Apostila do Curso de Extensão - Técnicas de Laboratório em Arqueologia: Procedimentos básicos...

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Esta apostila foi elaborada com o intuito de servir como material de apoio ao curso deextensão Técnicas de Laboratório em Arqueologia: Procedimentos básicos paraconservação de acervos, promovido pelo Núcleo de Pré-História e Arqueologia(NuPHA/PPGH/UPF).O material apresenta informações práticas sobre a organização do curso, além de umabreve explanação sobre a Pré-História do Rio Grande do Sul e descrição do conteúdoprogramático.

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TÉCNICAS DE LABORATÓRIO EM ARQUEOLOGIA Procedimentos básicos para conservação de acervos

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA)

Campus I – BR 285, Km 171 – Bairro São José – Passo Fundo, RS. CEP: 99001-970 E-mail: [email protected] Fones (54) 3316-8339 /3316-8337

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APRESENTAÇÃO

Esta apostila foi elaborada com o intuito de servir como material de apoio ao curso de extensão Técnicas de Laboratório em Arqueologia: Procedimentos básicos para conservação de acervos, promovido pelo Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA/PPGH/UPF).

O material apresenta informações práticas sobre a organização do curso, além de uma breve explanação sobre a Pré-História do Rio Grande do Sul e descrição do conteúdo programático.

Fabricio J. Nazzari Vicroski

Passo Fundo/RS, agosto de 2012.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .............................................................................................................. 02 1 INFORMAÇÕES GERAIS ................................................................................................ 04 2 INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA DO RIO GRANDE DO SUL ............. 06 3 ACERVOS ARQUEOLÓGICOS PRÉ-COLONIAIS ............................................................. 19 4 HIGIENIZAÇÃO DE ACERVOS LITO-CERÂMICOS .......................................................... 25 5 PROCEDIMENTOS PARA DOCUMENTAÇÃO GRÁFICA................................................. 29 6 DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA ................................................................................ 32 7 CATALOGAÇÃO E ACONDICIONAMENTO DE MATERIAL ARQUEOLÓGICO ................ 33 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 35

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1 INFORMAÇÕES GERAIS

NATUREZA DO CURSO: Curso de Extensão Semipresencial. CARGA HORÁRIA: 40 horas TEMÁTICA: Técnicas de Laboratório em Arqueologia: Procedimentos básicos para conservação de acervos; PROMOÇÃO: Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA) ORGANIZAÇÃO: Prof. Dr. Luiz Carlos Tau Golin; MINISTRANTES: Me. Fabricio J. Nazzari Vicroski; Ma. Vera L. Trommer Thaddeu; Lic. Cristine Mallmann Vicroski.

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BREVE DESCRIÇÃO:

O curso tem por objetivo oferecer aos participantes um contato inicial com acervos arqueológicos e as principais técnicas de laboratório em arqueologia, focalizando os procedimentos básicos para a preservação/conservação de acervos, constituindo-se em formação complementar para alunos de graduação, além de proporcionar um conhecimento introdutório sobre a pré-história no Rio Grande do Sul e o contexto atual do desenvolvimento de pesquisas arqueológicas no Brasil.

JUSTIFICATIVA:

A promoção de atividades didáticas vem de encontro à proposta do Núcleo de Pré-História e Arqueologia, ademais o desenvolvimento deste curso visa atender uma demanda crescente por atividades de formação complementar voltadas à área de arqueologia, proporcionando uma capacitação introdutória necessária à atuação inicial em projetos de pesquisa acadêmica ou licenciamento do patrimônio histórico-cultural.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:

• Introdução à Arqueologia Pré-Histórica do Rio Grande do Sul; • Acervos arqueológicos pré-coloniais; • Limpeza de material lítico e cerâmico; • Procedimentos para documentação gráfica; • Documentação fotográfica; • Catalogação de acervos; • Acondicionamento e armazenamento de material arqueológico.

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2 INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA DO RIO GRANDE DO SUL Condições ambientais nos primórdios do povoamento

Tratando-se da pré-história do Rio Grande do Sul, devemos retroceder no tempo cerca de 13.000 anos. Segundo Arno Kern (1994, p. 32) até o momento "a datação mais antiga que possuímos para a chegada dos primeiros caçadores-coletores é de 12.770 anos", com margem de erro de 220 anos para mais ou para menos.

Falamos de uma época de grandes alterações climáticas devido à transição Pleistoceno-Holoceno, ao final da última glaciação, quando os níveis do mar começaram a subir devido ao derretimento das geleiras provocado pelo aumento da temperatura e transformações na vegetação.

Esta imensa área foi pouco a pouco ocupada por grupos pré-históricos de caçadores-coletores-pescadores que se instalaram nas paleopaisagens ainda geladas, frias e secas do último período glacial. O território que habitamos atualmente não possuía no passado o clima de hoje (KERN, 1994, p. 33).

Em virtude das baixas temperaturas formaram-se grandes geleiras que retiam a água, consequentemente o nível do mar era bem mais baixo do que o atual. Considerando a importância da água para estas populações e seu eventual estabelecimento nas margens do oceano e/ou rios, podemos supor que parte dos sítios arqueológicos deste período podem estar submersos.

A flora desta época era semelhante às atuais paisagens do bioma pampa, estepes e savanas com vegetação rasteira (gramíneas), poucas árvores, alguns arbustos e vastas planícies.

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A maior diferença, contudo, ficava por conta da fauna, nos primórdios da ocupação do Rio Grande do Sul, os seres humanos dividiam o espaço com a chamada megafauna, "manadas de grandes animais herbívoros como o tatu e a preguiça gigantes e carnívoros como o tigre dente-de-sabre, que foram desaparecendo com as transformações das condições climáticas ambientais do Holoceno" (CUSTÓDIO, 2004, p. 7), possivelmente a caça predatória também tenha contribuído para a extinção destes animais.

Existiam ainda, outros animais similares a fauna atual, contudo, em proporções bem maiores, as preguiças-terrestres, por exemplo, poderiam atingiam até 6 metros de comprimento, os gliptodontes, similares aos atuais tatus, chegavam a cerca de 4 metros de comprimento e 1,5 metro de altura. Havia ainda animais similares as atuais lhamas, elefantes, cavalos, cervos, entre outros.

Estes animais foram extintos ao final do pleistoceno e começo do holeceno, há cerca de dez mil anos atrás, o que significa que no território do atual Rio Grande do Sul, a megafauna e os humanos conviveram por um período de tempo relativamente curto. Nos dias de hoje é possível encontrar fósseis destes animais espalhados pelo Estado do Rio Grande do Sul.

No início do ano de 2011, durante a construção de uma residência no norte do Estado, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade de Passo Fundo (UPF), notificaram o cadastramento de um sítio paleontológico relacionado aos animais da megafauna, mais precisamente uma paleotoca um abrigo subterrâneo possivelmente escavado por um gliptodonte.

A arqueologia ainda carece de informações a respeito da relação dos caçadorescoletores com estes animais. Somente nos últimos anos a atuação conjunta de geólogos, paleontólogos, arqueológos entre outros pesquisadores, tem permitido o

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cadastramento de inúmeros sítios similares no sul do país, além de propiciar o estabelecimento de uma relação entre os abrigos escavados por estes animais e as chamadas galerias subterrâneas, reutilizadas por grupos humanos em período posterior a extinção da megafauna. Caçadores-coletores dos campos e florestas

Neste período as populações pré-históricas eram nômades ou seminômades, deslocavam-se constantemente, desconheciam as técnicas de agricultura e domesticação de animais.

A alimentação provinha basicamente da coleta de frutos, tubérculos, moluscos, sementes, e raízes como mandioca e batata, além, é claro, da caça e pesca, fundamentais na dieta alimentar destes grupos, já que os invernos rigorosos nem sempre proporcionavam uma grande variedade de alimentos para a coleta.

Os instrumentos feitos em pedra lascada (como calcedônia, basalto, quartzo e arenito silicificado) constituem a principal evidência destes habitantes remotos, estes artefatos foram elaborados a fim de facilitar o cotidiano destas populações. Através do lascamento de uma pedra obtinha-se lascas extremamente cortantes, ou então um gume afiado para cavar raízes, talhar a madeira ou cortar alimentos como a carne. A primeira vista parecem instrumentos mal elaborados, ou até ineficientes, contudo cumpriam a função a que eram destinados.

Tais grupos humanos figuram entre os menos conhecidos pela arqueologia, pois quanto maior o tempo transcorrido menor as chances de conservação dos vestígios por eles deixados.

Sabe-se, contudo, que andavam em pequenos grupos, ao alojarem-se temporariamente em um determinado local (que poderia ser tanto a céu aberto como

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em abrigos naturais encontrados nos sedimentos rochosos), priorizavam áreas próximas aos cursos d'água.

As cavidades e/ou cavernas existentes nas rochas constituíam um abrigo seguro para o estabelecimento de um acampamento provisório, estes locais, oferecem ainda condições propícias à preservação dos vestígios arqueológicos, como pontas-de-projétil, raspadores, lascas retocadas, polidores e até mesmo vestígios de origem orgânica, pois exceto uma eventual ação antrópica, não passaram por grandes alterações desde aquela época, conservando inclusive algumas gravuras rupestres deixadas por estas populações nas paredes dos abrigos.

Nos acampamentos a céu aberto montavam estruturas em madeira cobertas com fibras vegetais e peles de animais, estes locais, no entanto, raramente apresentam boas condições de preservação.

Utiliza-se, na arqueologia, o termo Tradição Umbu e Tradição Humaitá como forma de classificar a cultura material dos caçadores-coletores que habitavam o sul do país.

O termo tradição foi cunhado para designar um conjunto de elementos geralmente relacionados às técnicas de produção de artefatos líticos e cerâmicos ou de padrões de habitação que persistem ao longo de um certo período de tempo. Trata-se, portanto, de "uma sequência de estilos ou de culturas que se desenvolvem no tempo, partindo uns dos outros, e formam uma continuidade cronológica" (SOUZA, 1997, p. 124).

Esta terminologia leva em conta os fatores tipológicos da cultura material produzida pelas populações pretéritas, ignorando eventuais diferenciações existentes entre estes grupos em outros níveis, como o cultural, social, linguístico, econômico, entre outros. Ela corresponde, portanto, tão somente à uma classificação de sua cultural material, e não à composição étnica destes grupos, que certamente era bem

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mais diversificada. Dentro das tradições, normalmente são identificadas algumas variações culturais, estas por sua vez são denominadas de fases, pois apesar de apresentarem algumas diferenças ainda seguem o mesmo padrão cultural.

A indústria lítica associada à Tradição Umbu diz respeito aos grupos que vivam nos campos, enquanto a Tradição Humaitá representa os habitantes das florestas.

As evidências arqueológicas têm sugerido a contemporaneidade destes grupos, contudo, a ocupação de ambientes distintos possivelmente influenciou suas formas de adaptação ao meio, refletindo desta forma em sua cultural material.

Enquanto os habitantes dos campos desenvolveram uma indústria lítica com pontas-de-projétil e bolas de boleadeira que seriam facilmente utilizadas em áreas abertas, os grupos humanos que vivam nas florestas subtropicais produziram pesados instrumentos de pedra lascada, como machados, picaretas, talhadores, raspadores, entre outros, adequados, portanto, a vida na mata, com os quais poderiam cortar e trabalhar a madeira, além de cavar raízes e construir habitações.

Nos acampamentos identificados nas encostas do planalto, não há maiores vestígios de suas habitações, possivelmente construídas em madeira, o que impossibilita sua conservação. Sobre sua dieta alimentar, sabemos que o pinhão era largamente utilizado, complementada pela coleta de outros recursos como a caça e pesca. É característico destes grupos um artefato de pedra lascada bifacial com forma bumerangóide, seu gume cortante raramente apresenta sinais de uso, o que leva a crer que possuía funções simbólicas ou ritualísticas.

O período holecênico trouxe consigo algumas transformações ambientais que ocorreram de forma gradual. Por volta de seis mil anos atrás ocorreu uma certa estabilidade do clima, possibilitando o aumento da vegetação, que até então concentrava-se, sobretudo, nos vales. Neste contexto o calor e a umidade foram

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fundamentais para a formação das primeiras florestas, como as dos vales do rios Uruguai, Jacuí, Taquari, Antas, entre outros.

Nestas condições, também ocorreu a expansão humana para outras regiões do atual território rio-grandense, onde até então estas populações não haviam encontrado maiores atrativos. Povos do litoral

Há aproximadamente seis mil anos, os grupos humanos passaram a ocupar praticamente todas as regiões, na zona litorânea, por exemplo, "o clima mais quente propiciou o aumento da fauna marinha, o que favoreceu o estabelecimento de grupos coletores, pescadores e caçadores no litoral, nas proximidades do mar, perto de lagoas, mangues e baías" (CUSTÓDIO, 2004, p. 12).

É possível encontrar os vestígios destas populações, sobretudo, em áreas próximas a lagoas, mangues, banhados, enfim, onde havia uma oferta maior de alimentos.

Os vestígios mais significativos deixados pelos povos do litoral, sem dúvida são os sambaquis, (em Tupi-guarani: tamba = marisco + ki = amontoamento). Com o passar do tempo, os restos de alimentação como ossos de peixes, de aves e animais terrestres, e, sobretudo, conchas de moluscos, acumulavam-se juntamente com a areia formando montes de resíduos, alguns com até 30 metros de altura, em seu topo e arredores eram estabelecidas as habitações, pequenas choupanas com até 7 metros de diâmetro, em seu interior, muitas vezes encontram-se sepultamentos, acompanhados de objetos pessoais, como lâminas de machado polidas, colares e pingentes.

Entre os artefatos recorrentes é possível encontrar vestígios arqueológicos como anzóis, agulhas, furadores e pontas de flecha confeccionadas em osso, pesos de rede e/ou de anzol, pratos e variados instrumentos de pedra lascada e polida, além dos

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zoólitos e antropólitos, pequenas esculturas de pedra polida ou ossos de baleia em formato de animais ou humano. Em geral, possuem uma concavidade rasa no centro da peça, possivelmente utilizada para armazenar corantes e outros líquidos.

Os sítios litorâneos das culturas sambaquianas são encontrados por grande parte do litoral brasileiro, da Bahia ao Rio Grande do Sul. Segundo Schmitz (2006, p. 18) aqueles existentes na região de Torres possuem cerca de quatro mil anos, os mais antigos estariam entre o Paraná e São Paulo, com aproximadamente seis mil anos. Algumas pesquisas, no entanto, obtiveram datações de até dez mil anos. Naquela época o nível dos oceanos encontrava-se abaixo do atual, logo, os mais antigos podem estar submersos.

Além dos sambaquis litorâneos, também existem os sambaquis fluviais, ou seja, aqueles situados nos leitos dos rios, ocorrem em menor número em comparação com os litorâneos, e geralmente possuem dimensões menores.

Os sambaquis estão relacionados com a exploração do ambiente aquático (marinho, lacustre e fluvial) por diferentes populações, desde caçadores-coletores-pescadores à ceramistas-horticultores.

Povos dos campos do sul

As populações litorâneas não foram as únicas a se estabeleceram sobre amontoados de sedimentos, os grupos da denominada Tradição Vieira, possivelmente descendentes dos antigos habitantes dos campos, construíam aterros elevados em áreas alagadiças, onde estabeleciam suas moradias livres de eventuais enchentes.

Diferentemente dos sambaquis, estes montículos são basicamente de origem mineral, na arqueologia são denominados de cerritos. Ocorrem não apenas no Rio

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Grande do Sul, mas também no Uruguai e Argentina, em regiões que compartilham as mesmas características geomorfológicas.

Foram construídos em banhados nas imediações de lagoas e rios, locais com uma grande variedade de recursos alimentares, com várias espécies de peixes e moluscos, além é claro de frutas, pássaros e mamíferos de pequeno porte naturais deste habitat.

O processo de edificação dos cerritos não está totalmente esclarecido. Aparentemente, as habitações eram construídas antes de o montículo existir, pois existem vestígios de ocupação desde a base. Em dois sítios marcas de estacas aparecem já no embasamento arenoso. Acima deste, o sedimento arqueológico é formado por detritos alimentares misturados com areia. Pode-se pensar que esta foi sendo colocada progressivamente para manter a limpeza, sem ter que varrer o chão, e aumentar a altura para diminuir a umidade (PROUS, 1992, p. 296).

Quanto a sua forma, é geralmente circular ou oval, com diâmetros que variam de 15 a 100 metros, podendo atingir até 7 metros de altura. Tendo em vista a ausência de outras fontes de matéria-prima, a maioria dos artefatos líticos foi elaborada através das pedras trazidas pelas águas dos rios (seixos rolados), utilizados para a produção de lâminas de machado, bolas de boleadeiras, batedores, polidores, mãos-de-pilão, entre outros.

No tocante à indústria oleira, "as pesquisas arqueológicas constataram que, no início, os povos dos cerritos não produziam cerâmica, nem plantavam. Com o tempo, antes mesmo dos Guarani, começaram a plantar e a fazer potes de barro cozido, alguns decorados com marcas de palha tramada" (CUSTÓDIO, 2004, p. 13).

Os cerritos ocorrem de forma isolada ou agrupados. Em seu interior, assim como nos sambaquis, podem ser encontrados vestígios de sepultamentos.

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Ceramistas-horticultores do planalto Passando da região dos campos para as matas de araucária do planalto, temos os

povos que habitavam as florestas, relacionados à Tradição Taquara. Nestas matas que vinham se expandindo há pelo menos seis mil anos, havia uma árvore que se destacava, seja pela sua beleza ou pelo proveito que as populações pretéritas faziam dela. Trata-se do pinheiro-do-paraná (araucaria angustifolia) a árvore provedora do pinhão. Devido à sua importância, estas populações desenvolveram métodos para a sua conservação, possibilitando seu fornecimento ao longo do ano.

Os pinheirais ocupavam, originalmente, uma área de aproximadamente 20 milhões de hectares1, hoje restam cerca de 2%. Estima-se que, na época da chegada dos europeus, algumas regiões ocupadas pela Floresta Ombrófila Mista apresentavam mais de 200 araucárias por hectare (CARVALHO & NODARI, p. 7).

As florestas não eram tão intocadas quanto imaginavam os colonizadores europeus, grande parte destes pinheirais era resultado do manejo florestal praticado pelos indígenas, que não apenas realizavam uma seleção de espécies, como também as cruzavam, gerando sementes híbridas utilizadas posteriormente pelos imigrantes, algumas delas já extintas e outras em vias de desaparecer.

Os povos dos pinheirais foram os construtores das engenhosas habitações denominadas casas subterrâneas, popularmente conhecidas como buracos-de-bugre. Trata-se de buracos circulares escavados no solo ou na rocha em decomposição, com uma profundidade variável entre 0,50 a 8 metros e um diâmetro de 2 a 20 metros (REIS, 2007). Ocorrem predominantemente em regiões frias, geralmente em altas altitudes. Aparecem tanto isoladas como agrupadas, formando pequenas aldeias,

1 Um hectare (símbolo ha) corresponde a 10.000 metros quadrados, o que equivale aproximadamente a um campo de futebol com medidas oficiais (90 m x 120 m).

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neste caso podem ser interligadas por túneis, permitindo a comunicação entre as residências sem a necessidade de exposição ao ar livre.

O acesso ao seu interior se dava através de degraus em forma de escada ou então um único degrau que acompanhava a parede ao longo de toda sua circunferência, podendo ser utilizado também como uma espécie de bancada, eventualmente as paredes recebiam um revestimento de pedra e barro. Geralmente eram construídas nas encostas dos morros ou no topo, ao seu redor eram escavadas valas para o escoamento da água das chuvas.

Ainda não dispomos de dados definitivos sobre o telhado, foram encontrados vestígios de esteios laterais e central, sobre os quais apoiava-se uma armação para a sustentação de uma cobertura feita com galhos e fibras vegetais, mantendo-se um pequeno espaço entre o chão externo e o telhado, possibilitando a renovação do ar e a saída da fumaça das fogueiras realizadas em seu interior, das quais ainda é possível encontrar as pedras que a circundavam formando um pequeno fogão.

Preferiam os locais próximos a pequenos cursos d'água, "a ausência de rios navegáveis dificultava também o acesso de eventuais invasores canoeiros, como os Tupiguaranis" (PROUS, 1992, p. 312). Em meio às residências não raramente são encontrados pequenos montículos, onde eram realizados os sepultamentos.

Sua indústria lítica apresenta artefatos lascados e polidos, como mãos-de-pilão e de mó, enxadas, raspadores, talhadores, lascas retocadas, percutores, pontas-de-projétil, lâminas de machado, entre outros. A indústria oleira era constituída em sua maioria de pequenos recipientes, comumente de cor preta ou acinzentada escura. A superfície externa, em alguns casos apresenta marcas deixadas pelas tramas de cestaria, mas geralmente era alisada, e eventualmente decorada com pequenas incisões realizadas com as unhas ou objetos pontiagudos de forma alinhada, formando, por vezes, uma superfície similar a um favo de mel.

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Produziam uma variada cestaria a partir de fibras vegetais como a taquara, contudo, a umidade e acidez do solo dificultam sua conservação. Os vestígios de suas habitações ainda podem ser encontrados, muitas vezes são confundidos com buracos naturais provocados pela queda de árvores. Com o passar do tempo as estruturas perderam suas características originais mais evidentes, o telhado desabou, o vento e as chuvas provocaram a erosão das paredes e o acúmulo de terra em seu interior, a vegetação se desenvolveu e muitas vezes a depressão acaba por tornar-se quase imperceptível, praticamente nivelada com o solo.

Além das denominações de casa subterrânea e a popular buraco-de-bugre, há outras designações, como casas semi-subterrâneas ou enterradas, ou ainda estruturas subterrâneas, tendo em vista sua utilização não apenas como residência.

Dentre os grupos pré-históricos que ocupavam o território correspondente ao atual Rio Grande do Sul, certamente, os povos que habitavam as florestas de araucária figuram entre os mais conhecidos, inclusive por reconhecer-se alguns de seus remanescentes atuais, como os Kaingáng e Xokléng, agrupados linguisticamente ao ramo meridional da família Jê. Contudo, os indígenas sobre os quais mais possuímos informações seguramente são os Guarani, devido em grande parte às analogias que os pesquisadores se permitem fazer entre os grupos pré-históricos e seus atuais descendentes. Além de outras fontes como os relatos de viajantes e exploradores que percorreram o território brasileiro desde os primórdios da colonização europeia, deparando-se muitas vezes com estes grupos.

Seus predecessores seriam grupos pertencentes à família linguística Tupi-Guarani, do tronco Tupi, representados na arqueologia pela Tradição Tupiguarani2.

2 A designação Tupi-Guarani (com hífen) refere-se à família linguística, enquanto a palavra Tupiguarani (sem hífen) é utilizada para designar uma Tradição Arqueológica.

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De acordo com as teorias de maior aceitação, eles teriam migrado da Amazônia, chegando as margens do rio Uruguai por volta de dois mil anos atrás, ou teriam se irradiado a partir da bacia do rio Paraná, aqui chegando há pelo menos 1500 anos.

Seus vestígios mais antigos foram encontrados nos vales do rio Uruguai, diferentemente dos habitantes dos pinheirais, os Guarani privilegiavam a proximidade com os grandes cursos d'água, eram exímios canoeiros e contavam com a disponibilidade de alimentos deste ambiente.

Estabeleciam-se, geralmente, nas extensas várzeas situadas nas margens de grandes rios, estes locais, por sua vez, eram inundados em épocas de enchente, fazendo com que ali fossem depositadas sucessivas camadas de húmus, contribuindo de forma significativa para a fertilidade do solo, onde estabeleciam seus roçados.

De acordo com Schmitz (2006, p. 34) entre as espécies cultivadas pode-se citar o "milho, aipim, abóbora, batata doce, amendoim, feijão, cará, fumo, algodão e outras plantas tropicais, sob os cuidados das mulheres". A dieta era complementada pela coleta de moluscos fluviais, frutos, raízes, entre outros.

Entre os animais caçados figuravam a lebre, o veado, aves de diversas espécies, capivaras, lagartos, porco-do-mato, cutia, mico, peixes, enfim, toda uma variedade proporcionada pelo meio ambiente.

É importante salientar que a alimentação de um grupo dependia, sobretudo, de um alto grau de cooperação, demandando uma atividade coletiva, além da própria produção familiar (SCHMITZ, 2006). Este é um fator que influiu diretamente em sua forma de organização.

Suas aldeias eram formadas por várias casas com dezenas de metros de comprimento, construídas com estruturas de madeira e tramas vegetais. Estima-se que as aldeias menores abrigavam entre 200 e 300 pessoas, sabe-se, no entanto, que algumas eram formadas por milhares de habitantes, suas choupanas eram dispostas

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ao redor de uma praça central, uma única residência poderia acolher dezenas de pessoas.

Sua cerâmica era finamente elaborada, produzida através da sobreposição de roletes, são característicos os recipientes de grande porte, além de copos, pratos, panelas pequenas, médias e grandes, tigelas, entre outros.

A superfície poderia ser alisada, mas geralmente era decorada, com a ponta da unha, a polpa do dedo, escovada com espiga de milho, ou marcada com incisões através de objetos pontiagudos, produzindo os motivos decorativos mais variados.

Alguns recipientes também eram pintados, tanto na parte externa como interna, dependendo da sua forma e utilidade. Os pigmentos utilizados eam de cor branca, preta e vermelha. Habitualmente recebiam um engobo branco, e posteriormente os motivos eram pintados com vermelho e preto através de finos traços lineares compondo formas geométricas. Declínio das sociedades indígenas tradicionais

O território rio-grandense, em sua pré-história era constituído por um mosaico de culturas, com inúmeros povos, línguas e costumes. “Quando chegaram os espanhóis e portugueses, encontraram estas áreas da bacia platina povoadas por centenas de grupos de milhares de indígenas” (KERN, apud GOLIN & BOEIRA, 2009, p. 17). A partir do século XVII muitos deles foram conduzidos às reduções jesuíticas a fim de serem catequizados, outros foram capturados pelos bandeirantes paulistas para serem vendidos como escravos.

As constantes disputas territoriais entre Espanha e Portugal e as doenças trazidas pelos europeus resultaram na morte de milhares de indígenas. Com a chegada maciça de levas de imigrantes a partir do século XIX, seu espaço foi ainda mais reduzido. As

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companhias de colonização e alguns colonos contratavam os chamados bugreiros, grupos de extermínio que se embrenhavam na mata caçando os indígenas com o intuito de "limpar a área" preparando-a para receber o elemento europeu. Muitos grupos foram aldeados em reservas indígenas criadas pelo governo, principalmente na região norte do Estado, a última porção do território colonizada pelos imigrantes europeus.

Os atuais remanescentes apresentam-se em número reduzido, em virtude do processo de desaculturação iniciado desde o início da colonização deste território e da perda de seu espaço natural, encontram severas dificuldades para viver de acordo com seu modo de vida tradicional, alguns tentam se inserir na sociedade fundada pelos colonizadores, grande parte, no entanto, vive a margem da sociedade. 3 ACERVOS ARQUEOLÓGICOS PRÉ-COLONIAIS

Pedra

Os artefatos líticos figuram entre os principais vestígios deixados pelas populações pré-coloniais. A matéria-prima geralmente é composta por rochas como sílex, calcedônia, quarzto, quarztito, basalto, diabásio, riolito, arenito, granito, entre outros.

O suporte rochoso possibilitava a confecção de uma gama de artefatos, com utilidades funcionais como cortar, furar, raspar moer e triturar, ou ainda para fins simbólicos, como elemento de status, diferenciação social ou componente religioso.

Para a produção da indústria lítica pré-colonial eram empregadas diferentes técnicas, como o polimento, picoteamento, pressão e, principalmente, o lascamento e suas variações, aplicadas sobre blocos e afloramentos de rocha, além de seixos e lascas (Ver figura 1).

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Figura 1 – Confecção de um artefato lítico através do lascamento Ilustração: Fabricio J. Nazzari Vicroski

Além dos artefatos propriamente ditos, há as pedras modificadas pela sua utilização secundária, como bigornas, lascas térmicas, pedras de fogueira e bacias de polimento, alterados de forma involuntária (Ver figura 2).

Apesar das diferenciações tecnotipológicas, os artefatos líticos, em maior ou menor escala, fizeram parte da cultura material de todas as populações que habitaram o Estado durante a Pré-História, como caçadores-coletores, ceramistas-horticultores e as culturas litorâneas.

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Figura 2 – A) Transformação da matéria-prima lítica; B) Bifaces e lascas retocadas; C) Elementos descritivos do lascamento e instrumentos sobre a massa central;

D) Artefatos produzidos através do picoteamento e polimento. Fonte: PROUS, 1992.

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Cerâmica

No Rio Grande do Sul distinguem-se três indústrias oleiras pré-coloniais, aquelas relacionadas aos horticultores guarani (Tradição Tupiguarani), aos horticultores do planalto (Tradição Taquara) e aos povos dos cerritos (Tradição Vieira).

A produção de recipientes cerâmicos era exclusividade das mulheres, entre a coleta da argila e o processo de queima havia diversas etapas intermediárias. Após a escolha do barro, era preciso amassá-lo, aproveitando para remover as eventuais pedras e outros elementos indesejáveis. Em seguida misturava-se o antiplástico para reforçar a liga, como restos de outros recipientes moídos, cascas de moluscos, areia e cinzas.

Passava-se então a etapa de preparação dos roletes ou cordéis de argila, que eram sobrepostos de acordo com a forma e o tamanho desejado (Ver figura 3). Concluída a sobreposição era preciso unir os roletes com os dedos, em seguida com a ajuda de uma pedra, como um pequeno seixo rolado, por exemplo, alisava-se a superfície deixando-a uniforme (LA SALVIA & BROCHADO, 1989).

Figura 3 – Técnica de sobreposição de roletes aplicada à indústria oleira Ilustração: Fabricio J. Nazzari Vicroski

Dá-se o nome de acordelado a esta técnica podem ocorrer variações de acordo com a decoração que deseja-se aplicar à superfície, como por exemplo, marcar a argila ainda fresca com a ponta de palitos de madeira produzindo marcas similares a um favo de

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mel, além de marcas de unha, da polpa do dedo, escovado com sabugo de milho, beliscado, entre outros. A fim de facilitar os estudos e o diálogo entre os pesquisadores procura-se nomear as variadas técnicas de decoração, resultando numa nomenclatura variada.

A técnica de sobreposição de roletes difundiu-se especialmente entre os guarani, mas havia outras técnicas, utilizadas principalmente pelos povos jês, como a utilização de um molde feito de fibras vegetais que ao ser colocado no fogo desintegrava-se imprimindo suas marcas na superfície. Os recipientes menores poderiam ser facilmente modelados a partir de uma porção de argila. A utilização de torno para a produção cerâmica era desconhecida pelas populações pré-históricas que habitavam a região, somente foi introduzida com a chegada dos colonizadores europeus.

Há diferenças consideráveis entre os recipientes destas três culturas, facilmente detectáveis através das formas, tamanhos e decoração (Ver figura 4). A cultura ceramista tupiguarani produzia recipientes de grande porte, a superfície pintada ou decorada com a polpa do dedo estão entre as características mais marcantes destes povos. Já os habitantes do planalto, relacionados à Tradição Taquara, identifica-se com os recipientes de pequeno e médio porte, as paredes geralmente são pouco espessas e possuem coloração cinza ou marrom. Com relação aos habitantes dos campos (Tradição Vieira) geralmente a cerâmica apresenta um acabamento simples, com antiplástico grosseiro e paredes grossas e mal cozidas. Suas tigelas largas e rasas mostram-se adaptadas à preparação de peixes. Os recipientes mais antigos comumente apresentam a superfície lisa, com o passar do tempo passaram a apresentar marcas, como impressões de cestaria e pequenas depressões produzidas com a polpa do dedo (SCHMITZ; NAUE; BECKER, apud SCHMITZ, 2006).

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Figura 4 – A) Tradição Tupiguarani; B) Tradição Taquara; C) Tradição Vieira. Fonte: SCHMITZ, 2006.

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Outros vestígios

Além da pedra e da argila, uma série de outros elementos disponíveis na natureza foram utilizados pelas populações pré-coloniais do Rio Grande do Sul, como a madeira, ossos, material malacológico, entre outros.

Pela facilidade de obtenção, preparação e manuseio, a madeira foi largamente empregada, seja para a construção de habitações, como para a produção de instrumentos utilitários. No entanto, devido à acidez do solo, tais vestígios exigem condições propícias para sua conservação, como a deposição no interior de cavidades rochosas ou dentro de recipientes cerâmicos, acompanhando, por exemplo, sepultamentos secundários, ou ainda em ambientes encharcados com solos ácidos ou alcalinos.

A mesma situação se aplica a outros vestígios como ossos, couro, conchas de moluscos, fibras vegetais e sementes. Em regiões com solo arenoso, a exemplo da zona litorânea, há melhores condições de preservação, possibilitando a conservação de ossos e conchas, como ocorre nos sambaquis e também nos cerritos dos campos do sul, especialmente em áreas com solos alcalinos.

Nos sítios arqueológicos que não sofreram maiores alterações antrópicas, as lentes de carvão resultantes das fogueiras gueralmente encontra-se bem preservadas, possibilitando sua coleta para análises laboratoriais e datação.

4 HIGIENIZAÇÃO DE ACERVOS LITO-CERÂMICOS A relevância dos acervos arqueológicos reside não apenas nos artefatos propriamente ditos, um dos principais objetivos de uma escavação arqueológica é o volume

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qualitativo de informações que se pode obter com o cruzamento dos dados obtidos durante a escavação do sítio e das análises dos acervos realizadas em laboratório.

Para que se possa proceder a análise do acervo, antes de mais nada é preciso conhecer o contexto de sua procedência, executar sua higienização, permitindo sua manipulação, catalogação, exposição, acondicionamento e demais atividades. É interessante manter uma ficha com informações preliminares sobre o acervo, descrevendo seu estado de conservação, as condições de coleta em campo e seu posterior armazenamento até a chegada em laboratório, além de eventuais trocas bruscas de temperatura ou ambiente, e as características mais evidentes. Estas informações podem ser úteis no futuro, para fins de análises laboratoriais ou atividades de conservação e restauração.

É importante lembrar que durante a limpeza dos artefatos podem ocorrer contaminações, resultantes do material utilizado para a higienização. A contaminação pode acometer os vestígios cerâmicos, que muitas vezes ainda guardam incrustações de resíduos que permitem a identificação dos alimentos cozidos ou armazenados. Por isso é importante manter uma pequena amostragem do acervo não higienizado, possibilitando eventuais análises posteriores e testes laboratoriais.

Antes de iniciar as atividades de limpeza do acervo, deve-se examinar minuciosamente as peças, buscando evidências de outros resíduos como pigmentos e pós que podem contribuir para a caracterização de sua utilização. Caso esta análise mostre-se positiva, não deve-se proceder a limpeza da forma usual, pois a peça exigirá cuidados especiais de documentação e remoção, ou até mesmo manutenção dos resíduos (LORÊDO, 1994).

Diferentemente da cerâmica, a limpeza de artefatos líticos geralmente não requer procedimentos especiais. Quando a sujeira a ser removida é constituída por sedimentos como terra e areia, o material pode ser escovado em bacias com água

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limpa e enxaguado em água corrente. Deve-se evitar a utilização de instrumentos abrasivos, privilegiando escovas de tamanhos variados e cerdas firmes, variando de acordo com o tamanho do artefato e a quantidade de sujeira a ser removida.

Para a limpeza de manchas esporádicas de calcáreo pouco espessas, pode-se removê-las “mecanicamente com um bisturi ou faca de maneira cuidadosa para não arranhar o objeto [...]. No caso de incrustações mais espessas e generalizadas, não tente removê-las, envie o objeto ou fragmento, devidamente acondicionado, a um conservador” (LORÊDO, 1994, p. 107).

Após sua higienização, a secagem dos artefatos deve ocorrer à sombra, preferencialmente num local com boa circulação de ar. Durante a secagem algumas pedras podem apresentar manchas provocadas por sais solúveis absorvidos do lençol freático durante o período em que estiveram no subsolo. Neste caso as peças exigirão cuidados especiais, como a imersão prolongada num tanque de vidro ou plástico com água limpa, a ser trocada periodicamente, além de testes periódicos para cloretos em amostras de água (LORÊDO, 1994).

A cerâmica por sua vez, demanda alguns cuidados especiais, sobretudo determinados recipientes da indústria oleira tupiguarani, por apresentaram pinturas em sua superfície.

Em comparação com os vestígios líticos, a cerâmica apresenta uma enorme fragilidade, pode ser facilmente acometida por incrustações de sais minerais e rachaduras, além de movimentos como a dilatação e contração.

Cabe ressaltar que as peças cerâmicas que apresentarem resíduos em seu interior, como alimentos carbonizados, preferencialmente não devem passar pelo processo de limpeza, devendo-se pelo menos reservar uma amostra do acervo para posteriores análises laboratoriais.

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Para os objetos cerâmicos, especialmente àqueles com a superfície pintada, recomenda-se a lavagem com água deionizada, pois a utilização de água tratada pode desencadear reações químicas que se desenvolvem de forma lenta e gradual, resultando em pequenas fissuras ou descolamento do pigmento utilizado para a pintura. Tais reações não se manifestam de imediato, o resultado de uma limpeza ineficiente pode levar anos para transparecer.

A água deionizada é quimicamente pura e com carga elétrica neutralizada, não contém íons ou elementos orgânicos e inorgânicos. Em sua ausência deve-se privilegiar as águas mais puras possíveis.

A cerâmica com a superfície pintada pode ser limpa com a ajuda de algodão encharcado com água, nas peças com maior desgaste, a água pode ser substituída por álcool, possibilitando uma evaporação mais rápida, ao contrário da água, que pode ser parcialmente absorvida provocando pequenas fissuras.

As peças sem pintura podem ser lavadas com a ajuda de pincéis e pequenas escovas com cerdas macias. Não deve-se aplicar muita força, diante de maiores dificuldades para a remoção de sedimentos é preferível que se mantenha a peça parcialmente limpa do que comprometer sua integridade. Em caso de dúvidas quanto à resistência das peças, pode-se realizar um teste num pequeno fragmento, avaliando-se seu comportamento diante da escovação e lavagem.

No caso de fragmentos com exposição da borda ou com incisões na parte externa resultantes da decoração da superfície, quando necessário pode-se utilizar instrumentos pontiagudos, como palitos de madeira ou até mesmo bisturis para retirada de sedimentos. Esta técnica também pode ser utilizada para a remoção de sais solúveis incrustados superficialmente. No caso de camadas de sais solúveis com maior espessura, deve-se adotar procedimentos específicos de restauração e conservação, com a utilização de produtos químicos.

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Os procedimentos específicos para conservação e restauração também devem ser empregados em fragmentos ou peças que exigem sua consolidação em etapa prévia a higienização. Devido à sua fragilidade, determinados objetos cerâmicos precisam ser inicialmente consolidados com soluções ou emulsões de resinas acrílicas.

Dependendo da quantidade de resíduos, nem todos os fragmentos precisam ser necessariamente lavados, parte do acervo pode ser apenas escovada para a remoção da sujeira superficial.

Após a lavagem os objetos devem ser postos para secar sobre uma superfície plana e arejada. O processo de secagem da cerâmica é mais bem mais lento do que os artefatos líticos. É preciso deixá-los secar completamente antes de seu acondicionamento.

5 PROCEDIMENTOS PARA DOCUMENTAÇÃO GRÁFICA A documentação gráfica consiste no desenho das peças mais significativas. Apesar da contribuição inegável da fotografia, o desenho constitui um importante elemento para a análise tipológica, além de possibilitar o realce ou destaque de características importantes para o conhecimento arqueológico, nem sempre evidentes através das fotografias.

Não existem regras rígidas para a documentação gráfica, no entanto, há algumas orientações que devem ser seguidas para possibilitar a “leitura” do objeto representado graficamente (Ver figura 5). “A partir do ‘esqueleto’ apresentado, o leitor deverá imaginar, ou reconhecer, os objetos reais, muito mais ricos e complexos. O desenho da peça [...] pretende dar uma visão mais completa de um artefato real (PROUS, 1992, p. 100).

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Figura 5 – Orientações para a representação gráfica de peças arqueológicas

Fonte: PROUS, 1992.

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O objeto pode ser representado através de uma projeção plana de umas das faces ou ainda sob diferentes ângulos e cortes transversais e longitudinais. Tal escolha dependerá das características do objeto e dos elementos que se pretende destacar.

Com relação aos artefatos líticos, a superfície natural (córtex) é representada com pontilhados, as linhas finas representam as superfícies côncavas e convexas, que podem ser sombreadas com tracinhos curvos indicando seu relevo, já as linhas mais grossas delimitam o contorno das peças. Alguns sinais como pequenas setas podem ser utilizados para indicar o plano de percussão, a localização dos retoques e demais características que se deseja ressaltar. Devido à sua homogeneidade, os artefatos polidos exigem um esforço maior para sua representação gráfica. O pontilhado utilizado para destacar o córtex dos instrumentos lascados, pode ser empregado para indicar o relevo da peça, auxiliado pelo sombreamento, enquanto as marcas de polimento podem ser representadas por traços leves (PROUS, 1992).

Para facilitar o desenho, deve-se dispor de uma única fonte luminosa incidindo diretamente sobre a peça, orientando a direção dos traços e o seu sombreamento. “Considera-se que a luz vem sempre de cima e da esquerda. Quando as superfícies são ponteadas, a densidade dos pontos fica maior nas zonas menos expostas à luz, o mesmo acontecendo quando se trata de traços curvos nas superfícies lascadas” (PROUS, 1992, 102).

A representação gráfica dos recipientes cerâmicos segue o mesmo raciocínio. É comum a representação de cortes a fim de evidenciar a espessura e o perfil de parte do objeto retratado, sempre em sua metade do lado direito. Também pode-se realizar a reconstituição gráfica do recipiente através de cortes de perfil, onde os traços cheios representam as partes remanescentes, e a linha dupla corresponde à forma reconstituída.

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6 DOCUMENTAÇÃO FOTOGRÁFICA A documentação gráfica e fotográfica constituem recursos complementares à análise e documentação de acervos arqueológicos. Diferentemente do desenho arqueológico demonstrativo, a fotografia é figurativa, com o objetivo específico de retratar o artefato real.

Para que se possa obter o máximo proveito deste recurso, é importante seguir algumas orientações básicas que qualificam o registro fotográfico. O artefato arqueológico é o objeto de interesse central, neste caso deve-se criar as condições necessárias para que ele se destaque. Para tanto pode-se utilizar um plano de fundo, isolando eventuais elementos secundários, utilizando, por exemplo, um pano com coloração neutra para assegurar uma luz uniforme. A coloração do fundo pode variar de acordo com o objeto a ser fotografado. Entre o pano e o vidro também pode-se inserir uma pequena chapa de vidro, obviamente deve-se buscar um ângulo que evite a reflexão da luz. Este recurso pode aumentar a sensação de profundidade do objeto fotografado, além de produzir um bom resultado estético.

Como não haverá outros objetos na imagem que possibilitem uma referência de tamanho, é importante a utilização de uma escala em centímetros, com extensão variável de acordo com o tamanho da peça.

O ideal é que a máquina fotográfica esteja fixada num tripé, o que possibilita um tempo de exposição maior e evita que as imagens fiquem desfocadas ou tremidas. A fonte de luz pode ser tanto natural como artificial, desde que haja condições de redirecioná-las de forma que incida sobre o objeto, ressaltando suas formas e detalhes. Devido à proximidade entre a máquina fotográfica e o objeto, nem sempre a utilização do flash produz bons resultados, por isso pode-se utilizar uma fonte de luz artificial, como uma lâmpada ou luminária, ou direcionar a luz natural através de

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TÉCNICAS DE LABORATÓRIO EM ARQUEOLOGIA Procedimentos básicos para conservação de acervos

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA)

Campus I – BR 285, Km 171 – Bairro São José – Passo Fundo, RS. CEP: 99001-970 E-mail: [email protected] Fones (54) 3316-8339 /3316-8337

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pequenos painéis reflexivos que podem ser confeccionados com papelão revestido com papel alumínio.

Por fim um detalhe importante é a utilização do modo MACRO da máquina fotográfica, possibilitando a proximidade com o objeto fotografado e o grau de detalhamento necessário. Dependendo da qualidade da máquina, este recurso desfoca a área no entorno do artefato, realçando-o.

7 CATALOGAÇÃO E ACONDICIONAMENTO DE MATERIAL ARQUEOLÓGICO Após a conclusão das atividades de higienização do acervo, é preciso buscar uma forma de organização e acondicionamento que facilite a localização e manuseio dos artefatos sempre que necessário.

Uma das principais formas de organização é a catalogação das peças. É uma medida de controle sobre o acervo e suas informações. Agrupando os dados e codificando-os, pode-se permitir sua manipulação e análise. As peças podem receber siglas e códigos sequenciais que possibilitem relacioná-los de forma prática e lógica com sua tipologia, origem, medidas, matéria-prima, estado de conservação e localização junto ao acervo. Geralmente o sistema de catalogação e as informações registradas seguem o mesmo princípio, ou seja, registrar as informações referentes ao acervo e possibilitar o fácil acesso aos dados, porém, cada instituição pode definir quais os aspectos mais importantes a serem registrados no catálogo, que também deve integrar o registro fotográfico das peças.

Os códigos atribuídos a cada artefato podem ser escritos sobre a peça com uma caneta nanquim, buscando-se preferencialmente um local em que não se destaque, pois o mais importante é a peça, e não seu número de catalogação. Para não escrever diretamente sobre o artefato, pode-se dar uma pequena pincelada de esmalte incolor

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sobre o local, registrando então o código após sua secagem, em seguida pode-se aplicar mais uma pincelada de esmalte aumentando sua durabilidade. Esta técnica pode ser substituída por uma etiqueta, a ser armazenada juntamente com a peça, no entanto, há um risco maior de perda desta informação.

Para o acondicionamento do acervo, é importante separar os artefatos de acordo com sua tipologia e tamanho, deve-se evitar misturar diferentes materiais. É recomendada a utilização de sacos plásticos, papel desacidificado e caixas plásticas ou de polionda.

Cada objeto deve ser embalado separadamente, quando for necessário utilizar material para amortecimento de impacto, como, por exemplo, algodão ou espumas, deve-se evitar seu contato direto com a peça, envolvendo sempre o artefato com papel de seda desacidificado.

Após embalados separadamente, podem ser reunidos em embalagens plásticas maiores de acordo com a necessidade, como objetos de uma mesma quadrícula, nível ou sítio, em seguida podem ser acondicionados em recipientes rígidos de plástico ou papelão, tomando o cuidado de preencher os espaços vazios com papel de seda desacidificado ou espuma de polietileno, evitando que os objetos se movam. Cada caixa deve ser devidamente etiquetada, possibilitando a rápida identificação do seu conteúdo.

As condições ambientais do local de armazenamento são de extrema relevância, a umidade e mudanças bruscas de temperatura podem desestabilizar o acervo. “Os objetos, na sua maioria, devem ser armazenados em lugares os mais secos possíveis. De um modo geral, a umidade relativa do depósito deve situar-se entre 45% e 55% e a temperatura entre 22°C e 25°C” (LORÊDO, 1994, p. 55).

Também é importante manter os acervos distantes de fontes de calor ou incidência direta da luz, evitando sua deterioração precoce.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUSTÓDIO, Luiz Antônio Bolcato (Org.). Os primeiros Habitantes do Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC/IPHAN, 2004.

DORRELL, Peter G. Photography in Archaeology and Conservation. Cambridge University Press. 1994.

FUNARI, Pedro Paulo, NOELLI, Francisco Silva. Pré-História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2002.

GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson (Org.) Povos Indígenas. História Geral do Rio Grande do Sul, vol. 5. Méritos: Passo Fundo, 2009.

GOLIN, Tau. O povo do pampa: uma história de 12 mil anos do Rio Grande do Sul para adolescentes e outras idades. Passo Fundo: EDIUPF, 1999.

KERN, Arno Alvarez. Antecedentes indígenas. Porto Alegre: UFRGS, 1994.

KERN, Arno Alvarez (Org). Arqueologia Pré-Histórica do Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto,1997.

LOREDO, Wanda M. Manual de Conservação em Arqueologia de Campo. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural. Departamento de Proteção. Rio de Janeiro, 1994.

PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1992.

SCHMITZ, Pedro Ignacio. Pré-História do Rio Grande do Sul. Documentos 05. 2ª Ed. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas/Unisinos, 2006.