] Médicos e higienistas Os médicos higienistas preocuparam-se, desde cedo, com a saúde do trabalhador. Os primeiros registro apontam para Arnauld de Villeneuve (1235-1313) que no século XIII estudou o que denominou como “os males das profissões”, com referências sistemáticas a fatores ambientais - como calor, umidade, toxidez - e problemas posturais de operadores de diversos ofícios. No século XVII, Ramazzini, verdadeiro criador da medicina do trabalho, interessa-se pelas conseqüências das condições de trabalho e descreve, através de monografias, as primeiras doenças profissionais: problemas oculares de pessoas que fabricam pequenos objetos, custos humanos posturais dos alfaiates, danos a coluna vertebral relacionados a movimentação de cargas pesadas, surdez dos caldeireiros de Veneza.

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No século XVIII, Tissot interessa-se pela climatização dos locais de trabalho e propõe a criação de serviços nos hospitais para atender artesãos doentes. No mesmo período, Patissier realiza as primeiras estatísticas sobre mortalidade e morbidade da população operária. No século seguinte, Villermé faz estudos sobre as condições de trabalho em várias fábricas de diversas regiões da França, que resultam num relatório (de 1840) sobre o estado físico dos operários. Este documento propicia as primeiras medidas legais de proteção à criança no trabalho e de limitação da jornada de trabalho. [iii]) Psicólogos Os psicólogos criam na Alemanha, nos Estados Unidos e, depois, na Inglaterra, a partir do início do século, os primeiros institutos e centros de pesquisa com o objetivo de estudar o trabalho. Na França, pode-se citar o trabalho de J.M. Lahy, cuja repercussão foi profunda e influencia correntes atuais até hoje. A preocupação da psicologia empresarial com métodos para avaliar as diferenças individuais, de modo a definir critérios de recrutamento, privilegiou a psicologia diferencial e enfatizou pesquisas sobre liderança. À parte algumas tentativas isoladas, somente na metade deste século é que a psicologia passa a desenvolver pesquisas sobre a atividade do homem no trabalho. Entretanto, os métodos de pesquisas nas áreas de recrutamento, seleção e treinamento sofreram adaptações. Como conseqüência, o estudo do comportamento nas empresas passou a ser supervisionado por pesquisadores que, antes, não se identificavam com a psicologia empresarial. Por volta de 1930, alguns especialistas passaram a defender a necessidade de modificar o estilo das relações entre os trabalhadores e a chefia, em vez de mudar apenas os aspectos materiais do trabalho. O estudo de Elton Mayo e de Rothis Berger na Western Electric origina a Escola de Relações Humanas - Estados Unidos, que se propõe a enfrentar os problemas de produção mas também os acidentes, a fadiga industrial, a psicopatologia do trabalho, etc. Com a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se uma nova categoria de maquinaria que não necessita da força muscular do operador, mas de suas aptidões sensoriais, de percepção, cognição, resolução de problemas e tomada de decisões. O desempenho da tarefa de um operador de radar, por exemplo, não exige, virtualmente, nenhum esforço físico, mas impõe severas condições quanto a capacidade sensorial, atenção e competência para decidir. Esta nova espécie de máquinas levantou questões complexas e inusitadas sobre as habilidades psíquicas e mentais do homem. Condições de trabalho adversas – caracterizados por ambientes físicos (temperatura, pressão, ruído, vibração, etc), químicos (produtos manipulados, vapores, gases tóxicos, poeiras fumaças, etc) e biológicos (vírus, bactérias, parasitas, fungos), aliados a uma organização do trabalho (divisão do trabalho, conteúdo da tarefa, relações de poder, etc) desumanos – podem repercutir na saúde mental e no estado físico dos trabalhadores. Esta área é particularmente investigada por uma disciplina conhecida como psicopatologia do trabalho. [iv] Engenheiros e organizadores do trabalho Os engenheiros e organizadores do trabalho estudam as atividades profissionais na perspectiva de aumentar o rendimento do homem no trabalho. Vauban, no século XVII, e Belidor, no século XVIII, tentam medir a carga do trabalho físico diário nos próprios locais de trabalho. Declararam que uma carga demasiadamente elevada acarreta esgotamento e doenças, preconizando uma melhor organização das tarefas para elevar o rendimento.

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Mais tarde, engenheiros como Vaucanson e Jacquard implantariam os primeiros dispositivos automáticos para suprimir alguns postos de trabalho particularmente penosos, como os da tecelagem. No final do século XIX, iniciam-se as investigações sistemáticas para pesquisar como a tarefa que o indivíduo desempenha e/ou os mecanismos que o rodeiam determinam a capacidade humana para o trabalho. Dentre os organizadores do trabalho, alguns definem como precursor da ergonomia Frederick Winslow Taylor, pai da “administração científica do trabalho”, campeão obstinado da “racionalização do trabalho”, das análises e das medidas sistemáticas. Em 1911, Taylor publica sua obra “Princípios de administração científica”, que influencia toda a organização do trabalho nas empresas dos Estados Unidos, da Europa e dos países socialistas. Taylor defendia que o trabalho deveria ser cientificamente observado de modo que, para cada tarefa, fosse estabelecido o método correto de executá-la, com um tempo determinado, usando ferramentas apropriadas. A implantação do taylorismo precisou vencer a resistência dos trabalhadores qualificados. Como dizia Taylor, a análise do trabalho objetivava a apropriação do saber operário pela gerência e, conseqüentemente, o controle das tarefas e dos trabalhadores. Como exemplo das investigações de Taylor, podemos citar seu estudo, de 1918, sobre a movimentação de minérios de ferro e do carvão com auxílio de pás. Taylor concluiu que a carga de trabalho aumentava quando o material era o minério de ferro. Seu problema era então determinar qual a carga por pá que permitiria que um bom operário movesse uma quantidade máxima de material por dia. De início, usaram-se pás grandes que acomodavam cargas maiores por pá, depois passou-se a fornecer uma pá pequena para o operário que movimentava o minério de ferro e uma pá grande que era usada para deslocar material mais leve, como cinzas, de tal forma que em ambos os casos o peso de material por pá fosse de cerca de nove quilos. Diminuiu-se assim a fadiga do trabalhador e aumentou-se o rendimento no trabalho. Taylor levou esta filosofia ao extremo ao propor que a gerência determinasse os métodos e os tempos da produção de modo que o trabalhador se concentrasse unicamente em sua tarefa produtiva. Os trabalhadores deveriam ser controlados, medindo-se a produtividade de cada um e pagando-se incentivos salariais aqueles mais produtivos. Além de visar apenas a melhoria da produção e não a qualidade de vida dos trabalhadores, o sistema Taylor limitava-se apenas ao estudo das atividades motoras e negligenciava as atividades perceptivas e mentais. Ainda no início do nosso século, Frank e Lillian Gilbreth, com seus estudos de movimentos e gerência de oficinas, deram continuidade às análises e medidas sistemáticas para a racionalização do trabalho. No ano de 1911, os Gilbreth publicam o livro "Motion study; a method for increasing the efficiency of workman", com o famoso estudo sobre assentamento de tijolos pelos pedreiros de alvenaria. Gilbreth projetou um andaime que se podia elevar ou descer rapidamente, o que permitia que o operário trabalhasse no nível que melhor lhe conviesse. Uma prateleira mantinha os tijolos e a argamassa em suas posições mais adequadas. Cuidou-se também de arrumar os tijolos no palete para facilitar a retirada pelo pedreiro e de otimizar a espessura e plasticidade da argamassa. A implantação destas propostas possibilitou que os operários de construção civil assentassem 350 tijolos homem/hora em vez dos anteriores 120 homem/hora, o que significou um incremento de praticamente 200% na produtividade. Podem-se ainda citar, como exemplo das análises de Frank e Lillian Gilbreth, o trabalho de equipes cirúrgicas em hospitais, que resultaram em procedimentos até hoje em uso: o cirurgião obtém um instrumento solicitando-o à instrumentadora, que o colocava sobre a mão do cirurgião na posição correta de uso. Antes do trabalho dos Gilbreth, os cirurgiões apanhavam seus instrumentos numa bandeja e, praticamente, gastavam mais tempo procurando os instrumentos do que propriamente operando os pacientes. De acordo com SANDERS e MACCORMICK (1993) o casal Gilbreth pode ser

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considerado como um dos pioneiros do que, mais tarde, se desenvolveu e transformou-se para dar origem à ergonomia. Os estudos de Taylor e do casal Gilbreth deram origem a um ramo da engenharia industrial que hoje se conhece como estudo de tempos e movimentos. Nos anos seguintes, os engenheiros que se ocupavam dos estudos de tempos e movimentos desenvolveram inúmeros princípios sobre a economia de movimentos, a programação das atividades da tarefa e o planejamento da organização do trabalho - princípios que se difundiram por toda a indústria moderna. Seja nos Estados Unidos, na Europa, na Rússia (com o Stakanovismo), até a década de 60, os métodos e propostas da administração científica do trabalho não sofreram qualquer questionamento ou foram objeto de qualquer proposta de mudança. Somente nos anos 70 discutem-se novas formas de organizar o trabalho: o enriquecimento do trabalho, o alargamento das tarefas, o trabalho em equipes. Em relação ao re-planejamento da tarefa, da maquinaria, dos equipamentos, ferramentas e ambiente de trabalho, podem-se considerar os engenheiros especialistas em tempos e movimentos como precursores da ergonomia. No entanto, cumpre observar, que a análise do trabalho que eles realizavam visava unicamente o aumento do rendimento do trabalho. O principal critério de avaliação eram os índices de produção individual. Mais ainda, o modelo de desempenho do homem em que se fundamentavam é análogo ao do funcionamento de uma máquina. A ênfase da engenharia de tempos e movimentos centra-se no homem apenas como fonte de força mecânica, que deve funcionar no mesmo passo da máquina, acompanhar o seu ritmo, de modo ininterrupto, sem qualquer autonomia. O homem transforma-se, assim, num componente padronizado, intercambiável, em uma peça do maquinismo, numa acepção oposta aquela preconizada pela ergonomia.

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2. AS MÁQUINAS NÃO LUTAM SOZINHAS Durante a Segunda Guerra Mundial, o impulso acelerado resultante das mudanças tecnológicas - aviões cada vez mais velozes e radares para detectar aviões inimigos, submarinos e sonares - colocam o homem em situações de extrema pressão ambiental, física e psicológica. Os equipamentos militares exigem dos operadores decisões rápidas e execução de atividades novas em condições críticas, que implicam quantidade de informações, novidade, complexidade e riscos de decisões que envolvem possibilidade de erros fatais. Exacerbam-se, então, as incompatibilidades entre o progresso humano e o progresso tecnológico. Como diz CHAPANIS (1959):

"Uma importante lição de engenharia, proveniente da Segunda Guerra Mundial, é que as máquinas não lutam sozinhas. A guerra solicitou e produziu maquinismos novos e complexos, porém, geralmente, essas inovações não faziam o que se esperava delas. Tal ocorria porque excediam ou não se adaptavam às características e capacidades humanas. Por exemplo, o radar foi chamado “olho da armada”, mas o radar não vê. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e decidir a tempo. Similarmente, um avião de caça, por mais veloz e eficaz que seja, será um fracasso se o piloto não puder voá-lo com rapidez, segurança e eficiência".

Assim, cabe ao homem avaliar a informação, decidir e agir. Ao se desconsiderar os fatores humanos, têm-se como resultado as falhas dos sistemas. O projeto de engenharia é eficaz, mas o desempenho não é eficiente. Buscam-se explicações e a solução mais fácil é afirmar que a culpa é do homem - o erro humano, a falha humana, o ato inseguro. No entanto, acusar o homem de negligência, descaso, desobediência ou ignorância, não resolve o problema. CHAPANIS (1972), apresenta uma ilustração bastante esclarecedora sobre o erro humano. No final da Segunda Guerra Mundial, em dezembro de 1945, Fitts e Jones deram início a uma pesquisa para apurar se alguns acidentes aéreos rotulados de “erro do piloto” não resultariam, na realidade, de projetos imperfeitos ou inadequados. Entrevistaram-se 500 pilotos e as análises demonstraram que muitos dos acidentes possuíam importantes elementos em comum. Dentre os diversos tipos de aviões pesquisados no estudo mencionado estavam o C-47, o B-25 e o C-82. A disposição de três controles críticos no painel de cada um desses aviões era a seguinte: Avião Esquerda Centro Direita B-25 Afogador Hélice Mistura C-47 Hélice Afogador Mistura C-82 Mistura Afogador Hélice

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CHAPANIS (1972) relata,

"Coloque-se no lugar de um piloto que já voou centenas de horas num B-25 e, ao aterrissar seu avião - quando acompanha ao mesmo tempo inúmeros outros movimentos internos e externos ao avião -, verifica a necessidade de maior rotação nos motores. Naturalmente, por uma questão de hábito, a mão dirige-se ao lugar de sempre, pois, afinal de contas, centenas de horas de experiência o ensinaram a fazer isso e sempre deu certo. Mas, grande surpresa, o comando não é nesse lugar! "(...) Já não lhe aconteceu alguma vez pedir emprestado o carro de um amigo e ficar confuso porque os comandos - seta, farol, etc. - deste automóvel são diferentes? Quando se fica confuso num automóvel, quase sempre é possível encostar o veículo numa vaga ou num acostamento até que venha a calma e a recuperação. Mas com o piloto de um avião é muito diferente. Ele não tem o mínimo tempo para parar e fazer uma apreciação exata da situação.”

A “falha humana” propicia perdas para o sistema: aviões atingidos pelos inimigos e que não cumprem a sua missão de bombardear os alvos programados, ou cidades inteiras expostas a ataques por não se detectarem nos radares, a tempo, as informações sobre violações do espaço aéreo. Difícil selecionar o homem que não erre, principalmente quando se necessitam mais e mais pilotos para conduzir os modernos bombardeiros. A urgência e a precisão de renovar os efetivos - pilotos de guerra morrem em combate e há de se renovar a frota e a equipe - também impossibilitam intensificar e prolongar o treinamento para corrigir as deficiências da seleção. Aviões custam caro. Conquistar a confiança da população civil é fundamental para o esforço de guerra. Existe uma interface no sistema humano-máquina2 cujos aspectos técnicos devem-se considerar no momento do projeto: há de se adaptar as máquinas às características físicas, cognitivas e psíquicas do homem. Engenheiros juntam-se aos psicólogos e fisiólogos para adequar operacionalmente equipamentos, ambiente e tarefas aos aspectos neuropsicológicos da percepção sensorial (visão, audição e tato), aos limites psicológicos de memória, atenção e processamento de informações, às características cognitivas de seleção de informações, resolução de problemas e tomada de decisões, à capacidade fisiológica de esforço, adaptação ao frio ou ao calor, e de resistência às mudanças de pressão, temperatura e biorritmo. Nasce a ERGONOMIA!. A ergonomia enquanto disciplina tem suas origens na II Guerra Mundial, quando se agrava o conflito entre o homem e a máquina e, por outro lado, falham as formas tradicionais de resolução deste conflito - a seleção e o treinamento.

2 Deve-se chamar a atenção para o fato de existir atualmente uma tendência internacional para se adotar o termo “humano-máquina” ao invés de “homem-máquina”. Este novo termo, aqui adotado, contempla mais precisamente ambos os sexos.

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3. O BATISMO DA ERGONOMIA O termo Ergonomia é utilizado pela primeira vez, como campo do saber específico, com objeto próprio e objetivos particulares, pelo psicólogo inglês K. F. Hywell Murrel, no dia 8 de julho de 1949, quando pesquisadores resolveram formar uma sociedade para “o estudo dos seres humanos no seu ambiente de trabalho” - a “Ergonomic Research Society” (PHEASANT, 1997). Nesta data, em Oxford, criou-se a primeira sociedade de Ergonomia, que congregava psicólogos, fisiologistas e engenheiros ingleses, pesquisadores interessados nas questões relacionadas à adaptação do trabalho ao homem. Num sentido amplo, todavia, o termo “trabalho” aplica-se a qualquer atividade humana com qualquer propósito, particularmente se ela envolve algum grau de experiência ou esforço. Ao definir ergonomia em relação ao trabalho humano, utiliza-se em geral, a palavra trabalho com este sentido amplo. Buscava-se um termo de fácil tradução para outros idiomas, que permitisse derivação de outras palavras - ergonomista, ergonômico, etc. - e que não implicasse que uma disciplina fosse mais importante que outra. Foi proposto o neologismo “Ergonomia”, que compreende os termos gregos “ergo” (trabalho) e “nomos” (normas, regras). Entretanto, a etimologia do vocábulo não define, precisamente, o objeto desta disciplina. A origem do termo “ergonomia” remonta a 1857, quando o polonês Wojciechj Jastrzebowski deu o seguinte título para uma de suas obras: “Esboço da ergonomia ou ciência do trabalho baseada sobre as verdadeiras avaliações da Ciência da Natureza”. Define-se então a ergonomia como a ciência de utilização das forças e das capacidades humanas. Cumpre registrar a impressão conjunta, em forma de edição comemorativa, do trabalho de Jastrzebowski pelo Instituto Polonês de Proteção ao Trabalho e a Associação Internacional de Ergonomia (IEA), na ocasião do seu 14o. Congresso Internacional, em San Diego, nos Estados Unidos, no ano de 2000. O termo Ergonomia é utilizado na maior parte do mundo. A exceção fica por conta dos Estados Unidos e Canadá, nos quais as expressões que mais se aproximam são: human factors (fatores humanos), human factors engineering (engenharia dos fatores humanos), engineering psychology (esta expressão poderia ser traduzida por ergopsicologia), man-machine engineering (engenharia homem-máquina) e human performance engineering (engenharia do desempenho humano). De acordo com, MONTMOLLIN e BAINBRIDGE (1984), embora seja possível fazer distinções entre os termos Ergonomia e Fatores Humanos existe uma tendência para a adoção do termo Ergonomia. No início dos anos noventa, a Human Factors Society - Associação Americana de Ergonomia – realizou uma consulta junto aos seus associados para a incorporação do termo "ergonomia" na sua denominação oficial (LAUGHERY, 1992), passando então a ser denominada Human Factors and Ergonomics Society. No Brasil, adotou-se o uso do termo ergonomia, consolidado com a difusão dos primeiros livros aqui escritos: “Ergonomia: notas de aulas”, IIDA e WIERZZBICKI (1968) e “Ergonomia: a racionalização humanizada do trabalho”, VERDUSSEN (1978).

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4. A EVOLUÇÃO DA ERGONOMIA Após a guerra, os ergonomistas voltaram a sua atenção para as centenas de máquinas que cercam nosso cotidiano. Aí, descobriram que muitos dos mesmos erros de projeto que atormentavam marinheiros, soldados e aviadores, existiam - e ainda existem - nas fábricas, nas estradas, na sinalização urbana, nos tratores, caminhões, automóveis e mesmo num fogão doméstico. Instrumentos que os operadores interpretam com dificuldade, controles que iludem a dona de casa, sinais de trânsito que confundem motoristas, placas de sinalização que não orientam os transeuntes - estas e outras centenas de exemplos são todos provas de projetos inadequados, de incompatibilidades no sistema homem-tarefa-máquina, determinados pela falta de adaptação às características físicas, psíquicas e cognitivas humanas. Fatos marcantes do início da história da ergonomia ocorreram na segunda metade da década de quarenta. Nesta década houve a publicação dos dois primeiros livros em ergonomia: Human factors in air transport design, de autoria de R. C. McFarland, foi publicado em 1946 pela McGraw-Hill e, três anos após, foi publicado o livro de Chapanis, Garner e Morgan entitulado Applied experimental psychology: human factors in engineering design. Este último com diversas edições subseqüentes. Durante os anos que se seguiram, realizaram-se conferências, surgiram novas publicações de ergonomia e novos laboratórios, assim como empresas de consultoria. O ano de 1957 foi um ano importante para a ergonomia uma vez que, na Inglaterra, editou-se o primeiro jornal científico nesta área de conhecimento: Ergonomics, publicado pela Ergonomics Research Society. Nos Estados Unidos, se forma a Human Factors Society. Surge, ainda neste mesmo ano, a primeira edição do livro Human factor engineering and design, de Ernest J. McCormick, atualmente na sua sétima edição. Em 1958, J.M. Faverge, J. Leplat e B. Guiguet publicaram, pela Presses Universitaires de France, a obra L'adaptation de la machine à l'homme. Em 1959, forma-se a IEA - International Ergonomics Association -, para congregar as várias sociedades de fatores humanos e ergonomia que já existiam. No mesmo ano, Alphonse Chapanis edita o seu livro Research techniques in human engineering, pela John Hopkins Press. Nos vinte anos seguintes, entre 1960 e 1980, ocorreram um rápido crescimento e expansão da ergonomia. Até 1960, nos Estados Unidos, ela concentrava-se essencialmente no complexo militar industrial. Com a corrida pelo espaço, a ergonomia torna-se uma importante parte dos programas da NASA. Mais importante ainda: paralelamente a esta expansão além das fronteiras militares, as indústrias começam a reconhecer a importância da contribuição da ergonomia para o projeto de estações de trabalho e produtos manufaturados. A Ergonomia na década de 60, difundiu-se para os meios de transporte e, posteriormente, para os sistemas fabril e agrícola, até atingir o trabalho em escritórios. Apesar disto, a ergonomia continuou desconhecida do público em geral. Em 1961, realizou-se o 1o. Congresso da IEA, em Estocolmo, na Suécia, poucos anos mais tarde, em 1963, criou-se a SELF - Société d'Ergonomie de Langue Française - que agrupa profissionais da França, da Suíça, da Bélgica e de Luxemburgo. O quadro 1 apresenta os Congressos da Associação Internacional de Ergonomia ocorridos e os próximos já definidos pela Associação. De acordo com esta tabela, pode-se observar que até o final da década de setenta, com apenas uma exceção, todos os congressos ocorreram na Europa. Tal tendência passou a se alterar nas décadas seguintes.

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1961 – 1o. Congresso da IEA, em Estocolmo, Suécia.

1964 - 2o. Congresso Trienal da IEA, em Dortmund, República Alemã, (FRG);

1967 - 3o. Congresso Trienal da IEA, em Birmingham, Inglaterra;

1970 - 4o. Congresso Trienal da IEA, em Strasbourg, França;

1973 - 5o. Congresso Trienal da IEA, em Amsterdam, Holanda;

1976 - 6o. Congresso Trienal da IEA, em College Park, Estados Unidos;

1979 - 7o. Congresso Trienal da IEA, em Varsóvia, Polônia;

1982 - 8o. Congresso Trienal da IEA, em Tóquio, Japão;

1985 - 9o. Congresso Trienal da IEA, em Bournemouth, Inglaterra;

1988 - 10o. Congresso Trienal da IEA, em Sydney, Austrália;

1991 - 11o. Congresso Trienal da IEA, em Paris, França;

1994 - 12o. Congresso Trienal da IEA, em Toronto, Canadá;

1997 - 13o. Congresso Trienal da IEA, em Tampere, Finlândia.

2000 – 14o. Congresso Trienal da IEA, em San Diego, Estados Unidos

2003 – 15o. Congresso Trienal da IEA, em Seul, Coréia

2006 – 16o. Congresso Trienal da IEA, em Masstricht, Holanda

2009 – 17º. Congresso Trienal da IEA, China Quadro 1 - Relação dos congressos anuais da Associação Internacional de Ergonomia passados e os já agendados A ergonomia continuou a crescer a partir dos anos 80. Um novo tema ocupa os ergonomistas: o trabalho com terminais de vídeo. A revolução dos computadores coloca a ergonomia em cartaz. Divulgam-se computadores ergonomicamente projetados, apresentam-se softwares com interfaces amigáveis e os fatores humanos no escritório aparecem em muitos artigos de jornais e revistas que lidam com computadores e pessoas. A tecnologia informatizada propiciou novos desafios para a ergonomia. Novos dispositivos de controle, apresentação de informações via telas de computador e o impacto de novas tecnologias sobre as pessoas constituem-se em áreas de atuação do ergonomista. O papel da ergonomia nas indústrias nucleares e de controle de processo cresce após os acidentes em Three Miles Island, nos Estados Unidos; Bhopal, na Índia e Chernobyl na Ucrânia. Nos dias atuais, uma outra área que está contribuindo para o aumento da difusão da ergonomia são os litígios sobre confiabilidade de produtos. As cortes solicitam a avaliação de especialistas em ergonomia na análise de produtos envolvidos em acidentes durante o uso. Os últimos vinte anos testemunharam uma ampla revolução tecnológica que foi responsável por novas formas de relação usuário X produto, trabalhador X sistema de produção. Estas novas formas de relação originaram novos conflitos que serão discutidos a seguir. O quadro 2, abaixo, apresenta, de forma sucinta, a evolução tecnológica e os enfoques da ergonomia nos últimos quarenta anos.

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Anos 40/50 • Ergonomia militar Anos 60/70 • Ergonomia civil: siderurgia e meios de transportes

• Início da corrida espacial • Indústria [estações de trabalho, produtos manufaturados].

Anos 80 • Ergonomia do software • Automatização de escritórios • Controle de usinas nucleares e de processo [Three Miles Island, Chernobyl

e Bhopal]. Anos 90 • Geração de sistemas de informação, de multimídias, de hipertextos e de

programas aplicativos • Informatização de postos de trabalho • Participação na elaboração de normas técnicas • Participação em litígios judiciais • Macroergonomia

Novo século • Manufatura híbrida, automação e robótica • Usabilidade de produtos e sistemas complexos • Tráfego e transporte • Idosos e envelhecimento.

Quadro 2 - Evolução tecnológica e enfoques da ergonomia

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5. A ERGONOMIA E OS NOVOS CONFLITOS HOMEM X MÁQUINA Uma análise especial deve ser direcionada ao que ocorreu a partir da década de oitenta, com a participação da ergonomia na renovação produzida pela Informática. Mais uma vez, a preocupação com os fatores humanos não acompanhou pari passu o progresso tecnológico. Do mesmo modo que se enfatizava o funcionamento eficaz durante o projeto de máquinas energizadas a vapor, eletricidade e petróleo, com a microeletrônica ocorreu o mesmo. O projeto de computadores, a implantação de centros de processamento de dados, a geração de sistemas de informação, multimídias, hipertextos e programas aplicativos contemplam primordialmente o funcionamento - a capacidade e velocidade dos componentes, a conservação, a manutenção das máquinas, a rapidez no uso. A interação entre as máquinas e os seus usuários raramente foi uma consideração a priori - e, no caso da informatização, nada mudou -, daí a importância da ergonomia. A informatização de postos de trabalho gera mudanças profundas nos hábitos, atitudes e esquemas operatórios das diversas atividades profissionais. As melhorias resultantes da implantação de computadores exigiram o aumento do nível cultural dos trabalhadores e resultaram na mudança das aspirações destes, em relação ao trabalho, e na modificação da sua visão sobre as condições de trabalho. A implantação de estações de trabalho computadorizadas compreende um excelente exemplo de como o progresso técnico pode ser bem ou mal utilizado em proveito ou prejuízo do operador humano. Quando não se consideram os fatores fisiológicos e psicológicos dos usuários, ocorrem insatisfações e queixas. Caso se contemplem variáveis ergonômicas como, entre outras, usabilidade da interface, visibilidade, legibilidade, medidas antropométricas, propiciam-se bem-estar e conforto para os operadores. A informatização de tarefas ocasiona a mudança de atividades e funções, a modificação dos espaços e das estações de trabalho, transformações da operacionalização dos serviços de escritório, alterações na estrutura das comunicações. Acrescente-se ainda o fechamento de postos de trabalhos com profundas repercussões sociais. A atividade de entrada intensiva de dados, por exemplo, se caracteriza por uma descentralização horizontal, acompanhada de um aumento de trabalho repetitivo. Ocorreu, então, uma desqualificação do trabalho devida ao parcelamento da tarefa, falta de significado da informação tratada, especialização restrita dos operadores. Os corolários são, por um lado, uma sobrecarga pela intensificação do ritmo de trabalho e, por outro lado, uma sub-carga pela monotonia. Nas duas situações, incrementam-se as possibilidades de erro e de problemas físicos e psíquicos para o operador. A automatização de sistemas produtivos, como as indústrias de processo - química, cimento etc. -, cria situações de trabalho onde o operador responsável pelo controle e regulação do sistema permanece isolado e deve manter uma constante vigilância por muitas horas, seja durante o dia ou à noite. Cabe a este operador acompanhar o bom andamento do processo de fabricação e intervir com rapidez em caso de incidentes. Este tipo de tarefa, embora aparentemente não implique em qualquer esforço do operador, ocasiona altos níveis de tensão para o homem. Os incidentes ou acidentes são raros, mas quando ocorrem são de larga proporção e acarretam sérios riscos para o sistema e para os próprios operadores, como no caso de explosão de caldeiras, por exemplo. São muitas as informações a selecionar, as variáveis a interpretar e várias as possibilidades de solução. Tudo em muito pouco tempo e envolvendo decisões que são sempre urgentes.

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Em dezembro de 1984, o escapamento de gases tóxicos na usina da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, provocou a morte de cerca de 2.500 pessoas. Como escreveu MONTMOLLIN (1996), as conclusões de uma enquete do New York Time, que o Le Monde reproduziu em 30 de janeiro de 1985, diziam que os empregados ao descobrirem um escapamento comunicaram o fato a um contramestre, que lhes respondeu que verificaria o problema depois de tomar seu chá. Este mesmo contramestre declarou, no entanto, que apenas fora informado de um escapamento de água. A matéria do New York Times, ainda segundo MONTMOLLIN, declara que os empregados disseram que, em desacordo com o regulamento, a direção da fábrica desativara uma unidade de resfriamento de gás, vários meses antes do acidente. Em continuação, o New York Times afirma que o escapamento começou duas horas depois que um trabalhador - cuja formação não era adequada - recebeu a ordem de limpar uma tubulação cuja vedação não estava perfeita - contrariamente, mais uma vez, às normas de segurança. Os trabalhadores estimaram que a reação química que desencadeou a catástrofe provavelmente teve este fato como origem. De acordo com os parâmetros da ergonomia, as comunicações, a oposição entre o prescrito e o real, a formação dos trabalhadores encontra-se entre as principais causas de acidentes desse tipo. Por mais que se tente sanar as falhas humanas e eliminar o erro humano através de sistemas automatizados, não se consegue prescindir do homem como controlador - a ele cabe inclusive intervir e decidir nos momentos de pane total. O papel do profissional de ergonomia nas indústrias nucleares e de controle de processo cresceu substancialmente após os acidentes das usinas de Three Mile Island, nos Estados Unidos, e Bhopal, na Índia. Nos Estados Unidos, a US Nuclear Regulatory Commission determinou, a partir do acidente na usina de Three Mile Island, que todas as salas de controle de usinas nucleares passassem por uma revisão ergonômica para identificar e corrigir deficiências de projeto. Do mesmo modo que o radar não é o “olho da armada”, o computador não pensa. Entretanto, buscam-se máquinas “inteligentes” que resolvam problemas e tomem decisões sozinhas, desconsiderando-se as capacidades humanas. A automação e a robótica estão aí, a exigir novos equipamentos e a colocar novos problemas - como a produção de sistemas de apoio a decisão, expert systems, etc. A revolução industrial substituiu o trabalho humano no que se refere à energia física necessária para manipular materiais. A automação vem substituir o trabalho humano no processamento de informações, na determinação do que fazer e como fazer. A ergonomia mais uma vez sai em campo para adaptar estes programas às características cognitivas do operador humano. O trabalho das “salas de controle” dos operadores de terminais de vídeo e o projeto de ajudas informatizadas e de sistemas de comunicação são agora campos de atuação do ergonomista. Parafraseando CHAPANIS (1959), tem-se que:

"Uma importante lição de engenharia, proveniente das catástrofes, é que as máquinas não controlam sozinhas. A automação solicitou e produziu maquinismos novos e complexos, porém, geralmente, essas inovações não fazem o que se espera delas. Tal ocorre porque excedem ou não se adaptam às características e capacidades humanas. Por exemplo, o computador foi chamado “sistema inteligente”, mas o computador não pensa. Por mais rápido e preciso que seja, será quase inútil, se o operador não puder interpretar as informações apresentadas na tela e decidir a tempo. Similarmente, um sistema de controle, por mais informatizado e eficaz que seja, será um fracasso se o controlador não puder monitorá-lo e regulá- lo com rapidez, segurança e eficiência".

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A ergonomia passa a ter então a sua importância alicerçada no estudo dos limites, limiares, capacidades do homem, suas características físicas e psíquicas. Sendo assim, qualifica-se para definir parâmetros ergonômicos para o projeto de produtos, processos produtivos (métodos e planejamento, programação e controle da produção), sistemas de informação, ambientes arquiteturais e treinamento para o trabalho de forma a propiciar segurança, saúde, conforto, bem estar e melhoria da qualidade de vida das pessoas.

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6. DEFINIÇÕES DE ERGONOMIA A IEA – Associação Internacional de Ergonomia, em seu 15o. Congresso, ocorrido no ano de 2000, na cidade de San Diego, Estados Unidos, apresentou a seguinte definição de ergonomia:

• “A ergonomia (ou fatores humanos) é a disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos do sistema e a aplicação da teoria, princípios, dados e métodos ao design a fim de otimizar o bem-estar humano e a melhoria de desempenho do sistema”.

Assim, de acordo com a IEA, os praticantes da ergonomia devem:

• Contribuir para o planejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e sistemas para torna-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas.

• Intervir, a partir de uma compreensão abrangente na abordagem do trabalho, levando em conta considerações de ordem física, cognitiva, social, organizacional, ambiental e outros aspectos relevantes.

O Quadro 1.2, abaixo, apresenta os domínios de especialização da ergonomia, apontados pela IEA. Ergonomia Física Ergonomia Cognitiva Ergonomia Organizacional

Refere-se as características da anatomia humana, antropometria, fisiologia e biomecânica em sua relação a atividade física. Estuda: a postura no trabalho, manuseio de materiais, movimentos repetitivos, distúrbios músculo-esqueletais relacionados ao trabalho, projeto de posto de trabalho, segurança e saúde.

Refere-se aos processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e resposta motora conforme afetam interações entre seres humanos e outros elementos de um sistema. Estuda: carga mental de trabalho, tomada de decisão, performance especializada, interação homem computador, stress e treinamento, conforme estes se relacionam aos projetos envolvendo seres humanos e sistemas.

Refere-se a otimização dos sistemas sócio-técnicos, incluindo suas estruturas organizacionais, políticas e de processos. Estuda: comunicações, projeto de trabalho, organização temporal do trabalho, trabalho em grupo, projeto participativo, novos paradigmas do trabalho, cultura organizacional, organizações em rede, teletrabalho e gestão da qualidade.

Também é importante registrar a definição que a IEA apresentou para a ergonomia em seu Congresso realizado em 1969:

• “A ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios, métodos e espaço de trabalho. Seu objetivo é elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de conhecimentos que, dentro de uma perspectiva de aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos e dos

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ambientes de trabalho e de vida” (Congresso da Associação Internacional de Ergonomia, 1969).

Cumpre observar que diversos autores apresentaram definições de ergonomia. Alguns a classifica como ciência, outros como tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto outros focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem. Algumas, das mais significativas definições, estão apresentadas a seguir.

• "Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento" (Ergonomic Research Society e IV Congresso Internacional de Ergonomia, 1969).

• “É uma disciplina que pretende ajudar os membros individuais da força de trabalho a

produzirem a níveis economicamente aceitáveis para o empregador, enquanto, ao mesmo tempo, desfrutam de um alto padrão de bem-estar fisiológico e emocional” (TICHAUER, 1978).

• “Ergonomia é o estudo do comportamento humano em relação ao seu trabalho. O objeto

desta pesquisa é o homem no seu trabalho em relação com o seu ambiente espacial. A pesquisa ergonômica é usada na adaptação das condições de trabalho à natureza física e psicológica do homem e isto resulta no mais importante princípio da Ergonomia – adaptar a tarefa ao homem” (GRANDJEAN, 1980).

• “É o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários para a

concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficácia” (WISNER, 1987).

• “A Ergonomia é o estudo da adaptação do trabalho ao homem. O trabalho aqui tem uma

acepção bastante ampla, abrangendo não apenas aquelas máquinas e equipamentos utilizados para transformar os materiais, mas também toda a situação em que ocorre o relacionamento entre o homem e seu trabalho. Isto envolve não somente o ambiente físico, mas também os aspectos organizacionais de como esse trabalho é programado e controlado para produzir os resultados desejados” (IIDA, 1990).

• “A única e específica tecnologia da ergonomia é a tecnologia da interface homem-sistema. A

ergonomia como ciência trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades, limites e outras características do desempenho humano e que se relacionam com o projeto de interfaces, entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como prática, a ergonomia compreende a aplicação de tecnologia da interface homem-sistema a projeto ou modificações de sistemas para aumentar a segurança, conforto e eficiência do sistema e da qualidade de vida. No momento, esta tecnologia única e especial possui pelo menos quatro componentes principais identificáveis que, do mais antigo ao mais recente, são os seguintes: tecnologia da interface homem-máquina ou ergonomia de “hardware”; tecnologia da interface homem-ambiente ou ergonomia ambiental; tecnologia da interface usuário-sistema ou ergonomia de “software” e tecnologia da interface organização-máquina ou macroergonomia” (HENDRICK, 1991).

• “A Ergonomia objetiva o design de equipamentos, sistemas técnicos e tarefas de forma a melhorar a segurança, saúde, conforto e desempenho do homem”. (…) As situações

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inseguras, não saudáveis, desconfortáveis ou ineficientes no trabalho ou na vida diária são evitadas levando-se em conta as capacidades físicas e psicológicas e as limitações humanas” (DUL e WEERDMEESTER, 1994).

• “Ergonomia é um corpo de conhecimentos sobre as habilidades, limitações e outras

características humanas que são relevantes para o design. Projeto ergonômico é a aplicação da informação ergonômica ao design de ferramentas, máquinas, sistemas, tarefas, trabalhos e ambientes para o uso humano seguro, confortável e efetivo. A palavra significante nestas definições é design, porque ela nos separa de disciplinas puramente acadêmicas como antropologia, fisiologia e psicologia” (CHAPANIS, 1996).

• “A Ergonomia, também conhecida como fatores humanos, é uma disciplina científica que trata da interação entre os homens e a tecnologia. A Ergonomia integra o conhecimento proveniente das ciências humanas para adaptar tarefas, sistemas, produtos e ambientes às habilidades e limitações físicas e mentais das pessoas” (KARWOWSKI, 1996).

• PHEASANT (1997), afirma que a abordagem ergonômica em relação ao design pode ser

resumida como: “O princípio do design centrado no usuário Se um objeto, um sistema ou um ambiente é projetado para o uso humano, então seu design deve se basear nas características físicas e mentais do seu usuário humano. O objetivo é alcançar a melhor integração possível entre o produto e seus usuários, no contexto da tarefa (trabalho) que deve ser desempenhada. Em outras palavras: Ergonomia é a ciência que objetiva adaptar o trabalho ao trabalhador e o produto ao usuário“. “O aspecto singular que particulariza a ergonomia – e que faz dela uma disciplina única – é a interseção do domínio comportamento com a tecnologia física, principalmente o design de equipamentos. Eu sei de muitos especialistas em ergonomia que a consideram como uma forma de psicologia, mas eu contexto esta assunção veementemente – ela deslegitima a ergonomia. A psicologia não trata da tecnologia, a engenharia não se interessa pelo comportamento humano, a não ser quando a ergonomia exige. O foco principal da ergonomia é o desenvolvimento de sistemas, que é a tradução dos princípios comportamentais para o design de sistemas físicos” (MEISTER, 1998).

Diante das diversas definições expostas, pode-se observar que cada qual representa a formação ou linha de pensamento do respectivo autor. Muitas classificam a ergonomia como ciência, outras como tecnologia. Tal distinção será detalhadamente discutida a seguir. 6.1 Ergonomia: ciência ou tecnologia? Como foi visto anteriormente, alguns autores classificam a ergonomia como ciência, outros como tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto outros focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem. No entanto, a questão onde aparecem mais divergências é, sem dúvida, o caráter científico da ergonomia. É como se os ergonomistas, no afã de afirmar a seriedade da nova disciplina, buscassem no termo ciência um status que a tecnologia, por sua proximidade com a técnica, não possui. Cabe, portanto, esclarecer este ponto, para que a ergonomia possa se definir como tecnologia. Segundo BUNGE (1980), entende-se habitualmente por tecnologia a técnica que emprega o conhecimento científico. Por exemplo, distingue-se a técnica da costureira da tecnologia da indústria

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da confecção. Em geral, não se distingue a tecnologia moderna da engenharia. Caso se aceite esta igualdade, onde situar a bioengenharia, a tecnologia educacional e outras disciplinas que não participam da produção? Para evitar tais dificuldades, deve-se adotar uma definição de tecnologia que considere os fins e os meios da tecnologia.

"Um corpo de conhecimento é uma tecnologia se, e somente se, 1) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico, e 2) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou

sociais". (BUNGE, op. cit.). Observe-se que, segundo esta definição, uma tecnologia pode ter ou não uma interseção com alguma ciência. Todas as tecnologias tradicionais - as engenharias e as tecnologias biológicas - têm algo em comum com a ciência, à parte o método. Ao contrário, algumas das tecnologias novas, tais como a pesquisa operacional e a informática, apenas partilham com a ciência seu método. Logo, compreendem-se como tecnologia todas as disciplinas orientadas para a prática, sempre que usem o método científico. Em qualquer processo tecnológico de alto nível, como o observado numa refinaria de petróleo, numa rede telefônica, num hospital moderno, tanto os pesquisadores (não tanto, porém, os técnicos) como os administradores ou dirigentes utilizam numerosas ferramentas conceituais, como a química orgânica, o eletromagnetismo, a teoria das filas de espera e a teoria das decisões. No caso de serem inovadores ou criativos, os pesquisadores ou aqueles que têm o poder decisório tentarão ou mesmo inventarão novas teorias ou novos procedimentos. Em suma, a tecnologia não está separada da teoria nem é mera aplicação da ciência pura: tem uma componente criativa particularmente manifesta na pesquisa tecnológica e no planejamento de políticas tecnológicas. Uma teoria tecnológica pode ser relevante para a ação, seja porque forneça conhecimento sobre os objetos da ação (máquinas, por exemplo) seja porque trate da própria ação (por exemplo, as decisões que precedem e controlam a fabricação ou o uso das máquinas). Os dois tipos de teoria consistem em teorias tecnológicas. A do primeiro exemplo é uma teoria tecnológica substantiva - e compreende, essencialmente, aplicações das teorias científicas a situações aproximadamente reais. É o caso do geólogo que realiza prospecções de petróleo utilizando a paleontologia - embora nem a paleontologia nem a geologia se ocupem diretamente da indústria petrolífera. A do segundo exemplo é uma teoria tecnológica operativa - e se refere às operações de complexos humano-máquina em situações aproximadamente reais. O que as teorias tecnológicas operativas utilizam não é o conhecimento científico substantivo, mas sim o método da ciência. Ainda, de acordo com a exposição baseada em BUNGE, não há porque tratar tecnologia como algo menor e, conseqüentemente, é desnecessário classificar a ergonomia como ciência para validá-la. A ergonomia constitui-se claramente como tecnologia substantiva quando aplica teorias científicas, como a fisiologia, a psicologia, a sociologia, para adaptar máquinas e equipamentos às características humanas. Por outro lado, ao construir modelos das relações entre homens e máquinas, ao utilizar conceitos probabilísticos, ao absorver informações empíricas e enriquecer seu quadro de predições, ao ser, portanto, empiricamente contrastável, embora sem o mesmo rigor da ciência, a ergonomia afirma-se como teoria tecnológica operativa. Apesar das diferenças entre ciência, estudo científico e tecnologia, todos os ergonomistas, entretanto, consideram os seguintes aspectos:

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• a utilização de dados científicos sobre o homem; • a origem multidisciplinar destes dados (anatomia, fisiologia, neurofisiologia, psicofisiologia,

psicologia, sociologia, antropologia) e a interdisciplinaridade da ergonomia; • a aplicação ao dispositivo técnico, à organização do trabalho e ao treinamento dos parâmetros

e recomendações propostos pela ergonomia; • a perspectiva do uso destes dispositivos técnicos pela população normal dos trabalhadores,

com suas capacidades e limites, sem implicar numa seleção que escolha os “homens certos”; • a adaptação ao homem de máquinas, ambientes e trabalho; • os objetivos de segurança, conforto e bem-estar.

6.2 Uma proposta de definição Com o objetivo de englobar estes aspectos e explicitar o campo de atuação da ergonomia, assim como seus objetivos, propõe-se, a partir de MORAES (1990) e MORAES e SOARES (1989), a definição apresentada nos próximos parágrafos. Conceitua-se a ergonomia como tecnologia projetual das comunicações entre homens e máquinas, trabalho e ambiente.

De acordo com a classificação de Mário Bunge para tecnologia, a ergonomia atua tanto como teoria tecnológica substantiva quanto como teoria tecnológica operativa. Como teoria tecnológica substantiva, a ergonomia busca, através de pesquisas descritivas e experimentais, sobre limiares, limites e capacidades humanas (a partir de dados da fisiologia, da neurofisiologia, da psicofisiologia, da psicologia, da psicopatologia, da biomecânica ocupacional, bem como da anatomia e da antropometria), fornecer bases racionais e empíricas para adaptar ao homem (i) bens de consumo e de capital, (ii) meios e métodos de trabalho, (iii) planejamento, programação e controle e processos de produção e (iv) sistemas de informação. Como teoria tecnológica operativa, a ergonomia objetiva, através da ação, resolver os problemas da relação entre homem, máquina, equipamentos, ferramentas, programação do trabalho, instruções e informações, solucionando os conflitos entre o humano e o tecnológico, entre a inteligência natural e a “inteligência” artificial nos sistemas homens-máquinas1.

1 Segundo MONTMOLLIN (1971), as comunicações entre o homem e a máquina definem o trabalho. A partir de COUFFIGNAL (1966), conforme os conceitos da cibernética, define-se máquina como um mecanismo físico objetivado, que visa a substituir o homem na execução de uma ação. De acordo com McCORMICK e SANDERS (1982), MURRELL (1965) e SHACKEL (1974), pode-se afirmar que, quando se diz que o homem funciona como parte de um sistema humano-máquina, o conceito comum de máquina é demasiadamente restritivo. Conforme as referências da cibernética e para esses autores, ergonomistas, a palavra “máquina” significa, então, tudo aquilo que compreende virtualmente qualquer tipo de objeto físico, artefato, aparato, dispositivo, equipamento, utensílio, meio de trabalho, qualquer coisa, qualquer mecanismo físico objetivado com o qual o indivíduo executa alguma atividade, com um propósito. O lápis com o qual escrevemos, a raquete com que jogamos, a pá com a qual cultivamos o jardim, a enxada, o martelo e o serrote, o balde de massa e a pá do pedreiro, nessa acepção, são tão máquinas quanto o carro ou a bicicleta que dirigimos, o torno mecânico, a serra elétrica manual, a correia transportadora, o painel de controle de uma refinaria, o console de monitoração de uma usina, uma régua de cálculos, uma calculadora, um computador. De acordo com MEISTER & RABIDEAU (1965), por sistema humano-máquina compreendem-se situações diferentes: • a combinação homem + utensílios; o posto de trabalho (a díade um homem +uma máquina);

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Tais conflitos se expressam através de custos humanos do trabalho para o operador, como fadiga, doenças profissionais, lesões temporárias ou permanentes, mutilações e mortes. Também se expressam através de acidentes, incidentes, erros excessivos, paradas não controladas, lentidão e outros problemas de desempenho, assim como danificação e má conservação de máquinas e equipamentos. Isto comumente acarreta em redução no nível de produção, desperdício de matérias-primas, baixa qualidade dos produtos - o que acaba por comprometer a produtividade e a qualidade do sistema homens-máquinas. Com base nos enfoques sistêmico e informacional, a ergonomia como tecnologia operativa trata de definir para projetos de produtos, estações de trabalho, sistemas de controle, sistemas de informação, diálogos computadorizados, organização do trabalho, operacionalização da tarefa e programas instrucionais, os parâmetros interfaciais, instrumentais, informacionais, acionais, comunicacionais, cognitivos, interacionais, movimentacionais, espaciais/arquiteturais, físico-ambientais, químico-ambientais, securitários, operacionais, organizacionais, instrucionais, do espaço interno, urbanos, psicossociais e de acessibilidade. Exemplos de tais parâmetros são apresentados a seguir.

• interfaciais: configuração, morfologia, arranjo físico, dimensões, envoltórios acionais de máquinas, equipamentos, consoles, bancadas, painéis e mobiliários;

• instrumentais: configuração, conformação, arranjo físico e topologia, priorização, ordenação, padronização, compatibilização e consistência de painéis de supervisão (sinópticos, mostradores) e/ou comandos;

• informacionais: visibilidade, legibilidade, compreensibilidade e quantidade de informação, priorização e ordenação, padronização, compatibilização e consistência, componentes sígnicos - caracteres alfanuméricos e símbolos iconográficos -, de sistemas de sinalização de segurança ou de orientação, de painéis sinópticos, telas de monitores de vídeo e mostradores, de manuais operacionais e apoios instrucionais; avisos/advertências e comportamento dos usuários em relação às situações de risco.

• acionais: configuração, conformação, apreensibilidade, dimensões, movimentação e resistência de comandos manuais e pediosos;

• comunicacionais: articulação e padronização de mensagens verbais por alto-falantes, microfones e telefonia; qualidade de equipamentos de comunicação oral;

• cognitivos: compreensibilidade, consistência da lógica de codificação e representação, compatibilização de repertórios, significação das mensagens; processamento de informações, coerência dos estímulos, das instruções e das ações e decisões envolvidas na tarefa, compatibilidade entre a quantidade de informações, complexidade e/ou riscos envolvidos na tarefa; qualificação, competência e proficiência do operador;

• interacionais: navegação em hipertextos, páginas da web, considerando consistência, orientação X desorientação do usuário (onde estou?, para onde vou?), arquitetura da informação, gerência de conteúdo, e-writing, legibilidade, destaque das informações, metáforas e ajudas ao usuário.

• movimentacionais: limites de peso para levantamento e transporte manual de cargas, segundo a distância horizontal da carga em relação à região lombar da coluna vertebral, o curso vertical do levantamento ou abaixamento da carga, a conformação da carga, a freqüência de manipulação da carga.

• o sistema homens-máquinas - um conjunto de elementos humanos e não humanos submetidos a interações (como, por

exemplo, a torre de controle de um aeroporto, uma central de controle operacional de uma usina, as rotativas de impressão e os operadores encarregados de manipulá-la e de manutení-la, a sala de operação com o paciente, o cirurgião, sua equipe, instrumentadores, enfermeiros, aparatos e equipamentos).

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• espaciais/arquiteturais: aeração, insolação e iluminação do ambiente; isolamento acústico e térmico; áreas de circulação e layout de instalação das estações de trabalho; ambiência gráfica, cores do ambiente e dos elementos arquiteturais;

• físico-ambientais: iluminação, ruído, temperatura, vibração, radiação, pressão, dentro dos limites da higiene e segurança do trabalho, e considerando as especificidades da tarefa;

• químico-ambientais: toxicidade, vapores e aerodispersóides; agentes biológicos (microorganismos: bactérias, fungos e vírus), que respeitem padrões de assepsia, higiene e saúde;

• securitários: controle de riscos e acidentes, pela manutenção de máquinas e equipamentos, pela utilização de dispositivos de proteção coletiva e, em último caso, pelo uso de equipamentos de proteção individual adequados, pela supervisão constante da instalação dos dutos, alarmes e da planta industrial em geral;

• operacionais: programação da tarefa, interações formais e informais, ritmo, repetitividade, autonomia, pausas, supervisão, precisão e tolerância das atividades da tarefa, controles de qualidade, dimensionamento de equipes;

• instrucionais: programas de treinamento, procedimentos de execução da tarefa; reciclagens e avaliações;

• organizacionais: parcelamento, isolamento, participação, gestão, avaliação, jornada, horário, turnos e escala de trabalho, seleção e treinamento para o trabalho;

• do espaço interno: circulação e fluxo de pessoas, máquinas e materiais, consideração das atividades a serem desempenhadas e de movimentação dos operadores para realizá-las.

• urbanos: planejamento e projeto do espaço da cidade, sinalização urbana e de transporte, terminais rodoviários, ferroviários e metroviários, áreas de circulação e integração, áreas de repouso e de lazer.

• psicossociais: conflitos entre indivíduos e grupos sociais; dificuldades de comunicações e interações interpessoais; falta de opções de descontração e lazer.

• de acessibilidade: sejam equipamentos, meios de transporte ou espaços interiores e exteriores, considerações em seu planejamento, de forma que possam ser utilizados com autonomia pelas pessoas portadoras de deficiências.

O objeto da ergonomia, seja qual for a sua linha de atuação, ou as estratégias e os métodos que utiliza, é o homem no seu trabalho trabalhando, realizando a sua tarefa cotidiana, executando as suas atividades do dia-a-dia. Esse trabalho real e concreto compreende o trabalhador, operador, o manutenidor, o instrutor ou usuário no seu local de trabalho, enquanto executa sua tarefa, com suas máquinas, ferramentas, equipamentos e meios de trabalho, num determinado ambiente físico e arquitetural, com seus chefes e supervisores, colegas de trabalho e companheiros de equipe, e mais as interações e comunicações formais e informais, num determinado quadro econômico-social, ideológico e político. A ergonomia partilha assim o seu objetivo geral - melhorar as condições específicas do trabalho humano - com a higiene e a segurança do trabalho. Os organizadores do trabalho também estudam o trabalho real para determinar procedimentos mais racionais e formas mais produtivas de efetuar a tarefa. Várias são as ênfases, as estratégias, métodos e técnicas. No entanto, é imprescindível enfatizar que a ergonomia orienta-se prioritariamente para a aplicação. Cumpre ressaltar que a singularidade da ergonomia está justamente na sua práxis2, que integra o estudo das características físicas e psíquicas do homem, as avaliações tecnológicas do sistema produtivo, a análise da tarefa, com a apreciação, o diagnóstico, a projetação, a avaliação e a

2 práxis – Termo em uso deste Aristóteles, é uma das três atividades básicas dos seres humanos (as outras são a theoria, ou teoria, e a poiêsis, ou produção artística). Mais tarde tem-se que a subordinação da teoria à prática relaciona-se com a incapacidade da razão para resolver contradições. A práxis, então, relaciona-se com a atividade livre, autêntica e autoconsciente que se opõe ao trabalho alienado. (BLACKBURNS, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1974, 437 p.)

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implantação de sistemas homens-tarefas-máquinas. O ergonomista, junto com engenheiros, arquitetos, desenhistas industrias, analistas e programadores de sistema, organizadores do trabalho, psicólogos, médicos e enfermeiros do trabalho, propõe mudanças e inovações, sempre a partir de variáveis fisiológicas, psicológicas e cognitivas humanas e segundo critérios que privilegiam o ser humano. O atendimento aos requisitos ergonômicos possibilita maximizar o conforto, a satisfação e o bem-estar; garantir a segurança; minimizar constrangimentos, custos humanos e carga cognitiva, psíquica e física do operador e/ou usuário; e otimizar o desempenho da tarefa, o rendimento do trabalho e a produtividade do sistema humano-máquina. Finalmente, cabe asseverar que a ergonomia tem como centro focal de seus levantamentos, análises, pareceres, diagnósticos, recomendações, proposições e avaliações, o HOMEM como ser integral. A vocação principal da ergonomia é recuperar o sentido antropológico do trabalho, gerar o conhecimento atuante e reformador que impede a alienação do trabalhador, valorizar o trabalho como agir humano através do qual o homem se transforma e transforma a sociedade, como livre expressão da atividade criadora, como superação dos limites da natureza pela espécie humana.

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7. AFLUENTES, EFLUENTES, E FRONTEIRAS DA ERGONOMIA O recorte da ergonomia se faz através do seu objeto - o ser humano em seu trabalho, trabalhando em situação real -, de seus múltiplos recortes do sistema homem-tarefa-máquina e da ênfase na análise da tarefa (trabalho e atividades). Cumpre, portanto, observar que o sistema humano-tarefa-máquina pode ser um shopping center, um hospital, uma sala de controle, uma agência bancária, um terminal rodoviário, um laboratório de análise, uma galeria de exposições, um parque, uma banca de jornal, um banheiro público para deficientes, um sistema de sinalização de uma universidade, um console de controle, a estação de trabalho de um digitador, um banco de praça, etc. A ergonomia como tecnologia substantiva implica interações com várias ciências - as disciplinas afluentes. A ergonomia como tecnologia operativa compreende interações com diversas tecnologias projetuais - as disciplinas efluentes.

• Disciplinas afluentes são aquelas que fornecem subsídios (i) sobre os aspectos físicos e mentais do homem (anatomia, antropometria, biomecânica ocupacional, fisiologia do trabalho, medicina do trabalho, psicologia do trabalho, psicologia experimental, psicologia cognitiva); (ii) sobre as interações sociais e culturais das relações de produção (sociologia do trabalho, economia do trabalho, antropologia) e (iii) sobre a comunicação humana (semiótica).

• Disciplinas efluentes são aquelas para as quais a ergonomia - a partir da abordagem

sistêmica, da modelação das comunicações, da análise da tarefa e de experimentos com variáveis controladas - define requisitos ergonômicos de projeto de produtos e estações de trabalho, de ambiente espacial, de elementos de comunicação visual, de ambiente físico, de operacionalização da tarefa, de programas de treinamento, de sistemas de informação, de sistemas gerenciais, de projeto de software (hipertextos) e programas de comunicação. São elas: desenho industrial, engenharia do produto, programação visual, plant layout, arquitetura, espaço construído, conforto ambiental, engenharia de segurança, engenharias de produção e de transportes, organização do trabalho, recursos humanos e engenharias de sistemas e de software.

O Quadro 1.1, a seguir, apresenta, esquematicamente, a relação da ergonomia - e as suas etapas metodológicas – com as disciplinas com as quais apresenta fronteiras. Ao trabalhar as comunicações nos sistemas humanos-tarefas-máquinas, a ergonomia considera uma interação sistêmica e dinâmica onde o homem e sua “máquina” dialogam, influenciam e sofrem as influências do ambiente operacional, organizacional, da ambiência física. Contemplam-se igualmente os aspectos fisiológicos, biomecânicos, psíquicos e cognitivos, a tomada de informações, a resolução de problemas, a decisão, a manipulação de comandos. Estudam-se as condições reais de trabalho, as atividades concretas da tarefa, com a visão das restrições tecnológicas do processo produtivo e da

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Quadro 1.1. - Fronteiras da ergonomia: disciplinas afluentes e efluentes

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organização disciplinar do trabalho. Alvenaria, armação, teares, tornos, tratores, computadores, salas de controle, liquidificadores, furadeiras, automóveis, etc., são objeto da apreciação, do diagnóstico, da avaliação e da projetação ergonômica. Conhecendo os limites, limiares, capacidades do homem, suas características físicas e psíquicas, o ergonomista passa a participar do processo de geração de projetos de sistemas, de estações de trabalho, de equipamentos, de produtos, de organização do trabalho, dos processos produtivos (métodos e planejamento, programação e controle da produção), de tarefas, de sinalização, da ambiência física, do ambiente espacial e arquitetural, do entorno urbano, de programas de capacitação e treinamento, de higiene e segurança do trabalho, da seleção e transferência de tecnologia. Busca-se, essencialmente, definir parâmetros ergonômicos que propiciem a segurança, a saúde, o conforto e o bem-estar de usuários e trabalhadores em seus ambientes de trabalho e lazer.

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8. TIPIFICAÇÃO DA ERGONOMIA Pode-se classificar a ergonomia de acordo com (i) o seu objeto de atuação (sistemas, produção/produto, informacional/gestual e transferência de tecnologia,); (ii) segundo o objetivo de intervenção (correção/concepção/transformação, proteção/desenvolvimento) e (iii) os tipos de ênfases (comportamental, cognitiva, sóciotécnica ou experimental). 8.1 Quanto ao objeto de atuação São os tipos de ergonomia referentes ao seu campo de atuação: ergonomia de sistemas, ergonomia do produto, ergonomia de produção, ergonomia informacional, ergonomia gestual, ergonomia de transferência de tecnologia. (i) Ergonomia de sistemas Num sistema produtivo ou de controle, a tarefa do operador e a maneira como ele a executa dependem do desempenho de outros postos anteriores. Por outro lado, o produto das atividades do operador alimenta um outro posto com o qual ele pode estar em relação direta, no caso de um trabalho em equipe (informações numa sala de controle centralizado, por exemplo, ou o material processado, no caso de indústrias de transformação). Ocorrem também relações indiretas, quando o operador recebe ou fornece entradas ou saídas de partes do seu trabalho de, ou para, outros postos com os quais não interage. Estas interações desenvolvem-se como um fluxo (a nível horizontal) ou hierarquicamente (num nível vertical). Considera-se, então, não o posto de trabalho (a díada humano-máquina) mas o conjunto dos diferentes elementos humanos, informacionais e materiais em interação. Deste modo, objetiva-se definir a configuração do sistema (mais ou menos informatizado), alocação de funções para o homem e para a máquina, a competência e o dimensionamento da equipe e a repartição de responsabilidades e atividades entre os operadores. A partir de critérios humanos (minimização da carga física, cognitiva e psíquica) trata-se de otimizar o funcionamento do sistema como um conjunto holístico e teleológico. Não existe descontinuidade entre a ergonomia dos sistemas e a ergonomia dos postos de trabalho - os problemas sociotecnológicos resultantes das relações entre as tecnologias e as características das populações de trabalhadores propiciam a interação entres estes dois enfoques da ergonomia. (ii) Ergonomia do produto A ergonomia do produto analisa de maneira aprofundada os artefatos e seus efeitos na relação com o homem. Trata da concepção de objetos para fabricação em escala industrial, e prioriza as relações do usuário, operador, consumidor, manutenidor, com o produto em função das zonas:

• interfacial: perfil, dimensões, alcances, arranjo físico • instrumental: arranjo, topologia, de painéis informacionais e de comando • informacional: visibilidade, legibilidade e compreensibilidade de componentes sígnicos

(caracteres alfanuméricos e símbolos iconográficos) • acional: apreensibilidade e movimentação de comandos • comunicacional: audibilidade e posicionamento de alto-falantes, microfones e telefones.

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Tal distinção, no entanto, não repercute nos métodos que o ergonomista utiliza. Parte-se sempre do enfoque sistêmico e das comunicações/interações entre homens e máquinas, através da análise da tarefa ou das tarefas e tomam-se sempre como parâmetros de avaliação os custos humanos físicos, cognitivos ou psíquicos do trabalho. Durante o projeto de produtos de consumo ou de bens de capital, o designer ou o engenheiro de produto consideram, além das funções estruturais e moventes, de resistência e produtibilidade, econômicas, semióticas e estáticas, as funções de uso do produto. Os métodos e técnicas da ergonomia permitem levantar as comunicações e interações que expressam tais funções. Os insumos da antropometria propiciam o correto dimensionamento. Já as referências da fisiologia da visão, da percepção e cognição possibilitam a definição dos componentes instrumentais e informacionais apropriados. Finalmente, as informações da biomecânica permitem a determinação de componentes acionais adequados. Estes elementos em conjunto contribuem para a análise de usabilidade do produto. Entende-se usabilidade como a adequação entre o produto e as tarefas a cujo desempenho se destina, da adequação com o usuário que o utilizará, e da adequação ao contexto em que será usado. Para isto, deve incorporar características como: facilidade de aprendizagem, efetividade, atitude parei (iii) Ergonomia da produção Já a ergonomia da produção contempla os meios de produção, os métodos e processos, o dimensionamento de equipes, a operacionalização da tarefa, a organização do trabalho e o ambiente de trabalho. Faz parte de seu âmbito, entre outros, o estudo das posturas, esforços físicos e mentais e os efeitos dos horários e turnos sobre o organismo humano. Cabe ainda mencionar que a ergonomia de produção implica também a ergonomização dos produtos e meios de trabalho, tais como, máquinas, ferramentas, dispositivos de informação. Do mesmo modo, a ergonomia do produto, ao conceber um objeto a ser fabricado, deve considerar a ergonomização da produção deste mesmo produto, a partir da seleção de matérias-primas não agressivas, da tecnologia e dos processos e maquinários menos predatórios à força de trabalho. (iv) Ergonomia informacional A ergonomia informacional contempla a percepção e a cognição (seleção de informações, resolução de problemas, tomada de decisão). Campo bastante complexo, como diz FAVERGE (1966), abarca aspectos de linguagem verbal e iconográfica (significação, codificação e decodificação) e o estudo dos “canais de comunicação” do ser humano (sensoriais, neurofisiológicos, motores). Seu objetivo é a definição de componentes informacionais. (v) Ergonomia gestual A ergonomia gestual abrange os sistemas de respostas ao nível psicomotor (movimentos, posturas, deslocamentos). Envolve problemas biomecânicos e musculares e trata da manipulação e movimentação de comandos e cargas. (vi) Ergonomia de transferência de tecnologia Transferir uma máquina, um processo técnico de fabricação, uma fábrica inteira, dentro de uma mesma região, de uma região para outra num mesmo país, de um país para outro, ou de um continente para outro, exige o conhecimento das características da população que os utilizará e do local onde se situará. Uma indústria não pode ter as mesmas características arquiteturais em um país tropical e em um país frio.

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Impossível importar uma planta ipsis litteris da Suécia para o Brasil - o isolamento térmico, por exemplo, não pode ser o mesmo. Há que se observar os aspectos geográficos, e especificamente climáticos, da região destinatária. A organização do trabalho deve considerar os hábitos culturais, a nutrição, a higiene e a escolaridade da população. Deve-se adaptar a concepção das máquinas aos conhecimentos técnicos dos operadores para as operá-las, manutení-las e repará-las. Cumpre atentar para os aspectos culturais e sociais da população destinatária. O ergonomista deve participar dessa transferência e implantação de tecnologia e estudar as características do trabalho e das populações. O Quadro 1.3., a seguir, apresenta a ergonomia e seus tipos de atuação, com considerações e especificidades de cada uma como descrito abaixo:

• Ergonomia de interação: aborda as questões da comunicação entre o homem e os computadores através de interfaces informatizadas.

• Ergonomia Informacional: destaca-se as questões perceptuais. • Ergonomia do Produto: refere-se as interfaces dos bens de consumo, ferramentas e estações

de trabalho. • Ergonomia de Sistemas: têm-se os sistemas complexos e dinâmicos de controle de indústrias

de processos e de transporte. • Ergonomia da Produção: são trabalhadas as variáveis do processo produtivo. • Ergonomia do Ambiente Construído: refere-se as questões do uso do espaço e de sua

adequação aos portadores de deficiências. Acima, à direita do quadro, apresentam-se alguns custos humanos do trabalho e no centro, os interlocutores do ergonomista: 8.2 Quanto ao objetivo da intervenção A ergonomia classifica-se em três principais tipos quando relacionada aos seus objetivos de intervenção: (i) ergonomia de correção, (ii) ergonomia de concepção, (iii) ergonomia de transformação, (iv) ergonomia de conscientização. (i) Ergonomia de correção A ergonomia de correção busca melhorar as condições de trabalho em fábricas e estações de trabalho já instaladas. Sua eficiência é limitada pois a correção nem sempre consegue solucionar o problema. Afinal, solucionar o problema do controle de ruído de uma máquina em funcionamento, por exemplo, é mais difícil e oneroso do que a sua solução durante a fase de projeto e prototipagem. Modificar uma sala de controle, quando o sistema não pode parar, implica custos e problemas operacionais. (ii) Ergonomia de concepção A ergonomia de concepção, ao contrário, ergonomiza a ferramenta, o posto de trabalho, o sistema ou o ambiente durante o projeto. Os testes de protótipo avaliam e validam as soluções propostas. A ergonomia de concepção deve considerar a flexibilidade como um parâmetro, pois mudanças ocorrem em termos tecnológicos, econômicos, políticos e sociais.

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Quadro 1.3. – Classificação da ergonomia quanto ao seu objeto de atuação

* Circulação * Fluxos * Acessibilidade * Espaço Público * Espaço Social * Espaço Pessoal * Espaço da Produção * Espaço de Lazer

* Telas * Menus * Hipertexto * Multimídia * Realidade virtual * Ajudas informatizadas * Sistemas interativos

* Bens de consumo * Utensílios * Equipamentos * Ferramentas * Máquinas * Estações de trabalho

* Erro Humano * Amigabilidade * Usabilidade * Utilidade * Segurança * Navegação * Legibilidade * Compreensibilidade

* Trabalhadores * Operadores * Usuários

*Consumidores * Manutenidores

* Portadores de deficiência * Idosos * Mulheres

* Instruções * Advertências * Alarmes * Rótulos * Manuais * Sinalização * Mapas * Mostradores * Pictogramas e Grifos

*Territorialidade * Privacidade * Personalização * Privatização * Apropriação * Gestão * Segurança

* ODAM * Métodos * Equipes * Alocação de tarefas * Ergonomia participativa * Gerência da Qualidade

Total * Aspectos humanos da

manutenção

* Detecção * Discriminação * Identificação * Visibilidade * Legibilidade * Leiturabilidade * Compreensibilidade

da Produção (iii)

do Ambiente Construído

da Interação

* Conforto * Segurança * Usabilidade * Confiabilidade * Manufaturabilidade * Configuração * Conformação * Adaptação * Flexibilidade * Ajustabilidade

* Sistemas complexos *Sistemas de controle

dinâmico * Transportes *Aviação * Indústrias de processo * Transferência de tecnologia

*Movimentação manual de

cargas * Lesões por esforços

repetitivos * Doenças músculo-

esqueléticas * Fadiga física, mental e

cognitiva * Reabilitação * Estresse e carga mental

Informacional (iv)

do Produto (ii)

de Sistemas (i)

ERGONOMIA

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(iii) Ergonomia de transformação Entretanto, pode-se considerar uma empresa como um organismo em permanente transformação em face da introdução de uma nova máquina, ampliação de uma oficina, reorganização de um serviço, modificações nos métodos e na organização do trabalho. Por ocasião da implantação de cada uma dessas mudanças é importante considerar os parâmetros ergonômicos. Esta é a ergonomia de transformação. (iv) Ergonomia de proteção/ergonomia de desenvolvimento A ergonomia de proteção define recomendações para evitar fadiga, acidentes de trabalho, doenças profissionais. A ergonomia de desenvolvimento procura implementar uma concepção do conteúdo do trabalho que permita o aumento da capacidade produtiva do trabalhador com a idade. É claro que só se implanta a ergonomia de desenvolvimento onde e quando se realiza a ergonomia de proteção. 8.3 Quanto às ênfases (i) As gerações da ergonomia Segundo HENDRICK (1987), a ergonomia está na sua terceira geração. A primeira geração concentrou-se no projeto de trabalhos específicos, interfaces humano-máquina, incluindo controles, painéis, arranjo do espaço e ambientes de trabalho. A maioria das pesquisas referia-se à antropometria e a outras características físicas do homem. Buscava-se, deste modo, obter dados para adaptar a máquina ao homem. Esta aplicação continua a ser um aspecto extremamente importante para a prática da ergonomia em termos de contribuições para a segurança industrial e para a melhoria geral da qualidade de vida. A segunda geração da ergonomia se inicia com a ênfase na natureza cognitiva do trabalho. Tal ocorreu em função das inovações tecnológicas e, em particular, do desenvolvimento de sistemas automáticos e informatizados. O trabalho com computadores implica o processamento de informações e exige o projeto de programas adequados. Estrutura de “software”, “layout” de telas e projetos de “menus” são importantes áreas nas quais a aplicação da ergonomia aumenta a funcionalidade dos sistemas. A ergonomia passa a participar do desenvolvimento e da aplicação da tecnologia da interface usuário/sistema. Este foco no “homem-cognitivo” influencia o projeto das interfaces e das interações do diálogo homem-computador e sistemas de controle. Apesar do seu pouco tempo de atuação, esta segunda geração tem tido um grande impacto. A terceira geração da ergonomia resulta do aumento progressivo da automação de sistemas em fábricas e escritórios, do surgimento da robótica. Começou-se a perceber que é possível fazer um trabalho em microergonomia, projetando os componentes de um sistema, mas falhar no que diz respeito ao sistema como um todo, por desconhecimento do nível macroergonômico. A maioria dos projetos das duas primeiras gerações de ergonomia enfocou trabalhos e interfaces humano-máquina específicos, a terceira geração passa a se ocupar da organização como um todo. Assim, a emergente terceira geração da ergonomia privilegia a macroergonomia ou “organização global ao nível de máquina/sistema” e se concentra no desenvolvimento e na aplicação da “organização da tecnologia máquina/interface”. A macroergonomia parte de uma avaliação da empresa de cima para baixo e usa como ferramenta a análise sociotécnica e o enfoque de sistemas.

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É importante ressaltar, portanto, que ninguém pode projetar um microcomponente de um sistema sociotécnico sem primeiro tomar decisões sobre a organização como um todo, inclusive como esta organização é gerenciada. Deve-se, a princípio, colocar as seguintes questões: complexidade, centralização e formalização. Estas devem ser ergonomicamente projetadas dentro da estrutura da organização. Uma vez implementadas as decisões sobre a estrutura da organização, cabe começar o projeto dos subsistemas específicos, tarefas, atividades e estações de trabalho, que serão compatíveis com as recomendações macroergonômicas para o sistema global. A macroergonomia considera o modo como as organizações são projetadas e gerenciadas no que se refere às tecnologias (BROWN, 1990). Também relaciona-se com quatro níveis de análises: individual, design do trabalho/estação de trabalho, organizacional e ambiental (IMADA, 1988). (ii) Ergonomia de língua inglesa e de língua francesa A ergonomia apresenta dois enfoques bem característicos, segundo o tipo de abordagem do homem no trabalho: o enfoque francofônico e o enfoque anglofônico. De acordo com MONTOLLIN (1986), a linha francofônica privilegia as atividades do operador, priorizando o entendimento da tarefa, os mecanismos de seleção de informações, de resolução de problemas, de tomadas de decisão. Tudo se inicia com a observação do trabalho, em condições reais. Em seguida, tem-se a verbalização do trabalho executado pelos próprios operadores especificamente nele envolvidos e considera-se a aprendizagem da tarefa e a competência do trabalhador. Os ergonomistas da linha anglofônica, por seu lado, preocupam-se, principalmente, com os aspectos físicos da interface humano-máquina (anatômicos, antropométricos e fisiológicos e sensoriais), objetivando dimensionar a estação de trabalho, facilitar a discriminação de informações dos mostradores e a manipulação dos controles. Para tanto, realizam simulações em laboratórios (onde medem alcances, esforços, discriminação visual, rapidez de resposta), mantendo constantes algumas variáveis - homens com dimensões extremas (5o e 95o percentis), acuidade visual, nível de instrução etc. Ao se estudar, por exemplo, o trabalho em terminais de vídeo, o enfoque anglofônico contempla: as dimensões do mobiliário; alcances, conformação do teclado; radiação e cor da tela; altura, espessura e desenho dos caracteres alfanuméricos; visibilidade e compreensibilidade dos símbolos iconográficos; iluminação, ruído e temperatura ambiente. Os francofônicos enfatizam os aspectos semânticos e cognitivos da informação que aparecem na tela, seu tratamento mais do que a apresentação, o conteúdo do trabalho, percepção dos dados e decisões implicadas. Ainda, segundoMONTMOLLIN (1986), temos que o enfoque anglofônico, o mais antigo e, hoje em dia, o mais americano, considera a ergonomia como a utilização das ciências para melhorar as condições do trabalho humano. A anatomia e a fisiologia permitem conceber cadeiras, telas e horários mais adaptados ao organismo humano, enquanto a psicologia e a semiótica possibilitam definir uma melhor apresentação das informações. O ergonomista orienta-se, prioritariamente, para a concepção de dispositivos técnicos: máquinas, utensílios, postos de trabalho, telas, impressos, programas etc. O ergonomista desta corrente considera as características do homem em geral, a “máquina humana”, para adaptar melhor as máquinas e os dispositivos técnicos a este homem. A concepção clássica de sistemas humano-máquina, onde a análise ergonômica privilegia a interface entre os componentes materiais e os componentes (ou “fatores”) humanos. Seguem-se as características da “máquina humana” que, segundo o autor, os ergonomistas praticantes dessa linha consideram:

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• as características antropométricas: alturas, comprimentos e larguras de diferentes segmentos corporais;

• as características ligadas ao esforço muscular: estudam-se as contrações musculares, diretamente (por eletromiografia), pelo consumo de oxigênio e pelo ritmo cardíaco;

• as características ligadas a influência do ambiente físico: o calor e o frio, a poeira, os agentes tóxicos, o ruído, as vibrações e, mais recentemente, as acelerações bruscas - estes são domínios onde a ergonomia se identifica com a medicina do trabalho.

• as características psicofisiológicas: o olho e o desempenho visual, o ouvido e o desempenho auditivo, em diversas condições - visão noturna, audição em locais ruidosos; mas também o olfato, o tato, e os tempos de reação. Devem-se juntar às características relacionadas a sensação, como as citadas acima, os fenômenos do sistema nervoso central como a percepção visual (limiar de discriminação de diferentes formas, por exemplo) ou, como a partir dos anos 50 e 60, a atenção e a vigilância (detecção de sinais raros e aleatórios);

• as características dos ritmos circadianos (que regulam a atividade biológica durante as 24 horas do dia), alternância vigília-sono, em particular, e a influência de suas perturbações (devidas ao trabalho em equipes alternantes, por exemplo) sobre o sono, e mais genericamente sobre a saúde.

Paralelamente ao estudo das características citadas, estudam-se os efeitos do envelhecimento, em particular os efeitos fisiológicos e psicofisiológicos. Os ergonomistas da corrente anglofônica reuniram uma massa considerável de dados sobre a “máquina humana” e, em particular, sobre seus limites. No início e, sem dúvida, devido à influência da ergonomia militar, o homem estudado foi quase exclusivamente o homem jovem, branco, com excelente saúde e, sobretudo, grande. Depois, diversificaram-se as fontes. Assim, o homem “médio“ tende a desaparecer em proveito de um homem “estatístico” em relação a numerosos parâmetros. Com toda essa documentação sobre as capacidades e os limites do “homem estatístico”, a ergonomia trata de persuadir os responsáveis pela concepção das “máquinas” (dos utensílios manuais aos dispositivos técnicos mais complexos) a considerá-la, em primeiro lugar, para evitar acidentes e fadigas excessivas dos usuários e, mais recentemente, a fim de propiciar um controle das máquinas mais eficaz e mais confortável (e mesmo “amigável”, para citar a última expressão da moda). Ainda parafraseando MONTMOLLIN (op. cit.), a corrente francofônica, mais recente e mais francesa, considera a ergonomia como o estudo específico do trabalho humano com o objetivo de melhorá-lo. Sem pretender constituir-se em “ciência do trabalho” completamente autônoma, ela reivindica, no entanto, a autonomia de seus métodos. Sob este aspecto, ela constitui mais uma tecnologia do que uma ciência. Essa ergonomia enfatiza o conjunto da situação de trabalho do trabalhador, em detrimento do estudo de cadeiras e telas, tomadas isoladamente. Nesta perspectiva, não se podem realmente explicar e diminuir a fadiga e o erro a não ser que se analise detalhadamente a tarefa específica do operador e a maneira particular como ele a realiza, considerando as singularidades existentes. Pode-se descobrir, assim - para citar apenas um exemplo simples - que, se a cadeira é penosa o é porque as informações que aparecem na tela se apresentam de tal forma que impedem o operador de tirar os olhos do monitor, mesmo por pequenos períodos, o que implica uma postura rígida. O ergonomista desta linha orienta-se essencialmente em direção à organização do trabalho: quem faz o que e (sobretudo) como o faz, e se poderia fazê-lo melhor. Isto implica, menos freqüentemente, uma modificação do dispositivo técnico e, mais usualmente, dos procedimentos de trabalho, da atividade e das competências dos trabalhadores. Este enfoque concebe a ergonomia não como a aplicação de conhecimento gerais sobre o organismo humano na concepção de máquinas, trata de priorizar a atividade dos operadores específicos ao realizar suas tarefas particulares. Os ergonomistas da linha americana objetivam melhorar o trabalho de usuários anônimos, enquanto os da linha francesa visam melhorar as condições de trabalho de operadores perfeitamente identificados. Estes últimos privilegiam a dinâmica da atividade humana no trabalho, mais do que a

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constância de características físicas e fisiológicas. O trabalho é analisado como processo, no qual interagem o operador (ator capaz de iniciativas e de reações) e seu ambiente técnico - também evolutivo e influenciável. A ergonomia francesa, muito mais psicológica, e mesmo cognitiva, do que antropométrica ou fisiológica, não resolve - cumpre repetir - os mesmos problemas que a ergonomia americana. Ela visa menos diretamente a concepção de máquinas pelos projetistas do que a intervenção sobre os próprios locais da produção. É na oficina, na sala de comando, no escritório e no serviço de métodos que intervém este ergonomista, a fim de melhorar localmente o trabalho, quer dizer, a interação entre o operador e sua tarefa. O ergonomista francês não se preocupa em levantar uma lista de “características gerais” da atividade do operador humano. O olho é por toda parte o mesmo, mas não o olhar. O centro de gravidade das pesquisas em ergonomia se desloca, não é mais a coleta de dados confiáveis sobre os “fatores humanos” em laboratório: passa a ser análise em campo das modalidades específicas da atividade do operador na situação real existente. As publicações e os manuais tratam de privilegiar os métodos de análise do trabalho, os modelos e as teorias que os justificam. O contraste é surpreendente: apenas uma página ou duas sobre análise do trabalho nos manuais clássicos, enquanto, na literatura européia (e sobretudo francesa) este é o tema principal. Uma certa generalização é possível, na medida em que as situações estudadas são similares. As observações de operadores em salas de comando de processos contínuos começam a ser suficientemente numerosas para que certas regularidades apareçam. Mas o ergonomista da linha francesa se comporta com uma extrema prudência neste domínio; os dados são ainda terrivelmente dispersos, os conceitos mal consolidados, e as tecnologias muito evolutivas. A ergonomia da atividade humana está ainda na infância. Esta ergonomia da atividade humana, esta ergonomia de interação entre dois tipos de processos, o do operador e o da “máquina”, torna evidente uma grave fraqueza, se nos colocamos do ponto de vista da ergonomia clássica: ela não permite estabelecer catálogos de dados gerais utilizáveis diretamente para a concepção de dispositivos técnicos. Ela está muito centrada sobre a singularidade dos episódios do trabalho de um operador específico que ela observa longamente, para poder transferí-los a outras situações, mesmo aparentemente similares. Por outro lado, pode-se retrucar que a ergonomia clássica deixa de ser útil onde os responsáveis pela produção necessitam atualmente de maior número de conselhos: as situações críticas em que as competências dos operadores (e não somente seu conforto e sua visão) permitem evitar as catástrofes. A oposição entre uma ergonomia de “componentes humanos” (a melhor tradução da americana human factors, na acepção francófona) e uma ergonomia da atividade humana é um fato. No entanto, se uma síntese é improvável, uma articulação é possível. Não há contradição entre conceber uma cadeira confortável e uma tela bem contrastada, para o operador diante de seu terminal de computador e, por outro lado, buscar saber como este operador compreende as mensagens que aparecem sobre a tela. Não é excludente propor um desenho de um mostrador que permita a percepção exata de uma medida e saber porque num determinado momento da execução das operações o operador olha para um ou para outro mostrador. Cabe considerar o olho e olhar. As duas ergonomias não são contraditórias, mas complementares. Em princípio, o mesmo ergonomista pode ser chamado, em função das circunstâncias (ou seja, em função dos interlocutores, dos decisores e dos financiamentos), para colaborar com um engenheiro na concepção de uma máquina-ferramenta ou, com um outro engenheiro, na implantação de um sistema informatizado. Na prática, no entanto, os ergonomistas se especializaram de tal modo que os manuais, apenas excepcionalmente, tratam dos dois enfoques.

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MEISTER (1985) acredita que a ergonomia (human factors) seja uma disciplina distintamente diferente, embora muito influenciada pela psicologia e pela engenharia, entre outras. Os problemas ergonômicos exigem soluções específicas. As áreas particulares de interesse, como carga de trabalho ou interação homem-computador, podem ser um ramo de pesquisa da ergonomia, mas a ergonomia é mais do que a soma de suas partes. Além das suas áreas específicas de interesse, a ergonomia tem suas próprias necessidades de pesquisa, que se orientam em torno do conceito de sistema e de desenvolvimento e operação de sistemas. Como em qualquer disciplina, existe na ergonomia uma contínua tensão entre a pesquisa e a aplicação. No entanto, esta tensão não é corretamente apreciada pelos especialistas - particularmente aqueles que transitam na área acadêmica. Para MEISTER, um número excessivo de pesquisas está isolado do mundo real e por demais ligado ao paradigma experimental clássico. Sem eliminar tais pesquisas, necessitam-se mais estudos descritivos de sistemas reais e mais ênfase em predições e aplicações. (iii) O caso brasileiro No Brasil, as primeiras vertentes de implantação da ergonomia, junto às engenharias e ao design, tiveram como fundamento de suas especulações teóricas e aplicações práticas os manuais de McCORMICK, MURRELL e WOODSON e CONOVER e, depois, GRANDJEAN. A vertente da psicologia tinha em FAVERGE o principal autor. Pouco a pouco, surge uma nova bibliografia, com uma abordagem metodológica, como os livros de MEISTER e CHAPANIS. Estes autores propunham o enfoque sistêmico da interação humano-máquina e a observação das atividades da tarefa. A observação sistemática do trabalho, a análise da tarefa, ao lado das medidas do ambiente e dos levantamentos antropométricos, passam a fazer parte da bagagem dos ergonomistas brasileiros. Paralelamente, o acesso à bibliografia francesa - SPERANDIO e MONTMOLLIN - e à literatura sobre ergonomia e informática acrescentaram novas ferramentas aos métodos de diagnóstico ergonômico. Desse modo, a probabilidade de síntese das correntes da ergonomia, entre nós, é uma realidade. Faz-se a análise da tarefa, estuda-se a situação real de trabalho, definem-se recomendações para os componentes “máquina” do sistema homem-tarefa-máquina, a partir do conhecimento das exigências da tarefa e dos limiares e limites dos componentes humanos. Fazem-se, paralelamente, análises do trabalho, das interações entre dois tipos de processos, o do operador e o da “máquina”, estudos sobre organização do trabalho, qualificação da mão-de-obra, estudos do erro e de incidentes e avaliações macroergonômicas sobre o gerenciamento e a organização global do sistema. (iv) A ergonomia experimental A ergonomia em sua origem americana (human engineering) foi basicamente experimental. Os laboratório de ergonomia associados as forças armadas eram fortemente influenciados pela psicologia experimental. Pesquisava-se o desempenho de mostradores verticais versus horizontais, características de radares, tipos de empunhaduras de manetes de avião, etc. O fato da ergonomia americana ter enfatizado durante muitos anos a questão da pesquisa de laboratório – teclado, legibilidade, etc. – foi um dos argumentos para que a ergonomia francesa advertisse que o homem no laboratório não age como na “situação real de trabalho”. No entanto, cabe ressaltar, que foi justamente a ergonomia cognitiva com as pesquisas sobre usabilidade da interação homem-computador que recolocou a necessidade da pesquisa de laboratório. Hoje temos pesquisas experimentais sobre comportamento de motoristas, uso de computadores pela população idosa, etc. Finalmente, vale mencionar a questão do realismo no experimento.

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9. ERGONOMIA: SEGURANÇA, PRODUTIVIDADE E QUALIDADE De acordo com HELANDER (1997), em um sistema de produção industrial a ergonomia é raramente um objetivo nela mesma. Segurança e produtividade são objetivos comuns. A ergonomia é mais precisamente uma metodologia que pode ser utilizada para atingir a segurança e a produtividade. A principal meta da ergonomia é o projeto de sistemas de tal modo que eles se tornem produtivos, seguros e talvez mais confortáveis e agradáveis. O status de segurança de um sistema pode ser avaliado pela comparação dos requisitos de desempenho do sistema com os limites de desempenho do operador. Se os requisitos de desempenho do ambiente são maiores que os limites de desempenho do operador, há um aumento no risco de ferimentos e acidentes. Antes de esperar que eles aconteçam é necessário prever os tipos de problemas de segurança. Faz-se então a análise de outros indicadores (ou variáveis), tais como erros dos operadores, avaliações subjetivas e respostas fisiológicas. O objetivo da ergonomia é o reprojeto do ambiente de modo que ele se torne mais seguro. Isto pode ser feito mais eficientemente se as ações e reações dos operadores são compreendidas pelo projetista. Deste modo, a percepção, o processo decisório e as ações de controle do operador são sempre fundamentais para a ergonomia. Ainda segundo HELANDER (op. cit.), há dois principais efeitos resultantes das melhorias ergonômicas - os erros dos operadores podem ser reduzidos e a eficiência ou velocidade da operação pode ser aumentada. Talvez seja difícil incrementar simultaneamente a produtividade e a segurança. De forma geral, quanto maior a velocidade (de veículos, maquinário de produção, etc.) menor será o tempo disponível para o operador reagir. Isto pode comprometer a segurança, mas aumentar a produtividade. Os operadores fazem tipicamente uma escolha entre o aumento da velocidade ou da precisão - isto é bem conhecido pela pesquisa em ergonomia, e denomina-se relação velocidade-exatidão (SATO - speed-accuracy trade-off). Os gerentes de produção geralmente incentivam os empregados a aumentar tanto a velocidade quanto a exatidão (produtividade e qualidade). Tal se opõe ao conceito de SATO e é, portanto, difícil de atingir. Nos sistemas de produção industrial será, no entanto, possível melhorar a segurança e a qualidade de produção, ao mesmo tempo. Uma redução dos erros do operador levará à melhoria tanto da segurança quanto da qualidade da produção. Uma ênfase na qualidade de produção, portanto, será mais apropriada e mais efetiva que a abordagem tradicional da industria para aumentar a quantidade de produção.

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10. TEMAS ATUAIS EM ERGONOMIA O desenvolvimento da ergonomia aponta para novas áreas de atuação:

• seja em termos de expansão vertical, do sistema homem-tarefa-máquina ao sistema homens-tarefas-máquinas ou homens-homens, - da estação de trabalho, à fábrica, à organização do trabalho e à organização como um todo;

• seja quanto as formas de atuação, quando se busca uma participação mais efetiva do usuário / operador / trabalhador / manutenidor / consumidor;

• seja no que se refere ao objeto de trabalho, o estudo das comunicações dos homens com computadores, em termos de diálogo entre o homem e a máquina, através de hipertextos e de softwares.

Os itens descritos a seguir discutem estas novas áreas de atuação e apresentam sucintamente o estado-da-arte e referências a pesquisadores e instituições de pesquisa das áreas em questão. A maior parte das instituições mencionadas podem ser localizadas pela internet. ODAM (Organizational Design and Management) - Projeto e Gerência Organizacional Uma vez que se identifiquem as necessidades organizacionais e se determinem parâmetros para o projeto organizacional num nível macroergonômico, pode-se empregar vários métodos para a intervenção ergonomizadora. Um enfoque que propicia a vantagem de considerar os problemas e associá-los às mudanças tecnológicas é a ergonomia participativa que implica a contribuição de muitos níveis da organização para identificar, analisar e resolver problemas ergonômicos (IMADA, 1988). O emprego das práticas participativas é muito mais do que auscultar as idéias antes de tomar decisões. Envolve desenvolver a capacidade das pessoas para participar na mudança do desempenho do seu trabalho, tanto quanto nos resultados do trabalho do grupo e da organização, assim como nas tentativas de melhorar a performance da organização. Existem aspectos humanísticos e técnicos, no papel do gerente participativo (BROWN, 1990). Estudos nesta área vêm sendo desenvolvidos nas Universidades de Southern California e Wiscosin-Madison, nos Estados Unidos; Universidades de Luleå, na Suécia; Universidade de Loughborough, na Inglaterra e Universidade de Hiroshima, no Japão. As principais referências nesta área de atuação são Hendrick, Ogden Brown e Imada e Michael J. Smith; Walter Ruth e Ken Eason e Mitsuo Nagamachi. Manufaturas híbridas, automação e robótica A disputa por mercados e a busca de competitividade para os produtos implicam um desafio para as organizações - mudanças de infraestrutura e implementação de inovações sócio-técnicas. O enfoque unificado da tecnologia de manufaturabilidade e produção inclui: análise de valor, automação, interação homem-robô e cultura organizacional. Trabalhos relevantes nesta área são desenvolvidos na Universidade de Nottingham, Inglaterra; Universidade Eindhoven, Holanda; Universidades de Louisville e de Nova Iorque em Bufalo, ambas nos Estados Unidos e a Divisão de Ergonomia Industrial, da Universidade de Linkoping, na Suécia. As principais referências na área inclui: Christina Halesgrave, Harmen Kraget, Waldemar Karwowski, Colin Drury e Martin Helander. Sistemas complexos

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A atuação dos ergonomistas na segurança de sistemas complexos - indústrias de processos, controle centralizado de plantas nucleares e de distribuição de energia, monitoração de sistemas de transporte aéreo, ferroviários, metroviário e rodoviário - se destacou após os acidentes como o de Three Miles Island e Bhopal. Enfatizam-se, então, os aspectos cognitivos da tarefa, o tratamento de informações dinâmicas, as comunicações entre os diversos níveis de controle (central, local e localíssimo) e as estratégias de resolução de problemas. As pesquisas da ergonomia de sistemas complexos foram lideradas pelos ergonomistas francófanos, como François Daniellou, do Laboratório de Ergonomia dos Sistemas Complexos, da Université Victor Segalen, em Boudeaux, na França. Além deste, alguns ergonomistas americanos trabalham nestas áreas como Prof. W. T. Shepherd, da Federal Aviation Administration, nos Estados Unidos. Na Europa, o Prof. J. Reason, da Universidade de Manchester, na Inglaterra. Tráfego e transporte As áreas tradicionais de aplicação da Ergonomia nos sistemas de tráfego podem ser agrupadas em categorias como o desempenho do motorista, os efeitos do álcool e dos fatores de estresse sob o desempenho, percepção do motorista e processamento da informação, motivação do motorista, exposição ao risco e postos de trabalho nos sistemas de transporte. A necessidade de compreender as interações humanas (p. ex., adaptação, resposta a carga de trabalho, divisão de tarefas) será cada vez mais importante em face da aplicação da telemática aos transportes, com ênfase nos sistemas de localização geográfica e orientação de rota. Tradicionalmente um tema de interesse para engenheiros e psicólogos, agora os designers também se fazem necessários para acompanhar este avanço tecnológico. São focos mundiais de pesquisa sobre o motorista e seu ambiente a Transportation Canada, Canadá, o Laboratório de Psicologia do Comportamento do INRETS, França, a Unidade de Pesquisa em Tráfego do Departamento de Psicologia da Universidade de Helsinki, Finlândia, o HUSAT e o Departamento de Ciências Humanas, da Universidade de Loughborough, Inglaterra e o Instituto Politécnico da Virginia, Estados Unidos. Ambiente construído A preocupação com a utilização e acessibilidade das edificações e dos ambientes públicos tem sido uma freqüente fonte de pesquisa para arquitetos e engenheiros. As situações de risco e segurança nos espaços arquitetônicos e nas cidades têm possibilitado aos ergonomistas uma reflexão sobre o que pode ser melhorado e uma busca de soluções. Esta área tem sido objeto de estudo na Universidade de Nápoles, Dipartimento di Configurazione e Attuazione dell’Arquitetura, na Itália. Avisos e advertências (Warnings) A partir do crescimento dos litígios relativos à confiabilidade de produtos e em associação com as queixas de lesões, provocadas por produtos de consumo, aos usuários, desenvolveu-se a área de pesquisa sobre avisos e advertências. Considerações sobre a desobediência e a negligência em relação aos avisos sobre exposição ao perigo e atendimento às instruções de segurança fundamentam-se no estudo do comportamento de consumidores e operadores.

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Os avisos e advertências são componentes de sistemas informacionais que apresentam opções e indicações. A pesquisa em avisos e advertências lida com o projeto e a avaliação de alarmes visuais e sonoros e de informações verbais em produtos (signos, formulários, mapas, legibilidade, símbolos gráficos) em manuais de instrução, rótulos e sistemas de sinalização. São centros de referências sobre o tema as seguintes instituições: Universidade de Brunel, Inglaterra; Universidade de Delft, na Holanda; Universidade de Rice, Estados Unidos; Universidade de Plymouth, Inglaterra e Universidade de New South Wales, Austrália. Usabilidade de Produtos (Design and Usability) A partir de SOARES (1995), tem-se a usabilidade do produto definida pela ISO como “o grau em que um usuário específico pode alcançar metas específicas em um ambiente particular - efetivamente, eficientemente, confortavelmente e de modo aceitável”. Quando ocorrem incidentes ou acidentes resultantes da utilização de produtos, a primeira reação é acusar o operador/consumidor de mau uso. Hoje, no entanto, enfatizam-se as deficiências na comunicação humano-máquina, a falta de informações no produto ou a ineficácia dos manuais de instrução. Produtos ergonomicamente bem projetados consideram uma ampla variedade de usuários - o usuário de todo dia, o curioso, pessoas idosas, crianças, mulheres, homens, saudáveis ou não – e oferecem segurança, eficiência, conforto e satisfação estética, em condições normais de uso, e em condições previsíveis de mau uso. Embora, em geral, nem todos os fatores relativos à satisfação do usuário sejam necessariamente ergonômicos, produtos ergonomicamente bem projetados objetivam garantir a satisfação e segurança do usuário/ consumidor. Segundo LEONARD e DIGBY (1992), a Ergonomia desempenha um papel importante na garantia de usabilidade e, conseqüentemente, melhor desempenho dos produtos de consumo. A Ergonomia tornou-se uma disciplina conhecida e respeitada e passou-se a considerar amplamente os atributos ergonômicos, tais como facilidade de uso, facilidade de aprendizagem, alta produtividade, conforto, segurança e adaptabilidade. Constatou-se também que estes elementos acrescentam qualidade aos produtos e, mais ainda, são percebidos pelos consumidores como necessários ao atendimento de suas necessidades. Instituições com reconhecida reputação nesta área de pesquisa são: a Philips Corporate Design, em Eindhover, na Holanda; o Departamento de Design e Tecnologia da Universidade de Loughboroguh, Inglaterra; a Faculdade de Engenharia e Desenho Industrial, da Universidade de Delft, na Holanda e; a Universidade de Camberra, na Austrália. Ergonomia e Interação Homem-Computador A interação homem-computador compreende a definição da utilidade, da usabilidade, da amigabilidade, da lógica do sistema, do encadeamento das informações, da navegação através de menus e telas, das metáforas, dos códigos e modos de apresentação das informações. Tais estudos ergonômicos aplicam-se ao projeto de ajudas inteligentes ao operador - sistemas assistidos por computador, "knowledge based systems" e "expert systems" – de hipertextos, multimídias e páginas da internet. As incompatibilidades da interação homem-computador, que propiciam erros durante a operação dos sistemas e implicam dificuldades para o usuário, devem-se ao desconhecimento, por parte do projetista do "software", da tarefa, do modo operatório e da estratégia de resolução de problemas do componente humano do sistema humano-máquina (BENYON e DAVIES, 1990).

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De acordo com SCAPIN (1993), a ergonomia da interação homem computador significa o aumento da compatibilidade entre as características comportamentais humanas e o processamento/representação da informação pelo computador. Os problemas que surgem na interação homem computador expressam-se no diálogo através da interface. O termo interface compreende todos os aspectos de sistemas computadorizados que influenciam a participação do usuário numa tarefa computadorizada (SCAPIN, apud MORAES, 1994). Segundo DAVIES, KELLER e PREECE (1990), a interface com o usuário de um sistema computadorizado é o meio através do qual o usuário se comunica com o computador. A forma da interface influencia fortemente como o usuário vê e entende a funcionalidade do sistema. A interface com o usuário compreende os aspectos do sistema com os quais o usuário entra em contato tanto física quanto perceptualmente e cognitivamente. Para MAYHEW (1992), a interface é um dos subsistemas componentes do sistema homem-computador, representada pela interseção entre o subsistema homem e o subsistema computador. Reconhece-se como centros de referências na pesquisa sobre o tema ergonomia e Interação Homem-Computador a Universidade de Maryland e a Sun Corporation, nos Estados Unidos; a Universidade de Londres; Universidade de Loughborough, na Inglaterra; o INRIA (Institut National de Recherche en Informatique et en Automatique), na França; e o Instituto de Ergonomia para a Pesquisa das Ciências Sociais e Ocupacionais, em Berlim, na Alemanha. Ergonomia e Trabalho com Terminais de Vídeo A informática constitui atualmente um dos principais objetos da Ergonomia. Trabalham-se (i) os aspectos físicos dos postos de trabalho (arranjo, conformação, dimensões, cadeiras e mesas); (ii) os aspectos ambientais (arquitetura, circulação, iluminação, ruído, temperatura); e dos terminais informatizados (telas, teclados, mouses, trackballs, touch screens, dispositivos de entrada e de saída do sistema); (iii) os aspectos organizacionais (circuito de comunicações, parcelamento das tarefas, formação e qualificação do pessoal) e (iv) os aspectos cognitivos do diálogo homem-computador. São centros de referência: o Washington State Department of Labor and Industries; e o NIOSH, ambos nos Estados Unidos e a Universidade de Estocolmo, na Suécia. Lesões por Esforços Repetitivos e Doenças Músculoesqueléticas O trabalho com teclados, com ferramentas mal projetadas, em linhas de montagem e em terminais, tem produzido lesões por esforços repetitivos. As lesões são designadas diferentemente em cada país, a saber: • no Brasil: DORT - Doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho; LER – lesões por esforços

repetitivos; LTC – lesões por traumas cumulativos • na Inglaterra e Austrália: RSI – Repetitive Strain Injuries • na Inglaterra: Repetitive strain injuries • no Japão OCD – Ocupation Cervicobrachial Disorder • nos Estados Unidos: RMI – Repetitive Motion Injuries e CTD – Cumulative Trauma Disorders • na França: LATR – Lesion Attribuable au Travail Rèpètitive.

Aumenta, conseqüentemente, o número de estudos que buscam nexos causais, diagnósticos seguros e soluções sobre a mencionada patologia. A ergonomia, a partir da análise das atividades da tarefa, das posturas assumidas, da movimentação de braços, mãos e pernas propõe novas estações de trabalho, ferramentas e formas de organizar o trabalho.

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Como referência nos estudos desta área, destacam-se o NIOSH e a Universidade de Wiscosin-Milwaukee, nos Estados Unidos. Idosos e envelhecimentoEm face do envelhecimento das populações, este é um tema que preocupa reabilitadores, terapeutas ocupacionais, médicos e psicólogos, Adaptações dos espaços arquiteturais, das habitações, dos meios de transporte, dos equipamentos públicos e domésticos, dos programas de computadores, são objetos de trabalho dos ergonomistas. Mais ainda, procura-se evitar o envelhecimento precoce associado às condições de trabalho. Esta é uma área em que os trabalhos do Prof. Antoine Laville, do Laboratoire d’Ergonomie Psychologique et Cognitive de l’École Pratique des Hautes Études, na França, apresentaram-se como precursores. Como principais centros de pesquisa desta área, destaca-se o do Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional, em Helsinki, Finlândia; o Departamento de Psicologia da Universidade de Geórgia, Estados Unidos; a Universidade de Saúde Ocupacional e Ambiental, no Japão e a Universidade de Amsterdam, na Holanda. Movimentação Manual de Materiais Este tema tem ocupado médicos, engenheiros e psicólogos em todo mundo em face dos enormes gastos com absenteísmo, afastamentos e reabilitação. Durante muito tempo enfatizou-se a maneira correta de movimentar cargas. Os psicólogos e engenheiros de segurança replicaram programas de treinamento. Atualmente, estudos longitudinais (referentes ao acompanhamento de uma mesma população através do tempo) mostram a ineficácia desta prática. Outro momento foi o da busca de limites de peso com destaque para os trabalhos do NIOSH e suas equações. A necessidade da ergonomia se afirma quando se ressalta a importância do estudo das atividades da tarefa para que se torne possível selecionar e treinar corretamente e para que se definam, a partir de critérios de freqüência, posição da carga e posturas assumidas, os limites a serem aplicados. A prioridade passa a ser, então, a mudança das condições de trabalho. Cabe mencionar os métodos OVAKO, INRS e os trabalhos desenvolvidos no NIOSH, no Laboratório de Biodinâmica, da Universidade do Estado de Ohio (The Ohio State University), no Centro de Ergonomia da Universidade de Michigan e na Universidade de Cincinnati, todos nos Estados Unidos; na Unidade de Pesquisa de Ergonomia da Postura e do Movimento, em Milão, na Itália. ReabilitaçãoA ergonomia normalmente teve como foco para a população dita “normal”, de 20 a 65 anos. Porém ao longo dos anos, necessidades de populações específicas passaram a ser objeto de estudo: portadores de deficiência física e/ou motora e os idosos, em sua maioria, com habilidades visuais, auditivas e motoras limitadas. A reabilitação visa restaurar estes impedimentos/deficiências em relação às condições normais ou o mais próximo de tal condição. Por outro lado, a ergonomia pode possibilitar a identificação das habilidades/ capacidades e sugerir modificações específicas visando otimizar a adaptação de espaços, processos e produtos. Desta forma, estas duas disciplinas, em conjunto, podem desenvolver estratégias para melhorar a qualidade de vida de populações especiais. Ergonomistas em todo o mundo dedicam atenção a este assunto. Um dos pesquisadores de referência sobre estudos ergonômicos na área de reabilitação é o Prof. Shrawan Kumar, da Universidade de Alberta, no Canadá.

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11. A ERGONOMIA NO BRASIL 11.1 A implantação da Ergonomia no Brasil A difusão da ergonomia no Brasil é estabelecida, à partir de MORAES e SOARES (1989), em seis principais vertentes (Quadro 1.4, na próxima página). São elas:

• a área de engenharia de produção, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)

• a engenharia de produção, situada no Programa de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ)

• o curso de desenho industrial, a partir da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

• o curso de psicologia, na USP de Ribeirão Preto • a área de psicologia, na Fundação Getúlio Vargas(FGV), no Rio de Janeiro; • e o Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris - França.

Quadro 1.4 – Vertentes de difusão da ergonomia no Brasil. A primeira vertente tem início com o professor Sérgio Penna Kehl, na Escola Politécnica da USP, com a abordagem do tópico "O Produto e o Homem", na disciplina Projeto de Produto, no curso de Engenharia de Produção. O modelo da Poli se aplicará ao currículo mínimo e às outras escolas de engenharia de produção. É o mesmo Sérgio Kehl que funda o GAPP (Grupo Associado de Pesquisa e Planejamento), empresa que passa a oferecer a ergonomia como um dos itens de consultoria e difunde este saber por várias instituições de economia mista brasileiras, como a Companhia Siderúrgica Nacional e o METRÔ de São Paulo.

CNAM/Paris 1974 Prof. Alain Wisner

Vertentes de difusão da

Ergonomia no Brasil

ISOP/FGV 1973 Escola Politécnica/ USP 1960 Prof. Franco Seminério Prof. Sergio Penna Kehl

COPPE/UFRJ 1970 USP/Ribeirão Preto Prof. Itiro iida Profs. Rozenstrat e

Stephaneck

ESDI/UERJ 1966 Prof. Karl Heinz Bergmiller

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A segunda vertente constitui-se a partir do trabalho do Prof. Itiro Iida, na COPPE/UFRJ. Aluno e depois professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o professor publica, em 1978, um dos primeiros livros de ergonomia no Brasil: "Ergonomia: notas de aula". Em seguida, Iida dirige-se ao Rio, onde passa a lecionar na pós-graduação de Engenharia de Produção/Área de Engenharia do Produto, da COPPE/UFRJ. Esta instituição constitui-se, então, como um centro de irradiação de conhecimentos da ergonomia, com uma área de concentração que produziu várias teses e dissertações sobre o tema. Cumpre mencionar o trabalho denominado "Aspectos Ergonômicos do Ônibus Urbano", coordenado pelo Prof. Itiro Iida, na COPPE/UFRJ, e publicado, em 1976, pelo Ministério da Indústria e Comércio e Secretaria de Tecnologia Industrial. Tal trabalho contribuiu para uma mudança significativa no design dos veículos de transporte urbanos. A terceira vertente localiza-se na ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Nesta escola, o professor Karl Heinz Bergmiller inicia o ensino de ergonomia para o desenvolvimento de projetos de produtos, segundo o modelo de Tomás Maldonado, da Escola de Ulm, na Alemanha. O professor Itiro Iida busca as lições de Bergmiller, na ESDI, para a elaborar a tese de doutorado denominada “A ergonomia do manejo”, defendida em 1971na Escola Politécnica da USP. Esta constitui-se como a primeira tese de doutoramento defendida no Brasil. O professor Itiro passa também a ensinar ergonomia na ESDI. A partir desta experiência, a ergonomia se insere como disciplina nos cursos de desenho industrial. Quando da discussão de um novo currículo mínimo, aprovado em 1979, durante o 1º ENDI - Encontro Nacional de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, a ergonomia torna-se disciplina obrigatória nas duas habilitações vigentes nas escolas de design na época: projeto de produto e comunicação visual. Este novo currículo é aprovado pelo Conselho Federal de Educação, em janeiro de 1987. O papel da ergonomia no desenvolvimento de projetos de desenho industrial e sua posição no currículo das duas habilitações explica o grande número de sócios designers da ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia). Curiosamente, tal fato, só ocorre no Brasil. Também é importante mencionar que esta peculiaridade marcou a ênfase da ergonomia brasileira quanto ao projeto ergonômico. Só recentemente americanos, ingleses e franceses passaram a se ocupar da relação denominada "ergonomics and design". A quarta vertente começa na Europa, de onde vêm os professores Rozestraten e Stephaneck, que se instalam na USP de Ribeirão Preto. Aí implantam uma linha de pesquisa relacionada a psicologia ergonômica, com ênfase na percepção visual e com aplicação no estudo do trânsito - treinamento de motoristas e estudos de acidentes viários. A quinta vertente compreende as ações do professor Franco Lo Presti Seminério no ISOP (Instituto Superior de Estudos e Pesquisas Psicossociais), da Fundação Getúlio Vargas. Esta instituição promove, em 1974, o 1O. Seminário Brasileiro de Ergonomia, marco fundamental na história da ergonomia brasileira, e implanta, em 1975, o primeiro Curso de Especialização em Ergonomia, no Brasil. Por este curso passaram vários ergonomistas que hoje lecionam em diferentes cursos e trabalham na estruturação de grupos de ergonomia nas empresas. Em março de 1990, face às iniciativas do Plano Collor, desativou-se parte da FGV, extinguiu-se o ISOP e, conseqüentemente, o curso de ergonomia - que, desde 1975 até 1989, só não havia sido realizado por dois anos. A sexta vertente se dá a partir da iniciativa do professor Franco Lo Presti Seminério, que implementa a vinda ao Brasil do professor Alain Wisner do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM). O professor Wisner tornou-se um grande incentivador da ergonomia brasileira e orientou um dos primeiros trabalhos de ergonomia da Fundação Getúlio Vargas, sobre a plantação de cana de açúcar na área rural da cidade de Campos, no Rio de Janeiro. Incentivados pelo Prof. Wisner, vários brasileiros dirigiram-se para o CNAM em buscam de uma formação em ergonomia, a nível de pós-graduação. Em seu retorno, os egressos desta instituição francesa distribuem-se por vários estados e cidades brasileiras, tais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Belo Horizonte e Brasília, e são responsáveis pelo desenvolvimento de diversas pesquisas e programas de pós-graduação em universidades brasileiras .

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11.2 A Associação Brasileira de Ergonomia A ABERGO, fundada em 31 de agosto de 1983, conta atualmente com cerca de 600 sócios oriundos de todas as regiões do país e com formação em diversas áreas de conhecimento, tais como, administração de empresas, arquitetura, assistência social, biologia, desenho industrial, enfermagem, engenheiras diversas, fisioterapia, medicina, psicologia, terapia ocupacional, etc. A ABERGO foi criada com o objetivos de estimular a formação, pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico no campo da Ergonomia através da promoção e apoio a reuniões, cursos, eventos e outras atividades que contribuam para o desenvolvimento, formação, difusão e o intercâmbio de conhecimentos em Ergonomia no Brasil. A ABERGO é constituída hoje por duas instâncias que auxiliam no seu funcionamento: [i] Os Grupos Técnicos da ABERGO Têm como objetivo considerar asquestões relacionadas aos interesses do Grupo Técnico e analisar as implicações destas questões sob a perspectiva da ergonomia e estimular a pesquisa, aplicação e ensino da ergonomia no campo de interesse do Grupo Técnico.

• GT 1 Educação em Ergonomia • GT 2 Normalização e Certificação de Produtos • GT 3 Prevenção de Lesões Músculo-Esqueléticas/Reabilitação • GT 4 Certificação de Ergonomistas • GT 5 Acessibilidade Integral • GT 6 Ergodesign

[ii] O Conselho Científico da ABERGO Atualmente composto por 20 membros, o Conselho Científico é o órgão de assessoria à Diretoria para a formulação e o estabelecimento de políticas de Formação, Acreditação e Certificação da ABERGO. Hoje, o Brasil ocupa uma posição hegemônica na ergonomia latino-americana e uma situação de destaque quando se consideram os países de língua portuguesa e espanhola. O Brasil, até 1994, foi o único país de língua portuguesa membro da IEA - International Ergonomics Association. Nesta análise da ergonomia no Brasil, cumpre salientar os eventos de maior significação da ergonomia brasileira. Trata-se dos congressos e seminários promovidos pela ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia). Tais eventos, apresentados no Quadro 1.5, a seguir, representam um canal para a difusão e divulgação da produção técnico-científica da ergonomia no nosso país. Atualmente os Congressos da Abergo - anteriormente denominados Seminários - constituem-se em eventos consolidados de bastante representatividade no meio científico nacional e com expressiva participação de pesquisadores do Brasil e do exterior.

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1º. Seminário Brasileiro de Ergonomia – 1974, Rio de Janeiro 2º. Seminário Brasileiro de Ergonomia –1984, Rio de Janeiro 3º. Seminário Brasileiro de Ergonomia – 1987, São Paulo 4º. Seminário Brasileiro de Ergonomia – 1989, Rio de Janeiro 5º. Seminário Brasileiro de Ergonomia – 1991, São Paulo 6º. Seminário Brasileiro de Ergonomia –1993, Florianópolis/SC 7º. Congresso Brasileiro de Ergonomia –1995, Rio de Janeiro 8º. Congresso Brasileiro de Ergonomia – 1997, Florianópolis 9º. Congresso Brasileiro de Ergonomia -1999, Salvador, BA 10º. Congresso Brasileiro de Ergonomia -2000, Rio de Janeiro 11º. Congresso Brasileiro de Ergonomia – 2001, Gramado - RS 12º. Congresso Brasileiro de Ergonomia – 2002, Recife/PE 13º. Congresso Brasileiro de Ergonomia – 2004, Fortaleza/CE

Quadro 1.5 – Relação dos congressos da ABERGO desde a sua fundação. No momento, podem-se citar vários núcleos de pesquisa consolidados que trabalham com ergonomia em diversas universidades e instituições brasileiras, entre os quais:

• Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba • Departamento de Design da Universidade Federal de Pernambuco • Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de

Pernambuco. • Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília • Departamento e Psicologia Social do Trabalho da Universidade de Brasília • Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais • Departamento de Desenho Industrial da Universidade do Estado de Minas Gerais • Programa de Mestrado em Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro • Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) • Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ/RJ) • Instituto Nacional de Tecnologia (INT/RJ)/Unidade de Desenho Industrial • FUNDACENTRO/SP • Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP • Departamento de Psicologia da USP • Departamento de Engenharia de Produção da USP • Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP • Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos • Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de São Carlos • Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas da Universidade Federal de Santa

Catarina • Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul. Das instituições relacionadas acima, cumpre esclarecer que algumas possuem cursos de pós-graduação ao nível de doutorado, mestrado e/ou especialização em áreas que têm a ergonomia como linha de pesquisa. No entanto, também é importante chamar a atenção que até o presente não existe,

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no Brasil, cursos de pós-graduação strictu sensu (doutorado ou mestrado), que sejam especificamente em ergonomia e que, conseqüentemente, concedam um diploma de doutor ou mestre em ergonomia. 11.3 O SisCEB – Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro O Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro [SisCEB] é um conjunto de normas e procedimentos que tem como objetivo certificar pessoas, equipes e empresas prestadoras de serviços de ergonomia com a garantia de assegurar a competência técnica para o fornecimento de tais serviços aos seus clientes. A submissão ao SisCEB é um ato voluntário para aqueles que queiram ter a sua competência profissional reconhecida pela Associação Brasileira de Ergonomia. O SisCEB foi elaborado a partir de um estudo comparativo entre os sistemas norte-americanos, europeus, asiáticos e africanos de certificação de Ergonomistas, e conta com o apoio da Associação Internacional de Ergonomia e do Ministério do Trabalho e Emprego. O SisCEB traduz o engajamento da ABERGO no Sistema Internacional de Certificação de Ergonomistas e é o primeiro a ser implantado na América Latina. Para obter a Certificação em Ergonomia a pessoa, equipe ou empresa deverá se submeter às normas estabelecidas pelo SisCEB. O SisCEB também regula, através de normativa própria, os cursos formadores de ergonomistas ao nível de pós-graduação lato sensu [especialização]. A ABERGO irá certificar os primeiros ergonomistas brasileiros na cerimônia de encerramento do XIII Congresso Brasileiro de Ergonomia, que ocorrerá no dia 02 de setembro de 2004. As candidaturas de equipes e empresas só serão avaliadas a partir de 2005. O SisCEB foi originalmente aprovado na Assembléia Geral Ordinária da ABERGO, realizada durante o ABERGO 2002 - XII Congresso Brasileiro de Ergonomia, ocorrido na cidade de Recife, Pernambuco, no dia 4 setembro de 2002. Em seguida, foi homologado e complementado no 1º. Fórum de Certificação do Ergonomista Brasileiro, ocorrido na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, em 24 de outubro de 2003. De acordo com a Norma ERG BR 0000, que cria o Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro, através do processo de certificação o candidato obterá o título de Ergonomista Certificado. No verso do diploma de certificação emitido pela ABERGO deverá constar o nível alcançado pelo candidato no processo de certificação [ERG BR 3001] que poderá ser o de Ergonomista Sênior ou Ergonomista com Certificados de Níveis I, II ou III. Para submeter a sua candidatura ao título de Ergonomista Certificado no Sistema de Certificação do Ergonomista Brasileiro da ABERGO, o candidato deverá consultar a homepage da associação: www.abergo.org.br.

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12. BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA EM ERGONOMIA 12.1 Livros a) Manuais Gerais Bridger, R.S. Introduction to ergonomics. New York, McGraw-Hill, 1995. Um manual geral que enfatiza os aspectos de antomia e fisiologia do trabalho. O texto é direcionado a

estudantes de graduação e pós-graduação cobrindo os aspectos físico e cognitivos do trabalho. Couto, H. A [1991]. Guia prático: tenossinovites e outras lesões por traumas cumulativos nos

membros superiores de origem ocupacional. Belo Horizonte, Ergo Editora. Guia prático que objetiva, dentre outros, apresentar noções fundamentais sobre a forma pela qual o trabalho

acarreta lesões nos membros superiores do trabalhador. Couto, H. A [1996]. Ergonomia aplicada ao trabalho: o manual técnico da máquina humana [vols. 1 e 2].

Belo Horizonte, Ergo Editora. Manual em dois volumes que aborda diversos aspectos relacionados ao trabalho e as demandas fisiológicas

relacionadas. Coury, Helenice Gil, 1995 (2ª. Ed.). Trabalhando sentado: manual para posturas confortáveis. São Carlos,

S.P., Editora da UFSCar. Objetiva a descrição dos principais problemas da postura sentada e sugere algumas alternativas simples para a mudança de ambiente, mobília e hábitos posturais.

Donkin, Scott W. (1996). Sente-se bem, sinta-se melhor: guia prático contra as tensões do trabalho sedentário. São Paulo, Editora Harbra. Este livro analisa qual a melhor disposição dos equipamentos de trabalho, como usá-los, além de apresentar sugestões para exercícios e intervalos a fim de amenizar as tensões sofridas nos ambientes de trabalho.

Dul, J. e Weerdmeester, B. (1995). Ergonomia prática. São Paulo, Editora Edgard Blücher. Objetiva não apenas a leitura, mas também para ser consultado na solução de problemas práticos.. É uma tradução do clássico holandês “Vademecum Ergonomie”.

Fialho, Francisco e Santos, Neri dos. 1997. Manual de análise ergonômica no trabalho. Curitiba, Gênesis Editora. Segundo os autores, a proposta deste livro é pragmática: fornecer, de forma interdisciplinas, uma ferramenta; um mapa, um roteiro que auxilie prossionais na análise dos postos de trabalho.

Iida, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo, Editora Edgard Blücher, 1990. É a mais completa referência sobre Ergonomia em língua portuguesa. Aborda aspectos relacionados ao

projeto de produto, máquinas, equipamentos e ambientes de trabalho. Montmollin, M. L’ergonomie. Paris, La Découverte, 1996. Enfatiza os aspectos cognitivos do trabalho com uma metodologia particular que privilegia as atividades do

operador, o entendimento da tarefa, os mecanismos de seleção da informação, de resolução do problema e tomada de decisão.

Montmollin, M. L’intelligence de la tâche: éléments d’ergonomie cognitive. Berna, Peter Lang, 1986. Texto clássico da ergonomia francofônica, tem as mesmas características do livro anterior. Moraes, Anamaria de e Mont’Alvão, Cláudia. Ergonomia: conceitos e aplicações. 2a. ed. Série Design. Rio de

Janeiro, Editora 2AB, 2000. A mais recente publicação sobre ergonomia em língua portuguesa, apresenta as fases da intervenção

ergonômica à partir de uma abordagem sistêmica. A aplicação do método descrito é apresentado em uma situação real de trabalho.

Moraes, Anamaria de e Soares, Marcelo M. Ergonomia no Brasil e no mundo: um quadro, uma fotografia. Rio de Janeiro, Univerta/ABERGO/ESDI-UERJ, 1989.

Trata-se de um registro da história da ergonomia no Brasil, com entrevistas com os pioneiros da ergonomia brasileira, explicitação das diversas correntes da ergonomia, trabalhos publicados pelos ergonomistas brasileiros e institutos e universidades de pesquisa no mundo.

Vidal, Mario César Rodríguez, 2003. 3ª. Edição. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de Janeiro, Editora Virtual Científica.

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Este livro apresenta a disciplina ergonomia e trata de sua prática. Neste sentido, a atenção se foca na utilidade da ergonomia, trazendo exemplos e esquemas que orientem os estudiosos emprenhados em encontrar soluções aos problemas da atividade das pessoas nos sistemas de produção e no uso e manuseio dos produtos.

Sanders, M.S. e McCormick, E.J. Human factors in engineering and design. 7a. ed. New York, McGraw-Hill, 1993.

A sétima edição deste manual de referência internacional contempla todos os aspectos essenciais para a avaliação e o projeto de produtos, postos e ambientes de trabalho. É indicado para aqueles que desejam maior aprofundamento na área.

Salvendy, G. (ed.). Handbook of human factors. New York, Wiley, 1987. Trata-se de um manual de mais de 1.000 páginas que reúne, em um só volume, artigos de diversos autores

cobrindo todas as áreas de atuação da ergonomia. Santos, Neri dos et al., 1997. Antropotecnologia: a ergonomia dos sistemas de produção. Curitiba,

Gênesis Editora. Este livro aborda as dificuldades encontradas na adaptação de uma determinada tecnologia transferida à uma nova realidade, levando-se em consideração as diversas dimensões do empreendimento, para garantir os resultados esperados , em termos de produtividade de saúde dos trabalhadores.

Wilson, J.R. e Corlett, E.N (eds). Evaluation of human work: a practical ergonomics methodology. 2a. ed.

London, Taylor and Francis, 1995. Este livro enfatisa os métodos ergonômicos com explicação detalhada de todos os princípios que

compreendem os referidos métodos. Leitura essencial para aqueles que pretendem aprofundarem-se na área.

Wisner, A. Por dentro do trabalho: ergonomia, método e técnica. São Paulo, Oboré, 1987. Discute as condições de trabalho sob o ponto de vista da ergonomia francofônica. b) Biomecânica, antropometria, postura e design Chaffin, D. e Andersson, G.B.J. Occupational biomechanics. New York, Wiley, 1984. Referência básica sobre biomecânica ocupacional recomendada particularmente para engenheiros

mecânicos e industriais. Clark, T.S. e Corlett, E.N. The ergonomics of workspace and machines: a design manual. London, Taylor

and Francis, 1984. Um manual compacto com farta informação recomendada para designers e engenheiros. Panero, J.Z. Human dimension and interior space. New York, Whitney Library of Design, 1979. Recomendado para designers, arquitetos e engenheiros industriais. O livro é bastante ilustrado o que ajuda

no entendimento e aplicação dos dados antropométricos no design de produtos e ambientes de trabalho. Existe uma versão em espanhol denomina “Las dimensiones humanas en los espacios interiores”.

Pheasant, S. Bodyspace: anthropomety, ergonomics and design. 2a. ed. London, Taylor & Francis, 1996. Referência básica sobre antropometria incluindo tabelas com medidas de diversas populações de usuários. Roebuck Jr., J.A. Anthropometric methods: designing to fit the human body. Santa Monica, USA, Human

Factors and Ergonomics Society, 1995. Este livro é parte de uma série sobre ergonomia publicado pela sociedade de ergonomia dos Estados

Unidos. c) Ergonomia e Saúde Ocupacional Grandjean, E. Ergonomics and health in modern office. London, Taylor and Francis, 1984. Uma compilação de diversos artigos incluindo relacionadas a toxicologia que normalmente não é coberta

pela literatura de ergonomia. Oborne, D.J. Ergonomics at work. 3a. ed. London, John Wiley & Sons, 1995. Terceira edição de um manual clássico na área da ergonomia de produção. Pheasant, S.T. Ergonomics, work and health. Gaithersburg, MD, Aspen, 1991. É um livro de fácil leitura recomendado para os não especialistas na área que tenham interesse em saúde

ocupacional.

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e) Outras áreas da ergonomia Anshel, J. Visual ergonomics in the workplace. London, Taylor and Francis, 1998. Este livro apresenta, entre outros, uma discussão sobre como o sistema visual trabalha, a interação do

monitor com a visão, segurança e conforto visual na indústria. Bergman, E. [ed.]. Information appliances and beyond: interaction design for consumer products. San Francisco,

USA, Morgan Kaufmann Publishers, 2000. Apresenta uma série de estudos-de-caso aonde a interface usuário produto é examinada em detalhes. Chapanis, A. Human factors in systems engineering. New York, John Wiley & Sons, 1996. Cushman, W.H. e Rosenberg, D.J. Human factors in product design. Amsterdam, Elsevier, 1991. Literatura essencial para os estudantes e profissionais de desenho industrial. Apresenta a aplicação dos

métodos de intervenção ergonômica no design de produtos. Jordan, P.W. An introduction to usability. London, Taylor & Francis, 1998. Indicado para estudantes e profissionais de desenho industrial apresenta diversos casos de aplicação dos

princípios de usabilidade ao design de produtos. Mont’Alvão, C. Design de adverência para embalagens. Rio de Janeiro, Editora 2AB, 2000. Guia sucinto com os princípios e normas básicas sobre as advertências para embalagens relacionadas aos

riscos no uso de produtos de consumo. Moraes, Anamaria de e Frisoni, Bianka Cappuci, 2001. Ergodesign: produtos e processos. Rio de Janeiro,

Editora 2AB. Este livro é uma coletânea de trabalhos que demonstram passo a passo a intervenção ergonomizadora em situações como o conforto de pacientes hospitalares, condições de trabalho do piloto do metrô, o uso de cinto de segurança, as carteiras universitárias e o posto de trabalho do cadista.

Moraes, A. e Mariño, S. Ergodesign para trabalho com terminais informatizados. Editora 2AB, 2000. Compilação e análise de dados sobre o projeto de estações de trabalho com terminais de

vídeo informatizados. O manual apresenta uma seleção de equipamentos disponíveis no mercado.

Stanton, N. (ed.) Human factors in consumer product. London, Taylor & Francis, 1998. Seleção de vários estudos de caso de aplicação da ergonomia em projeto de produto. Reason, J. Human error. New York, Cambridge University Press, 1990. Publicação específica sobre o estudo do erro humano em diversas situações aonde é essencial a

decodificação correta da informação para a tomada de decisão. Viel, Eric e Esnault, Michele 2000. Lombalgias e cervicalgias da posição sentada: conselhos e exercícios.

São Paulo, Editora Manole Ltda. Este livro propõe uma nova abordagem das dores nas costas, tratando não apenas das lombalgias de esforço mas também das dores relacionadas à posição sentada prolongada, aprimorando as condições de vida e sobretudo os hábitos de trabalho.

12.2 Jornais científicos na área de Ergonomia Ergonomics • Publicado pela Taylor & Francis, é o jornal da Sociedade de Ergonomia do Reino Unido. O jornal contem

artigos de todas as áreas da ergonomia, mas com a maioria direcionada mais aos aspectos físicos que psicológicos. Foi o primeiro jornal exclusivo sobre ergonomia no mundo e é publicado regularmente desde a década de 60.

Human Factors • É o jornal da Human Factors and Ergonomics Society dos Estados Unidos. Artigos sobre todos os aspectos da

ergonomia, com maior ênfase nos aspectos psicológicos. International Journal of Industrial Ergonomics • Publicado pela Elsevier em colaboração com a Associação Internacional de Ergonomia, enfatiza artigos na área

da prática industrial.

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Applied Ergonomics • Publicado pela Butterworths, cobre uma grande variedade de áreas da ergonomia e é voltado mais aos

aspectos práticos que os acadêmicos. Behavior and Information Technology • Publicado pela Taylor & Francis, é direcionado aqueles mais interessados no design de interfaces e sistemas

interativos que os aspectos físicos do trabalho. Obs.: Todas as editoras aqui mencionadas possuem páginas na internet. Para a eventual compra de livros via

internet sugere-se a livraria Amazon (www.amazon.com). 12.3 Jornais científicos em área afim a Ergonomia [português] Estudos em Design • Publicado pela AEND - Associação de Ensino de Design do Brasil

Caixa Postal 38-36 – 22.452-970 Rio de Janeiro, R.J. Produto e Produção • Publicado pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul