APOSTILA PAJUP - Apostila Para Formação Básica - 2010

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Direito Crítico

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  • CCOOLLEETTNNEEAA DDEE TTEEXXTTOOSS PPAARRAA AASS RREEUUNNIIEESS DDEE FFOORRMMAAOO BBSSIICCAA

    Voc deve ser a prpria mudana que deseja ver no mundo Ghandi

  • SUMRIO

    ASSESSORIA JURDICA E ASSISTNCIA JURDICA (Ivan Furmann) ..................................... 1 I. Extenso, Universidade e Direito ................................................................................................. 1 II. Mtodo Tradicional de Extenso: Assistncia ............................................................................ 5 III. Mtodo Inovador de Extenso: Assessoria .............................................................................. 12

    ASSESSORIA JURDICA UNIVERSITRIA: marcos tericos (Ivan Furmann) ........................ 21 Educao Popular e PAULO FREIRE .......................................................................................... 21

    O DIREITO ALTERNATIVO (Antnio Alberto Machado) ............................................................ 28

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    REFERNCIA: FURMANN, Ivan. Assessoria jurdica universitria popular: da utopia estudantil ao poltica. Curitiba: UFPR, 2006. 111p. Monografia apresentada como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Direito, Curso de Direito, Setor de Cincias Jurdicas da Universidade Federal do Paran. P.41-71

    ASSESSORIA JURDICA E ASSISTNCIA JURDICA Ivan Furmann

    I. Extenso, Universidade e Direito

    A abertura ao outro o sentido profundo da democratizao da universidade... Boaventura de Sousa Santos

    Num primeiro momento cabe delinear o conceito de extenso universitria. No meio universitrio brasileiro, no raro, a expresso extenso utilizada de maneira distorcida, distanciando-se de seu verdadeiro sentido1. Conforme o conceito delineado pelo Frum Nacional de Pr-Reitores de Extenso de Universidades Pblicas Brasileiras: A extenso universitria o processo educativo, cultural e cientfico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissocivel e viabiliza a relao transformadora entre a universidade e a sociedade.2 Trs caractersticas podem ser destacadas: sua natureza de processo educativo; a articulao da extenso com o ensino e a pesquisa; o contato com a sociedade que transforma tanto a sociedade quanto a Universidade.3

    A extenso universitria emerge da perspectiva de responsabilidade social da Universidade. O isolamento da Universidade inconcebvel em uma sociedade to desigual quanto a brasileira. A proposta que estimulou a extenso (...) se traduziu na crtica do isolamento da universidade, na torre de marfim insensvel aos problemas do mundo contemporneo, apesar de sobre eles ter acumulado conhecimentos sofisticados e certamente utilizveis na sua resoluo.4 Contra esse objetivo genuno de responsabilidade social se contrapuseram interesses diversos, especialmente os relacionados formao de uma massa de tcnicos especializados para a manuteno do sistema social.

    Nesse confronto, infelizmente, se constata que o local prprio para uma viso crtica da sociedade, que a universidade, e em especfico a faculdade de direito, no desempenha esse papel. Sem dvida, um dos grandes equvocos das Universidades brasileiras a manuteno da postura tecnicista.5 Assim, As universidades parecem transformar-se cada vez mais em escolas de profissionais destinadas a produzir

    1 No raro, utiliza-se a expresso extenso significando conferncias, palestras e cursos para atualizao dos

    estudantes. Estas atividades no podem ser consideradas como atividades de extenso. A terminologia correta seria atividade complementar. A confuso se faz quando ao se computar atividades complementares obrigatrias curricularmente aparecem como atividades de extenso as referidas palestras, seminrios, cursos, entre outros. Palestra no extenso, pois no h interao com a sociedade e muito menos pesquisa associada com ensino. Alguns projetos intitulados de extenso adotam igualmente posio equivocada quando permanecem somente na pesquisa bibliogrfica sem nenhuma atividade prtica de interao com a sociedade; para os aludidos projetos, a sociedade passa a ser um objeto de pesquisa emprica e nada mais. 2 I Encontro de Pr-Reitores de extenso das universidades pblicas brasileiras. In: NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel

    (org.) Extenso Universitria: diretrizes conceituais e polticas (Documentos bsicos do Frum nacional de Pr-Reitores de extenso das universidades pblicas brasileiras). Belo Horizonte: PROEX/UFMG, 2000, p.11. 3 Neste sentido, elaborou-se o programa Universidade Cidad, que prope as linhas de atuao na extenso retiradas no

    Frum Nacional de Pr-Reitores de extenso das universidades pblicas brasileiras: Programa Nacional Temtico de Fomento a Extenso proposto pelo Frum Nacional de Pr-reitores de Extenso das Universidades Pblicas Brasileiras. Vide: Programa Univesidade Cidad Frum Nacional de Pr- reitores de Extenso. In: http://www2.furg.br/supext/pcidada.htm [Capturado em 30 de julho de 2003]. 4 SANTOS, Boaventura de Sousa. Da idia de universidade a universidade de idias. In: PINTO, Cristiano Paixo Araujo.

    (org.) Redefinindo a relao entre o professor e a universidade: emprego blico nas Instituies Federais de Ensino. Universidade de Braslia. Braslia: Editora da UnB, 2002, p. 100-1. 5 Vide: CAMPILONGO, Celso Fernandes e FARIA, Jos Eduardo. A sociologia jurdica no Brasil. Porto Alegre: Sergio

    Antonio Fabris Editor, 1991, p. 11.

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    funcionrios, tcnicos em todos os nveis, esquecendo-se de sua misso de formar a inteligncia, de promover, inventar e reinventar, a cultura no seio de um mundo que se desfaz e refaz.6

    As chamadas atividades de extenso que a universidade assumiu sobretudo a partir dos anos sessenta constituem a realizao frustrada de um objetivo genuno. No devem ser, portanto, pura e simplesmente eliminadas. Devem ser transformadas. As atividades de extenso procuraram extender a universidade sem a transformar; traduziram-se em aplicaes tcnicas e no em aplicaes edificantes da cincia; a prestao de servios a outrem nunca foi concebida como prestao de servios prpria universidade. Tais atividades estiveram, no entanto, ao servio de um objetivo genuno, o de cumprir a responsabilidade social da universidade, um objetivo cuja genuinidade, de resto, reside no reconhecimento da tradicional irresponsabilidade social da universidade.7

    A necessidade da superao do paradigma tradicional de extenso exige a renovao de perspectivas sobre a funo da universidade. Essa mudana se conjuga com a idia de extenso enquanto processo educativo. O que se pretende com a extenso no simplesmente o aperfeioamento tcnico mas sobretudo a educao para o pleno desenvolvimento da cidadania. Clarifica-se, portanto, o exaurimento da Universidade enquanto cmplice do status quo e da classe dominante.

    A instituio Universitria, dessa forma, o retrato das mudanas que esto ocorrendo no mundo, nos ltimos tempos, pois, ao mesmo tempo que assentada em antigos paradigmas, desafiada por uma nova realidade, que exige dela um novo mundo, a Universidade, hoje, desafiada a conciliar a alta cultura com a cultura popular, a educao com o trabalho, a teoria com a prtica. Tradicionalmente exigente da excelncia de seus produtos culturais e cientficos, preocupada com a criatividade da atividade intelectual, com a liberdade de discusso, com o esprito crtico, posio que, ao mesmo tempo, a afastava, das demais instituies sociais e lhe conferia prestgio social, a Universidade, hoje, est diante do esgotamento deste paradigma.8

    A pesquisa e a extenso so duas atividades que contribuem incisivamente para a superao do paradigma tradicional. Pesquisa e extenso so ausncias injustificveis no processo do ensinar, ausncias que fecham portas realidade. A volta da escola rua a consolidao da unio entre ensino, pesquisa e extenso permite o confronto entre as teorias e o mundo, e permite arejar o discurso do ensino9. Enfim, na Universidade possvel a elaborao de novos saberes. A Assessoria Jurdica (AJUP) somente se mostra vivel a partir do desenvolvimento de um novo Direito, ultrapassando os limites da dogmtica tradicional, ou seja, conciliando a pesquisa e a extenso.

    O envolvimento da Universidade no mundo essencial na construo de um novo paradigma universitrio. As Universidades Pblicas, em especial, detm o potencial desvelador da mentalidade pblica entre os estudantes,10 fato que somente o desenvolvimento cultural e cidado proporciona. Assim, o desenvolvimento cultural e cidado deve ser uma das prioridades das Universidades, que no podem assumir um papel de centros tcnicos superiores. necessrio imiscuir-se tanto em questes internas vividas pela faculdade, como em questes externas, principalmente aquelas ligadas ao acesso justia. Aproxima-se, por um lado, da atividade desempenhada pelos movimentos sociais. Em poucas palavras, politizam-se a entidade e os estudantes. Insere-os na realidade, no como mero espectador, mas como sujeito atuante11, vislumbrando aos estudantes novas vises sobre a realidade social. A abertura ao outro o sentido profundo da democratizao da universidade, uma democratizao que vai muito alm da democratizao do acesso universidade e da

    6 JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade cientfica. 2 ed. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1975, p.181.

    7 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 229.

    8 MALISKA, Marcos Augusto. Direito Educao e a Constituio. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p.

    263. 9 CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O Discurso Jurdico da propriedade e suas rupturas, p.237-8.

    10 Cf. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crtica Dogmtica e Hermenutica Jurdica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris

    Editor, 1989, p. 62. 11

    CARVALHO, Lucas Borges de. Idias para uma nova assistncia jurdica de base estudantil: acesso Justia e crise do ensino jurdico. In: Revista de Processo, n. 108, ano 27, pp. 221-34, out-dez 2002, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 232.

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    permanncia nesta. Numa sociedade cuja quantidade e qualidade de vida assenta em configuraes cada vez mais complexas de saberes, a legitimidade da universidade s ser cumprida quando as atividades, hoje ditas de extenso, se aprofundarem tanto que desapaream enquanto tais e passem a ser parte integrante das atividades de investigao e de ensino.12 [original sem grifos]

    A inovao do paradigma universitrio, logo, precede da democratizao do espao universitrio. A democratizao do espao universitrio comea com a rearticulao das relaes alunos-professores. Gramsci j denunciava o modelo assptico que as Universidades de seu tempo adotavam e que no muito diferente do atual:

    (...) nas universidades, o contato entre professores e estudantes no organizado. O professor ensina, de sua ctedra, massa dos ouvintes, isto , d a sua lio e vai embora. (...) Para a massa dos estudantes, os cursos no so mais do que uma srie de conferncias, ouvidas com maior ou menor ateno, todas ou apenas uma parte: o estudante confia nas apostilas, na obra que o prprio professor escreveu sobre a matria ou na bibliografia que indicou.13

    A inovao no pode ser feita sem se levar em considerao o estudante. O mtodo de ensino e de gesto universitria tradicional infantiliza o estudante e o condiciona como um consumidor ou cliente de um servio. A educao no pode se constituir em um servio mercantilizvel. A Universidade, para que no se torne mera mercadoria, precisa urgentemente de uma transformao gestionria superando posturas unilaterais e coisificantes. preciso, pois, sopros de democracia nos ares viciados das Universidades. A Universidade o lugar da prtica democrtica, pois nela que os princpios, a sociedade e o futuro so pensados. Espera-se que a Universidade esteja sempre alm de seu tempo pois, em um ambiente em que o nvel intelectual bem superior mdia da comunidade, o razovel ter sempre a Universidade como um modelo a ser seguido. Neste sentido, relevante a responsabilidade da Universidade para com a democracia e o Estado de Direito.14 O papel dos estudantes fundamental nessa transformao.15 De fato, sem a ao dos estudantes no haver muitos avanos significativos na instituio de ensino qual se vinculam. Mesmo sob a iniciativa de professores progressistas, qualquer avano estar condicionado politizao do estudante do contedo das mudanas pretendidas. Fundamental assim o papel do estudante.16

    A universidade no poder promover a criao de comunidades interpretativas na sociedade se no as souber criar no seu interior, entre docentes, estudantes e funcionrios. Para isso necessrio submeter as barreiras disciplinares e organizativas a uma presso constante. A universidade s resolver a sua crise institucional na medida que for uma anarquia organizada, feita de hierarquias suaves e nunca sobrepostas. Por exemplo, se os mais jovens, por falta de experincia, no podem dominar as hierarquias cientficas, devem poder, pelo seu dinamismo, dominar as hierarquias administrativas. 17 [original sem grifos]. Democratizar, inclusive, a universidade, para a co-gesto de professores, estudantes e funcionrios, desmascarando o sofisma da reao, que recusa o chamado assemblesmo, a fim de manter a ditadura dos autoproclamados competentes: claro que no se pode resolver um problema cientfico pelo voto, mas pode-se determinar pelo voto paritrio a direo de programas, a distribuio das verbas, a administrao e, em geral, o destino da instituio. 18

    Os projetos de extenso constituem-se como espao ideal para o incio desse novo paradigma democrtico. Por isso, o ideal que no existam hierarquias internas nas atividades de extenso, rompendo a

    12 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 225.

    13 GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura, p.146.

    14 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito Educao e a Constituio, p. 218.

    15 Perceba-se entretanto que no se prope uma alternncia de plos de poder (uma tragicmica ditadura dos estudantes)

    mas se postula uma nova forma de gesto universitria, inclusive com a efetiva participao das entidades de representao estudantil. 16

    Nessa perspectiva, se h alguma justificativa ou algum sentido em criar ou manter uma entidade estudantil prestadora de assistncia jurdica, est-se a falar na necessidade de um espao crtico, autnomo, atuante, e capaz de propiciar uma formao diferenciada ao futuro bacharel em Direito. Afora isso, estril ser a assistncia jurdica estudantil. CARVALHO, Lucas Borges de. Idias para uma nova assistncia jurdica (...), p. 233. 17

    SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 225. 18

    LYRA FILHO, Roberto. Desordem e processo: um posfcio explicativo, p. 314.

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    tradio burocrtico-hierarquizada da estrutura universitria. Assim, o conhecimento produzido e sua gesto se tornam coletivos; a tarefa do professor deixa de ser a de coordenar para se tornar a de orientar seu conhecimento orienta as atividades mas no prescreve as aes dos alunos; o coletivo no se submete ordem ou s idias de uma pessoa pela simples condio hierrquica; a integrao solidria e no existindo hierarquias verticais entre os estudantes; cargos e funes so apenas distribuies de atividades e no posies hierrquicas; a participao de funcionrios tambm no os coloca como empregados mas como participantes em paridade de condies com os estudantes e professores; um espao interno democrtico e sem hierarquias se refletir na atividade de extenso, na atividade com a comunidade, possibilitando a participao da prpria comunidade na organizao do projeto de extenso; a quebra da hierarquia serve de exemplo para a comunidade e educa para a participao.

    Atente-se, enfim, que um novo modelo de Universidade no teme enfrentar a questo poltica. A Universidade, por estar inserida dentro da sociedade e estar ligada a todas as foras polticas resultantes desta. Num notvel texto de reflexo escrito no meio da turbulncia estudantil, Wallerstein afirmava que a questo no est em decidir se a universidade deve ou no deve ser politizada, mas sim em decidir sobre a poltica preferida. E as preferncias variam.19 A Universidade, em sentido amplo, e as atividades de extenso, em um sentido estrito, esto de alguma forma ligadas a uma atuao poltica.

    A extenso universitria pode se constituir em um elemento daquilo que Gramsci denomina ao orgnica ou, ainda, ao pedaggico-poltica. Quanto mais ela for acompanhada de pesquisa, mais fora ou carter orgnico ela poder ter. A ao orgnica, a nosso ver, necessariamente tem de elevar as pessoas da camada popular e/ou a camada popular como um todo (quando se trata de polticas/iniciativas em nvel de Estado ou em nvel de sociedade global). Em outros termos queremos dizer que a extenso, caracterizada como orgnica, deve ser emancipadora, libertadora, possibilitar a autonomia e elevar o pensamento para alm do senso comum.20

    Por isso essencial ter-se em mente a pergunta: O que se pretende estender? Ou melhor, o que se pretende dialogar?21 Ser que o conhecimento que se pretende disponibilizar para a comunidade est impregnado com alguma ideologia? Qual?

    Atentar-se s referidas perguntas essencial pois a atividade de extenso pode (se feita sem reflexo) servir apenas para solver problemas superficiais, sem atingir as causas efetivas. Estender o Direito pode servir, portanto, para estender a ideologia dominante.22

    Por isso, o contedo e a forma no se resumem a uma forma de atuao mas se figuram como postura poltica da atividade de extenso. O contedo e o mtodo iro determinar que se estenda o Direito como um espao a ser conquistado dialogando atravs dos direitos uma postura de participao democrtica e popular. Quando este novo modelo de extenso se choca com os modelos antigos, aprofundam a contradio destes e geram inmeras questes:

    (...) segundo Pedro DEMO, inevitavelmente vai causar problema porque, no campo do conhecimento, o que no causa problema no conhecimento. Vai incomodar os professores, que sero questionados sobre a pertinncia do que fazem em termos de formar um profissional capaz de intervir alternativamente. Vai criticar o atual currculo, muito distante da aprendizagem minimamente adequada. Vai repensar a vida acadmica, que no pode significar aulas copiadas que apequenam o aluno como reprodutor de conhecimento alheio. Vai ressaltar o papel da pesquisa, tanto como modo de produo do conhecimento, quanto como base educativa essencial. Em sntese, o servio passa a ser encarado com extenso e esta, como ato de pesquisa, unindo-se saber e mudana, teoria e prtica, sempre de forma dialtica, cumprindo o verdadeiro papel da Universidade.23

    19 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 207. Ao considerar pela importncia que tomou na poca

    , o ncleo inicial de uma manifestao poltica preocupada com os meios populares em termos educativos, parece ter-se constitudo de quadros universitrios. BEZERRA, Ada. As atividades em Educao Popular. In: BRANDO, Carlos Rodrigues. A questo poltica da Educao Popular. 2. ed. So Paulo: Editora Brasiliense, 1980, p. 22. 20

    JANTSCH, Ari Paulo e SCHAEFER, Srgio. O Conhecimento Popular., p. 150. 21

    Como Freire j referia, a diferena na metodologia das atividades de extenso se encontra no verbo estender/dialogar. 22

    Vide Supra: Captulo 1.III. O Direito e o resgate de sua dignidade por Roberto LYRA FILHO. 23

    CARVALHO, Lucas Borges de. Idias para uma nova assistncia jurdica (...), p. 224-5.

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    II. Mtodo Tradicional de Extenso: Assistncia

    ...as pessoas e os grupos sociais tm o direito a ser iguais quando a diferena os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.

    Boaventura de Sousa Santos

    Normalmente, quando se utiliza a expresso Assessoria Jurdica, os juristas relacionam esta com o que aqui se identificar como Assistncia Jurdica. Deste modo, interessa explicitar o que se entende por Assistncia Jurdica e por que se cogita que esta figura como o mtodo de extenso tradicional em Direito face a sua predominncia absoluta nos meios universitrios. Para tanto, sero utilizadas algumas classificaes usuais dessa atividade.

    A primeira distino, usualmente referida nos livros sobre acesso justia e nos manuais de direito processual, a diferenciao entre assistncia jurdica e judiciria.

    Logo, o conceito de assistncia judiciria consiste num auxlio (servio jurdico prestado aos pobres gratuitamente) prestado em juzo perante o Judicirio. Assistncia jurdica englobaria todo o servio jurdico prestado por advogado. Assim, no seria somente uma mera gratuidade processual que garantida por lei, mas tambm uma assistncia tcnica prevista na Constituio Federal.24

    Em geral, a distino no varia muito. Assistncia judiciria seria a elaborao de trabalhos para defesa dos direitos dos hipossuficientes25 pela via do Poder Judicirio, sendo efetuados trabalhos de carter tcnico portanto, a articulao de aes e da defesa em juzo de forma gratuita.26 Os exemplos de instituies que prestam assistncia judiciria mais citados so os escritrios-modelo, a defensoria pblica e os escritrios de advocacia popular. Pelo que se percebe o que define a assistncia judiciria a prestao gratuita de servios advocatcios a pessoas economicamente dbeis.

    Interessante notar que a origem da Assistncia judiciria provm das atividades de caridade crists. Oriundo das Ordenaes Filipinas (...) esse amparo legal aos necessitados no era de cunho processual, ou seja, como pressuposto de um devido processo legal. A assistncia estava pautada em princpios cristos de caridade.27

    O conceito de assistncia judiciria se liga ao direito fundamental expresso na Constituio Federal da Repblica do Brasil de 1988, em seu artigo 5, inciso LXXIV; O Estado prestar assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem insuficincia de recursos28. Mas, como se pode observar, a expresso utilizada na Constituio da Repblica : assistncia jurdica integral. Neste sentido a doutrina tem considerado a ampliao deste direito fundamental e clusula ptrea29, incluindo, alm da assistncia judiciria, o que se entende por assistncia jurdica.

    24 WEINTRAUB, Arthur Bragana de Vasconcellos. 500 Anos de assistncia Judiciria no Brasil. In: Revista da Faculdade

    de Direito da USP. Vol. 95, So Paulo: Servio Tcnico de Imprensa, 2000, p. 245. 25

    Hipossuficientes, para a assistncia, sero apenas aqueles com insuficincia econmica, ou seja, aqueles que no detm recursos financeiros para a defesa dos direitos e existncia digna. 26

    Os significados para a expresso ASSISTNCIA JUDICIRIA se aproximam nos diversos dicionrios: Informado pela idia de garantia do acesso aos tribunais dos cidados que no dispusessem dos recursos econmicos necessrios para custear as despesas do pleito e os encargos do patrocnio judicirio, o instituto da assistncia judiciria, traduz-se na dispensa, total ou parcial, do prvio pagamento das custas e/ou no patrocnio judicirio gratuito, ou quase, por advogado nomeado pelo juiz. PRATA, Ana. Dicionrio Jurdico. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p. 65. No mesmo sentido, Vide: NAUFEL, Jos. Novo Dicionrio Jurdico Brasileiro. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 134; FRANCO, Joo Melo; MARTINS, Antonio Herlandes Antena. Dicionrio de Conceitos e Princpios Jurdicos. 3 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1991, p. 103-4; FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, p.184. 27

    WEINTRAUB, Arthur Bragana de Vasconcellos. 500 Anos de assistncia Judiciria no Brasil, p. 242. Interessa notar que desde suas origens a Assistncia judiciria est impregnada da atitude que Paulo Freire chama de falsa generosidade. 28

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 22 ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 11. 29

    (...) o preceito instituidor da assistncia jurdica, por pertencer ao rol dos direitos e garantias fundamentais, encontra-se sob o manto das clusulas constitucionais ptreas. RAMOS, Glauco Gumerato. Assistncia Jurdica Integral ao Necessitado. In: Revista dos Tribunais. Ano 88, vol. 765, jul 99, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 51.

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    Seguindo as tendncias apontadas pelo movimento de acesso Justia, o mesmo artigo 5 garante o exerccio desse direito, impondo ao Estado o dever de prestar assistncia, o que implicou a ampliao desse servio (art. 5, inciso LXXIV). Isso porque, ao denomin-la assistncia jurdica, o servio jurdico gratuito no mais se restringe ao patrocnio gratuito da causa pelo advogado, mas compreende a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou no, relativas aos atos necessrios ao desenvolvimento do processo e defesa dos direitos. Integram tambm esse rol os direitos informao, orientao e consultorias jurdicas, bem como a utilizao do mtodo conciliatrio pr-processual para soluo amigvel dos conflitos intersubjetivos.30

    Pela redao da atual Constituio da Repblica se pode entender o direito assistncia jurdica integral como o alargamento da assistncia (agora no mais limitada utilizao do Poder Judicirio) para os meios extrajudiciais de conciliao, bem como de prestao de informaes jurdicas (consultorias, assessorias e representao justo administrao pblica) de que necessite um cidado hipossuficiente. Esta distino inclui, portanto, um amplo leque de atividades. Pode-se referir desde atividades de mediao de conflitos e juntas de arbitragem, at atividades com o objetivo da educao, como por exemplo a criao de material didtico sobre direitos.

    No entanto, passvel de crticas a doutrina pela manuteno do Poder Judicirio no centro da distino entre assistncia judiciria e jurdica. possvel observar que a dicotomia assistncia jurdica e judiciria traz, intrinsecamente, a discusso sobre monismo e pluralismo jurdicos. Seu recorte parte da perspectiva do que ou no assistncia processual oficial. Logo, no interessam as diferenas das atividades que no sejam assistncia processual oficial, todas sero enquadradas como assistncia jurdica. Dessa maneira age porque entende que a cincia do Direito trata, por excelncia, da resoluo de conflitos atravs do Poder Judicirio, sendo subsidiria a atuao fora dele. A preocupao se assenta apenas na oficialidade, no monoplio do Estado na consecuo da Justia e na efetivao da cidadania.

    Percebe-se nitidamente que tal distino tem origem no positivismo jurdico e em sua concepo monista e formalista do Direito. Essa distino, portanto, no se presta para uma atividade inovadora em extenso jurdica universitria.

    Centrar as atividades de acesso justia na utilizao ou no do aparelho judicirio no suficiente para se entender a questo da educao para cidadania em toda sua complexidade. Tal distino separa artificialmente o Direito das demais reas do conhecimento e limita a anlise da questo ao discurso jurdico e a seus limitados instrumentos de anlise legal. Alm disso, cria uma separao artificial de atividades de soluo de litgios. Tal fato gera situaes inusitadas nas quais a distino enuvecida, como em certas atividades de composio de litgios desenvolvidas pelo Estado em parcerias com organizaes sociais e entidades no governamentais (ONGs, Igrejas, Associaes de bairro, Sindicatos, entre outros). Um ltimo aspecto diz respeito falta de avaliao da finalidade das atividades desenvolvidas face comunidade, ou seja, no existe na classificao entre assistncia jurdica e judiciria qualquer avaliao sobre a finalidade das atividades em relao s pessoas atendidas por estes servios (pretende-se apenas solver um litgio ou educar para a cidadania?). Para a doutrina tradicional, a assistncia judiciria e a assistncia jurdica podem ou no ter fins diversos.

    Outra possvel distino interessa no sentido de orientar o mtodo de ensino a ser utilizado na Assessoria Jurdica. Essa distino parte da materialidade do objeto da Assistncia. Portanto no considera a utilizao do Poder Judicirio mas se baseia na materialidade do trabalho realizado pelo agente da Assistncia. Assim, divide-se a assistncia em material e intelectual.

    Assistncia material consiste naquela que busca solucionar o conflito atravs de trabalhos mensurveis materialmente (e quantitativamente) em tcnicas de resoluo de conflito ligadas ou no ao Estado. Seriam exemplos de assistncia material desde os escritrios modelos (onde se postula atravs de processos junto ao Poder Judicirio) como tambm seriam as juntas de conciliao, a mediao e a arbitragem (acordos feitos extrajudicialmente). Todos estes trabalhos se materializam em peties, processos, acordos, entre outros. No existe transferncia ao atendido do conhecimento necessrio para o exerccio do direito que ser pleiteado em seu nome. Nessa espcie de trabalho o sujeito leva o problema e recebe a soluo material, ou seja, recebe a soluo em seu estado final.

    30 SADEK, Maria Tereza (org.); et alii. Acesso Justia, p. 159. No mesmo sentido: RODRIGUES, Horcio Wanderlei.

    Acesso justia no direito processual brasileiro, p. 59 e 80; RAMOS, Glauco Gumerato. Assistncia Jurdica Integral ao Necessitado, p. 51.

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    Na assistncia intelectual o sujeito comunitrio no recebe a soluo final do conflito materializada mas o conhecimento31 para que o prprio atendido realize a atividade que resultar na soluo do problema. Esta atividade efetuada nos centros de informao sobre direitos. Servem como exemplo atividades desenvolvidas para a educao. Dentre as efetuadas pelo Estado podem ser destacadas as atividades de rgos como PROCON, Detran, Secretaria da Justia, entre outras; das efetuadas pelas entidades civis destacam-se os trabalhos de ONGs, Associaes de Bairro, Sindicatos.

    Paulo Freire denuncia que, por excelncia, as atividades de extenso universitrias se revelam como assistncia seja intelectual, seja material e que nenhuma transforma o atendido em sujeito do conhecimento32. Essa distino pauta-se na centralidade do solvimento do litgio. O objetivo de ambas a diminuio da litigiosidade. Mesmo quando a assistncia intelectual pretensamente quer estimular a educao para autonomia e cidadania, no o faz efetivamente. Isso porque atua como se o atendido fosse apenas um objeto, um depsito a ser preenchido educa atravs do mtodo bancrio denunciado por Paulo Freire. Alm disso, tanto a assistncia intelectual quanto a material se limitam ao legal institudo. Portanto no superam a concepo positivista de Direito.

    No raro, confunde-se Assistncia intelectual com a Assessoria Jurdica pois a primeira pretensamente se encontra com o objetivo de educao para os direitos assim como a segunda. Todavia algumas caractersticas da primeira fulminam tal compreenso.

    Assistncia intelectual objetiva a educao para a soluo de litgios. A cidadania se resume a entender os direitos conferidos e exerc-los atravs do ordenamento jurdico institudo. A assistncia intelectual serve apenas para informar o cidado de sua cidadania. A cidadania existe pronta em alguma legislao. O vazio da proposta de assistncia intelectual se encontra no conceito de cidadania, o qual se resume a um amontoado de direitos. Se assim se considerar, educar no conferir cidadania a ningum, mas somente a aperfeioar e a tornar consciente. Cidadania no seria uma conduta desejvel, porm apenas um conjunto de direitos concedidos.33

    A assistncia intelectual figura-se como uma das expresses do assistencialismo. Alguns (pre)conceitos sobre a atividade de extenso universitria levam referida metodologia. O primeiro se relaciona com a perspectiva de superioridade do conhecimento universitrio. Esse leva invaso cultural e supresso do dilogo. O dilogo verdadeiro s possvel entre iguais ou entre pessoas que desejam igualar-se34. Logo, para a assistncia o conhecimento universitrio, por ser superior, deve ser levado comunidade como ddiva que solver seus problemas. A experincia histrica do sujeito comunitrio de nada vale.

    Outro (pre)conceito se relaciona com a idia de vanguarda da universidade. Essa, intitulando-se centro de excelncia e crtica, pretende conferir a todos um conhecimento crtico e puro (mito da neutralidade do conhecimento cientfico)35. A crtica reflexiva, entretanto, nem sempre est presente na Universidade.

    Por fim, relacionando-se em especial com as universidades pblicas, a perspectiva de retribuir a gratuidade do ensino leva a universidade a oferecer um servio a sociedade. Na perspectiva de servio se oferece o conhecimento universitrio na forma de mercadoria, mesmo que gratuita.36

    O assistencialismo criticado em diversos aspectos pelo prof. Paulo Freire:

    Opnhamo-nos a estas solues assistencialistas, (...) Em primeiro lugar, contradiziam a vocao natural da pessoa a de ser sujeito e no objeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistncia um objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua prpria

    31 A primeira forma de defesa dos direitos a que consiste no seu conhecimento. S quem tem conscincia quer das

    vantagens e dos bens que pode usufruir com o seu exerccio ou com a sua efetivao quer das vantagens e dos prejuzos que sofre por no os poder exercer ou efetivar ou por eles serem violados. MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais Introduo Geral (Apontamentos de Aulas). Lisboa: [S.D.], 1999, p. 128. 32

    Para comparao entre mtodo bancrio de ensino e invaso cultural na extenso Vide: FREIRE, Paulo. Extenso ou Comunicao?, p. 80. 33

    (...) desconhecer, por exemplo, que temos direito sade, no significa deixar de ter (ou perder) o reconhecimento formal desse direito. Ocorre que a ignorncia pode nos impedir de exercitar esse direito ou de reclamar por seu cumprimento. Por isso, a educao entendida como o mecanismo de difuso dos direitos existentes, no forma ou concede a cidadania, embora a faa mais consciente. ALENCAR, Chico; GENTILI, Pablo. Educar na esperana em tempos de desencanto. Petrpolis: Editora Vozes, 2001, p.72. 34

    BORDENAVE, Juan E. Daz. O que participao. So Paulo: Editora Brasiliense, 1983, p. 51. 35

    Sobre o tema Vide: LWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Baro de Mnchhausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 6 ed.. So Paulo: Cortez, 1998. 36

    Vide: MALISKA, Marcos Augusto. O Direito Educao e a Constituio, p. 282.

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    recuperao. Em segundo lugar, contradiziam o processo de democratizao fundamental em que estvamos situados. (...) O grande perigo do assistencialismo est na violncia do seu antidilogo que, impondo ao homem o mutismo e passividade, no lhe oferece condies especiais para desenvolvimento ou a abertura de sua conscincia que, nas democracias autnticas, h de ser cada vez mais crtica. (...) O assistencialismo (...) uma forma de ao que rouba ao homem as condies consecuo de uma das necessidades fundamentais de sua alma a responsabilidade. (...) exatamente por isso que a responsabilidade um dado existencial. Da no pode ser ela incorporada ao homem intelectualmente, mas vivencialmente. No assistencialismo no h responsabilidade. No h deciso. S h gestos que revelam passividade e domesticao do homem.37

    A assistncia38, porm, pode ser entendida a partir de um outro significado no mais como mtodo assistencialista, mas como direito fundamental. O direito fundamental Assistncia (garantido constitucionalmente nos artigos 203 e 204 da Constituio da Repblica de 1988) foi uma conquista do Estado de Bem-estar Social. Alm disso, se (...) reconheceu com base numa construo hermenutica a existncia de um direito fundamental subjetivo no-escrito garantia dos recursos materiais mnimos necessrios a existncia digna39. O direito Assistncia se figura na prestao estatal, ou de agentes em colaborao com o Estado, de atividades que supram necessidades bsicas de sobrevivncia de indivduos em extrema necessidade sem qualquer espcie de contraprestao. Os programas de assistncia alimentar contra a fome, os de emergncia contra epidemias, entre outros, servem de exemplo para o direito assistncia. Neste sentido a Assistncia detm uma radicalidade prpria, que a indiscutibilidade da sobrevivncia40. Todavia salutar ressaltar que A pobreza material no mais importante que a pobreza poltica, ao contrrio. Mas mais imediata.41

    O duplo significado da expresso Assistncia obriga a uma escolha: a utilizao ou no do termo Assistncia para designar atividades de extenso inovadoras.42 A escolha da expresso Assessoria pretende contrapor a expresso Assistncia ligada ao assistencialismo. At mesmo porque seria pouco prudente utilizar uma expresso que, apesar de poder significar um direito fundamental, tambm pode estar ligada a uma ao tpica da falsa generosidade do opressor.

    O estreito limite entre o direito fundamental e o assistencialismo (paternalista clientelista) de difcil percepo. Ressalte-se, ainda, que no a dignidade da pessoa humana em si, mas as condies mnimas para uma existncia com dignidade constituem o objeto precpuo da prestao assistencial (...) o direito assistncia social alcana o carter de uma ajuda para a auto-ajuda (Hilfe zur Selbsthilfe), no tendo por objeto o estabelecimento da dignidade em si43. Como processo, como relao social, a excluso no desaparece quando se atacam os seus efeitos, mas sim suas causas44. A inverso ideolgica do direito fundamental assistncia pode gerar o atrofiamento do desenvolvimento comunitrio e da democracia. Pois (...) reconhecendo-se o

    37 FREIRE, Paulo. Educao como prtica da Liberdade, p. 57-8.

    38 ASSISTNCIA Do latim, assistentia ou adsistentia, do verbo assistere; estar junto a, ou adsistere; estar em grupo. O

    significado vulgar do termo vem da Idade Mdia, quando os religiosos permaneciam junto aos enfermos, assistindo-os. Da as expresses assistncia social, assistncia judiciria, etc.... ACQUAVIVA, Marcus Cludio. Dicionrio Jurdico Brasileiro. 3 ed. So Paulo: Editora Jurdica Brasileira Ltda., 1993, p. 180. 39

    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 300. Sobre o tema, especialmente, Vide: FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurdico do patrimnio mnimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 40

    DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida, p. 100. 41

    Ibid., p. 102. 42

    Interessante questo se relaciona funo da utilizao da expresso Assessoria Jurdica. A rejeio inicial dessa expresso relaciona-se com a impropriedade de sentido, pois: ASESSORIA: 1. Assessoramento 2. Orgo, ou conjunto de pessoas, que assessoram um chefe; assessoramento; 3. Escritrio, ou instituio, especializado na coleta e anlise de dados tcnicos, estatsticos ou cientficos de uma matria. FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, p.184. Como se observa, o significado da expresso Assessoria nada acrescenta em relao a expresso Assistncia. Alm disso, a Constituio Federal da Repblica de 1988 protege a assistncia jurdica integral, conforme, art. 5, inciso LXXIV. Todavia se privilegia, aqui, a importncia didtica da distino terminolgica frente ao seu papel criativo no iderio do novo. Por outro lado, a utilizao do termo Assessoria pelos Movimentos Populares possibilita um canal novo para a construo diferenciada da extenso universitria. O estranhamento do nome, talvez, auxilie a dar forma esttica radicalidade das distines metodolgicas. 43

    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 310. 44

    ALENCAR, Chico; GENTILI, Pablo. Educar na esperana em tempos de desencanto, p. 40.

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    direito de assistncia para todos que tm coibida a chance de sobrevivncia, mas principalmente o direito de emancipao, porque este o ideal da sociedade democrtica; tutela nunca, assistncia quando necessria, emancipao sempre; em vez de dependncia, competncia; (...).45

    Por se normalizarem na atualidade brasileira, a assistncia jurdica e a judiciria assumem um papel paternalista e ideologicamente intencionado46. Importa superar o modelo de assistncia jurdica paternalista a fim de atingir a emancipao comunitria para tornar o direito a assistncia jurdica aplicvel somente a situaes excepcionais. Pois Assistncia (...) volta-se stricto sensu para os problemas de sobrevivncia material. (...) pessoas que no revelam problemas relevantes de sobrevivncia material no teriam razo para serem assistidas.47

    Logo, percebe-se que o direito fundamental Assistncia detm limites. O primeiro diz respeito vinculao ao Estado, ou colaborao com o Estado. Essa caracterstica importantssima a fim de evitar o descontrole democrtico e o chamado clientelismo48. Quando particulares assumem atividades de assistncia abre-se espao para o desequilbrio poltico marcado pela dominao e cooptao polticas49. Figurado, assim, o denominado Coronelismo, realidade que no Brasil ainda continua comum em vrias regies.

    A segunda caracterstica a da excepcionalidade do direito Assistncia. Sendo possvel preciso se evitar a assistncia. Esse direito deve ser conferido somente em situaes de clara necessidade para que no figure em atitudes paternalistas. Nesse sentido a assistncia um direito que deve ser aplicado somente quando no existirem possibilidades de autopromoo do sustento50. Assim, poder-se-ia sustentar que no haveria como impor ao Estado a prestao de assistncia social a algum que efetivamente no faa jus ao benefcio, por dispor, ele prprio, de recursos suficientes para o seu sustento51. Quando o direito assistncia se normaliza, deixa de ser temporrio para se tornar uma prestao contnua, passa de um direito social para uma estratgia de controle e dependncia das classes com menor poder aquisitivo.

    A Assistncia jurdica, daqui em diante utilizada em seu sentido ligado ao assistencialismo, identifica-se com o ensino bancrio. Tem as caractersticas da ao antidialgica, quais sejam: conquista; diviso; manipulao; invaso cultural. Est ligada tambm idia de falsa generosidade. O atendido apenas o objeto da Assistncia jurdica. Figura aqui a grande contradio da Assistncia jurdica: a reificao do ser humano, a perda de sua dignidade. Em suma, o operador jurdico o sujeito da relao de Assistncia jurdica e o sujeito comunitrio mero objeto.

    Em anlise, possvel observar uma ideologia no mtodo exposto. A proposta assistencialista tem como objetivo falsear a autonomia e a liberdade dos oprimidos para que estes se adaptem s posies subalternas que a ordem social lhes confere. Para uma ideologia que pretende a conformao dos oprimidos ao sistema, tal metodologia coerente e, portanto, realiza uma funo essencial de justificar o discurso de direitos e cidadania universais52. A ideologia a do status quo, da dominao.

    A Assistncia jurdica se justifica pelos obstculos econmicos ao acesso justia. Todavia a moderna doutrina sobre o Acesso Justia identifica, alm dos obstculos econmicos, obstculos socioculturais53. Ao se falar em obstculos ao Acesso Justia no se trata s da pobreza econmica, mas

    45 DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida, p. 05.

    46 Vide: CAMPILONGO, Celso Fernandes. Assistncia jurdica e realidade social: apontamentos para uma tipologia dos

    servios legais. In: Discutindo a Assessoria Popular, Coleo Seminrios n 15, IAJUP (Instituto de Apoio Jurdico Popular). p.8-28. Rio de Janeiro: FASE, junho de 1991, p. 11. 47

    Assim, a tese da universalizao da assistncia o primeiro grande equvoco, porque a transforma ou em bagatela quando, diante da pobreza da maioria, distribui migalhas e passa totalmente ao largo das relaes de mercado. DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida, p. 95. 48

    CLIENTELISMO Procedimento que visa a aliciar ou a captar eleitores ou adeptos polticos, mediante o atendimento imediato ou futuro de seus interesses pessoais. SOUSA, Jos Pedro Galvo de; et alii. Dicionrio de Poltica. So Paulo: T.A. Queiroz, 1998, p. 103. 49

    Vide: JANSEN, Anneke. Educao Popular: Trajetria de uma experincia no Paran. Curitiba: Aditepp, 1987, p. 15-6. 50

    Existe uma instncia participativa nos direitos sociais fundada, ainda e sempre, no respeito da personalidade: porque se cura de prestar bens e servios a pessoas, no apenas preciso contar com o seu livre acolhimento como ainda mais vantajoso pedir-lhe que, por si ou integrada em grupos, contribua para a sua prpria promoo. MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais Introduo Geral, p. 69. 51

    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 276. 52

    Cf. DAMATTA, Roberto. Cidadania: A questo da cidadania num universo relacional. In: DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua: Espao, cidadania, mulher e morte no Brasil. (p. 71-102) 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 81-2. 53

    O conjunto destes estudos revelaram que a discriminao social no acesso justia um fenmeno muito mais complexo do que primeira vista pode aparecer, j que para alm das condicionantes econmicas, sempre mais bvias,

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    tambm de seus efeitos culturais, sociais e jurdicos que levam ao desconhecimento e descrena em seus direitos

    Enfrentar os problemas socioculturais algo que a Assistncia jurdica no faz. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxlio; no encoraja nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a compreender seus direitos e identificar as reas em que se podem valer de remdios jurdicos.54

    Estudos revelam que a distncia dos cidados em relao administrao da justia tanto maior quanto mais baixo o estrato social a que pertencem e que essa distncia tem como causas prximas no apenas fatores econmicos, mas tambm fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econmicas. Em primeiro lugar, os cidados de menores recursos tendem a conhecer pior seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como sendo um problema jurdico (...) Os dados mostram que os indivduos das classes baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal (...) Dois fatores parecem explicar esta desconfiana ou est resignao: por um lado, experincias anteriores com a justia de que resultou uma alienao em relao ao mundo jurdico (uma relao compreensvel luz dos estudos que revelam ser grande a diferena de qualidade entre os servios advocatcios prestados s classes de maiores recursos e os prestados s classes de menores recursos); por outro lado, uma situao geral de dependncia e de insegurana que produz o temor de represlias se se recorrer aos tribunais. Em terceiro e ltimo lugar, verifica-se que o reconhecimento do problema como problema jurdico e o desejo de recorrer aos tribunais para o resolver no so suficientes para que a iniciativa seja tomada.55

    Entrando propriamente nas atividades assistencialistas prima referir-se ao exemplo clssico e usual desta espcie nas Universidade brasileiras: o chamado escritrio-modelo. A influncia deste modelo de atividade pode ser percebida em todas as demais atividades de extenso em Direito. A maioria das atividades de extenso busca levar o paradigma do escritrio-modelo para comunidades marginalizadas. Esse talvez seja o grande problema da extenso em Direito: se reproduz um mtodo sem reflexo. Da a importncia de desconstruir a concepo metodolgica do escritrio-modelo para se visualizar a ideologia que o permeia.

    Obrigatrio para a formao do aluno, o escritrio-modelo parte, tanto na teoria como na prtica, de uma concepo assistencialista. O grande problema metodolgico da concepo do escritrio-modelo a tentativa de conciliao de uma prtica assistencialista com a necessidade do ensino da prtica judiciria56 para o acadmico de Direito.

    Na questo referente ao ensino de prtica judiciria no preciso grandes divagaes para mostrar sua deficincia. A regularizao e o controle mais efetivo dos estgios que na maioria dos casos se mostram como contratos de trabalho disfarados nos quais no se respeitam direitos trabalhistas nem sequer objetivos de aprendizagem poderiam suprir a necessidade de um laboratrio de ensino da tcnica judiciria. Ou, em se tratando de laboratrio e a prpria idia de laboratrio traz muitas implicaes em si poderia utilizar-se de casos fictcios. Assim se viabilizaria uma formao, em termos de prtica processual, superior conseguida com o escritrio-modelo, o qual desigual para os estudantes (depende dos casos de que cada um fica responsvel) e falho estruturalmente em termos de orientao docente. Alm do que inconcebvel que no curso de Direito se utilizem cobaias humanas, desnecessariamente, para a aprendizagem dos estudantes.

    Todas as crticas ao mtodo assistencialista (paternalista) se encaixam ao escritrio-modelo. Ele gera, portanto, uma relao de reificao e de dependncia em relao ao pblico atendido. Geralmente as causas a

    envolve condicionantes sociais e culturais resultantes de processos de socializao e de interiorizao de valores dominantes muito difceis de transformar. SANTOS, Boaventura de Sousa. Introduo sociologia da administrao da justia. In: FARIA, Jos Eduardo (org.). Direito e Justia: a funo social do judicirio, So Paulo: Editora tica, 1997, p.49. 54

    CAPPELLETTI, Mauro; Bryant GARTH. Acesso Justia. (traduo Ellen Gracie Northfleet) Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 38. 55

    SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 170. 56

    (...) em muitas faculdades de direito, os servios de assistncia jurdica e judiciria gratuita, que eram extracurriculares nos anos sessenta, foram integrados no plano de estudos enquanto forma de ensino aplicado (clinical education), isto , de trabalho prtico de estudantes sob a orientao dos professores. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 207.

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    serem trabalhadas so escolhidas pelos operadores jurdicos. Na maior parte das vezes s se atendem causas relacionadas ao direito de famlia por serem de fcil ajuizamento (no incomum perceber em escritrios-modelo que em casos de divrcios, em prol da celeridade do processo, os advogados e estudantes prefiram no pleitear bens adquiridos durante o casamento simplesmente expondo a trivial dificuldade de se comprovar ao juiz a aquisio dos bens. Quem, afinal, escolheu tal caminho?). Outra questo muito levantada o carter informativo e educativo que os escritrios-modelo exercem57. Porm tal atividade, como j referido anteriormente, no se presta para a educao, pois transforma o membro da comunidade em objeto.

    Proposta, de igual sorte, freqentemente utilizada nos projetos de extenso a chamada assistncia intelectual. Formulam-se cartilhas, panfletos, folders e todo o tipo de material informativo sobre o Direito. Realizam-se palestras, conferncias e cursos. Todavia no h dilogo com a comunidade e a efetividade destas atividades de pretensa educao questionvel. Impossvel se educar quando se trata o educando como objeto. necessrio estar atento metodologia de ensino.

    Em relao s atividades de mediao e conciliao, essas geralmente so feitas com o intuito de solver problemas especficos como separaes, divrcios, pequenos danos, acidentes de trnsito, brigas de vizinhos, entre outros. Objetiva evitar o trmite no Poder Judicirio, que seria moroso e repleto de dificuldades processuais. So efetivados acordos entre as partes litigantes. Em grande parte, o acordo (su)gerido por um conciliador que ir avaliar a situao jurdica, prever as conseqncias e propor a soluo. As partes figuram como espectadores. Sua participao se resume a concordar ou discordar do acordo, sob a coao de enfrentamento do moroso e custoso Poder Judicirio.

    O prof. Celso Fernandes Campilongo desenvolveu uma clssica tipologia dos servios legais inovadores. Essa tipologia ideal foi a primeira reflexo sobre a questo dos servios jurdicos e o surgimento de novas realidades sociais. O quadro resume sua tipologia:

    Caractersticas dos Servios Jurdicos na Tipologia de Celso Fernandes Campilongo SERVIOS LEGAIS TRADICIONAIS SERVIOS LEGAIS INOVADORES

    INDIVIDUAL COLETIVO PATERNALISMO ORGANIZAO

    APATIA PARTICIPAO MISTRIO DESENCANTAMENTO

    LEGAL EXTRALEGAL CONTROLE DE LITIGIOSIDADE EXPLOSO DE LITGIOS

    TCNICO JURDICO MULTIPROFISSIONALISMO DEMANDAS CLSSICAS DEMANDAS DE IMPACTO SOCIAL

    TICA UTILITRIA TICA COMUNITRIA CERTEZA JURDICA JUSTIA

    Fonte: CAMPILONGO, Celso Fernandes. Assistncia jurdica e advocacia popular: servios legais em So Bernardo do Campo. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. So Paulo: Max Limonad, [S.D.], p. 19-32.

    Dessa tipologia surgiram as chamadas assistncias inovadoras, as quais trazem o esboo de um novo modelo de servio legal. Tais propostas pretendem organizar servios de Assistncia Inovadora que tratem, em especial, de causas coletivas e difusas, mas no difcil observar outras caractersticas da Assessoria ligadas a este modelo de Assistncia.58

    Cabe, pois, especificar algumas questes sobre os denominados Servios Legais Inovadores que fundamentaram as propostas de Assistncia Inovadoras e em certa medida a Assessoria Jurdica. Esses servios buscam tratar de causas coletivas por meio de escritrios de advocacia populares, sindicatos e associaes de classe ou bairro. Estes, a partir de uma consecuo de demanda da prpria populao,

    57 Fato verificvel, entretanto, que o sistema adotado:(...) apesar de em teoria o sistema incluir a consulta jurdica

    independentemente da existncia de litgio, o fato que, na prtica, se concentrava na assistncia judiciria. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 171. 58

    Neste sentido Vide: LBO, Paulo Luiz Netto. O ensino do Direito de Famlia no Brasil. In: Repertrio de Doutrina sobre Direito de Famlia: aspectos constitucionais, civis e processuais. pp. 304-21. Vol. 4. (Coord. Teresa Arruda Wambier e Eduardo de Oliveira Leite). So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 318.

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    estabeleceriam causas coletivas pelas quais se poderia conceber solues jurdicas diferenciadas. O modelo que inspirou tais servios consiste nos sindicatos do ABC paulista que, a partir da organizao, buscavam a conquista de direitos atravs de causas coletivas.

    Podem ser destacados alguns aspectos da Assistncia inovadora que a relacionam com a Assessoria. O primeiro diz respeito ao contedo das causas, as quais versam sobre questes coletivas e difusas o que estimula a organizao social e a participao59. O segundo concerne insero da questo poltica trazida por tais servios isto porque sero discutidos, coletivamente, aspectos polticos ou/e estaro ligados a movimentos populares. Por fim, estes servios propugnam a interao interdisciplinar que fortalece sua perspectiva emancipadora. No curso de Direito da UFPR existiu um modelo desta proposta: o denominado Ncleo de Direitos Difusos e Coletivos.

    As inovaes destes servios so apreciveis; entretanto no existe um rompimento total com o mtodo assistencialista, principalmente na prtica. Vrios apontamentos surgem neste sentido. No se supera a viso do paternalismo, pois ainda h polaridade nas decises. As temticas a serem tratadas se baseiam em escolhas da organizao da Assistncia jurdica. Na Assessoria existe uma conciliao entre o interesse da comunidade e o seu interesse; sem essa perspectiva crtica ou se tropea no paternalismo60 ou no absentesmo comunitrio.

    Esse paradigma de transio elenca vrios problemas que servem de base para a elaborao dos princpios do mtodo da Assessoria Jurdica. O primeiro diz respeito participao popular (negar o paternalismo) na atividade desenvolvida, o segundo em relao sua atividade como efetivo instrumento de conscientizao da comunidade sobre o pblico e a cidadania61 (negar o absentesmo), o terceiro diz respeito ao Direito e o sistema de proteo de efetivao de direitos (negar o positivismo e o dogmatismo). At mesmo na proposta de revalorizao do coletivo se deve atentar para que tal conceito no perda seu significado, pois se pode (sobre o rtulo de coletivo) conceb-lo privatisticamente, descaracterizando-o.62

    III. Mtodo Inovador de Extenso: Assessoria

    Cada um, pelo que , faz o que sabe e pode. Roberto Lyra Filho

    Apesar da palavra Assessoria, em sentido comum, ser quase sinnima da palavra Assistncia, foi ela escolhida para simbolizar uma metodologia inovadora de extenso63. A escolha busca exprimir um significado poltico contrrio s propostas de ndole assistencialista. A postura poltica da Assessoria, por surgir no espao discursivo dos movimentos populares, uma postura de contestao e no de caridade. Busca a Assessoria desconstruir o mtodo assistencialista, contestar a sociedade da explorao do trabalho e rechaar a Assistncia como soluo de problemas sociais.

    Esse novo mtodo de extenso parte do dilogo entre a Universidade e a Sociedade.64 O agente do processo de Assessoria Jurdica no somente o membro da comunidade nem somente o operador jurdico. Dentro da Assessoria jurdica somente o dilogo pode construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada um, por ter uma experincia de vida, detm um conhecimento, e somente a partir do dilogo entre o

    59 A participao uma vivncia coletiva e no individual, de modo que somente se pode aprender na prxis grupal.

    BORDENAVE, Juan E. Daz. O que participao, p. 74. 60

    (...) vale sempre a regra bsica de que, podendo haver emancipao, prefervel assistncia, ou, assistncia inteligente aquela que sabe desfazer-se. (...). DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida, p. 96. 61

    Vide: BETTO, Frei. Desafios da Educao. So Paulo: CEPIS, 2000. 62

    Acho que os servios legais alternativos no Brasil constituem um front importante na defesa dos direitos dos oprimidos. O risco das demandas individuais, porm, vem da natureza da prpria demanda, ou seja, a possibilidade de criar mentalidades corporativas, separando os interesses dos oprimidos entre si, atravs de um feixe de lutas incapaz de se totalizar numa luta pela reforma radical do Estado. GENRO, Tarso Fernando Herz. Direito, Iluminismo e a Nova Barbrie. In: ARGELLO, Katie. Direito e Democracia. Florianpolis: Letras Contemporneas, 1996, p. 77. 63

    Entre os significados da expresso se encontram: ASSESSORIA 1. Assessoramento 2. Orgo, ou conjunto de pessoas, que assessoram um chefe; assessoramento; (...) FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, 1986, p.184. ASSESSORIA JURDICA Expressa a funo ou o conjunto de pessoas que auxiliam os rgos ou as pessoas na resoluo das questes jurdicas. SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico, p. 88. 64

    Vide: CARVALHO, Eduardo Guimares de. Cidadania em horrio integral. In: Discutindo a Assessoria Popular II, Coleo Seminrios n 17, IAJUP (Instituto de Apoio Jurdico Popular). p. 36-43. Rio de Janeiro: FASE, outubro de 1992, p. 37.

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    popular e o acadmico possvel construir um conhecimento crtico. Averigua-se o afirmado ao apreciar que aqueles que detm menor poder aquisitivo, em geral, no tm noes tcnicas sobre seus direitos. De outro lado, o operador jurdico no tem experincia em relao a implementao dos direitos (quando o so) na prtica. Somente com a congruncia dos dois conhecimentos, um de cunho terico e outro de cunho prtico, possvel estabelecer dilogo e, por fim, um conhecimento crtico (direito vivo). O que se busca no impor conhecimentos ao membro da comunidade mas lhe possibilitar, a partir do dilogo, a construo do seu prprio conhecimento.

    Para o membro da comunidade o conhecimento no se limitar experincia vivida, pois ter a experincia de como uma questo jurdica pode ser problematizada e como poder encontrar uma soluo a partir do intercmbio de conhecimentos. O dilogo se desenvolver com outros sujeitos, com o prximo, com sua prpria comunidade65. Ocorre neste sentido o desenvolvimento da postura coletivista. Logo, quem ir desenvolver a soluo para as questes ser o coletivo, pois o individual precisa do coletivo para dialogar e construir o seu conhecimento.

    A Assessoria se encontra na terceira onda de Acesso Justia, preocupada com os obstculos socioculturais ao acesso justia. Podemos afirmar que a primeira soluo para o acesso a primeira onda desse movimento novo foi a assistncia judiciria; a segunda dizia respeito s reformas tendentes a proporcionar representaes jurdicas para os interesses difusos, especialmente nas reas da proteo ambiental e do consumidor; e o terceiro e mais recente o que nos propomos a chamar simplesmente enfoque de acesso justia porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito alm deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo.66

    O novo enfoque de acesso justia pretende resgatar a dignidade da pessoa humana. No recente a compreenso de que a dignidade humana se contrape idia de considerar o homem como objeto67. O resgate da dignidade se estabelece na superao da reificao da pessoa que participa de uma atividade de Assessoria jurdica.68

    Para alcanar a dignidade e estabelecer um verdadeiro dilogo com a comunidade preciso enfrentar o problema do discurso jurdico e da linguagem. Para enfrentar a questo da linguagem til uma pequena passagem do clssico Alice atravs do Espelho, especificamente o dilogo entre Alice e Humpty Dumpty:

    Quando uso uma palavra disse Humpty Dumpty em tom escarninho ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique... nem mais nem menos.

    A questo ponderou Alice saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. A questo replicou Humpty Dumpty saber quem que manda. s isso.69 Na verdade, as linguagens no se esgotam nas informaes transmitidas, pois elas engendram uma

    srie de ressonncias significativas e normalizadoras das prticas sociais70. Essa caracterstica da linguagem de transmitir mais do que o seu significado tem extrema relevncia para o Direito e sua democratizao. A linguagem adornada e pomposa da cincia jurdica transmite algo alm da informao nela contida. Foucault aprofunda a questo quando afirma que: (...) suponho que em toda sociedade a produo do discurso ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuda por certo nmero de procedimentos que tm por funo conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatrio, esquivar sua pesada e temvel

    65 Para um conceito de comunidade Vide: BUBER, Martin. Sobre Comunidade, p. 50.

    66 CAPPELLETTI, Mauro; Bryant GARTH. Acesso Justia, p. 31. Acesso justia significa, ainda, acesso informao

    e orientao jurdicas e a todos os meios alternativos de composio de conflitos. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 28. 67

    Esta concepo de dignidade pela no coisificao do sujeito no recente, tanto que j a concepo de dignidade da pessoa humana de Immanuel Kant (...) parte da autonomia tica do ser humano, considerando esta (a autonomia), como fundamento da dignidade do homem, alm de sustentar que o ser humano (o indivduo) no pode ser tratado - nem por ele prprio - como mero objeto." SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 107. 68

    Trabalho inovador nesse sentido: OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. Servio de apoio jurdico SAJU: a prxis de um direito crtico. Salvador, 2002. Monografia (graduao em Direito Universidade Federal da Bahia), p. 59-60. 69

    CARROL, Lewis. As aventuras de Alice atravs do espelho. Rio de Janeiro: Fontana/Summus, 1977, p.196. 70

    WARAT, Luis Alberto. O Direito e a sua linguagem. (com colaborao de Leonel Severo ROCHA) 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.15.

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    materialidade.71 O controle do discurso se faz atravs da linguagem. Linguagem dominada por poucas pessoas. Domnio que se confunde com poder. Enfim, o que Foucault denomina saber-poder.72

    Marilena Chau, em proposio similar, elenca a questo do discurso competente, discurso que proferido por determinadas pessoas em determinadas posies sociais. Assim, o Direito assunto que somente ao jurista cabe tratar. O discurso competente aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (...) porque perdeu os laos com o lugar e o tempo de sua origem. (...) O discurso competente o discurso institudo. aquele no qual a linguagem sofre uma restrio que poderia ser assim resumida: no qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar em qualquer circunstncia73. Na atual sociedade o Direito isolado da maioria da populao, sendo assunto de pequena casta de intelectuais.

    Alm do referido controle discursivo, pode-se afirmar que a linguagem utilizada no detm o significado (a norma) em si. Texto e norma no se identificam. A norma a interpretao do texto normativo74. A ambigidade e a impreciso, ao contrrio do que pretendia o positivismo, so caractersticas do discurso jurdico. Assim, ambigidade e impreciso so marcas caractersticas da linguagem jurdica. Manifesta-se a primeira virtude de as mesmas palavras em diversos contextos designarem distintos objetos, fatos ou propriedades. A mesma palavra em contextos diversos conota sentidos diversos. (...) Quanto impreciso, decorre da fluidez de certas palavras, cujo limite de aplicao impreciso.75

    Os juristas tradicionais se protegem na masmorra do discurso competente e nas calabouos da ambigidade e vagueza formando um enorme castelo jurdico kafkaniano. (...) Na perplexidade em que se encontram, percebem sua perda de prestgio, para que no encontram salvao no preciosismo de sua linguagem, precisamente porque ela lhes demasiado peculiar e, por isto, incapaz de comunicar significados por que o povo anseia e espera.76

    O primeiro passo na democratizao do Direito, para a Assessoria jurdica, a democratizao da linguagem jurdica, simplificao que no recaia em simplismo77. preciso transmutar a linguagem jurdica para a linguagem do povo, tornando-a compreensvel e real78. Tal democratizao no ocorre por um ato de autoridade mas por uma transformao cultural. A democratizao da justia, na verdade, deve passar pela democratizao do ensino e da cultura, e mesmo pela democratizao da linguagem, como instrumento de intercmbio de idias e informaes.79

    A proposta de Educao Popular visa a hegemonia cultural para a transformao social80, assim como a proposta de revoluo de Gramsci. De outro lado, busca a materializao de democracia, no apenas de cunho formal mas de cunho material. Pretende-se instrumentalizar o povo com conceitos crticos para o desenvolvimento de uma democracia radical. Assim, a Assessoria uma proposta pautada no anseio de uma sociedade democrtica e socialista81. Logo, a Assessoria Jurdica pretende educar os indivduos para o exerccio da democracia:

    71 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. So Paulo: Edies Loyola, 1996, p. 09. 72

    Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdies que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligao com o desejo e com o poder. (...) o discurso no simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominao, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso, p. 10. 73

    CHAU, Marilena. Cultura e Democracia. 4 ed.. So Paulo: Cortez, 1989, p. 07. Vide tambm: LYRA FILHO, Roberto. O que Direito, p. 17-8. 74

    GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do Direito, p. 17. 75

    GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretao/aplicao do Direito, p. 197-8. Sobre o tema Vide: STRECK, Lnio Luiz. Hermenutica Jurdica e(m) Crise, p. 251 e Ss; e WARAT, Luis Alberto. O Direito e a sua linguagem, p.76 e Ss. 76

    AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crtica Dogmtica e Hermenutica Jurdica, p. 14. 77

    No momento em que voc se torna simplista no seu relacionamento com os camponeses, com os operrios, ou com os alunos na sala de aula, isso significa que voc parte do princpio de que eles so inferiores a voc. Voc age como se eles fossem incapazes de compreend-lo. Temos que ser simples. Simplicidade, porm, no significa caricaturar como se fossem simplrios. FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e Ousadia, p. 183. 78

    ARAUJO, Maurcio Azevedo de; OLIVEIRA, Murilo Sampaio. Programa Juristas Leigos. In: Revista da AATR, n 1, Salvador-BA, abril de 2003, p. 22. No mesmo sentido: CAPPELLETTI, Mauro; Bryant GARTH. Acesso Justia, p. 156. 79

    MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil, p. 79-80. 80

    O paradigma cultural da modernidade constitui-se antes do modo de produo capitalista se ter tornado dominante e extinguir-se- antes deste ltimo deixar de ser dominante. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 76. 81

    Para o relacionamento da democracia e do socialismo Vide Supra: Cap.1. I Categorias do pensamento de Antonio GRAMSCI.

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    Importante (...) aspecto do direito educao diz respeito ao preparo para o exerccio da cidadania. Aqui est o que afirma Konrad Hesse: Em tudo, democracia , segundo seu princpio fundamental, um assunto de cidados emancipados, informados, no de uma massa de ignorantes, aptica, dirigida apenas por emoes e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados, sobre a questo do seu prprio destino, deixada na obscuridade. A democracia tem na cidadania a sua base. O legtimo poder democrtico exercido quando a sociedade composta por cidados ativos, cidados que exercem plenamente a sua cidadania, que no deve ser compreendida em um sentido formal e abstrato, mas como um conjunto de fatores que possibilita o controle do poder pela participao ativa dos envolvidos.82

    Objetivando orientar o desenvolvimento das atividades de Assessoria jurdica, reporta-se delimitao principiolgica apresentada na oficina de capacitao do SAJUP-UFPR (24 de maio de 2003):

    1. Superao do individualismo e preferncia pelo coletivo (negar o individualismo); 2. Participao Comunitria e Acadmica Horizontais para Conscientizao (negar o paternalismo e a

    subordinao); 3. Construo de um Direito Crtico (negar o dogmatismo e o positivismo jurdicos); 4. Presentificao (negar o absentesmo).

    Negar o individualismo. A perspectiva do coletivo em contraposio ao individual uma tendncia do movimento de Acesso Justia. A perspectiva da solidariedade ganha nova feio pois os direitos e a cidadania deixam de ser entendidos individualmente para se tornarem uma condio coletiva. Basta observar a moderna concepo de Direitos Humanos83 e sua caracterstica de indivisibilidade entre os direitos individuais e sociais. Isso no significa um abandono do individual, pelo contrrio, se entende que o indivduo somente ter capacidade de afirmar-se enquanto tal quando coletivamente inserido, culturalmente inserido em sua comunidade. Tendo em vista o sistema econmico capitalista, o qual desnatura o indivduo no individualismo, cabe Assessoria propor o reencontro com o coletivo, com o comunitrio. Vale dizer, ainda, que coletivamente a fora poltica para o exerccio de direitos e para a conquista de novos direitos se potencializa. Portanto, tambm uma estratgia para luta poltica.

    Negar o paternalismo e a subordinao. A Assistncia pressupe o comando das atividades por aquele que detm o conhecimento para resolver o problema jurdico: quando Assistncia judiciria prope a soluo dada pelo Poder Judicirio; quando Assistncia material a soluo dada pelo tcnico (advogado, estudante, ou jurista); quando Assistncia intelectual a soluo (conhecimento) ministrada pelo intelectual. Percebe-se o assistente dirigindo a atividade. Isto porque para a Assistncia o membro da comunidade no capaz de resolver a questo. Ao incapaz se destina o paternalismo. A relao de subordinao conseqente. Para superar tal aspecto a Assessoria se baseia na participao ativa do membro da comunidade em todos os momentos da atividade de Assessoria. No mesmo sentido, a participao s efetiva quando se trava de maneira horizontal.

    Negar o dogmatismo e o positivismo jurdicos. A Assistncia, desde suas classificaes at sua prtica, apresenta-se conexa ao Direito estatal concebido estritamente pela lei84. Diversas so as crticas ao positivismo85, que resume o direito a lei estatal, e ao dogmatismo. Uma das principais tarefas da Assessoria jurdica desconstruir os mitos do positivismo e do dogmatismo principalmente quando ligados noo de cidadania86. O que qualifica essencialmente a Assessoria enquanto Jurdica exatamente a sua crtica, no apenas terica, mas de igual sorte prtica, ao Direito tradicional.

    82 No original: O quarto aspecto (...) MALISKA, Marcos Augusto. O Direito Educao e a Constituio, p. 161. Apud:

    HESSE, Conrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Traduo por Lus Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998, p.133. 83

    Vide: HABERMAS, Jrgen. Sobre a Legitimao baseada nos Direitos Humanos. [Trad. Gisele G. Cittadino e Maria C. Bodin de Moraes]. In: Revista Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ). n 17 ago/dez - pp. 190-207. Rio de Janeiro: Editora da PUC-RJ, 2000; PIOVESAN, Flvia. Temas de Direitos Humanos. 2 ed. ver. e ampl. So Paulo: Max Limonad, 2003. 84

    As assessorias acabam investindo menos na argumentao jurdica, privilegiando o enfrentamento extralegal. CARVALHO, Eduardo Guimares de. Cidadania em horrio integral, p. 40. No mesmo sentido, Vide: FALCO, Joaquim de Arruda. Democratizao e servios legais. In: FARIA, Jos Eduardo (org.). Direito e Justia: a funo social do judicirio. So Paulo: Editora tica, 1997, p.148-9. 85

    Sobre o tema Vide Supra: Cap.1. III O Direito e o resgate de sua dignidade por Roberto LYRA FILHO. 86

    A reduo do campo da cidadania a uma questo meramente jurdica e, mais especificamente, de direito positivo, acaba condenando a condio cidad esfera da lei e ao compromisso por respeit-la. ALENCAR, Chico; GENTILI, Pablo. Educar na esperana em tempos de desencanto, p.71.

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    Negar o absentesmo. Este princpio se mostra enquanto postura tica da Assessoria. Absentesmo significa o estado de alheamento realidade, ao ambiente e ao mundo exterior. Quando pratica a Assistncia jurdica o jurista no detm verdadeiro contato com a sociedade, no h interao entre os seres humanos. Para que os seres humanos realmente interajam preciso uma inteno tica. preciso deixar de ser um tcnico jurdico e se tornar um ser humano87. Estar presente na atividade de Assessoria sentir, vivenciar sentimentos. Nisto consiste a presentificao. O envolvimento pessoal, humano e emocional com o coletivo. Isso no significa o abandono do racional ou da tcnica, pelo contrrio, se pretende desmitificar o pressuposto da neutralidade axiolgica impregnado naqueles. Entender-se humano, repleto de emoes que no podem ser ignoradas, perfaz um novo sentido no contato entre humanos presentes na comunidade.

    Para encontrar os limites de distino da Assistncia e da Assessoria, interessante a provocao do professor Pedro DEMO: Mesmo fazendo parte do mesmo contexto da poltica social e dos direitos sociais, assistncia e promoo comunitria contm lgicas diferentes e mesmo polarizadas dialeticamente.88

    A contradio entre os mtodos ntida. A Assistncia jurdica pretende a igualdade mediante reformas, soluo de litgios. Para a Assistncia as reformas diminuem as desigualdades sociais. A perspectiva reformista, melhorista. J a Assessoria parte da noo de revoluo porque fundada na contestao ao sistema social. A conscientizao do homem se realiza na sua humanizao, na passagem da posio de objeto para sujeito. O sujeito ao se humanizar no pode mais conviver com um mundo que o reifica, o coisifica. Por outro lado, em se questionando sobre a perspectiva politico-ideolgica, de igual sorte incongruentes as metodologias. Enquanto a Assistncia jurdica visa manuteno do capitalismo e da democracia meramente formal, a Assessoria jurdica busca, ao contrrio, o socialismo democrtico (democracia material). Ao se operar com propostas assistencialistas, estimulada a confiana nas medidas reformistas do sistema (do status quo). Por isso, quando se desenvolvem propostas assistencialistas, se coopta o membro da comunidade ao sistema (e, conseqentemente, ideologia da reforma) ao invs de lhe despertar uma concepo crtica sobre o mesmo. Por isso a mudana do mtodo de educao89 acaba por despertar no homem uma nova postura poltica. Conclui-se pela impossibilidade de conciliao dos mtodos.

    Assessoria e Assistncia no podem ser conciliadas. Suas concepes ideolgicas e polticas so estranhas. Logo, o que identificar a metodologia empregada seu fim poltico-ideolgico.

    Por outro lado resta averiguar a questo relativa aos projetos/programas de extenso universitria que se utilizam das metodologias, simultaneamente, da Assistncia e da Assessoria seja por falta de reflexo do mtodo, seja por outro motivo. Essas atividades tenderam a adotar apenas uma metodologia. Isto se explica pela exposta contradio finalstica da metodologias, as quais caminharo para fins diversos. A tendncia, portanto, ser a de se adotar apenas um mtodo.

    Em geral, tendencialmente, predominar a metodologia assistencialista porque esta confere resultados imediatos e quantitativos (mesmo que superficiais e momentneos), apreciveis em menor tempo. Portanto, alm de serem inconciliveis, inexistindo mtodo misto, tambm no permanecem sendo desenvolvidas simultaneamente. No toa, a maioria das assistncias inovadoras sucumbiu (ou adotou o mtodo assistencialista).

    Se de um lado inexiste mtodo misto de Assessoria e Assistncia, por outro lado se deve ponderar pela dificuldade de aplicao pura dos referidos mtodos. Para se identificarem, na prtica, as diferenas, sugere-se a avaliao terica e prtica da finalidade e o resultado da atividade de extenso. Uma avaliao qualitativa s

    87 Escrevendo no final do sculo XVIII, Schiller teme que o dolo da utilidade venha a matar a vontade de realizao

    pessoal e coletiva. Por isso afirma no 3 da Carta 8: [A] razo realizou tudo o que pode realizar ao descobrir e ao apresentar a lei. A sua execuo pressupe uma vontade resoluta e o ardor do sentimento. Para a verdade vencer as foras que conflituam com ela, tem ela prpria de tornar-se fora (...) pois os instintos so a nica fora motivadora no mundo sensvel. E conclui no 7 da mesma carta: o desenvolvimento da capacidade do homem para sentir , portanto, a necessidade mais urgente de nossa poca. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mo de Alice (...), p. 332-3. [original sem grifos] 88

    Continua... A promoo comunitria funda-se no direito radical da participao poltica e alimenta-se do fenmeno emancipatrio, ou seja, tem como meta crucial combater e superar a pobreza poltica. Inclui, pois, a necessidade de elaborao da conscincia crtica, e, com base nesta, capacidade de interveno autnoma, alternativa e organizada. Uma das conquistas essenciais desfazer dependncias e poder exercer o controle democrtico sobre as elites e o Estado. DEMO, Pedro. Cidadania tutelada e Cidadania assistida, p. 98. Note que a expresso utilizada por DEMO que se identifica com a Assessoria promoo comunitria. 89

    Atente-se para a idia de mtodo de educao. Inverte-se a perspectiva da Assistncia Jurdica, que coloca a educao efeito reflexo nos Servios Legais, colocando-se a educao para a cidadania como objetivo principal da Assessoria Jurdica.

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    possvel em se contrastando a teoria a que se prope a atividade e sua prtica. Isso prope, portanto, um olhar casustico.

    Apresenta-se a seguinte imagem para ilustrar a referida identificao e avaliao. Assim como os historiadores [e porque no cientistas, juristas e extensionistas], os fotgrafos no apresentam reflexos da realidade, mas representaes da realidade90. At mesmo nas fotos podem ser observadas diferenas na escolha do foco, distncia das lentes, distribuio dos elementos paisagsticos que a compe, iluminao, entre outros. Duas fotos de um mesmo objeto podem conter grandes diferenas. O que faz de uma foto mais profissional do que outra so elementos socialmente selecionados (elementos estticos). Muitas fotos podem ser tiradas da mesma imagem sua qualidade ser avaliada a partir da congruncia da inteno do fotgrafo com o resultado obtido. Advm dessa congruncia a importncia de expor as intenes do fotgrafo e compar-las com o resultado (a foto). Neste sentido, salutar que o fotgrafo explique como tirou a foto, pois, em caso de desajuste da foto com sua inteno, ser possvel corrigir o como para que, em outra tentativa, possa o fotgrafo aproximar-se do resultado pretendido. A explicitao da forma auxilia o trabalho de extenso, pois o torna aperfeiovel. Para se identificar qual a forma de extenso utilizada em um projeto preciso explicitar os fins (a foto) e tambm qual o caminho utilizado para chegar a esse fim. Assim, ser possvel identificar (e depois avaliar) a metodologia de extenso utilizada.

    Servindo como indicativo, as atividades de Assistncia no precedem de explicitaes tericas pois se utilizam apenas das teorias dominantes de educao e Direito. J a Assessoria precede explicitao terica sobre a educao e o Direito. A contestao no se suporta, enquanto atividade acrtica, sem reflexo terica. J a consecuo prtica da Assessoria depende de avaliaes metodolgicas (e no quantitativas) constantes. Portanto, a constante busca pela teorizao caracteriza a Assessoria jurdica como mtodo inovador.

    Como se pode observar, nem sempre as Assessorias conseguiram (e conseguiro?) superar todos os obstculos a que se propem. A superao, portanto, exige um constante e rgido processo de auto-avaliao.

    Os modelos institucionais da metodologia da AJUP so os denominados SAJUs (Servio de Assessoria Jurdica Universitria). Em especial dois SAJUs tem um histrico antigo, o SAJU-UFBA e o SAJU-UFRGS91 - o primeiro fundado em 1963, e o segundo fundado em 1950,92 sendo que ambos tiveram trajetrias parecidas. Eram ncleos que desenvolviam (e ainda desenvolvem) projetos de cunho assistencialista, todavia com diferenas em relao a envolvimento com a demanda social. So efetivados atendimentos especiais em que se pretende dialogar de maneira mais efetiva com o cliente do servio de Assistncia a ser desempenhado (h uma negao ao absentesmo, portanto). Originalmente os dois projetos se denominavam Servios de Assistncia Judiciria Universitria.93

    Os SAJUs somente comearam a tomar uma nova configurao metodolgica de suas atividades a partir do fim da dcada de 80 e incio da dcada de 90. Isso se deve s mudanas que eclodiam nas Faculdades de Direito face redemocratizao, ecloso da teoria crtica do Direito no Brasil94 e influncia dos novos movimentos sociais. Com a crtica do modelo jurdico existente logo se criticou tambm a extenso (a final, um ato de estender) desse modelo. A interdisciplinaridade tambm renovou os ares das propostas extensionistas, o

    90 BURKE, Peter. Abertura: a nova histria, seu passado e seu futuro. In: A Escrita da Histria: Novas Perspectivas (trad.

    Magda Lopes). (p. 07-37) So Paulo: Editora da Unesp, 1992, p. 27. 91

    A doutrina cita entre as entidades que desempenham servios legais alternativos: o Servio de Assessoria Jurdica Universitria da Faculdade de Direito da UFRGS (SAJUPorto Alegre/RS); Servio de Apoio Jurdico Popular (SAJUUniversidade Federal da Bahia). WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurdico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, p. 303. 92

    (...) tudo comeou na dcada de 50, quando um punhado de estudantes da Faculdade de Direito da UFRGS resolveu criar uma Secretaria do Centro Acadmico que prestasse assistncia jurdica, possibilitando-se a prtica jurdica. Revista SAJU-RS. Editorial, n 02, Porto Alegre: Imprensa Universitria, 1992, p. 04. 93

    Em certa fase de estudo de processo civil, compreendi que a assistncia judiciria prestada pelo Estado, e que o SAJU prestava, na realidade, assistncia jurdica. Por isto, sua denominao passou a ser Servio de Assistncia Jurdica, mantendo-se a sigla j bem conhecida. FARAH, Armando Jos. SAJU Retalhos e uma histria. Revista SAJU-RS, Vol 3, n 1, Porto Alegre: Imprensa Universitria, 2000, p. 152. 94

    Essa passagem do incio da dcada de 90 demonstra esta influencia: O ordenamento jurdico na realidade, embora se defina como neutro, serve ideologia da classe dominante, e o profissional do direito, mesmo consciente e engajado na transformao da sociedade, esbarra nos entraves do procedimento jurdico positivo. O ensino jurdico reproduz este contexto, porm possvel buscar alternativas para escapar desta situao dada a pensar um novo direito. Acreditamos que um servio de assistncia jurdica (no mais judiciria) pode cumprir esse papel e investir neste projeto. Revista SAJU-RS. Editorial, n 02, p. 05.

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    que gerou a progressiva mudana metodolgica desses projetos95. Especialmente neste sentido, a metodologia freiriana e sua Pedagogia do Oprimido tiveram influncia decisiva para a tentativa de superao do mtodo assistencialista.

    Aqui possvel observar os marcos tericos da Assessoria. Em relao superao do individualismo, forte influncia exerceram os movimentos populares e a perspectiva de Servios Legais Inovadores96. Em relao participao e horizontalidade, a influncia provm da Educao Popular. A crtica ao Direito e a interdisciplinaridade vieram com as Teorias Crticas ao Direito. A superao do absentesmo fruto dos ncleos de Assistncia Jurdica de base estudantil, ou seja, dos SAJUs em sua metodologia tradicional. O desenvolvimento dos princpios da AJUP foi progressivo e ainda no alcanou seu ideal, entretanto deve-se ponderar que esse desenvolvimento est intimamente ligado ao crescimento e proliferao dos SAJUs. Cabe ainda visualizar o atual desenvolvimento dos, assim denominados, SAJUs tradicionais.

    Atualmente o SAJU-UFBA se denomina Servio de Apoio Jurdico Universitrio. Tal fato se deve mescla de atividades de Assessoria e de Assistncia. J o SAJU-UFRGS modificou o nome original para Servio de Assessoria Jurdica Universitria e, de igual sorte, mescla atividades de Assistncia e Assessoria. Nestes SAJUs esto presentes os conflitos metodolgicos e o embate entre idias inovadoras e a tradio assistencialista97. Alis, uma observao que pode ser feita (servindo de alegoria para a observncia deste conflito metodolgico) que, mesmo alterando a nomenclatura de Assistncia para Apoio (no caso do SAJU-UFBA) e Assistncia para Assessoria (no caso do SAJU-UFRGS), ainda permanece em sua denominao a expresso Servio, a qual tem origem na tradio assistencialista.98 O conflito entre as metodologias acaba por direcionar as atividades para apenas uma metodologia. Uma das grandes preocupaes da RENAJU (Rede Nacional de Assessoria Jurdica Universitria) exatamente teorizar as experincias metodolgicas99 para que no haja o retrocesso para o desenvolvimento de atividades de cunho assistencialista. Preocupao ressaltada pelo membro do SAJU-UFBA Lucas B. CARVALHO:

    (...) preocupa-se apenas em representar o pobre no judicirio. Ameniza-se a pobreza material, mas no a pobreza poltica. Vale aqui a advertncia de Pedro Demo no sentido de que facilmente incute-se em atividades extensionistas comunitrias o assistencialismo, pela falta de proposta fundamentada e emancipatria, pela tendncia de oferecer pacotes sociais prvios, pela falta de experincia. Se um mal repelente a cincia no se sensibilizar com o sofrimento do povo, no menor mal confundir cincia com pieguice e voluntariados sonsos.100

    Na dcada de 90 surgem os novos SAJUs. Estes se diferenciam pela proposta baseada, desde a origem, na concepo metodolgica da AJUP. Apesar de no conviverem diretamente com a disputa metodolgica interna, os novos SAJUs enfrentam diversas dificuldades na institucionalizao e reconhecimento de suas atividades. O apoio institucional reduzido e a grande luta pela existncia. Entre eles esto NAJUP Negro Cosme/UFMA, CAJU/UFCE, NAJUC/UFCE, Cajuna/UFPI, SAJU/UFS, SAJU/UNIFOR-CE e o SAJUP-UFPR. H notcia ainda de novos projetos no integrados RENAJU como: SAJU-USP, SAJU-PUC-CAMP, SAJU-FDC/Curitiba e o NAJUP-PUC/RS. A doutrina, lentamente, reconhece as atividades de Assessoria:

    95 O SAJU est alicerado em uma viso pluralista, coletiva e multidisciplinar, tanto da sociedade, quanto de si mesmo.

    fundamental para o sajuano perceber que, ao trabalhar pelo coletivo, est tambm trabalhando por si prprio. KIDRICKI, Tiago Beck. Exposio do dia 30 de Novembro de 2000. Revista SAJU-RS, Vol 3, n 1, Porto Alegre: Imprensa Universitria, 2000, p. 166. 96

    Outra influncia forte programa da UnB - O Direito Achado na Rua. 97

    Vide: CARVALHO, Lucas Borges de. Idias para uma nova assistncia jurdica de base estudantil: acesso Justia e crise do ensino jurdico. In: Revista de Processo, n. 108, ano 27, pp. 221-34, out-dez 2002, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 98

    Fato que poucos projetos de Assessoria perceberam. 99

    O sucesso dos servios legais alternativos tambm depender muito de uma questo prtica: as fo