Apostila Do Pedreiro

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EXPLORANDO OS CONTEÚDOS MATEMÁTICOS ENVOLVIDOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA CASA Sergio da Silva Cambiriba 1 Dante Alves Medeiros Filho 2 RESUMO Nosso trabalho consistiu em explorar alguns conteúdos matemáticos envolvidos na construção de uma pequena casa. Procuramos acompanhar o trabalho de um pedreiro em cada uma das principais etapas dessa construção. Entre elas, destacamos o alicerce, o levantamento das paredes, a montagem do telhado e a colocação das telhas. Em cada fase observamos a Matemática utilizada pelo pedreiro no seu dia a dia, destacando os conteúdos escolares envolvidos, e a maneira com que o mesmo os utilizava na realização de seu trabalho. Sabemos que na construção de uma casa há muitos outros fatores envolvidos, por exemplo, a compra do material a ser utilizado, o qual irá envolver a pesquisa de preços e o cálculo da quantidade aproximada, para se evitar o desperdício. Sendo assim procuramos priorizar apenas a Matemática do pedreiro na construção da casa. INTRODUÇÃO Ao observar uma casa construída você já parou para pensar em quanto conteúdo matemático pode estar envolvido nessa construção? 1 Professor da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná e-mail: [email protected] 2 Professor do Departamento de Informática - UEM e-mail: [email protected]

Transcript of Apostila Do Pedreiro

EXPLORANDO OS CONTEÚDOS MATEMÁTICOS ENVOLVIDOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA CASA

Sergio da Silva Cambiriba 1

Dante Alves Medeiros Filho 2

RESUMO Nosso trabalho consistiu em explorar alguns conteúdos matemáticos envolvidos na construção de uma

pequena casa. Procuramos acompanhar o trabalho de um pedreiro em cada uma das principais etapas dessa construção. Entre elas, destacamos o alicerce, o levantamento das paredes, a montagem do telhado e a colocação das telhas. Em cada fase observamos a Matemática utilizada pelo pedreiro no seu dia a dia, destacando os conteúdos escolares envolvidos, e a maneira com que o mesmo os utilizava na realização de seu trabalho.

Sabemos que na construção de uma casa há muitos outros fatores envolvidos, por exemplo, a compra do material a ser utilizado, o qual irá envolver a pesquisa de preços e o cálculo da quantidade aproximada, para se evitar o desperdício. Sendo assim procuramos priorizar apenas a Matemática do pedreiro na construção da casa.

INTRODUÇÃO

Ao observar uma casa construída você já parou para pensar em quanto conteúdo matemático pode estar envolvido nessa construção?

1 Professor da Rede Pública de Ensino do Estado do Paranáe-mail: [email protected] Professor do Departamento de Informática - UEMe-mail: [email protected]

E qual seria o nível de escolaridade do pedreiro que a construiu? Pois saiba que na construção de uma casa estão envolvidos vários conteúdos matemáticos. Por exemplo: as quatro operações básicas, razão e proporção, porcentagem, áreas, volumes e muitos outros conteúdos, além é claro de conteúdos de outras disciplinas.

As etapas da construção de uma casa e a Matemática envolvida nas mesmas

Demarcação da planta baixa da casa

O primeiro desafio do pedreiro é interpretar a planta baixa de uma casa, demarcando suas medidas no terreno. E acredite, há pedreiros que mal sabem ler, mas a maioria deles é muito boa em cálculos básicos, como adição, subtração, multiplicação e divisão, o que lhes é muito útil nessa primeira etapa. Veja a foto da planta baixa de uma casa.

A planta baixa de uma casa é o desenho da própria casa em tamanho reduzido. É o que chamamos de “escala”. A escala conserva as medidas da casa, em tamanho proporcional às medidas reais.

Uma planta baixa com escala 1:75 ou 1/75 indica que cada 1cm de comprimento no desenho corresponde, na realidade, a um valor 75 vezes maior ou 75cm. Depois de analisar a planta baixa da casa, o pedreiro toma como base o perímetro da casa e acrescenta mais alguns centímetros, demarca o terreno e o nivela. Mas como é que ele nivela o terreno? Ele utiliza um conteúdo que você provavelmente já tenha estudado; ele utiliza o “princípio dos vasos comunicantes”, e segundo esse princípio, quando ligamos dois recipientes por tubos e colocamos água no interior deles, percebemos que o nível da água fica igual nos dois lados.

Fonte: http://www.cidepe.com.br/detalhes_produtos.php?id=422&id_cat=10 Nesse caso o pedreiro utiliza uma mangueira com água dentro, e com a ajuda de outra pessoa, deixa todo o terreno nivelado. E após o nivelamento do terreno são fixadas estacas e pregados “sarrafos” numa área um pouco maior que a futura construção.

E, tendo a frente do terreno como base o pedreiro estica uma linha paralela a mesma, e a partir dessa, ele demarca as demais medidas laterais externas da planta da casa. Mas, como ele consegue deixar essas linhas com todos os ângulos retos? Antes de responder à questão, vamos ver um pouco de História da Matemática.

O famoso teorema de Pitágoras Devido às constantes enchentes do rio Nilo, os antigos egípcios precisavam constantemente marcar e remarcar seus terrenos, que geralmente eram retangulares. Para esse fim utilizavam-se de uma corda com 13 nós (12 espaços). Esse espaço entre cada nó, era então, tomado como a unidade de medida.

Dessa maneira conseguiam um ângulo reto fixando estacas no 1º e 13º nós, no 5º nó e no 8º nó, formando um triângulo retângulo com as seguintes medidas:

Alguns séculos antes de Cristo, o matemático e filósofo grego Pitágoras, juntamente com seus alunos

descobriu a relação existente entre as medidas dos lados de qualquer triângulo retângulo. Foram eles que descobriram que “em todo e qualquer triângulo retângulo, o quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos.

Essa propriedade fundamental dos triângulos retângulos ficou conhecida como teorema de Pitágoras E agora voltemos a nossa questão. Para deixar os ângulos retos alguns pedreiros utilizam o teorema de Pitágoras, mesmo sem conhecê-lo. E na linguagem dos construtores (pedreiros) as linhas devem “estar no esquadro”, ou seja, formando ângulos retos.

Depois de esticada a linha paralela à frente do terreno, o pedreiro estica uma nova linha, provisoriamente. Então crava uma estaca a 3 metros na primeira linha e uma outra a 4 metros dessa, sobre a linha provisória. Medindo a distância ente as duas estacas o valor correto deverá ser de 5 metros. Se a medida for maior ou menor que 5 metros, a segunda estaca terá que ser mudada até que se consiga essa medida.

Você já percebeu por que isso ocorre?É porque o triângulo de lados 3m, 4m e 5m, que foi marcado no terreno, é um triângulo retângulo, visto

que 5² = 3² + 4².Veja: 5² = 3² + 4²25 = 9 + 1625 = 25

Após demarcada a área exterior da casa , muitos pedreiros conferem se as mesmas “estão no esquadro” (ângulos retos), medindo suas diagonais.

Veja:

O alicerce e o m³

A etapa seguinte é a construção do alicerce da casa, e é nessa etapa que o pedreiro começa a utilizar as noções de volume e de porcentagem. Ele não utiliza fórmulas prontas ou conhecimentos adquiridos na Escola, mas a Matemática do seu dia a dia. Após efetuar as medições e a construir as “caixarias” em forma de paralelepípedos, o pedreiro tem que dosar as quantidades de pedra, areia e cimento para a elaboração do concreto que será utilizado no preenchimento das mesmas. Nessa dosagem utiliza como padrão a lata (20 litros) e o carrinho de mão (60 litros), além da porcentagem do cimento que será acrescentado ao concreto. No cálculo de volume, os pedreiros em sua maioria apenas utilizam o metro cúbico (m³), pois sabem que um metro cúbico equivale a 1000 litros ou a 50 latas. Veja:

1m x 1m x1m = 1 m³ 1m³ = 1000 litros 50 x 20 litros = 1000 litros

Quanto à porcentagem, veremos mais adiante, como o pedreiro efetua o cálculo da mesma em seu dia a dia, quando comentarmos sobre a construção do telhado.

As paredes e a área dos tijolos

Concluído o alicerce, o próximo passo é o levantamento das paredes. Nessa etapa o pedreiro se depara com mais um problema matemático – calcular a quantidade de tijolos necessária para a conclusão da obra.

Esse é um problema de área, mais especificamente, área de superfícies retangulares. Pois o pedreiro calcula a área lateral do tijolo, multiplicando seu comprimento por sua largura, e divide 1m² pelo produto obtido; dessa maneira, pode saber quantos tijolos serão necessários para o levantamento de cada metro quadrado de parede.

Não esqueça que a unidade de todas as medidas deve ser a mesma, por exemplo:20 cm = 0,20 m

Tijolos = 1 . larg x comp

Devido à experiência adquirida ao longo dos anos, a maioria dos pedreiros já sabe, mais ou menos a quantidade necessária de tijolos, o que varia em torno de 30 a 33 tijolos por metro quadrado.

Agora observe o cálculo das quantidades aproximadas de tijolos por metro quadrado, de acordo com o tamanho de cada um deles.

Tijolo 1 Tijolo 2

C = 19cm H = 14cm C = 20cm H = 16cm

T = ____1_____ T = ____1_____ 0,19 x 0,14 0,20 x 0,16T = ____1______ T = ____1______ 0,0266 0,032

T = 38 tijolos p/ m² T = 31 tijolos p/ m²Observe que as figuras acima não apresentam as medidas das profundidades, pois a área considerada é a

área lateral do tijolo – devido à forma de assentamento utilizada na maioria das paredes das casas. Mas, dependendo do tipo de cobertura da casa – laje por exemplo – suas paredes externas são construídas com o tijolo “deitado”, o que segundo os pedreiros, as tornam mais resistentes. Nesse caso o número de tijolos por metro quadrado é maior.

O telhado e a sua tesoura

Após o levantamento das paredes, o pedreiro inicia a construção do madeiramento para a montagem do telhado. Na construção do telhado, os pedreiros e carpinteiros devem primeiramente levar em consideração o tipo de telha que será utilizado. Existem vários tipos de telhas. Os mais comuns são a telha francesa, a tipo colonial, a tipo PLAN e a de fibrocimento. E para cada uma delas existe uma porcentagem mínima de inclinação.

http://www.projetos.unijui.edu.br/matematica/modelagem/Modelagem_Tesouras_Web/modelagem_tesouras.htm

Ao iniciar a construção do telhado, após escolher o tipo de telha, o pedreiro deve calcular a porcentagem de inclinação do mesmo para a montagem da “tesoura’. A tesoura é uma estrutura de madeira com a forma abaixo.

http://www.projetos.unijui.edu.br/matematica/modelagem/Modelagem_Tesouras_Web/modelagem_tesouras.htm

Veja só quantos triângulos as vigas de madeira estão formando. Muitos deles são triângulos retângulos.

Os triângulos são utilizados pelos pedreiros devido ao fato de os mesmos serem polígonos que não possuem mobilidade, e quanto mais triângulos as madeiras formarem no telhado, maior rigidez ele terá. No cálculo da porcentagem de inclinação do telhado, vamos usar como exemplo a telha DUPLAN, que exige uma inclinação mínima de 30% para que a água da chuva possa escoar. A inclinação de 30% é obtida pelo pedreiro partindo da extremidade para o topo do telhado. Para cada metro (100 cm) na horizontal, sobe-se 30% de metro na vertical, ou seja 30cm. Se a tesoura tiver 8 metros de comprimento (L) o pedreiro efetua o cálculo da porcentagem utilizando apenas a metade (a) dessa medida, ou seja 4 metros.

C 4m B

Fonte: http://www.projetos.unijui.edu.br/matematica/modelagem/Modelagem_Tesouras_Web/modelagem_tesouras.htm

Esse cálculo é efetuado mentalmente e de forma rápida pelo pedreiro, multiplicando essa medida pela porcentagem de inclinação do telhado. Os dois últimos números do produto dessa multiplicação são os centímetros. Veja o cálculo do pedreiro. Se a medida horizontal é 4m, a vertical terá de medir 30% de 4m, isto é: 30 x 4 = 120 ou BH = 1,20 m

Agora que temos a medida a = 4 m e a altura BH = 1,20 m, podemos através do teorema de Pitágoras calcular o comprimento CH da viga onde serão colocadas as telhas.

Como o triângulo BCH é retângulo temos que os catetos CB e BH medem 4 m e 1,2 m, respectivamente. Para calcular a hipotenusa CH, escrevemos:

CH² = 4² + 1,2² = 16 + 1,44 = 17,44Se CH² = 17,44 , então CH = √17,44Calculando a raiz quadrada, obtemos CH = 4,2 mEsse exemplo mostra que a Matemática também é útil na resolução de problemas práticos.Não

queremos afirmar, no entanto, que todos os pedreiros utilizam o teorema de Pitágoras. Observe nas figuras a seguir que o telhado apresenta várias partes em sua montagem, além da tesoura.

Fonte: http://www.ebanataw.com.br/roberto/telhado/tlhcur9.htm

Depois de concluir o madeiramento, o pedreiro efetua o cálculo da quantidade de telhas necessárias para cobrir o telhado. Para isso leva em consideração a área útil de cada tipo de telha, ou seja, a área de cobertura real da telha. Cada telha duplan tem um comprimento útil de 33,3 cm e uma largura útil de 20 cm. Observe que cada quinze telhas cobrem 1 m², como mostra a figura a seguir.

Mesmo sabendo que 15 telhas cobrem 1 m², o pedreiro aumenta o comprimento e a largura do telhado na hora de calcular a quantidade de telhas. Ele utiliza múltiplos de 20 cm (largura do telhado) e de 33,3 cm (comprimento da telha), aproximando-se ao máximo da quantidade exata de telhas a serem utilizadas na cobertura do telhado.

As portas, as janelas e os pisos

Na colocação das portas, janelas e pisos, os cálculos mais utilizados pelo pedreiro consistem nas quatro operações básicas e na área de superfícies planas. E, todo esse trabalho faz parte do acabamento final da obra.

Considerações Finais

Ao falarmos dos conteúdos matemáticos envolvidos na construção de uma casa, procuramos enfatizar o trabalho do pedreiro, sua experiência de vida e sua etnomatemática. Procurando destacar a importância da Matemática em situações-problema de seu dia a dia.

Mas não devemos esquecer que, na construção de uma casa há muitos outros profissionais envolvidos; entre eles podemos destacar o engenheiro, o eletricista, o encanador e o pintor, entre outros, e, cada um deles utilizando a sua matemática da maneira mais favorável ao desenvolvimento do seu trabalho.

REFERÊNCIAS

BONGIOVANNI et ali, Vicenzo. Histórias de matemática e de vida. São Paulo: Editora Ática, 1992.

CRUZ, José Luiz Carvalho da. Projeto araribá: ciências – ensino fundamental. São Paulo: Editora Moderna, 2006.

GUELLI, Oscar. Contando a história da matemática - vol 6. São Paulo: Editora Ática, 1993.

IMENES, Luiz Márcio. Descobrindo o teorema de pitágoras. Coleção Vivendo a Matemática. São Paulo: Editora Scipione, 1987.

MACHADO, Nilson José. Medindo comprimentos. Coleção vivendo a matemática. São Paulo: Editora Scipione, 1987.

TELECURSO 2000. Matemática – 2 Grau, vol 2. São Paulo: Editora Globo. 1995.