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1 PROF.: JEFTÉ CONTEÚDO PROGRAMÁTICO A Filosofia Grega 1. Sócrates. 2. Platão. 3. Aristóteles Razão Natural e Fé Cristã 1. A Patrística 2. Escolástica Teoria do Conhecimento dos seguintes autores 1. Descartes 2. Hume 3. Kant 4. Hegel 5. Edmund Husserl Filosofia Política 1. Clássica: Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau 2. Moderna e Contemporânea: Marx, Hegel e Foucault APOSTILA FILOSOFIA

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PROF.: JEFTÉ

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

A Filosofia Grega 1. Sócrates. 2. Platão. 3. Aristóteles Razão Natural e Fé Cristã 1. A Patrística 2. Escolástica Teoria do Conhecimento dos seguintes autores 1. Descartes 2. Hume 3. Kant 4. Hegel 5. Edmund Husserl Filosofia Política 1. Clássica: Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau 2. Moderna e Contemporânea: Marx, Hegel e Foucault

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AS ORIGENS DA FILOSOFIA

A Palavra “Filosofia”

A palavra filosofia é originalmente grega e é composta por outras duas: philos, que significa amor/amizade e sophia, que significa sabedoria; portanto, filosofia é amor pela sabedoria ou amizade pelo saber. Não um amor de quem já possui ou detém aquilo que ama, mas de quem ainda procura a sabedoria, que busca alcançar a verdade. A tradição nos apresenta o filósofo grego Pitágoras de Samos (Século VI-V a.C.) como o “inventor” do termo filosofia. Segundo o autor do famoso teorema matemático, a sabedoria plena só é possível aos deuses, mas aos homens devem desejá-la, tornando-se filósofos, amante do saber. A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la. Ter esses olhos é ser filósofo!

Mito e Filosofia

O homem grego foi, por séculos, educado pelo mito. A palavra mito vem do grego mythos, que significa contar, narrar algo a alguém. O mito é uma narração fabulosa de origem popular e não refletida, dotada de forte sentido simbólico e pedagógico, que tem por finalidade a explicação do mundo, da realidade que nos circunscreve. Admirado e amedrontado diante dos fenômenos que o cercam (sem entender o dia, a noite, a chuva, o terremoto, a origem do cosmos, a morte, o amor, entre outras coisas), o homem recorre aos mitos – primeira tentativa de situar-se no mundo – como fonte de explicação para o que vê, mas, como dissemos, já não compreende. Forças sobrenaturais são invocadas, deuses revestem-se de formas humanas (antropomorfismo) e se materializam nos mitos criados para desvendar o inefável. Em suma, o mito é desprovido daquilo que os gregos chamam de logos, isto é, de razão ou racionalidade; é uma intuição acrítica, pré-reflexiva de um espírito cientificamente primitivo, narrada por um poeta-rapsodo, que a tornava sagrada e, por isso, incontestável e inquestionável. No século VII a.C., na Jônia, região dominada pelos gregos, o comércio se intensificava, gerando riquezas que favoreceram importantes progressos materiais e culturais. Nesse ambiente de grandes transformações no modo de vida urbano, surgiram questões para as quais as explicações mitológicas soavam cada vez mais insuficientes. Foi nesse cenário que surgiram os filósofos pré-socráticos, assim chamados porque antecederam Sócrates, o primeiro dos três grandes filósofos da Grécia antiga. Os pré-socráticos são também conhecidos como filósofos da natureza, e essa primeira fase do pensamento grego é chamada naturalista (ou período cosmológico), já que a investigação filosófica é dirigida para o mundo exterior, para a natureza, onde se acreditava ser possível encontrar o princípio de todas as coisas, isto é, aquilo que está em todos os seres existentes, que é comum a tudo. Segundo os filósofos dessa época, esse princípio (arché) seria a chave para conhecer e explicar tudo o que existe no universo. O período cosmológico confunde-se com os primeiros passos da filosofia no Ocidente e se origina na necessidade intuída pelo homem de explicar de maneira racional – e, portanto, não mítica – a ordem do mundo e/ ou da natureza (physis, para os gregos). A cosmologia é, então, uma filosofia da natureza; daí os primeiros filósofos serem chamados de “físicos” – isto é, só diz respeito ao homem na medida em que ele é parte de um universo natural que o engloba e determina. Dos filósofos pré-socráticos, os mais notáveis são Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia.

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A FILOSOFIA GREGA

Sócrates

Sócrates no leito de morte, Jacques-Louis David, 1787

Tudo o que sabemos sobre a vida e o pensamento de Sócrates (470?-399 a.C.) é proveniente dos comentários dos filósofos que seguiram suas idéias, pois ele não deixou nenhum escrito. A figura de Sócrates era, com freqüência, associada à dos sofistas; contudo, o filósofo não vendia os seus ensinamentos – até porque afirmava não possuir nenhum: “Só sei que nada sei”, dizia Sócrates – e, ao contrário daqueles, buscava antes de tudo, a verdade e não a aparência do saber. Mas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo”, que estava gravada no pórtico do templo do deus Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates. Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, surpresos, percebendo que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e idéias. A filosofia socrática era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos eram constituídos, de modo geral, por dois momentos: a ironia e a maiêutica. No início do diálogo, Sócrates convida seu interlocutor a filosofar sobre determinado assunto, a buscar a verdade acerca daquilo sobre o que falam. Geralmente, o filósofo começa com uma pergunta do tipo: “O que é a justiça?”; é óbvio, caso o assunto fosse do diálogo fosse “justiça” e assim por diante. Ao receber as primeiras respostas, Sócrates passa a analisá-las para ver se ali encontra um conceito (definição) da coisa procurada. Aqui, ao perceber que é uma definição, inicia-se, então a ironia (refutação), que visa demonstrar àquela pessoa que o que ela pensava saber sobre determinado assunto é, na verdade, aparência de saber, opiniões subjetivas, e não a definição buscada. Na ironia, Sócrates atacava de modo implacável as respostas de seus interlocutores: com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições das afirmações e os novos problemas que surgiam como conseqüência de determinada resposta. Seu objetivo inicial era demolir o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. A ironia socrática tinha um caráter purificador, na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e verdades. Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente dito destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das conseqüências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos. Após ter reconhecido, o interlocutor estava apto para o segundo momento do diálogo: a maiêutica. Maiêutica é um termo de origem grega que significa “a arte de trazer à luz”, ou ainda “a arte de parturejar”. Sócrates dizia-se um parteiro de idéias e evocava a imagem de sua mãe – que era parteira – para, numa linguagem metafórica, explicar seu papel de filósofo. Na qualidade de filho de uma parteira, Sócrates, perito em partos, assiste ao parto dos espíritos, dos pensamentos que eles – os espíritos dos interlocutores – contêm sem o saber. Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos de Platão, e é bom lembrar que, no final do diálogo, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas ou não têm uma

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resposta precisa. Daí a razão pela qual alguns dos diálogos de Sócrates possuem um caráter aporético, insolúvel (aporia).

Platão

Detalhe de Platão, n'A Escola de Atenas, obra do renascentista Rafael.

Platão (428-347 a.C.) viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia. Um dos aspectos mais importantes de sua filosofia é a sua teoria das idéias – o termo “idéia” vem do grego eidos, que significa forma – que procura explicar como se desenvolve, ou deveria se desenvolver – o conhecimento humano. Vejamos, então, sua teoria do conhecimento. Para Platão, o processo do conhecimento se desenvolve por meio de uma passagem progressiva do mundo sensível – da realidade material, corpórea – para o mundo inteligível – lá onde as coisas são, isto é, onde tudo está enquanto essência imutável, imóvel, pura perfeição. Com efeito, a realidade sensível (dos sentidos), da qual, obviamente, fazemos parte, não nos oferece a possibilidade do verdadeiro conhecimento, uma vez que a matéria de que as coisas sensíveis foram feitas tornam tais coisas imperfeitas, mutáveis, corruptíveis e contingentes. O mundo material é contraditório e, por isto, dele só nos chegam as aparências das coisas e sobre eles temos tão-somente opiniões, nunca conhecimento. O mundo sensível não constitui a verdadeira realidade: é um pálido reflexo de uma realidade superior, de um mundo supra-físico. O mundo sensível, que desliza entre o Ser e o não-ser, só tem realidade na medida em que participa do mundo inteligível ou das idéias. As coisas materiais que nos rodeiam são como sombras das idéias, isto é, simulacros das suas formas primordiais e modelos eternos que habitam o supra-físico. Esses modelos eternos, segundo Platão, são incorpóreos e imutáveis. Embora Platão os chame também de “idéias”, eles não existem na mente humana, ao contrário, existem fora do sujeito e fora dos objetos, num plano que o filósofo denomina “Hiperurânio”; um plano metafísico ao qual se tem acesso apenas pelo pensamento. Quando vemos uma mesa, por exemplo, ela pode mudar de cor, envelhecer, se estragar; contudo, a essência da mesa permanece sempre a mesma, em qualquer época ou lugar é sempre a “idéia” de mesa. Sobre a essência de mesa se faz conhecimento, mas, sobre a mesa material, tudo o que temos é mera opinião (doxa) e aparência. Assim, todo o nosso esforço deve ser concentrado na tentativa de acessarmos o mundo das idéias para transcendermos esse mundo de devir, vir-a-ser (como demonstrou o filósofo Heráclito). Portanto, o conhecimento verdadeiro deve, para Platão, ultrapassar a esfera das impressões sensoriais (mundo sensível) e penetrar na esfera racional do mundo das idéias. Ora, de acordo com Platão, a dialética é, por excelência, o conhecimento verdadeiro, o método filosófico que pode nos levar, num processo ascendente, da realidade sensível – da crença e da opinião – para o plano supra-físico – das idéias e essências. A dialética promove uma espécie de separação da alma inteligível com o corpo físico, fazendo com que a alma capte, num plano superior, as coisas totais e perfeitas: a bondade em si, a coragem em si, a sabedoria em si, entre outros. Vale ressaltar que para estar apto a fazer a dialética, o indivíduo deve obedecer a uma fortíssima preparação que vai, em estágios, escolhendo aqueles que tem o espírito mais preparado para encontrar as formas ideais. Deste modo, não são todos que possuem a natureza adequada à dialética; ela está reservada aos que Platão chama de aristoi: os melhores.

A teoria da Reminiscência

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Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das idéias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a “lembrar-se” das idéias e descobre uma verdade geométrica.

Política: a função do filósofo

Para compreender o aspecto político da teoria platônica das idéias, é necessário fazer uma analogia com o mito da caverna, segundo o qual os homens viviam, desde a infância, acorrentados no interior de uma caverna, aonde só conheciam sombras do real. O prisioneiro que se libertou das correntes (isto é, o filósofo), ao sair da caverna e contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los. Eis assim a dimensão política do mito da caverna, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Portanto, para que o Estado seja bem governado, é preciso que “os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos”. Platão propõe um modelo aristocrático de poder. No entanto, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma sofocracia (governo dos sábios).

Aristóteles

Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu na cidade grega de Estagira, daí também ser chamado de “o estagirita”. Seu pai era médico e pertencia a uma família em que os homens, ao longo das gerações, tradicionalmente professavam a medicina. Aos 17 anos, mudou-se para Atenas onde, durante vinte anos, freqüentou a Academia de Platão, de lá só saindo quando o mestre morreu. Aristóteles retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar os enganos da opinião e de compreender a natureza do devir. Mas ao analisar a oposição entre o mundo sensível e o inteligível segundo a tradição de Heráclito, Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica pormenorizadamente o mundo “separado” das idéias platônicas. A teoria aristotélica se baseia em três distinções fundamentais, que passamos a descrever simplificadamente: substância-essência-acidente; ato-potência; forma-matéria, que por sua vez desembocam na teoria das quatro causas. Todos esses conceitos são desenvolvidos na sua Metafísica ou Filosofia Primeira. Aristóteles “traz as idéias do céu à terra”: rejeita o mundo das idéias de Platão, fundindo o mundo sensível e o inteligível no conceito de substância, enquanto “aquilo que é em si mesmo”, ou enquanto suporte dos atributos. Ora, quando dizemos algo de uma substância, podemos nos referir a atributos que lhe convêm de tal forma que, se lhe faltassem, a substância não seria o que é. Designamos esses atributos de essência propriamente dita, e chamamos de acidente o atributo que a substância pode ter ou não,

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sem deixar de ser o que é. Então, a substância individual “este homem” tem como características essenciais os atributos pelos quais este homem é homem (Aristóteles diria, a essência do homem é a racionalidade) e outros, acidentais (como ser gordo, velho ou belo), atributos esses que não mudam o ser do homem em si. No entanto, o problema das transformações dos seres ainda não se resolve com os conceitos de essência e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções de forma e matéria. Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”, o que não coincide exatamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação. Forma é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”. Todo ser é constituído de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria (que nesse caso é a matéria segunda, pois já tem alguma determinação) é o mármore; a forma é a idéia que o escultor realiza na estátua. É através da noção de matéria e forma que se explica o devir. Todo ser tende a tornar atual a forma que tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência. Percebe-se aí o recurso aos dois outros conceitos, de ato e potência, que explicam como dois seres diferentes podem entrar em relação, agindo um sobre o outro. O conceito de potência não deve ser confundido com força, mas sim com a ausência de perfeição em um ser capaz de vir a possui-la. Pois uma potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa e, para tal, é preciso que sofra a ação de outro ser já em ato. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em ato. Potência é, portanto, o que está contido numa matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa; por exemplo, a criança é um adulto em potência. O ato, por sua vez, é a atualidade de uma matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que atualizou uma potência contida numa matéria. Por exemplo, a árvore é o ato da semente. Potência e matéria são idênticos, assim como forma e ato são idênticos. A matéria ou potência é uma realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é, da atividade que cria os seres determinados. O movimento é, pois, a passagem da potência para o ato. O movimento é “o ato de um ser em potência enquanto tal”, é a potência se atualizando. Tais considerações levam à distinção dos diversos tipos de movimento e às causas do movimento ou teoria das quatro causas: as mudanças derivam da causa material, da causa formal, da causa eficiente e da causa final. A causa material (ou matéria) é “aquilo de que é feita” uma coisa; por exemplo, a matéria dos animais são a carne e os ossos; a matéria da esfera é o bronze, da taça é o ouro, da casa são os tijolos e cimento, e assim por diante. A causa eficiente (ou motora) é aquilo que promove a mudança e o movimento das coisas; por exemplo, os pais são causa eficiente dos filhos, a vontade é a causa eficiente de várias ações do homem, e assim por diante. A causa formal é, como dissemos, a forma ou essência das coisas, a configuração dada a determinada matéria pela ação da causa eficiente. Causa forma torna a coisa cognoscível. A causa final ou teleológica constitui o fim ou objetivo das coisas e das ações; ela constitui aquilo em vista de que ou em função de que cada coisa é ou advém; e isso, diz Aristóteles, é o bem de cada coisa. Mesmo ainda considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar, Aristóteles pôde superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e a mudança, o acidental e o essencial, o individual e o universal. Se conhecer é lidar com conceitos universais, é também aplicar esses conceitos a cada coisa individual. Com isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser, nem criar o mundo das essências imutáveis.

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Exercícios 01. A palavra Filosofia é resultado da composição em grego de duas outras: philo e sophia. A partir do sentido desta composição e das características históricas que tornaram possível, na Grécia, o uso de tal palavra, pode-se afirmar que a) Sólon, mesmo sendo legislador, pode ser incluído na lista dos filósofos, visto que ele era dotado de um saber prático. b) a palavra, atribuída primeiramente a Parmênides, indica a posse de um saber divino e pleno, tornando os homens verdadeiros deuses. c) a filosofia, como quer Aristóteles, é um saber técnico, possibilitando, pela posse ou não de uma habilidade, tornar alguns homens os melhores. d) a filosofia, na definição de Pitágoras, indica que o homem não possui um saber, mas o deseja, procurando a verdade por meio da observação. 02. No poema Teogonia, as Musas aparecem ao poeta Hesíodo e dizem-lhe o seguinte: “sabemos dizer muitas mentiras semelhantes aos fatos e sabemos, se queremos, dar a ouvir verdades” (vv. 25-6) Com base neste trecho é correto afirmar: I. A Filosofia assemelha-se ao mito por entender que a verdade baseia-se na autoridade de quem a diz. II. No mito, há espaço para contradições e incoerências, pois a verdade nele se estabelece em um plano diverso daquele em que atua a racionalidade humana. III. O mito entende que a verdade é, por um lado, uma conformidade com alguns princípios lógicos e, por outro, a verdade deve ser dita em conformidade com o real. IV. A crença e a confiança no mito provêm da autoridade religiosa do poeta que o narra. a) I e III são corretas. b) II e III são corretas. c) II e IV são corretas. d) III e IV são corretas. 03. A respeito do nascimento da filosofia no mundo grego, assinale a ÚNICA alternativa incorreta: a) A filosofia está intimamente ligada à cosmologia, tentando oferecer uma explicação racional para a origem e a ordem do mundo. b) A filosofia, como continuidade da tradição helênica dava uma nova dimensão para o mito, inaugurando uma nova maneira de explicar os conflitos e as tensões sociais, conservando a base mítica. c) A filosofia inicialmente na Grécia antiga, como o resultado do contato entre povos antigos e a herança recebida de outras civilizações. d) A filosofia nasceu no contexto da pólis e da experiência de um discurso (logos) público pautado pelo diálogo. 04. Sócrates é tradicionalmente considerado como um marco divisório da filosofia grega. Os filósofos que o antecederam são chamados pré-socráticos. Seu método, que parte do pressuposto "só sei que nada sei", é a maiêutica que tem como objetivo: I. "dar luz a idéias novas, buscando o conceito". II. partir da ironia, reconhecendo a ignorância até chegar ao conhecimento. III. encontrar as contradições das idéias para concluir pela impossibilidade de qualquer conhecimento. IV. "trazer as idéias do céu à terra". Assinale a) se apenas I e II estiverem corretas. b) se apenas I e III estiverem corretas. c) se apenas II, III e IV estiverem corretas. d) se apenas III e IV estiverem corretas. e) se apenas I e IV estiverem corretas.

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FILOSOFIA MEDIEVAL Nesse período, a Igreja Católica Apostólica Romana exerceu ampla influência, traçando um quadro intelectual em que a fé cristã se tornou o pressuposto ou condição necessária à aquisição do conhecimento. Em que consistia essa fé? Consistia na crença irrestrita ou na adesão incondicional às verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades expressas nas Sagradas Escrituras e interpretadas segundo a autoridade da Igreja. A filosofia e os filósofos desse contexto, em sua grande maioria, não estavam preocupados em buscar a verdade, pois esta já teria sido revelada por Deus. Restava-lhes apenas demonstrar racionalmente as verdades da fé cristã.

Principais períodos da filosofia medieval A patrística Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros séculos, elaborada pelos Padres da Igreja e pelo escritores escolásticos. Consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos "pagãos" e contra as heresias. Quando o Cristianismo, para defender-se de ataques polêmicos, teve de esclarecer os próprios pressupostos, apresentou-se como a expressão terminada da verdade que a filosofia grega havia buscado, mas não tinha sido capaz de encontrar plenamente, enquanto a Verdade mesma não tinha ainda se manifestado aos homens, ou seja, enquanto o próprio Deus não havia ainda encarnado, não existia ainda o Senhor. De um lado se procura interpretar o Cristianismo mediante conceitos tomados da filosofia grega, do outro reporta-se ao significado que esta última dá ao Cristianismo. Sendo considerado como a figura mais importante dessa corrente de pensamento o cristão Santo Agostinho. Influenciado por Platão, ele afirmava que sem a fé a razão torna-se incapaz de promover a salvação e a felicidade do homem. A patrística divide-se geralmente em três períodos:

até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres apologistas, São Justino Mártir).

até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino).

até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio). O legado da Patrística foi passada à Escolástica. A escolástica A Escolástica é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. Esta linha vai do começo do século IX até ao fim do século XVI, ou seja, até ao fim da Idade Média. Este pensamento cristão deve o seu nome às artes ensinadas na altura pelos escolásticos nas escolas medievais. Estas artes podiam ser divididas em trivio (gramática, retórica e dialética) ou quadrívio (aritmética, geometria, astronomia e música). A Filosofia que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos sofreu influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filosofia de Aristóteles no pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente. Basicamente, a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho, mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé. Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

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Exercícios

1. A patrística (séculos II ao V d.C.) é movimento intelectual dos primeiros padres da Igreja, destinado a justificar a fé cristã, tendo em vista a conversão dos pagãos. Sobre a Patrística pode-se afirmar, com certeza: I. assume criticamente elementos da filosofia platônica na tentativa de melhor fundamentar a doutrina cristã. II. considera que as verdades da razão estão sempre em contradição com as verdades reveladas por Deus. III. incorpora as teses da metafísica aristotélica para fundar uma teologia estritamente racionalista. IV. considera a razão como auxiliar da fé e a ela subordinada, tal como expressa a frase de Santo Agostinho “creio para compreender.” a) II e IV são corretas. b) I e IV são corretas. c) III e IV são corretas. d) Apenas II é correta. 2. A Escolástica é o período da filosofia cristã da Idade Média, que vai do século IX ao século XIV. Sobre a Escolástica é correto afirmar, EXCETO a) no século XIII, servindo-se das traduções das obras de Aristóteles, que foram feitas diretamente do grego, Tomás de Aquino realizou a síntese magistral entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. b) A fundação das universidades, já no século XI, permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente guardada nos mosteiros, e a fermentação de idéias que culminaria nos grandes sistemas filosóficos e teológicos do século XIII. c) No século XII, a Igreja condenou o pensamento platônico, principalmente na sua versão árabe, porque os teólogos perceberam um ateísmo intrínseco na forma de argumentação dialética da personagem Sócrates. d) No século XIV surgiram pensadores, tais como Guilherme de Ockham, que criticaram a filosofia tomista pelo seu caráter substancialista; isto abriu perspectivas fecundas para o advento da ciência moderna.

Gabarito

1. B 2. C

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FILOSOFIA MODERNA

A Questão do Conhecimento

O Racionalismo

Em filosofia, denominam-se racionalistas as doutrinas que buscam explicar o processo de conhecimento colocando ênfase no papel da razão. A teoria da reminiscência de Platão é um exemplo da teoria racionalista: segundo ela, já nascemos com as idéias verdadeiras, mas, como as esquecemos, a filosofia nos faz recordar dessas verdades. O filósofo grego também dizia que o conhecimento obtido com os números e suas relações é mais seguro que aquele resultante dos sentidos (visão, audição, etc.). De modo semelhante, o racionalismo desenvolvido pela maioria das filosofias do século XVII afirmará que todo conhecimento certo provém de princípios a priori (anteriores à experiência), indiscutíveis e evidentes para a razão, como, por exemplo, o princípio de não-contradição (“A não pode ser não-A” ou “o quadrado não pode ter três lados”). Esse racionalismo também considerava que os sentidos são uma fonte confusa, obscura e provisória de verdade, o que relegará a experiência sensível (dos sentidos) a um segundo plano, como fonte de conhecimento. Caracteriza-se, assim, um dos pólos de discussão fundamental na história da filosofia, aquela que trata das origens do conhecimento. A resposta racionalista será dada fundamentalmente por Descartes. O outro pólo, o empirista (do grego empeiria, “experiência”), será representado pelos filósofos ingleses que estudaremos mais adiante, tendo como destaque a filosofia de David Hume.

René Descartes: o método e suas regras

“A faculdade de julgar bem e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente aquilo que se chama bom senso ou razão, é, naturalmente, igual em todos os homens.” (Descartes).

René Descartes definira para si a missão de construir um sistema filosófico completo, isto é, ele pretendia unificar a filosofia, o que era quase uma redundância, pois para ele a filosofia verificava “um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta de sua vida como para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”. Em Princípios da Filosofia, o filósofo representa a unificação do conhecimento por meio da imagem da “árvore do saber”, na qual as raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos são a mecânica, a medicina e a moral. A metafísica tem, portanto, papel fundamental: é ela a base sobre a qual se

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sustentam todas as outras ciências. Por sua vez, a posição da física na árvore do saber revela a visão mecanicista do filósofo em relação à realidade, uma vez que a física era o tronco do qual sairiam as demais ciências. Isso significa que a mecânica, moral e medicina serão explicadas tendo por base os corpos e seus movimentos. Note-se que a teologia está fora do projeto cartesiano, marcando definitivamente a separação entre ciência e religião. A possibilidade de unificar o conhecimento, isto é, de construir uma ciência universal, dependeria de se encontrar o fundamento comum a todas as ciências particulares. Esse fundamento comum será a mathesis universalis, ou matemática universal. Desde cedo Descartes se aplicara intensamente ao estudo das matemáticas e, entusiasmado com os resultados que obtivera, acreditara ser possível transferir seu instrumental a outras áreas do saber. Não foi por acaso que isso aconteceu. Ele se utilizou da concepção da nova física proposta por Galileu (1564-1642), que dizia que a natureza está escrita em linguagem matemática. Assim, Descartes construirá seu método de investigação calcado no modelo matemático de demonstração. E por que o modelo matemático parecia tão bom? Descartes percebeu haver nas matemáticas aquilo que queria encontrar no mundo: verdades absolutas e incontestáveis. Como o filósofo justificou, em suas correspondências com intelectuais, que as demonstrações matemáticas eram evidentes ao intelecto, ou seja, livres de contradição; seu poder de persuasão “vem de uma razão tão forte que nenhuma mais forte jamais pode abalá-la”. Por exemplo, um triângulo sempre terá três lados e a soma de seus ângulos internos nunca deixará de ser 180 graus. Se alguém disser o contrário, já não estaremos mias falando de um triângulo e sim de alguma outra coisa. Para alcançar essa certeza que só as matemáticas têm, Descartes adotou em seu método filosófico o mesmo procedimento lógico-demonstrativo da geometria analítica. Isso porque ele acreditava na existência de uma ordem natural inerente (isto é, por natureza, inseparavelmente ligada) à estrutura do conhecimento e que essa ordem fosse semelhante à progressão matemática, na qual “quando se têm os dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os outros”. Ele recomendaria, aliás, a prática de exercícios de geometria ou de aritmética como forma de cultivar no espírito os princípios de seu método. Mas, se a matemática é o fundamento comum a todas as ciências, por que ela não faz parte da árvore do saber? Porque, sendo apenas um meio, um exercício, ela fornecerá apenas um método. O método cartesiano (adjetivo que deriva de Cartesius, forma latina do nome Descartes) encontra-se detalhadamente apresentado em sua obra Regras para a direção do espírito, composta de 21 regras. Em Discurso do método, Descartes sintetiza esse método por meio de quatro preceitos ou regras que prescreve para si e que não devem ser jamais esquecidos na busca do conhecimento verdadeiro: O primeiro é o de jamais acolher coisa alguma como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal (regra da evidência); isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente ao meus espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las (regra da análise). O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros (regra da síntese). E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada omitir (regra da enumeração).

Da dúvida metódica ao Cogito

O ponto de partida do racionalismo de Descartes foi, como vimos acima, a procura de um método, isto é, uma base ou caminho seguro que garantisse a verdade de um raciocínio. O método escolhido por ele foi o matemático, pois a matemática é o exemplo de conhecimento integralmente racional. Descartes afirmava que, para conhecer a verdade, é preciso, de início, colocar todos os nossos conhecimentos em dúvida. É necessário questionar tudo e analisar, criteriosamente, se existe algo na realidade de que possamos ter plena certeza.

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Primeiro, ele coloca em dúvida tudo aquilo que se conhece pelos sentidos, apesar desse conhecimento parecer “o mais verdadeiro e seguro”, pois se os sentidos já nos enganaram algumas vezes nada nos garante que eles não estejam nos enganando de novo. Por exemplo: um gato que, à luz do crepúsculo, vemos como pardo, durante o dia se revela de outra cor. Depois, destrói as certezas mais difíceis de se duvidar, como as que temos sobre ser alguém (uma menina, um homem, etc.), ter algo (um livro, um cachorro, etc.), estar num lugar fazendo alguma coisa, pois podemos estar sonhando. Quantas vezes não tivemos um sonho tão vívido que nos parecia real? Em seguida, para destruir as certezas matemáticas, como a de que dois mais três é igual a cinco, Descartes supõe que Deus, todo-poderoso, por algum motivo queira nos enganar toda vez que realizamos essa adição ou que tenhamos qualquer outra certeza de mesma natureza. Por último, reforçando o argumento do Deus enganador, imagina a existência de um gênio maligno, que se diverte em enganar pessoas. Mergulhado em tantas dúvidas, Descartes tem uma intuição: ele nota com clareza que duvida e, se duvida, pensa. Não importa se o que ele pensa é um pensamento verdadeiro, não importa que ele não tenha certeza; existe, porém, a consciência de que pensa. Então formula em latim, “Cogito, ergo sum”, que significa “Penso, logo existo”. Trata-se da primeira certeza, do ponto fixo procurado, momento fundamental da reflexo cartesiana. Descartes obtém o primeiro princípio da filosofia que procurava, e que ficou conhecido simplesmente como Cogito. Ele percebeu com clareza e distinção (seu critério para saber se algo é verdadeiro) que é uma res cogitans, isto é, uma “coisa que pensa”, um ser ou substância pensante.

Para Descartes, esse “penso, logo existo” (o Cogito) seria uma verdade absolutamente firme e segura que, por isso mesmo, deveria ser adotada como princípio básico de toda a sua filosofia. Do Cogito cartesiano, podemos extrair uma importante conseqüência: o pensamento (consciência) é algo mais certo que a própria matéria corporal. Baseando-se neste princípio, a filosofia de Descartes assumiu uma tendência racionalista, ou seja, uma tendência a valorizar a atividade do sujeito pensante em relação ao objeto pensado. Em outras palavras, uma tendência a ressaltar a prevalência da consciência subjetiva (razão) sobre o ser objetivo (realidade externa ao sujeito).

Ao afirmar que o verdadeiro conhecimento das coisas externas deveria ser conseguido através do trabalho lógico da mente, Descartes exaltava o conhecimento matemático, afirmando que somente os matemáticos poderiam compreender e explicar a realidade de forma puramente racional. De fato, o conhecimento matemático, com suas noções de grandeza, perfeição, infinito etc. não resultam de uma experiência sensorial; são idéias inatas (já nascem conosco), através das quais podemos, segundo Descartes, explicar precisamente a realidade. Com efeito, os físicos contemporâneos de Descartes, como Galileu e, posteriormente, Newton, demonstravam as verdades dos fenômenos físicos à luz dos conceitos matemáticos.

Os tipos de idéias Para Descartes, as sensações produzem em nossas mentes as idéias adventícias. Por exemplo, vemos um objeto branco e, a partir desta visão, temos a idéia de branco em nossa mente. Quando associamos as idéias adventícias umas com as outras, podemos criar, a partir de nossa fantasia ou imaginação, as idéias fictícias. Por exemplo, ao associarmos a idéia de um ser humano com as asas de um pássaro, criamos a idéia de um anjo, ser inexistente do ponto de vista material. Para Descartes, tanto as idéias adventícias quanto as fictícias não são garantia para o conhecimento, pois não são evidentes ou indubitáveis. Somente as idéias inatas são a fonte segura do conhecimento, pois não provêm de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. As idéias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, as idéias da perfeição e do infinito e as idéias da matemática. O Empirismo Pode-se dizer que o pensamento do século XVII caracterizou-se fundamentalmente por ser metafísico e racionalista, enquanto no século XVIII ele apresentaria uma tendência mais

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epistemológica – isto é, de investigação sobre como as idéias se formam na mente humana e como as pessoas podem obter conhecimento verdadeiro das coisas – e empirista – ou seja, que enfatiza o papel da experiência (metodologicamente orientada) no processo de formação das idéias e do conhecimento. O empirismo não nasceu no século XVII. Da mesma forma que o racionalismo teve suas origens nas idéias platônicas, o empirismo remonta ao pensamento de Aristóteles. Foi do pensador grego a idéia que sintetiza todo o ideal empirista: “não há nada no intelecto que não tenha estado antes nos sentidos”. Em outras palavras, tudo o que pensamos ou imaginamos se baseia em dados colhidos pelos nossos sentidos, em sensações, naquilo que já vimos, ouvimos, tocamos. Por isso, os empiristas não acreditam que o homem possua idéias inatas, isto é, que nascem conosco. Para eles, a mente humana é um recipiente pronto para ser preenchido com aquilo que nossos sentidos captarem do mundo exterior. Desse modo todas as nossas idéias vão sendo criadas conforme vivemos e vamos experimentando as coisas. Os empiristas também tomam a experiência como guia e critério para conhecer a verdade de uma afirmação, pois, de acordo com essa visão, não há como provar a verdade de uma idéia se não pudermos confrontá-la com algo já experimentado. Assim, palavras como “essência” seriam vazias de sentido, pois não podemos ter uma percepção sensível do que seja uma essência. Os empiristas criticavam idéias filosóficas baseadas em conceitos excessivamente abstratos, intangíveis, como os metafísicos, e pretendiam, enfim, construir uma filosofia válida a partir de noções que o homem pudesse conhecer e comprovar com seus próprios sentidos. Isso promoverá um grande avanço em muitos campos do conhecimento, instaurando definitivamente as bases da ciência moderna. David Hume

Hume sintetizou exemplarmente as noções centrais do empirismo, já apresentadas, e levou às últimas conseqüências o programa empirista de não admitir hipóteses que não possam ser experimentadas pelos sentidos. Para investigar a origem das idéias e como elas se formam, Hume parte, como a maioria dos filósofos empiristas, do cotidiano das pessoas e, sobretudo, do ponto de vista das crianças. Isso ocorre porque, para um empirista, não existem idéias inatas, conforme vimos em Locke, o que significa que as idéias vão se formando na mente humana ao longo da vida. O ponto zero de formação das idéias é, portanto, a mais tenra idade, e elas se formam a partir da experiência. Segundo Hume, tudo o que percebemos pode ser dividido em impressões e idéias: * Impressões - referem-se aos dados fornecidos pelos sentidos, como, por exemplo, as impressões visuais ou auditivas; * Idéias - referem-se às representações mentais (memória, imaginação etc.) derivadas das impressões. A idéia, sendo a representação de uma percepção, pode possuir diferentes graus de fidelidade. Alguém que nunca teve uma impressão visual (um cego de nascença) jamais poderia ter uma idéia de cor, ainda que seja uma idéia não muito fiel. As associações de idéias Os processos do entendimento são, do mesmo modo, o resultado da associação de idéias, isto é, ocorrem quando a mente reúne, junta, conecta mais de uma idéia, simples ou complexa. Para Hume, existem três tipos de associação de idéias: de semelhança, pela qual a pessoa, quando vê um retrato, pensa no que este retratado; de contigüidade, pela qual a idéia da neve faz pensar no branco. Pois neve e branco são idéias próximas ou contíguas; e de causalidade, pela qual a idéia

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de ferimento leva a pensar na idéia de dor, isto é, como uma relação de causa (ferimento) e efeito (dor) De acordo com os objetos do conhecimento (números, figuras, a natureza, o homem, etc.), Hume divide a investigação humana em dois gêneros: um que estabelece relações de idéias, e outro, relações de fato. Ao primeiro gênero pertencem as ciências matemáticas e a lógica, cujas proposições podem ser descobertas pela “simples operação do pensamento e não dependem de algo existente em alguma parte do universo”. Por exemplo: “três vezes cinco é igual à metade de trinta” é uma relação de idéias (no caso, números), isto é, depende apenas das idéias, do raciocínio para ser demonstrada, mantendo sempre “sua certeza e evidencia”. Já o conhecimento que se obtém por meio de relações de fatos – isto é, que resulta da relação que fazemos entre fatos, acontecimentos, coisas vividas – não tem, para Hume, o mesmo tipo de certeza e evidencia do conhecimento que se alcança por meio de relações de idéias. É que ele não resulta de um encadeamento ou princípio lógico e sim da experiência ou fatos experimentados. Por exemplo: “o Sol nascerá amanhã” constitui uma afirmação baseada apenas na experiência, isto é, trata-se de um fato que observamos repetidamente todos os dias. Do ponto de vista estritamente lógico, no entanto, poderíamos perfeitamente dizer “o Sol não nascerá amanhã”. Crítica ao princípio científico da causa e do efeito: o hábito e a crença Um dos aspectos marcantes do empirismo de Hume, é a crítica feita por ele ao raciocínio indutivo (ou princípio da causalidade). As conclusões desse raciocínio são produzidas a partir de percepções repetidas de casos particulares, as quais, devido a regularidade apresentada pelo fato experimentado, nos permite saltar para uma conclusão geral, da qual não temos experiência sensorial. Hume argumentou que a conclusão indutiva, por maior que seja o número de percepções repetidas do mesmo fato, não possui fundamento lógico. E por quê? Porque será sempre um salto do raciocínio impulsionado pela crença ou hábito, ou seja, as repetidas percepções de um fato nos levam a confiar em que aquilo que se repetiu por várias vezes se repetirá. Desse modo, devido a sua regularidade, nos habituamos em fazer associações de causa e efeito entre um fenômeno experimental e outro. Hume sustenta, portanto, que a repetição de um fato não nos permite concluir, em termos lógicos, que ele continuará a repetir-se da mesma forma, indefinidamente.

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Exercícios 01. Leia com atenção a citação e, em seguida, analise as assertivas. "E, tendo notado que nada há no eu penso, logo existo, que me assegure de que digo a verdade, exceto que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, julguei poder tomar por regra geral que as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras, havendo apenas alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente". (DESCARTES, Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 55. Coleção "Os Pensadores"). I. Este "eu" cartesiano é a alma e, portanto, algo mais difícil de ser conhecido do que o corpo. II. O "eu penso, logo existo" é a certeza que funda o primeiro princípio da Filosofia de Descartes. III. O "eu", tal como está no Discurso do Método, é inteiramente distinto da natureza corporal. IV. Ao concluir com o "logo existo", fica evidente que o "eu penso" depende das coisas materiais. Assinale a alternativa cujas assertivas estejam corretas. a) Apenas II e IV. b) I, II e IV. c) Apenas III e IV. d) Apenas II e III. 02. Escolha a alternativa correta: "E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa." (R. Descartes, Discurso do método.São Paulo: Cultural,1973.) De acordo com a citação acima, Descartes quis afirmar que: a) o cogito nada mais é que a convicção que tenho através das minhas percepções. b) a realidade e os sonhos são da mesma natureza e, portanto, as idéias são sempre verdadeiras, independentemente do estado de vigília do espírito. c) o fato de se poder duvidar de tudo oferece uma primeira idéia clara e distinta que é a certeza de que o sujeito, que pensa, existe verdadeiramente. d) as sensações e as ilusões dos sonhos são todas elas verdadeiras e conferem certeza ao conhecimento. 03. David Hume, filósofo do século XVIII, partindo da teoria do conhecimento, sustentava que I. o sujeito do conhecimento opera associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória. II. as idéias nada mais são do que hábitos mentais de associações e impressões semelhantes ou de impressões sucessivas. III. as idéias de essência ou substância nada mais são que um nome geral dado para indicar um conjunto de imagens e de idéias que nossa consciência tem o hábito de associar por causa das semelhanças entre elas. Assinale a) se I, II e III estiverem corretas. b) se apenas I e II estiverem corretas. c) se apenas II e III estiverem corretas. d) se apenas I e III estiverem corretas. 04. Para David Hume, a negação da validade universal do princípio de causalidade e da noção de necessidade que tal princípio implica, é fundamentada:

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a) na observação dos fenômenos que permite a compreensão e o conhecimento do mecanismo interno das coisas reais. Assim, qualquer ciência pode atingir o conhecimento pleno e definitivo dos fenômenos. b) na observação dos fatos e no hábito que permitem a afirmação mais geral quando a observação permite a associação de situações semelhantes; o hábito, portanto, vai além da experiência. c) em toda relação de causa e efeito, porém, é a causalidade que permite a passagem de um objeto para outro objeto, cada associação permite o conhecimento da natureza íntima das coisas, ou seja, da sua realidade interior. d) no conhecimento que só é possível pela refutação de todas as crenças; isto significa purificar o entendimento dos hábitos que o condicionam, permitindo o fluir das idéias inatas e independentes da experiência. 05. Sobre a filosofia de Descartes, pode-se afirmar, com certeza, que as suas mais importantes conseqüências foram I. a afirmação do caráter absoluto e universal da razão que, através de suas próprias forças, pode descobrir todas as verdades possíveis. II. a adoção do Método Matemático, que permite estabelecer cadeias de razões. III. a superação do dualismo psicofísico, isto é, a dicotomia entre corpo e consciência. Assinale a alternativa correta. a) II e III b) III c) I e III d) I e II

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O Criticismo de Immanuel Kant

Nossa época é a época da crítica, a que tudo deve se submeter. (Kant) As formas da sensibilidade Kant entendia, como os empíricos, que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, isto é, no momento em que entramos em contato sensível com as coisas. Mas ele achava que esse conhecimento não é simplesmente dado pelas coisas, como se o sujeito que conhece ficasse totalmente passivo no processo. Por isso, ele buscou saber como é o sujeito puro, a priori, isto é, o sujeito antes de qualquer experiência sensível – que se denomina, em sua filosofia, sujeito transcendental –, e chegou à conclusão de que o sujeito possui certas faculdades que possibilitam e determinam a experiência e o conhecimento. Uma dessas faculdades é a sensibilidade. O filósofo observou que, quando percebemos e representamos em nossa mente qualquer coisa externa, essa representação é sempre feita no tempo e no espaço. Por exemplo: quando vejo um carro andando, percebo que esse carro se desloca por um certo espaço em um determinado tempo; quando ouço um ruído, percebo esse ruído como breve ou demorado e vindo de uma determinada direção; quando assisto a uma corrida que termina empatada, percebo esse fato como a chegada de dói corredores a um mesmo lugar no mesmo instante. Kant conclui então que tempo e espaço são condições a priori de possibilidade da experiência sensível ou intuição empírica. Em outras palavras, tempo e espaço não são abstrações ou algo que existe fora de nós: eles constituem formas da sensibilidade, isto é, são ferramentas humanas inatas e necessárias ao homem para que ele possa construir toda a sua experiência do mundo. Essas formas da sensibilidade atuam como filtros ou lentes que definem como podemos perceber a realidade, ou, para usar de outra comparação, são como receptáculos ou vasilhas vazias que vão sendo preenchidas com alguma matéria, isto é, os conteúdos que compõem as sensações. Quando vejo, ouço, presencio alguma coisa – por exemplo, um avião que corta o céu –, todas as sensações que se produzem em mim trazidas pelos órgãos dos sentidos são jogadas nessas vasilhas (tempo e o espaço), que então as ordenam na minha consciência para compor a experiência desse fato. As formas do entendimento Kant observou também que, quando enunciamos um juízo, uma afirmação qualquer, como, por exemplo, "o calor dilata os corpos", ocorre uma síntese das representações "calor" e "dilatação dos corpos". Essa síntese, diz o filósofo, é feita por outra faculdade humana: o entendimento ou faculdade de pensar ou de julgar. Todo juízo é, portanto, uma síntese efetuada pelo entendimento, que unifica as múltiplas representações que aparecem na sensibilidade. Analisando os diversos juízos possíveis, Kant percebeu que todos se articulam de acordo com certos princípios lógicos ou regras, apresentando formas básicas ou puras, isto é, destituídas de qualquer conteúdo e anteriores a qualquer experiência vivida pelas pessoas. Assim, do mesmo

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modo que existem formas da sensibilidade (espaço e tempo), Kant diz que existem formas do entendimento. A partir delas se estabelecem conceitos puros, a priori, que existem desde sempre em nossa consciência, como os conceitos de causa, necessidade e substância, que são o que o filósofo denomina categorias. São as categorias que permitem pensar tudo aquilo que chega com a intuição ou experiência sensível. Vejamos um exemplo de uma categoria muito importante para as ciências da natureza e para a nossa vida diária: o conceito de causa (ou causa e efeito). Quando entramos numa sala aquecida pelo sol da tarde, a partir apenas dessa intuição ou experiência sensível podemos dizer "O sol brilha na sala" e "A sala está quente". Se, em seguida, relacionamos essas duas intuições, subordinando uma à outra, podemos concluir: "O sol aquece a sala". Kant diz que fazer essa relação é algo inerente ao entendimento humano que não consegue deixar de empregar o princípio de que "todo efeito tem de ter uma causa". O mais importante e inovador é que a causa não está nas coisas - como pensar a maioria das pessoas -, nem tampouco uma ficção criada pelo hábito - -como dissera Hume -, pois, para Kant, a noção de causalidade é algo que deriva do nosso entendimento, isto é, nós é que criamos essa relação. Isso quer dizer que entender a natureza é projetar sobre ela as nossas formas próprias de conhecimento. A razão, assim, toma-se a grande legisladora do conhecimento da natureza, conforme ele explica em Crítica da razão pura: A razão tem de ir à natureza-[...] não porém na qualidade de um aluno que deixa ditar tudo o que o professor quer mas na de um juiz nomeado, que obriga as testemunhas, a responder às perguntas que lhes propõe.

Juízos analíticos e juízos sintéticos

Um juízo é analítico quando o predicado ou os predicados do enunciado nada mais são do que a explicitação do conteúdo do sujeito do enunciado. Por exemplo: quando digo que o triângulo é uma figura de três lados, o predicado “três lados” nada mais é do que a análise ou a explicitação do sujeito “triângulo”. Quando, porém, entre o sujeito e o predicado se estabelece uma relação na qual o predicado me dá informações novas sobre o sujeito, o juízo é sintético, isto é, formula uma síntese entre um predicado e um sujeito. Assim, por exemplo, quando digo que o calor é a causa da dilatação dos corpos, o predicado “causa da dilatação” não está analiticamente contido no sujeito “calor”. Se eu dissesse que o calor é uma medida de temperatura dos corpos, o juízo seria analítico, mas quando estabeleço uma relação causal entre o sujeito e o predicado, como no caso da relação entre “calor” e “dilatação dos corpos”, tenho uma síntese, algo novo me é dito sobre o sujeito através do predicado. Para Kant, os juízos analíticos, ao contrário dos sintéticos, não se fundam na experiência, pois para formá-los “não preciso sair do meu conceito e por conseguinte não me é necessário o testemunho da experiência”. Por exemplo, “um corpo é extenso” é uma proposição “a priori” e não um juízo da experiência (“a posteriori”), porque, antes de dirigir-me à experiência, tenho já em meu conceito todas as condições do juízo. Entretanto, Kant introduz a idéia de juízos sintéticos a priori, isto é, de juízos sintéticos cuja síntese depende da estrutura universal e necessária de nossa razão e não da variabilidade individual de nossas experiências. Os juízos sintéticos a priori exprimem o modo como necessariamente nosso pensamento relaciona e conhece a realidade. A causalidade, por exemplo, é uma síntese a priori que nosso entendimento formula para as ligações universais e necessárias entre causas e efeitos, independentemente de hábitos psíquicos associativos. Esclarecimento Para Kant, esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. A preguiça e a covardia são as causas da permanência na menoridade. O que não impede, e até mesmo favorece, o esclarecimento é o uso público da razão, que deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre os homens. O uso público de sua própria razão é aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado.

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A fenomenologia - E. Husserl

Retomando a clássica questão da relação sujeito-objeto, colocada desde a teoria do conhecimento cartesiana, vimos que o racionalismo enfatiza o papel atuante do sujeito que conhece, e o empirismo privilegia a determinação do objeto conhecido. O resultado dessa dicotomia, em ambos os casos, é a permanência do dualismo, isto é, a separação entre o sujeito e o objeto, entre o homem (que conhece) e a realidade (que é conhecida). A fenomenologia de Husserl propõe a superação desse dualismo ou dicotomia, afirmando que toda consciência (ou razão) é intencional, isto é, visa algo fora de si. Contrariando o racionalismo cartesiano, afirmam que não há uma razão ou consciência pura, separada do mundo; toda consciência tende para o mundo, é consciência de alguma coisa. Ao contrário dos empiristas, para Husserl não há objeto ou realidade em si, já que o objeto ou realidade é sempre para um sujeito que lhe dá significado. A consciência é portanto doadora de sentido, fonte de significado. Ao mesmo tempo que a realidade ou objeto afeta a consciência em algum aspecto, é a própria consciência afetada que atribui a essa realidade um sentido ou significado. Assim, ao descrever rigorosamente uma realidade ou objeto, a consciência não o descreve tal como ele é em si mesmo, mas como este objeto se apresenta à consciência.

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Exercícios 1. Observe o texto abaixo, de Kant, e marque a CORRETA. "Denominamos sensibilidade a receptividade de nossa mente para receber representações na medida em que é afetada de algum modo; em contrapartida, denominamos entendimento ou espontaneidade do conhecimento a faculdade do próprio entendimento de produzir representações". I. As sensações são intuições empíricas; já o espaço e o tempo são intuições a posteriori. II. Mediante a cooperação recíproca das faculdades subjetivas, unificando percepções sob conceitos, o sujeito produz a experiência, que é um conhecimento real e empírico constituído por uma conexão de percepções operada pelo entendimento. III. A experiência envolve apenas dados empíricos e nunca elementos a priori. IV. A sensibilidade é a faculdade das intuições e o entendimento é a faculdade dos conceitos. V. O Sujeito constrói o conhecimento segundo certas condições que são as faculdades e suas respectivas formas: a sensibilidade com as formas de espaço e o tempo, e o entendimento com os conceitos básicos chamados categorias. a) Estão todas corretas. b) Estão corretas II, IV e V. c) Estão incorretas I, III e IV. d) Estão corretas I, III e V. 2. Na sua obra "Crítica da Razão Pura", Kant formulou uma síntese entre sujeito e objeto, mostrando que, ao conhecermos a realidade do mundo, participamos da sua construção mental. Segundo Kant, esta valorização do sujeito (possuidor de categorias apriorísticas) no ato de conhecimento, representou, na Filosofia, algo comparável à a) previsão da órbita do Cometa Halley no sistema solar. b) revolução de Copérnico na Física. c) invenção do telescópio por Galileu Galilei. d) Revolução francesa que derrubou o Ancien Régime 3. Observe o texto abaixo: "Mas embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina justamente da experiência. Pois poderia bem acontecer que mesmo o nosso conhecimento de experiência seja um composto daquilo que recebemos por impressões e daquilo que a nossa própria faculdade de conhecimento (apenas provocada por impressões sensíveis) fornece de si mesma, cujo aditamento não distinguimos daquela matéria-prima antes que um longo exercício nos tenha chamado a atenção para ele e nos tenha tornado aptos a abstraí-lo." (KANT, lmmanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 23 [B 1-2]). Assinale, abaixo, a alternativa INCORRETA: a) Nosso conhecimento não se origina exclusivamente da experiência, porque o sujeito é ativo e constrói subjetivamente parte dele. b) As impressões que afetam nossa sensibilidade recebem as formas a priori do espaço e do tempo. c) A intuição empírica é a matéria do conhecimento. d) A intuição humana é sensível e a intuição de Deus é intelectual. 4. "Chamo transcendental a todo conhecimento que se ocupa não propriamente com objetos, mas, em geral, com a nossa maneira de conhecer objetos, enquanto ela deva ser possível a priori." (KANT, Crítica da razão pura', B/25). Sobre Kant, marque a correta.

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I. A expressão transcendental significa aquilo que é condição de possibilidade dos objetos da experiência e que, por isso, são colocadas pelo sujeito do conhecimento. II. É a nossa razão, através das estruturas do a priori, que ordena, regula os objetos e constrói o conhecimento. III. Kant formulou a síntese entre sujeito e objeto: ao conhecermos a realidade, construímos mentalmente o mundo. IV. Conhecimento transcendental em Kant significa o ato de ultrapassar, de ir além da superação do mundo sensível dos objetos. V. Transcendental significa as condições apriorísticas da razão que possibilitam conhecer, e estas condições consistem na transcendência de Deus, realidade infinita que nos garante conhecer a realidade. a) II - IV – V b) III – IV - V c) I – II - III d) I - III - V 5. Sobre a filosofia de Immanuel Kant, assinale a correta. 1. Era idealista transcendental. Escreveu "Crítica da Razão Pura". 2. Kant distingue duas formas de conhecimento: o empírico ou a posteriori e o puro ou a priori. 3. Conhecimento empírico não depende da experiência sensível e o conhecimento puro depende diretamente dos 5 sentidos. 4. A experiência sensível não produz juízos universais. 5. Os juízos universais e necessários são chamados de conhecimento puro ou a priori. a) Estão corretas 2, 3 e 4. b) Estão corretas 1, 2, 4 e 5. c) Estão corretas 1, 2, 3 e 5. d) Estão corretas 3, 4 e 5. Gabarito 1. b 2. b 3. d 4. c 5. b

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II. A QUESTÃO POLÍTICA Maquiavel: a política como categoria autônoma

É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade. (Maquiavel)

O príncipe virtuoso: virtù e fortuna Escrito em 1513 e dedicado a Lourenço de Médici, O príncipe, obra principal de Maquiavel, tem provocado inúmeras interpretações e controvérsias. Uma primeira leitura nos dá uma visão da defesa do absolutismo e do mais completo imoralismo: "É necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade". Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel usa as expressões italianas virtù e fortuna. Virtù significa virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de lutador e guerreiro viril. Homens de virtù são homens especiais, capazes de realizar grandes obras e provocar mudanças na história. Não se trata do príncipe virtuoso no sentido medieval, enquanto bom e justo segundo os preceitos da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de forças que caracteriza a política para agir com energia a fim de conquistar e manter o poder. O príncipe de virtù não deve se valer das normas preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente pode significar a sua ruína. Implícita nessa afirmação se acha a noção de fortuna, aqui entendida como ocasião, acaso. O príncipe não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião. De nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não soubesse ser precavido ou ousado, aguardando a ocasião propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das circunstâncias, como observador atento do curso da história. No entanto, a fortuna não deve existir sem a virtù, sob pena de se transformar em mero oportunismo. A novidade do pensamento maquiaveliano, justamente a que causou maior escândalo e críticas, está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã; por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política. Para Maquiavel, a ética aplicada à política analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas sim em vista das conseqüências, dos resultados da ação política. Não se trata de um amoralismo, mas de uma nova moral centrada nos critérios da avaliação do que é útil à comunidade: o critério para definir o que é moral é o bem da comunidade, e nesse sentido às vezes é legítimo o recurso ao mal (o emprego da força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego da violência). Estamos diante de uma moral imanente, mundana, que vive do relacionamento entre os homens. E se há a possibilidade de os homens serem corruptos, constitui dever do príncipe manter-se no poder a qualquer custo. A autonomia da política

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Maquiavel subverte a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais e é considerado o fundador da ciência política, ao enveredar por novos caminhos "ainda não trilhados". Pode-se dizer que a política de Maquiavel é realista, pois procura a verdade efetiva, ou seja, "como o homem age de fato". As observações das ações dos homens do seu tempo e dos estudos dos antigos, sobretudo da Roma Antiga, levam-no à constatação de que os homens sempre agiram pelas vias da corrupção e da violência. Partindo do pressuposto da natureza humana capaz do mal e do erro, analisa a ação política sem se preocupar em ocultar "o que se faz e não se costuma dizer". A esse realismo alia-se a tendência utilitarista, pela qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política só tem tido se propiciar o melhor exercício da política. Trata-se do começo da ciência política: da teoria e da técnica da política, entendida como disciplina autônoma. Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião procurando examiná-la na sua especificidade própria. Em relação ao pensamento medieval, Maquiavel procede à secularização da política, rejeitando o legado ético-cristão. Além da desvinculação da religião, a ética política se distingue da moral privada, uma que a ação política deve ser julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os resultados alcançados na busca do comum. Com isso, Maquiavel se distancia da política normativa dos gregos e medievais, pois não mais busca as normas que definem o bom regime, nem explicita quais devem ser as virtudes do bom governante. Em alguns casos, como o de Platão, a preocupação em definir como deve ser o bom governo leva à construção de utopias, o que mereceu a crítica de Maquiavel. Talvez alguém inadvertidamente se pergunte se o próprio Maquiavel não estaria procura do príncipe ideal, indicando as normas para conquistar e não perder o poder. No entanto, há, de fato, diferenças fundamentais entre o “dever ser” da política clássica e aquele a que se refere Maquiavel. Na nova perspectiva, para fazer política é preciso compreender o sistema de forças existentes e calcular a alteração do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação nesse sistema. Segundo Claude Lefort, como "em definitivo, em nenhum lugar está traçada a via real da política", cabe ao homem de ação descobrir, na paciente exploração dos possíveis, os sinais da criação histórica e assim inscrever sua ação no tempo. Pensadores Contratualistas: Hobbes, Locke e Rousseau A partir da tendência de secularização do pensamento político, os filósofos do século XVII estão preocupados em justificar racionalmente e legitimar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer explicação religiosa. Daí a preocupação com a origem do Estado; É bom lembrar que não se trata de uma visão histórica, de modo que seria ingenuidade concluir que a "origem" do Estado se refere à preocupação com o seu "começo". O termo deve ser entendido no sentido lógico, e não cronológico, como "princípio" do Estado, ou seja, sua raison d'être (razão de ser). O ponto to crucial não é a história, mas a validade da ordem social e política, a base legal do Estado. As teorias contratualistas representam a busca da legitimidade do poder que os novos pensadores políticos esperam encontrar na representatividade do poder e no consenso. Essa temática já existe em Hobbes, embora a partir de outros pressupostos e com resultados e propostas diferentes daquelas dos liberais. Principais questões do contratualismo 1ª) Em relação ao Estado de Natureza: * Como era a condição do ser humano antes do aparecimento da sociedade civil ou como era o estado ou condição natural (oposto ao social) do homem? 2ª) Em relação ao Contrato Social: * Por que os homens, em determinado momento ou contexto, resolveram fazer entre si um pacto ou acordo social, abandonando o seu estado ou condição natural (Estado de Natureza)?

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3ª) Em relação ao poder do Estado: * Como explicar a existência do Estado e como legitimar seu poder? Hobbes

Sejamos o lobo do lobo do homem. (Caetano Veloso)

a) Estado de natureza * Para Hobbes, o homem não possui o instinto natural de sociabilidade, como afirmou Aristóteles. Cada homem sempre encara o seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado; * Conseqüência óbvia dessa concepção: “estado de guerra de todos contra todos”. Nas palavras de Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”. A hostilidade do ser humano com o seu semelhante torna vulnerável o seu principal direito natural: a auto-preservação ou a vida. b) Contrato Social * Para dar fim à brutalidade de sua condição natural, os homens tiveram que firmar um contrato entre si, pelo qual cada um transferia, de modo pleno e total, seu poder de governar a si próprio ou sua vontade para um terceiro – o Estado – que passaria a governar a todos, impondo ordem e segurança à conturbada vida social. c) Estado e Soberania * O Estado (Leviatã) goza de poder absoluto sobre todos os contratantes, pois sua vontade está acima da vontade individual. Sua função essencial é assegurar a paz. * O representante ou portador do poder estatal se chama Soberano, cujo poder ou vontade é absoluta (Absolutismo).

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Frontispício da edição de 1651 de Leviatã. Leviatã é um monstro bíblico cruel e invencível que simboliza, para Hobbes, o poder do Estado absoluto. No desenho, seu corpo é constituído de inúmeras cabeças e ele empunha os símbolos dos dois poderes, o civil e o religioso.

Locke

Sendo os homens por natureza todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela. (Locke)

a) Estado de Natureza

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* Os homens possuem direitos naturais: igualdade, liberdade, independência e propriedade (bens, vida, corpo, trabalho). * Não havia uma normatização geral; por isso, cada homem seria juiz de sua própria causa, o que levaria ao surgimento de problemas nas relações entre os homens. Por isso, visando a segurança e a tranqüilidade necessárias ao gozo da propriedade, as pessoas consentem em instituir o corpo político. b) Contrato Social * A fim de assegurar seus direitos naturais, os homens estabelecem entre si um pacto ou contrato social, o que provoca a instauração de uma sociedade civil, que busca a segurança, o conforto e a paz, garantindo, por meio das leis, o livre usufruto da propriedade privada (direito natural). O ponto crucial do pensamento de Locke é que os direitos naturais dos homens não desaparecem em conseqüência desse consentimento, mas subsistem para limitar o poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à insurreição: o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes trata-se de uma relação de confiança -, e, se estes não visarem o bem público, é permitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem. c) Estado e soberania * O Estado é concebido como um meio de assegurar os direitos naturais e não como o resultado de uma transferência dos direitos do indivíduo para o governante ou soberano; * Concepção liberal: o Estado deve regular as relações entre os homens e atuar como juiz nos conflitos sociais. Mas deve fazer isso garantindo as liberdades e direitos individuais, tanto no que se refere ao pensamento e expressão quanto à propriedade e atividade econômica. Rousseau

O homem nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros.

a) Estado de Natureza * Os homens viviam sadios, bons e felizes enquanto cuidam de sua própria sobrevivência, até o momento em que é criada a propriedade e uns passam a trabalhar para os outros, gerando escravidão e miséria; * O homem que surge da desigualdade é corrompido pelo poder e esmagado pela violência e opressão. b) Contrato Social

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* Cada contratante ou associado se aliena totalmente, ou seja, abdica sem reserva de todos os seus direitos em favor da comunidade. Mas, como todos abdicam igualmente, na verdade cada um nada perde, pois passa a se submeter a uma vontade geral (da qual é também participante); * Em outras palavras, pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto, é livre. "A obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade". Isso significa que, para Rousseau, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado dele mesmo. c) Estado e soberania * Soberano é, para Rousseau, o corpo coletivo (formado pelos contratantes) que expressa, através da lei, a vontade geral, que é sinônimo de bem comum ou consenso. A soberania do povo ou o seu poder de legislar é inalienável, ou seja, não pode ser representada. A democracia rousseauísta considera que toda lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula; * Para Rousseau, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado dele (o povo). O povo, portanto, é o soberano e os membros do governo estão subordinados ao poder de decisão do soberano, executando as leis. A vontade geral O soberano, sendo o povo incorporado, dita a vontade geral, cuja expressão é a lei. O que vem a ser a vontade geral? É preciso antes fazer distinção entre pessoa pública (cidadão ou súdito) e pessoa privada. A pessoa privada tem uma vontade individual que geralmente visa o interesse egoísta e a gestão dos bens particulares. Se somarmos as decisões baseadas nos benefícios individuais, teremos a vontade de todos. Mas cada homem particular também pertence a um espaço público, é parte de um corpo coletivo com interesses comuns, expressos pela vontade geral. Nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia a pessoa privada pode ser prejudicial ao coletivo. Por isso, também não se pode confundir a vontade de todos com a vontade geral, pois a somatória dos interesses privados pode ter outra natureza que o interesse comum. Explicando melhor: "O interesse comum não é o interesse de todos, no sentido de uma confluência dos interesses particulares, mas o interesse de todos e de cada um enquanto componentes do corpo coletivo e exclusivamente nesta qualidade. Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois se é sempre possível conseguir-se a concordância dos interesses privados de um grande número, nem por isso assim se estará atendendo ao interesse comum". Encontra-se aí o cerne do pensamento de Rousseau, aquilo que o faz reconhecer no homem um ser superior capaz de autonomia e liberdade, entendida esta como a superação de toda arbitrariedade, pois é a submissão a uma lei que o homem ergue acima de si mesmo. O homem é livre na medida em que dá o livre consentimento à lei. E consente por considerá-la válida e necessária. "Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal."

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Exercícios 01. A filosofia política de Thomas Hobbes combatia as tendências liberais de sua época. Hobbes sustentava que o poder resultante do pacto político deveria ser: I. ilimitado, julgando sobre o justo e o injusto, acima do bem e do mal e em que a alienação do súdito ao soberano deveria ser total. II. dividido entre o rei e o parlamento, superando as discórdias e disputas em favor do bem comum da coletividade. III. absoluto, podendo utilizar a força das armas para manter a soberania e o silêncio dos súditos. Assinale a alternativa correta. a) I e III b) II e III c) I e II d) II 02. Sobre o conceito de estado de natureza, podemos dizer que I. para Rousseau, está relacionado à idéia do bom selvagem, quer dizer, o estágio em que os homens viveriam em comunhão com a Natureza, desconhecendo lutas e intrigas entre si. II. se refere a uma situação pré-social na qual os indivíduos viveriam isoladamente sem regulações ou regras. III. Hobbes define o estágio no qual os indivíduos viveriam em sucessivos períodos de confronto e paz, até aprenderem a se respeitar mutuamente. Assinale. a) se todas estiverem corretas. b) se apenas I e II estiverem corretas. c) se apenas II e III estiverem corretas. d) se apenas I e m estiverem corretas. e) se apenas II estiver correta. 03. Para Locke, os homens em estado de natureza são, cada um, juiz em causa própria; assim é necessário constituir a sociedade civil mediante contrato social para organizar a vida em sociedade. Isto se daria através do pacto, tornando legítimo o poder do Estado. Para ele, o poder a) encontra-se na soberania do poder executivo. b) é confiado aos governantes e não pode ser contestado em hipótese alguma. c) é confiado aos governantes, podendo haver insurreição, caso eles não visem o bem público. d) é absoluto e não há possibilidade de instituir-se um novo pacto. e) é instituído pela vontade geral. 04. John Locke (1632-1704), vigoroso adversário do absolutismo, nos seus escritos políticos partiu da situação de que os homens isolados no estado de natureza buscaram se reunir por intermédio de um contrato social, tendo em vista a edificação da sociedade civil. Esta ação política associativa, quando concretizada, confere soberania ao: a) Poder Legislativo. b) Poder Executivo. c) Poder Federativo. d) Povo. 05. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) faz parte dos contratualistas, porém tem uma posição inovadora em relação a Hobbes e a Locke, quanto ao conceito de soberania. Para ele, a) a democracia direta impede que os cidadãos vivam em paz, pois libera as paixões que impedem essa paz. b) soberano é o poder executivo, que tem o poder absoluto para garantir paz ao povo. c) é necessário distinguir os conceitos de soberano e de governo, atribuindo ao povo a soberania inalienável e indivisível. d) a vontade geral institui o governo, que submete o povo, para garantir a paz, não podendo, portanto, ser destituído.

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FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

GEORG W. F. HEGEL

O absoluto é o universal e uma idéia que, como autojustificativa, se particulariza num sistema de idéias determinadas. (Hegel)

* Para Hegel (1770-1831), não existe o homem em estado de natureza, como afirmavam os contratualistas, pois o indivíduo isolado é uma abstração, algo impensável; * O indivíduo é parte orgânica de um todo: o Estado. Quando o indivíduo vem ao mundo, já encontra valores pré-definidos (língua, moral, tradição, regras sociais). Por isso, Hegel considera que o Estado precede o indivíduo; * É o Estado, portanto, que fundamenta a vida em sociedade, ao contrário do que pensavam os contratualistas. * Para Hegel, o Estado é a manifestação (ou externalização) mais elevada do “Espírito” ou “consciência” humana, pois está acima dos interesses individuais. O Estado, na medida em que “supera” os interesses individuais, torna-se sinônimo de liberdade e eticidade: não há ética e, portanto, liberdade fora do Estado. * Mas em que consiste o Espírito ou Consciência? Corresponde à visão de mundo, às formas de pensar, agir e sentir de um povo, que se exprimem na consciência individual das pessoas (Espírito Subjetivo), nas instituições e nos costumes sociais (Espírito Objetivo) e na arte, na religião e na filosofia (Espírito Absoluto). É o Espírito que determina o processo histórico, bem como o próprio surgimento do Estado. As mudanças ou transformações, sejam elas materiais ou não-materiais, que se manifestam ao longo da história resultam de um movimento progressivo do Espírito ou Consciência humana. * Para Hegel a realidade (sobretudo o processo histórico) é a manifestação do Espírito ou consciência, que apresenta um movimento dialético. Se a realidade é dialética, então ela não é estável, pois muda freqüentemente. Hegel explica o movimento porque passa a realidade a partir de três momentos:

1º) Tese: afirmação de uma certa realidade. Ex.: a existência do broto da planta. 2º) Antítese: negação da tese. Ex.: a flor, que surge após o desaparecimento do broto. 3º) Síntese: negação da negação ou superação da contradição entre a tese e a antítese. Ex.: o fruto, que surge com o desaparecimento da flor. Obs.: A síntese exprime o aperfeiçoamento do processo dialético. Nela está presente a totalidade do processo dialético. Ex.: O botão (tese) desaparece no desabrochar da flor (antítese). Igualmente, o fruto (síntese) surge no lugar da flor. No fruto, que é uma síntese superior da planta, está manifesta a totalidade do movimento ou transformação dialética pela qual sofreu a planta. O fruto, portanto, é sinônimo de aperfeiçoamento do ser (no caso, a planta).

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KARL MARX

Os filósofos não têm feito senão interpretar o mundo de diferentes maneiras: o que importa é transformá-lo.(Marx)

Para Marx, Hegel inverte a relação entre o que é determinante – a realidade material – e o que é determinado – as representações e conceitos do Espírito ou consciência. Na abordagem de Marx, as condições materiais (realidade material), nas quais se encontram os homens determinam sua forma de pensar, sentir, crer e agir (dimensão do Espírito). No contexto dialético, entretanto, o espírito não é uma conseqüência passiva da ação realidade material, podendo reagir sobre aquilo que o determina. Isso significa que a consciência do homem, mesmo sendo determinada pela realidade material e estando historicamente situada, não é pura passividade: o conhecimento do determinismo liberta o homem por meio da ação deste sobre o mundo, possibilitando inclusive a ação revolucionária. O materialismo histórico não é mais do que a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao campo da história. E, como o próprio nome indica, é a explicação da história por fatores materiais (econômicos, técnicos). Contrapondo-se ao idealismo hegeliano, Marx procurou compreender a história dos homens a partir das condições materiais nas quais eles vivem (= materialismo histórico), e não a partir do Espírito ou Consciência. A forma como os indivíduos se comportam, agem, sentem e pensam (dimensão do Espírito ou Consciência) é determinada pela forma de produção da vida social, ou seja, pela maneira como os homens trabalham e produzem os meios necessários para a sustentação material das sociedades. A partir da sua concepção materialista de sociedade, podemos identificar alguns conceitos-chave da filosofia de Marx: * Concepção estrutural da sociedade (infra e superestrutura): a infra-estrutura ou base econômica (formas de trabalho, recursos naturais e humanos, fontes de energia, relações de trabalho, tecnologia etc.) de uma sociedade determina a sua superestrutura (religião, formas de poder, ideologias, moral, filosofia, arte etc). * Capital e trabalho : Para Marx, o trabalho é a atividade fundamental do homem. É por meio do trabalho que o homem constrói a si mesmo e ao mundo ao seu redor. No entanto, ao longo da história (sobretudo no contexto do capitalismo), o trabalho perde a sua dimensão de realização, tornando-se, no âmbito do sistema capitalista, uma mercadoria, que pode ser vendida ou comprada a qualquer momento. Porém, a força de trabalho é uma mercadoria com dupla face: por um lado, é uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salário; por outro lado, é a única mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital. * Classes sociais, mais-valia e alienação : Segundo Marx, na sociedade capitalista as relações sociais de

produção definem dois grandes grupos dentro da sociedade: - De um lado, os capitalistas, que são aquelas

pessoas que possuem os meios de produção ou recursos materiais (máquinas, ferramentas, capital, etc.) necessários

para produzir as mercadorias, serviços, etc.; - Do outro lado, os proletários (ou trabalhadores), aqueles que não

possuem nada, a não ser o seu corpo e a sua disposição para trabalhar. Eles vendem a sua força de trabalho (recurso humano) ao capitalista. Marx denominou o lucro obtido sobre o trabalho do operário de mais-valia. O operário é contratado para trabalhar dentro de uma certa carga horária. Porém, bem antes de completar sua carga horária, ele já produziu mais do que o suficiente para pagar seu salário e para cobrir os gastos com os meios de produção utilizados durante o seu trabalho. O tempo restante de sua carga horária não é de fato remunerado; ele trabalha “de graça”, a fim de gerar o lucro do burguês. Marx distinguiu duas formas de mais-valia: a absoluta, que está baseada na extensão da jornada de trabalho do operário (quanto maior for a carga horária maior será a mais-valia) e a relativa, que está baseada na mecanização da fábrica. Tal mecanização permite ao operário produzir muito mais num curto espaço de tempo, o que provoca um maior tempo de trabalho não pago (mais-valia).

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Além da mais-valia, Marx concluiu que o trabalho no sistema capitalista de produção gera alienação, sinônimo de perda de um direito ou de um bem. São várias as formas de alienação ou perda provocadas pelo trabalho:

O trabalhador perde a noção global do processo produtivo devido à especialização rígida do trabalho;

O trabalhador perde a posse do fruto de seu trabalho, que pertence ao burguês;

O trabalhador perde a autonomia do processo produtivo, pois seu salário, sua jornada de trabalho são determinados pelo burguês;

O trabalhador perde a riqueza produzida pelo seu trabalho: produz a riqueza que mantém a economia do país, mas vive na miséria;

O trabalhador perde a identidade com o trabalho: ele não se reconhece e nem é reconhecido naquilo que faz, isto é no fruto do seu trabalho. * Forças produtivas, Relações de produção e modo de produção: Forças produtivas: ao conjunto dos meios de produção (recursos materiais) mais o trabalho humano, damos o nome de forças produtivas. Estas alteram-se ao longo da História. Até meados do século XVIII, por exemplo, a produção era feita com o uso de instrumentos simples, acionados por força humana, por tração animal e pela energia proveniente da água ou do vento. Com a Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, foram desenvolvidas máquinas, que utilizavam o vapor como fonte de energia e, mais tarde, a eletricidade e o petróleo. Alteraram-se, portanto, os meios de produção e, conseqüentemente, as técnicas de trabalho. Houve, assim, uma profunda mudança nas forças produtivas. Relações de produção: para produzir os bens de consumo e de serviço de que necessitamos, os homens estabelecem relações uns entre os outros. As relações que se estabelecem entre os homens na produção, na troca e na distribuição dos bens são as relações de produção. As relações de produção mais importantes são aquelas que se estabelecem entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores. Isso porque todo processo produtivo conta sempre com pelo menos dois agentes sociais básicos: trabalhadores e proprietários dos meios de produção. Assim, por exemplo, a produção na sociedade capitalista só existe porque capitalistas e trabalhadores entram em relação. O capitalista paga ao trabalhador um salário fixo para que trabalhe para ele e, no final da produção, fica com o lucro (mais-valia). Esse tipo de relação foi denominada por Marx de relação de produção assalariada. Modos de produção: o modo de produção é a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e os distribui. O modo de produção de uma sociedade é formado por suas forças produtivas e pelas relações de produção existentes nessa sociedade. Ele é, portanto, a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em determinadas relações de produção num dado momento histórico. Por exemplo, no modo de produção capitalista, as forças produtivas, representadas sobretudo pelas máquinas do sistema fabril, determinam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo operário assalariado. * Contradição social e luta de classes: Para Marx, as forças produtivas do capitalismo não eram mais um motivo de desenvolvimento social, mas antes criavam um entrave, já que entravam em contradição com as relações de produção. Abre-se, então, uma época de revolução social. As revoluções não acontecem por acaso, são expressão de uma necessidade histórica. Por outro lado, novas relações de produção só se tornam realidade depois que as antigas tenham decaído. Daí, a necessidade das revoluções sociais: transformar radicalmente as antigas relações sociais. O processo histórico é resultado dessas lutas de classes. * O Estado: instrumento da classe dominante: Para Marx, o Estado é uma estrutura de poder que concentra, resume e põe em movimento a força política da classe dominante (de um ponto de vista mais geral e abstrato). Em suma, o Estado é um aparelho usado pela classe dominante para controlar a sociedade e manter a coesão social.

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Exercícios 01. À ótica do materialismo marxista, é CORRETO afirmar: A) As relações de produção (infraestrutura material) são determinantes da consciência (superestrutura). B) A natureza material é fruto da consciência que se auto-determina na singularidade concreta. C) O materialismo corresponde a uma doutrina filosófica imanente ao idealismo. D) O materialismo explica o movimento do mundo por um espírito divino. E) O materialismo visa ao acúmulo de bens materiais. 02. (UFU Jan/97) No que diz respeito ao materialismo histórico, pode-se afirmar que: I. arte e filosofia são manifestações da superestrutura. II. as relações de trabalho e a educação fazem parte da infraestrutura. III. a filosofia, ciência e literatura são produções inseridas no nível da infra-estrutura IV. as relações de trabalho pertencem ao nível da infraestrutura. Assinale: A) se apenas I e II estiverem corretas. B) se apenas II e III estiverem corretas. C) se apenas III e IV cstiverert1 corretas. D) se apenas I e IV estiverem corretas. E) se todas estiverem corretas. 03. (UFU Jul/97) Escolha a alternativa correta. "Quanto menos comas e bebas, quanto menos livros compres, quanto menos vás ao teatro, ao baile, à taverna, quanto menos penses, ames, exteriorizes, cantes, pintes, esgrimes, etc., tanto mais poupas. tanto maior se torna teu tesouro, que nem traças nem poeira devoram, teu capital. Quanto menos és, quanto menos exteriorizas tua vida, quanto mais tens, quanto maior é tua vida alienada e tanto mais armazenas da tua essência alienada." (K. Marx. Manuscritos Econômico-Filosóficos)" Manuscrito. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Grilos do autor) O texto acima é uma crítica formulada por Marx e dirigida: A) aos padres e pastores da Alemanha após a Reforma religiosa. B) à nobreza decadente da Prússia cuja única riqueza ainda era a posse das terras. C) ao lumpenproletariado parisiense, classe social formada após a Revolução de 1789. D) â mentalidade alienada da burguesia do século XIX. E) ao Príncipe Augusto da Prússia. 04. A luta de classes para Marx, até hoje, tem sido a história dos homens. Podemos afirmar que o materialismo histórico, para ele, È dialético, porque A) É a consciência dos homens que determina o mundo material. B) a base do conhecimento histórico È a arte do diálogo que permite a compreensão da História. C) o processo histórico é linear e contínuo. D) o processo histórico é movido por contradições sociais. E) a base do mundo material é a superestrutura jurídica e política.

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Foucault

Segundo Michel Foucault (1926-1984), as sociedades modernas apresentam uma nova organização do

poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa nova organização, o poder não se concentra apenas

no setor político e nas suas formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social.

Para Foucault, o poder se fragmentou em micropoderes (microfísica do poder) e se tornou muito mais eficaz.

Nesse sentido, o poder está em toda a parte, não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os

lugares. Na vida cotidiana, segundo o filósofo, esbarramos mais com os guardiões dos micropoderes – os

pequenos donos dos poderes periféricos (professores, porteiros, enfermeiros, fiscais etc.) – do que com os

detentores dos macropoderes (representantes oficiais do poder estatal).

Foucault caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de vigilância e controle constantes, que se estendem a todos os âmbitos da vida dos indivíduos. Uma das formas mais eficientes dessa vigilância e disciplina se dá, no seu entender, através dos discursos e práticas científicas, aparentemente neutras e racionais, que procuram normatizar o comportamento dos indivíduos. Um exemplo disso seria o tratamento científico dado à sexualidade, no qual o comportamento sexual é normatizado por meio do convencimento racional dos indivíduos sobre cuidados necessários à sua vida nesse âmbito. Desse modo, assumindo a face do saber, o poder, segundo Foucault, atinge os indivíduos em seu corpo, em seu comportamento e em seus sentimentos. Assim como o poder se encontra em múltiplos espaços, a resistência a esse estado de coisas não

caberia, segundo o filósofo, a um partido ou uma classe revolucionária, pois estes se dirigiriam a um único

foco de poder. Seria necessária, portanto, a ação de múltiplos pontos de resistência.