Apostila de Introdução à Filosofia

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5/17/2018 ApostiladeIntroduoFilosofia-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/apostila-de-introducao-a-filosofia 1/51 Autor: Antônio Rogério da Silva Unidade 1: Mito e logos Mito e logos entre os helenos  Talvez, as primeiras críticas feitas ao modo mítico de expor as idéias tenham partido do pensador pré- socrático chamado Xenófanes, da cidade de Cólofon (na atual Turquia, no século !" a# C# $o fra%mento &&, re%istrado por 'exto mpírico, Xenófanes, que escrevia em versos, critica )omero e )esíodo, persona%ens do século !"" a# C#, por atri*uírem +aos deuses tudo quanto entre os homens é ver%onhoso e censurável rou*os, adultérios e mentiras recíprocas+# ssas restri.es remontam / época da tomada de Cólofon pelos 0edos, cerca de 123 a# C# 4s %uerras 0édicas e a conseq5ente %uerra do 6eloponeso s7o uns dos antecedentes históricos que contri*uíram para minarem a fé que os helenos tinham em seus deuses protetores, do campo e da cidade# 4 corrup7o dos costumes que ocorria, ent7o, levava / contesta7o, por parte dos primeiros pensadores ocidentais, daqueles que supostamente deveriam defender a comunidade# 4 decad8ncia reli%iosa coincide com a ascens7o do raciocínio de tipo 9losó9co, enquanto a*ria espao para o a:oramento de um sentimento místico em que cada um *usca as respostas que os anti%os deuses coletivos ;á n7o podem mais fornecer# 4o lado disso, o sarcasmo e o ceticismo transformam o <limpo num condomínio povoado por deuses risíveis e cruéis da mitolo%ia hel8nica, totalmente contrários / moral e / concep7o reli%iosa# $esse contexto, comea a se manifestar a oposi7o entre mythos e logos, inau%urada por Xenófanes e se%uida por 6lat7o em seus diversos Diálogos. =ma terceira posi7o é tomada pelos so9stas que passam a i%norar o comportamento divino, propondo uma interpreta7o do mundo calcada numa descri7o tipicamente humana# 6or um lado, 6lat7o recusa o relativismo e a%nosticismo so9stas, propostos por 6rotá%oras e >ór%ia# 6or outro, acompanhando a crítica de Xenófanes, faz fortes o*;e.es morais aos mitos narrados por )omero e )esíodo# 6ara 6lat7o, o logos deveria representar o discurso racional, inquiridor e verdadeiro, que a forma da narrativa 9ccional ;á n7o suportava mais# $7o o*stante, os diálo%os plat?nicos est7o repletos de mitos que ora servem para ilustrar suas a9rma.es, ora s7o pontos-de-partida para o desenvolvimento de um discurso verdadeiro, ou ainda complementam as limita.es do logos - como se quisesse demonstrar que uma forma narrativa mais ampla, com a fora encantadora que o mito tem, poderia ser utilizada na pesquisa da verdade# xemplos disso s7o as famosas passa%ens da ale%oria da caverna, encontrada no livro !"" da República, o destino das almas, no Fédon, e a parelha alada do Fedro. Religião, mito e logos 1

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Autor: Antnio Rogrio da Silva

Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 1: Mito e logos Mito e logos entre os helenos

Talvez, as primeiras crticas feitas ao modo mtico de expor as idias tenham partido do pensador pr-socrtico chamado Xenfanes, da cidade de Clofon (na atual Turquia), no sculo VI a. C. No fragmento 11, registrado por Sexto Emprico, Xenfanes, que escrevia em versos, critica Homero e Hesodo, personagens do sculo VII a. C., por atriburem "aos deuses tudo quanto entre os homens vergonhoso e censurvel: roubos, adultrios e mentiras recprocas". Essas restries remontam poca da tomada de Clofon pelos Medos, cerca de 540 a. C.As guerras Mdicas e a conseqente guerra do Peloponeso so uns dos antecedentes histricos que contriburam para minarem a f que os helenos tinham em seus deuses protetores, do campo e da cidade. A corrupo dos costumes que ocorria, ento, levava contestao, por parte dos primeiros pensadores ocidentais, daqueles que supostamente deveriam defender a comunidade. A decadncia religiosa coincide com a ascenso do raciocnio de tipo filosfico, enquanto abria espao para o afloramento de um sentimento mstico em que cada um busca as respostas que os antigos deuses coletivos j no podem mais fornecer. Ao lado disso, o sarcasmo e o ceticismo transformam o Olimpo num condomnio povoado por deuses risveis e cruis da mitologia helnica, totalmente contrrios moral e concepo religiosa.Nesse contexto, comea a se manifestar a oposio entre mythos e logos, inaugurada por Xenfanes e seguida por Plato em seus diversos Dilogos. Uma terceira posio tomada pelos sofistas que passam a ignorar o comportamento divino, propondo uma interpretao do mundo calcada numa descrio tipicamente humana. Por um lado, Plato recusa o relativismo e agnosticismo sofistas, propostos por Protgoras e Grgia. Por outro, acompanhando a crtica de Xenfanes, faz fortes objees morais aos mitos narrados por Homero e Hesodo. Para Plato, o logos deveria representar o discurso racional, inquiridor e verdadeiro, que a forma da narrativa ficcional j no suportava mais.No obstante, os dilogos platnicos esto repletos de mitos que ora servem para ilustrar suas afirmaes, ora so pontos-de-partida para o desenvolvimento de um discurso verdadeiro, ou ainda complementam as limitaes do logos - como se quisesse demonstrar que uma forma narrativa mais ampla, com a fora encantadora que o mito tem, poderia ser utilizada na pesquisa da verdade. Exemplos disso so as famosas passagens da alegoria da caverna, encontrada no livro VII da Repblica, o destino das almas, no Fdon, e a parelha alada do Fedro.Religio, mito e logosPara melhor entender a oposio entre mito e logos, preciso considerar a funo dessas duas formas de narrar e a distino do mito para com a religio. O mito, na tradio arcaica grega se distingue da narrativa religiosa nos seguintes aspectos: enquanto a religio propunha aos helenos um ordenamento do cosmos e a hierarquizao da cidade, inspirando perfeio e autoridade, alm de servios religiosos - como festivais, oferendas e oraes - que ficavam a cargo de alguns membros de famlias nobres, mas sempre dentro de uma tradio oral; a mitologia no se reduzia descrio da vida dos deuses, integrando ao seu inventrio de histrias os feitos extraordinrios de seus heris e fundadores de cidades, servindo, por vezes, como registro histrico dos fatos mais importantes na vida dos helenos. Isso fica evidente na Ilada de Homero. Durante sculos, pensava-se que essa obra retratasse apenas fantasiosa exaltao do imaginrio coletivo de um povo, sobre uma guerra ocorrida numa cidade fictcia, at que escavaes arqueolgicas revelassem os escombros de uma antiga cidade na sia menor, a qual se supe ter sido a lion descrita naquela rapsdia.Outra caracterstica diferencial do mito, em relao religio, a sua dinmica, mais sensvel s mudanas sociais, fato que explica a sua fcil assimilao da escrita e da alterao dos sentimentos coletivos. Alm disso, o mito tambm desempenha a funo de fundamento de recomendaes morais, como no caso do poema Trabalho e os Dias, de Hesodo, onde a decadncia humana metaforizada pelo mito das cinco raas - raas de ouro, prata, bronze, de heris e do ferro - e a influncia das mulheres nos negcios dos homens, condenado no exemplo de Pandora. Tanto pessimismo na obra de Hesodo no desprovido de uma forte motivao materialista, a saber, a partilha da herana paterna com seu irmo Perses, na qual os interesses do autor foram lesados graas deciso de juzes corruptos em favor de seu irmo. Outra caracterstica fundamental o fato de nem Homero, nem Hesodo, serem propriamente sacerdotes, ou encarregados dos servios religiosos. Homero, que por si s constitui uma figura lendria, costuma ser representado como um rapsodo cego, isto , um contador de histrias em verso que passava de cidade em cidade narrando suas histrias. Hesodo, por seu turno, era agricultor ou pastor de ovelhas que habitava a regio estril e inspita ao p do monte Hlicon, onde ficava a cidade de Ascra. Ele tinha de trabalhar de sol a sol para se manter.Por serem pessoas que, supostamente, encontravam amide dificuldades de sobrevivncia, o relato mtico que faziam misturava as paixes humanas, no que elas tinham de bom e de ruim, ao sobrenatural,. Da, o fato de Xenfanes atacar justamente essa impureza dos deuses nos mitos de Homero e Hesodo. Isso permite que especulemos at que ponto as objees a essa forma de narrativa atingiam menos o modo de expresso do que seu contedo.Nesse sentido, a clssica oposio entre mito e logos, entendida como uma oposio entre discursos falsos e verdadeiros, tambm no est livre de distoro, uma vez que, nem mesmo Plato, um dos maiores opositores da poesia de Homero, no tocante ao comportamento dos deuses, dispensava o uso de fico em seus dilogos. Alis, sua obra est cheia de mitos por ele mesmo criados. O tratamento dado ao mito nessas ocasies demonstrava a preocupao de acompanhar essas narrativas, a partir de uma interpretao que pudesse trazer tona a verdade que eles procuravam transmitir.Logos, preciso que se diga, entre seus diversos significados, tambm pode ser traduzido como discurso ou relato - alm de razo, definio e proporo. Como o mito, o logos tinha tambm sua estrutura narrativa, embora com um senso de proporo e exatido que no eram encontrados no discurso mtico. Eis porque, quando a forma do mito entra em desgaste, o logos se torna o candidato mais apto a ocupar seu lugar, na tarefa de descrever o mundo e dar sentido s relaes humanas, sob a perspectiva dos pensadores e filsofos gregos.. Por sua vez, a religio, apesar de ameaada pela desconfiana causada por sucessivos reveses sociais, preocupava-se em manter a tradio, radicalizando no combate s heresias. Devemos notar, ainda, que, mesmo sendo um oponente direto da narrativa mtica, possvel encontrar quem apontasse as limitaes do logos para assuntos religiosos, pois esses no podem ser definidos como "verdadeiros" ou "falsos", por conta de sua obscuridade. Por exemplo, vale a pena citar o sofista Protgoras, da cidade de Abdera, que em seu fragmento de Sobre os Deuses afirmava:sobre os deuses, sou incapaz de experimentar sua existncia ou no, nem qual seja a sua essncia ou forma externa: muitos empecilhos o impede, a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana (EUSBIO, Preparao Evanglica, XIV 3, 7).Protgoras pagou caro por sua ousadia. Seu agnosticismo foi considerado um crime de impiedade e, por conta disso, condenado ao degredo. Em sua fuga, o sofista acabou por morrer afogado, aps o naufrgio do barco que o transportava para fora de Atenas. Isso um sinal de que, embora a narrativa mtica estivesse em declnio, o discurso religioso ainda encontrava flego para impor suas recomendaes. O mito caa em desgraa, como falsificao, mas a religio permanecia como uma terceira via discursiva fora da oposio mito-logos. De modo algum o logos, entendido como histria "verdadeira", se opunha ao discurso religioso, mas sim s histrias "falsas" que os mitos relatavam. O discurso religioso, destacado do discurso mtico, no podia ser encarado como "falso". Nem mesmo "verdadeiro", segundo os mais cticos, como Protgoras.Portanto, se pode-se falar de uma oposio entre mito e logos, enquanto uma tenso entre histrias "falsas"e "verdadeiras", o mesmo j no pode ser afirmado da relao religio-logos. A religio no pode ser facilmente caracterizada como um discurso mtico ou uma histria "falsa", muito menos como um logos ou discurso "verdadeiro". As crticas de cunho moral, lanadas por Xenfanes, tinham alvos precisos, com nome e tudo. Esses alvos eram Homero e Hesodo. Nos fragmentos 173 a 175, ele afirma a existncia de um s deus, sem forma e pensamento humanos, imvel e onipotente, mostrando que as desconfianas lanadas sobre o mito no visavam extinguir o pensamento religioso, ou a forma mtica em si, mas to somente a falta de propriedade desse tipo de narrativa em abordar questes religiosas, morais ou, por extenso, tudo aquilo que fosse passvel de ser contradito por um discurso "verdadeiro".O lugar do mito e do logosEm suma, medida que fatores externos propiciavam o descrdito da maneira mtica de contar uma histria e, ao mesmo tempo, fomentavam a investigao de uma maneira mais precisa de tratar dos assuntos humanos, o campo de ao do mito foi sendo limitado por novos modos de pensar. O logos e a filosofia, por tabela, assumem a tarefa da busca pela verdade, no instante em que o mito j no mais satisfaz os anseios humanos, em sua relao com o mundo.Todavia, a despeito dessa mudana de configurao mental, o discurso mtico permanece ora explicitamente, nas formas literrias de fico, ora nos discursos cientficos reducionistas. Saber identificar as caractersticas desse modo de pensar, to arraigado em todas as culturas, no to fcil quanto se imagina. Em todas as sociedades humanas, as narrativas ficcionais esto presentes. Entretanto, nem todas culturas alimentaram a pretenso de construir um sistema de pensamento que fosse capaz de atingir a verdade. Esse um fenmeno tpico das civilizaes ocidentais. A presena do cientificismo um fator importante para a identificao de culturas marcadas pela influncia grega, desde o advento da filosofia.Nessas sociedades, a oposio manifesta entre o mytho e o logos pode ser resgatada na problematizao do discurso literrio e cientfico. Um tema ainda muito presente nas discusses filosficas contemporneas, a literatura e o discurso terico sero o tema do prximo ponto.BibliografiaBORNHEIM, G. A. (Org.). Os Filsofos Pr-Socrticos. - So Paulo: Cultrix, 1989.GUTHRIE, W.C.K. Los Filosofos Griegos; trad. Florentino M. Torner. - Mxico D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1995.KIRK, G.S. e RAVEN, J. E. (Org.). Os Filsofos Pr-Socrticos. - Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1982.HESODO. Os Trabalhos e os Dias; trad. Mary de C. N. Lafer. - So Paulo: Iluminuras, 1991.HOMERO. Ilada; trad. Odorico Mendes. - Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1964.PLATO. "Fdon", in Dilogos; trad. Mrcio Pugliesi e Edson Bini. - So Paulo: Hemus, s/d.________. "Fedro", in Dilogos vol. V; trad. Carlos Alberto Nunes. - Belm: Universidade Federal do Par, 1975.________. A Repblica; trad. M Helena da R. Pereira. - Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1990.SOUZA, J.C. (Org.). Os Pr-Socrticos. - So Paulo: Abril Cultural, 1978.UNTERSTEINER, M. (org.). Sofisti, fasc. 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Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 1: Mito e logos Literatura e Discurso Terico;

Desde a antiguidade, o mito adquiriu o carter, por vezes pejorativo, de uma narrativa fabulosa, ficcional ou mentirosa. Esse aspecto desfavorvel no permitia mais que o mito fosse aceito como uma forma vlida para abordar assuntos considerados superiores, tais como os religiosos e filosficos. Entretanto, problemas em relao falta de documentos histricos e argumentos definitivos no favoreciam uma fundamentao ltima desses assuntos. Em muitos casos foi preciso abandonar essa pretenso em favor de uma interpretao no literal dos fenmenos no mundo. Eventualmente, para evitar as dificuldades impostas pelas limitaes racionais e materiais, teve-se de recorrer alegorias ou metforas que elucidassem essas questes.As fracassadas tentativas do Cristianismo, por exemplo, de estabelecer a verdade dos evangelhos como fatos histricos levaram os primeiros exegetas cristos - como Orgenes (sc. II) - a tentarem mostrar que o verdadeiro sentido da religio estava alm da histria, ou seja, encontrava-se em seu sentido espiritual. A partir desse novo enfoque, termos como "enigmas", "parbolas" e "dogmas", assumiram a mesma funo que os rejeitados "mito", "fico" e "mistrios".Do lado filosfico, a construo de um discurso terico verdadeiro no esteve - e ainda no est - livre de embaraos mticos. A teoria, sendo entendida enquanto um conjunto de sentenas que precisam ser plenamente satisfeitas, de acordo com o filsofo norte-americano Williard Quine, s pode ser considerada verdadeira de modo relativo. Isso porque, ao se especificar as sentenas que comporo a teoria, o terico emprega palavras cuja escolha depende de uma teoria domstica geral que no foi exposta. Por conseguinte, as sentenas da teoria seriam descritas por outra, a saber: aquela teoria domstica cujos objetos tambm deveriam ser questionados. A construo de uma teoria consistente - com todas sentenas verdadeiras -, portanto, nunca pode ser executada em sua concepo absoluta, mas sempre relativa a outra teoria que no posta prova(1).Existem alguns critrios para averiguar a validade de uma teoria. Primeiro, o da no-contradio: uma teoria no pode dizer de algo que esse algo seja verdadeiro e falso, ao mesmo tempo. Segundo, ela no pode cair num regresso ao infinito, recorrendo sempre a outras teorias sucessivamente. Terceiro, no deve comete uma circularidade, isto , suas concluses no devem ser pressupostas por suas premissas. Tais requisitos j haviam sido exigidos pelos filsofos cticos, discpulos de Pirro (sc. III a. C.). O ceticismo pirrnico propunha a suspenso do juzo sob a alegao de que apesar de existirem critrios para demonstraes tericas, no haveria nenhuma demonstrao que pudesse satisfazer esses critrios(2).Sem poder satisfazer tantas exigncias de uma s vez, o discurso terico, quando visa encontrar o fundamento ltimo de um enunciado com pretenses de verdade, frequentemente tem de apelar para uma construo imaginria ideal que sustente suas posies.A crtica ao mito, realizada por filsofos e religiosos, no significa, nas palavras de Mircea Eliade, que "esse pensamento tenha sido definitivamente abolido"(3). Apesar de todo ataque sofrido, por esses dois flancos, os mitos helnicos resistiram, como obra literria, crena religiosa e muitas teorias lanadas contra eles pelos pensadores e filsofos antigos. Nesse sentido, a escrita foi uma aliada importante para isso, pois os cultos religiosos se perderam no tempo, quando a oralidade da tradio abriu espao cristianizao de suas prticas. Tudo que restou da religio helnica se deve ao fato dela ter sido mencionada em obras-primas literrias e artsticas(4). Quanto ao logos helnico, muito de seu significado foi perdido, durante as inevitveis mudanas histricas, ocorridas atravs do tempo, apesar dos fragmentos e testemunhos grafados, pois seu contedo filosfico circusntanciado tambm foi esquecido.Eis uma vantagem que o mito tem sobre outras formas de discurso: a narrativa mtica consegue manter uma certa perenidade, enquanto a religio e a filosofia perdem muito de sua fora original, com o passar dos anos. A capacidade da narrativa mtica atender a diversas perspectivas pessoais sobre o mundo, permite que novas geraes possam reinterpret-los sem que eles percam coeso. Por no admitirem mais de um significado em suas teses centrais, religiosos e filsofos fazem com que suas doutrinas sejam refratrias s transformaes interpretativas, tornando-se logo obsoletas.LiteraturaA literatura, ento, pde absorver toda a herana da riqueza de significados do mito, sem restries. Renegado pela religio e filosofia, os escritores literrios no impuseram barreiras narrativa mitolgica. Pelo contrrio, esses artistas perceberam que os mitos poderiam fornecer a matria-prima que, depois de reelaborada, expressariam novos significados, o que outras formas de expresso proibiam.Eliade, que sempre se dedicou anlise dos mitos, cr ser "possvel dissecar a estrutura 'mtica' de certos romances modernos"(5). Temas como heri-salvador, vises mitolgicas da mulher, riquezas e ritos de iniciao, encontrados nos livros modernos revelariam o desejo por consumir o maior nmero possvel de "histrias mitolgicas". Para Eliade, "alguns aspectos e funes do pensamento mtico so constituintes do ser humano"(6). Apesar do romance moderno ter um tempo prprio diferente de uma sociedade tradicional - que ouvia, mais do que lia o mito -, do mesmo modo que na narrativa mtica, o leitor atual convidado a sair do seu tempo histrico e pessoal, mergulhando num "tempo fabuloso, trans-histrico"(7). Nesse tempo imaginrio, o ritmo ditado segundo uma concepo prpria e exclusiva de cada histria. Nesse sentido, o ser humano conserva hoje, "resduos de um comportamento mitolgico (...). Os traos de tal comportamento mitolgico revelam-se igualmente no desejo de reencontrar a intensidade com que se viveu, ou conheceu, uma coisa pela primeira vez; de recuperar o passado longnquo, a poca beatfica do 'princpio'"(8).O paralelo traado aqui, entre literatura e mito, discurso terico e logos, estende-se at o valor de verdade pretendido por cada uma dessas formas de pensamento cognitivo. Na antiguidade, como foi exposto, o mito era tratado por fbulas sem teor de verdade, enquanto o logos tinha a pretenso de revel-la. Modernamente, considera-se que os argumentos empregados por uma teoria visam convencer algum de sua veracidade, apelando para procedimentos que estabeleam provas formais e empricas. As histrias literrias, por sua vez, procuram, de um modo geral, sustentar semelhanas com a vida, sua verossimilhana, e no verdade. A literatura, como uma inveno dos romancistas e dramaturgos modernos, imagina um contexto feito de realidades psquicas dos personagens, deixando o mundo "real" como pressuposto ou implcito. Essa imaginao produz histrias envolventes e crveis, mas sem compromisso com a verdade.O Discurso TericoO argumento lgico, que caracteriza o discurso terico, tem uma funo diferente da histria bem contada. De acordo com o psiclogo Jerome Bruner, autor de Realidade Mental, Mundos Possveis, o modo de pensamento lgico-cientfico "tenta preencher o ideal de um sistema formal e matemtico de descrio e explicao"(9). Conceitos e categorias usados so relacionados uns com os outros, de modo que encontrem seu exato lugar num sistema formal. A intuio do terico, diferente da imaginao potica, procura revelar as conexes formais, para depois prov-las de uma maneira formal ou concreta, apresentando um exemplo emprico. Em suma, o discurso terico trabalha com causas gerais e como elas so constitudas. Nesta tarefa, utiliza-se de procedimentos que visam garantir uma referncia comprovvel, que tambm possa ser testada empiricamente.A linguagem do cientista est sempre preocupada em atender s exigncias do critrio ctico apontado antes. Pode-se dizer que a cincia tambm constri mundos possveis, imaginando fatos com os quais a teoria tem que considerar. Enquanto a literatura no tem a preocupao de comprovar suas concluses, a cincia vai mais alm, predizendo algo que supostamente pode ser provado como certo, apesar de toda especulao. Numa frase, o discurso terico ergue pretenses de verdade que podem ser falsificadas por um exame qualquer, enquanto as histrias erguem pretenses de verossimilhana que no podem ser negadas, mas aceitas ou no pelos leitores.No obstante, eventualmente, um escritor de romance pode vir a ultrapassar essas limitaes e pretender, com suas histrias, passar subsumidamente uma teoria sobre o mundo e as relaes humanas com teor de verdade. Por outro lado, os cientistas, ao elaborarem suas teorias, por vezes, so forados a tratarem de temas que no so passveis de falsificao, quando, por exemplo, um historiador apela para as intenes e sentimentos de um certo personagem histrico, a fim de explicar uma das causas de certo acontecimento; ou quando um fsico se vale de argumentos antrpicos, isto , quando ele afirma que sua teoria no pode estar errada porque seno no seria possvel perceber o mundo tal como o percebemos, segundo seu estgio atual e a nossa capacidade de conhec-lo. Jerome Bruner conta queo economista Robert Heilbroner observou certa vez que, quando as previses baseadas em teoria econmica falham, ele e seus colegas passam a contar histrias sobre administradores japoneses, sobre a "cobra" de Zurich, sobre a "determinao" do Banco da Inglaterra de impedir a queda da libra esterlina (...)(10)Isso mostra que "as narrativas podem ser o ltimo recurso dos tericos econmicos"(11), pois, afinal, elas constituem a vida das pessoas e seu comportamento cotidiano, objetos do estudo de economistas. Assim, tanto a literatura e discurso terico passam a entrelaarem-se inevitavelmente.Recapitulando, tanto o discurso terico, como a literatura, a despeito de todos os esforos de categorizao de suas estruturas e caractersticas, continuam to envolvidos, um com o outro, quanto estavam na origem da oposio entre mitos e logos, na longnqua civilizao helnica clssica. Talvez como para provar o que dizem Eliade e Bruner, de ponto de vistas diferentes, isto que a necessidade do envolvimento humano pelas narrativas faa parte inseparvel de sua prpria condio e que tudo que o ser humano faz ou pensa est inserido irremediavelmente numa histria.BibliografiaBARROW, J. D. Teorias de Tudo; trad. MLuza X. De A. Borges. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.BRUNER, J. Realidade Mental, Mundos Possveis; trad. Marcos A. G. Domingues. - Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.DIGENES LARCIO. Vidas e Doutrinas dos Filsofos Antigos; trad. - Braslia: Unb, 1987.ELIADE, M. Mito e Realidade; trad. Pola Civelli. - So Paulo: Perspectiva, 1972.SMITH, P. J. "Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n 1. - Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.QUINE, W. v. O. "Realidade Ontolgica", in Ensaios; trad. Osvaldo Porchat. - So Paulo: Abril Cultural, 1985.Notas1. Veja QUINE, W. v. O. "Realidade Ontolgica", in Ensaios, II, pp. 146/7. 2. Veja DIGENES LARCIO. "Pirro", in Vida dos Antigos Filsofos, liv. IX. Tambm o artigo de SMITH, P. J. "Wittgenstein e o Pirronismo", in Analytica, vol. 1, n 1, 1993. 3. ELIADE, M. Mito e Realidade, VIII, p. 138. 4. ELIADE, M. Op. Cit., idem, p. 139. 5. ELIADE, M. Idem, ibdem, p.163. 6. ELIADE, M. Ibdem, ibdem, pp. 156/7. 7. ELIADE, M. Ibdem, Ibdem, p. 164. 8. ELIADE, M. Ibdem, ibdem, p. 165. 9. BRUNER, J. "Dois Modos de Pensamento", in Realidade Mental, Mundos Possveis, p. 13. 10. BRUNER, J. Op. Cit., Idem, p. 45. 11. BRUNER, J. Idem, ibdem, p.45Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 2: Relao Homem-Mundo O lugar do ser humano no mundo;

Quando se pede para localizar a origem histrica da filosofia ocidental, a resposta unnime aponta para uma regio do mapa da Europa, enquanto se afirma que num determinado perodo da antiguidade, nesse territrio especfico, alguns habitantes de ento passaram a levantar questes sobre tudo que os cercava. Tais perguntas exigiam uma explicao que no podia ser plenamente satisfeita por argumentos religiosos ou mticos. Os homens que faziam esse tipo de questionamento, perceberam que as respostas tradicionalmente dadas, amide, enfrentavam dificuldades de comprovao, diante das limitaes da condio humana e do desenrolar dos acontecimentos.Os deuses, que deviam constituir a imagem da perfeio, j no garantiam a felicidade das cidades que deveriam proteger, assolados que eram por guerras, epidemias e ameaas naturais constantes - terremotos, erupes vulcnicas etc. Tanto a religio, como as histrias dos antepassados caam em descrdito. Se alguma resposta houvesse para tanta perplexidade, elas no deveriam ser buscadas fora deste mundo, ou num passado mtico, mas sim dentro do prprio ser humano, naquilo que ele tivesse de mais caracterstico. A capacidade de raciocnio, destacada dos outros animais, comeava a se impor e a elaborar argumentos que exigissem uma investigao mais atenta do mundo por parte dos pensadores. O objetivo, depois desse espanto inicial, era produzir teorias que desvelassem os mistrios que havia em tudo e encarar o mundo tal como ele .A nova postura adotada pelos pensadores helnicos propunha o esforo de apresentao de hipteses que fossem adequadas compreenso do lugar do ser humano e sua ao no mundo. Um mundo que sobre muitos aspectos lhe era estranho e desafiador. As questes que surgiam, desde aquela poca originria, demandavam um conhecimento mais preciso sobre aquilo que , ou seja, a existncia dos seres, sua relao com os outros entes e consigo mesmo. Surgia, assim, o que, segundo o filsofo alemo Martin Heidegger (1889-1976), se chama filosofia, ou metafsica, propriamente dita(1). Por metafsica, entende-se o estudo do ser enquanto ser e as implicaes acarretadas por uma progressiva abstrao dos conceitos em relao matria de um mundo fsico.MetafsicaPara saber o lugar do ser humano no mundo, a pesquisa filosfica teve de ir alm das observaes dos fatos. A direo tomada conduzia ao prprio ser que subjaz a tudo e o modo como este ser se apresenta no mundo, perante os homens. Isso necessariamente levou a indagaes de como seria possvel o conhecimento do mundo atravs de um entendimento humano, por vezes to superficial. Sempre ficava a dvida se aquele conhecimento obtido pelo pesquisador poderia ser vlido objetivamente, isto , independente do prprio observador, ou se todo conhecimento seria limitado condio finita da razo humana.Essas dvidas exigiam que, em certo sentido, a investigao se voltasse para aquele que investiga. O prprio inquiridor teria de ser alvo de exame, pois a viso mais apurada e precisa dependia da capacidade dele distinguir suas afeces das informaes apresentadas pelos entes. Assim, para saber seu lugar no mundo, foi preciso que o ser humano passasse a se conhecer em primeiro lugar. O ponto de partida da investigao deveria estar na condio humana. A metafsica caminha, portanto, nesse paulatino afastamento dos fenmenos naturais, nos temas filosficos. pondo o mundo em suspenso - entre parnteses como se costuma dizer na matemtica - que o filsofo poder pretender, a partir de si mesmo, descobrir a verdade. Metafsica o nome que foi dado a uma das mais famosas obras do filsofo macednio, da cidade de Estagira, Aristteles (384-322 a. C.). Nela, procura-se compreender o "ser", as maneiras pelas quais esta palavra pode ser entendida, e as causas primeiras de tudo que existe ou acontece. Para o fundador do Liceu, a filosofia mostraria que o conhecimento terico participaria da natureza da sabedoria e por ela se conheceria os princpios e causas, tendo por objetivo a verdade(2). Existiria um primeiro princpio - associado ao motor imvel, ou Deus (livro XII da Metafsica) - e as quatro causas das coisas: 1. Material; 2. Formal; 3. Motor; 4. Final."Causa" [material] significa (1) aquilo que, como material imanente, provm o ser de uma coisa; p.ex., o bronze a causa da esttua e a prata, da taa, e do mesmo modo todas as classes que incluem estas. (2) A forma ou modelo, isto , a definio da essncia, e as classes que incluem esta (...); bem como as partes includas na definio. (3) Aquilo de que origina a mutao ou a quietao; p.ex., o conselheiro causa da ao e o pai causa do filho; e, de modo geral, o autor causa da coisa realizada e o agente modificador, causa da alterao. (4) O fim, isto , aquilo que a existncia de uma coisa tem em mira; p.ex., a sade causa do passeio (ARISTTELES, Metafsica, V, 2, 1013a, 24-33).Princpios e causas esto relacionados com as trs substncias: duas fsicas (matria e forma) e uma imvel. Enquanto a matria e a forma esto sujeitas mudana e o movimento, a substncia imvel existiria independente das outras, mas que seria capaz de mov-las sem se mover.O primeiro princpio ou ser primeiro no suscetvel de ser movido, quer em si mesmo, quer acidentalmente, mas diga-se antes que ele que produz o movimento primeiro, movimento eterno e nico. Ora, o que movido o necessariamente por alguma coisa; por outro lado, o primeiro motor deve ser imvel em si mesmo; o movimento eterno deve ser produzido por algo eterno, e o movimento simples por algo de simples; (...) cada um destes ltimos movimentos deve tambm ser causado por uma substncia imvel em si mesma e eterna (...) (ARISTTELES. Op. Cit., XII, 8, 1073a, 24-35).Curiosamente, o batismo dessa obra deu-se apenas por motivos bibliogrficos e no filosficos. Atribui-se a Andrnico, editor do perodo helenista dos textos aristotlicos, o fato de ter reunido os diversos tratados que compem a Metafsica e catalogado-os na posio imediatamente seguinte aos estudos de fsica. Logo, metafsica se referia simplesmente queles estudos que vinham depois da Fsica aristotlica - em grego, a expresso meta ta phisika quer dizer "depois da fsica". Essa histria interessante, porque de um acontecimento casual, o emprego da palavra metafsica terminou por gerar um tipo de investigao que, em geral, visava o afastamento dos temas da natureza material. Um caso exemplar de como a palavra pode gerar a coisa. Por conta desse esforo especulativo, na busca das verdadeiras causas dos seres e do mundo, da essncia de tudo, a metafsica passou a ser considerada como a forma de conhecimento mais digno de chamar-se sabedoria. Contudo, no se deve pensar que Aristteles tenha sido o primeiro a tratar desse assunto. A tentativa de alcanar o princpio de tudo, partindo do conhecimento particular, para o mais geral, uma caracterstica do pensamento helnico, desde Tales de Mileto (c. 625-558 a. C.). Plato, em dilogos como Teeteto, Crtilo e Sofista, tentou encontrar argumentos que fundamentasse um conhecimento slido sobre o mundo, contra a concepo relativista dos sofistas. Mas com Herclito de feso (c. 540-470 a. C.), considerado um pensador obscuro, que o tema do conhecimento humano atinge o ponto mais profundo. Herclito propunha uma concepo de saber radicalmente centrado na condio humana e nem por isso relativa a um determinado sujeito. Em seus fragmentos, pode-se perceber a tentativa de aproximar a capacidade humana de compreenso ao conhecimento que est em tudo. Por vezes, essa tentativa frustrada pela superficialidade do tratamento dado pelo homem a essas questes, por outra, s uma profunda reflexo sobre o prprio conhecimento humano seria capaz de alcanar a devida sabedoria que estaria escondida em tudo(3).Duas linhas de investigao podem ser traadas, a grosso modo, a partir do que foi dito sobre Herclito e Aristteles. Enquanto o primeiro sugeria a compreenso do princpio ordenador que h no mundo, desde a profundidade do conhecimento no prprio homem, entendido como aquele que, fazendo parte do mundo, tambm atravessado pelo princpio ordenador - logos, na concepo de Herclito. Aristteles, na sua Metafsica, ao iniciar a busca pelo conhecimento particular, empreende uma abstrao gradativa at chegar a um princpio motor imvel, fora do ser humano. Tal princpio motor, foi interpretado pelos filsofos cristos - por exemplo, Sto. Toms de Aquino (1227-1274) - como Deus. Ou seja, duas tendncias metafsicas podem ser distinguidas, aqui, uma, a vertente heracltica, onde o homem pode encontrar em si mesmo a essncia do ser, e outra, a aristotlica, que permite fundar uma teologia, como o conhecimento mais alto dos princpios que regem tudo, a partir da reflexo filosfica.Repercusses modernas e contemporneasA tendncia de fundar o conhecimento humano, ora em si mesmo, ora numa entidade superior - Deus -, pode ser reconhecida em filsofos modernos da magnitude do francs Ren Descartes (1596-1650) e o prussiano oriental Immanuel Kant (1724-1804). Descartes, em suas Meditaes, tenta provar a existncia de Deus como fonte mantenedora e garantidora da verdade de todo conhecimento humano. Kant, por seu turno, ao invs de valer-se da hiptese divina, procura mostrar que o prprio homem, como participante dos mundos inteligvel e sensvel, poderia perceber por intermdio da razo pura os limites de seu conhecimento e, conseqentemente, a incapacidade de conhecer a coisa em si, mas apenas os fenmenos sensveis. Kant propunha uma crtica da razo pura que determinasse os limites do conhecimento e, destarte, inaugurou uma nova metafsica em torno de um suposto mundo inteligvel, acessvel parte racional do ser humano.Todavia, no incio do sculo XX que as influncias da metafsica helnica so mais marcantes, sobretudo, na obra de Heidegger. Contra a corrente aristotlica que busca um princpio para o ser fora do prprio ser, Heidegger estabelece uma concepo de metafsica to radical quanto a de Herclito. Nesse sentido, ele prope em Introduo Metafsica, uma recuperao do sentido originrio do ser, esquecido ao longo da histria ocidental. Heidegger, assim, visa encontrar, nos moldes dos pensadores helnicos, as causas pelas quais o sentido do ser fora originalmente ocultado(4).A questo fundamental da metafsica, no sentido heideggeriano, saber "porque h simplesmente o ente e no o Nada?"(5). A resposta passa necessariamente pelo entendimento do ser como algo que vem a ser, isto , aquilo que se apresenta no tempo como realizao. A inspirao para essa concepo peculiar de ser, decorre da interpretao dada, por Heidegger, palavra grega physis. Para ele, physis -comumente traduzida por natureza - deveria ser "entendida, como sair e brotar," aquilo que pode ser experimentado em toda parte(6). Atravs da physis o "ente se torna e permanece observvel"(7). O significado de ser, nesse contexto, no surge de uma casualidade, mas de uma presena constante. A aparente confuso que a investigao ontolgica emerge por causa do esquecimento do ser e de uma postura niilista perante essa complexidade, o que acaba gerando uma essncia no Nada.Por conseguinte, para a metafsica poder responder questo "porque h simplesmente o ente e no antes o Nada?", Heidegger vai expor e fundar o Ser na origem grega, que diferenciava o ente do pensar. poca em que o logos, como em Herclito, guiava o pensamento para considerao do Ser. A perspectiva originria dessa discusso revelaria a conseqente separao entre Ser e Pensar, Percepo e Ser que passou a acompanhar a histria da filosofia, desde ento. O retorno viso originria, para Heidegger, revelaria a prpria determinao do ser do homem. questo sobre a Essencializao do Ser se abotoa e vincula questo sobre quem o homem. A determinao da essencializao do homem, que aqui carece, no , entretanto, tarefa de uma antropologia flutuante no ar, que, no fundo, se representa o homem, como Zoologia se representa o animal. Em sua perspectiva e em seu alcance a questo sobre o ser do homem determinada exclusivamente pela questo do Ser. (HEIDEGGER, M. Ibdem, p. 226).Crtica semelhante antropologia, como estudo do homem, foi lanada pelo francs Michel Foucault (1926-1984), em As Palavras e as Coisas, obra marcada pela influncia de Heidegger. No entanto, Foucault praticava um mtodo "arqueolgico", muito pessoal - diferente da ontologia heideggeriana - pelo qual tratava de fazer um corte histrico transversal linha do tempo, a fim de expor as camadas sob as quais a concepo de homem foi estratificada. A interessante abordagem foucaultiana apontava para o sculo XIX, como o perodo no qual a reflexo tentou fundar a possibilidade de saber filosfico positivo. Isto , a formao de um sistema terico, onde determinados critrios moldavam o campo especfico de conhecimento. Nesse momento, o homem surge como objeto e sujeito de saber. O saber assume o poder de transformar o ser humano como objeto de estudo entre outros na natureza, decretando a finitude do ser sob a tica de um conhecimento positivo que deixa de lado a tentativa de busca das verdades primitivas. Nesse contexto, a antropologia, como possibilidade de saber emprico sobre o homem, refutada em favor de uma ontologia purificada ou um pensamento radical do ser: livre de preconceitos antropolgicos e capaz de questionar os limites do pensamento, renovando o projeto de uma crtica geral da razo que se indaga se o verdadeiro ser humano existe, afinal(8).Seja neste sculo, no passado ou na antiguidade, o tema do verdadeiro lugar do ser humano no mundo ainda est por ser satisfeito. A despeito de um retorno s origens tentar elucidar essa questo, pode-se dizer que a metafsica surja toda vez que o ser humano passe a refletir, de modo crtico, sobre sua condio perante um mundo que o espanta, ameaa e desafia lanar novas respostas. Uma tarefa que faz parte da prpria constituio daquilo que se chama filosofia.BibliografiaARISTTELES. Metafsica; trad. Leonel Vallandro. - Porto Alegre: Globo, 1969.DESCARTES, R. Meditaes; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. - So Paulo: Abril Cultural, 1983.FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas; trad. Antnio R. Rosa. - So Paulo: Martins Fonte, 1967.___________, _. Les Mots et les Choses. - Mayenne: Gallimard, 1989.HEIDEGGER, M. Introduo Metafsica; trad. Emmanuel C. Leo. - Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.HERCLITO DE FESO. "Fragmentos", in Os Pr-Socrticos; trad. Jos C. de Souza e outros. - So Paulo: Abril Cultural, 1978.KANT, I. Crtica da Razo Pura; trad. Valrio Rohden e Udo B. Moosburger. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.Notas1. HEIDEGGER, M. Introduo Metafsica; p. 43 e ss.

2. Veja ARISTTELES. Metafsica, I, 1, 981b-982a.

3. Veja HERCLITO DE FESO. "Fragmentos", in Os pr-socrticos, pp. 79-91.

4. HEIDEGGER, M. Op. Cit., p. 45.

5. HEIDEGGER, M. Idem, p. 33.

6. HEIDEGGER, M. Ibdem, p. 44.

7. HEIDEGGER, M. Ibdem, p. 45.

8. FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas, p. 353 (ed. francesa).

Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 2: Relao Homem-Mundo A ao humana no mundo;

A despeito das objees de Heidegger quanto considerao do agir humano como uma consumao do ser, a falta de um fundamento metafsico seguro no impediu que diversos autores, ao longo da histria da filosofia, tratassem de encontrar a maneira mais adequada de se comportar entre os seres humanos e perante os objetos da natureza. Certamente, a lacuna gerada pelo abandono de uma explicao originria, em relao ao ser, levou a todos que estudaram o comportamento humano a se enquadrarem na tradio filosfica ocidental que, na perspectiva heideggeriana, separava o ser do pensar e do agir. Filsofos - como Aristteles, Kant e mesmo aqueles que trabalham sob a tica de uma tradio religiosa ou histrica -, freqentemente, recorrem a princpios de ao ideais, fora do domnio material e natural dos agentes humanos, a fim de estabelecerem uma base firme para a criao de normas.Costuma-se dizer que a prtica humana correta e vlida, seria aquela que estivesse de acordo com uma concepo de vida; de um mundo superior ou uma tradio histrica j formada. Sendo assim, os diversos pensadores que abordaram esse assunto, quase sempre, recorriam a uma situao ideal imaginada que serviria para se averiguar se uma determinada ao ou regra de ao vlida ou no, correta ou ilegtima etc. Portanto, para saber se o ser humano age corretamente, bastaria confrontar sua ao com uma norma considerada vlida ou compar-la com outra ao semelhante desenvolvida num contexto ideal. Isto , verifica-se se a ao adequada uma lei ou se ela poderia ser aceita por um modelo padro que universalizasse sua aplicao, inscrevendo a ao num princpio geral vlido para todos.Nesse sentido, as doutrinas que apelam para essas construes idealizantes pretendem avaliar a prtica conforme parmetros de universalizao, ou seja, segundo uma prtica que todos pudessem exercer toda vez que as condies necessrias se reproduzissem. Ou ainda, que a prtica estivesse de acordo com um tipo de vida considerada boa e a mais adequada para os seres humanos em geral. Por exemplo, matar uma outra pessoa seria uma ao considerada incorreta, pois acarretaria na extino da espcie caso todos pudessem exercer essa ao, sem restries. Por outro lado, matar seria mau, porque no seria pertinente a uma concepo de vida humana boa, na qual todos fossem considerados iguais.Todavia, nem sempre os casos apresentados ao juzo se acomodam numa norma ou padro ideais pr-estabelecidos. Casos de legtima defesa, aborto ou eutansia so exemplos de como uma norma do tipo "no matar" pode ser problematizada e se abrir s excees. Por conta disso, existem correntes filosficas que admitem uma concepo de tica que no esteja vinculada a conceitos ideais absolutos, como critrio de verificao das aes. O que se pretende que cada ao seja avaliada isoladamente pelos interesses dos envolvidos, pelas conseqentes utilidade ou gerao de prazer ou sofrimento. Alm disso, h aqueles que defendem uma posio pragmtica diante das diversas opes oferecidas ao agir, quer dizer, uma atitude seria considerada boa se no houvesse outra alternativa melhor do que a praticada. Claro que, nessa tendncia, todo um processo de deliberao deveria ser examinado de acordo com as circunstncias que envolvem a ao.As Diversas ticasO termo "tica" tem origem na palavra grega thos, geralmente traduzida por habitao, morada ou costume. Moralis a traduo dada pelos romanos a thos que originou a palavra moral. Na origem, ento moral e tica querem dizer a mesma coisa. Isso, no entanto, no proibiu que diversas interpretaes fossem prestadas ao conceito de conduta humana. Entre as vrias correntes existentes, podem ser citadas as principais: A teleolgica, que afirma haver um fim (tlos) pelo qual a ao moral orientada, cujos principais representantes so Aristteles e Charles Taylor;

A universalista, que defende a existncia de um princpio geral, vlido para todos, Kant e Jrgen Habermas;

A contratualista, que prope que os princpios de ao sejam validados por um contrato entre as partes interessadas, tendo em Thomas Hobbes (1588-1679) e David Gauthier seus maiores defensores; A utilitarista, que funda numa utilidade geral e nos sentimentos morais a boa conduta humana, como Jeremy Bentham (1748-1832) e Peter Singer;

E o pragmatismo, que avalia as aes segundo o processo de deliberao e um modo de vida circunstanciado, veja John Dewey (1859-1952) e Richard Rorty.

Cada uma dessas principais correntes possui variaes e subdivises que geram novas teorias morais, como a comunitariana - derivada da teleolgica -, a tica do discurso, baseada na universalista; a tica da compaixo, fundada no utilitarismo; entre outras doutrinas mistas, como a teologia da libertao, justia como eqidade, o direito positivo etc.Monismo e Dualismo Aristteles foi o primeiro a escrever uma obra exclusivamente dedicada a questes ticas. A ele, so atribudos quatro tratados sobre o assunto: tica a Eudemo, tica a Nicmaco, Magna Moralia e o duvidoso Tratado de Virtudes e Vcios. De todos esses textos, o mais completo a tica a Nicmaco. Os demais, ou esto includos neste, ou so um resumo de suas principais idias. Composto por dez livros, a tica a Nicmaco parte de uma concepo de bem como fim de todas as coisas. O conhecimento desse bem seria manifesto pela ao poltica. A investigao tica, segundo Aristteles, tenta mostrar o bem relativo cincia poltica, a saber: a felicidade (eudaimonia). Para tanto, seria necessrio que os cidados fossem educados nos bons hbitos e capazes de agir por meio de um princpio racional e no por paixes.Tendo em mente que a honra era a finalidade da vida poltica e sua busca se daria por causa da virtude, Aristteles sups ser esta a razo pela qual os homens vivem em sociedade. Depois de uma extensa anlise das virtudes, o filsofo estagirita conclui que o homem virtuoso encontra o prazer em seus prprios atos. Supondo ainda que a vida contemplativa de um filsofo seria a mais prazerosa de todas - por permitir a contemplao da verdade -, a tica aristotlica prope que a conduta humana, numa comunidade, seja conduzida por leis que promovam a realizao desse bem supremo que a felicidade de poder contemplar a verdade e possuir a sabedoria(1).Embora a tica a Nicmaco aponte para um tipo de vida considerado ideal, o prprio Aristteles no apelava, nesta obra, para nenhum expediente que desse a entender um dualismo que separasse as aes humanas, em sua prtica cotidiana, da concepo de vida sugerida. De fato, para a vida contemplativa realizar-se era preciso a sua execuo numa organizao poltica exercida por homens de carne e osso, neste mundo. Sob esse aspecto, pode-se dizer que a teoria tica aristotlica se mantinha dentro de uma perspectiva monista, concebida e aplicada a uma nica noo de mundo. Em tica, por outro lado, o dualismo uma caracterstica que s vem a ser nitidamente traada por Immanuel Kant, a partir de sua obra Fundamentao da Metafsica dos Costumes (1785). Antes dele, tambm possvel atribuir um dualismo tico a Plato, mas este no deixou nenhum dilogo do qual se pudesse extrair um sistema formal de tica. Toda noo da tica platnica retirada de diversas passagens espalhadas na Repblica, Leis, nas Cartas (sobretudo a Carta VII), Apologia de Scrates, entre outros.Na Fundamentao, Kant criticou o conceito de felicidade, entendido como um bem que fosse o fim da filosofia moral. A felicidade, como ele entendia, era a soma de todas as inclinaes humanas. Cada um teria a sua noo de felicidade e ningum estaria de acordo sobre qual seria o bem supremo. Para Kant, o contedo da ao moral estaria na prtica por dever e no por inclinao. Isso porque o dever conteria a boa vontade, um tipo de querer com valor absoluto, independente de qualquer outra influncia. O dever caracteriza, na tica kantiana, a necessidade de uma ao por respeito lei moral - uma lei universal das aes que manda agir de acordo com a mxima que a vontade quer que se torne uma lei vlida para todos. Em outras palavras, cada indivduo, portador de uma boa vontade, saberia escolher, dentre suas regras particulares, aquela que pudesse valer para todos os demais.A idia do imperativo categrico surge em funo dessa concepo de lei moral. O imperativo categrico, diferente de outros imperativos, no dependeria da matria da ao, nem de seu objetivo (fim). Esse imperativo visa encontrar a lei que valha necessariamente, sem qualquer condio e de um modo objetivo e geral. Por causa dessas caractersticas, meramente formais, o imperativo categrico poderia propor leis a priori, ou seja, independente da experincia cotidiana e particular. A razo prtica teria, nesse imperativo, o instrumento para obteno de um princpio universal de validao da lei moral. A formulao definitiva dada por Kant a esse imperativo :age de tal maneira que a humanidade em qualquer pessoa seja usada como fim e nunca como meio (KANT, I. Fundamentao da Metafsica dos Costumes, se. II, B 66/7).A humanidade surge aqui como aquela comunidade que seria formada por seres racionais, participantes de um mundo inteligvel. O homem seria o nico ser capaz de participar desse mundo inteligvel e tambm de um mundo sensvel. Por conseguinte, ao se tornar membro do mundo inteligvel, como ser racional, o homem tomaria parte de um "reino dos fins", onde cada um teria valor por si mesmo, graas faculdade da razo que possui. Logo, todas as regras de um ser racional valeriam para outro ser racional e por extenso a todos os que pertencessem a esse reino.Kant termina sua Fundamentao, dizendo que ao tomar parte desse mundo inteligvel, a vontade humana estaria em liberdade, isto , livre de todas as influncias do mundo sensvel. Destarte, a vontade poderia determinar as mximas do indivduo racional que poderiam valer para todos os outros que tambm fariam parte do "reino dos fins", ou mundo inteligvel, que agiriam de boa vontade, segundo a lei moral.O dualismo na tica kantiana evidente. H um mundo inteligvel e outro sensvel aos quais o homem seria membro. Do primeiro, por ser racional. Do segundo, por ser um animal sujeito s influncias materiais, numa palavra: inclinaes. A existncia de um mundo inteligvel e de uma razo prtica que garantiria a formulao de leis morais vlidas para todos seres racionais. Ora, caso questione-se a capacidade do ser humano de propor regras livres de qualquer inclinao sensvel, os kantianos no tm como demonstrar que a suposta liberdade da vontade seja possvel de ser implementada. Alm disso, no h como assegurar que as aes pertinentes ao mundo sensvel - o nico real, de fato - possam ser regidas de fora, por normas alheias s particularidades e circunstncias de cada pessoa, seja ela racional ou no. A resposta para uma ao no mundo inteligvel, imaginrio, Kant tem. Porm, as aes no mundo sensvel escapam aos seres racionais por no corresponderem s aes num "reino dos fins". As aes do mundo real sofrem influncias das inclinaes, sentimentos, crenas, desejos e dos recursos materiais disponveis para sua execuo. Uma lei moral, que no leve em conta esses fatores decisivos, tende a se tornar inaplicvel e estril.Aplicao da ticaA soluo dualista kantiana, portanto, embora seja admirvel, no resolve os problemas concretos da ao humana. Por outro lado, o monismo aristotlico, que prope um tipo de vida com o qual nem todos seriam capazes de realizar, tambm no ajuda muito. Para encontrar a melhor forma de agir, num mundo cheio de complexidades, a tica tem que se voltar efetivamente para a prtica humana cotidiana, tal como faz o filsofo australiano Peter Singer, autor de tica Prtica (1993).Por tica prtica, Singer entende a aplicao da teoria tica no tratamento de questes da ordem do dia-a-dia, como a discriminao racial, sexual, os direitos dos animais, a preservao da natureza, aborto, eutansia e a redistribuio de renda. Mesmo sem conhecer em detalhes as especificaes tcnicas de cada assunto, caberia ao filsofo dizer algo de til a respeito desses assuntos. Ainda mais quando houver concepes ticas divergentes. O papel do filsofo, ento, ser o de colocar as diferentes posies s claras, a fim de que se possa tomar uma deciso refletida sobre o conflito moral. Apesar de tais esclarecimentos no implicarem necessariamente numa iniciativa moral por parte do agente, o compromisso pela ao moral resultar da exposio precisa das posies em conflito e das conseqncias que cada uma delas acarretam. A adoo do ponto de vista tico depende, segundo Singer, de uma compreenso de que conflitos de interesses sero solucionados de uma maneira ou de outra. Seja pela ao ou omisso, algo moralmente relevante acontecer(2).Singer sugere que qualquer que seja a deciso adotada, ela dever levar em conta os interesses de todos seres sencientes - que sentem dor - envolvidos, proporcionando maior prazer e diminuio do sofrimento. Sob esse aspecto, a tica prtica proposta por ele assume uma tendncia utilitarista que procura maximizar a utilidade geral de uma ao em funo de um todo. til ser tudo aquilo que minimize a dor e aumente o prazer. Sem recorrer a uma construo de mundo ou vida ideais, Singer constri uma teoria tica a partir de casos particulares, onde problemas ticos surgem da falta de um padro que possa prever todas variveis: escassez de recursos, a constituio fsica da pessoa moral e a preocupao com o impacto ambiental do comrcio internacional, alm do cuidado para com as geraes futuras e o uso dos animais como cobaias e fonte de alimentos. Fatos que, afinal, devem ser levados a srio por filsofos que lidem com a prtica humana.BibliografiaARISTTELES. tica a Nicmaco; trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. - So Paulo: Abril Cultural, 1973.KANT, I. Fundamentao da Metafsica dos Costumes; trad. Paulo Quintela. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.MACINTYRE, A. Justia de Quem? Qual Racionalidade?; trad. Marcelo P. Marques. - So Paulo: Loyola, 1991.SINGER, P. tica Prtica; trad. Jefferson L. Camargo. - So Paulo: Martins Fontes, 1993.TUGENDHAT, E. Lies sobre tica; trad. Alosio Ruedell e outros. - Petrpolis: Vozes, 1996.Notas1. Veja ARISTTELES. tica a Nicmaco, livro X, cap. 8, 1178a-1179a.

2. Veja SINGER, P. tica Prtica, captulos 1 e 12.

Autor: Antnio Rogrio da Silva Unidade 3: O Senso comum

A Rejeio do Senso Comum;

As questes de contedo filosfico no so exclusividades apenas de uma forma de conhecimento chamado filosofia. De uma certa maneira, seja atravs de mitos ou de teorias ingnuas, cada um desenvolve sua prpria explicao sobre o mundo, os temas propostos pela metafsica e pela tica tambm so abordados por um tipo de interpretao caracterizada como senso comum. Por senso comum, entende-se aquelas explicaes aceitas por um determinado grupo de pessoas, sem que elas passem por um exame detalhado que as problematizem ou questionem.Fatores como crenas, desejos, apego tradio histrica ou influncias sociais fazem com que, mesmo depois do advento da filosofia, ainda persista na maior parte dos seres humanos uma aceitao das coisas tais como elas so, quando no se cai em supersties. Longe de ser uma posio comodista, o apego ao senso comum decorre da falta de motivos fortes para a fomentao de dvidas sobre as noes dominantes que a maioria das pessoas tm como certas. De fato, s quando ocorre uma sucesso de fenmenos contrrios as teses da maioria que se passa a duvidar da eficcia de uma determinada opinio generalizada. Neste instante, que se tenta encontrar outras explicaes que acomodem aquilo que est fora da ordem ao conjunto de crenas e desejos partilhados pelo grupo social.Jerome Bruner, em "Castelos Possveis", chamou ateno para o fato de cada indivduo possuir um modelo padro sobre o mundo. Por causa isso, o fator surpresa exigiria um esforo, por parte das pessoas, de integrar toda informao inesperada ao modelo constitudo em suas mentes(1). Graas a esse esforo generalizado na espcie de interpretar os fenmenos luz de uma teoria domstica prpria de cada um, que ao longo da histria poucos foram aqueles que se atreveram a se afastar dessa forma ingnua de encarar o mundo. Eis porque, so poucos os filsofos e muitos aqueles que se detm numa forma de saber pr-filosfico: o senso comum. Entretanto, por menor que fosse o nmero daqueles preocupados em ir alm do entendimento vulgar, nada os impediu de considerar o senso comum como uma espcie de "primo-pobre" da filosofia. Isto uma forma de conhecimento bruto sobre as coisas que precisava ser ajudada e aperfeioada pelo rigor e exatido do pensamento filosfico, a fim de evitar a induo de falsas concluses, a partir de observaes precipitadas, que poderiam engendrar iniciativas desastrosas.A Crtica ao Senso ComumNo so raros os casos em que as crenas do senso comum produziram comportamento preconceituosos, com base numa postura dogmtica diante da compreenso dos fenmenos. Durante muito tempo, acreditou-se que o Sol girava em torno da Terra, que uma determinada raa fosse superior a outra, na influncia dos astros nas vidas das pessoas etc. No raro, o radicalismo em torno dessas crenas levou condenao de pessoas que foram perseguidas pelo simples fato de critic-las ou por se enquadrarem como hereges ou membros de uma etnia inferior. Muitas guerras foram e ainda so travadas devido ao preconceito religioso e cultural. As razes que fazem com que os filsofos critiquem o senso comum esto, portanto, relacionadas com a falta de tolerncia e critrios rigorosos para fundamentao de qualquer tipo de conhecimento. O senso comum constri suas teses a partir de um mtodo indutivo, pelo qual a regularidade da ocorrncia de certos fenmenos na natureza geram um hbito de se acreditar que se determinadas condies esto presentes, logo se seguir um evento a elas relacionado. Por exemplo, se o cu fica coberto de nuvens cinzentas sinal que vai chover; onde h fumaa, h fogo etc. A relao causal gerada por esse hbito geralmente aceita pelo senso comum de modo acrtico, como se fosse uma lei natural das coisas. O senso comum no se preocupa em apresentar provas diretas que validem suas hipteses, segundo um mtodo de verificao emprica, tais como a falsificao da experincia, exigida pelas teorias cientficas contemporneas.Desse modo, pela persistncia de um hbito e no pela validao de um conhecimento seguro que o senso comum gera seus enunciados. Esse hbito faz parte da constituio de cada um, assim como os sentidos pelos quais as informaes do meio ambiente chegam ao sistema nervoso central. Por conta disso, s vezes, as informaes que entram na mente humana so to complexas que provocam um conflito de interpretaes por parte do indivduo. No mbito do conhecimento dos objetos, a simples observao de uma torre ao longe no permite dizer com certeza se ela de base quadrada, triangular ou circular. Apenas uma experincia mais apurada possibilitaria a confirmao da forma correta da edificao. O senso comum no pretende que seu conhecimento seja exaustivo e, nessa condio primria, aceita sem mais esforos as primeiras explicaes que lhe ocorrem, segundo um modelo interno pr-estabelecido. O questionamento desse modelo s pode ser feito por uma mudana de atitude tpica da Filosofia.Cabe filosofia fazer a crtica dos modelos padres do senso comum, permitindo que uma investigao mais apropriada proporcione um conhecimento mais fidedigno e que permita fazer previses mais precisas. Quanto ao conhecimento da natureza, as experincias exaustivas e as contraprovas so prticas que fornecem elementos para constatao da verdade ou falsidade de uma proposio, ainda que provisria. Quanto ao conhecimento da melhor forma de ao, a filosofia exige do senso comum a sustentao da validade de suas normas, de acordo com parmetros de universalizao de aplicao da norma. Nesse sentido, o conhecimento deve avanar da simples aceitao de prticas estabelecidas pela tradio, at a formulao de regras de conduta que possam ser avaliadas a partir de um ponto de vista moral, do qual os interesses de todos concernidos sejam levados em conta.Alm do senso comumO descontentamento com relao orientao adotada, tendo por base inclinaes, crenas desejos e hbitos, , ento, um dos principais motivos para o desenvolvimento de uma crtica racional com caractersticas filosficas. Muito embora, vrios pensadores tenham procurado solucionar os impasses impostos ao senso comum de maneiras diferentes. Os pr-socrticos tentavam encontrar na natureza um princpio comum que ordenasse todas as coisas. Os platnicos acreditavam que o conhecimento s se daria depois do verdadeiro resgate das idias pr-existentes s coisas. Enquanto os aristotlicos procuravam extrair do entendimento das causas e dos vrios significados de "ser", aquele princpio primeiro de tudo.Modernamente, Ren Descartes inaugurou um mtodo cientfico a partir de uma dvida generalizada de todo conhecimento aceito pelo senso comum e adquirido por meio dos sentidos. Em Discurso do Mtodo (1637), Descartes parte da constatao de que a capacidade de julgar uma coisa inerente e igual em todos os seres humanos. O fato dela no ser bem aplicada que, ao seu ver, permitiria que surgissem as divergncias e os vcios aos quais o ser humano est sujeito(2). Por causa disso ele prope um mtodo de investigao que, na sua obra seguinte (Meditaes,1641), parte de uma dvida metdica que questiona toda forma de conhecimento adquirida a partir de informaes intermediadas pelos sentidos e percepes. Com isso ele tenta encontrar exclusivamente na prpria razo o nico conhecimento livre das distores impostas pela experincia, sobre o qual todos os conhecimentos verdadeiros sero fundados.Assim, todas aquelas verdades assumidas pelo senso comum, que fossem contraditas pela observao apurada da natureza e pelo entendimento, deveriam ser postas de lado, em funo de uma verdade que pudesse ser revelada sem a influncia dos sentidos ou de qualquer crena e desejo. O mtodo proposto por Descartes considerado um marco do pensamento ocidental, sendo a ele atribudo a inaugurao da Filosofia moderna, fundada no racionalismo. Ao contrrio de toda tradio anterior, Descartes voltou-se para aquela capacidade natural que cada um possui e procurou descobrir, fazendo uso apenas da razo, o fundamento da verdade, independente do senso comum.A influncia do mtodo cartesiano s foi igualada, no pensamento moderno, pelo ceticismo emprico exposto por David Hume (1711-1776) na sua Investigao Sobre o Entendimento Humano (1748). Aqui, Hume fez uma crtica da ligao necessria que a razo humana costuma produzir entre os eventos na natureza sob um suposto princpio de causalidade. Para ele, o hbito e no o raciocnio era o princpio que fazia com que se esperasse a renovao de um ato, tendo em mente a repetio anterior do mesmo ato. Assim, "toda crena numa questo de fato ou de existncia real deriva de algum objeto presente memria ou aos sentidos, e de uma conjuno habitual entre esse objeto e algum outro"(3). Isso explicaria porque, por mais exatas que fossem as observaes - seja do sensocomum, seja das cincias -, as especulaes estariam sempre sujeitas duvida e incerteza. Pois no haveria algo no mundo que determinasse o entendimento humano, alm de uma aparente regularidade na natureza. Haveria to somente um hbito no racional de relacionar uma coisa com a outra, sem qualquer explicao plausvel, seno o fato de constituir a natureza humana.As ponderaes de Hume tiveram grande impacto na filosofia de Kant. Este, numa passagem dos Prolegmenos (1783), reconhece que tinha sido despertado do sono dogmtico pelas palavras de Hume(4). Kant logo percebeu que nem o senso comum, nem a metafsica mais apurada de sua poca poderia satisfazer o verdadeiro conhecimento da coisa em si. Isso porque, a razo teria limites insuperveis para atingir esse grau de conhecimento, uma vez que a percepo das coisas se daria por intermdio da sensibilidade, formada pelos sentidos do tempo e espao. Dada essas limitaes, os objetos na natureza manifestar-se-iam sempre como fenmenos, sujeitos a uma intuio sensvel que por si s no pode atingir a essncia das coisas nelas mesmas. Ao senso comum, ento, deveria se associar uma crtica da razo pura que apontasse essas limitaes e o grau de conhecimento possvel obtido pelo ser humano. Aspecto que o senso comum por si s no capaz de demonstrar, j que ele possui uma tendncia a formular enunciados dogmticos que no so postos prova e crtica racional.Em suma, todo ataque da filosofia ao senso comum concentra-se nestes trs fatores representados por esses filsofos. O primeiro a distoro dos dados de entrada fornecidos pelo meio ambiente e que passam pelos sentidos. O segundo diz respeito constituio do ser humano que relaciona de modo necessrio um evento a uma causa. E o terceiro aponta as limitaes da razo em formular juzos empricos que revelem a coisa em si, na forma dogmtica. certo que sempre que o senso comum esbarra com fenmenos contraditrios, segundo um modelo padro pr-estabelecido, cada um procura encontrar uma explicao com o intuito de acomodar as ocorrncias extraordinrias sob a sua perspectiva. Quando isso no acontece, h uma forte tendncia criao de supersties ou explicaes mticas sobre o mundo. Por outro lado uma postura que tente investigar e propor uma nova teoria com base em testes, argumentos e contraargumentos s pode ser exercida fora do domnio do senso comum. O mbito adequado para essa investigao seria prprio da filosofia e das cincias empricas.BibliografiaBRUNER, J. Realidade Mental e Mundos Possveis; trad. Marcos A. G. Domingues. - Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.DESCARTES, R. Discurso do Mtodo; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. - So Paulo: Abril Cultural, 1983.________, _. Meditaes; trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. - So Paulo: Abril Cultural, 1983.HUME, D. Investigaes Sobre o Entendimento Humano; trad. Leonel Vallandro. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.KANT, I. Textos Selecionados; trad. Paulo Quintela e outros. - So Paulo: Abril Cultural, 1980.Notas1. Veja BRUNER, J. "Castelos Possveis", in Realidade Mental e Mundos Possveis. 2. Veja DESCARTES, R. Discurso do Mtodo, primeira parte. 3. HUME, D. Investigao Sobre o Entendimento Humano, se V, 38. 4. Ver KANT, I. Prolegmenos; in Textos Selecionados, p. 10.Autor: Antnio Rogrio da Silva Unidade 3: O Senso comum

A Defesa do Senso Comum;

Dificilmente, o brilhante esforo de Descartes de provar a existncia da alma e de Deus seria capaz de converter um infiel ou um ateu. Por outro lado, a crtica ctica tambm no pode servir de alternativa a um modo de vida. Ningum conseguiria viver duvidando constantemente de tudo. Por conta disso, todos procuram, bem ou mal, seguir a maioria de suas crenas comuns sobre o mundo, por falta de um motivo mais forte para descart-las, ainda que elas possam ser completamente falsas.No final do sculo XX e do segundo milnio, apesar de todas tentativas, a filosofia e as cincias no encontraram um fundamento seguro que permitisse o abandono da maior parte das interpretaes do senso comum. Todos jornais sustentam colunas de horscopos; enquanto, no dia a dia, costuma-se dizer que o sol nascer a leste e morrer a oeste, como se a astronomia e a fsica no tivessem provado que a Terra gira em torno do Sol e a distante e fraca influncia dos astros na tomada de deciso de uma pessoa. Essa deficincia explicativa para sugerir um argumento definitivo e ltimo, que provasse as coisas no mundo, gerou uma nova forma de abordagem dos temas filosficos, menos dogmtica e mais afeita ao falibilismo. Ou seja, j reconhece-se que a razo pode falhar, por diversos motivos, e que um certo pragmatismo ante estas questes a melhor postura a ser adotada. O senso comum e seu modo de vida, baseado em crenas e desejos, permanecem inabalveis, tal como na origem helnica da filosofia ocidental.Dada a incapacidade da filosofia fornecer respostas definitivas que fechassem qualquer uma de suas questes, volta-se a discutir, hoje, os problemas cognitivos a partir de um ponto de vista mais aproximado das caractersticas intuitivas, intencionais e explicativas do senso comum. As crenas e desejos dos indivduos passam a ser base do pensamento filosfico contemporneo. O individualismo metodolgico, ento, passa a ser a principal marca das investigaes feitas pelas cincias humanas, sem que para isso tenha de se perder uma atitude crtica e inquiridora. Contribuiu para isso, um certo descrdito nas promessas da tendncia positivista das cincias. J no se pensa, hoje, como se pensava, no final do sculo passado, que o desenvolvimento das cincias e da investigao filosfica iria proporcionar maior progresso e bem-estar da maioria da populao. As aes desastrosas cometidas em nome do desenvolvimento cientfico e da soberania da razo, ao longo deste sculo, foram suficientes para abalar essas pretenses.A Filosofia do Senso ComumPorm, antes disso tudo acontecer, o senso comum j encontrava um defensor contundente entre um daqueles filsofos que seguem a tradio analtica de abordar um tema filosfico, isto , tendo como ponto de partida a compreenso precisa do significado das expresses da linguagem. Este filsofo foi o ingls George Edward Moore (1873-1958), que escreveu um ensaio intitulado Uma Defesa do Senso Comum (1925). Neste ensaio, ele sustenta que certos trusmos derivados do senso comum podem ser tidos como verdadeiros. Por exemplo, saber que um corpo humano presente e vivo meu ou no; que em tempos diferentes, muitas diversas coisas aconteceram e que eu nasci num determinado tempo no passado, etc(1). Para Moore, cada indivduo, na maioria das vezes, sabe sobre si mesmo todas aquelas afirmaes de sua histria pessoal que ele afirma saber, no que diz respeito a seu pensamento e corpo. A confuso criada pelos filsofos em torno desse tipo de conhecimento dar-se-ia pelo fato deles tomarem essas questes do ponto de vista de uma terceira pessoa, fora daquele que afirma saber o que diz. Em outras palavras, outros seres humanos poderiam ter outros corpos sem que o sujeito soubesse que eram corpos humanos, j que da posio subjetiva no h como saber o que aconteceu no passado com outros seres humanos, alm do prprio sujeito. Ora, da perspectiva externa, ningum pode assegurar a verdade das proposies do senso comum. S do ponto de vista interno e pessoal que algum pode dizer que sabe algumas sentenas triviais do senso comum, pertinentes ao seu prprio saber. O que Moore quer garantir esse conhecimento mnimo de que cada um sabe que sabe a verdade das proposies do senso comum.(...) Falar com desprezo daquelas "crenas do senso comum" que mencionei certamente o mximo dos absurdos. E h, obviamente, grande nmero de outras caractersticas na "viso do mundo do Senso Comum" que, se aquelas [crenas] so verdades, so certamente verdade tambm: por exemplo, que viveram sobre a superfcie da terra no apenas seres humanos, mas tambm muitas espcies diferentes de plantas e de animais etc etc (MOORE, G. Op. Cit., in Escritos Filosficos, p. 253).Com isso, Moore quer dizer que se uma pessoa sabe que uma proposio do senso comum verdadeira, no h motivos para se duvidar que ela saiba, de fato, essa verdade. Isso no impede que outros acontecimentos venham a negar tal verdade. Entretanto, preciso que alguma pessoa saiba que essa nova informao seja verdadeira, para que ela possa ser sustentada. O senso comum no precisa de mais nada, para provar a sua verdade, a no ser do conhecimento interno de algum que sustenta uma dada afirmao como verdadeira. Alm disso, uma vez posto esse conhecimento bsico, a verdade do mundo exterior tambm poderia ser sustentada, do mesmo modo que as sentenas triviais, a partir da certeza de quem sabe.Fora essa defesa de aspecto analtico, outras formas de encarar o comportamento humano tiveram de recorrer s expresses do senso comum, a fim de explicarem a ao do agente humano. Para se conhecer as verdadeiras causas do ato de um agente, seria preciso apelar, ento, ao uso de termos como crenas e desejos que interagiriam na mente produzindo uma determinada conduta. O vocabulrio de uma psicologia popular - para autores como Donald Davidson e Daniel Dennett, por exemplo - no poderia ser reduzido aos enunciados de uma cincia da natureza, como a fsica e a neurologia.Os defensores da psicologia popular afirmam que a complexidade dos mecanismos de deciso para uma ao no permite que se abandone as crenas e desejos do senso comum, em favor de uma simples explicao fisiolgica, sem levar em considerao as caractersticas intencionais de um evento mental. Se uma srie de neurnios afetada pela presena de determinado neuro-transmissor, esse fato por si s no explica porque uma pessoa prefere ir para o trabalho a p, de nibus, metr ou txi. As escolhas de um agente humano, entendida em termos de preferncia, no se deixam reduzir a sua base fsica e material.Embora nenhum evento na natureza possa ocorrer sem o suporte material, isso no quer dizer que a melhor interpretao desse evento deva se dar no mbito das cincias naturais. Sobretudo quando se trata da ao humana, palavras como livre arbtrio, desejos, crenas e hbitos so indispensveis para o entendimento adequado das causas que esto "por detrs" do ato. A representao da informao na mente e o processo de deliberao feitos pelos indivduos precisam ainda da esfera da psicologia popular, tpica do senso comum, para que uma explicao do fenmeno mental seja bem sucedida.Nesse sentido, a intencionalidade est alm da descrio neuro-fisiolgica do comportamento humano. Apesar de no conseguir, ainda, propor leis sobre esse comportamento, a psicologia popular no pode ser dispensada e o senso comum tem aqui um papel a desempenhar.O Falibilismo e o Bom sensoAs cincias humanas tm como acrscimo a dificuldade de explicar as circunstncias em que a razo falha, sem que isso seja causado por um distrbio mecnico funcional do organismo. Se acaso algum resolve seguir seus instintos, a despeito de todas as razes contrrias, o mximo que se pode dizer que essa pessoa age de modo irracional. Mas no h uma lei natural que possa descrever com preciso quando a razo falhar ou no. Outros fatores como a falta de informaes suficientes, desejos, influncias diversas e observaes distorcidas podem ter uma participao efetiva nas tomadas de deciso. Por vezes, a sorte dever tambm ser considerada, sob a rubrica de uma margem de segurana das previses.Nesse contexto, com a intuio que se conta. Alternativas contra-intuitivas, geralmente, tendem a ser desastrosas, mas mesmo assim isso no constitui uma regra. Dada a imponderabilidade dos fatores envolvidos num fenmeno qualquer, a razo deve apoiar-se em ltima instncia no bom senso do senso comum, onde as chances de algo vir a ocorrer como o previsto se baseiam num hbito consolidado por sucessivas observaes empricas registradas pela tradio.O reconhecimento das limitaes da razo e uma postura crtica diante de normas dogmticas podem ser a sada mais recomendvel nos dias de hoje. A filosofia do senso comum deve, ento, estar atenta a esses dois guias que s o amadurecimento da investigao emprica pode gerar. J no cabe mais apelos a doutrinas idealizantes que tenham respostas para tudo, como tambm no se aceita mais o recurso a supersties e lendas fantasiosas. Entre o rigorismo das cincias do passado e a impreciso do senso comum, a filosofia contempornea encontra seu caminho. O senso comum deixa de ser, portanto, o "primo-pobre" que precisa de ajuda, mas se transforma numa fonte rica de informaes brutas a serem trabalhadas por uma pesquisa criteriosa, todavia no conclusiva. O desdobramento dos eventos dos ltimos cem anos serviu para reabilitar o conhecimento pr-filosfico da tradio, ao mesmo tempo em que refreou os impulsos fundamentalistas dos filsofos e cientistas reducionistas. Em nenhum campo do conhecimento humano, a filosofia conseguiu sozinha melhores resultados do que o senso comum. Os problemas ticos e cognitivos da civilizao helnica permanecem sem soluo at hoje. No h uma concluso sobre a melhor forma de agir ou validar uma ao. Assim como no se sabe com certeza como os eventos do mundo fsico iro se comportar no futuro, graas imponderabilidade gerada pelas complexas interaes entre todos elementos na natureza.A indeterminao na natureza, reconhecida pelas cincias naturais no incio desse sculo foi outro fator a tornar o conhecimento cada vez mais relativo ao ponto de vista do observador. Estendida filosofia, o indeterminismo alimenta o relativismo e outras tendncias falibilistas, tais como o pragmatismo que se apiam numa investigao do mundo desde a tica assumida de um modo de vida estabelecido. Nesse caso, a melhor alternativa perante as circunstncias que deve ser considerada apropriada a uma ocasio, o que constitui um conhecimento provisrio, mas plausvel, tendo em vista todos elementos envolvidos.Agora, livre dos preconceitos, a filosofia pode trabalhar com os dados do senso comum, a fim de encontrar os esclarecimentos crticos necessrios que proporcionem ao homem contemporneo tomadas de decises adequadas e uma melhor compreenso da complexidade dos fatos do mundo. A despeito de tentativas reducionistas anacrnicas, a filosofia e o senso comum seguem lado a lado permitindo a abertura de novas linhas de pesquisa como a recente abordagem sobre o conhecimento humano sugerida pela teoria da mente - que discute o processo mental, a partir da perspectiva da psicologia popular e do desenvolvimento da cincia computacional - e pela teoria da justia como imparcialidade - que tem em John Rawls seu principal defensor e pretende estabelecer princpios de poltica justos sem apelar para concepes metafsicas, utopias irrealizveis e fundamentos ltimos, supondo um equilbrio reflexivo de uma sociedade j formada.Junto ao senso comum, a filosofia contempornea pe, finalmente, os ps no cho e comea a caminhar, tendo como objetivo atender as exigncias explicativas de seres humanos de carne e osso, portadores de crenas, desejos, sofrimentos e histrias particulares.BibliografiaDAVIDSON, D. Essays on Action and Events. - Oxford: Claredon Press, 1980.ELSTER, J. 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Desde o incio, cincia e filosofia caminharam juntas e, pelo menos at o sculo XIX, no fazia muito sentido separar as teorias cientficas das teorias filosficas. O que hoje consideramos cincias era antes chamado, de um modo geral, de "filosofia da natureza"(1). Esses estudos procuravam fornecer uma explicao sobre o mundo que permitisse apontar as leis determinantes de todos eventos naturais, incluindo o movimento dos corpos celestes, as reaes dos elementos qumicos e a origem dos seres vivos. medida que essas teorias obtinham xito na descrio dos fenmenos da natureza, crescia a iluso de se construir uma teoria pura e completa, capaz de prever com exatido todos os acontecimentos, muito antes que eles viessem a ocorrer. A concepo do "demnio de Laplace" - uma entidade, que ao observar, ao mesmo tempo, a velocidade e posio de cada elemento na natureza, seria, a partir disso, capaz de deduzir toda evoluo do Universo, tanto no passado como no futuro - representa o tipo de mentalidade confiante que foi constituda graas ao sucesso das leis propostas por filsofos, como Isaac Newton e Antoine L. Lavoisier (1743-1794), tanto na fsica como na qumica. Essa entidade imaginria - sugerida pelo astrnomo e matemtico Pierre Simon Laplace (1749-1827) - revela o quanto a perspectiva determinista da natureza estava arraigada na pretenso das cincias clssicas. Bastava que se conhecesse a posio e a velocidade iniciais dos objetos, para que uma lei natural pudesse prever todos eventos a eles relacionados, sua origem e seu destino.Tamanha pretenso acabou por gerar uma tendncia a separar os rumos das pesquisas cientficas, da investigao filosfica dos fundamentos e princpios que explicariam porque um certo fenmeno acontece de um modo e no de outro. s cincias seria suficiente encontrar uma teoria que descrevesse o comportamento da natureza e pudesse prescrever seus desdobramentos, enquanto caberia filosofia a justificativa racional do porque disso ser assim e no de outro modo. Como conseqncia dessa diviso de tarefas, o positivismo, desenvolvido por Auguste Comte (1798-1857) na sua forma mais radical vem propor a reduo da filosofia especulativa - sobretudo a metafsica - aos resultados da cincia, cujo mtodo deveria ser aplicado a todas as outras formas de conhecimento. Surgem, ento, as cincias sociais - a antropologia e a sociologia - como disciplinas voltadas exclusivamente para o exame dos mecanismos e relaes que geram os fatos sociais e a interao humana, de um perspectiva neutra, deixando de lado as motivaes e interesses que esto na origem do conhecimento cientfico.Determinismo e IndeterminaoAs cincias clssicas, destacadas da filosofia, assumem, portanto, essas caractersticas deterministas e de pretenso de neutralidade que permitiram o desenvolvimento de uma tecnologia como produto de um conhecimento positivo da natureza. Entretanto, enquanto essa vertente cientificista ia tomando corpo, outras pesquisas, que produziam resultados divergentes dos paradigmas dominantes, comearam a abalar as certezas em torno das leis clssicas da fsica. Durante os dois sculos que se seguiram inaugurao do sistema newtoniano, as trs leis fundamentais da mecnica e a noo determinista imanente permaneceram inabalveis. As principais dificuldades para a viso mecanicista do universo surgiram a partir da segunda metade do sculo XIX em diante. Principalmente depois que o fsico alemo Rudolf J. E. Clausius estabeleceu, em 1850, a segunda lei da termodinmica - tambm conhecida como princpio de degradao de energia (ou entropia) -, pela qual o calor no passa espontaneamente de um corpo para outro de temperatura mais alta, mas sim do corpo mais quente para o mais frio. Ao longo do tempo, seria impossvel que o calor dissipado por um corpo fosse reconstitudo depois dele ter esfriado. Isso no permitiria a reversibilidade do tempo, como queria Newton, dificultando a localizao de um ponto no passado, desde os dados do presente, uma vez que a energia fora dissipada por um objeto em movimento, no poderia ser totalmente resgatada. Isso no forneceria condies para o clculo absolutamente preciso de sua trajetria num tempo passado, pois o tempo teria uma direo irreversvel que privilegiaria o deslocamento para o futuro.Por outro lado, o matemtico francs Jules-Henri Poincar, em 1905, observava que mesmo a lei da gravitao - por ele considerada a "menos imperfeita de todas as leis conhecidas"(2) - quando prev o movimento entre dois corpos no espao, deve negligenciar a interferncia de outros objetos envolvidos nessa relao, a fim de poder calcular com "preciso" as suas trajetrias. A rbita da Lua em torno da Terra, por exemplo, teria de omitir a influncia do Sol e outros astros do sistema solar. O deslocamento da Lua s poderia se dar com uma quase-certeza, aqum da pretenso suposta pela fsica clssica: "embora essa probabilidade seja praticamente equivalente certeza, no mais que uma probabilidade", disse Poincar em O Valor da Cincia(3).Poincar foi o primeiro a mostrar, matematicamente, a complexidade existente na interao gravitacional de um sistema com mais de dois corpos e que a fsica clssica no poderia encontrar uma soluo geral, para esse tipo de problema, na trilogia Les Mthodes Nouvelles de la Mcanique Cleste (Os Novos Mtodos da Mecnica Celeste,1892-1899). Mas com o surgimento da fsica quntica que o determinismo das leis naturais se torna problemtico nas experincias que tentam fazer uma medio das partculas subatmicas. A dificuldade de medio decorre do fato de que o prprio ato de observao de uma partcula altera a posio e a velocidade do objeto examinado. Os eventos da fsica atmica apresentam a impossibilidade de se prever a trajetria de um eltron, por exemplo, no intervalo entre os momentos inicial e final da experincia, por mais preciso que seja o instrumento.Em conseqncia disso, o fsico dinamarqus Niels Bohr (1883-1962) propunha que, apesar dos fenmenos transcenderem "o mbito da explicao da fsica clssica, a descrio de todos os dados deve ser expressa em termos clssicos"(4). Dessa forma, ele procurava descrever os novos fenmenos atravs de uma linguagem "complementar" que utilizasse os termos consagrados pela tradio, ao lado de um rigoroso clculo matemtico que fosse alm da perspectiva determinista ou reducionista das imagens clssicas. Ou seja, os "dados obtidos em diferentes condies experimentais no podem ser compreendidos dentro de um quadro nico, mas devem ser considerados complementares, no sentido de que s a totalidade dos fenmenos esgota as informaes possveis sobre os objetos"(5). Assim, onde a descrio da fsica clssica falhasse, uma nova interpretao do fenmeno, sob a tica da matemtica formal da mecnica quntica, ampliaria o quadro explicativo, proporcionando maior preciso na explicao do evento fsico.Conhecimento e InteresseAs conseqncias dessa nova postura da fsica contempornea podem ser estendidas para as cincias humanas, em geral. A impossibilidade de reduzir-se o comportamento humano a uma explicao meramente mecnica, mantm como vlida as descries que levam em conta o livre arbtrio, as crenas e os desejos. Pois as cincias da natureza no poderiam se valer de conceitos como liberdade e vontade, tradicionais na atribuio de intenes aos agentes humanos, j que da perspectiva externa dos observadores das cincias da natureza, a explicao s poderia se d utilizando termos como posio dos corpos, acelerao, massa, fora, entre outros, sem apelar para fatores intencionais de cada indivduo envolvido.A impossibilidade de uma construo terica objetivista e reducionista, por parte das cincias empricas, atinge tambm a pretenso de neutralidade, que outrora se imaginava quanto aos interesses subjetivos dos prprios cientistas. Uma vez que - tanto na fsica, como na sociologia - a posio do pesquisador-observador interfere decisivamente nos resultados da experincia, sua postura neutral fica comprometida. Neste instante, os interesses de cada um devem ser considerados. Cabe, ento, epistemologia, como crtica filosfica do conhecimento cientfico, questionar os mtodos da cincia em sua pretenso de formular uma cincia pura da natureza, sem levar em conta os interesses de quem observa e observado, ao se fazer uma escolha por um determinado encaminhamento da investigao.A aplicao do mtodo das cincias empricas s cincias humanas no pode mais aspirar ao reducionismo ou eliminao de uma explicao que considere os interesses especficos de cada disciplina. A crtica epistemolgica, do conhecimento cientfico, pode agora chamar ateno para o fato de que o suposto objetivismo das cincias esconde uma tentativa de fornecer instrues dogmticas para a ao, sem qualquer reflexo quanto aos interesses incorporados na busca de conhecimento. A crtica filosfica das cincias pode afirmar, tendo em vista os desdobramentos das revolues cientficas, que tal neutralidade no impede os cientistas de intervirem na prtica social, segundo os interesses sugeridos nas leis deterministas ou no de suas teorias(6). A manuteno de um paradigma cientificista imparcial e reducionista revela o tipo de interesse e a estrutura comunitria de um grupo de cientista que opta por uma concepo determinista da natureza e que pensa ter a cincia o poder de predizer os fenmenos, permitindo maior controle sobre eles. Apesar de todos problemas cognitivos impostos pela fsica contempornea e a pela crtica filosfica quanto motivao dos cientistas, ainda h fsicos como o ingls Stephen Hawking e o bilogos como E. O. Wilson que pensam o universo e o comportamento humano enquanto geridos por leis deterministas que o esforo da cincia tenta descobrir(7).Tal tipo de comportamento demonstra que, por mais isenta que seja uma pesquisa cientfica, a sua orientao feita tendo em mente os interesses e a tradio de um certo grupo de cientista que elaboram suas teorias e executam suas experincias, de acordo com os pressupostos aceitos pela comunidade a qual cada um esteja vinculado. Pois como sugere Thomas Kuhn, em A Estrutura das Revolues Cientficas (1970), o paradigma dominante que eleger os membros a serem aceitos pela comunidade cientfica, o processo a ser adotado, os objetivos a serem investigados, alm das variantes aceitveis, segundo o padro cientfico(8).A cincia, como toda atividade humana, est sujeita a esses fatores de socializao que visam a sobrevivncia do grupo ou comunidade. As experincias que fogem dos padres adotados, como aquelas que demonstraram as caractersticas aleatrias, no deterministas, na natureza, serviram para apontar as limitaes das pretenses reducionistas e deterministas do conhecimento cientfico que predominou nas cincias clssicas. Por outro lado, elas serviram tambm como uma contra-prova que revelou as tendncias dogmtica e positivista dos cientistas que tentavam propor leis inquestionveis para a ao humana, diante da natureza. Nestas circunstncias, a implementao desse novo paradigma indeterminista da fsica contempornea contribuiu para que a epistemologia criticasse a neutralidade dos cientistas quanto aos interesses sociais e sua incorporao numa tradio histrica, que nem sempre assumida pelos prprios pesquisadores, seja nas cincias da natureza, nas exatas ou humanas. O que prova a existncia de limites para o conhecimento cientfico neutro e absoluto.BibliografiaASIMOV, I. Gnios da Humanidade. - Rio de Janeiro: Bloch, 1974.BOHR, N. Fsica Atmica e Conhecimento Humano; trad. Vera Ribeiro. - Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.HABERMAS, J. Tcnica e Cincia como "Ideologia"; trad. Artur Moro. - Lisboa: Edies 70, 1987.KUHN, Th. A Estrutura das Revolues Cientficas; trad. Beatriz V. Boeira e Nelson Boeira. - So Paulo: Perspectiva, 1997.NEWTON, I. Princpios Matemticos; trad. Carlos L. Mattos. - So Paulo: Abril Cultural, 1983.PENROSE, R. O Grande, O Pequeno e a Mente Humana; trad. Roberto L. Ferreira. - So Paulo: UNESP/Cambridge, 1998.POINCAR, J-H. O Valor da Cincia; trad. M Helena F. Martins. - Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.PRIGOGINE, I. e STENGERS, I. A Nova Aliana; trad. Miguel Faria e M Joaquina M. Trincheira. - Braslia: Unb, 1991.Notas1. Isaac Newton (1642-1727) batizara sua obra principal de Philosophie Naturalis Principia Mathematica (Princpios Matemticos da Filosofia Natural, 1687), enquanto o naturalista Jean B. Lamarck (1744-1829) publicara sua teoria evolucionria no livro Philosophie Zoologique (Filosofia Zoolgica, 1809), que muito influenciou Charles Darwin. 2. POINCAR, J-H. O Valor da Cincia, cap. XI, 5, p. 158. 3. POINCAR, J-H. Op. Cit, idem. 4. BOHR, N. "O Debate com Einstein Sobre Os Problemas Epistemolgicos Da Fsica Atmica", in Fsica Atmica e Conhecimento Humano, p. 50. 5. BOHR, N. Op. Cit., p. 51. 6. Veja HABERMAS, J. "Conhecimento e Interesse", in Tcnica e Cincia como "Ideologia", cap. VII, p. 145/147. 7. Veja HAWKING, St. Buracos Negros, Universos-Bebs e WILSON, E. O. Sociobiology. - Cambridge: Havard University Press, 1975. 8. Veja KUHN, Th. A Estrutura das Revolues Cientficas, posfcio p. 217-257.

Autor: Antnio Rogrio da SilvaUnidade 4:Cincia A Reforma da Natureza;

A Terra levou cerca de 3 bilhes de anos para criar as condies necessrias para que a vida em sua superfcie pudesse se desenvolver a ponto de gerar a enorme diversidade que habita o planeta atualmente. Em seu livro Diversidade da Vida (1992), o bilogo Edward O. Wilson afirma que um quinto das 100 milhes de espcies que se supe existir, no presente, poderiam desaparecer ou entrar em processo de extino por causa da interferncia humana, destruindo florestas, poluindo e introduzindo espcies exticas em meio ambientes frgeis(1). Ao lado disso, a biologia vem desenvolvendo um projeto que tem por finalidade mapear todo cdigo gentico humano, at 2010. Por trs dessa