apostila FGV - Arbitragem e Mediação

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1ª EDIÇÃO ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO PROF. FABIANO ROBALINHO CAVALCANTI ROTEIRO DE CURSO 2012.2

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1ª EDIÇÃO

ARBITRAGEM E MEDIAÇÃOPROF. FABIANO ROBALINHO CAVALCANTI

ROTEIRO DE CURSO2012.2

SumárioArbitragem e Mediação

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................................3

BlOCO I – INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 10 Aula 1. A Eficácia do Processo e os Métodos Alternativos de Solução de disputas ......................... 10 Aula 2. Natureza Jurídica da Arbitragem ...................................................................................... 35 Aula 3. O Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional e a Arbitragem no Ordenamento Jurídico Brasileiro .................................................................................................. 40

BlOCO II - ARBITRAgEM - FUNDAMENTOS ....................................................................................................................................... 62 Aula 4. As Partes na Arbitragem – Arbitrabilidade Subjetiva ......................................................... 62 Aula 5. O Objeto de Arbitragem – Arbitrabilidade Objetiva ...................................................... 113 Aula 6. Árbitros (funções, poderes e deveres) .............................................................................. 115

BlOCO III – CONvENÇÃO DE ARBITRAgEM .................................................................................................................................... 117 Aula 7. Cláusula compromissória e Compromisso Arbitral ......................................................... 117 Aula 8. Questões diversas sobre a cláusula compromissória (I) .................................................... 120 Aula 9. Questões diversas sobre a cláusula compromissória (II) .................................................. 127

BlOCO Iv – PROCEDIMENTO ARBITRAl......................................................................................................................................... 130 Aula 10. Instauração da Arbitragem ........................................................................................... 130 Aula 11. Processo de escolha e nomeação dos árbitros ................................................................ 132 Aula 12. Procedimento Arbitral.................................................................................................. 135 Aula 13. Sentença arbitral .......................................................................................................... 137

BlOCO v - A RElAÇÃO ENTRE O JUízO ARBITRAl E O PODER JUDICIáRIO .......................................................................................... 139 Aula 14. Hipóteses de intervenção do Judiciário antes do procedimento arbitral ........................ 141 Aula 15. Cooperação entre o Judiciário e a arbitragem ............................................................... 145 Aula 16. Nulidade do Laudo Arbitral: Ação de nulidade (art. 32) e Embargos de Devedor ......... 148 Aula 17. Execução das Sentenças Arbitrais ................................................................................. 152

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1 ZUCKErman, adrian a.S. Civil Justice in Crisis: Comparative Perspectives of Civil Procedure. new York, oxford, 1999, p. 12.

iNtrodução

Apesar das críticas feitas ao judiciário brasileiro, estudos recentes demonstram que o sistema estatal de resolução de disputas enfrenta problemas em todo o mun-do. Analisadas três variáveis básicas (tempo, custo e isenção das decisões), é difícil encontrar algum país cujo judiciário apresente uma relação equilibrada entre elas na solução dos litígios. Se, por um lado, o Judiciário brasileiro é criticado pela sua lentidão e pela quantidade de recursos, o Judiciário norte-americano, muitas vezes usado como referência de eficiência, é criticado pelos seus custos e pelo excesso de estímulos à realização de acordos. Estudos demonstram que, desde 1985, apenas 1,8% das ações iniciadas chegaram a ser julgadas nos Estados Unidos.

A.A.S. ZUCKERMAN, no livro Civil Justice in Crisis, analisa a crise mundial do Judiciário e seus efeitos na sociedade. Segundo o autor, a maioria dos sistemas de solução de litígios apresenta sérias falhas, que comprometem a efetividade das decisões:

“A sense of crisis in the administration of civil justice is by no means universal, but it is widespread. Most countries represented in this book are experiencing diffi-culties in the operation of their system of civil justice. Whether the difficulties take the form of exorbitant costs or of excessive delays, they have serious implications. As we have seen, cost can place access to justice beyond the reach of citizens with limited means. Delays may render access to justice useless. Each of these phenome-na may have many and varied ramifications for the social fabric. A denial of justice to the poor contributes to deprivation and social alienation. Delays can render the judicial protection of rights ineffectual, reduce the value of rights, adversely affect economic activity, and lead to economic distortions. Of course, there are always cost implications to justice, as we have observed, and there are inevitable delays. But no society can remain indifferent when cost and delay reach proportions that threaten the justice system as a whole”1.

O autor também compara os países de civil law, como a França, a Itália e a Ale-manha, com os países que adotam o sistema da common law, como a Inglaterra e os Estados Unidos, para concluir que há imperfeições em ambos os sistemas:

“In England, the cost and delay involved in civil litigation have been a source of concern for some time now. The cost of litigation is not only high, but also unpre-dictable and often disproportionate. Indeed, it is possible for the costs to each party to exceed the value of the subject matter in dispute. The urgency of the situation may be inferred from the attempts that the British government is current making to reform the administration of civil justice in order to reduce costs.

The situation is not much better in other common law countries. In Australia there has been a huge increase in the volume and complexity of litigation, especially over the last four or five decades. The present system simply cannot cope. It is too

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labour intensive, too costly, and too slow. As in England, the strain of the legal aid budget has proved insupportable. As a result, Australia has seen a drastic reduction in the availability of legal aid. (…)

In most civil law countries the state of the administration of justice is a source for concern. In France there has been an explosion in the volume of litigation and a substantial increase in delays. Costs are also worrying. Although these problems are not as serious as in some other continental countries, the French system seems to suffer from low public confidence; a majority of the population see civil justice as being too difficult to attain, too expensive, and unequal. Moreover, judges and lawyers share the public’s sense of dissatisfaction”2.

A crise do judiciário ao redor do mundo faz ressurgir a demanda pelos métodos alternativos de resolução de disputas. MAURO CAPPELLETI, sem dúvida um dos principais mestres do direito processual, em seu clássico estudo sobre o acesso à justiça, destaca a relevância dos métodos alternativos de solução de disputas na pacificação dos conflitos sociais:

“Devemos estar conscientes de nossa responsabilidade; é nosso dever contribuir para fazer que o direito e os remédios legais reflitam as necessidades, problemas e aspirações atuais da sociedade civil; entre essas necessidades estão seguramente as de desenvolver alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre que sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao povo; daí o dever de encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentes demandas de um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem precedente”3.

Os métodos alternativos de solução de disputas são, em geral, formas utilizadas pelas partes para pacificar um determinado litígio, sem a necessidade de utilização de um processo judicial perante o Judiciário. Tratam-se de institutos antiqüíssimos, usados em Roma e nos grandes centros de comércio desde a Idade Média. CAR-REIRA ALVIM, citando a lição de MOREIRA ALVES, relata a evolução dos méto-dos utilizados para a resolução de conflitos, sem a interferência do Estado:

“No princípio, quando ainda inexistia o Estado, como poder político, os con-flitos de interesses eram resolvidos pelos próprios litigantes, ou pelos grupos a que pertenciam, sendo a transposição dessa modalidade de justiça privada para a justiça pública produto de uma lenta e segura evolução. Registra Moreira Alves, com base em indícios, que essa evolução se fez em quatro etapas:

a) na primeira, os conflitos entre particulares são, em regra, resolvidos pela força (entre a vítima e o ofensor, ou entre os grupos de que cada um dele faz parte), mas o Estado — então incipiente — intervém em questões vinculadas à religião; e os cos-tumes vão estabelecendo, paulatinamente, regras para distinguir a violência legítima da ilegítima;

b) na segunda, surge o arbitramento facultativo: a vítima, em vez de usar a vin-gança individual ou coletiva contra o ofensor, prefere, de acordo com este, receber

2 ZUCKErman, adrian a.S. Civil Justice in Crisis: Comparative Perspectives of Civil Procedure. new York: oxford, 1999, pp. 12/13.

3 CaPPEllEti, mauro. os mé-todos alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do mo-vimento Universal de acesso à Justiça, in revista de Processo, nº 74, ano 19, abril-junho de 1994, p. 97.

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uma indenização que a ambos pareça justa, ou escolher um terceiro (o árbitro) para fixá-la;

c) na terceira etapa, nasce o arbitramento obrigatório: o facultativo só era utili-zado quando os litigantes o desejassem e, como esse acordo nem sempre existia, daí resultava que, as mais das vezes, se continuava a empregar a violência para a defesa do interesse violado; por isso o Estado não só passou a obrigar os litigantes a escolherem árbitro que determinasse a indenização a ser paga pelo ofensor, mas também a asse-gurar a execução da sentença se, porventura, o réu não quisesse cumpri-la; e

d) finalmente, na quarta e última etapa, o Estado afasta o emprego da justiça privativa e, por meio de funcionários seus, resolve os conflitos de interesses surgidos entre os indivíduos, executando, à força se necessário, a decisão.

No entanto, mesmo nessa etapa, se as partes concordassem, era lícito dirimir o conflito mediante a designação do árbitro.

No direito romano — o registro é ainda do emérito romanista — encontram-se exemplos de cada uma dessas quatro etapas: da primeira, na pena de talião (vingança privada: olho por olho, dente por dente), estabelecida ainda na Lei das Doze Tábuas; da segunda, durante toda a evolução do direito romano, pois sempre se admitiu que os conflitos individuais fossem resolvidos por árbitros escolhidos pelos litigantes, sem interferência do Estado; da terceira, nos dois primeiros sistemas de processo civil romano — o das legis actiones e o per formulas; da quarta, no terceiro desses sistemas — a cognitio extraordinária”.4

Entre os métodos alternativos de solução de disputas, a arbitragem e a mediação revelam sua importância. A arbitragem é o método pelo qual as partes outorgam a uma pessoa ou um grupo de pessoas a tarefa de pacificar um litígio. São pessoas escolhidas pelas partes para proferirem decisões com o mesmo conteúdo e a mesma força das sentenças judiciais. Em outras palavras, as partes buscam pessoas de con-fiança delas, que entendem da matéria objeto do conflito e decidem permitir que esta parte componha o litígio existente entre elas. A doutrina especializada aponta como principais benefícios da arbitragem a celeridade, a confidencialidade, o co-nhecimento técnico da matéria objeto do litígio pelo árbitro que decidirá o litígio, a informalidade do procedimento e o custo, este último questionado por muitos.

Já a mediação, é um método pelo qual um terceiro imparcial ajuda as partes a encontrar uma solução aceitável para ambas. O mediador não julga, não compõe o litígio. Ele apenas estimula as partes a chegarem a um acordo. A mediação, além de apresentar alguns benefícios comuns à arbitragem, como a celeridade na pacificação do litígio e a confidencialidade, possui ainda outras vantagens como o fato de ser mais justa e produtiva. Por ser um mecanismo de autocomposição, a mediação ten-de, também, a aumentar a possibilidade de as partes manterem uma relação mesmo após o surgimento do conflito — ao passo que os métodos de heterocomposição, via de regra, fomentam a litigiosidade entre as partes.

A arbitragem não é novidade no Brasil. O instituto já era previsto no ordena-mento jurídico brasileiro pela Constituição do Império, em 18245. Embora as cons-tituições que se seguiram não a tenham expressamente consagrado, a arbitragem foi

4 alvim, J.E. Carreira. tratado Geral da arbitragem. belo ho-rizonte: mandamento, 2000, pp. 15 e 16.

5 “art. 160. nas [causas] cíveis, e nas penais civilmente intenta-das, poderão as Partes nomear Juizes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes”.

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mantida pela legislação infraconstitucional, destacando-se, neste ponto, o Decreto nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, e os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973.

O instituto da arbitragem só volta a ser consagrado na Constituição da Repúbli-ca de 1988, que o prevê expressamente nos §§ 1º e 2º do artigo 114. Contudo, por diversos motivos que serão estudados ao longo do curso, foi somente com a promul-gação da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que a arbitragem passou a ser efetivamente utilizada como um método alternativo de resolução de conflitos.

A mediação, por sua vez, não possui um conjunto normativo que a regulamen-te. A doutrina estabelece um procedimento padrão, que, no entanto, não deve ser seguido como um modelo rígido, inflexível. Nada obstante, há um projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional (PL nº 4.827/98), apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, que pretende instaurar a mediação paraprocessual. Os mediadores funcionariam como auxiliares da justiça, como expõe PETRÔNIO CALMON:

“O ponto central da proposta é a instituição da mediação como novo paradigma de justiça, em que todas as pessoas e empresas, antes de propor qualquer medida judicial, busquem resolver o conflito pela mediação.

Para tanto, a proposta contempla a instituição de um quadro de mediadores judiciais, registrados perante cada Tribunal de Justiça, composto dentre advogados formados por cursos específicos, mantidos ou supervisionados ela Ordem dos Advo-gados do Brasil e pelos Tribunais de Justiça. As atividades dos mediadores-advogados serão fiscalizadas pela Ordem dos Advogados. A proposta não exclui as entidades especializadas em mediação e os mediadores independentes, prevendo o cadastro de todos esses que desejarem atuar também para os fins previstos na lei que se propõe.

Com a formação eficiente dos mediadores e seu registro perante os Tribunais, espera-se o redirecionamento dos conflitos para o novo mecanismo, em atitude es-pontânea daqueles que estão na iminência de buscar o Poder Judiciário para resolver o conflito”6.

Hoje em dia, os métodos alternativos de solução de disputas são ferramentas essenciais na pacificação de litígios. A dinâmica e a complexidade das relações co-merciais no mundo de hoje exigem que os operadores do direito busquem soluções adequadas para cada situação específica, para prevenir e resolver os litígios entre as partes.

Parece claro que dificilmente um sistema de solução de controvérsias padrão atenderá de forma adequada as necessidades de cada um desses conflitos. Por isso, é importante que os bacharéis de direito tenham pleno domínio desses institutos, de forma a que possam usá-los da maneira mais adequada possível.

É inegável que as disputas entre uma sociedade anônima e um acionista minori-tário; um construtor de uma hidrelétrica e o contratante da obra; um consumidor e a empresa de telefonia; um locador e um locatário demandam soluções diferentes. Pergunta-se:

6 Calmon, Petrônio. funda-mentos da mediação e da Con-ciliação. rio de Janeiro: forense, 2007, p. 136.

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1) É eficaz um sistema de solução de conflitos que leva 3 anos para julgar uma disputa entre um locador e um locatário a respeito de uma indenização de R$ 3.000,00, quando o custo incorrido pelo Estado para manter esse proces-so do início ao fim é de R$ 30.000,00?

2) É eficaz um sistema de solução de conflitos que mantém parada a construção de uma hidrelétrica por 3 anos para decidir se o construtor, de acordo com o projeto, deve passar um determinado cano pelo teto ou pelo piso, enquanto as partes seguem arcando com os gigantescos custos fixos de um projeto deste porte?

3) É eficaz um sistema de solução de conflitos que leva 3 anos para julgar um pedido de anulação de uma deliberação de uma empresa com ações negocia-das em bolsa, enquanto ao longo de todo esse tempo diversas pessoas com-praram e venderam ações?

Eis a relevância da matéria a ser examinada.

METODOLOGIA

O curso será divido em seis blocos.No primeiro, estudaremos o conceito de arbitragem e a sua evolução no orde-

namento jurídico brasileiro. Analisaremos as questões referentes à natureza jurídi-ca do instituto, questionando-se se a arbitragem possui natureza jurisdicional ou contratual, ou, ainda, natureza mista ou intermediária, tema ainda controverso na doutrina.

A definição de arbitragem oferecida pela doutrina é a seguinte:

A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis. Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial modali-dade de resolução de conflitos; pode ser convencionada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas; os árbitros são juízes indicados pelas partes, ou consentidos por elas por indicação de terceiros, ou nomeados pelo juiz, se houver ação de instituição judicial de arbitragem; na arbitragem existe o ‘julgamento’ de um litígio por uma ‘sentença’ com força de coisa julgada.7

A arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da interven-ção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assu-mir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para a solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

Trata-se de mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um ter-ceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas

7 alvim, J. E. Carreira. tratado Geral da arbitragem. belo ho-rizonte: mandamento, 2005, p.14.

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partes. Esta característica impositiva da solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distancia da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de solução de litígios, de tal sorte que não existirá decisão a ser imposta às patês pelo mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão (que não vincula as partes).8

A partir destes conceitos, será feito um debate em sala, expondo as diferentes posições acerca da natureza jurídica do instituto e os fundamentos nos quais se baseiam as diversas correntes.

Nesta fase introdutória também trataremos do princípio da autonomia da vonta-de, pilar fundamental dos métodos alternativos de resolução de disputas. Por último, analisaremos as vantagens e desvantagens da arbitragem e a utilidade deste instituto.

Analisaremos, ainda, a evolução do instituto da arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro e o tema da constitucionalidade da arbitragem no Brasil. Neste ponto, destaca-se o julgamento da SE nº 5.206, em que Ministros de direita e de esquerda se uniram em defesa do conservadorismo, na tentativa de decretar a in-constitucionalidade da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem).

No bloco II, estudaremos o que pode ser objeto de um processo arbitral. Con-forme estabelece o artigo 1º da Lei nº 9.307/96, somente são arbitráveis litígios en-tre partes capazes envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. Em nosso estudo, analisaremos quais são esses direitos e porque somente eles podem ser objeto de um processo arbitral.

Por fim, estudaremos as partes e os árbitros. Quais partes podem se submeter à arbitragem? Pode haver intervenção de terceiros no processo arbitral? Analisaremos, ainda, a possibilidade de submissão de empresas públicas e de sociedades de econo-mia mista à arbitragem. Veremos também quem pode exercer a função de árbitro, quais são suas responsabilidades e os efeitos da equiparação dos árbitros aos funcio-nários públicos (art. 14, da Lei de Arbitragem).

O bloco III tratará da convenção de arbitragem.A finalidade deste bloco é estudar como as partes se submetem à arbitragem. Ex-

plicaremos as diferenças entre cláusula e compromisso arbitral. Qual forma exigida por lei para a convenção de arbitragem? Qual a validade das cláusulas de arbitra-gem anteriores à entrada em vigor da Lei nº 9.307/96? Pode haver cláusula arbitral tácita? É válida e eficaz convenção de arbitragem prevista em estatutos e contratos sociais de empresas? Examinaremos os efeitos negativos da cláusula de arbitragem, que afasta a possibilidade das partes submeterem um determinado litígio ao juízo estatal. Veremos, ainda, os tipos de cláusulas arbitrais, diferenciando as cheias e as vazias, e os prós e contras da arbitragem institucional e ad hoc.

No bloco IV, trataremos das questões referentes ao juízo arbitral. Estudaremos o procedimento arbitral desde sua instauração, com a formação do tribunal, passando pela fase cognitiva, até sua extinção. Analisaremos, também, a sentença arbitral e suas características e, ainda, os efeitos da coisa julgada na arbitragem.

No bloco V, estudaremos a relação entre a arbitragem e o Poder Judiciário. A cooperação entre ambos é essencial, sobretudo em razão do árbitro não possuir o

8 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 51-52.

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poder de coerção que os juízes togados detém. Assim, em diversas situações, será preciso que o árbitro recorra ao Judiciário para efetivar suas decisões. Exemplo é o caso de uma testemunha que se recusa a prestar depoimento, ou o caso de uma das partes se tornar relutante à exibição de documentos essenciais para o julgamento da lide. Veremos como o árbitro deve proceder diante destas situações.

Estudaremos, ainda, as ações de nulidade de laudo arbitral e se há possibilidade de uma sentença arbitral ser objeto de ação rescisória.

Por fim, será examinado o modo de execução de laudos arbitrais — estrangeiros ou domésticos — e a necessidade, ou não, de homologação.

Concluído nosso estudo sobre a arbitragem, passaremos, no bloco VI, a tratar de outro importante mecanismo de solução de conflitos: a mediação. Examinaremos as diferenças entre a arbitragem e a mediação, e as situações nas quais se recomenda a opção entre uma ou outra. Veremos quais são as funções do mediador e como a mediação e a conciliação são utilizadas em outros países.

Ao longo do curso será realizado um procedimento arbitral simulado, no qual a turma será separada entre partes, advogados e árbitros. Serão realizados todos os atos de um processo arbitral normal, desde a redação das peças até a sentença.

Acreditamos que essa divisão da matéria permitirá aos alunos compreender a re-levância desses métodos alternativos de solução de disputas, permita-se a repetição, ferramentas essenciais para a pacificação de conflitos no mundo moderno.

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bloco i – iNtrodução

aula 1. a eficácia do Processo e os métodos alterNativos de solução de disPutas

A evolução histórica dos métodos de solução de litígios mostra que o Estado foi, paulatinamente, assumindo o papel de pacificador social. Após a dissolução da sociedade medieval, houve a passagem da concepção jusnaturalista para uma con-cepção positivista, que predomina até hoje na maior parte dos países. Essa transfor-mação está diretamente atrelada ao advento do Estado moderno, conforme noticia NORBERTO BOBBIO:

“A sociedade medieval era uma sociedade pluralista, posto ser constituída por uma pluralidade de agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamen-to jurídico próprio: o direito aí se apresentava como um fenômeno social, produzido não pelo Estado, mas pela sociedade civil. Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação consuetudinária. Assiste-se, assim, àquilo que em outro cur-so chamamos de processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado”9.

O processo de monopolização da produção jurídica pelo Estado foi acompa-nhado da monopolização da jurisdição. Esta tem como essência o ato de “dizer o direito”, conforme leciona SERGIO BERMUDES, cujos ensinamentos sobre o conceito de jurisdição serão abordados com mais profundidade na próxima aula:

“A etimologia do substantivo jurisdição – jurisdicto, em latim – já lhe revela o conteúdo. A palavra é formada pela aglutinação de duas outras: juris, genitivo singu-lar da 3ª declinação, significando do direito, e dictio, nominativo singular da mesma declinação, isto é, dicção, ou dição, ato de dizer; de dicere, dizer. Nisto consiste a jurisdição na sua essência: dizer o direito, no sentido de identificar a norma de di-reito objetivo preexistente (ou de elaborá-la, se inexistente) e de fazê-la atuar numa determinada situação (…)”10.

Por meio do Poder Judiciário, o Estado exerce sua função jurisdicional, ao impor aos titulares de interesses em conflito uma decisão, aplicando as leis abstratamente concebidas a um determinado caso concreto. O Estado assumiu, assim, o papel de garantidor da paz social, limitando o âmbito da autotutela. O ministro LUIZ FUX expõe os motivos para o êxito deste modelo:

“A supremacia dessa solução revelou-se pelo fato incontestável de a mesma provir da autoridade estatal, cuja palavra, além de coativa, torna-se a última manifestação

9 bobbio, norberto. o Positivis-mo Jurídico: lições da filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995, p. 27.

10 bErmUDES, Sergio. introdução ao Processo Civil. rio de Janeiro: forense, 2006, 4ª ed., p. 19.

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do Estado soberano acerca da contenda, de tal sorte que os jurisdicionados devem-na respeito absoluto, porque haurida de um trabalho de reconstituição dos anteceden-tes do litígio, com a participação dos interessados, cercados, isonomicamente, das mais comezinhas garantias”11.

Diversos fatores, contudo, fizeram com que o Estado não fosse mais capaz de atender à demanda da sociedade, gerando uma crise deste modelo: a globalização, que dinamizou as relações sociais, fazendo com que as normas jurídicas perdes-sem efetividade diante de casos concretos cada vez mais complexos; o processo de conscientização de direitos, sobretudo após a consolidação da ordem democrática, gerando uma demanda maior por justiça; o advento dos direitos sociais e dos direi-tos de 3ª geração, que exigem uma atuação positiva do Estado; a judicialização dos conflitos sociais; entre diversas outras razões.

Além desses, outros elementos decorrentes do próprio modelo estatal de solu-ção de disputas também contribuíram para a falência do Estado como pacificador social, dentre os quais se destacam o excesso de formalismo, a falta de recursos e investimentos por parte dos governos, os elevados custos e a demora na entrega da prestação jurisdicional.

ADRIAN ZUCKERMAN, ao realizar um estudo nos sistemas judiciários de diversos países, publicado em 1999, aponta três principais problemas do judiciário brasileiro:

“The state of the Brazilian administration of civil justice reflects the complexity of the social and political conditions of this vast and variable country. Three types of problems can be identified. First, there is a shortage of well-educated and properly trained lawyers and judges. Second, the administration of justice is poorly equipped for dealing with the volume of litigation that enters the courts. Many tasks are performed manually which, in more developed systems, are automated or simply obsolete. Every new piece of paper is actually sewn to the file of the case with needle and thread, and there are few, if any, document reproduction facilities.

Third, numerous laws, some of them quite antiquated, govern civil procedure. This aggravates the problem of disparity in the interpretation of the law which, in turn, creates uncertainly and further complexity. One of the problems faced when a new procedural law comes into effect in Brazil is the very strong conservatism of those in charge of the administration of justice, who seek to apply the new rules according to obsolete principles. Professor Bermudes suggests that at the root of the problems lie not complex and difficult procedures, but the unhelpful attitudes of those who operate the procedures and the deep infrastructural flaws of the court system”12.

O Judiciário está inegavelmente sobrecarregado. As mais recentes estatísticas in-dicam que um processo judicial dura, em média, oito anos. Segundo dados do Supe-rior Tribunal de Justiça, foram julgados, somente neste tribunal, 328.447 processos em 2007 — uma média de quase 900 processos por dia. Esse problema, contudo,

11 fUX, luiz. tutela jurisdicional: finalidade e espécie. informati-vo jurídico da biblioteca minis-tro oscar Saraiva, v. 14, n.2, jul./dez. 2002, p. 153/168.

12 ZUCKErman, adrian a.S. Civil Justice in Crisis: Comparative Perspectives of Civil Procedure. new York: oxford, 1999, p. 28.

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não é novo e, tampouco, exclusivo do Brasil. A Ministra NANCY ANDRIGHI informa que o problema remonta à China Imperial13:

“Sob a ótica da busca das soluções é oportuno trazer à baila um singular decreto imperial chinês, onde se pode constatar que a falta de acesso ao Poder Judiciário e a morosidade da Justiça sempre, desde os mais remotos tempos, são problemas que acompanham o Poder Judiciário e já exigiram muita dedicação.

Referido decreto mostra uma trajetória da Justiça no mundo oriental, de milenar sabedoria. Na China do século VII, o imperador Hang Hsi, (cf. Legal Institutions in Manchú China /Van der Sprenkel, 1962, p. 77), no exercício das suas funções imperiais, expediu o seguinte decreto externando a sua vontade, verbis:

Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunaisSejam tratados sem nenhuma piedadeSem nenhuma consideração,de tal forma que se desgostem tantoda idéia do Direito,quanto se apavorem com a perspectiva de comparecerperante um magistrado.Assim o desejo para evitar que os processosse multipliquem assombrosamente.O que ocorreria se:inexistisse o temor de se ir aos tribunais.O que ocorreria se:os homens concebessem a falsa idéia de que teriam à suadisposição uma justiça acessível e ágil.O que ocorreria se:pensassem que os juízes são sérios e competentes.Se essa falsa idéia se formar, os litígios ocorrerão emnúmero infinito e a metade da população será insuficientepara julgar os litígios da outra metade.É inegável que, hoje, a visão plúmbea do Imperador Chinês mostra-se, absoluta-

mente, inoportuna e extemporânea e incompatível com o regime democrático”.

O Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS retratou sua consternação com o Poder Judiciário por meio de um poema, escrito na ocasião em que o Supe-rior Tribunal de Justiça atingiu a marca de dois milhões de julgamentos14:

“AcromegaliaO Superior Tribunal de Justiça (STJ) atingiu, em 4 de agosto de 2006, aos 17

anos de idade, a cifra de dois milhões de julgamentos! Dois milhões de processos! Integrante do Tribunal, contribuí com praticamente cinco por cento desse gigantes-co montante.

De fato, números apurados pela Assessoria de Gestão Estratégica do STJ dão conta de que, nos 15 anos em que atuo como ministro, decidi 95.789 processos.

13 anDriGhi, nancy. mediação e outros meios alternativos. au-diência pública, ministério da Justiça, brasília, 17 de setembro de 2003.

14 GomES DE barroS, humber-to. Disponível em: www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engi-ne.wsp?tmp.area=365&tmp.texto=82724. acesso em 1 de fevereiro de 2008.

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Não há engano: até a tarde do dia 30 de agosto de 2006, eu decidira 95.789 pro-cessos. Dividido esse número por 15 (número de anos em que estou no Tribunal), obtém-se a média de 6.386 em cada ano ou 532 por mês ou, ainda, 17,73 diários. Sou, então, um herói – um mártir da distribuição da Justiça? Coisa nenhuma!

Esses números absurdos traduzem, em verdade, a deformação do Superior Tribu-nal. Concebido para atuar em situações especiais, unificando a interpretação da lei federal, o STJ transformou-se em terceira instância ordinária, com função de alongar inda mais a duração dos processos. A apregoada reforma do Poder Judiciário só fez substituir o Código de Processo Civil por uma colcha de retalhos, cujas complica-ções prometem aumentar o trabalho da Corte Superior.

Isso se fez porque interessa à chamada “Fazenda Pública” utilizar o Poder Judi-ciário como insólito gerente de banco, cuja maior utilidade é “alongar o perfil” da dívida interna. À semelhança daqueles gigantes vítimas de acromegalia, o STJ tende a crescer. E crescerá indefinidamente, enquanto funcionar como bancário, “rolador de dívidas”, a juros irrisórios.

Assim, em lugar de considerar-me herói, quebrador de recordes, merecedor de louros olímpicos, sinto-me vítima de doença crônica. O recorde bimilionário, longe de trazer alegria, reaviva a memória do poema que escrevi, em 14/8/99, quando a Primeira Turma do STJ julgou, em uma sessão, mais de 500 processos. Eis a poesia, a que chamei QUATORZE DE AGOSTO:

Votos iguaisRecursos inúteisDa monotoniaO tédio profundo Faz com que a turma Se alheie do mundo

Quinhentos processos Passaram por nós Que os deglutimos Sem dó e sem pena Com a indiferença De férrea moenda

O STJ Tão bem concebido Sucumbe à sina De se transformar Em reles usina

E cada ministro Perdendo o valor Torna-se um chip

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De computador

Quatorze de agosto Oh, quanto desgosto

Fazemos agora Bem desatentos a sessão mais aborrecida E mais enervante De todos os tempos”

A crise do Judiciário se acentua quando a sociedade não recorre a métodos al-ternativos de resolução de conflitos, ou quando tais métodos não são aceitos como legítimos. Pesquisa realizada em 2005 pela AMB (Associação dos Magistrados Bra-sileiros) revela que 89,8% dos magistrados consideram que o Poder Judiciário deve ter o monopólio da função jurisdicional e que 79,6% acreditam que todas as formas alternativas de solução de conflitos (juiz leigo, juiz de paz, juiz arbitral, comissão de conciliação prévia) devem estar subordinadas ao Poder Judiciário.

Ocorre que os métodos alternativos de solução de litígios, como expusemos na Introdução, são institutos antiqüíssimos, que remontam à Roma antiga, e não uma novidade, uma moda, que aparece e desaparece com a mesma facilidade.

O chamado fenômeno da ADR (Alternative Dispute Resolution), movimento sur-gido nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos, enfatiza o uso de métodos que amenizam a litigiosidade entre as partes. Cada vez mais, surge a consciência de que a melhor forma de pacificar a sociedade é simplesmente evitar os litígios. Assim, privilegiam-se métodos de autocomposição, caso da conciliação e da mediação, ou mecanismos que compõe o litígio, tal qual o Judiciário, mas de forma mais adequa-da às necessidades das partes, caso da arbitragem.

A utilização dos métodos alternativos de solução de disputas, especialmente o uso excessivo desses mecanismos não é uma unanimidade entre os autores. Muitos criticam a informalidade desses métodos e os excessivos estímulos, quase coerções, à composição entre as partes.

A leitura obrigatória desta aula é composta de dois artigos, um favorável e outro crítico ao uso de métodos alternativos de solução de disputas.

O objetivo desta aula é instaurar um debate sobre os benefícios e malefícios da utilização destas ferramentas.

CASO

Ronaldo, certo dia, descobre que tem um aneurisma cerebral e que necessita de tratamento sério. Ciente disso, entra em contato com seu plano de saúde para que este arcasse com todos os custos iniciais do referido tratamento, que custaria R$ 1.500,00 para os exames iniciais. Acionado, o plano se posiciona no sentido de

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não pagar o tratamento. Ronaldo então resolve ajuizar uma ação judicial contra seu segurador.

Iniciada a ação, o réu requer a produção de perícia médica, que custará R$ 2.000,00, para analisar se o tratamento é realmente necessário.

Percebe-se, através do exposto, que o valor para instituir o processo e dar segui-mento a ele (custas + R$ 2.000,00) é maior do que o valor da causa.

Segundo Richard Posner, um dos grandes estudiosos de law in economics, em uma situação como esta, em que o custo do processo se torna maior do que o valor da causa, o Judiciário deve se desestimular a instauração desses processos. Será que esta é uma saída viável?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

CAPPELLETTI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso à Justiça, in Revista de Processo, nº 74, ano 19, abril-junho de 1994, pp. 82/97.

OWEN, Fiss. Against Settlement in The Yale Law Journal, vol. 93, n. 6, maio de 1984, pp. 1073/1090. ANEXO I

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AnExO I

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aula 2. Natureza Jurídica da arbitragem

A arbitragem pode ser definida como “a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis”15. Com algumas variações esse conceito de arbitragem é adotado pela doutrina especializada.

Diante disso, levanta-se a questão sobre a natureza jurídica do instituto, tema ainda não pacífico na doutrina. Questiona-se se a arbitragem possui natureza juris-dicional, contratual ou privatista, ou, por fim, natureza mista ou intermediária.

Essa discussão se dá devido a características particulares deste instituto.Por um lado, a arbitragem decorre unicamente da vontade das partes. Um deter-

minado conflito somente será submetido à arbitragem se houver manifestação das partes neste sentido. Vigora, portanto, o princípio da autonomia da vontade, que é eminentemente privatista. Essa característica se evidencia na medida em que cabe às partes determinar qual será a lei (material ou processual) aplicável no procedimento arbitral, podendo, ainda, optar por arbitragem de direito ou de eqüidade (art. 2º, caput e §1º, da Lei nº 9.307/96). Sobre a manifestação de vontade nos negócios jurídicos, discorre CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA:

“Detendo-nos um instante mais sobre o elemento vontade frisamos que o prin-cípio pelo qual se lhe reconhece o poder criador de efeitos jurídicos denomina-se autonomia da vontade, que se enuncia por dizer que o indivíduo é livre de, pela de-claração da sua própria vontade, em conformidade com a lei, criar direitos e contrais obrigações”16.

Os poderes dos árbitros decorrem desta manifestação de vontade e são por ela limitados. Os árbitros só podem dirimir os conflitos que forem expressamente sub-metidos a eles, por partes absolutamente capazes, restando inegavelmente limitado o seu escopo de jurisdição. A Lei de Arbitragem determina, ainda, que os árbitros estão obrigados a seguir as regras estipuladas pelas partes na cláusula ou compro-misso arbitral. O inciso IV do art. 32 da referida lei estabelece que é nula a sentença arbitral que for proferida fora dos limites estabelecidos pelas partes. Tudo isso con-tribui para que se conclua pela natureza contratual da arbitragem.

Entretanto, por outro lado, arbitragem possui características que a distanciam dos conceitos privatistas.

A lei estabelece que os árbitros são juízes de fato e de direito e que a sentença por eles proferidas não está sujeito a recurso ou homologação pelo Judiciário (art. 18, Lei nº 9.307/96). Além disso, a sentença proferida pelos árbitros constitui título executivo judicial, com a mesma força que qualquer sentença ou acórdão proferido pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 475-N, IV do Código de Processo Civil).

Assim, para que se possa prosseguir na discussão sobre a natureza jurídica da ar-bitragem, cabe abordar, primeiramente, o conceito de jurisdição. Para tanto, trans-crevam-se os ensinamentos de SERGIO BERMUDES sobre o tema:

15 alvim, J. E. Carreira. tratado Geral da arbitragem belo ho-rizonte: mandamento, 2005, p.14.

16 PErEira, Caio mario da Silva. instituições de Direito Civil, vol. i. rio de Janeiro: forense, 2005, 21ª edição, pp. 478/479.

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“A etimologia do substantivo jurisdição – jurisdicto, em latim – já lhe revela o conteúdo. A palavra é formada pela aglutinação de duas outras: juris, genitivo singu-lar da 3ª declinação, significando do direito, e dictio, nominativo singular da mesma declinação, isto é, dicção, ou dição, ato de dizer; de dicere, dizer. Nisto consiste a jurisdição na sua essência: dizer o direito, no sentido de identificar a norma de di-reito objetivo preexistente (ou de elaborá-la, se inexistente) e de fazê-la atuar numa determinada situação…

(…)A jurisdição só o Estado pode exercê-la. Trata-se de um atributo da sua sobera-

nia. Giuseppe Chiovenda a vê, corretamente, como uma atividade substitutiva. No exercício da jurisdição, o Estado substitui por sua vontade, coativamente imposta, a vontade das partes em lide ou – diga-se por extensão – a vontade do titular da pre-tensão concernente à matéria de relevância social. Pode acontecer, como acontece no mais das vezes, que a vontade do Estado coincida com a de um dos litigantes ou com a do titular do interesse não conflituoso. Todavia, não é a vontade deles que prevale-ce, senão a vontade do Estado, enunciada no ato pelo qual ele presta a jurisdição. A vontade jurisdicional do Estado é substitutiva da vontade das partes, ainda quando parte seja o próprio Estado por um dos componentes do seu imenso e formidável organismo.

Já que se falou em Chiovenda, cabe a nota, em páginas de introdução ao processo civil, de que ele é o pai da processualística moderna. Hauriu a ciência dos grandes mestres alemães, como Oskar von Bülow e Adolf Wach, que divulgou em italiano, em inúmeras publicações e na sua cátedra, na Universidade de Roma, tornando-os acessíveis aos muitos que, como eu, não transpõem as barreiras íngremes do idioma de Goethe, mas juntou à sistematização que empreendeu muitas concepções magis-trais dele próprio, na obra que constitui ponto de partida para os grandes avanços alcançados no século XX, que o viu desaparecer em 1937.

A jurisdição é função estatal de aplicação do direito objetivo para a prevenção ou solução de lides, ou para a administração de interesses sociais relevantes. Eis a sua natureza, distinguida pelo fato de que os atos jurisdicionais são autoritários, impondo-se aos litigantes ou aos titulares de interesses sociais significativos, e substi-tuindo-lhes a vontade. Desprovida de autoridade e despida do seu caráter substituti-vo, a jurisdição converte-se-ia numa espécie de atividade consultiva, ou conselheiral, frustrando-se, assim, a função estatal de promover a paz e o equilíbrio sociais pela administração da justiça.

(…)No sistema constitucional brasileiro (não necessariamente noutros), a jurisdi-

ção é entregue a um poder do Estado, o Poder Judiciário (de judiciarius, adjetivo de judicium, julgamento, ato de julgar, que vem de judex, juiz; de judicare, julgar, este último de jus, direito, e dicere, dizer), integrado sempre por agentes estatais, chamados juízes, substantivo cuja etimologia se acaba de explicar (não importa que o órgão onde atuam lhes confira denominação especial, como a de ministro ou de-sembargador), investidos de dignidade especialíssima, e cercados das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (CF, art. 95, I, II, III),

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não em proveito próprio, mas em benefício dos jurisdicionados, para que exerçam sua função com independência, pois, ao se desincumbirem dela, como adverte Chio-venda, só estão sujeitos à lei (CPC, art. 126) e aos ditames da sua consciência” 17.

A corrente defensora da natureza jurisdicional afirma que, uma vez que a arbi-tragem declara o direito aplicável ao caso concreto, não há como não reconhecer sua jurisdicionalidade. Entre os defensores dessa primeira corrente18, está CARLOS ALBERTO CARMONA, que afirma:

“O art.32 [da Lei 9.307/96] afirma que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título exe-cutivo que, embora não oriundo do Poder Judiciário, assume a categoria de judicial. O legislador optou, assim, por adotar a tese jurisdicional da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz, fator e emperramento da arbitragem. Cer-tamente continuarão a surgir críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver a atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita. Para rebater tal idéia tacanha de jurisdição, não há lição mais concisa e direta que a de Giovanni Verde19: ‘A experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia de que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes’”.20

Ainda em defesa do caráter jurisdicional da arbitragem, independente da manei-ra que se constitui o tribunal arbitral, veja-se o entendimento do Desembargador CARREIRA ALVIM:

“Quando se afirma a base convencional da arbitragem, não se define a sua natu-reza jurídica, senão identifica-se a forma por que ela se constitui. Por idêntica razão, ninguém diria que o Tribunal do Júri tem natureza jurídica aleatória pelo simples fato de serem os jurados escolhidos por sorteio”21.

Em sentido oposto, os defensores da corrente contratual ou privatista, afirmam que a arbitragem possui natureza eminentemente contratual, uma vez que as partes, utilizando-se da autonomia da vontade, pactuam no sentido de que seus respectivos direitos transigíveis serão decididos por juízo próprio, que não a jurisdição forneci-da pelo Estado. Essa posição é sustentada por diversos autores estrangeiros, valendo destacar, dentre eles, Giuseppe Chiovenda e Salvotore Satta.

Em posição intermediária, na qual é reconhecido o patente caráter privado exis-tente no momento em que as partes escolhem a arbitragem como meio de resolução de um conflito, sem, contudo, deixar de conhecer o caráter público da arbitragem no momento em que ocorre a resolução de um conflito, filia-se ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, que afirma:

17 bErmUDES, Sergio. introdu-ção ao Processo Civil. rio de Janeiro: Ed. forense, 2006, 4ª ed., pp. 19, 21, 22, 24 e 29.

18 anGEliS, Dante barrios de. El proceso civil, comercial y penal de américa latina; PalÁCio, lino Enrique. manual de de-recho procesal civil; aroCa, montero. Comentário breve a la ley de arbitraje; alvim, J.E. Carreira. tratado geral da arbi-tragem; fiGUEira JÚnior, Joel Dias. arbitragem, jurisdição e execução.

19 vErDE, Giovanni. arbitrato e giurisdizione, in l’arbitrato secondo la legge 28/83. ná-poles: Jovene Editore, 1985, p. 161/182.

20 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas, 2004, 2ª ed., p. 45.

21 alvim, J. E. Carreira. tratado Geral da arbitragem. belo hori-zonte: Ed. mandamentos, 2000, p. 133.

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“Parece-me que as duas posições são criticáveis. Em primeiro lugar, deve-se afir-mar, a meu juízo, a função exercida pelos árbitros é pública, por ser função de paci-ficação de conflitos, de nítido caráter de colaboração com o Estado na busca de seus objetivos essenciais. De outro lado, parece inegável que a arbitragem, se inicia por ato de direito privado, qual seja, a convenção de arbitragem, que será estudada mais adiante. Não se pode, porém, confundir a convenção de arbitragem, ato que institui o procedimento arbitral, com arbitragem em si. É a natureza desta, e não daquele, que se busca, e tal natureza é, a meu juízo, a de função pública.

Pública, mas não estatal, e – por conseguinte – não se poderia considerar que tal função é jurisdicional. Pensar de outra forma, a meu ver, seria infringir o monopó-lio estatal da jurisdição, o que não me parece possível. Relembre-se agora o que já disse anteriormente: o Estado não possui o monopólio da Justiça, mas possui o da Jurisdição.

É preciso, ainda, afirmar minha convicção no sentido de que a arbitragem é verdadeiro processo. Esta afirmação deve ser explicada com cuidado, para que não seja mal compreendida. Encontra-se superado pela melhor doutrina processual o velho preconceito de afirmar que só existe processo jurisdicional. Mas moderna-mente, encontra-se em doutrina a afirmação de que deve-se considerar processo todo procedimento realizado em contraditório. Explique-se: há no direito uma série de procedimentos, entendidos estes como seqüências ordenadas de atos destinados à elaboração de um provimento. Toda vez que um procedimento se realiza em con-traditório, isto é, toda vez que na seqüência de atos que compõe o procedimento se tem assegurada a participação (ao menos potencial) dos interessados no provimento (assim entendidos todos aqueles que serão alcançados pelos efeitos de tal provimen-to), ter-se-á um processo.

Assim sendo, pode-se falar em processo administrativo, em processo legislativo e, até mesmo, em processo arbitral, ao lado do tradicionalmente reconhecido processo jurisdicional. Este se distingue dos demais processos por ter como elemento intrín-seco uma relação processual que se estabelece entre Estado-Juiz, autor e réu (além de alguns outros sujeitos que podem se incorporar a tal relação, como o assistente). O processo jurisdiciona, portanto, é processo como os outros (o administrativos, por exemplo), por ser um procedimento realizado em contraditório, mas se distingue dos demais por ter intrínseca uma relação jurídica diferente das que se apresentam nos demais tipos de processo. Pode-se, assim, afirmar que o procedimento em con-traditório é um ‘módulo processual’, cuja presença é capaz de atribuir a determinado instituto a natureza de processo, mas para que tal processo seja jurisdicional é ne-cessário que, além deste ‘módulo processual’, forme-se a relação jurídica processual entre as partes e o Estado.

No processo arbitral, além do procedimento em contraditório, instaura-se uma relação processual entre as partes e o árbitro (ou Tribunal Arbitral). Esta relação pro-cessual é diferente da que se estabelece no processo jurisdicional na medida em que o árbitro, por não ter poder de império, não se põe acima das partes (embora, assim como o Estado-juiz, delas seja eqüidistante). Assim sendo, processo arbitral e pro-cesso jurisdicional se distinguem intrinsecamente, uma vez que possuem distintas

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relações processuais, ainda que ambos possam ser muito semelhantes (e até mesmo iguais) do ponto de vista extrínseco (ou seja, do ponto de vista do procedimento, que se realiza obrigatoriamente em contraditório).

Sendo a arbitragem um procedimento que se realiza obrigatoriamente em con-traditório (o que, aliás, é determinado de forma cogente pela lei de arbitragem, que impõe a observância de tal princípio no procedimento arbitral), faz-se presente o ‘módulo processual’, devendo-se considerar, pois, que a arbitragem é um processo. Não, porém, um processo jurisdicional, pois a jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é um ente privado. Ademais, não se faz presente na arbitragem a relação jurídica processual jurisdicional, qual seja, aquela que se estabelece entre as partes e o Estado-Juiz. Não há, portanto, como se admitir a natureza jurisdicional da arbitragem, embora não se possa negar o múnus públi-co exercido pelo árbitro, em sua atividade privada, de busca da pacificação social. Com isto, coloco-me numa posição publicista frente à arbitragem, negando a tese de quem vê neste instituto uma figura exclusivamente regulada pelo direito privado”22.

Tal discussão acerca da natureza jurídica da arbitragem ainda não encontra so-lução pacífica, contudo, é possível notar que grande parte da doutrina se filia ao entendimento de que prevalece a natureza jurisdicional da arbitragem.

Apesar desta discussão não impedir o avanço do uso da arbitragem como meio de resolução de conflitos, ela é de extrema relevância, conforme veremos adiante.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª edição, pp. 33/50.

22 CÂmara, alexandre de freitas. Arbitragem – Lei nº9.307/96. rio de Janeiro: Ed. lumen Júris, 4ª Ed., 2005, pp. 12-15

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aula 3. o PriNcíPio da iNafastabilidade do coNtrole JurisdicioNal e a arbitragem No ordeNameNto Jurídico brasileiro

Nas fases primitivas da civilização, quando ainda não havia o “Estado” como o concebemos, os conflitos surgidos no âmbito social eram resolvidos à força, pelos próprios sujeitos que figuravam no litígio. Vigia o regime da vingança privada e da autotutela. Não havia o conceito de imparcialidade ou a idéia de que era preciso entregar a um terceiro a tarefa de dirimir o conflito; não havia sequer a noção de estabelecerem-se regras abstratas e neutras para serem aplicadas no caso concreto.

Com o passar do tempo, iniciou-se a consciência de que seria possível alcançar uma solução amigável e imparcial, por meio da indicação de um terceiro, alheio ao conflito e de dotado de confiança de ambas as partes, para que este buscasse a me-lhor solução. JOSÉ CRETELLA NETO afirma que a idéia de arbitragem remonta à Grécia Antiga:

“Ténékides sugere que a arbitragem era tão comum na Grécia Antiga que os he-lenos a faziam remontar na sua origem à própria Mitologia.

A Mitologia grega refere-se a Paris, filho de Príamo e Hécula, no monde Ida, funcionando como árbitro entre Atena, Príamo e Afrodite, que disputavam a maçã de ouro, destinada à mais bela. O litígio foi decidido em favor de Afrodite, que subornou o árbitro, prometendo-lhe, em troca, o amor de Helena, raptada, poste-riormente, por Paris, daí resultando a Guerra de Tróia. E o rei Acrision, da cidade de Argos, pai de Danae, teria instituído o primeiro tribunal internacional, ao qual se referem Pausanias e Plutarco, em suas obras. A mais antiga arbitragem teria ocorrido entre Messenia e Esparta, em 740 a.C”23.

No Brasil, a arbitragem surge pela primeira vez na Constituição do Império de 1824, que dispunha, no art. 160, a possibilidade das partes de indicarem árbitros para solução de controvérsias.

O Código Comercial brasileiro de 1850 previa no artigo 20 que “serão neces-sariamente decididas por árbitros as questões e controvérsias a que o Código Co-mercial dá esta forma de decisão”. Como se vê, o Código Comercial estabelecia a arbitragem obrigatória para determinadas causas, o que, além de contrariar o texto constitucional da época, ia de encontro ao próprio espírito do instituto, que, como vimos, tem por fundamento a autonomia da vontade. A obrigatoriedade do institu-to foi afastada pela Lei nº 1.350 de 14 de setembro 1866.

A arbitragem deixou de ter previsão constitucional a partir da Constituição da República de 1891, sendo regulada por normas infraconstitucionais, dentre as quais se destacam o Decreto nº 3.900 de 1867, que serviu de base para a legislação sobre arbitragem nos planos estaduais, quando não vigia o sistema de unidade processu-al; o Decreto nº 3.084, de 1898, que consolidou a legislação de arbitragem de sua época; o Código de Processo Civil de 1939, que dedicou o Livro IX somente ao

23 CrEtElla nEto, José. Curso de arbitragem. rio de Janeiro: forense, 2004, p. 6.

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instituto; e, finalmente, o Código de Processo Civil de 1973, que consagrou o juízo arbitral em diversos dispositivos24.

A Constituição de 1988 voltou a consagrar o instituto da arbitragem, mas foi a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que estabeleceu um marco na evolução legislativa do instituto.

É inegável o avanço da arbitragem após a entrada em vigor da Lei 9.307/96, sobretudo a partir do reconhecimento de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Antes da Lei de Arbitragem entrar em vigor, o Supremo Tribunal Federal havia adotado posição no sentido de que a cláusula arbitral não poderia ser objeto de execução específica, devido ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Entendia o Supremo Tribunal Federal que, surgida uma lide especí-fica, as partes teriam o direito de submetê-la a arbitragem, através da celebração de compromisso arbitral.

Entretanto, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional vedava a possibilidade das partes, antes mesmo do surgimento do litígio, no momento da celebração do contrato, estipularem que todo e qualquer litígio que eventualmente surgisse na execução daquele contrato seria submetido à arbitragem. Ou melhor: as partes poderiam incluir tal cláusula no contrato, mas o Supremo Tribunal Federal não reconhecia o direito de uma das partes requerer a execução específica desta cláusula, solicitando ao Judiciário que compelisse a parte recalcitrante a se submeter à arbitragem.

A Lei 9.307/96 modificou tal situação, estabelecendo, então, que a cláusula ar-bitral gera um efeito negativo, que exclui dos tribunais estatais a possibilidade de se conhecer e julgar as disputas relativas aos contratos que contêm cláusula arbitral. Estabeleceu-se, dessa forma, que se uma parte propuser ação relativa a contrato que contenha cláusula arbitral, alegando o réu a existência de convenção de arbitragem (art. 301, IX, do CPC), o juiz deverá extinguir o processo, sem julgamento do mé-rito, conforme prescrito no art. 267 do CPC.

Destaque-se que, ao contrário do afirmado anteriormente à Lei 9.307/96, hoje em dia, tanto a cláusula arbitral quanto o compromisso arbitral (espécies do gênero convenção de arbitragem), conforme definido no art. 3º da Lei de Arbitragem, produzem o mesmo efeito de afastar a jurisdição estatal. Sobre o tema, eis a posição da doutrina:

“Segundo a sistemática adotada, tanto a cláusula quanto o compromisso excluem a jurisdição estatal, efeito que até o advento da Lei 9.307/96 só era produzido pelo compromisso arbitral, ex vi do art. 301, IX, do Código de Processo Civil, em sua redação original.

Dessa forma, a cláusula compromissória – pacto através do qual os contratante avençam, por escrito, submeter à arbitragem a solução de eventual litígio que possa decorrer de uma determinada relação jurídica – passa a ser apta a afastar a compe-tência do juiz estatal.

O Legislador não quis ousar demais: poderia ter feito, como na Espanha, a com-pleta identificação entre a cláusula e o compromisso, deixando inclusive de utilizar

24 alvim, J. E. Carreira. tratado Geral da arbitragem. belo hori-zonte: Ed. mandamentos, 2000, pp. 17/20.

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terminologia diferenciada (os espanhóis tratam apenas do convenio arbitral, aban-donando os vocábulos cláusula e compromisso), tudo para se demonstrar a ruptura do velho sistema que revelava ser a cláusula um mero pré-contrato do compromisso. Muito embora o legislador brasileiro não tenha revolucionado a terminologia pre-dominante, mudou por completo os conceitos: hoje, no Brasil, pode-se instituir arbitragem apenas e tão-somente com base na cláusula compromissória, dispensada a formalidade do compromisso.

Este também é o entendimento da jurisprudência:‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA ARBITRAL.

LEI DE ARBITRAGEM. APLICAÇÃO IMEDIATA. EXTINÇÃO DO PROCES-SO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. CONTRATO INTERNACIONAL. PROTOCOLO DE GENEBRA DE 1923.

- Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito.

- Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando invo-cada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas pro-cessuais têm aplicação imediata.

- Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compro-misso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a solução judicial.

- Nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923. Prece-dentes.

- Recurso especial parcialmente conhecido e improvido’. (REsp 712.566/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, DJ de 05.09.05)

A cláusula arbitral passou a poder ser objeto de execução específica a partir da entrada em vigor da Lei de Arbitragem porque o art. 7º da Lei nº 9.307/96 dispõe que ‘Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a cotação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim’”25.

Por óbvio, este dispositivo representava uma inovação, contrariando a jurispru-dência até então sedimentada no Supremo Tribunal Federal. Isso levou muitos au-tores a suscitarem a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei de Arbitragem -- além de outros dispositivos --, sob o fundamento de que afrontaria a garantia constitucional de inafastabilidade da jurisdição estatal (art. 5º, XXXV, CF: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”).

Veja-se o seguinte trecho de tal decisão:

“Voto Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

25 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, pp. 34/35.

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Ora, essa impossibilidade não a pode suprir a lei ordinária, sem ferir a garantia constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (CF, art. 5º, XXXV).

Só não a transgride o compromisso porque, por força dele, são os próprios titu-lares dos interesses objeto de uma lide já concretizada que, podendo submetê-la à jurisdição estatal, consentem em renunciar à via judicial e optar pela alternativa da arbitragem para solucioná-la. E só para isso.

Na cláusula compromissória, entretanto, o objeto dessa opção, posto que con-sensual, não são lides já determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e eventuais, de contornos indefinidos; quanto muito, na expressão de Carnelutti (ob. Cit., p. 550), Lides determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir.

A renúncia, com força de definitiva, que aí se divisasse à via judicial já não se legiti-maria por derivação da disponibilidade do objeto do litígio, que pressupõe a sua deter-minação, mas, ao contrário, consubstanciaria renúncia genérica, de abjeto indefinido, à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem.

Sendo a vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficien-te – dada a indeterminação do objeto – e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos li-tigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes (ob. Cit., XV/224) de que fere o princípio constitucional invocado – hoje, art. 5º, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes, ‘eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem’”. (SE 5206 AgR/EP – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTECE, J 12.12.01, DJ 30.04.04)

Esta posição sustentada por dois dos mais influentes ministros do STF, Sepúlve-da Pertence e Moreira Alves, ficou vencida, tendo o STF reconhecido a constitucio-nalidade dos dispositivos da Lei de Arbitragem, por maioria:

1. Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montan-te de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuên-cia ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade ju-diciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento,por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homolo-

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gação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a ho-mologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de “guarda da Constituição” - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüen-temente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31). (SE 5206 AgR/EP – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTECE, J 12.12.01, DJ 30.04.04)

O reconhecimento da constitucionalidade do art. 7º da Lei de Arbitragem, per-

mitindo a execução específica da cláusula de arbitragem foi um passo essencial para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

SE nº 5206 AgR/EP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTECE, j. 12.12.01, DJ 30.04.04.

BIBLIOGrAfIA OpCIOnAL

RTJ 68/382 – Caso Lage – ANEXO II

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bloco ii - arbitragem - fuNdameNtos

aula 4. as Partes Na arbitragem – arbitrabilidade subJetiva

A Lei de Arbitragem estabelece que “as partes capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios (...).” (art. 1º).

O dispositivo legal refere-se à capacidade jurídica estabelecida na legislação civil (art. 1º e seguintes do Código Civil). Também é relevante atentar para a regra pre-vista no art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual a capacidade da parte para celebrar um determinado negócio jurídico é regida pela lei do seu domicílio.

Uma primeira discussão que surge sobre quais partes podem se submeter à ar-bitragem diz respeito aos entes despersonalizados. Um condomínio, por exemplo, não tem personalidade, mas é indiscutível a capacidade deste ente ser parte num processo judicial. O mesmo ocorre com os Espólios e as sociedades de fato ou irre-gulares.

Por isso, a doutrina tende a reconhecer a legitimidade destes entes para figurar como partes em procedimentos arbitrais.

Outra questão relevante é suscitada pela parte final do artigo 1º da Lei de Arbi-tragem, que estabelece que as partes capazes podem submeter à arbitragem litígios sobre “direitos patrimoniais disponíveis.”

A leitura deste dispositivo na sua integralidade leva à conclusão de que a parte tem que ser capaz e poder dispor, transigir sobre o direito submetido à arbitragem.

Daí, conclui-se que as partes que têm apenas capacidade de administração de bens, e não de disposição, não têm poderes para celebrar uma convenção de arbi-tragem válida. É o caso do inventariante, do administrador judicial na falência e o síndico de um condomínio. Para celebrar uma convenção de arbitragem, essas partes necessitam das respectivas autorizações exigidas por lei para dispor de direi-tos (autorização judicial no caso do inventariante e do administrador judicial e da assembléia de condôminos no caso do condomínio).

CASO

PRAÇABRAS, empresa estatal, criada para cuidar da manutenção de praças e outros logradouros públicos, celebrou contrato com a CAPITAL S.A., empresa pri-vada, outorgando a esta última o direito de expor a sua logomarca em diversas praças, mediante a assunção da obrigação pela CAPITAL de arcar com os custos de manutenção dessas áreas.

O contrato contém cláusula compromissória, na qual as partes se comprome-tem a submeter qualquer litígio decorrente do contrato à arbitragem, a ser realiza-da no Rio de Janeiro, de acordo com as regras da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem.

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Surgido um conflito entre as partes no curso da execução do contrato, a CA-PITAL deu início ao procedimento arbitral. Ao responder o requerimento de ar-bitragem, a PRAÇABRAS recusou-se a se submeter a arbitragem, alegando ser ela empresa estatal e que, por isso, não teria capacidade de dispor sobre os seus direitos, sendo a cláusula compromissória, por essa razão, nula de pleno direito.

Devem os árbitros reconhecer a nulidade da cláusula compromissória e a incapa-cidade da PRAÇABRAS de se submeter à arbitragem?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

Acórdão Processo nº 8.217/93, TCU. Revista de Direito Administrativo nº 193, jul/set de 1993. ANEXO III

AgRg no MS 11.308/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julga-do em 28.06.2006, DJ 14.08.2006 p. 251 – ANEXO IV

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

TALAMINI, Eduardo, Sociedade de Economia Mista. Distribuição de Gás. Dis-ponibilidade de direitos. Especificidades técnicas do objeto litigioso. Boa-fé e Moralidade Administratia (parecer) in Revista de Arbitragem e Mediação nº 5, ano 2, abril/jun de 2005.

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aula 5. o obJeto de arbitragem – arbitrabilidade obJetiva

Da mesma forma que o art. 1º da Lei de Arbitragem limita as partes que podem submeter os seus litígios à arbitragem, ele também restringe as matérias que podem ser julgadas por árbitros, àquelas que envolvem “direito patrimonial disponível”.

Nesta aula examinaremos a interpretação dada pela doutrina e pela jurisprudên-cia a estes dois adjetivos, “patrimonial” e “disponível”.

Também faremos o cotejo entre esta regra e a dos artigos 851 e 852 do Código Civil:

“Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígio entre pessoas que podem contratar.

Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outros que não tenham caráter estritamente patrimonial”.

Comentando o teor do art. 1º da Lei de Arbitragem, CARLOS ALBERTO CARMONA expõe o seguinte:

“Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido li-vremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua in-fringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários luga-res, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto”26.

O teor dos dispositivos legais acima elencados, sem dúvida nenhuma, afasta a possibilidade de partes submeterem à arbitragem litígios relativos a direito de famí-lia, especialmente os casos que tratem de estado das pessoas (investigação de pater-nidade, separação e divórcio e pátrio poder), sucessão e direito penal.

Em certas áreas, entretanto, a doutrina ainda não tem entendimento pacífico. Por exemplo, existe um grande debate sobre a possibilidade de se submeter à ar-bitragem litígios relativos a questões trabalhistas, discussão essa gerada em grande parte devido ao teor do art. 444 da CLT:

“Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre esti-pulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.”

No tocante às relações de consumo, é necessário conciliar o teor do art. 51, VII, do CDC, com o art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem:

26 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 56.

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“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;”

“Art. 4º (...) § 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, ex-pressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para a cláusula.”

Ao longo desta aula constataremos que a limitação imposta pela lei refere-se ao objeto da arbitragem, quer dizer, ao pedido formulado pelas partes, à controvérsia que o tribunal arbitral tem que pacificar. Nada impede que uma das partes, formule um pedido relativo a um direito de natureza patrimonial disponível e use argumen-tos fundados em direito penal na sua defesa. Nada impede, também, o tribunal arbitral de julgar improcedente um pedido formulado em arbitragem, acolhendo o argumento do requerido de que o pleito do requerente se funda em lei inconstitu-cional.

CASO

Pedro e Joana casaram-se em 1973. Após 35 anos de casados Pedro decidiu sepa-rar-se. Ao longo de todos esses anos, Joana dedicou-se apenas a cuidar do marido, dos filhos e da casa, sem exercer qualquer profissão. Aos 60 anos de idade, não se sente ela apta a iniciar vida profissional que possa provê-la devido sustento e, em razão disso, pretende pleitear do marido o pagamento de pensão.

Pedro, tentando evitar um litígio que poderia trazer maiores desgastes à relação do casal em processo de separação, com reflexo nos filhos, concorda em pagar ali-mentos a Joana. Entretanto, os dois não conseguem chegar a um acordo a respeito do montante dos alimentos que deverão ser pagos mensalmente a Joana.

Diante desta lide, os dois decidem submeter a questão referente ao valor dos ali-mentos devidos à arbitragem, escolhendo para árbitro Antônio, padre que celebrou o casamento deles e acompanhou o casal ao longo de toda a vida conjunta.

Pergunta-se: pode a questão relativa à estipulação do valor dos alimentos a serem pagos a Joana ser submetida à arbitragem?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. Atlas S.A., 2004, 2ª edição, p. 55-68.

BERMUDES, Sergio. Direito Processual Civil: estudos e pareces: 3ª série. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 294/304.

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aula 6. árbitros (fuNções, Poderes e deveres)

A Lei de Arbitragem contém um capítulo inteiro regulando a figura do árbitro, suas funções, poderes e deveres (arts. 13 a 18).

A primeira questão suscitada é quem pode ser árbitro. O caput do art. 13 estabe-lece que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”. Como se vê, a norma não exige a qualificação de bacharel em direito ou qualquer conhecimento em matéria legal para que alguém funcione como árbitro. Exige ape-nas que a pessoa goze da confiança das partes e que seja capaz.

Essa regra já foi objeto de questionamentos. Afinal, conforme estipula o art. 18 da Lei de Arbitragem, o árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença por ele proferida produz os mesmos efeitos de uma sentença proferida por órgão do Poder Judiciário. Como pode um engenheiro dizer qual a norma jurídica aplicável a um caso concreto?

Por outro lado, é preciso reconhecer que muitas vezes uma determinada disputa pode envolver questões técnicas que fogem ao conhecimento de um bacharel em di-reito. Por exemplo, surgido um litígio entre um empreiteiro e o contratante da obra a respeito de quantos metros cúbicos deve ter a fundação de um edifício, ninguém melhor que um engenheiro da confiança de ambos para decidir esta controvérsia. No-meado árbitro um advogado, terá ele que, obrigatoriamente, nomear um engenheiro para preparar um laudo e o julgamento tenderá a ser de acordo com o que determinar o engenheiro. Afinal, o árbitro, advogado, não terá o conhecimento técnico necessário para questionar ou decidir de forma diferente da indicada pelo engenheiro.

Por isso, a lei não limita o poder das partes de buscar um árbitro para julgar a lide com conhecimento específico que elas entendam mais apropriado para o caso concreto.

Além de exigir que o árbitro seja pessoa capaz e que goze da confiança das partes, a lei estabelece que o árbitro, no exercício de suas funções proceda com “imparcia-lidade, independência, competência, diligência e discrição”.

O art. 14 da Lei de Arbitragem, por sua vez, determina as situações em que as pessoas estão impedidas de funcionar como árbitro, adotando um padrão mais rigo-roso do que o estipulado pelo Código de Processo Civil para os magistrados. Qual a razão para isso?

Nesta aula também examinaremos a função do árbitro. Qual a relação existente entre o árbitro e as partes? Quais são as obrigações dos árbitros e qual a responsa-bilidade civil e criminal deles, considerando que o art. 17 da Lei de Arbitragem equipara o árbitro “aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal”?

CASO

Pedro e João celebraram contrato de mútuo com cláusula compromissória segun-do a qual qualquer disputa relativa ao contrato deveria ser julgada por árbitro único,

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que seria escolhido de comum acordo pelas partes. A cláusula ainda estabelecia que, caso as partes não conseguissem chegar a um acordo a respeito do nome do árbitro, este seria indicado livremente pelo presidente da Fundação Getúlio Vargas.

Surgido um determinado conflito a respeito dos juros devidos por João, Pedro e ele não concordam no nome de um árbitro e, seguindo a regra contratual, enca-minham carta ao presidente da Fundação Getúlio Vargas que, por sua vez, indica Marcelo como árbitro para dirimir o litígio.

João insurge-se contra esta indicação, dizendo que Marcelo não goza da sua con-fiança, pois, no passado, ele foi locatário de João e deixou de pagar diversos meses de aluguel. Além disso, trata-se de pessoa com nome inscrito no Serasa devido à emissão de diversos cheques sem fundo.

Pergunta-se: de acordo com a lei, tem fundamento a oposição apresentada por João? Ao examinar essa questão, o aluno deve prestar especial atenção aos arts. 13 e 14 da Lei de Arbitragem e os arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil (estes últimos tratam dos casos de impedimento e suspeição de magistrados).

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. Atlas S.A., 2004, 2ª edição, p. 199/231.

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

LEMES, Selma Maria Ferreira. Árbitro: O Padrão de Conduta Ideal in CA-SELLA, Paulo B. (coord.) Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. São Paulo: LTr, 1999, 2ª edição, pp. 233/269

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bloco iii – coNveNção de arbitragem

aula 7. cláusula comPromissória e comPromisso arbitral

Em aulas anteriores, já vimos que, nos termos do artigo 1º da Lei nº 9.307/96, “as pessoas capazes de contratar” podem se submeter à arbitragem.

Já vimos também, quando estudamos a natureza jurídica do instituto, que a autonomia da vontade possui especial relevância na arbitragem, pois, somente por meio da livre manifestação de vontade é possível que uma parte se submeta ao juízo arbitral. Segundo CARMONA, a autonomia da vontade é importante, ainda, por possibilitar que as partes escolham livremente qual será a lei aplicável para a solução do conflito, “de tal sorte que o árbitro não terá que recorrer às regras de conflitos de leis para estabelecer a norma que regerá o caso concreto”27.

Neste bloco, estudaremos de que maneira as partes podem se submeter à arbitra-gem e de que forma determinam os termos em que esta será conduzida.

O ordenamento jurídico brasileiro abarcou duas diferentes formas de submissão ao instituto sob o nome de convenção de arbitragem, conforme se vê pelo artigo 3º da Lei nº 9.307/96:

Art. 3º. As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromis-sória e o compromisso arbitral.

Veja-se conceito de convenção de arbitragem fornecido por CARREIRA AL-VIM:

“A convenção de arbitragem é a expressão da vontade das partes interessadas, manifestadas numa mesma direção, de se socorreram da arbitragem para a solução dos seus (virtuais ou reais) litígios”28.

O próprio conceito acima nos permite identificar os dois diferentes instru-mentos abrangidos pelo termo convenção de arbitragem. É possível que as partes incluam desde logo, em um determinado contrato, uma cláusula pela qual con-cordam que qualquer litígio futuro e, portanto, incerto oriundo daquele acordo será submetido à arbitragem: a esse instrumento dá-se o nome de cláusula com-promissória; de outra maneira, é possível que, após surgido o litígio, as partes concordem em submetê-lo à arbitragem, neste caso, o litígio já é concreto e atual, podendo constar no próprio termo o objeto da arbitragem: denomina-se este ter-mo de compromisso arbitral.

A Lei de Arbitragem define da seguinte maneira esses instrumentos:

27 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 34.

28 alvim, J. E. Carreira. trata-do Geral da arbitragem. belo horizonte: Ed. mandamentos, 2000, p. 207

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Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

Art. 9º. O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes sub-metem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

ALEXANDRE FREITAS CÂMARA faz a seguinte diferenciação entre os dois instrumentos:

“O compromisso tem, portanto, como pressuposto, uma controvérsia já surgida entre as partes, ao contrário da cláusula compromissória, a qual é celebrada antes de surgir a lide, e se refere a litígios futuros e eventuais. Assim sendo, após surgir a lide, podem as partes celebrar o compromisso arbitral, submetendo-se a um árbitro a composição da lide”29.

A Lei de Arbitragem estabelece que ambos os instrumentos devem ser celebrado em documento escrito. A lei fornece, ainda, os elementos obrigatórios e facultativos para a celebração do compromisso arbitral. O artigo 10 determina que deve constar do compromisso arbitral a qualificação das partes e dos árbitros (ou a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros), a matéria objeto da arbitragem e o lugar em que será proferida a sentença arbitral. O artigo 11 arrola os elementos facultativos do compromisso, cuja falta não implica em qualquer invali-dade do documento.

Frise-se que as duas diferentes formas de convenção possuem natureza jurídica, requisitos legais e características diversas, que serão estudadas mais profundamente nas próximas aulas.

Entretanto, desde logo, é possível identificar um problema passível de ser enfren-tado em relação à cláusula compromissória. Tendo em vista que, quando as partes firmam este acordo o litígio a ser submetido à arbitragem é futuro e incerto, o que acontece quando, após efetivamente surgir a disputa, uma das partes se recusa a se submeter ao juízo arbitral?

Antes do advento da Lei nº 9.307/96, não havia o que fazer. A orientação do Su-premo Tribunal Federal, como vimos, era a de que, devido à natureza voluntarista da arbitragem, não seria possível compelir uma parte a se submeter à arbitragem. Mesmo havendo cláusula compromissória derrogando a competência da justiça es-tatal, o conflito não poderia ser levado à arbitragem, em decorrência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Contudo, a Lei de Arbitragem alterou completamente o tratamento dado ao tema.

A lei diferencia o procedimento diante de cláusulas compromissórias vazias ou cheias. As cláusulas compromissórias vazias são aquelas que “se limitam a afirmar que qualquer litígio decorrente de um determinado negócio jurídico será solucio-nado através da arbitragem”30. As cláusulas compromissórias cheias, por sua vez, são

29 CÂmara, alexandre freitas. arbitragem. rio de Janeiro: lu-men Juris, 1997, pp. 27/28.

30 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 36.

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as que determinam, desde logo, todos os elementos essenciais para a instituição da arbitragem, podendo se reportar às regras de algum “órgão arbitral institucional ou entidade especializada”, conforme estabelece o art. 5º da Lei de Arbitragem.

Se há recalcitrância na instituição de arbitragem diante de uma cláusula com-promissória cheia, é possível que a arbitragem seja instituída desde já, sendo des-necessário levar a questão ao poder judiciário. Neste caso, não haverá a necessidade de celebração de um compromisso arbitral, pois já estão identificados os elementos necessários para a instituição da arbitragem. A arbitragem deverá, portanto, ser ins-tituída, de acordo com os termos da cláusula cheia.

Já em relação à cláusula compromissória vazia, não há a mesma possibilidade. Isso porque a cláusula não prevê os mecanismos de instituição da arbitragem. Con-tudo, isso não significa que a cláusula é desprovida de eficácia. O artigo 7º da referi-da lei dispõe que “existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”.

Assim, a parte que pretende instaurar o juízo arbitral, deverá acionar o poder judiciário, a fim de celebrar o compromisso arbitral que dará início à instituição da arbitragem. Esta ação será estudada mais profundamente no Bloco V, contudo, já é possível visualizar, desde logo, que a cláusula compromissória é passível de execução específica. Isso significa que, mesmo que uma das partes se recuse a se submeter à arbitragem, se houver cláusula compromissória, a arbitragem poderá ser instituída.

As partes deverão comparecer perante o juiz estatal para celebrar o compromisso (§2º, art. 7º). Se, mesmo perante o juiz togado, houver resistência, o juiz deverá prolatar sentença que substituirá a vontade da parte recalcitrante. Essa sentença valerá como compromisso arbitral, conforme determina o §7º do art. 7º da Lei de Arbitragem.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª edição, pp. 171/202.

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. Atlas S.A., 2004, 2ª edição, pp. 96/117.

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aula 8. Questões diversas sobre a cláusula comPromissória (i)

Nessa aula, estudaremos a cláusula compromissória. A Lei de Arbitragem, após defini-la no caput do art. 4º, passa a estabelecer os requisitos legais para sua validade.

Primeiramente, a lei exige que a cláusula compromissória seja estipulada por escrito (§1º do art. 4º). Em relação aos contratos de adesão, determina a lei que “a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por es-crito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”. Essa previsão tem por objetivo proteger os aderentes, garantindo que eles tenham conhecimento da cláusula.

Não há exigência legal, contudo, de que a cláusula compromissória conste do mesmo instrumento do negócio jurídico a que está vinculada. É possível que a cláu-sula seja celebrada em documento apartado, inclusive em época diferente da que foi celebrado o negócio principal. Para ser pactuada, basta que a cláusula se refira ao negócio a que irá se atrelar, conforme redação do artigo 4º, §1º, in fine, da Lei de Arbitragem (“A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”).

Cumpre-nos salientar, neste ponto, importante característica deste instrumento. A cláusula compromissória possui autonomia em relação ao negócio ao qual está vinculada, como determina o artigo 8º da Lei nº 9.307/96:

Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nu-lidade da cláusula compromissória.

Este é o princípio da autonomia da cláusula arbitral: ainda que prevista no mes-mo documento, ela é tida como um negócio separado, autônomo em relação ao contrato a ela submetido.

Essa possibilidade é comum no Direito Civil. Por exemplo: um determinado pe-daço de papel pode ter o título de “contrato de mútuo” e a leitura de seu conteúdo mostrar que, além de estabelecer o mútuo, há também no documento a previsão de um penhor. Neste caso, haverá dois contratos no mesmo documento, um de mútuo e outro de penhor. CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA ensina que a interpretação dos negócios jurídicos deve ser feita de modo a privilegiar a declaração de vontade do agente e as circunstâncias da celebração do ato, em detrimento do seu teor gra-matical:

“Na sua interpretação o que se procura é a fixação da vontade, e como esta deve exprimir-se por uma forma de exteriorização, o ponto de partida é a declaração de vontade. O hermeneuta não pode desprezar a declaração de vontade sob o pretexto de aclarar uma intenção interior do agente. Deve partir, então, da declaração de vontade, e procurar seus efeitos jurídicos, sem se vincular ao teor gramatical do ato,

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porém indagando da verdadeira intenção. Esta pesquisa não pode situar-se no desejo subjetivo do agente, pois este nem sempre coincide com a produção das conseqüên-cias jurídicas do negócio. As circunstâncias que envolvem a realização do ato, os ele-mentos econômicos e sociais que circundam a emissão de vontade são outros tantos fatores úteis à condução do trabalho daquele que se encontra no mister de, em dado momento, esclarecer o sentido da declaração de vontade, para determinar quais são os verdadeiros efeitos jurídicos”31.

O mesmo ocorre com a cláusula compromissória. Ainda que esteja prevista no mesmo documento do negócio, ainda que não esteja denominada expressamente “cláusula compromissória”, valerá e será independente daquele. Isso é extremamen-te relevante, pois mesmo quando o conflito for relativo à nulidade do documento em que estiver inserta a cláusula compromissória, a questão poderá ser submeti-da ao juízo arbitral. Caberá aos árbitros decidir se o contrato é ou não válido e a eventual declaração da nulidade do contrato não implicará na nulidade da cláusula compromissória nele inserta. Neste sentido, veja-se a lição de CARLOS ALBERTO CARMONA:

“As partes, ao encartarem em determinado contrato uma cláusula arbitral, inse-rem nele relação jurídica diferente, manifestando vontade apenas no que se refere à solução de eventuais litígio pela via arbitral; esta vontade, portanto, não tem liga-ção (senão instrumental) com o objeto principal do negócio jurídico (uma compra e venda, uma associação, um contrato de prestação de serviços), de tal sorte que eventual falha que importe nulidade da avença principal não afetará a eficácia da vontade das partes (que permanecerá válida para todos os efeitos) de ver resolvidas suas controvérsias (inclusive aquela relacionada à eventual nulidade do contrato e seus efeitos) pela via arbitral. Constata-se, em outros termos, que a causa do contrato principal é diversa daquela que leva as partes a estipularem a solução arbitral para futuras controvérsias”32.

Essa autonomia, contudo, não impede que um eventual vício que torne nula a avença principal seja também causa de invalidade da cláusula compromissória, como na hipótese de incapacidade civil da parte contratante.

Por fim, é importante diferenciar os dois tipos de cláusula compromissória. Como vimos na aula passada, existem cláusulas compromissórias cheias e vazias.

As cláusulas compromissórias cheias são aquelas nas quais é possível identificar os elementos necessários para a instauração do procedimento arbitral, tais como o modo de indicação dos árbitros (ou sua própria nomeação), o lugar em que será proferida a sentença, a lei que regerá a arbitragem etc. Também são consideradas cheias, as cláusulas compromissórias que se reportarem às regras de alguma instituição especializada, como a Câmara de Comércio Internacional – CCI ou a American Arbitration Association - AAA. Neste caso, o procedimento seguirá as normas previstas por essas instituições.

Esses órgãos arbitrais institucionais, em geral, fornecem modelos padrões de cláusulas compromissórias. Vejam-se alguns exemplos:

31 PErEira, Caio mário da Silva. instituições de Direito Civil, vol. i, rio de Janeiro: forense, 2005, p. 502.

32 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, pp. 158/159.

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“Todos os litígios emergentes do presente contrato ou com ele relacionados serão definitivamente resolvidos de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, por um ou mais árbitros nomeados nos termos desse Regulamento”. – Modelo fornecido pelo Regulamento de Arbitragem da CCI.

“Todas as controvérsias oriundas do presente contrato serão resolvidas de forma definitiva por arbitragem, nos termos do Regulamento do Centro Brasileiro de Me-diação e Arbitragem, por um ou mais árbitros nomeados na conformidade do mes-mo regulamento.” – Modelo fornecido pelo Regulamento de Arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA)

“As questões decorrentes deste contrato serão dirimidas por arbitragem adminis-trada pela Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getulio Vargas e realizada segundo o Regulamento dessa Câmara. O local da arbitragem será a cidade de....” – Modelo fornecido pela Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem

A criatividade dos advogados, entretanto, pode levar à estipulação de cláusulas muito mais complexas como, por exemplo:

“CLÁUSULA DEZ – SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIASDisputas:Qualquer disputa, controvérsia ou desavença de qualquer espécie ou natureza

(cada uma delas designada doravante como uma “DISPUTA”) entre as PARTES ou entre as PARTES e a INTERVENIENTE, decorrente do CONTRATO, será solucionada preferencialmente em bases amigáveis entre as diretorias das PARTES e da INTERVENIENTE. Fica convencionado que, para os fins desta cláusula e dos seus itens as PARTES e a INTERVENIENTE serão denominadas, isoladamente, de PARTE LITIGANTE e, conjuntamente, de PARTES LITIGANTES.

10.1.1. Em caso de DISPUTA, qualquer PARTE LITIGANTE deverá notificar as demais, (“NOTIFICAÇÃO DE DISPUTA”) descrevendo a controvérsia, indicando os nomes dos membros da diretoria nomeados para tentar solucionar a DISPUTA, bem como as datas de disponibilidade desses membros e solicitando que a referida DISPUTA seja levada ao conhecimento da diretoria das PARTES LITIGANTES. Qualquer NOTIFICAÇÃO de DISPUTA deverá ser enviada imediatamente após o surgimento de uma DISPUTA. Dentro de 5 (cinco) dias após o recebimento de uma NOTIFICAÇÃO de DISPUTA, as destinatárias da NOTIFICAÇÃO de DISPUTA deverão notificar a parte solicitante (“NOTIFICAÇÃO de RESPOSTA”) indicando os nomes dos membros da diretoria nomeados para tentar solucionar a DISPUTA, bem como as datas de disponibilidade desses membros durante o período de 15 (quinze) dias após o envio da NOTIFICAÇÃO de RESPOSTA, os membros das diretorias nomeados pelas PARTES LITIGANTES deverão reunir-se tantas vezes quanto possível na tentativa de solucionar a DISPUTA, agindo sempre de boa-fé. Caso as PARTES LITIGANTES não cheguem a um acordo dentro de 30 (trinta) dias do envio da NOTIFICAÇÃO de RESPOSTA, a DISPUTA deverá ser subme-

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tida à ARBITRAGEM ou PERITAGEM, essa última mediante prévio acordo entre as PARTES LITIGANTES ou quando assim previsto no CONTRATO, nos termos adiante especificados.

10.1.2. Fica facultado à INTERVENIENTE informar às PARTES em sua NO-TIFICAÇÃO de RESPOSTA que não participará da ARBITRAGEM ou da PE-RITAGEM, nas hipóteses em que a DISPUTA não verse, direta ou indiretamente, sobre os seus interesses, direitos ou obrigações, previstos neste CONTRATO.

Na hipótese de litígio sobre a necessidade de participação da INTERVENIEN-TE na ARBITRAGEM, caberá ao TRIBUNAL ARBITRAL decidir sobre essa con-trovérsia.

10.2 - Arbitragem:Não sendo obtida uma solução de consenso para o término de uma DISPUTA

dentro do prazo estipulado no item 10.1.1 acima, as PARTES LITIGANTES sub-meterão a DISPUTA – salvo aquelas em que as PARTES LITIGANTES optarem pela PERITAGEM e por assim estar disposto no CONTRATO – a um TRIBUNAL ARBITRAL, o qual empregará, na solução da controvérsia, a legislação substantiva brasileira (“ARBITRAGEM”).

10.2.1 A ARBITRAGEM será regida, em todos os seus procedimentos, pelas Re-gras de Conciliação e Arbitragem da UNCITRAL, vigentes na data da assinatura do presente CONTRATO, e será realizada na Cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. A ARBITRAGEM será necessariamente de direito, sendo vedado o julgamento por eqüidade ou com base nos usos e costumes. Em caso de conflito entre as regras da UNCITRAL e as regras previstas nesta Cláusula Dez, Prevalecerão as regras previstas neste CONTRATO.

10.2.2 O idioma a ser adotado na ARBITRAGEM e em sua decisão será o Por-tuguês.

10.2.3 O TRIBUNAL ARBITRAL será constituído por 3 (três) membros, obser-vando-se as seguintes disposições:

i. A PARTE LITIGANTE que tiver suscitado a controvérsia (PRIMEIRA PAR-TE) enviará NOTIFICAÇÃO às demais PARTES LITIGANTES (SEGUNDA E TERCEIRA PARTE), nos termos do Artigo 3º das Regras da UNCITRAL, indi-cando claramente o objeto da controvérsia e informando o nome de seu árbitro (PRIMEIRO ÁRBITRO).

ii. Dentro de 30 (trinta) dias do recebimento da NOTIFICAÇÃO supramen-cionada a SEGUNDA e a TERCEIRA PARTE informarão, de comum acordo, à PRIMEIRA PARTE, também por NOTIFICAÇÃO, o nome do ÁRBITRO que, de forma conjunta, indicam (SEGUNDO ÁRBITRO). Caso a INTERVENIENTE não esteja participando da ARBITRAGEM, a SEGUNDA PARTE nomeará sozi-nha o SEGUNDO ÁRBITRO no prazo supra mencionado.

iii. Se, na hipótese prevista no item ii, acima, a SEGUNDA e a TERCEIRA PARTE não chegarem a um acordo sobre a indicação do SEGUNDO ÁRBITRO, nessa hipótese o International Center for Settlement of Investments Disputes (ICSID) de Washington – EUA nomeará o SEGUNDO ÁRBITRO, por solicitação de uma

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das PARTES LITIGANTES. Se a ICSID, instada por qualquer das PARTES LITI-GANTES, deixar de nomear o SEGUNDO ÁRBITRO, no prazo de 20 dias do re-cebimento da sua notificação para este fim, a nomeação do SEGUNDO ÁRBITRO será realizada pela London Court of International Arbitration (LCIA), sediada em Londres, por solicitação de qualquer uma das PARTES LITIGANTES.

iv. Fica estabelecido que a controvérsia poderá ser suscitada por duas PARTES LI-TIGANTES, de forma conjunta (PRIMEIRA e SEGUNDA PARTE). Nessa hipó-tese, a PRIMEIRA e SEGUNDA PARTE indicarão o mesmo árbitro (PRIMEIRO ÁRBITRO), e promoverão a notificação da TERCEIRA PARTE para, nos termos e no prazo previstos nos itens anteriores, indicar o SEGUNDO ÁRBITRO. Caso a PRIMEIRA e a SEGUNDA PARTE não cheguem a um acordo sobre a indicação do PRIMEIRO ÁRBITRO, o ICSID nomeará o referido ÁRBITRO, por solicitação de uma das PARTES LITIGANTES. Se a ICSID, instada por qualquer das PARTES LITIGANTES, deixar de nomear o PRIMEIRO ÁRBITRO, no prazo de 20 dias do recebimento da sua notificação para este fim, a nomeação passará a ser realizada pela LCIA, por solicitação de qualquer uma das PARTES LITIGANTES.

v. Em caso de recusa expressa por qualquer das PARTES LITIGANTES em submeter a DISPUTA à ARBITRAGEM, nos termos das disposições previstas neste CONTRA-TO e nas regras da UNCITRAL, e após a constituição do TRIBUNAL ARBITRAL na forma estabelecida no item 10.2.3 (vi) abaixo, o TRIBUNAL ARBITRAL apreciará as razões da recusa da PARTE demandada e decidirá a respeito da recusa manifestada pela PARTE LITIGANTE, devendo obrigatoriamente decidir se a oposição apresen-tada pela PARTE LITIGANTE tem natureza procrastinatória ou não. Exclusivamente na hipótese de recusa expressa por qualquer das PARTES LITIGANTES em submeter a DISPUTA à ARBITRAGEM que venha a ser considerada como procrastinatória pelo TRIBUNAL ARBITRAL e em decorrência única e exclusiva de tal fato a SENTENÇA ARBITRAL seja proferida o prazo de 180 (cento e oitenta) dias a que se refere o item 10.2.5, a PARTE LITIGANTE recalcitrante ficará sujeita ao pagamento de multa diá-ria no valor de R4 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), aplicada com base no número de dias compreendidos entre o término do prazo previsto no item 10.2.5 e a data em que a SENTENÇA ARBITRAL tenha sido proferida.

V1. o valor acima mencionado será corrigido, ao término de cada ano, a partir da data de assinatura do CONTRATO de acordo com o mesmo aumento (variação positiva), percentualmente verificado, do PREÇO DO GÁS ocorrido no período, sem prejuízo das PARTES e da INTERVENIENTE se reunirem, sempre que neces-sário, para revisar, de boa fé, este valor, de modo a adequá-lo à realidade econômica da época.

vi. Dentro de 14 (quatorze) dias da nomeação do SEGUNDO ÁRBITRO, am-bos os ÁRBITROS elegerão um TERCEIRO ÁRBITRO, que presidirá os trabalhos. Se não houver consenso sobre o TERCEIRO ÁRBITRO, sua indicação ficará a car-go da ICSID, no prazo de 20 (vinte) dias do recebimento da sua notificação para este fim. Se, no prazo mencionado, a ICSID não indicar o TERCEIRO ÁRBITRO, a nomeação passará a ser realizada pela LCIA, por solicitação de qualquer uma das PARTES LITIGANTES.

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10.2.4. Na hipótese de omissão das Regras da UNCITRAL quanto a quaisquer aspectos procedimentais, serão aplicadas, subsidiariamente, e, no que couber, os pre-ceitos da Lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”) e do Código de Processo Civil Brasi-leiro.

10.2.5. No prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da instituição da ARBI-TRAGEM, nos termos do art. 19 da Lei de Arbitragem, o TRIBUNAL ARBITRAL proferirá uma sentença detalhada (“SENTENÇA ARBITRAL”).

10.2.6. A SENTENÇA ARBITRAL será definitiva e irrecorrível, ressalvados os casos de nulidade previstos na Lei de Arbitragem e demais regras aplicáveis, devendo detalhar e quantificar a responsabilidade da PARTE LITIGANTE vencida, indicando ainda os honorários dos ÁRBITROS, os honorários de sucumbência, as despesas a serem arcadas por cada PARTE LITIGANTE e os prazos para os respectivos pagamentos.

10.2.7. As PARTES LITIGANTES concordam que qualquer uma delas poderá ter a necessidade de obter tutela cautelar, inclusive, a execução específica e/ou ações de natureza emergencial, com pedido de concessão de medida liminar. Nesta hipó-tese, o Poder Judiciário será o competente. Portanto, a propositura e a obtenção de uma medida judicial liminar ou outras espécies de tutela de urgência com referência a este CONTRATO serão admitidas e não serão consideradas como infração à pre-sente Cláusula, desde que tal medida ou decisão judicial (i) seja limitada a evitar um dano iminente a uma das PARTES LITIGANTES e (ii) não aprecie ou decida sobre o mérito de qualquer disputa. O foro competente será o indicado na Cláusula 10.4 deste CONTRATO.

10.2.8 As PARTES LITIGANTES reconhecem que a solução de determinada DISPUTA decorrente do presente CONTRATO ou a ele relacionados poderá ter implicações no CONTRATO …; e, da mesma forma, que a solução de determina-das pendências, litígios ou controvérsias decorrentes do CONTRATO … poderá ter implicações nos direitos e obrigações das PARTES no presente CONTRATO. Por conseguinte, na hipótese de instauração de procedimento arbitral referente a litígio que verse sobre este CONTRATO, e cuja solução possa ter implicações, diretas ou indiretas, nos direitos e/ou obrigações da INTERVENIENTE, fica convencionado que a INTERVENIENTE participará de qualquer ARBITRAGEM entre as PAR-TES, independentemente da anuência das PARTES, na forma prevista nesta cláusu-la, observado o disposto na Cláusula 10.1.2.”

Nesta aula, examinaremos estas questões e outras particularidades relativas às cláusulas arbitrais.

CASO

Supondo que seu cliente tenha firmado um contrato com a cláusula compromis-sória transcrita acima (a que faz referência à regras da UNCITRAL) e que, surgido o conflito, a outra parte se recuse a se submeter à arbitragem, o que seu cliente terá que fazer para dar início ao procedimento e instituir o tribunal?

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BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

LEMES, Selma Maria Ferreira. Cláusulas Arbitrais Ambíguas ou Contraditórias e a Interpretação da Vontade das Partes in MARTINS, Pedro A. Batista & GARCEZ, José Maria Rossani (coord.), Reflexões Sobre Arbitragem: in me-moriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, pp. 188

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aula 9. Questões diversas sobre a cláusula comPromissória (ii)

A cláusula arbitral desperta outras discussões e questionamentos na doutrina e na jurisprudência. Nesta aula examinaremos alguns desses pontos mais polêmicos.

A primeira delas diz respeito à validade das cláusulas compromissórias celebradas antes da vigência da Lei de Arbitragem. Conforme visto em aulas anteriores, antes da entrada em vigor da Lei de Arbitragem, a jurisprudência firmou-se no sentido de que uma parte não poderia exigir da outra a execução específica da cláusula compromissória. Celebrado um contrato com esta cláusula, no momento em que surgisse um litígio entre as partes, se uma delas se recusasse a submeter a questão a um tribunal arbitral, a outra parte não tinha forma de compeli-la a fazê-lo.

Com a entrada em vigor da Lei de Arbitragem, surgiu a discussão a respeito dos efeitos deste novo diploma em relação às cláusulas compromissórias firmadas antes dele entrar em vigor.

Depois de algum debate, pode-se dizer que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que a Lei de Arbitragem se aplica às cláusulas compromissórias celebra-das antes da sua entrada em vigor:

“(…) Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas processuais têm aplicação imediata. (…) Recurso especial parcialmente conhecido e improvido”. (REsp 712.566/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 407)

Muito se discute na doutrina também a respeito da validade de cláusulas com-promissórias compulsórias. Conforme visto anteriormente, o CDC veda isso nas relações de consumo.

Quando se fala de arbitragem compulsória, refere-se à cláusula que é imposta à parte. Em momento algum há uma manifestação de vontade dela concordando em submeter litígios à arbitragem.

Destaque-se que no Código Comercial de 1850 havia regra nesse sentido (“Art. 294. Todas as questões sociais que se suscitarem entre sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, serão decididas em juízo arbitral”), que foi revogada pela Lei nº 1.350, em 1866.

Essa discussão tem, de certa forma, ressurgido no campo das sociedades anôni-mas, com o acréscimo do §3 º ao art. 109 da Lei das S.A., pela Lei nº 10.303/01, que permite expressamente a estipulação de cláusula compromissória em estatutos sociais de companhias:

“§3º. O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acio-nistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”.

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A indagação que surge com esta norma é a seguinte: quais partes estão obriga-das a se submeter a arbitragem? Será que uma aposentada que investe os recursos da pensão recebida em ações está obrigada a se submeter à arbitragem, quando ela jamais examinou o estatuto social da companhia e não tinha a menor idéia da exis-tência de cláusula arbitral?

O problema é ainda mais grave. Suponha que uma sociedade cotada em bolsa resolva fazer uma alteração do seu estatuto social, para incluir uma cláusula com-promissória. Convocada a assembléia de acionistas para aprovar a alteração, alguns não comparecem, outros comparecem e se abstêm de votar ou votam contra, insur-gindo-se expressamente contra a inclusão de cláusula arbitral no estatuto. Aprovada a deliberação para inclusão da cláusula compromissória no estatuto social por maio-ria, estariam obrigados a se submeter à arbitragem os acionistas que (a) não compa-receram à assembléia; (b) compareceram e se abstiveram de votar; (c) compareceram e votaram contra a inclusão da cláusula?

Outra questão relevante diz respeito aos contratos relacionados ou coligados. A complexidade de muitos negócios jurídicos acaba demandando a celebração de mais de um instrumento para a consecução de um único negócio. Normalmente esses contratos estão interligados no sentido de que o negócio realizado pelas partes só pode ser examinado na sua inteireza se todos os instrumentos forem examinados em conjunto.

Em situações deste tipo, às vezes, as partes acabam colocando a cláusula com-promissória em apenas um dos contratos, sem deixar claro que todas e quaisquer controvérsia decorrentes do negócio como um todo devem ser levadas à arbitragem. Surgida uma disputa relativa à interpretação do instrumento que não contém cláu-sula compromissória, uma das partes pode questionar se aquele litígio deve ou não ser submetido à arbitragem.

CASO

Empresa Brasileira de Algodão celebrou com Empresa Européia de Tecidos contra-to de compra e venda de algodão em que ficou estipulada a entrega de 100 toneladas do produto no prazo 1 mês. Ambas as empresas pertencem a grandes grupos empre-sariais e negociam diariamente dezenas de contratos de compra e venda de algodão.

Conforme a costume deste mercado, as partes adotaram o contrato padrão su-gerido pela Liverpool Cotton Association. O instrumento firmado pelas partes não contém cláusula de arbitragem. Entretanto, há uma cláusula estipulando que se aplicam subsidiariamente ao contrato as cláusulas gerais de contratos aprovadas pela da Liverpool Cotton Association.

Dentre as cláusulas gerais de contratos aprovadas pela Liverpool Cotton Associa-tion, há cláusula compromissória remetendo qualquer questão relativa à arbitragem.

Passado o prazo estipulado no contrato, foram entregues à compradora apenas 80 toneladas de algodão. Após diversas tratativas visando solucionar o conflito, não houve possibilidade de acordo.

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Diante do impasse, o comprador recorreu à LIVERPOOL COTTON ASSO-CIATION LTD. onde foi instaurado processo arbitral. A Empresa Brasileira de Algodão recusa-se a participar da arbitragem, alegando que não houve concordância expressa acerca da submissão dos litígios à arbitragem.

Diante dos fatos, pergunta-se: estão as partes obrigadas a se submeter à arbitragem?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de, Arbitragem na Lei das Sociedades Anônimas in CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de & ARAGÃO, Lenadro Santos de (org.), Sociedade Anônima, 30 anos de Lei nº 6.404/76. São Pau-lo: Quartier Latin, 2007, pp. 247/271

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, vol. II. São Paulo: Saraiva, 2008, 4ª edição, pp. 303/327.

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

SEC 856/EX, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, CORTE ESPECIAL, julgado em 18.05.2005, DJ 27.06.2005 p. 203

SEC 839/EX, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16.05.2007, DJ 13.08.2007 p. 310

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bloco iv – ProcedimeNto arbitral

aula 10. iNstauração da arbitragem

Passaremos, agora, ao estudo do procedimento arbitral. Como vimos, as partes podem se submeter à arbitragem por meio de dois instrumentos diferentes: a cláusu-la compromissória e o compromisso arbitral. O procedimento para a instauração do juízo arbitral dependerá do tipo de convenção de arbitragem adotado pelas partes.

A instauração do juízo arbitral é mais simples quando as partes celebram o com-promisso. Isso porque, neste caso, já há o litígio e, diante dele, as partes decidem submeter a questão à arbitragem. Há, assim, uma comunhão de interesses: as vonta-des de ambas as partes concorrem para a submissão da questão à arbitragem naquele momento.

Com a assinatura do compromisso arbitral, será dado início ao procedimento, que prosseguirá de acordo com o que as partes nele estabelecerem.

No caso das partes terem previsto a arbitragem através de cláusula compromis-sória, o procedimento de instauração da arbitragem é um pouco mais complexo. Como vimos, ao celebrar a cláusula compromissória, as partes se comprometem a submeter um litígio futuro e eventual à arbitragem. Quando efetivamente surge esse litígio, a forma de instauração da arbitragem dependerá muito do que as partes estabeleceram.

Se a cláusula de arbitragem for vazia, e ambas as partes concordarem em sub-meter o conflito à arbitragem, deverá ser seguido o disposto no artigo 6º da Lei nº 9.307/96:

Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a par-te interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.

Assim, as partes devem firmar um compromisso, que possuirá todos os requisitos exigidos pelo art. 10 da Lei nº 9.307/96.

Contudo, se há recalcitrância de uma das partes, será preciso que a outra parte recorra ao Poder Judiciário, nos termos do art. 7º, da Lei de Arbitragem, tema já estudado em aulas anteriores.

Para evitar esse risco e diminuir o tempo necessário para instauração do juízo arbitral, as partes podem celebrar uma cláusula compromissória cheia, seja estipu-lando as regras de procedimento no próprio contrato, seja referindo-se às regras de alguma instituição arbitral.

Nas cláusulas cheias, as partes podem optar pela arbitragem ad hoc ou pela arbi-tragem institucional.

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No primeiro caso, aplicam-se regras escolhidas pelas partes ou constantes da cláusula compromissória, sem nenhuma instituição por detrás para administrar e organizar o procedimento.

Na institucional, mais comum, há uma instituição que administra a arbitragem, cobrando uma taxa para tanto. Nesta aula, examinaremos como se instaura um procedimento arbitral e alguns problemas que surgem com certa freqüência nesta fase da arbitragem.

CASO

A e B celebram cláusula compromissória, elegendo como árbitro Pedro Antonio, professor catedrático da faculdade, com larga experiência em direito civil, amigo e ex-advogado das partes, gozando da total confiança de ambas. A cláusula estipula que a arbitragem terá início com a remessa de uma carta para Pedro Antonio pela parte que pretende instaurar a arbitragem.

Surgido o litígio, uma das partes encaminha carta ao árbitro e, duas semanas depois, recebe uma correspondência da mulher de Pedro Antonio, comunicando que ele faleceu há 1 ano.

O que devem as partes fazer? É possível instaurar a arbitragem?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª edição, pp. 203/218

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Formas de Instituição do Juízo Arbitral em Face da Não Colaboração da Parte Requerida in ALMEIDA, Ricardo Ramalho (coord.), Arbitragem interna e internacional: questões da doutrina e da prá-tica. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pp. 393/416.

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aula 11. Processo de escolha e Nomeação dos árbitros

A escolha dos árbitros que irão atuar no procedimento depende muito da von-tade das partes. Isso se coaduna com o próprio espírito do instituto, de conceder às partes o máximo de liberdade na estipulação das regras procedimentais.

Assim, para nomeação dos árbitros, as partes devem seguir o que estiver esti-pulado na cláusula ou no compromisso arbitral, adotando as regras previstas pela instituição de arbitragem, se for o caso (Art. 13. § 3º “As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada”).

A lei apenas estipula algumas exigências, a fim de fornecer o máximo de liberda-de às partes, resguardando, no entanto, um mínimo de garantia, em benefício do próprio instituto da arbitragem.

O parágrafo 1º do artigo 13 determina que o tribunal arbitral deve ser composto sempre por número ímpar de árbitros. Essa regra tem por objeto evitar o empate na decisão de um litígio, embora não o impeça totalmente, conforme saliente ALE-XANDRE FREITAS CAMARA:

“É certo que o número ímpar não afasta totalmente a possibilidade de um ‘empa-te’. Basta pensar na hipótese em que um dos árbitros entenda que um dos litigantes deve pagar ao outro a quantia de dez mil reais, outro árbitro entenda que o débito é de vinte mil reais, e o terceiro entenda que o débito é de cinqüenta mil reais. Ou ainda que um dos árbitros entenda deve um dos litigantes entregar ao outro um bezerro, o segundo árbitro entenda que deve ser entregue um potro, e o terceiro entenda deve-se entregar ao vencedor um cabrito. As posições são inconciliáveis, não havendo previsão na lei para um método de desempate. Nada impede, é certo, que as partes estabeleçam os critérios para solucionar o problema no próprio compromisso, mas isto, com certeza, raramente ocorrerá. Prevalecerá, então, o voto do presidente do colegiado, nos termos do disposto no art. 24, §1º, da Lei de Arbitragem”33.

O parágrafo seguinte do artigo 13 dispõe sobre as conseqüências da nomeação dos árbitros em número par:

“§1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, poden-do nomear, também, os respectivos suplentes.

§2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autori-zados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.”.

Os artigos 14 e 15 tratam das hipóteses de impedimento e suspeição dos árbi-tros. O primeiro estabelece que “estão impedidos de funcionar como árbitros as

33 CÂmara, alexandre de freitas. Arbitragem – Lei nº 9.307/96. rio de Janeiro: Ed. lumen Júris, 4ª Ed., 2005, p. 41

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pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algu-mas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil”.

Vê-se, assim, que, embora a lei tenha tentado aproximar o sistema de impe-dimento e suspeição aplicado aos juízos togados ao sistema a ser adotado na via arbitral, simplificou-o ao não diferenciar as duas hipóteses. Impedido ou suspeito, a parte adotará o mesmo procedimento para impugnar a nomeação do árbitro.

O parágrafo 2º do artigo 14 trata da recusa da parte ao árbitro nomeado. Sobre este dispositivo, recorra-se à lição de CARLOS ALBERTO CARMONA:

“A parte, ao indicar um árbitro para dirimir seu litígio, deve informar-se conve-nientemente, eis que, indicado o componente do tribunal arbitral (ou concordes as partes sobre o árbitro único), não há mais lugar para arrependimentos.

Quis o legislador criar momento preclusivo de estabilização do processo, para evitar que as partes, simplesmente por não mais convir, pudessem afastar o árbitro nomeado. Se conheciam o motivo de impedimento e julgaram que tal motivo não afetaria a imparcialidade do julgador, tollitur quaestio!”34.

Percebe-se, pela lição do eminente professor, que as hipóteses de impedimento ou suspeição em arbitragem não são absolutas. Assim, se uma parte sabe de razões que tornariam o árbitro impedido ou suspeito e não a argúi em tempo hábil, se con-siderará que anuiu com essa indicação, e a sentença prolatada por este árbitro será perfeitamente válida, sendo defeso a anulação do laudo sob tal argumento.

O artigo 15 determina a forma de impugnação ao árbitro nomeado:

Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedi-do, que será substituído, na forma do art. 16 desta Lei.

A decisão relativa à exceção de suspeição ou impedimento apresentada pela parte compete exclusivamente ao árbitro ou tribunal arbitral. Acolhida, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que será substituído conforme do disposto no artigo 16. Não sendo acolhida, a arbitragem seguirá seu curso normal, podendo a parte impugnar o laudo, na forma do artigo 33, ao final do procedimento (art. 20, §2º). Esse mecanismo, embora possa gerar maiores riscos para as partes, pois todo o procedimento pode ser eventualmente anulado, pretende impedir que uma parte refratária à arbitragem possa dispor de mecanismos para retardá-la.

O artigo 16 trata da substituição dos árbitros:

Art. 16. Se o árbitro escusar-se antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação, vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função,

34 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 217.

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ou for recusado, assumirá seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver.

§ 1º Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão arbitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invoca-do na convenção de arbitragem.

§ 2º Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista no art. 7º desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, ex-pressamente, na convenção de arbitragem, não aceitar substituto.

Novamente, a lei busca conceder neste ponto o máximo grau de liberdade às partes. Somente no caso de não haver qualquer previsão sobre a matéria na conven-ção de arbitragem ou nas regras da instituição que estiver administrando o procedi-mento – e somente se as partes não chegarem a um acordo quanto à nomeação do árbitro substituto – as partes deverão recorrer ao Judiciário, que deverá proceder na forma prevista no artigo 7º da Lei de Arbitragem.

Caso as partes tenham estabelecido que não aceitam substitutos aos árbitros in-dicados, o compromisso arbitral será extinto, conforme prevê o artigo 12, inciso II, da Lei nº 9.307/96.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª edição, pp. 249/272.

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aula 12. ProcedimeNto arbitral

Em aulas anteriores, estudamos como é instaurado o juízo arbitral e de que maneira os árbitros são eleitos pelas partes. Nesta aula, examinaremos como são estabelecidas as regras procedimentais que irão reger a arbitragem, bem como as questões relativas à competência do juízo arbitral.

O artigo 21 da Lei nº 9.307/96 diz que “a arbitragem obedecerá ao procedimen-to estabelecido pelas partes, na convenção de arbitragem, que poderá reporta-se às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”.

Vê-se, assim, que a Lei de Arbitragem prevê três possibilidades para as partes estabelecerem o procedimento. As partes podem (a) criar, já na convenção de arbi-tragem, um procedimento próprio a ser seguido para a solução de suas disputas; (b) se reportar a uma determinada lei ou às regras de alguma instituição especializada; ou (c) delegar aos árbitros a função de criarem as regras a serem adotadas. Dentre essas opções, a segunda é, certamente, a mais utilizada.

O §1º do artigo 21 estabelece que, omitindo-se as partes quanto ao procedimento a ser adotado, caberá aos árbitros discipliná-lo. A lei não prevê um procedimento su-plementar a ser seguido no silêncio das partes. Se não há nenhuma determinação na convenção arbitral, os árbitros podem adotar as regras que julgarem convenientes.

O parágrafo seguinte determina que, qualquer que seja o procedimento eleito pelas partes, este deverá obedecer aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do livre convencimento. Esse dispositivo, que não pode ser afastado pela vontade das partes, visa assegurar um julgamento justo, respeitando-se o devido processo legal.

A Lei de Arbitragem exige, ainda, que determinadas matérias sejam argüidas “na primeira oportunidade que [a parte] tiver de se manifestar”:

Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.

Dentre esses pontos, merece destaque a questão da competência. Questionada a competência do juízo arbitral, caberá a ele próprio decidir se é ou não competente. Trata-se do princípio da Komptenz-Komptenz.

Entretanto, a decisão do árbitro sobre sua competência não é final. Embora o §2º do artigo 20 estabeleça que, rejeitada a argüição de incompetência, a arbitragem prosseguirá normalmente, a incompetência do juízo arbitral poderá ser alegada no-vamente ao final do procedimento, por meio da ação de anulação do laudo, prevista nos artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem:

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Art. 20 (…) 2º. Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judi-ciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.

Surge dúvida na doutrina se essa regra se aplicaria a todos os casos, inclusive naqueles nos quais a nulidade da cláusula arbitral ou a incompetência do tribunal é patente. Ao se entender pela aplicação absoluta do §2º do artigo 20, se os árbitros rejeitassem a argüição de incompetência mesmo diante de uma cláusula manifes-tamente nula (assinada por um menor de idade totalmente incapaz, por exemplo), seria preciso que as partes se submetessem a todo o processo arbitral, para, somente depois de gastar tempo e dinheiro, poder recorrer ao Judiciário, primeiro para anular o laudo e depois para discutir o mérito do litígio. Argumentam alguns autores que esse entendimento iria de encontro ao princípio da economia processual e causaria um ônus desproporcional à parte que argüiu a incompetência do juízo arbitral.

No tocante à instrução do processo, há diversas questões relevantes. O artigo 22 da Lei de Arbitragem demonstra que o árbitro, por ser o destinatário das provas, tem o poder de determinar quais provas são necessárias, inclusive determinando a produção de eventuais provas que não tenham sido requeridas pelas partes.

Uma outra questão interessante diz respeito à possibilidade dos árbitros reque-rerem de pessoas que não celebraram a cláusula compromissória e, portanto, não lhes outorgaram nenhum poder, a apresentação de documento. Pode-se exigir, de alguém que não se submeteu livremente à arbitragem, o cumprimento de decisão proferida por um árbitro ou tribunal arbitral? A doutrina ainda não possui uma resposta uníssona para esta questão, sendo necessário avaliar qual a extensão dos poderes dos árbitros quando instituído um juízo arbitral.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

PITOMBO, Eleonora C. Os Efeitos da Convenção de Arbitragem – Adoção do Princípio Kompetenz-Kompetenz no Brasil in MARTINS, Pedro Batista, CARMONA, Carlos Alberto & LEMES, Selma Ferreira (coord.) Arbitra-gem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 326/338

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

ANCEL, Bertrand. O Controle de Validade da Convenção de Arbitragem: O Efeito Negativo da “Competência-Competência” in Revista Brasileira de Ar-bitragem, nº 6, abr-jun de 2005, pp. 52/64

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aula 13. seNteNça arbitral

Passaremos a analisar, nesta aula, a sentença arbitral, que é o ato por meio do qual o árbitro ou tribunal arbitral põe fim ao procedimento, seja por meio do jul-gamento do mérito ou não. Como já visto, a Lei de Arbitragem equiparou as sen-tenças arbitrais às sentenças judiciais (art. 18). Sendo assim, as sentenças arbitrais possuem, basicamente, as mesmas características e efeitos das sentenças judiciais, não estando mais sujeitas à homologação pelo Poder Judiciário.

A Lei nº 9.307/96 prevê algumas imposições aos árbitros na prolação das sen-tenças. A sentença arbitral, sempre escrita (art. 24), deve ser proferida no prazo estipulado pelas partes ou, na falta de estipulação, em seis meses da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. A expiração desse prazo extingue o pro-cesso arbitral, desde que, notificado o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral, ela não seja proferida no prazo de 10 dias (art. 12, III).

O artigo 26 exige que a sentença contenha, obrigatoriamente: um relatório, com os nomes das partes e um histórico do litígio; os fundamentos da decisão; o dispo-sitivo, no qual os árbitros decidirão as questões a eles submetidas; e a data e local em que for proferida. No prazo de cinco dias, poderá uma parte, comunicando essa iniciativa à outra, pedir ao juízo arbitral que corrija erro material da sentença, escla-reça obscuridade, dúvida ou contradição, ou supra omissão (art. 30).

O artigo 32 da Lei de Arbitragem estabelece que será nula a sentença arbitral que desobedecer quaisquer das imposições acima. Prevê, ainda, a nulidade da sentença que não decidir todo o litígio submetido à arbitragem, sendo vedado aos árbitros, portanto, proferir sentença parcial.

Os casos de nulidade da sentença arbitral, enumerados no artigo 32, vão da nu-lidade do compromisso ao desrespeito aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro. O artigo 33 concede à parte interessada a ação de nulidade da sentença arbitral e fixa o prazo decadencial de 90 dias para o seu exercício, contados da notificação do ato ou do seu aditamento.

O art. 31 determina que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus su-cessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constituirá título executivo”. Modificando o inciso III do art. 584 do CPC, o art. 41 da lei incluiu, na categoria dos títulos executivos ju-diciais, a sentença arbitral. Após a reforma do Código de Processo Civil, pela Lei nº 11.232/05, este dispositivo se manteve no inciso III do artigo 475-N do CPC. Proferida a sentença, ela surte eficácia imediata, que, logicamente, fica suspensa pelo requerimento de correção de erro material, ou por pedido de esclarecimento de obscuridade ou contradição ou suprimento de omissão.

Assim, vê-se que a sentença arbitral faz coisa julgada e que sua eficácia será a mesma das sentenças judiciais.

A execução da sentença arbitral condenatória se faz sempre judicialmente, admi-tida a oposição de embargos do devedor, com as mesmas limitações dos embargos à execução de título emanado do Judiciário.

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No plano da eficácia das sentenças arbitrais estrangeiras, assim consideradas pelo parágrafo único do art. 34 as proferidas fora do território nacional, merece destaque a regra do art. 35: “para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal”. O advérbio unicamente mostra que não há necessidade de homologação da sen-tença arbitral estrangeira também pelo Judiciário do país de origem, como exigiam autores e pronunciamentos de tribunais brasileiros.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou a redação do artigo 105, I, alínea “i”, deslocando a competência para homologação de sentenças estrangeiras para o Superior Tribunal de Justiça.

As ações de nulidade, previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem, e a ação de homologação de sentença arbitral estrangeira serão estudadas com mais profundi-dade nas próximas aulas.

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 3ª edição, pp. 345/368.

BIBLIOGrAfIA COMpLEMEnTAr

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Estrutura da Sentença Arbitral in MARTINS, Pedro A. Batista & GARCEZ, José Maria Rossani (coord.), Reflexões Sobre Arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, pp. 344/353.

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bloco v - a relação eNtre o Juízo arbitral e o Poder Judiciário

Apesar de os árbitros serem equiparados aos juízes estatais, também estando obrigados a agir com imparcialidade e independência, e possuírem o poder de ins-truir e julgar as causas a eles submetidas, não detêm o poder de coerção, concedido apenas aos juízes togados. Assim, quando há a necessidade do exercício do poder de império, exclusivo do Estado, faz-se necessária a cooperação entre a arbitragem e o Poder Judiciário.

Essa cooperação entre os juízos arbitral e estatal pode ser necessária (a) antes mesmo do início da arbitragem, caso, por exemplo, da necessidade de obtenção de uma liminar para evitar o perecimento de um direito; (b) durante o procedimento, hipótese de uma testemunha que se nega a comparecer perante o tribunal; ou (c) depois de encerrado o procedimento, como, por exemplo, quando se faz necessária a execução judicial da sentença proferida pelo árbitro.

Ressalte-se, contudo, o esclarecimento trazido por ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, que, de maneira acertada, diferencia as relações entre os árbitros e o Ju-diciário necessárias e previstas em lei, que conseqüentemente, não ferem a autono-mia do juízo arbitral, das interferências que devem ser evitadas, por representarem uma intervenção estatal:

“É preciso, pois, afirmar desde logo: podem existir relações promíscuas entre a arbitragem e o Poder Judiciário. E tais relações devem ser combatidas, na medida que são capazes de enganar a sociedade, notadamente aqueles que, leigos na matéria, não sabem distinguir os institutos da arbitragem e do poder estatal.

Deve-se, pois, impedir que a arbitragem seja apresentada à sociedade como algo que funciona dentro do mecanismo do Poder Judiciário. Não há, nem pode haver qualquer instituição arbitral que funcione dentro da máquina judiciária. Afinal, a arbitragem é, por definição, um mecanismo de resolução de conflitos alternativo ao Poder Judiciário”35.

Por outro lado, o referido autor destaca as chamadas “boas relações” entre a arbi-tragem e o Poder Judiciário, onde este último auxilia o juízo arbitral, uma vez que a participação do Estado se torna fundamental para a efetividade da arbitragem:

“Como já dito, há relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário que são ne-cessárias para que a arbitragem seja efetivada (ou seja, para que atribua ao titular do direito aquilo que ele tem direito de obter). É dessas relações que se passa a tratar. E tais relações surgem em três momentos distintos: no da instauração do processo, na instauração probatória e na efetivação dos provimentos arbitrais.

(...)Não se pode, porém, deixar de passar esta oportunidade para afirmar que as boas

relações entre a arbitragem e o Poder Judiciário não devem ser vistas apenas como relações judiciária, mas também (e principalmente) como fenômeno cultural”36.

35 CÂmara, alexandre freitas. Das relações entre a arbitra-gem in revista de arbitragem nº 6, ano ii, 2005, p.20.

36 CÂmara, alexandre freitas. Das relações entre a arbitra-gem in revista De arbitragem nº 6, ano ii, 2005, pp. 22-23.

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Neste bloco, estudaremos a relação entre o Poder Judiciário e a arbitragem, anali-sando como se dá esta interação, em que casos ela é benéfica e necessária e em quais ela deve ser evitada.

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aula 14. hiPóteses de iNterveNção do Judiciário aNtes do ProcedimeNto arbitral

Nesta primeira aula, vamos tratar de algumas hipóteses de intervenção do Judi-ciário antes da instauração do procedimento arbitral.

1ª HIpóTESE

Cuidaremos, primeiramente, da hipótese de uma parte ajuizar ação perante o Po-der Judiciário, mesmo se a matéria litigiosa for objeto de convenção de arbitragem.

A arbitragem, como se sabe, tem como fundamento a manifestação da vontade das partes. A voluntariedade é uma característica muito importante do instituto. Contudo, após a celebração da convenção de arbitragem, as partes ficam atreladas àquela manifestação, estando impedidas de acionar o Poder Judiciário na existência cláusula compromissória. Esse é o efeito negativo da convenção de arbitragem, já estudado em aulas anteriores.

Sendo assim, se uma parte ajuíza ação perante o Judiciário, mesmo diante de uma cláusula ou compromisso arbitral que derrogou a jurisdição estatal, cabe à outra parte argüir a existência desta convenção. Esta é a determinação do artigo 301 do Código de Processo Civil, que diz competir ao réu alegar na contestação, antes de discutir o mérito, a existência de convenção de arbitragem (inciso IX). O juiz deve, diante da alegação do réu, extinguir o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VII, do CPC). Contra esta decisão, caberá apelação sem efeito devolutivo (art. 520, VI, do CPC).

O juiz, contudo, não pode conhecer esta matéria de ofício (art. 301, §4º do CPC). Isso porque, em consonância com a natureza voluntarista da arbitragem, se a outra parte não argüir a exceção de arbitragem na contestação, entende-se que renunciou tacitamente ao juízo arbitral. Nesta hipótese, o processo deverá seguir perante o juízo estatal, derrogando-se a jurisdição arbitral.

2ª HIpóTESE

A cooperação entre o Judiciário e a arbitragem pode ser necessária, também, em situações em que for preciso a concessão de uma tutela de urgência antes de insti-tuído o tribunal arbitral, uma vez que esse processo pode encontrar barreiras que gerem atraso no início do procedimento (ex.: não reconhecimento da arbitragem por uma das partes).

Em situações excepcionais como essa, não faria sentido que, devido à existência de convenção arbitral, a parte ficasse impossibilitada de recorrer ao Judiciário, as-sistindo ao perecimento do seu direito. O periculum in mora, via de regra, permite a propositura de uma ação cautelar, diante do juízo estatal originariamente compe-tente, sem prejuízo à posterior instauração da arbitragem.

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Discute-se, entretanto, o que deveria ocorrer após a instauração do tribunal ar-bitral, que julgará a ação principal. Cabe a ele avaliar a tutela de urgência, podendo rever a decisão proferida pelo juiz togado?

A jurisprudência vem firmando entendimento sobre a questão. Veja-se acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA - CLÁUSULA AR-BITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - POSSIBI-LIDADE - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSTERIOR AJUIZAMENTO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL - REMESSA DOS AUTOS AO ARBITRO PARA MANUTENÇÃO OU NÃO DA TUTELA CONCEDIDA. Sendo a me-dida cautelar aviada antes de instaurada a arbitragem é cabível ao juízo estatal a concessão da medida perseguida, devendo, contudo, serem os autos remetidos ao juízo arbitral para que o mesmo aprecie a manutenção ou não da tutela concedi-da assim que iniciado o procedimento arbitral. De ofício, determinaram a remessa dos autos ao juízo arbitral para manutenção ou não da tutela concedida”. (Número 1.0480.06.083392-2/001, Relator Des. DOMINGOS COELHO, j. 14.02.2007, DJ 03.03.2007)

A doutrina, quase unanimemente, tem aceitado essa solução, sobretudo em ra-zão do poder geral de cautela, do qual dispõe os juízes togados, que permite que o juiz, mesmo absolutamente incompetente para julgar a causa, conceda uma tutela de urgência para evitar o perecimento de um direito (art. 800 e seguintes do Código de Processo Civil).

Ressalta-se, ainda, que, em atenção à possível necessidade de uma decisão limi-nar, e a despeito do tempo necessário para que se instaure de maneira completa o tribunal arbitral (que se dá com a respectiva aceitação dos árbitros – conforme art. 19, da Lei de Arbitragem), algumas instituições, tal como a Câmara de Comércio Internacional instituiram um novo instrumento denominado cautelar pré-arbitral. Através deste instituto, um terceiro eleito pelas partes ou até mesmo indicado pela própria CCI, teria competência para decidir acerca da necessidade de uma tutela cautelar. Tal instituto, ainda pouco explorado, merece a devida atenção, visto que, através de seu emprego, seria possível ultrapassar uma das maiores críticas feitas à arbitragem, que é a necessidade de, em determinadas situações, se recorrer ao Poder Judiciário.

3ª HIpóTESE

Há outra hipótese em que o recurso ao Judiciário antes da instauração da arbi-tragem pode se fazer necessário.

Celebrado contrato com cláusula arbitral, qualquer uma das partes poderá re-querer a instauração de arbitragem para solucionar eventual lide surgida na execu-ção do contrato. Recusando-se uma das partes a se submeter à arbitragem, poderá a

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outra parte recorrer ao Judiciário para compelir a parte recalcitrante a se submeter à arbitragem.

Neste caso, há duas lides, duas pretensões resistidas entre as partes. A primeira trata da questão de fundo, relativa à interpretação ou cumprimento de determinada obrigação contratual (ex.: o atraso de pagamento de determinada parcela do preço). A segunda cuida da recusa de uma das partes em submeter o litígio existente entre elas à arbitragem, enquanto a outra parte busca a execução específica da cláusula compromissória.

A ação proposta com base no art. 7º da Lei de Arbitragem tratará apenas desta segunda lide: a execução específica da cláusula compromissória. Esta ação visa única e exclusivamente à celebração de compromisso arbitral:

“Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à ins-tituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz au-diência especial para tal fim.

(…)§7º. A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbi-

tral”. Sobre o tema, vejam-se os ensinamentos de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA:

“Vê-se, aqui, disposição que, na verdade, significa apenas a existência de situação específica de aplicação de uma norma geral: aquela segundo a qual a todo direito corresponde um mecanismo processual capaz de assegurá-lo, e que nada mais é do que a cláusula geral garantidora da tutela jurisdicional adequada. Dito de outro modo: ao ser celebrada a cláusula compromissória, as partes assumiram, uma perante a outra, uma obrigação de fazer: a obrigação de emitir declaração de vontade (ou, mais espe-cificadamente, a obrigação de celebrar o compromisso arbitral). O descumprimento, por qualquer das partes, dessa obrigação de fazer, gera para outra parte o direito de obter tutela jurisdicional específica, através de um provimento jurisdicional que lhe assegurará resultado prático equivalente ao do inadimplemento. Assim sendo, pro-posta a demanda a que se refere o art.7º da Lei de Arbitragem, estará o demandante buscando uma sentença que seja capaz de produzir os mesmos efeitos da declaração de vontade não emitida, substituindo o compromisso arbitral não celebrado”37.

A possibilidade de execução específica do compromisso arbitral representa uma conquista para o instituto da arbitragem, por trazer mais segurança e efetividade à celebração de convenção de arbitragem.

37 CÂmara, alexandre freitas. Das relações entre a arbitra-gem in revista De arbitragem nº 6, ano ii, 2005, pp. 24-25.

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CASO

Hidrelétrica S.A. celebrou com a Construtora Empreendimentos S.A. contrato de empreitada para realizar certos reparos na barragem do reservatório da usina, que apresentava certas rachaduras. O contrato continha cláusula arbitral, segunda a qual as partes se comprometiam a submeter todo e qualquer litígio à arbitragem, concedendo poderes exclusivos aos árbitros, inclusive, para a concessão de tutelas de urgência. De acordo com a cláusula contratual, o tribunal arbitral será composto por três árbitros a serem indicados um processo que levará, no mínimo, 45 dias.

No decorrer da execução do contrato, as obras de reparo já realizadas começam a apresentar novas rachaduras. A Hidrelétrica S.A., questionando a qualidade do ma-terial usado pela construtora, suspende o pagamento pelos serviços. A Construtora, por sua vez, alega que o material estaria de acordo com as especificações determina-das no contrato e se recusa a prosseguir na execução dos reparos se os pagamentos não forem regularizados.

Pergunta-se: pode a Hidrelétrica S.A. requerer ao judiciário a concessão de tutela de urgência para compelir a Construtora a retomar os trabalhos sob pena de multa diária ou deve ela requerer a instauração de tribunal arbitral?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

ARRUDA ALVIM. Exegese dos arts. 6º e 7º da Lei n. 9.307, de 1996 in MAR-TINS, Pedro A. Batista & GARCEZ, José Maria Rossani (coord.), Refle-xões Sobre Arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, pp. 169/187.

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aula 15. cooPeração eNtre o Judiciário e a arbitragem

Vimos na aula anterior, a atuação do Judiciário antes do início do procedimento arbitral. Analisaremos, a seguir, algumas hipóteses em que a cooperação entre os juízos arbitral e estatal se faz necessária no curso de uma arbitragem.

1ª HIpóTESE

Como em qualquer processo judicial, é possível que, no curso do procedimento arbitral, seja necessária a concessão de medida que evite dano irreparável à parte ou que garanta a eficácia da sentença arbitral a ser proferida. O legislador previu essa possibilidade e, revogando dispositivo do Código de Processo Civil (art. 1.086, inc. II) que negava aos árbitros a possibilidade de decretar medidas cautelares, assim dispôs no §4º do artigo 22 da Lei de Arbitragem:

“Art. 22. (…) §4º. Ressalvado o disposto no §2º, havendo necessidade de me-didas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originalmente, competente para julgar a causa”.

A evasiva redação do dispositivo, contudo, suscita dúvidas. Questiona-se se os árbitros teriam poderes para, sem a intervenção de um juiz togado, conceder tais medidas e, ainda, como deveriam proceder para garantir a efetividade de suas deci-sões, no caso de recusa das partes em cumpri-las.

Parte da doutrina38 nega aos árbitros a possibilidade de conceder medidas cau-telares. Desta maneira, o árbitro deveria funcionar somente como um interlocutor entre a parte e o juiz estatal. Essa interpretação, como bem observou CARLOS ALBERTO CARMONA geraria “situações francamente insustentáveis, tornando-se o árbitro um mero substituto processual da parte, que apenas instaria o árbitro a requerer (em nome próprio) a tutela de um pretenso direito do litigante”39.

PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, diferentemente, aduz ser possível a concessão de uma tutela cautelar, somente se as partes assim tenha acordado na conven-ção de arbitragem40.

Prevalece, todavia, outro entendimento, segundo o qual, requerida a medida cautelar, poderá o árbitro concedê-la, caso julgue pertinente, e essa decisão terá força obrigatória para as partes.

A solicitação ao Poder Judiciário, à qual se refere o §4º do art. 22 da Lei de Arbitragem, somente seria necessária caso haja resistência das partes em cumprir a tutela cautelar concedida. O poder de império, como sabido, é de monopólio esta-tal, motivo pelo qual não poderá o árbitro, evidentemente, utilizar a força para fazer valer sua decisão. Assim, o árbitro deverá comparecer perante o Judiciário apenas para pedir as providências de efetivação das medidas por ele concedidas. SERGIO BERMUDES assim comenta o referido procedimento:

38 fUrtaDo, Paulo e bUloS, Uadi l. lei de arbitragem Co-mentada. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 93.

39 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 266.

40 PinhEiro CarnEiro, Paulo Cezar. aspectos processuais da nova lei de arbitragem in ar-bitragem: a nova lei brasileira (9.307/96) e a Praxe interna-cional, Coord. Paulo borba Ca-sella. São Paulo: ltr., 1997, p. 131-156.

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“O requerimento, solicitação, deprecação, ou seja que nome se dê aos pedidos de que agora se cuida, tanto quanto o seu cumprimento são atos de cooperação entre juízos diferentes, como acontece nas cartas precatórias, rogatórias, ou de ordem. Aí também se revela a unicidade da jurisdição. Impossível a prática de todos os atos processuais apenas por um órgão jurisdicional, eles reciprocamente se auxiliam, cada um no âmbito de sua competência, a fim de que o processo alcance a sua meta. Essa cooperação, a realidade mostra que se vem estreitando, num tempo em que se torna-ram muito ágeis as comunicações”41.

CARMONA pormenoriza o procedimento afirmando que o árbitro deverá se dirigir ao juiz “através de mero oficio, instruído com cópia da convenção de arbitra-gem e do adendo de que trata o art. 19, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, se existir” e que o juiz deverá observar se presentes os requisitos do art. 209 do CPC para o cumprimento do ofício42.

2ª HIpóTESE

O árbitro deverá conduzir a fase probatória do processo arbitral de maneira se-melhante ao juiz estatal. Assim, caberá ao árbitro decidir, mediante requerimento das partes ou de ofício, sobre a pertinência, necessidade e utilidade da produção de provas. O caput do artigo 22 da Lei de Arbitragem se refere expressamente ao depoi-mento pessoal das partes, à oitiva de testemunhas e à prova pericial, admitindo-se, contudo, todos os meios de prova moralmente legítimos.

Interessa-nos, aqui, estudar o procedimento adotado para a oitiva de testemu-nhas. Conforme preceitua o §1º do artigo 22 da Lei de Arbitragem, caso julgue oportuna a produção da prova testemunhal, o árbitro deverá determinar a data, local e hora para comparecimento das testemunhas, que deverão serão intimadas por escrito.

Caso a testemunha se recuse a comparecer sem justa causa, poderá o árbitro recorrer ao Judiciário para que conduza a testemunha, no exercício do seu poder de império, conforme estabelece o parágrafo §2º daquele dispositivo.

Procedimento semelhante também poderá ser adotado quando uma das partes se recusar a apresentar um determinado documento, fazendo-se necessária uma busca e apreensão.

CASO

Instaurado tribunal arbitral, as partes arrolaram diversas testemunhas, dentre elas o Juiz de Direito da 1ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Recusando-se o eminente magistrado a comparecer perante o tribunal ar-bitral, os árbitros solicitaram ao MM. Juízo da 15ª Vara Cível, para quem o reque-rimento foi distribuído, a condução do magistrado, para comparecer em dia e hora

41 Coord. batiSta martinS, Pedro a. e GarCEZ, José maria rossani. medidas Coercitivas e Cautelares no Processo arbitral in reflexões sobre arbitragem. São Paulo: ltr, 2002, p. 281.

42 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 267.

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determinados, perante o tribunal arbitral para prestar depoimento. Pode o MM. Juízo da 15ª Vara Cível indeferir o requerimento, por entender ser impertinente para o julgamento da arbitragem o depoimento do colega?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

BERMUDES, Sergio. Direito Processual Civil: estudos e pareces: 3ª série. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 26/31.

MARTINS, Pedro A. Batista. Da Ausência de Poderes Coercitivos e Cautelares do Árbitro in MARTINS, Pedro A. Batista, CARMONA, Carlos Alberto & LEMES, Selma M. Ferreira, Aspectos Fundamentais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 357/382.

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aula 16. Nulidade do laudo arbitral: ação de Nulidade (art. 32) e embargos de devedor

A Lei de Arbitragem prevê dois meios para a parte requerer a nulidade da senten-ça arbitral. A primeira se dá por meio da propositura de ação de nulidade prevista no art. 32. A segunda é através da apresentação de embargos de devedor à execução da sentença arbitral, proposta pelo credor.

Após a entrada em vigor da Lei nº 9.307/96, houve uma grande discussão sobre as ações de nulidade da sentença arbitral. O art. 33 prevê o prazo decadencial de 90 dias para a propositura da ação de nulidade prevista no art. 32. Ocorre que o credor pode iniciar a execução da sentença arbitral após o decurso deste prazo, o que tornaria o prazo decadencial inócuo, se a parte devedora pudesse, a qualquer tempo, mesmo após o decurso do prazo de 90 dias, argüir em embargos de devedor as matérias listadas no art. 32 da Lei de Arbitragem.

A doutrina majoritária acabou se firmando no sentido de que, de acordo com a interpretação sistemática da Lei de Arbitragem, as matérias listadas no art. 32 da Lei de Arbitragem somente poderiam ser argüidas em embargos de devedor se estes fossem apresentados dentro do prazo decadencial de 90 dias estabelecido para a ação de nulidade:

“Não proposta a demanda anulatória no prazo legal, resta ainda ao vencido outra possibilidade – limitada, é verdade – de impugnar a sentença arbitral (desde que condenatória): havendo execução, restará aberta ao vencido a via dos embargos do devedor, onde poderá este agarrar-se a alguma das matérias do art. 741 do Código de Processo Civil com o fito de livrar-se do processo de execução. Retifico, nesta segun-da edição dos Comentários à Lei de Arbitragem, a opinião que emiti em 1998 no sentido de que as matérias do art. 32 da Lei somar-se-iam àquelas estabelecidas no art. 741 do Código de Processo Civil, o que ampliaria, consideravelmente os temas sobre os quais poderia versar a defesa do credor, o que estimularia a inércia da parte vencida na arbitragem quando a decisão dependesse de execução civil.

De fato, não parece conveniente estimular o estado de incerteza em que cai-riam as partes com a possibilidade, em sede de sentenças arbitrais condenatórias, de somarem-se os motivos de nulidade. Se o objetivo da Lei foi – e de fato foi! – o de estabelecer um prazo peremptório para ataque ao laudo arbitral, não parece conve-niente, para dizer o mínimo, interpretar de modo extensivo e isolado o § 3º do art. 33. Uma visão sistemática do tema sugere, portanto, nova reflexão para admitir que as hipóteses do art. 32 não se misturam e não se confundem com as do art. 741 do Código de Processo Civil.

Fixadas estas premissas, duas são as hipóteses contempladas pelo legislador: a pri-meira diz respeito à possibilidade de cumulação de motivos de nulidade em sede de embargos, desde que o embargante oponha a defesa dentro do prazo de 90 (noventa) dias a contar da notificação da sentença arbitral; a segunda hipótese refere-se ao manejo dos embargos após o prazo decadencial de 90 dias previsto na Lei de Arbitragem”43.

43 Carmona, Carlos alberto. arbitragem e Processo – Um Comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Ed. atlas S.a., 2004, 2ª edição, p. 344 e 345.

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“A parte que tiver interesse na decretação da nulidade da sentença arbitral poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente que o faça, desde que ocorrente um dos casos previstos na Lei de Arbitragem, e que vêm elencados no seu art. 32 (art. 33, caput, LA), seguindo o feito o procedimento comum (sumário ou ordinário).

A ação de nulidade deve ser proposta no prazo de até noventa dias, após o recebi-mento da notificação da sentença arbitral, ou de seu aditamento (art. 33, § 1º, LA). A lei fala em ‘notificação’, embora o mais técnico fosse ‘intimação’.

(…)Da mesma forma que não pode a parte na Justiça estatal, em vez de apelar da

sentença judicial por vícios que comprometam a sua validade, relegar para o momen-to dos embargos do devedor, discussões que deveriam ter lugar em grau de recurso, também não pode, na Justiça arbitral, em vez de propor ação de nulidade por vícios que possam comprometer a validade da sentença arbitral, protrair para o momento dos embargos do devedor discussões que deveriam ocorrer naquela oportunidade.

Equivocada, portanto, a doutrina quando entende que existem duas portas aber-tas à parte sucumbente para impugnar a sentença arbitral (através da ação de nulida-de ou dos embargos do devedor), porque, na verdade, cada uma dessas portas possui uma dimensão própria, só permitindo a passagem por eles, no momento próprio, de determinadas matérias.

Portanto, a primeira regra a ser observada é a seguinte: a) a ação de nulidade comporta, discussão somente da matéria constante do art. 32 da Lei de Arbitragem; b) os embargos do devedor comportam discussão apenas da constante do art. 741 do Código de Processo Civil.

(…)Cada uma dessas ações – ação de nulidade e ação de embargos do devedor – tem

seus próprios fundamentos, não podendo a parte vencedora deixar ocorrer a preclu-são do prazo para a propositura da ação de nulidade do art. 33, § 1º, da Lei de Arbi-tragem, por um dos motivos do art. 32, I a VIII, para depois, quando da execução, pretender fazê-lo, valendo-se do disposto no art. 33, § 3º, da Lei de Arbitragem, que tem os seus motivos no art. 741 do Código de Processo Civil.

Assim não pensa Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, para quem o legislador, atra-vés da ação de nulidade são inteiramente diversos dos fundamentos dos embargos do devedor, só admitindo a Lei de Arbitragem sejam alegados os próprios àquela por ocasião destes, se a sentença arbitral vier a ser executada antes do decurso do prazo de noventa dias referido no § 1º do art. 33.

Não apenas as hipóteses previstas no art. 32 da Lei de Arbitragem sujeitam a sentença à nulidade, pois, nos termos do § 2º do art. 20 dessa mesma Lei, não aco-lhidas a argüição de suspeição ou impedimento, também estas questões serão objeto de reexame pelo Poder Judiciário, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33. Na verdade, qualquer questão que tiver sido objeto de decisão incidental do árbitro pode, por não comportar impugnação imediata, ser objeto de reexame por ocasião da ação de nulidade (v.g., a que declarou a competência; a que não conheceu a invalidade da convenção, a falta de contraditório ou cerceamento de defesa), e conduzir á nulidade desta”44.

44 alvim, J. E. Carreira. tratado Geral da arbitragem. belo hori-zonte: Ed. mandamentos, 2000, p. 408, 409, 413 e 414.

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Além dessa discussão, o sistema criado pela Lei de Arbitragem gerava situação curiosa. Iniciada a execução da sentença arbitral e oferecidos os embargos à execu-ção dentro do prazo de 90 dias, o devedor, exeqüendo, poderia argüir nos embargos todas as matérias listadas no art. 32 da Lei de Arbitragem, sendo que esses embargos suspenderiam a execução.

Entretanto, se a parte credora esperasse o decurso do prazo de 90 dias para pro-positura da execução e o devedor, para evitar a decadência, tivesse que propor a ação de nulidade, esta ação, cujo objeto poderia ser rigorosamente idêntico ao de eventu-ais embargos, não suspenderia a execução que viesse a ser interposta pelo credor.

Com a recente reforma do CPC, que acabou com o processo de execução de título executivo judicial, transformando-o em fase de cumprimento de sentença (Lei nº 11.232/05), esse problema desapareceu, tendo em vista que os embargos de devedor, em geral, não suspendem mais a execução.

CASO

A e B celebraram contrato com cláusula compomissória, determinando, como permitido pelo art. 5º da Lei nº 9.307/96, que a arbitragem seria instituída e pro-cessada de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional. O art. 24 do mencionado regulamento estabelece o seguinte:

“O prazo para o Tribunal Arbitral proferir o Laudo final é de seis meses. Este prazo começará a contar a partir da data da última assinatura aposta pelo Tribunal Arbitral ou pelas partes na Ata de Missão ou, no caso previsto no artigo 18(3), a partir da notificação pela Secretaria ao Tribunal Arbitral da aprovação da Ata de Missão pela Corte.”

A Corte poderá prorrogar este prazo, atendendo a um pedido justificado do Tri-bunal Arbitral ou por iniciativa própria, se julgar necessário fazê-lo.”

Decorrido o prazo de 6 meses da instauração da arbitragem, a parte ré encami-nhou ao tribunal arbitral notificação informando o decurso do prazo estabelecido no art. 23 da Lei nº 9.307/96 (seis meses) para julgamento do caso e requerendo, na forma do art. 12, III daquela lei, a prolação de sentença no prazo de 10 dias.

O Tribunal Arbitral comunicou às partes que o prazo previsto no art. 23 da Lei de Arbitragem não era aplicável, porque a cláusula compromissória determina que a arbitragem seria instituída e processada de acordo com o Regulamento de Arbitra-gem da CCI, que autorizaria a prorrogação do prazo de 6 meses.

Proferida a sentença, a parte ré propôs ação anulatória da sentença arbitral. O que deve o juiz fazer?

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BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da Sentença Arbitral e de seu Con-trole Jurisdicional in MARTINS, Pedro A. Batista & GARCEZ, José Maria Rossani (coord.), Reflexões Sobre Arbitragem: in memoriam do Desembar-gador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, pp. 327/343.

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aula 17. execução das seNteNças arbitrais

O art. 18 da Lei de Arbitragem equipara o árbitro ao juiz: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologa-ção pelo Poder Judiciário.” Já o art. 31 estabelece que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos ór-gãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui titulo executivo.”

A Lei de Arbitragem, entretanto, dá tratamento diferenciado para as arbitragens domésticas, com sede no território nacional, e para as internacionais, cujas sedes são no exterior. Enquanto a sentença proferida em arbitragem doméstica tem força de título executivo judicial, a proferida em arbitragem internacional depende de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça para ser executada no Brasil (art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de confor-midade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei).

No ano de 2002, portanto, após a entrada em vigor da Lei de Arbitragem, o Brasil ratificou a Convenção de Nova Iorque que trata da execução de sentenças arbitrais. Um dos dispositivos deste tratado estabelece que os países signatários se comprometem a não impor ônus à execução de sentenças arbitrais estrangeiras su-periores aos impostos às sentenças arbitrais domésticas.

Alguns doutrinadores chegaram a sustentar que, devido à ratificação da Conven-ção de Nova Iorque, não seria mais necessária a homologação das sentenças arbitrais estrangeiros pelo Supremo Tribunal Federal, competência transferida para o Supe-rior Tribunal de Justiça com a Emenda nº 45 da Constituição Federal.

Questão de auto-monitoramento: considerando que a Constituição Federal es-tabelece a competência do Superior Tribunal de Justiça para homologar as sentenças estrangeiras (art. 105, I, i), é correto afirmar que a Convenção de Nova Iorque dispen-saria a homologação de sentenças proferidas em arbitragens com sede no exterior?

No tocante às sentenças arbitrais domésticas, a homologação é desnecessária, cabendo, diretamente, o que sempre se chamou se execução de sentença, na forma prevista no CPC.

Recentemente, o Código de Processo Civil sofreu diversas alterações, especial-mente no que diz respeito ao processo de execução de sentença, que deixou de ser um processo independente, passando a ser uma mera fase do processo de conheci-mento, chamada de “cumprimento de sentença”.

Sendo a sentença arbitral um título executivo judicial (art. 475-N, IV, do CPC), essa alteração, sem dúvida afetará a arbitragem, suscitando diversas dúvidas. A pri-meira delas diz respeito à necessidade de citação pessoal do devedor, o que não é necessário na fase de cumprimento de sentença proferida por juiz togado, pois, neste caso, o processo já está instaurado e já há advogado constituído nos autos, na pessoa de quem será feita a citação.

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Outra questão a ser examinada é a multa estabelecida no art. 475-J do Código de Processo Civil. Determina o dispositivo que se o devedor não efetuar o pagamento do valor da condenação no prazo de 15 dias, incidirá multa de 10%. No caso da arbitragem, qual o termo a quo para a exigência desta multa?

O STJ se pronunciou sobre essa questão, determinando que o prazo de 15 para o pagamento espontâneo da condenação em sentença judicial inicia independen-temente de intimação pessoal (REsp 954.859). Caberia este mesmo entendimento para a arbitragem?

CASO

Instaurada arbitragem em Paris entra as empresas A e B, o tribunal arbitral con-denou a ré, empresa B, a pagar a quantia de R$ 100.000,00 a empresa A. A sentença arbitral foi proferida no dia 15 de maio de 2007, cabendo contra ela, única e exclu-sivamente, pedido de esclarecimento, no prazo de 5 dias do recebimento da notifi-cação da sentença. Caso nenhuma das partes apresente o pedido de esclarecimento, qual o termo a quo para contagem do prazo previsto no art. 475 J do CPC?

BIBLIOGrAfIA OBrIGATórIA

SOUZA JR., Lauro da Gama e. Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbi-trais Estrangeiras in CASELLA, Paulo B. (coord.) Arbitragem: lei brasileira e praxe internacional. São Paulo: LTr, 1999, 2ª edição, pp. 406/425.

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arbitraGEm E mEDiação

fabiaNo robaliNho cavalcaNtiadvogado. Sócio do Escritório de advocacia Sergio bermudes. bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do rio de Janeiro em 1997. mestre em Direi-to pela Universidade de harvard em 2000. membro da new York bar association desde 2001.

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ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Fernando PenteadoVICE-DIRETOR DA GRADUAÇÃO

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO

Luiz Roberto AyoubPROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO

Ronaldo LemosCOORDENADOR CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Wania TorresCOORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO