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EVANGELHOS: Uma Perspectiva Histórico-Teológica dos Registros Bíblicos 3 1. BREVE HISTÓRICO DO PERÍODO INTERBÍBLICO Em 323 a.C. morre Alexandre Magno, com apenas 33 anos, deixando um império que abrangia praticamente todo o mundo civilizado da antiguidade: o império grego. Por ocasião de sua morte, seu vasto império foi dividido pelos seus quatro generais principais, ficando assim, subdividido em quatro reinos menores. Com as regiões da Trácia e Bitínia, ficou o general grego Lisímaco. Com a Grécia e a Macedônia, ficou o general Cassandro. O general Ptolomeu ficou com a Palestina, o Egito e a Arábia; enquanto que Selêuco ficou como rei da Babilônia e Síria. Notemos que a Palestina, a partir de 323 a.C. submete-se ao domínio da dinastia que viria a se chamar ptolomaica. Sob o domínio de Ptolomeu, e de seus descendentes, os israelitas ficaram de 323 a 198 a.C. Nesse período os judeus gozaram de certa liberdade de expressão, e, aproximadamente no ano 200 a.C., as Sagradas Escrituras são traduzidas, por ordem do imperador Ptolomeu IV, em uma versão que seria posteriormente conhecida como “Septuaginta” (gf. “LXX”). Isto, porque, segundo a lenda, 72 escribas eruditos, e versados em hebraico, aramaico e grego ficaram em salas separadas durante todo o processo de tradução, para que não houvesse convergência de idéias, ou para que as discrepâncias, caso existissem, fossem evidenciadas. Ainda segundo a lenda, não houve erro algum! Esta história não é corroborada pela História, porém, é fato que o Antigo Testamento fora traduzido neste período. Após constantes disputas, em 198 a.C. a Palestina é conquistada pelos descendentes de Selêuco, os quais formavam a dinastia selêucida, que governava na Síria. O termo “Palestina” é grego, e surgiu ainda na época de Alexandre Magno, como um termo taxativo de uma província grega: a terra de Israel. Esse nome significa “terra dos filisteus”. No domínio selêucida houve uma tentativa de “helenização” (implementação da cultura grega”) forçada, que culminou em atos de loucura do maligno então imperador Antíoco IV Epifânio, o qual sacrificara uma porca sobre o altar, no templo dos judeus, e onde também havia sido erigida, por ele, um altar a Zeus. Matatias Hasmoneu, um sacerdote, começa a guiar um levante contra o domínio selêucida, e contra a iminente perda de identidade da sociedade de Israel. Seu filho Judas Macabeu emprestaria o nome a este famoso período de insurreição, chamado período dos Macabeus, que foi de 166 a 63 a.C. OBS.: É neste período que a “Palestina” é dividida em 05 regiões principais, e fica como a conhecemos nos Evangelhos: Judéia, Galiléia, Peréia, Samaria e Traconite. O domínio romano se instaura em Israel a partir de 63 a.C., quando o general romano Pompeu toma a cidade de Jerusalém. Este general coloca a Hircano II Antípater como regente da Palestina. Este foi substituído por Herodes, o “Grande”. Herodes persuade a César Augusto a confirmá-lo como rei de toda a “Palestina”. Herodes tinha uma alma pagã, e fez muitas construções extraordinárias em Israel durante o seu reinado. A cidade de Cesaréia é um exemplo. Um dos apóstolos que Jesus viria a ter, Filipe (cujo nome era grego, tamanha a influência estrangeira na cidade), era natural desta cidade, que teve o nome dado em homenagem a César. Herodes, porém, esforçou-se por conquistar a simpatia judaica, por exemplo, ordenando a reforma completa do Templo, reconstruído por Esdras. Herodes era um político sagaz, que não media esforços para continuar no poder. Mandou matar a seu pai, Hircano II, sua esposa e três de seus filhos. Em Roma, Augusto César reinava quando o Senhor Jesus nasceu.

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    1. BREVE HISTRICO DO PERODO INTERBBLICO

    Em 323 a.C. morre Alexandre Magno, com apenas 33 anos, deixando um imprio que abrangia praticamente todo o mundo civilizado da antiguidade: o imprio grego. Por ocasio de sua morte, seu vasto imprio foi dividido pelos seus quatro generais principais, ficando assim, subdividido em quatro reinos menores. Com as regies da Trcia e Bitnia, ficou o general grego Lismaco. Com a Grcia e a Macednia, ficou o general Cassandro. O general Ptolomeu ficou com a Palestina, o Egito e a Arbia; enquanto que Seluco ficou como rei da Babilnia e Sria.

    Notemos que a Palestina, a partir de 323 a.C. submete-se ao domnio da dinastia que viria a se chamar ptolomaica. Sob o domnio de Ptolomeu, e de seus descendentes, os israelitas ficaram de 323 a 198 a.C. Nesse perodo os judeus gozaram de certa liberdade de expresso, e, aproximadamente no ano 200 a.C., as Sagradas Escrituras so traduzidas, por ordem do imperador Ptolomeu IV, em uma verso que seria posteriormente conhecida como Septuaginta (gf. LXX). Isto, porque, segundo a lenda, 72 escribas eruditos, e versados em hebraico, aramaico e grego ficaram em salas separadas durante todo o processo de traduo, para que no houvesse convergncia de idias, ou para que as discrepncias, caso existissem, fossem evidenciadas. Ainda segundo a lenda, no houve erro algum! Esta histria no corroborada pela Histria, porm, fato que o Antigo Testamento fora traduzido neste perodo.

    Aps constantes disputas, em 198 a.C. a Palestina conquistada pelos descendentes de Seluco, os quais formavam a dinastia selucida, que governava na Sria. O termo Palestina grego, e surgiu ainda na poca de Alexandre Magno, como um termo taxativo de uma provncia grega: a terra de Israel. Esse nome significa terra dos filisteus. No domnio selucida houve uma tentativa de helenizao (implementao da cultura grega) forada, que culminou em atos de loucura do maligno ento imperador Antoco IV Epifnio, o qual sacrificara uma porca sobre o altar, no templo dos judeus, e onde tambm havia sido erigida, por ele, um altar a Zeus. Matatias Hasmoneu, um sacerdote, comea a guiar um levante contra o domnio selucida, e contra a iminente perda de identidade da sociedade de Israel. Seu filho Judas Macabeu emprestaria o nome a este famoso perodo de insurreio, chamado perodo dos Macabeus, que foi de 166 a 63 a.C.

    OBS.: neste perodo que a Palestina dividida em 05 regies principais, e fica como a conhecemos nos Evangelhos: Judia, Galilia, Peria, Samaria e Traconite.

    O domnio romano se instaura em Israel a partir de 63 a.C., quando o general romano Pompeu toma a cidade de Jerusalm. Este general coloca a Hircano II Antpater como regente da Palestina. Este foi substitudo por Herodes, o Grande. Herodes persuade a Csar Augusto a confirm-lo como rei de toda a Palestina. Herodes tinha uma alma pag, e fez muitas construes extraordinrias em Israel durante o seu reinado. A cidade de Cesaria um exemplo. Um dos apstolos que Jesus viria a ter, Filipe (cujo nome era grego, tamanha a influncia estrangeira na cidade), era natural desta cidade, que teve o nome dado em homenagem a Csar. Herodes, porm, esforou-se por conquistar a simpatia judaica, por exemplo, ordenando a reforma completa do Templo, reconstrudo por Esdras. Herodes era um poltico sagaz, que no media esforos para continuar no poder. Mandou matar a seu pai, Hircano II, sua esposa e trs de seus filhos. Em Roma, Augusto Csar reinava quando o Senhor Jesus nasceu.

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    2. CONSIDERAES SOBRE OS EVANGELHOS

    Sinticos Estudiosos dos Evangelhos comearam a perceber que trs dos Evangelhos correntes eram similares. A palavra sintico vem do grego sinotikoj, e quer dizer ver junto. Isto significa que esses trs evangelhos tm a mesma perspectiva, uma viso similar dos fatos, tm um mesmo esboo em sua composio. Alguns eventos histricos esto narrados com muita similaridade. Entretanto, h diferena no registro dos trs primeiros evangelhos. Estas aparentes divergncias na narrativa so consideradas no crculo acadmico como o Problema Sintico.

    Um esboo geral comum, dos evangelhos sinticos (Mateus, Marcos e Lucas), est discriminado a seguir:

    a) Aparecimento de Joo Batista; b) Batismo e tentao; c) Ministrio Pblico na Galilia; d) Confisso de Pedro; e) Descida da Peria a Jerusalm; f) A entrada triunfal em Jerusalm; g) Controvrsias com os guias religiosos de Israel; h) ltima Ceia; i) Traio de Jesus por Judas; j) Aprisionamento; k) Crucificao e Sepultamento; l) Ressurreio; m) Aparies e Ascenso.

    Esses seriam os eventos comuns aos sinticos, registrados com o mnimo de diferenas. O Problema Sintico ser discutido mais frente.

    2.1 - EVIDNCIAS ESCRITURSTICAS DA CHAMADA PRIORIDADE DE MARCOS

    Para os eruditos das crticas bblicas, algumas evidncias apontam para o evangelho segundo Marcos ter sido o primeiro a ser escrito, servindo inclusive de fonte de consulta para Mateus e Lucas. Eis os principais argumentos:

    2.1.1 Segundo Osmundo Afonso, em seu livro Estudos Introdutrios nos Evangelhos Sinticos, os estudiosos dos evangelhos perceberam que, quando Mateus discorda de Marcos, Lucas concorda com aquele. Quando Lucas discorda da narrativa de Marcos, Mateus concorda com aquele. Tambm no h praticamente nenhum ponto em que, na narrativa, Mateus concorde com Lucas, e ambos discordem da narrativa de Marcos. Isto seria uma evidncia de que Marcos foi utilizado como consulta por Mateus e Lucas, que em alguns casos imprimiram seus pontos de vista (ou mesmo a Igreja, posteriormente incluiu o seu prprio ponto de vista, como veremos mais tarde nas crticas). Estes pontos de vista seriam esporadicamente discordantes. Porm isso no justifica, sem evidncias histrico-arqueolgico-escritursticas, que o relato de Marcos fora o primeiro. A idia defendida pela Igreja primitiva, e pelos chamados pais da Igreja, nos primeiros sculos da Era Crist, era a de que Mateus houvesse escrito, em primeiro lugar, uma narrativa contnua dos fatos da vida de Jesus, o que uma posio clssica ortodoxa. No perodo da ascenso da crtica bblica, por causa das evidncias escriturstica, Marcos fora colocado em primeiro. A controvrsia ainda hoje

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    bastante acentuada. H, portanto, uma grande possibilidade de Marcos ter sido escrito primeiramente. A anlise literria de Marcos observa que o grego utilizado no Evangelho, bem coma construo das narrativas, em comparao com Mateus e Lucas, mostra que Marcos mais arcaico, tendo Mateus, e principalmente Lucas, um grego melhor trabalhado, alm de uma narrativa melhor elaborada.

    2.1.2 Como mencionado, a gramtica textual de Mateus e Lucas mais refinada do que a de Marcos. Sendo assim, o pensamento erudito entende que aqueles evangelhos foram escritos posteriormente. Segue-se a idia: o esboo ou rascunho tem muitos erros, mas a obra em si, no.

    2.1.3 Algumas nuances observadas na gramtica de Marcos, como postulam alguns eruditos, indicariam um perodo em que a Igreja ainda no havia adicionado seus pensamentos prticos e cosmoviso acerca da vida e mensagem do Senhor Jesus (alta crtica). Frases tidas por embaraosas foram trabalhadas por Mateus e Lucas, para no deixar furos na teologia evanglica. Se isto verdade ou no, ns no sabemos. Observemos alguns exemplos: o caso em Marcos 1:32-34: Trouxerem-lhe TODOS os endemoninhados... e Ele curou a MUITOS. Compare agora com um paralelo do mesmo relato, em Mateus 8:16: Trouxeram-lhe MUITOS endemoninhados, e curou a TODOS.

    2.1.4 Outro fator de anlise so as famosas perguntas embaraosas, que esto relatadas em Marcos. Por exemplo, em Marco 6:38, quando da ocasio da multiplicao de pes e peixes, h a famosa pergunta sobre a quantidade de pes, que Jesus fez aos seus discpulos. Esta pergunta foi omitida nos relatos dos evangelhos paralelos. Outro exemplo a pergunta sobre o menino possesso (cf. Mt. 17:14-21 e Lc. 9:37-43).

    2.1.5 Cerca de 93% de Marcos encontrado em Mateus ou em Lucas.

    2.2 TEORIA DOS DOCUMENTOS

    A idias da prioridade de Mateus seguiu sem grandes contestaes at o sculo XIX. A partir da comeou-se a observar caractersticas escritursticas (sem evidncia arqueolgica, ou bibliogrfica) que apontavam para Marcos como o primeiro evangelho a ser escrito.

    O erudito Bernard Weiss, em seu Comentary on Mark and Luke, props que Mateus e Lucas utilizaram uma fonte comum, a qual foi chamada de Q, da palavra alem quelle (fonte). A teoria dos documentos, porm, no encerrava o problema dos sinticos. Dos 1.068 versculos de Mateus, cerca de 500 vieram de Marcos, afirmam alguns eruditos, e 250 do suposto documento Q. Isto deixa cerca de 300 versculos que no tiveram a sua origem explicada, ou explicada pela chamada tradio oral. Em Lucas h cerca de 580 versculos seguindo a mesma lgica, ou seja, que no se encontram nem em Marcos nem em Q.

    Aps essa controvrsia, os eruditos comearam a falar em mais dois documentos fonte. As fontes mais aceitas, portanto, seriam:

    Q Material que no Marcos, partilhado por Mateus e Lucas. Marcos Material partilhado pelos trs evangelhos sinticos. M Material encontrado somente em Mateus. L Material encontrado somente em Lucas.

    Os versos a seguir mostram os materiais peculiares a Mateus e a Lucas (provenientes das fontes M e L) respectivamente:

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    Mateus: 1:1-2:23; 5:1-2,7-10,13-14,16-38; 6:1-8,14-18,23-24,34; 7:6,12-15,22-23,28-29; 8:14-18,23-34; 9:18-36; 10:12-25,34-42; 11:1,20,24,27-30; 13:16-17,36-52; 17:24-27; 18:10-35; 20:1-6; 21:28-32; 22:1-4; 23:38-39; 24:29-36,42; 25:1-3,31-46; 27:3-10; 28:16-20.

    Lucas: 1:1-2:52; 3:10-15; 4:16-30; 5:1-11; 7:11-17,36-50; 8:1-3; 9:51-56; 10:1,17-20,29-42; 11:5-8; 12:13-21,49-56; 13:1-17,31-33; 14:1-4,28-33; 15:1-32; 16:1-15,19-31; 17:7-21; 18:1-14; 19:1-10,39-44; 22:15-18,27-38; 23:6-16, 27-32,40-43; 24:13-49-50-53.

    O escopo desta fonte, ou seja, os 250 versculos comuns a Mateus e a Lucas que no se encontram em Marcos, foi proposto, com os seus respectivos assuntos (contedos) como se segue (a ordem segue o evangelho de Mateus):

    MATEUS CONTEDO LUCAS

    O quadro na prxima pgina um diagrama esquemtico mostrando as supostas fontes de Mateus e Lucas: M, exclusiva de Mateus; Q e Marcos, fontes comuns a Mateus e Lucas; e finalmente L, fonte exclusiva de Lucas. Esta ltima ainda conteria uma sub fonte, chamada Proto Lucas. A teoria dos quatro documentos foi pela primeira vez proposta por B. H. Streeter, em 1924.

    1) 3:7-12 Pregao de Joo 2) 4:2-11

    3) 5:3-6, 11, 12, 39-42

    5) 6:9-13 4) 5:15, 6:22-23

    7) 7:1-5, 16-21, 24-27 8) 7:7-1 9) 8-13

    11) 9:37 10:11 10) 8:19-22

    12) 10:26-33

    14) 11:21,23,25-26 13) 11:29

    15) 12:22-30 16) 12:38-42 17) 12:43-45

    Tentaes Sermo do Monte

    Luz

    Pai Nosso Bens Materiais

    Sermo do Monte II Acerca da Orao

    Centurio de Cafarnaum Natureza do Discipulado

    Envio dos Setenta Exortao Confisso

    A Pergunta de Joo Ais e Alegria

    Beelzebu

    2) 4:2-13 3) 6:20-23, 27-30:32-36

    15) 11:33-35 10) 11:1-4

    18) 18:22-34 4) 6:37-38, 41-49

    11) 11:9-13

    7) 9:57-60 5) 7:1-10

    8) 10:1-12 17) 12:2-10 6) 7:18-35

    12) 11:14-23 9) 10:13-15, 21-22

    14) 11:29-32 13) 11:24-26

    6) 6:25-33, 19:21

    18) 13:31-33 20) 13:18-21 19) 23:4, 23-25, 29-36 16) 11:39-52

    20) 23:37-38

    23) 25:14-30

    21) 24:26-28, 37-41 22) 24: 43-51

    Contra os Fariseus

    O Tempo do Fim Lamentaes

    Vigilncia Parbola dos Talentos

    22) 17:22-37 21) 13:34-35

    19) 12:39-46 23) 19:11-28

    Mostarda e Fermento Retorno dos Demnios

    Recusa dos Sinais

    1) 3:7-16

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    Crtica de Redao

    Crtica de Forma

    Crticas Histrica e Literria

    Crtica Textual

    3. ORIGEM LITERRIA DOS EVANGELHOS

    As nomenclaturas das principais crticas da Bblia surgiram principalmente no sculo XIX, e vm sendo promovidas principalmente por estudiosos bblicos alemes. Josh Mcdowell assim classifica a crtica bblica:

    A crtica bblica pode ser dividida em baixa e alta crtica, como indicado na tabela (aqui o autor inclui um grfico, o qual reproduzimos):

    } = Alta Crtica

    } = Baixa Crtica

    A baixa crtica identificada com a crtica textual, j que esta fundamental para todas as outras formas de crtica bblica. A crtica textual busca determinar as palavras originais do texto bblico, especialmente porque no temos os documentos originais (chamados autgrafos). Quem quer que saiba ler se envolve com a crtica textual. Se, por exemplo, voc notar um erro tipogrfico enquanto l esta pgina, corrigir o erro em sua mente, sabendo que no foi originalmente essa a inteno dos autores. Este processo constitui essencialmente a crtica textual. (...).

    A alta crtica pode ser dividida em duas disciplinas abrangentes: crtica histrica e crtica literria. A crtica literria busca analisar o texto como uma pea acabada de literatura. Ela avalia o sentido das palavras, a gramtica e o estilo do texto. Tambm busca determinar o significado do texto e tem sido usada para especular sobre o cenrio, a situao vivencial e as circunstncias do escritor. A crtica histrica estuda o cenrio histrico que cerca a composio do texto. Ela busca responder a perguntas, tais como: (1) Quando e onde foi escrito? (2) Quem escreveu? (3) Que circunstncias cercavam o autor ou autores? (4) A quem foi escrito?

    A crtica de fonte... propunha que pelo menos quatro fontes estivessem por trs da formao dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento. A mesma metodologia foi, ento, aplicada aos evangelhos durante o sculo 19 para sugerir vrias fontes (por exemplo: Q, Marcos e Proto-Lucas) subjacentes, aos relatos dos evangelhos. (...)

    Os alemes chamaram a crtica de forma de Formgeschichte, significando histria da forma. Seus principais proponentes foram Karl Ludwing Schmidt, Martin Dibelius e Rudolf Bultmann. Outros crticos de forma incluem R. H. Lightfoot e D. E. Nineham. Alguns dos crticos de forma mais moderados so Frederick Grant, B. S. Easton e Vincent Taylor.

    Crtica de Fonte

    MARCOS

    M Q L

    MATEUS LUCAS

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    Os crticos de forma do Novo Testamento geralmente opinam que os evangelhos foram compostos de pequenas unidades ou episdios independentes. Essas pequenas unidades individuais (percopes) circularam independentemente. Os crticos ensinam que as unidades tomaram gradualmente a forma de vrios tipos de literatura popular, tais como lendas, contos, mitos e parbolas.

    Segundo a crtica de forma, a formao e preservao das unidades foram determinadas pelas necessidades da comunidade crist. Em outras palavras, quando a comunidade tinha um problema, eles criavam ou preservavam uma declarao ou episdio de Jesus para satisfazer as necessidades desse problema em particular. Assim sendo, essas unidades no so basicamente testemunhos da vida de Jesus, mas reflexos das crenas e prticas da igreja primitiva. (...)

    A tarefa da crtica de forma , ento, descobrir as leis da tradio que governam a coleta, desenvolvimento, e registro das unidades isoladas. A seguir, com a remoo da suposta estrutura artificial (editorial) da cronologia ou outras adies providas pela comunidade, os crticos de forma acreditam que podem recobrar a forma original das unidades (percopes) e determinar qual o propsito prtico (sitz-im-leben situao vivencial) para a qual os cristos a preservaram. Mediante este mtodo julga-se ser possvel ir alm das fontes escritas e alcanar o perodo de transmisso oral, chegando aos diferentes tipos de episdios que eventualmente se tornaram parte dos evangelhos.

    Onde a crtica de forma admitiu como possvel o trabalho da comunidade na formulao das vrias percopes, a crtica de redao, originria da crtica de forma, concentrou-se nos redatores finais (ou compiladores) dos evangelhos, como autores de direito. Norma Perrin, um crtico de redao, define isso como ocupado em estudar a motivao teolgica do autor como revelada na coleta, arranjo, reviso e modificao do material tradicional; assim como na composio de material novo ou na criao de novas formas dentro das tradies do cristianismo primitivo. (Do livro He Walked Among Us Ele Andou Entre Ns - Evidncias do Jesus Histrico, pgs. 142, 143 e 144).

    De acordo com os postulados da Alta Crtica, os evangelhos foram escritos baseados em relatos orais, e muito do que temos hoje seria material mitolgico. A evidncia histrica, porm, aponta para uma concluso excepcional: Para se construir mitos e lendas, como aconteceu com o panteo dos deuses gregos, por exemplo, so necessrios sculos. Isto est comprovado com o estudo da literatura universal, no que conhecido como teste bibliogrfico, proposto pelo erudito militar C. S. Sanders. O teste bibliogrfico examina como os documentos (em sua maioria, cpias antigas da literatura clssica universal) chegaram at ns. O teste bibliogrfico uma ferramenta indispensvel na tentativa de comprovao da autenticidade histrica do Novo Testamento, e especificamente, dos evangelhos.

    Assim afirma Josh Mcdowell:

    Podemos apreciar a tremenda riqueza de manuscritos com autoridade do Novo Testamento, comparando-as com o material textual de outras fontes notveis e antigas. Temos acesso histria de Tucades (460-400 a.C.) mediante apenas oito MSS datados de cerca de 900 d.C., quase mil e trezentos anos depois de ele t-la escrito. Os MSS da histria de Herdoto so tambm recentes e escassos; todavia, como F. F. Bruce responde: Nenhum erudito clssico daria ateno a um argumento de que a autenticidade de Herdoto ou Tucades posta em dvida, porque os primeiros manuscritos de suas obras teis para ns tm mais de mil e trezentos anos a mais que os originais..

    Aristteles escreveu suas obras de fico cerca de 345 a.C., mas a cpia mais antiga que temos datada de 1100 d.C., um intervalo de quase mil e quatrocentos anos, e apenas cinco MSS sobreviveram.

    Csar comps sua histria das Guerras Gaulesas entre 58 e 50 a.C.e a autoridade do seu manuscrito se apia em nove ou dez cpias datadas de mil anos aps a sua morte.

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    Quando se trata da autoridade do manuscrito do Novo Testamento, a abundncia de material quase embaraosa em contraste. (....) Mais de 22 mil cpias de manuscritos do Novo Testamento existem hoje. A Ilada tem 643 MSS e a segunda em autoridade de manuscrito depois do Novo Testamento. (Do livro He Walked Among Us Ele Andou Entre Ns Evidncias do Jesus Histrico, pgs. 126 e 127)

    Como podemos observar, a confiabilidade do registro bblico do Novo Testamento assegurada, em termos cientficos, por vrias disciplinas acadmicas, apesar dos constantes ataques essncia da composio ortodoxa bblica por meio da crtica liberal, e de alguns crculos eruditos. Negar a veracidade do conceito ortodoxo negar os fatos, a abundncia de evidncias histricas tanto externas quanto internas.

    A partir do prximo tpico a anlise iniciar-se- pelo Evangelho Segundo Marcos. fato que o referido Evangelho aceito pelos eruditos e pela maioria dos estudiosos como o mais antigo, o que corroborado pelas evidncias internas. Ressaltamos o fato de, historicamente, o evangelho de Mateus ter sido posto cronologicamente primeiro que o de Marcos, desde o perodo dos apologistas e polemistas, isto , sculos II e III d. C.

    Realmente h muito que discutir ainda. Para efeitos didticos, contudo, Marcos permanece como uma boa opo para iniciarmos a anlise dos evangelhos, pois sua gramtica bastante diferente de Mateus e Lucas, considerada de sintaxe inferior aos daqueles evangelhos. Alm do que, o evangelho que mais concentra material usado nos outros dois, assim, quando h uma discordncia da narrativa por parte de Mateus e Lucas, isto acontece simultaneamente.

    4. O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

    4.1 AUTORIA E DATA

    A tradio histrica aponta para Marcos como autor do segundo evangelho, que, diga-se de passagem, totalmente annimo. Este evangelho tambm foi conhecido como memrias de Pedro, ttulo este dado por Justino Mrtir (c. de 150 d.C.). Os chamados pais da Igreja asseveraram que Marcos resumiu uma coletnea dos pensamentos e lembranas de Pedro apstolo, do qual fora ajudador. Afora os episdios de Atos 13, lemos sobre Marcos em Colossenses 4:10-11, onde est escrito que ele era primo de Barnab. Marcos estava com Paulo. Em II Tm. 4:11, Paulo pede para Timteo ir a Roma e levar Joo Marcos. Em I Pe. 5:12-13 Marcos aparece novamente, estando com Pedro em Babilnia (analogia a Roma), juntamente com Silvano, outro ex-cooperador de Paulo.

    Eusbio, o primeiro historiador da Igreja, em sua Histria Eclesistica, seo III.39.15, reproduziu uma citao de Papias (c. de 140 d.C.), que fora estudante de Policarpo, o qual vira o apstolo Joo. Segue a mesma:

    Isto o presbtero(Policarpo) tambm dizia: Marcos, que realmente se tornou o primeiro intrprete de Pedro, escreveu com exatido tanto quanto podia relembrar, sobre as coisas feitas ou ditas pelo Senhor embora no em ordem. Pois ele nem ouvira ao Senhor nem fora seu seguidor pessoal, mas em perodo posterior, como eu disse, passara a seguir a Pedro, que costumava adaptar os ensinamentos s necessidades do momento, mas no como se estivesse traando uma narrativa corrente dos orculos do Senhor, de tal forma que Marcos no incorreu em equvoco ao escrever

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    certas questes, conforme podia lembrar delas. Pois tinha apenas um objetivo em mira, a saber, no deixar de fora, coisa alguma das coisas que ouvira, e no incluir entre elas qualquer declarao falsa.

    Conforme nos diz Champlim:

    No temos meios de saber que proporo desta citao foi extrada do presbtero que Papias empregava como sua fonte de informao. (....) Seja como for, isso constitui a declarao mais antiga e autorizada que possumos acerca da autoria do evangelho de Marcos (Enciclopdia. de Bblia, Teol. e Filosofia. Vol. 4, pg. 122).

    Papias morreu no Egito, e sua obra Interpretao dos Orculos do Senhor, a qual Eusbio utilizou para frisar a sua afirmao, est perdida. No seu trabalho, intitulado Contra as Heresias (vol. III.1.1), Irineu, bispo de Lio, afirma que aps a morte de Paulo e de Pedro, Marcos, o discpulo e intrprete de Pedro, deixou-nos pessoalmente em escritos o que Pedro havia proclamado. Como dissemos, a idia comum que Marcos seja o autor deste evangelho.

    Observemos as referncias singulares que Marcos faz sobre Pedro, p. ex em Mc. 1:36 (cf. Lc. 4:42), e 16:7 (cf. Mt 28:7).

    Os estudiosos que aceitam a teoria de Marcos, como intrprete direto do apstolo Pedro, datam o evangelho de Marcos entre 64 e 67 d.C. Champlin afirma que alguns tm suposto que o evangelho foi escrito aps 70 d.C. (data da destruio de Jerusalm), e que o captulo 13 no de teor proftico, mas um reflexo histrico do que foi aquela poca sombria para os judeus. Descobertas recentes, porm, tm lanado outras premissas quanto data de Marcos. Segundo alguns escritos achados perto do Mar Morto, e trabalhados pelo erudito catlico Jos, OCallagham, um tipo de estilo grego, tambm achado em Marcos 6:52-53, chamado Zierstill, foi utilizado em larga escala entre 50 a.C. e 50 d.C. Assim, o evangelho de Marcos poderia ter sua data ainda mais recuada, para antes de 50 d.C., idia que corrobora o antigo conceito da testemunha ocular, se no Marcos, algum muito prximo a ele.

    4.2 DESTINATRIO, MENSAGEM E PROPSITO DO EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

    Segundo Broadus, h indcios de uma concordncia geral sobre a realizao deste evangelho em Roma. Se Colossenses foi escrito quando Paulo estava preso em Roma, ento Marcos estava em Roma nesta ocasio. Se especularmos a composio do evangelho de Marcos em fins da dcada de 50 d.C., o cenrio romano seria mais plausvel como pano de fundo histrico para o seu registro. complexa a questo de se formular um destinatrio exato para quem o evangelho fosse escrito. Esta falta de argumentao teolgica expressa fez com que muitos estudiosos no percebessem a teologia de Marcos, e alguns, como Karl Schimidt, asseveraram que Marcos no tinha valor biogrfico, por no ser histrico nem cronolgico, sendo um composto de histrias separadas e inseres pessoais e posteriores, que tinham um objetivo comum de satisfazer a sitz im leben (situao vivencial) da Igreja primitiva.

    O uso da palavra euquj (imediatamente), serviria apenas para suavizar a transio de uma narrativa para outra. Observamos, porm, que desde o sculo XIX, a teologia de Marcos, bem como sua historicidade, vm sendo redescobertas. Gundry registra:

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    O propsito provvel de Marcos evangelizador. Ele narra a histria de Jesus a fim de ganhar convertidos f crist. Para consecuo de seu propsito, Marcos constri seu evangelho de modo bastante simples. Ele comea por Joo Batista, o batismo de Jesus e sua tentao (1:1-13), prossegue falando sobre o ministrio de Jesus na Galilia e seus arredores (1:14-9:50), continua pelo ministrio de Jesus a caminho de Jerusalm, ao atravessar a Transjordnia e a Judia (10:1-52), e conclui com as narrativas de paixo, da morte e ressurreio de Jesus, as quais foram divinamente planejadas (11:1-16:8).(Panorama do Novo Testamento, Robert H. Gundry, Ed. Vida, pg. 88).

    4.2.1 Pistas do Destinatrio: Latinismos Detalhes interessantes do evangelho de Marcos levaram os estudiosos a especularem que, se no foi destinado aos romanos, ao menos o evangelho deve ter circulado primeiro em Roma. Em Mc. 15:21, por exemplo, est registrado que Simo, o cireneu, pai de Rufo e Alexandre, ajudou ao Senhor a carregar a cruz. Nenhum dos outros evangelhos cita os nomes dos filhos de Simo. Na epstola aos romanos, observamos que Rufo estava morando em Roma (16:13). Em 12:42, Marcos explica o valor de uma moeda grega, comparando-a com uma de cunhagem romana. Outros exemplos de latinismo encontram-se em 6:27, 14:44,65, 15:15-19 (onde, p.ex., h o uso da palavra latina pretrio, para identificar palcio), 44:45. Alguns eruditos afirmam que as evidncias externas e internas corroboram a idia de que Marcos foi escrito em Roma, e muito provavelmente para os romanos.

    4.2.1.1 A praticidade est intrnseca no relato de Marcos. Ele escrevia eventos passados como se estivessem acontecendo no momento. O nome deste recurso, na gramtica grega, presente histrico. Isto, em portugus, seria similar a colocar os verbos, de uma narrativa, no tempo presente. Como soa estranho nossa lngua, pois o sentido bvio de passado estaria visvel, as tradues colocam o presente histrico no passado simples (eu vi, tu andaste, ele falou). Em Mc. 4:38, por exemplo, est escrito: E Jesus estava na popa, dormindo sobre o travesseiro; eles o despertam e lhe dizem: Mestre, no te importa que pereamos! Em outras verses esses verbos aparecem no passado simples. Este estilo vigoroso, prtico, assemelha-se ao estilo de vida e pensamento romanos, dominado pelo esprito de empreendimento e praticidade de vida.

    4.2.2 De fato, o evangelho de Marcos foca a vida e as atividades de Jesus Cristo, como Filho de Deus. Este evangelho no escreve genealogias, mas comea com O Evangelho de Jesus Cristo. Evangelho (to, euaggelion) significava a prpria boa nova. O foco da pregao do Novo Testamento baseado no kerigma, (kerigma, proclamao), a mensagem pregada pelos apstolos. Jesus a encarnao da promessa de Deus; promessa da restaurao do homem, atravs da implantao do Reino de Deus, na terra. O tempo, kairo,j (kairs), do cumprimento o agora. Observemos a anlise que Broadus faz do propsito e mensagem de Marcos:

    Suas obras poderosas (de Jesus) tiveram o clmax em sua morte e ressurreio a conquista das foras do mal atravs do Reino (governo) de Deus, a chamada ao arrependimento e f, com a certeza de salvao. A teologia de Marcos est ligada intimamente com a histria, o acontecimento real. Em Jesus, Deus decisivamente entrou na histria, para leva-la ao seu alvo. No lado negativo, isto o juzo; no positivo, a redeno.

    O interesse de Marcos na exposio do conceito da implantao do Reino de Deus, no tempo (kairs), significando o presente momento, ou seja, o momento da manifestao do Senhor Jesus, pode ser observado na nfase que ele deu em relatar a vida de servios. Observemos, comparativamente, o evangelho de Lucas e Marcos, em tamanho. Aquele tem quase o dobro do tamanho deste. Porm, o evangelho de Lucas narra vinte milagres, ao passo que Marcos inclui dezoito milagres em pouco mais da metade do seu espao. Marcos narrou os ensinamentos de Jesus, mas em algumas ocasies ele simplesmente se referiu ao fato que Jesus ensinou (cf. 2:13, 6:2,6,34, 12:35).

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    Outra pista escriturstica que corrobora o pensamento exposto acima o uso da palavra euthus (euquj, imediatamente), que aparece 42 vezes no evangelho de Marcos. O mesmo vocbulo aparece apenas sete vezes em Mateus, e uma vez em Lucas. Alguns estudiosos vem nesta evidncia a viso de Marcos e sua preocupao em mostrar que o Senhor apressava-se para chegar ao seu alvo de sua vida de servio. O propsito de Marcos em no mostrar genealogias, ou quaisquer notcias acerca da infncia do Senhor e de sua vida familiar coaduna-se com a idia antiga de que a vida familiar dos servos no tinha importncia, mas principalmente o seu servio. Marcos registra em 10:45: ... o Filho do homem tambm no veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos.

    4.2.3 - O evangelho de Marcos conhecido como o RELATO DO SERVO DE DEUS, ou seja, a presteza e diligncia do servio do Senhor Jesus, destacados por Marcos, e observados pela evidncia interna, demonstram que o objetivo de Marcos era realmente enfatizar a urgncia do cumprimento da obra do Senhor. Os termos que ressaltam a praticidade poderiam ter dois propsitos principais: caracterizar a perspectiva teolgica que tinha o evangelista, e melhor expor tal perspectiva ao seu pblico alvo principal: os romanos.

    4.2.3.1 A perspectiva teolgica de Marcos uma via de dois sentidos, ou seja, o papel da vida e obra do Senhor Jesus precisava ser correspondido pelos homens, para que houvesse o ingresso no Reino. Marcos chama f (5:36, 11:22). O conceito de f, para Marcos, denotava coragem (6:50; 10:49), significava tambm seguir a Jesus (1:17-18; 2:14-15; 3:7; 5:24, etc.). Esta chamada feita pelo Senhor, era a prpria chamada para entrar no Reino de Deus. Logo, seguir a Jesus entrar no Reino de Deus (10:13-31). Isto estar com Ele (3:14; 15:18). Acerca o valor teolgico do evangelho de Marcos, escreve-nos Osmundo Afonso:

    O Evangelho teolgico no sentido de que ele apresenta Jesus como o Filho de Deus, como o Messias de Deus. Mas o Filho de Deus, em Marcos, no mitolgico, e sim o Jesus que realmente peregrinou na Galilia e caminhou para Jerusalm, onde foi crucificado e ressuscitou. O Evangelho expressa a crena de que tudo isso corresponde aos acontecimentos histricos da vida de Jesus. Os elementos histricos e geogrficos que so os feitos e ensinos de Jesus na Galilia a caminho de Jerusalm, e em Jerusalm, embora reais, em linha geral -, so subordinados ao seu conceito teolgico. O aspecto teolgico principal do Evangelho, cuja conexo com outros fatos lembrados (e no fabricados), a morte e ressurreio de Jesus. Da a pregao querigmtica da Igreja, com realce na histria da paixo. Tomando a narrativa da paixo, Marcos teria seguido a linha da tradio petrina, acrescentando controvrsias, coleo de parbolas e milagres, narrativas e ensinos de Jesus. A obra de Marcos, contudo, no uma colcha de retalhos, mas uma obra em que o autor tomou diferentes linhas de direo, respeitando, embora com flexibilidade, o fator histrico-geogrfico, e teceu uma tnica incomum ou, quem sabe, com costuras aqui e acol, mas fez uma narrativa geral com sentido teolgico e fidelidade histrico-geogrfica, em termos gerais.. (Do livro Estudos Introdutrios dos Evangelhos Sinticos, pg. 172).

    4.3 PEQUENO ESBOO DE MARCOS

    I. Introduo: Preparao para o ministrio: a) O ministrio de Joo Batista 1:2-8 b) O batismo de Jesus 1:9-11 c) A tentao de Jesus 1:12-13

    II. O ministrio inicial na Galilia: a) Os quatro primeiro discpulos 1:14-20 b) Em Cafarnaum 1:21-34

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    c) A primeira viagem de pregao 1:35-45 d) Controvrsias com os fariseus 2:1-3:6

    III. O ministrio posterior na Galilia: a) Retirada beira mar - 3:7-12 b) A escolha dos doze apstolos - 3:13-19 c) Amigos e inimigos - 3:20-35 d) Parbolas 4:1-34 e) Obras poderosas 4:35-5:43 f) Em Nazar 6:1-6 g) A misso dos doze 6:7-13 h) Herodes e Joo Batista 6:14-29 i) Milagres perto do Mar da Galilia 6:30-56 j) Conflito com as tradies 7:1-23

    IV. O ministrio alm da Galilia: a) Duas curas de gentios - (7:24-37) b) Mais milagres (8:1-26) c) O episdio de Cesaria de Filipe 8:27-9:1 d) A transfigurao 9:2-29

    V. A caminho de Jerusalm: a) Caminhando atravs da Galilia 9:30-50 b) O ministrio na Peria 10:1-52)

    VI. A semana da Paixo: a) Domingo: Entrada triunfal em Jerusalm 11:1-11 b) Segunda Feira -

    1. Amaldioando a figueira 11:12-14 2. Purificando o Templo 11:15-19

    c) Tera Feira 1. F e medo dos discpulos 11:20-33 2. Parbolas e controvrsias 12:1-44 3. O sermo proftico 13:1-37 4. Jesus ungido em Betnia 14:1-11

    d) Quinta Feira A ltima ceia 14:12-25

    e) Sexta Feira - 1. Jesus em Getsmani 14:26-52 2. Jesus perante o Sindrio 14:53-72 3. Jesus perante Pilatos 15:1-20 4. Jesus crucificado e sepultado 15:21-47

    VII. A ressurreio de Jesus: a) A ressurreio anunciada 16:1-8 b) Aparies de Jesus aps a ressurreio 16:9-18 c) A ascenso de Jesus 16:19-20

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    5. O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS

    5.1 AUTORIA E DATA

    O primeiro livro do Novo Testamento annimo. A tradio, porm, aponta para Mateus como autor, ou um importante compilador do evangelho que tradicionalmente levaria o seu nome. Os chamados pais da Igreja, do segundo, terceiro e quarto sculo d.C., Papias, Irineu, Orgenes, Eusbio, respectivamente, afirmam em suas obras que Mateus fora o autor do Evangelho. Isto, porm, asseverado em apenas uma obra, a Histria Eclesistica, de Eusbio (do sc. IV d.C.). Broadus afirma que Incio de Antioquia (c. de 115 d.C.) aparentemente estaria familiarizado com o evangelho de Mateus, pois em sua Carta a Esmirna, cap. 19, ele se refere a um Mateus escrito, e o denomina de o evangelho.

    Eusbio tambm afirmou (Histria Eclesistica III.39.16) que Mateus havia composto a logia (logia, ditos, ensinos) de Jesus, e isto na lngua hebraica. Cada um traduziu da melhor forma que pode para o grego, a lngua universalmente falada na poca. Isto torna o estudo do primeiro evangelho no cnon ainda mais fascinante, pois, nenhuma cpia de Mateus em hebraico (ou aramaico) do evangelho de Mateus jamais foi encontrado. Sendo assim, toda a discusso sobre a autenticidade do livro provm das tradies (evidncia externa), e da linguagem (evidncia interna). O fato de Mateus ter escrito o evangelho em hebraico refora a outra tradio to antiga quanto da autoria do livro: a que afirma que Mateus escrevera com o propsito de evangelizar os judeus. Este propsito ser discutido posteriormente.

    5.1.1 Evidncias Internas do Autor - O nome de Mateus aparece em todas as listas dos doze apstolos (Mc. 10:2-4, 3:16-19; Lc. 6:13-16; At. 1:13). Curiosamente, na lista do primeiro evangelho, Mateus identificado como publicano. Ele no identificado assim nas outras listas. Esta pode ser considerada como uma suposta evidncia de que Mateus quis frisar sua origem pecaminosa. O primeiro evangelho o identifica como Mateus (Mt. 9:9). As outras listas o apresentam de forma diferente: Marcos 2:14 o apresenta como "Levi, filho de Alfeu, e Lucas 5:27 o chama simplesmente de Levi. O paralelismo deve indicar, como toda a certeza, mesma pessoa. Broadus levanta uma possibilidade alternativa quanto ao nome Levi:

    Se a observao feita em Marcos 2:14 verdadeira, ento este publicano poderia ser o irmo de Tiago, o filho de Alfeu (Mt. 10:4, Mr. 3:18, Lc. 6:15, At. 1:13). Era possvel um judeu ter dois nomes, mas isso pode ser debatido. Outra soluo que o Leuin (leuin, Levi) de Marcos 2:14 e de Lucas 5:27 poderia ser traduzido como levita, e no, necessariamente, Levi. Isto indicaria que Mateus pertencera tribo de Levi. (Introduo ao Estudo do Novo Testamento, pg. 87).

    Talvez a traduo levita se encaixe melhor como evidncia interna para autoria de Mateus. A data geralmente mais aceita para a realizao do evangelho de Mateus encontra-se entre 60 e 70 d.C. Alguns entendem que os captulos 22 e 24 de Mateus sejam uma meno da destruio do Templo de Jerusalm, ocorrida em 70 d.C. opinio geralmente mais aceita que tais referncias se coadunam melhor com a escatolgica judaica, a idia geral de escatologia que tinham os judeus mais conservadores do sculo I.

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    5.2 DESTINATRIO, MENSAGEM E PROPSITO.

    5.2.1 - Se a traduo leuin (Levi), em Mr. 2:14, se referir levita, isto poderia explicar melhor alguns traos peculiares no primeiro evangelho. Estas peculiaridades formam uma estrutura nica, entre os evangelhos. H, em Mateus, um conservacionalismo singular, alm de um maior interesse na lei oral, na tradio, nos fariseus, nos escribas e na escatolgica judaica. Tais traos encaixariam bem na formao tradicional de um levita. Por excesso de levitas, que no eram absorvidos nos trabalhos do Templo, muitos formavam uma classe sacerdotal relativamente poderosa em Jerusalm. Apesar das interminveis discusses dos eruditos sobre as fontes usadas por Mateus, uma coisa pde ser observada a partir da crtica bblica: do material que exclusivo de Mateus (chamado de fonte M), e do que paralelo aos demais sinticos, encontram-se doze textos prova do Antigo Testamento que apontam para vinda de Jesus Cristo, seu ministrio e sofrimento: 1:22; 2:15,17,23; 4:14; 8:17; 12:17; 13:35; 21:4; 26:56; 27:9. Estas passagens quase sempre se iniciam com a expresso: ...para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta.... Esta caracterstica peculiar pode ser um forte indicador de que o primeiro evangelho na ordem cannica fora escrito e endereado igreja judaica, nos primrdios da igreja primitiva.

    Cristo significa que Jesus era o Messias (hb. Mashiach), ou seja, o Ungido. Sabe-se que havia trs tipos bsicos de ungidos na perspectiva vtero testamentria, a saber:

    O rei de Israel, a partir do perodo monrquico. Os reis deveriam ser ungidos pelo sumo sacerdote para o ofcio. Aps Samuel ungir Saul, o sub ttulo ungido permanece consigo. Cf. 1 Sm. 24:10; 2 Sm. 22:51

    O sumo sacerdote, desde o estabelecimento do ofcio sacerdotal, nos dias de Moiss e Aro. Cf. Lv. 8:12.

    O Ungido prometido, este seria o restaurador e libertador eterno de Israel. Traria, de acordo com a concepo judaica dos dias de Jesus, a paz e a prosperidade para Israel, conforme os dias do rei Davi. Este Messias fora predito no AT por textos que viriam a ser interpretados claramente como textos messinicos, como o Salmo 22 e o captulo 61 de Isaas. Quanto a este ltimo, Jesus testifica-o acerca de si mesmo, em Lucas captulo 4.

    Como, ento, Jesus seria evidenciado no evangelho de Mateu? Era de se esperar que Jesus fosse mostrado como o Cristo (gr. Xristoj, hb. xvm, messias, ungido). E exatamente assim que o Senhor apresentado em Mateus. No pensamento judaico do sculo I, havia uma forte expectao messinica. Israel estava subjugado por Roma, havia quase cem anos. A corrupo das autoridades judaica, associada contnua opresso romana, incentivou um processo ultranacionalista que aguardava apenas um lder, como Judas Macabeu, ou um tipo de rei Davi, para que eclodisse uma insurreio nacional. O ungido de Deus est evidenciado logo no captulo 1 verso 1 de Mateus: Genealogia de Jesus Cristo.... O consenso comum era que o Messias, portanto, tivesse uma conotao basicamente poltica, o que no ocorre na vida e ministrio de Jesus.

    5.2.2 Teologia da Mensagem O relato do primeiro evangelho tem uma conotao teolgica messinica, e isto est expresso em sua estrutura. Apesar de Mateus seguir o esboo geral de Marcos (reproduziu, assim como Lucas, 630 versculos, dos 661 de Marcos), a fonte M (que no se encontra nem em Lucas nem em Marcos) contm, tambm, como j mostramos anteriormente, material que assevera a vida de Jesus como cumprimento das profecias do Velho Testamento.

    Em sua obra intitulada "Strongs Exhaustive Concordance of the Bible, o Prof. James Strong analisa os usos habituais na Bblia da palavra Messias. De acordo com o Prof. Strong, no A.T., alm da conotao do prncipe messinico, encontramos a mesma expresso usada para o sumo sacerdote e para o rei de Israel. Logo, essa palavra no N.T., para o judeu do primeiro sculo,

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    denotaria imediatamente a idia de um messias rei. No toa, portanto, que o evangelho de Mateus:

    Inicie sua narrativa com a genealogia de Jesus (cap. 1), que nos mostra sua ascendncia real;

    Contenha 38 referncias ao Reino dos Cus ou ao Reino de Deus, com a bvia inteno de destacar o carter real - messinico do advento de Jesus;

    Seja o nico evangelho a mostrar os magos perguntando (2:1-2) onde havia nascido o rei dos judeus.

    A idia do Messias-Rei desenvolvida, e, portanto, melhor esclarecida em Mateus, que apresenta a Jesus Cristo como o Filho de Deus (16:16-13-20), que haveria de se assentar em seu trono, no lugar celestial, a fim de julgar as naes:

    Tendo Jesus chegado s regies de Cesaria de Felipe, interrogou os seus discpulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? Responderam eles: Uns dizem que Joo, o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias, ou algum dos profetas. Mas vs, perguntou-lhes Jesus, quem dizeis que eu sou? Respondeu-lhe Simo Pedro: Tu s o Cristo (,o, cristo,j, o Messias), o Filho do Deus vivo. Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado s tu, Simo Barjonas, porque no foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que est nos cus. Pois tambm eu te digo que tu s Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno no prevalecero contra ela; dar-te-ei as chaves do reino dos cus; o que ligares, pois, na terra ser ligado nos cus, e o que desligares na terra ser desligado nos cus. Ento ordenou aos discpulos que a ningum dissessem que ele era o Cristo.

    Esta nfase tem duas vertentes principais: 1) Mostrar aos judeus que o Senhor Jesus era o to esperado messias, e 2) Auxiliar aos gentios convertidos a compreenderem plenamente o significado da vida,

    ensinos e obra do Senhor Jesus.

    O Reino No a proposta do curso de Evangelhos adentrar na rea da Teologia do Novo Testamento. Contudo, pertinente lembrarmos desta importante coluna dos ensinos de Jesus, a mensagem do Reino.

    5.2.3 Igreja Champlin discorda da idia de que Mateus escrevera, por qualquer motivo que fosse, apenas aos judeus. Isto corroborado por muitos estudiosos do N.T. A preocupao com os gentios acrescenta ao evangelho de Mateus mais uma caracterstica que lhe peculiar: o nico evangelho que contm a palavra igreja.

    Os evangelhos no so trabalhos biogrficos, que seguem uma linha cronolgica. comumente aceito que os evangelhos, por terem sido escritos com pocas e situaes distintas, tiveram, muito provavelmente, propsitos diferentes e, pelas evidncias internas, destinatrios tambm distintos. A Igreja do sculo I era uma igreja emergente, nascida do judasmo. Os judeus eram maioria, e alvo principal. Porm, cada vez mais gentios agregavam-se ao seio da Igreja, pois os judeus insistiam no repdio mensagem evanglica, por causa de suas dogmticas convenes nacionalistas. Parece-nos que a preocupao latente de Mateus, com a comunidade dos crentes, que o faz frisar aspectos da vida do Senhor que tinham importncia fundamental na consolidao da recm formada Igreja.

    A palavra Igreja (ekklhsia, assemblia de pessoas que saem de suas casas e vo a um lugar pblico), sendo o perodo da igreja emergente, demonstra que deveria ser mantido como tradio do colgio apostlico, o ensino de Jesus:

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    Portanto ide, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, at a consumao dos sculos. Mateus 28:19-20

    Essa preocupao com os gentios tambm nos chama a ateno em Mateus. A questo aqui no a grande comisso em si, mas como o apstolo a apresenta. Todas as coisas que vos tenho mandado pode ser uma referncia ao que os estudiosos chamam de logia (logia), no evangelho de Mateus, ou o conjunto de ensinos, ditos de Jesus. Champlin comenta:

    O contedo do prprio evangelho mostra o intuito de fazer um apelo a judeus e gentios igualmente, assegurando a ambos que Jesus o Messias e Salvador. A genealogia e a referncia freqentemente repetida s leis e costumes judaicos serviam de apelo aos judeus. A referncia ao ministrio de Jesus fora dos territrios judaicos 4:15,25, com a indicao de que os judeus haviam repelido a ele mesmo e sua doutrina, o que quer dizer que a sua mensagem se voltou para os gentios (8:11-12 e 21:43), alm da Grande Comisso, enfatizam a universalidade do novo evangelho, apelando aos gentios. (...)

    O livro tenciona mostrar com o que se parece o ideal reino dos cus, e como Cristo deve ser o rei daquele reino (caps. 1,25-7,13 e 25). Essas sees tambm nos mostram o que se espera dos sditos desse reino celestial.

    Esse evangelho foi escrito para satisfazer s necessidades da igreja em crescimento, pois aborda e prope solues (cap. 16 ss). Erramos quando supomos que o Evangelho de Mateus, em qualquer sentido, visava aos , e no igreja, ainda que grande parte do mesmo refletia o perodo de do antigo para o novo. (Enc. de Bblia, Teologia e Filosofia, Vol. IV, pg. 165).

    No concordamos cem por cento com todas as afirmaes de Champlin. Porm inegvel o fato, pelas evidncias internas, de que h tambm um componente gentlico no destinatrio do evangelho de Mateus.

    5.2.4 Logia - Mateus considerado um evangelho simtrico. Est dividido em cinco sees lgicas, materiais estes que podem ser assim dispostos: Mt. 7:28, 11:1, 13:53, 19:1, 26:1. H uma expresso caracterstica, que exprime o fim de uma srie de discursos de Jesus: E aconteceu que, concluindo Jesus estes ensinos... (kai egeneto o,te ete,lesen o` Ihsouj touj lo,gouj tou,touj). Estas divises compem os incios e trminos das sries de cinco principais blocos de Mateus, dispostos da seguinte maneira, por Broadus:

    I O Reino: Sua Natureza e Caractersticas (4:12-7:28) 1. Narrativa Introdutria (4:12-25) 2. Discurso: O Sermo da Montanha (5:1-7:28) II A Apresentao e Propagao do Reino (8:1-11:1) 1. Narrativa Introdutria (8:1-9:34) 2. Discurso: Misses (9:35-11:1) III A Inaugurao do Reino (11:2-13:53) 1. Narrativa Introdutria (11:2-12:50)

    2. Discurso: As Parbolas Acerca do Reino (13:1-53) IV A Relao de Jesus Para com o Reino (13:54-19:1) 1. Narrativa Introdutria (13:54-17:21) 2. Discurso: O Esprito Interno do Reino (17:22-19:1) V A ltima Apresentao Formal do Reino Nao Judaica (19:2-26:1) 1. Narrativa Introdutria (19:2-23:29) 2. Discurso: Escatologia (24:1-26:1)

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    5.2.5 Propsito - Baseados nestas divises principais do livro de Mateus podemos questionar: Qual ou quais propsitos do autor em dispor assim os dizeres e a obra do Senhor? Como no podia deixar de ser, o evangelho observa a relevncia do ministrio de Jesus Cristo. Mateus nos mostra, atravs da base vtero testamentria bvia que permeia todo o livro, que Jesus o Messias (Rei) prometido! Este o principal objetivo do livro de Mateus. E essa promessa no estava restrita a Israel, mas a todos, no mundo inteiro. Por causa desta verdade fundamental, ele registra o testemunho do Pedro (Tu s o Cristo) e a subseqente confirmao do prprio Jesus; e tais verdades ele pretendia proclamar, ao judeu e ao gentio. Sua perspectiva da Grande Comisso (28:19-20) corrobora esta idia: ali o Senhor havia mandado fazer discpulos de todas as naes, ensinando a guardar tudo o que ele havia ordenado.

    O evangelho de Mateus teria um propsito essencialmente didtico. O interesse est na evangelizao dos Judeus (15:24; 10:5-6), mas no dos judeus apenas (8:11; 24:14; 28:20). O elemento kerigma em Mateus contrabalanado com o elemento didtico. Da mesma forma que Mateus enfatizou o discipulado, seu evangelho foi escrito para instruir. notvel que as cinco sees principais do livro sejam construdas em tornos dos discursos do Senhor. Broadus comentou que, a princpio, os discpulos preocuparam-se com o kerigma, haja vista esperarem, para seus dias, a volta de Jesus. Porm, com o passar dos anos, o papel didtico dos ensinos do Senhor tornou-se to vital quanto a necessidade da proclamao do Evangelho. Isso explicaria a disposio do evangelho de Mateus. Um livro construdo para a instruo da Igreja Crist primitiva.

    De fato, no evangelho de Mateus, h material apologtico, escatolgico, disciplinar, de tica, missiolgico, e de adorao. Jesus nos apresentado como o Filho de Deus (14:33). O termo Pai, com a sua referncia em Deus, usado 45 vezes em Mateus, sendo sobrepujado apenas por Joo, que escreveu o termo 107 vezes. Jesus aprovou o termos Messias (16:16), porm, como sabemos, orientou os discpulos a no o chamarem assim, por causa dos efeitos turbulentos deste titulo no primeiro sculo. Jesus usa do ttulo Filho do homem (16:28) para evidenciar, talvez, sua condio de servo. Ele viera para servir, e no para ser servido (20:28). Este aparente paradoxo, de um Messias-Rei que ao mesmo tempo era um servo sofredor no foi assimilado pelos judeus, que possuam uma viso prpria do que seria a implantao do reino messinico.

    Porm, essa sua viso era fundamentalmente distorcida do que pr anunciavam as Sagradas Escrituras. Mateus registra que o Senhor advertiu classe dos Saduceus por no compreenderem as Escrituras, nem o poder de Deus (22:29). Talvez o formalismo ritualstico-nacionalista judaico os tivessem tirado completamente dos alvos essenciais da mensagem vtero testamentria acerca do Messias. Esta aparente ignorncia por parte das classes de elite da religiosidade judaica iria continuar com sua influncia malfica, at mesmo dentro da Igreja, posteriormente, na figura dos combatidos judaizantes. Conforme diz Osmundo Afonso:

    Mateus contm mais citaes do Velho Testamento do que qualquer outro Evangelho. Na primeira metade do sculo vinte, houve quem considerasse as referidas logia, mencionadas por Papias, como os testemonia, isto , uma coleo de profecias do Velho Testamento usadas nas polmicas da Igreja primitiva contra os judeus, para provar que Jesus era o Cristo, o Messias. O valor delas seria apologtico, polmico e evangelstico; os cristos estariam ao mesmo tempo defendendo a sua f, a sua posio teolgica ou doutrinal, e usando os testemonia para convencer os judeus de que Jesus era o Messias. Este objetivo coincide com o do Evangelho de Mateus. (...) H mais de sessenta citaes do Velho Testamento no Evangelho de Mateus, alm de aluses a textos veterotestamentrios. Em geral, as citaes profticas, em Mateus, so introduzidas por uma clusula final regida pela conjuno hina (para que, a fim de que). Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta... (Mt. 1:22; 2:15,23; 4:14; 8:17; 12:17; 13:35; 21:4). (Estudos Introdutrios nos Evangelhos Sinticos, pg 155).

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    5.3 PECULIARIDADES E PARALELISMOS COM OS DEMAIS SINTICOS

    Permanecendo na linha de pensamento da abordagem do item anterior, Osmundo relaciona algumas caractersticas peculiares a Mateus, no que diz respeito a aspectos da linguagem e ao uso de profecias do VT, e os correlatos sinticos:

    Com relao s citaes veterotestamentrias em Mateus, note-se o seguinte:

    a) As citaes contidas em Mt. 1:22-23; 2:5-6,15,17-18,23; 4:14-16; 8:17; 12:17-21; 13:35; 21:4-5 e 27:9 apresentam certa dificuldade no sentido de finalidade, portanto devem ser estudadas com base no texto grego, e com base numa boa gramtica e em comentrios gramaticais e filolgicos. No o bastante formular uma opinio doutrinria, nem tradicional conservadora, nem modernista.

    b) A citao de Mt. 2:23 no encontra correspondente no V.T., ou deve ser tomada apenas como tipologia, quase que alegoricamente, ou como citao de alguma profecia no cannica e desconhecida at agora. A citao de Isaas 11:1: Do tronco de Jess sair um rebento ou broto (netzer)... fazendo de netzer uma aluso ao Nazareno. Consultem-se comentrios sobre este texto.

    Enquanto seis citaes parecem ter sido feitas pelo autor, na composio do texto... outras parecem ter sido acrescentadas a sees que o autor tirou de Marcos, tais como: Mt. 4:14-16; 8:17; 12:17-21; 13:35; 21:4-5. Umas citaes concordam com a LXX, outras com o texto hebraico e outras diferem dos textos que conhecemos, tanto da LXX como do hebraico dos massoretas. (Estudos Introdutrios nos Evangelhos Sinticos, pgs. 155, 157 e 158).

    Alguns comentaristas vem claramente uma fuso dos principais ofcios de Jesus, como o Cristo, com a palavra netzer. A raiz desta palavra, no hebraico, tambm est presente em Zc. 6:12, aonde o sumo sacerdote Josu coroado, e para o qual as profecias dos versculos 12 e 13 no parecem encaixar-se perfeitamente, tornando o sumo sacerdote Josu um tipo de Cristo. Sendo assim, a habitao de Jesus em Nazer, servira de ilustrao tipolgica para Mateus, para explicar o fato de Jesus ser chamado de nazareno.

    Mateus contm, (a) nove incidentes, (b) dez parbolas e (c) trs milagres exclusivos ao seu relato. Entre o que foi dito, encontramos a viso de Jos (1:20-24), a cura do mudo endemoninhado (9:32-33), e as parbolas do trigo e joio (13:24-30; 36-43, e dos talentos (25:14-30).

    No que diz respeito a paralelismos, Osmundo Afonso comenta:

    O texto nos Evangelhos Voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor segue a traduo da Setuaginta. O texto hebraico um pouco diferente, pois deve ser lido assim: Voz do que clama: preparai o caminho do Senhor, no deserto. (nota sobre os essnios).

    Em Mt. 11:10, o texto de Ml. 3:1 aparece modificado por influncia de xodo 23:20. (...) Mt. 13:14-15 cita a passagem completa de Isaas 6:9-10, de maneira que o propsito

    de Jesus, ao contar parbolas, o de esclarecer o povo. Marcos d outra impresso, isto , que Jesus contou parbolas para cerrar os olhos do povo, para o povo no ver. Eis o texto de Marcos, que no cita Isaas completamente:

    Para que vendo, vejam e no percebam, e ouvindo, oua e no entendam, para que no venham a converter-se e haja perdo para eles (Mc. 4:12).

    Mateus diz: Ouvireis com os ouvidos e no entendereis, vereis com os olhos e no percebereis, porque

    o corao deste povo est endurecido (Mt. 13:12-15).

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    Marcos diz: Para que vendo, no vejam (usando a conjuno hina), introduzindo a primeira

    clusula; Mateus diz: porque vendo no vem (usando a conjuno hoti para introduzir a primeira clusula). Marcos usa mepote (= a menos que, para que no) e Almeida traduz: para que no venham a converter-se e haja perdo para eles. Mateus omite esta clusula. Lucas acompanha Marcos na primeira clusula usando hina (=para que), diferindo de Mateus, que usa hoti (=porque), mas omite a segunda clusula de Marcos (...).

    (...) Na entrada triunfal de Jesus, em Jerusalm, Marcos menciona um jumentinho ou potro, e no cita nenhuma profecia (Mc. 11:1-10). Mateus menciona uma jumenta e um jumentinho (Mt. 21:1-11), dois animais. Mateus cita Zacarias 9:9-10, cuja sintaxe expressa em forma potica:

    Alegra-te muito, filha de Sio! Exulta, filha de Jerusalm! Eis que a te vem o teu rei, Triunfante e vitorioso, Humilde, montado em um jumento, Num jumentinho cria de uma jumenta.

    (...) Se as duas linhas so um paralelo sinnimo, Zacarias no est falando de dois, mas apenas de um animal. Teria Mateus alterado a narrativa, mencionando dois animais, em vez de um, como o faz Marcos? Por que Mateus teria mal entendido o paralelo de Zacarias? possvel. Acontece, porm, parece-nos que Mateus saberia muito mais hebraico do que ns o sabemos hoje.. (Estudos Introdutrios nos Evangelhos Sinticos, pgs. 159 e 160).

    5.4 PEQUENO ESBOO DE MATEUS

    I. A apresentao do Messias: a) A linhagem judaico-real de Jesus 1:1-17 b) O nascimento de Jesus e sua fuga pra o Egito 1:18-2:23 c) O predito precursor do Messias 3:2-12 d) O batismo do Messias 3:13-17 e) A tentao do Messias 4:1-11

    II. O ministrio de Jesus na Galilia e arredores: a) Resumo do ministrio inicial da Galilia 4:12-25 b) Sermo sobre o discipulado no Reino de Deus 5:1-7:29 * c) Narrativa I: Sinais miraculosos no Reino de Deus 8:1-9:38 * d) Sermo da proclamao do Reino 10:1-42 * e) Narrativa II: A presena do Reino de Deus 11:1-12-50 * f) Sermo sobre os mistrios do Reino de Deus 13:1-58 * g) Narrativa III: Oposio ao Reino de Deus 14:1-17:27 * h) Sermo sobre o integrante do Reino de Deus 18:1-35 *

    III. O auge do ministrio messinico de Jesus na Judia, Peria e especificamente em Jerusalm:

    a) A viagem de Jesus a Jerusalm 19:1- 20:34 b) A ltima semana de Jesus em Jerusalm:

    1. A entrada triunfal e a purificao do Templo 21:1-22 2. Disputas com os judeus 21:23-22:46 3. Censura aos escribas e fariseus 23:1-39

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    4. Sermo do Monte das Oliveiras sobre o futuro do Reino de Deus 24:1-25:46 *

    5. A trama para matar Jesus 26:1-16 6. A ltima Pscoa 26:17-30 7. No Getsmani 26:31-46

    IV. A priso, julgamento e crucificao de Jesus: a) A priso 26:47-56 b) O julgamento 26:57-27:26 c) A crucificao 27:27-56 d) O sepultamento 27:57-66

    V. A ressurreio de Jesus: a) A gloriosa descoberta das mulheres 28:1-10 b) Falsas testemunhas 28:11-15 c) A ltima ordem do Senhor e sua ascenso 28:16-20

    Os textos em negrito compem a logia, ou discursos de Jesus, em Mateus.

    6. O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS

    6.1 AUTORIA E DATA

    H, de fato, alguma controvrsia sobre a autoria do terceiro evangelho, como disposto na Bblia. A tradio da Igreja, desde o sculo II, de onde provm os registros mais antigos a esse respeito, apontam para Lucas, o mdico que acompanhara Paulo em suas viagens missionrias (2 Tm. 4:11), o mdico amado (Cl. 4:14), como o autor deste evangelho, e do livro dos Atos dos Apstolos. Irineu (c. de 185 d.C.), citado por Eusbio em Against Heresies, Contra as Heresias (III.i.i) afirma que Lucas, o seguidor de Paulo, colocou em um livro o evangelho que foi pregado por ele. Na mesma obra, Eusbio escreve que Irineu proclamara que Lucas havia escrito aps a morte de Paulo. Outros expoentes da Igreja antiga, como Tertuliano e Orgenes, do fim do segundo sculo, e incio do terceiro sculo, respectivamente, afirmam que Lucas o autor do terceiro evangelho.

    Para combater algumas heresias j vigentes no seio da Igreja nos tempos apostlicos, e que culminaram com um cnon proposto por Marcio (sc. II d.C.), que aceitara apenas o evangelho de Lucas, a Igreja compe um Prlogo Anti-Marcionista, como uma introduo ao cnon que viria a ser universal, o qual incluiria os quatro evangelhos mais aceitos pela Igreja. Esse prlogo citado pelo erudito F. F. Bruce, em sua obra The Acts of the Apostles:

    Lucas um srio de Antioquia, um mdico por profisso, que foi discpulo dos apstolos, e posteriormente acompanhou Paulo at seu martrio. Serviu ao Senhor sem cessar, solteiro, sem filhos, e dormiu com a idade de 84 anos na Bocia, cheio do Esprito Santo. Ainda dito que Lucas tambm escreveu os Atos dos Apstolos e comps o Evangelho em Acaia (Grcia atual). Este material encontra confirmao no Evangelho, onde, nos primeiro versculos, o autor afirma ter acompanhado todas as coisas desde o princpio; contudo, ele separa-se daqueles que desde o princpio foram testemunhas oculares e ministros da palavra (Lc. 1:2). A concluso mais natural, diante destas palavras, que o autor vem de entre aqueles que estiveram em contato ntimo com discpulos cristos da primeira gerao.

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    Broadus, citando Eusbio:

    Lucas, por raa um nativo de Antioquia e por profisso mdico, tendo-se associado principalmente com Paulo e tendo acompanhado o restante dos apstolos menos de perto, deixou-nos exemplos da cura de almas, os quais adquiriu deles, em dois livros inspirados, o Evangelho e Atos dos Apstolos (Histria Eclesistica, II, 4.6).

    Realmente, por causa do escasso material de evidncia externa, a autoria de Lucas dever ser comprovada pela comparao dos registros bblicos, que no Atos e Lucas, acerca de si, e relacionados s evidncias internas dos dois livros cuja autoria lhe atribuda. O autor, p.ex., parece demonstrar interesse em vrias passagens do evangelho, comuns aos demais sinticos, exceo que, em Lucas, tais passagens que curiosamente tratam de curas de enfermidades, so melhor exlicadas: (4:38; 5:18-31; 8:44; 21:34). Outra evidncia interna, ainda nesta linha de raciocnio, encontra-se em Lc. 18:25. Nesta passagem, falando sobre o perigo do apego s riquezas, Jesus afirma que mais fcil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Cus. Nos sinticos (Mt. 19:24 e Mc. 10:25), a palavra usada como agulha (qavir, transl. rafis) refere-se a uma agulha comum, de coser. Lucas utiliza outra palavra (bekoug, transl. belu) que significa uma agulha de cirurgio.

    Broadus tambm v outro elemento de evidncia interna quanto autoria de Lucas:

    A evidncia interna levou muitos estudiosos a conclurem que o autor era de fato um gentio. O vocabulrio, a gramtica e o estilo so vistos como sendo usados por algum cuja lngua materna era o grego. No h, praticamente, nenhuma expresso semtica nos dois volumes (entenda-se Lucas e Atos), alm de poucos usos do termo amm (alem). O autor faz uso de todos estes elementos para produzir o grego da mais alta qualidade, no Novo Testamento. O prefcio ao Evangelho mostra a formao helnica de seu autor. Certas passagens* (6:47 ss.; 11:33; 12:54; 13:19) revelam a origem no palestina do autor. Se verdadeiro o fato de que o autor escrevia para uma comunidade de fala grega, alguma parte do material, vocabulrio e estilo estariam sujeitos influncia da cultura dos primeiros leitores. Mas, a impresso geral que o autor familiar racial e cultural em relao queles a quem escreve. A evidncia interna dos dois volumes, Lucas-Atos, confirmaria a tradio por Paulo de que Lucas era um dos incircuncisos, um gentio. (Introd. ao Estudo do Novo Testamento, pg. 107).

    Tais passagens podem indicar a origem gentlica de Lucas, pois quando as comparamos com os demais sinticos, observamos que as mesmas so usadas com contextos distintos, quase sempre com uma meno sobre gentios.

    Em relao data de autoria, alguns estudiosos tm sustentado que o evangelho de Lucas, assim como o de Mateus, apresentaria algumas evidncias que indicavam que os mesmos teriam sido escritos aps a destruio de Jerusalm, que ocorreu em 70 d.C. Porm tais alegaes no so conclusivas, e as evidncias esparsas. A opinio ortodoxa supe que o evangelho de Lucas foi escrito entre 60 e 70 d.C., um perodo mais provvel. O evangelho de Lucas e o livro de Atos apresentam caractersticas distintas dos demais sinticos. Uma delas se refere riqueza de detalhes histrico-geogrficos. Ora, se o evangelho, ou mesmo o livro de Atos, tivessem sido escritos aps a destruio de Jerusalm e do segundo Templo, o acontecimento deveria estar registrado de forma mais proeminente, dando-se a ateno que o assunto merecia. Isto no acontece no escritos Lucas-Atos, sugerindo que os mesmos foram escritos em um perodo anterior. F. F. Bruce comenta:

    A exatido de Lucas nos detalhes que j mencionamos se estende tambm esfera mais geral da cor e atmosfera locais. Ele consegue sempre a atmosfera certa. Jerusalm, com suas multides agitadas e intolerantes apresenta um contraste marcante com o atarefado emprio de

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    Antioquia da Sria, onde pessoas, credos e nacionalidades diferentes convivem ombro a ombro, polindo, assim, suas arestas speras. No ficamos, ento, surpresos ao encontramos ali a igreja gentia, com judeus e no judeus se reunindo em tolerncia e comunho fraternais. A seguir, vem Filipos, uma colnia romana com seus importantes e convencidos magistrados e seus cidados vaidosos por serem romanos. E Atenas, com suas disputas infindveis no mercado e sua sede insacivel das ltimas notcias uma sede que seus estadistas haviam repreendido trs ou quatro sculos antes. Vemos depois feso, com seu templo de rtemis (Diana), uma das sete maravilhas do mundo, e com tantos de seus cidados dependendo do culto da grande deusa para sobreviver. Com sua reputao de superstio e magia uma reputao to difundida no mundo antigo, que um nome comum para os fetiches e encantamentos escritos era Ephesia grammata (cartas efsias). Tratava-se, sem dvida, de rolos contendo esses encantamentos, os quais foram queimados publicamente quando Paulo poderosamente anunciou uma f que libertava os homens dos temores supersticiosos.

    (...) Todas essas evidncias de exatido no so acidentais. Um indivduo cuja extadio pode

    ser demonstrada em questes onde temos condies de test-la vai ser provavelmente exato, mesmo quando os meios para esse teste no estejam disponveis. A exatido um hbito mental, e sabemos que mediante experincias felizes (ou infelizes) que algumas pessoas so habitualmente exatas da mesma forma que podemos ter a certeza de que outras sero quase sempre inexatas. O registro de Lucas lhe d o direito de ser considerado como um escritor de habitual exatido. (Bruce, F. F. The New Testament Documents: Are They Reliabel? 5 Ed. Revisada. William B. Eardmans Publishing Co. 1985).

    6.2 DESTINATRIO, MENSAGEM E PROPSITO

    6.2.1 Destinatrio identificado - No princpio do evangelho de Lucas podemos observar, atravs dos seus elementos distintivos dos sinticos, primeiramente um destinatrio e alguns propsitos que poderamos chamar de primordiais. Em primeiro lugar, o autor expressa a causa da composio do evangelho:

    Visto que muitos tm empreendido fazer uma narrao coordenada dos fatos que entre ns se realizaram, segundo no-los transmitiram os que desde o princpio foram testemunhas oculares e ministros da palavra, tambm a mim, depois de haver investido tudo cuidadosamente desde o comeo, pareceu-me bem, excelentssimo Tefilo, escrever-te uma narrao em ordem para que conheas plenamente a verdade das coisas em que foste instrudo. Lucas 1:1-4

    Isto peculiar, haja vista que uma justificativa da elaborao dos relatos da vida do Senhor, afora Lucas, s ser feita por Joo, no fim do seu evangelho (Jo. 19:35). Lucas diz para qu escreve: para o conhecimento pleno da verdade, por parte de Tefilo. A palavra Tefilo tambm tem sido motivo de alguma discusso. Os estudiosos questionam se Tefilo refere-se a um nome prprio, ou se um ttulo, como um apelido. Tefilo (Qeo,file, amigo de Deus) pode ter sido um ttulo, talvez de alguma autoridade romana conhecida por Lucas, que pudesse intervir, de alguma forma, contra a crescente animosidade aos cristos, surgida desde os dias de Nero Csar, poca em que houve o famoso incndio de Roma, do qu foram culpados os cristos. Lucas demonstrou respeito a esta pessoa; porm, se o ttulo for um apelido, isto sugere que Lucas o conhecia, e sabia que tal vulto j tivera algum conhecimento do cristianismo.

    6.2.2 Universalidade - Outro fator importante neste evangelho a descrio da genealogia de Jesus Cristo seguindo at Ado. Isto, sem dvida, denota uma caracterstica de universalidade. Sendo um escritor gentio, no de se admirar que evidncias internas mostrem uma mensagem

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    pronta para a propagao no mundo grego, inclusive com o registro de situaes cujo propsito aparente era suscitar esta questo:

    Simeo o tomou em seus braos, e louvou a Deus, e disse: Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra; pois os meus olhos j viram a tua salvao, a qual tu preparaste ante a face de todos os povos; luz para revelao aos gentios, e para glria do teu povo Israel. Lucas 2:28-32

    Isto relevante, pois se observarmos a frase acima, dita pelo ancio Simeo, quando segurou o menino Jesus, em termos escatolgicos veremos o elemento da gradao, isto , a sentena em ordem. Ora, Jesus veio primeiramente para os judeus, porm os seus no o receberam (Jo. 1:11). Sendo assim, a frase poderia estar mais de acordo com a retrica paulina, aos judeus, em Atos 28:28:

    Seja-vos, pois notrio que esta salvao de Deus enviada aos gentios, e eles ouviro.

    Desta forma, a urgncia da mensagem da boa nova seria enviada aos gentios, por motivo das circunstncias, e eles a ouviriam. A glria de Israel seria uma predio escatolgica, ou seja, quando o Senhor retornasse, em Israel, na parousia. No queremos dizer com isso que o objetivo do evangelho de Lucas fosse apenas escatolgico. J podemos observar que o referido evangelho de carter informativo, e veremos que possui elementos distintivamente apologticos.

    6.2.3 nfase na humanidade de Cristo Entenda-se aqui a preocupao de Lucas em registrar, pormenorizadamente, detalhes histricos e geogrficos, que apresentam o Senhor como uma pessoa histrica, que vivera em um contexto scio-poltico, geogrfico e religioso. Assim, podemos conceituar certos aspectos da vida cotidiana de Jesus, dentro de tais ambientes e na histria da Religio.

    OBS.: Registramos aqui as obras de referncia de Josh McDowell e Bill Wilson, Ele Andou Entre Ns Evidncias do Jesus Histrico e Evidncia que Exige um Veredicto Vols. I e II, de Josh McDowell, que tratam dos problemas dos registros bibliogrficos dos evangelhos, e sua relao com os ambientes histrico, poltico, cultural e geogrfico e suas supostas contradies.

    O evangelho de Lucas traz um relato mais pormenorizado de fatos ocorridos antes do nascimento do Senhor, e no perodo da sua infncia. A linguagem destes relatos, encontrados nos dois primeiros captulos de Lucas, diferem bastante da linguagem do restante do evangelho, sugerindo para alguns estudiosos que um documento em aramaico ou hebraico em circulao foi uma das fontes pesquisadas por Lucas. A traduo pode ter sido feita para salvaguardar a caracterstica hebraica da septuaginta, o que estaria evidente, p.ex., nos ideais de piedade judaica das personagens principais destes episdios, em seus cnticos de louvor e na evidncia da esperana messinica (1:14-17,32-33,46-55,68-79; 2:29-32). Efetivamente, como os outros escritores dos evangelhos, o propsito principal de Lucas foi o de apresentar o Senhor como a resposta plena de salvao, da qual carecemos. Esta salvao veio em uma pessoa histrica, que andou entre ns, e experimentou as mesmas dificuldades e limitaes com ns experimentamos. O Senhor veio em um momento histrico, em situaes polticas, econmicas, religiosas e sociais definidas. O lugar geogrfico (Israel, ento uma provncia romana), era importante ser destacado, pois Lucas objetivava um pblico essencialmente grego. No nos esqueamos que, o mundo na poca de Jesus, estava totalmente influenciado pela lngua e filosofia gregas. Inclusive o imprio romano. Era de fundamental importncia expor o Senhor Jesus como um ser humano, o Filho do homem, que ao mesmo tempo abrigava a essncia da divindade em si. Era tambm o Filho de Deus.

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    6.2.4 Jesus e o Reino de Deus Lucas nos mostra o Senhor consciente da sua misso: a de salvar os homens, em todas as naes, e pertencentes a todas as raas. Isto est claro no relato exclusivo da pregao de Jesus na sinagoga de Nazar, em 4:14-30:

    Ento voltou Jesus para a Galilia no poder do Esprito; e a sua fama correu por toda a circunvizinhana. Ensinava nas sinagogas deles, e por todos era louvado. Chegando a Nazar, onde fora criado, entrou na sinagoga no dia de sbado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaas; e abrindo-o, achou o lugar em que estava escrito:

    O Esprito do Senhor est sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertao aos cativos, e restaurao da vista aos cegos, para pr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitvel do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Ento comeou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos. E todos lhe davam testemunho, e se admiravam das palavras de graa que saam da sua boca; e diziam: Este no filho de Jos? Disse-lhes Jesus: Sem dvida me direis este provrbio: Mdico, cura-te a ti mesmo; Tudo o que ouvimos teres feito em Cafarnaum, faze-o tambm aqui na tua terra. E prosseguiu: Em verdade vos digo que nenhum profeta aceito na sua terra. Em verdade vos digo que muitas vivas havia em Israel nos dias de Elias, quando cu se fechou por trs anos e seis meses, de sorte que houve grande fome por toda a terra; e a nenhuma delas foi enviado Elias, seno a uma viva em Serepta de Sidom.

    Tambm muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Elizeu, mas nenhum deles foi purificado seno Naam, o srio. Todos os que estavam na sinagoga, ao ouvirem estas coisas, ficaram cheios de ira. e, levantando-se, expulsaram-no da cidade e o levaram at o despenhadeiro do monte em que a sua cidade estava edificada, para dali o precipitarem. Ele, porm, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.

    6.2.4.1 - A preocupao de Lucas tambm estava em desmistificar o boato de que o cristianismo era uma ameaa ao governo romano. Na narrativa de Joo Batista, h a recomendao feita por Joo Batista aos soldados e coletores de impostos (estes, a servio de Roma):

    Chegaram tambm uns publicanos para serem batizados, e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos ns de fazer? Respondeu-lhes ele: No cobreis alm daquilo que vos foi prescrito. Interrogaram-no tambm uns soldados: E ns, que faremos? Disse-lhes: A ningum queirais extorquir coisa alguma; nem deis denncia falsa; e contentai-vos com o vosso soldo. (Lc. 3:13-14)

    Como um Messias esperado pelos judeus, e apresentado nos evangelhos, pode se coadunar com os textos de defesa de Lucas, do prprio Jesus? Se ele era um Messias-Rei, no seria um problema para Roma? Lucas, porm, narra os fatos da vida de Jesus demonstrando que Jesus era um Messias no poltico, mas espiritual. Lucas mostra a morte de Jesus como uma morte tica, e no poltica (13:31-35). A histria de Zaqueu (19:1-10) refora o ensino de Joo Batista no trabalho para o Estado. A entrada triunfal em Jerusalm, onde Jesus recebe um ttulo de Rei, perde totalmente a sua conotao poltica. A intriga poltica dos lderes religiosos do judasmo e a inocncia de Jesus so demonstradas em Lc. 20:29-26.

    6.2.4.2 - Lucas como sintico de Mateus e Marcos, um pouco mais cauteloso quanto a mostrar que o Reino de Deus era chegado. Embora enfatizasse tambm que Jesus viera estabelecer o Reino de Deus, ele sabia que isto aconteceria tambm no perodo da Igreja, com a continuao da mensagem deixada por Jesus. Observemos como Lucas cauteloso quando, ao relatar a parbola de 19:11-27:

    Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. Ouvindo eles isso, prosseguiu Jesus, e contou uma parbola, visto estar ele perto de Jerusalm, e pensarem eles que o reino de Deus se havia de manifestar imediatamente. Disse, pois: Certo homem nobre partiu para

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    uma terra longnqua, a fim de tomar posse de um reino e depois voltar. E chamando dez servos seus, deu-lhes dez minas, e disse-lhes: Negociai at que eu venha. Mas os seus concidados odiavam-no, e enviaram aps ele uma embaixada, dizendo: No queremos que este homem reine sobre ns. E sucedeu que, ao voltar ele, depois de ter tomado posse do reino, mandou chamar aqueles servos a quem entregara o dinheiro, a fim de saber como cada um havia negociado. Apresentou-se, pois, o primeiro, e disse: Senhor, a tua mina rendeu dez minas. Respondeu-lhe o senhor: Bem est, servo bom! porque no mnimo foste fiel, sobre dez cidades ters autoridade. Veio o segundo, dizendo: Senhor, a tua mina rendeu cinco minas. A este tambm respondeu: S tu tambm sobre cinco cidades. E veio outro, dizendo: Senhor, eis aqui a tua mina, que guardei num leno; pois tinha medo de ti, porque s homem severo; tomas o que no puseste, e ceifas o que no semeaste. Disse-lhe o Senhor: Servo mau! pela tua boca te julgarei; sabias que eu sou homem severo, que tomo o que no pus, e ceifo o que no semeei; por que, pois, no puseste o meu dinheiro no barco? ento vindo eu, o teria retirado com os juros.

    E disse aos que estavam ali: Tirai-lhe a mina, e dai-a ao que tem as dez minas. Responderam-lhe eles: Senhor, ele tem dez minas. Pois eu vos digo que a todo o que tem, dar-se-lhe-; mas ao que no tem, at aquilo que tem ser-lhe- tirado. Quanto, porm, queles meus inimigos que no quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim..

    Esta uma caracterstica importantssima no evangelho de Lucas, a de mostrar a realidade espiritual, latente, do Reino de Deus. Nisto se baseou grande parte do seu relato, que tinha como um de seus propsitos, uma defesa dos ensinos de Cristo, e um esclarecimento sobre a natureza de tais ensinos, ou seja, os mesmos eram espirituais, sendo necessrios para todos os homens. Os fariseus perguntam a Jesus sobre a vinda do Reino (17:20), ao que o Senhor responde que aquela pergunta no era apropriada, pois o Reino de Deus j estaria no meio deles (17:21).

    6.3 HISTRIA DA SALVAO (HEILSGESCHICHTE)

    interessante notarmos que, em Lucas, observamos Jesus Cristo como o Centro da Histria. Um estudioso chamado Oscar Culmann foi o primeiro a desenvolver este conceito, que aparentemente iniciara com Johann A. Bengel (1687-1752), o qual influenciara o trabalho de John Wesley. Contudo, alguns estudiosos afirmam que tal conceito bem mais antigo, sendo encontrados prenncios ainda em Irineu, e posteriormente em Lutero e Coceio. Com seu livro Christus und die Zeit (Cristo e o Tempo, 1950), Cullmann demonstrou que a cruz est no centro da histria da salvao (heilsgeschitchte, em alemo). Este conceito tambm foi trabalhado por Hans Conzelmann, o qual sugeriu que Lucas dividira a histria da Salvao em trs estgios:

    O primeiro teria sido iniciado com Israel, que Lucas apresentou em 16:16: A lei e os profetas vigoraram at Joo. Desde ento anunciado o evangelho do Reino de Deus.

    O segundo seria o ministrio de Jesus, conforme est explcito em Lucas 4:16-21: Chegando a Nazar, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sbado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaas; e abrindo-o, achou o lugar em que estava escrito: O Esprito do Senhor est sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertao aos cativos, e restaurao da vista aos cegos, para pr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitvel do Senhor. E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Ento comeou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos ouvidos.

    O terceiro o perodo da Igreja, o tempo presente, entre a Ascenso de Jesus e o seu retorno. Neste perodo a Igreja estaria incumbida de pregar o arrependimento, para a remisso de

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    pecados (Lc. 24:44-47): Depois lhe disse: So estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moiss, nos Profetas e nos Salmos. Ento lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e disse-lhes: Assim est escrito que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressurgisse dentre os mortos; e que em seu nome se pregasse o arrependimento para remisso dos pecados, a todas as naes, comeando por Jerusalm.

    6.3.1 Talvez seja por isso que os captulos iniciais de Lucas divirjam tanto dos demais. Talvez, Lucas quisesse propositadamente separar o perodo, na Histria, entre a esperana de Israel, e a concretizao de tal esperana, na pessoa de Jesus, conforme dito por Simo, no templo (2:28-32). A partir daquele momento, a esperana de Israel havia se concretizado, com o diferencial que tal esperana seria luz para revelao aos gentios, tambm. Esta luz, o prprio Jesus, conforme nos dir posteriormente Joo, com o seu evangelho universal, estaria nos discpulos (11:35). interessante observar que os paralelos contextuais de Lucas 11:35 e Mt. 12:38-42 so distintos. No texto de Lucas, a exortao de Jesus aos discpulos para que vissem se a luz que neles habitava no eram trevas, d-se aps uma passagem aonde Jesus admite que os homens (gentios) de Nnive bem como a rainha do Sul se levantariam com rigor contra aquela gerao (judeus), que presenciaram a concretizao de sua esperana, mas no puderam enxerg-la por causa da dureza de seus coraes.

    6.3.2 interessante notarmos que o livro de Atos, o outro trabalho de Lucas, no possui um fim comum. O trmino do livro d-se com o relato da priso domiciliar de Paulo, quase uma metfora da prpria disseminao do evangelho no mundo: era perseguido e ameaado, mas nunca detido. Podemos fazer uma associao sobre a terceira seo da histria da salvao (a qual caberia Igreja) simultaneamente, aos trminos de Atos e Lucas. Neste, a chamada Grande Comisso no est definida, como est em Marcos e Mateus. Quando digo definida, falo sobre o destaque mesma. Da forma como Lucas nos apresenta o comissionamento dado por Jesus Igreja, parece-nos melhor que a tarefa tinha uma conotao de perpetuidade, mais acentuadamente do que em Mateus e em Marcos, aonde a ordem de Jesus fora descrita como que voltada aos discpulos que o ouviam.

    bvio que todos ns entendemos que a tarefa transcendia a Igreja em Jerusalm, mas este conceito fica melhor entendido em Lucas. No por parte dos evangelizados (o mundo inteiro), mas por parte dos agentes evangelizadores (a Igreja, em todo o lugar, em todas as pocas). Jesus, em Mateus e Marcos diz Ide, aos discpulos que o ouviam. Em Lucas, est escrito que Jesus falou-lhes que ao Cristo convinha que padecesse, e que ressuscitasse ao terceiro dia, e que em seu nome se pregasse o arrependimento para remisso de pecados, em todas as naes, comeando em Jerusalm. (24:46-47). E ao lermos o texto, vem-nos a pergunta? Quem pregasse?. bvio que a Igreja, mas observe que Lucas no limita a tarefa apenas aos ouvintes de Jesus, mas o texto sugere que a pregao seja por parte de quem conhece o objeto da pregao. E a Igreja do Senhor, espalhada pela terra, a nica que conhece, genuinamente, o cerne da mensagem da Boa Nova.

    6.4 PECULIARIDADES

    6.4.1 - Lucas conhecido como o mais literrio dos evangelhos. Possui poemas e canes, e apresenta um rico vocabulrio grego. Detalhes na sua narrativa nos mostram que ele estava bastante familiarizado com a profisso mdica, e a sua mensagem, como vimos, tem um teor universal, porm foi construda principalmente para o mundo grego. Em Lucas observamos a universalidade da obra do Senhor, e da ao do Esprito Santo. Ele registrou mais pormenorizadamente o papel das mulheres e das crianas na vida e ministrio de Jesus (cf. Lc. 1:26-56, 2:19 com Mt. 1:18-25).

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    6.4.2 - Outro fator de destaque no evangelho de Lucas so as parbolas que abordam a riqueza e pobreza. Os judeus tinham uma tradio, eles observavam as posses das pessoas, e estas seriam um sinal da bno de Deus na vida dos que a possussem. Talvez para no chocarem seus pblicos, Mateus e Marcos no descreveram muitas parbolas que falavam sobre a frivolidade do apego s riquezas. Lucas o nico evangelho que mostra parbolas inteiras referindo-se a este problema, inclusive a do rico insensato (Lc. 12:12-34). Afirma-se que um em cada cinco versos de Lucas refere-se a bens materiais. Somente em Lucas h histrias como a de Lzaro e o rico (16:19-31), e o incidente da viva e sua oferta (21:1-4).

    6.4.3 - As principais evidncias de que Lucas possua conhecimento mdico, esto nas peculiaridades da sua narrativa. Observemos:

    Marcos 1:30 acamada com febre / Lucas 4:38 enferma, com febre muito alta

    Marcos 1:40 era um leproso / Lucas 5:12 um homem coberto de lepra

    Marcos 3:1 um homem que tinha uma das mos mirradas / Lucas 6:6 um homem, cuja mo direita estava mirrada

    Marcos 14:47 cortou-lhe a orelha / Lucas 22:50-51 cortou-lhe a orelha direita. Aqui, somente Lucas acrescenta que Jesus tocou-lhe a orelha cortada, e a curou.

    6.4.4 - Lucas, entre os evangelhos sinticos, o que mais possui referncias obra do Esprito Santo. Lucas fez dezessete referncias ao Esprito Santo, em comparao com doze de Mateus, e seis em Marcos. O Esprito Santo, em Lucas: Reveste o precursor, Joo Batista (1:15); atua na concepo de Jesus (1:35); reaviva do dom da profecia (1:41,67; 2:25-27); o sinal do Messias h muito esperado (4:1); capacita Jesus em sua obra (4:14; 5:17). O Esprito Santo o dom de Deus a seus filhos (11:13); Os discpulos deveriam aguardar, para serem revestidos pelo Esprito Santo, e sob a influncia do seu poder deveriam ser as suas testemunhas (24:44-49).

    6.4 PEQUENO ESBOO DE LUCAS

    I. Prefcio 1:1-4 II. A vinda do Salvador:

    a) Anncio do nascimento de Joo Batista 1:5-1:25 b) Anncio do nascimento de Jesus 1:26-56 c) Nascimento de Joo Batista 1:57-80 d) Nascimento de Jesus 2:1-20 e) O menino Jesus no Templo 2:21-39 f) Jesus vai ao Templo aos doze anos 2:40-52

    III. Preparao do Salvador para o seu ministrio: a) A pregao de Joo Batista 3:1-20 b) Batismo de Jesus 3:21-22 c) Genealogia de Jesus 3:23-38 d) Tentao de Jesus 4:1-13

    IV. Ministrio na Galilia: a) Incio do ministrio de Jesus e rejeio em Nazar 4:14-30 b) Cafarnaum: Jesus manifesta a sua autoridade divina 4:31-44 c) A pesca maravilhosa 5:1-11 d) A cura de um leproso 5:12-16

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    e) Desafio autoridade de Jesus 5:17-26 f) O salvador dos pecadores 5:27-32 g) Confirmao da autoridade messinica 5:33-6:49 h) Demonstrao do poder divino 7:1-8:56 i) Jesus outorga poder aos seus discpulos 9:1-6 j) Herodes e Joo Batista 9:7-9 k) A multiplicao dos pes para cinco mil 9:10-17 l) A confisso de Pedro e a resposta de Jesus 9:18-27 m) A glria do Salvador revelada 9:28-50

    V. A viagem final de Jesus a Jerusalm: a) A misso redentora do Salvador 9:51-10:37 b) Jesus ensina sobre o servio e a orao 10:38-11:13 c) Jesus adverte a oponente e seguidores 11:14-15:35 d) Parbolas sobre perdidos e achados 15:1-32 e) Mandamentos de Jesus aos seus seguidores 16:1-17:10 f) Ingratido de nove leprosos curados 17:11-19 g) A volta repentina de Jesus 17:20-18:14 h) O Salvador, as criancinhas e o jovem rico 18:15-30 i) Perto do fim da viagem 18:31-19:28

    VI. A semana da paixo: a) Jesus entra em Jerusalm 19:29-48 b) Jesus ensina diariamente no Templo 20:1-21:4 c) Jesus prediz a destruio do Templo e a sua volta 21:5-38 d) Preparativos finais e a ltima ceia 22:1-38 e) Jesus em Getsmani 22:39-53 f) O julgamento de Jesus pelos judeus 22:54-71 g) O julgamento de Jesus pelos romanos 23:1-25 h) A crucificao 23:26-49 i) O sepultamento 23:50-56

    VII. Ressurreio e ascenso: a) A manh da ressurreio 24:1-12 b) As aparies do Senhor ressurreto 24:13-43 c) As instrues de despedida 24:44-53

    7. O EVANGELHO SEGUNDO JOO

    7.1