Apostila Psicologia Escolar 2014
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CURSO DE PSICOLOGIA
Disciplina Psicologia escolar
Professor Clia Anselme
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Disciplina: Psicologia Escolar e Educacional Professora Clia Anselme Material de apoio.
PLANO DE ENSINO
CURSO Psicologia 7 Perodo DISCIPLINA PSICOLOGIA ESCOLAR CDIGO PSI 8045 CARGA HORRIA 60 Horas PROFESSOR Celia Anselme
EMENTA
A escola, o processo educativo e a Psicologia Escolar. Psicologia Escolar: conceituao, campo de ao e funes.
Psicologia Escolar e nveis de preveno. Anlise da estrutura e da dinmica escolar. A Escola enquanto entrecruzamento
de variveis histricas, polticas e culturais.
OBJETIVO DA DISCIPLINA
Ao final do Curso o aluno dever ser capaz de: Fazer uma anlise crtica das aes na instituio escolar, tecendo uma
ordem de compreenso profissional sintetizadora da diversidade e da complexidade do sistema social. Conhecer a ao do
psiclogo na escola e na insero com os diferentes segmentos profissionais, na preveno e na interveno dos problemas
desta rea.
VISO DETALHADA DAS UNIDADES
UNIDADE 1
A Escola enquanto depositria, transmissora e geradora de investimentos histricos, sociais e polticos
OBJETIVOS DA UNIDADE 1
O aluno dever ser capaz de definir a escola enquanto instituio contextualizada em nvel histrico, poltico e cultural.
AULA 1.1 Contedo: A Instituio Escola
AULA 1.2 Contedo: A Escola e o processo educativo
UNIDADE 2
Psicologia Escolar e a formao terico-epistemolgica
OBJETIVOS DA UNIDADE 2
O aluno dever ser capaz de conhecer a rea de atuao do psiclogo escolar a partir de diferentes abordagens tericas.
AULA 2.1 Contedo: Conceituao,campo de atuao, evoluo histrica e ao do psiclogo escolar
AULA 2.2 Contedo: As teorias psicolgicas e a relao teoria e prtica
AULA 2.3 Contedo: A relao psicologia e educao
UNIDADE 3
Questes contemporneas da Psicologia Escolar
OBJETIVOS DA UNIDADE 3
O aluno dever ser capaz de traar estratgias de interveno e preveno frente a diferentes situaes atreladas Escola.
AULA 3.1 Contedo: Polticas Pblicas e Educao
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Disciplina: Psicologia Escolar e Educacional Professora Clia Anselme Material de apoio.
AULA 3.2 Contedo: A questo da incluso
AULA 3.3 Contedo: Bullying
UNIDADE 4
Estratgias dinamizadas para diferentes segmentos na escola
OBJETIVOS DA UNIDADE 4
O aluno dever ser capaz de definir e planejar diferentes estratgias de interveno e preveno para atuar junto
comunidade escolar.
AULA 4.1 Contedo: Corpos discente e docente
AULA 4.2 Contedo: Grupo de pais
AULA 4.3 Contedo: Funcionrios
METODOLOGIA
A metodologia utilizada visa possibilitar aos alunos condies fazer uma anlise crtica das aes na instituio escolar,
tecendo uma ordem de compreenso profissional sintetizadora da diversidade e da complexidade do sistema social. Para se
atender a tal proposta, as atividadesdidtico-pedaggicas sero planejadas para que o aluno possa identificar a ao do
psiclogo na escola e na insero com os diferentes segmentos profissionais, na preveno e na interveno dos problemas
desta rea.
As aulas se realizaro num interjogo didtico onde os contedos sero expostos e debatidos com apoio de roteiros de aula.
ATIVIDADES DISCENTES
Leituras e discusses de textos, debates de filmes, seminrios, estudo de casos e atividades de pesquisa
LABORATRIOS E SOFTWARE NECESSRIOS AO ENSINO DA DISCIPLINA
PROCEDIMENTOS DE AVALIAO
O processo avaliativo do desempenho dos alunos ser realizado atravs dos seguintes instrumentos: prova escrita, atividade
de sondagem, resumo.
A1Prova (valor: 10,0 pontos) Questes objetivas e discursivas
A2 Prova (valor: 10,0 pontos) Questes objetivas e discursivas
A3 Prova (valor: 10,0 pontos) Questes objetivas e discursivas
BIBLIOGRAFIA BSICA
MACHADO, A. M.; SOUZA, M. P. R. (Org.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. So Paulo: Casa do
Psiclogo, 2004.
MARINHO-ARAUJO, C. M. Psicologia Escolar: novos cenrios e contextos de pesquisa, formao e prtica.
Campinas, SP: Alnea, 2009.
VALLE, L. E. L. R.; ASSUMPO Jr, F. (Org.). Aprendizagem, linguagem e pensamento. Rio de Janeiro: WAK, 2008.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ANSELME, Celia Apostila organizada com textos variados GUZZO, R. S. L. (Org.). Psicologia Escolar: LDB e Educao hoje. So Paulo: Editora Alinea, 2004.
SCOZ, B. Identidade e subjetividade de professores: sentidos do ensinar e do aprender. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
SOUZA, B. P. (Org.). Orientao queixa escolar. SP: Casa do Psiclogo, 2007.
PICADO, J. R.; ROSE, T. M. S. Acompanhamento de pr-escolares agressivos: adaptao na escola e relao
professor-aluno. Psicol. cienc. prof. [online]. 2009, vol.29, n.1, pp. 132-145. ISSN 1414-9893.
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Disciplina: Psicologia Escolar e Educacional Professora Clia Anselme Material de apoio.
Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v29n1/v29n1a11.pdf
CROCHIK, J. L. et al. Atitudes de professores em relao educao inclusiva. Psicol. cienc. prof. [online]. 2009,
vol.29, n.1, pp. 40-59. ISSN 1414-9893. Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v29n1/v29n1a05.pdf
FEVEREIRO
UNIDADE 1
A Escola enquanto depositria, transmissora e geradora de investimentos histricos, sociais e polticos.
Dia Contedo
5 Apresentao da ementa, avaliao e objetivos da disciplina. 12 A Instituio Escola Qual a funo social da escola?
19 A Escola e o processo educativo 26 Psicologia Escolar e a formao terico-epistemolgica
Maro OBJETIVOS DA UNIDADE 2
O aluno dever ser capaz de conhecer a rea de atuao do psiclogo escolar a partir de diferentes abordagens tericas.
Contedo
5 CARNAVAL 12 Conceituao, campo de atuao, evoluo histrica e ao do psiclogo escolar 19 As teorias psicolgicas e a relao teoria e prtica 26 A relao psicologia e educao.
ABRIL OBJETIVOS DA UNIDADE 3
O aluno dever ser capaz de traar estratgias de interveno e preveno frente a diferentes situaes atreladas Escola.
Dia Contedo
2 Avaliao 1 9 Questes contemporneas da Psicologia Escolar
Polticas Pblicas e Educao Projeto FAPERJ 16 Encontro de Psicologia Organizacional (Barra Manh / Tijuca Noite)
23 FERIADO SO JORGE
30 A questo da incluso MAIO
OBJETIVOS DA UNIDADE 4
O aluno dever ser capaz de definir e planejar diferentes estratgias de interveno e preveno para atuar junto
comunidade escolar.
Dia Contedo
7 Vdeo Documentrio: Pro Dia Nascer Feliz ou Como as estrelas no Ceu todas as crianas so especiais
14 Atuao do psiclogo frente aos Corpo discente 21 Atuao do psiclogo frente aos Corpo docente 28 Atuao do psiclogo frente aos Grupos de pais
JUNHO Dia Contedo
4 Atuao do psiclogo frente aos Funcionrios Debate sobre novas perspectivas da Psicologia Escolar/Educacional
11 Avaliao 2 18 JOGO DA COPA NO MARACAN (NO HAVER AULA A NOITE)
25 JOGO DA COPA NO MARACAN (NO HAVER AULA A NOITE)
JULHO Dia Contedo
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2 Avaliao 3 9
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Texto I DA EDUCAO FORMAL A TCNICA DE ELABORAO DIRIGIDA Fonte: Cap. III da tese de doutorado- Metacognio aplicada a Educao Celia Anselme
Os homens fazem sua prpria histria, mas no a fazem como querem; no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado Karl Marx, o 18 brumrio de Lus Bonaparte.
3.1- Histria crtica da educao: Uma breve apresentao.
Nosso trabalho visa no s uma reviso de alguns postulados piagetianos, como tambm e
principalmente, propor uma nova tcnica psicopedaggica, por ns designada como elaborao dirigida. Assim sendo, se fez necessrio acrescentar uma discusso que abarque no s as questes relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, mas tambm o sistema educacional no qual ele se insere.
Desde dos anos de 1989, quando a proponente iniciou suas atividades no Laboratrio de
metacognio da UFRJ, tivemos oportunidade de presenciar em diversas escolas, a real condio de
trabalhos de nossos professores, em particular das escolas municipais e estaduais, que muito
diferente do discurso oficial que propaga avanos da educao no Brasil. Maria Helena Guimares de Castro, ento, Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) afirma
no relatrio 2000, referente ao Programa Internacional de Avaliao de Estudantes (Pisa) que: [o Brasil] em admirvel sintonia com a ltima gerao de reformas no mundo, o projeto do ensino mdio
no Brasil expressa a contemporaneidade, e tem a ousadia de ser prospectivo. Tal otimismo de nossos governantes e de seus representantes por si s, contraditria se
compararmos com os resultados do exame nacional do ensino mdio (ENEM) e do Programa
Internacional de Avaliao de Estudantes (Pisa).
Intuitivamente todos sabemos que algo est errado no sistema educacional brasileiro. Docentes
de todos os nveis percebem, em suas atividades em sala de aula, a queda da qualidade intelectual dos
seus alunos.
Alguns especialistas inventam novos nomes para explicar esse fenmeno, como por exemplo, o
conceito de analfabeto funcional, que se refere s pessoas que sabem decodificar o que est escrito, mas no reconhecem o seu significado dentro do contexto, ou seja, so alunos que sabem ler um texto
mas no conseguem interpret-los, outros enfatizam a importncia do afeto em sala de aula e a
necessidade de reciclagem do professor, mas, de um modo geral, omitem ou desconsideram a
problemtica da estrutura social. Poucos so os que discutem a educao num campo maior, incluindo
as condies de trabalho dos professores, assim como, o trfico de drogas e a violncia que hoje se
instauraram dentro das escolas. por essa razo, que, para ns, se tornou muito difcil falar sobre a
psicologia da aprendizagem sem falar da Educao como um todo, a fim de evitar o risco de ser mais
uma teoria utpica, sem nenhum eco dentro da realidade de nosso sistema educacional.
No tenho a pretenso, descabida, de me propor a dar conta plenamente da relao dialtica
entre problemas sociais e problemas da aprendizagem, mas oferecer alguns indicativos das posies
fundamentais que abordam essa problemtica.
Partimos do princpio de que o entendimento de cada posio levar uma concepo de
educao e conseqentemente a um modelo pedaggico.
Ora, se a educao est intimamente vinculada filosofia de cada poca, que lhe define o
carter, a nossa proposta no pode deixar de ser uma reao categrica, intencional e sistemtica
contra a atual estrutura dos servios educacionais, artificial e superficial, como mostraremos no
desenvolver de nosso trabalho. Pretendemos que a educao e os meios de desenvolvimento atravs
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dela, deixem de constituir um privilgio determinado pela condio econmica e social do indivduo,
para tornar-se um instrumento a mais a servio do equilbrio social.
Reconhecendo a todo o indivduo o direito a ser educado com a mesma qualidade de ensino,
temos como objetivo oferecer uma pequena contribuio para fomentar o desenvolvimento de meios
de ao durvel com o fim de dirigir o desenvolvimento natural, porm no espontneo, e integral do
ser humano em cada uma das etapas de desenvolvimento.
Considerando que a educao tem uma funo social, e que a marginalidade, no sentido amplo
da palavra, freqentemente lhe atrelada, nossa responsabilidade aumenta, dependendo do uso que
dela se faz, pois que podemos manter a sociedade tal como se encontra ou contribuir para sua
transformao numa sociedade mais justa. Desde j chamamos a ateno para o fato de que se ns no
pararmos para pensar sobre qual a funo da escola, no poderemos tambm saber qual a nossa
funo dentro desse sistema. A fim de auxiliar a nossa reflexo sobre a aprendizagem e estrutura
social. Resolvemos dar um pequeno passeio no passado da Educao demarcando as conseqncias
sociais e ideolgicas de cada poca.
Se voltarmos no tempo em que no havia escola, perceberemos que o homem sempre teve a
capacidade de ensinar e aprender espontaneamente. Porm, conhecimento e senso comum misturavam-
se na nica forma de saber possvel, no havendo ento uma distino entre conhecimento cientfico e
opinio particular.
Os nmades, por exemplo, enquanto vagavam a esmo agiam mais por intuio do que por
percia. Ao se fixarem na terra, comearam a fazer seus projetos de plantio e colheita atravs do
conhecimento emprico da regularidade das estaes e da lua. Surgiu ento, a necessidade de ordenar
tais informaes para determinados fins e objetivos. Na comunidade primitiva todos os membros da
tribo tinham direito educao, em funo da vida e para a vida. A escola era a prpria aldeia.
Com a diviso do trabalho, surgiram as especialidades. A escola deixou de ser a aldeia e passou
a funcionar como um lugar especializado onde uns aprendem e outros ensinam. Podemos afirmar que
esse foi o primeiro passo para uma sistematizao dos conhecimentos.
A escola como instituio formal, surgiu como resposta diviso social do trabalho e ao
nascimento do estado, da famlia e propriedade privada. Nesse sentido, podemos afirmar que a histria
da educao se desenrolou baseada na histria das desigualdades econmicas. A educao primitiva
era nica e igual para todos. Com a diviso social do trabalho aparece tambm a desigualdade na
educao.
Entretanto, coube aos egpcios a valorizao ao ato de ensinar. Criaram casas onde ensinavam a
leitura, a escrita, a histria dos cultos, a astronomia, a msica e a medicina. A eles devemos o uso
prtico das bibliotecas.
Na Repblica de Plato, encontramos a sntese entre a educao e a cultura, que ainda figura na
atualidade, porm de um modo cada vez mais fragmentado. Os gregos valorizaram a arte, a literatura,
as cincias e a filosofia. A educao do homem integral estava baseada na formao do corpo pela
ginstica, na formao da mente atravs da filosofia e cincias, e na moral e dos sentimentos atravs da
msica e das artes.
Os Romanos, tal como os Gregos, no valorizavam o trabalho manual. A educao romana era
responsabilidade do estado e para o estado. Tinham uma viso utilitria e militarista da educao, que
era organizada pela disciplina e pela justia. Comeava pela fidelidade administrativa, tinham como
lema: educao para a ptria, paz s com vitrias e escravido aos vencidos. Aos rebeldes, a pena de
morte.
Com a queda do Imprio Romano do ocidente em 476 j tendo, a partir do sculo IV, o Imprio adotado o Cristianismo como religio oficial, criou-se pela primeira vez, o que Althusser,
recentemente, chamaria de aparelho ideolgico do Estado. A ascenso da Igreja mudou no s os
valores morais como tambm, o arcabouo ideolgico.
Na Idade mdia ocorreu a criao das universidades (notadamente, Paris, Bologna, Salerno e
Oxford). Nesta poca discutia-se a gratuidade do ensino e o pagamento dos professores. O domnio do
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saber foi aos poucos se elitizando, guardado em Academias, submetido censura da Igreja e
burocratizado pelas Cortes. Os estudos medievais compreendiam:
- As artes do trivium: gramtica, dialtica e retrica;
- As artes do quadrivium: aritmtica, geometria, astronomia e msica.
Desenvolveram-se trs mtodos, ainda hoje muito utilizados nas prticas educacionais
tradicionais: as lies, as repeties e as disputas.
A ideologia da predestinao e a idia de pecado ganharam fora, por isso a Igreja no se
preocupava com a educao fsica, pois considerava o corpo pecaminoso tendo que ser sujeitado e
dominado, opondo-se ao ideal grego de culto da aparncia e do vigor fsico.
A partir do desenvolvimento das grandes navegaes do sculo XIV e, principalmente, da
inveno da imprensa, emerge um novo momento revolucionrio na educao, o movimento
renascentista.
Este pensamento caracterizou-se por uma revalorizao da cultura greco-romana, abafada pela
viso teolgica crist, da Idade Mdia. Essa nova mentalidade influenciou a educao tornando-a mais
prtica, resgatando a cultura do corpo.
A educao renascentista preparou a formao do homem burgus e, por isso, essa educao
no chegou s massas populares. Foi caracterizada por uma nova modalidade de elitismo e pelo
individualismo liberal.
Em conseqncia da reforma protestante, iniciada por Martinho Lutero em 1517, surge a
primeira escola pblica, mas esta ainda no consistia, em uma escola pblica, leiga, obrigatria,
universal e gratuita. Tratava-se de uma escola pblica religiosa.
Se a Idade Mdia foi marcada pela fora da igreja e revolues religiosas, j os sculos XVI e
XVII, foram marcados pela a ascenso da burguesia que se opunha ao modo de produo feudal. Nesta
poca iniciou-se um sistema de cooperao e, dessa forma, a produo deixou de se apresentar em atos
isolados para se constituir num esforo coletivo.
John Locke uma das figuras mais importante desta poca. A criana, segundo ele, ao nascer,
era uma tbula rasa, um papel em branco sobre o qual o adulto em particular, o professor podia
escrever tudo. O educando era tido como um receptor passivo das informaes.
Esse perodo conhecido como o da pedagogia realista. Pregava a superioridade do domnio do
mundo exterior sobre o domnio do mundo interior. A paixo curvava-se razo e ao estudo da
natureza. Se at ento, havia uma viso humanista da educao, esta se tornou cientfica. Atendia
principalmente o clero, a nobreza e a burguesia nascente.
No sculo XVIII, na Frana, ainda de modo embrionrio, alguns intelectuais da nobreza
reivindicaram, para a classe trabalhadora, o direito educao.
O direito de todos educao, decorria da decadncia do clero e da nobreza e da ascenso da
nova classe social que firmava seu lugar no poder: a burguesia. Nesse quadro, a causa da
marginalidade passou a ser identificada com a ignorncia. marginalizado, na nova sociedade, quem
no for esclarecido. Nesse perodo resgata-se no somente a figura do docente, mas criam-se cursos
especializados em determinadas reas, como a navegao, tal como a Escola de Sagres, fundado por D.
Nuno, em Algarve, sul de Portugal.
Se por um lado, a educao aumentou o seu limite antes circunscrito ao clero e nobreza, por
outro lado, ainda no conseguiu resolver a questo da marginalidade.
Depois de tantos sculos de sujeio feudal Igreja, a burguesia estava arrancando daquela, o
monoplio da educao. Apresentava uma teoria educacional nova, revolucionria, que afirmava os
direitos dos indivduos. Entretanto, a nova classe mostrou que no estava presente de todo, em seu
projeto, a igualdade dos homens na sociedade e na educao. Uns acabaram recebendo mais educao
do que outros. A educao popular deveria fazer com que os pobres aceitassem a pobreza, esse era o
princpio fundamental da educao burguesa. classe dirigente era dada a instruo para governar e
classe trabalhadora, a educao para o trabalho.
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A Revoluo Francesa ps fim a Idade Moderna, na qual predominou o regime absolutista.
Nunca se havia discutido tanto a formao do cidado atravs das escolas como durante o tempo da
Revoluo Francesa.Surgiu assim, um novo olhar sobre a educao. Esse perodo ficou conhecido
como Iluminista, pelo predomnio atribudo racionalidade. Dentre os maiores pensadores dessa
poca, sem dvida, foi Kant o mais revolucionrio de todos. Foi o primeiro a por em cheque as duas
correntes dominantes: inatista e empirista.
Kant supera essa contradio -inato versus adquirido- mostrando que alguns princpios eram a
priori como, por exemplo, as formas a priori envolvendo tempo, e espao, bem como as categorias do
entendimento, que no existem fora da realidade da mente, mas apenas como regras de conhecimento.
Sustentava ainda que o mundo exterior inaccessvel, e que s temos acesso aos fenmenos,
que nada mais so, que a organizao pelo conhecedor do que for captado pelos sentidos. Tal fato
explica a universalidade das regras para conhecer, isto ,o sujeito transcendental. Entretanto,
acreditava que o homem social era o produto do que a educao fazia dele atravs da disciplina, da
didtica, da formao tica e da cultura.
Nesse perodo, predominou o culto razo e o declnio das doutrinas de predestinao divina,
consolidando assim, as concepes burguesas sobre a educao, que j no mais aceitava sua
condio como sendo um produto de um decreto divino, mas sim como resultado de diferenas de
domnio de conhecimento. Tal perodo foi denominado Iluminismo, que quer dizer dar a luz e sair da
escurido das trevas da ignorncia.
Surge ento uma nova corrente pedaggica na qual o sujeito se distingue no mais por um
desejo divino ou predestinao e sim pelo seu mrito. Os precursores da meritocracia defendiam que o
esforo pessoal associado aos tons naturais garantiria uma justia social. Rousseau pode ser considerado como o marco entre a velha escola e a nova. Suas obras so
usadas como referncia at hoje, dentre elas podemos destacar: Sobre a desigualdade entre os homens; O contrato social e Emlio. Ele resgatou a relao entre a educao e a poltica, j anunciada por Plato. Baseado na teoria da bondade natural do homem, sustentava que s os instintos
naturais deveriam ser direcionados. A partir dele, a criana no seria mais considerada um adulto em
miniatura, mas sim como um ser que vive em seu mundo prprio; a criana nasce boa, o adulto e a
sociedade, que pervertem a criana. Divide a educao em trs momentos: o da infncia, o da
adolescncia e o da maturidade. S na adolescncia deveria haver desenvolvimento cientfico mais
amplo e estabelecimento da vida social. (citado em Gadotti, 2001).
Rousseau considerado o precursor da tese de Dewey e do experimentalismo scio-
pedaggico. Um verdadeiro prolegmeno da Escola Nova, movimento que surgiu se contraponto ao
modelo da escola tradicional, como veremos mais adiante.
Outra figura importante foi Froebel que idealizou os jardins de infncia, ampliando e
estendendo os limites dos processos educacionais. Acreditava contudo,que o desenvolvimento da
criana dependia de uma atitude espontnea, uma atitude construtiva. Depois dele, os jardins de
infncia se multiplicaram at fora da Europa. Suas idias ultrapassaram a educao infantil.
O perodo iluminista cedeu lugar ao perodo positivista. A influncia de muitos pensadores
dessa poca, no comeo do sculo XIX, se faz presente at hoje em nossa cultura.
Comte considerado o pai do Positivismo. Pregou a necessidade da objetividade e neutralidade
da cincia, afirmando que a derrota do iluminismo deveu-se ausncia de concepes cientficas. De
acordo com Comte, a humanidade passou por trs estados sucessivos: o estado teolgico, no qual o
homem explicava a natureza por agentes sobrenaturais, o estado metafsico, no qual tudo se justificava
atravs de noes abstratas como por exemplo, a essncia, a substncia, a causalidade e, finalmente, o
estado positivo, o estado atual onde se buscam as leis cientficas. A partir do princpio dos trs estados,
Comte deduziu o sistema educacional afirmando que em cada ser humano as fases histricas vo se
reproduzindo.
O desenvolvimento da sociologia e da sociologia da educao fortaleceu a tendncia
cientificista na educao.
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Num caminho inverso a Rousseau encontramos Durkheim. Enquanto o primeiro afirmava que
o homem nasce bom e a sociedade o perverte, o segundo afirmava que o homem nasce egosta e
somente a sociedade, atravs da educao, poderia torn-lo cooperativo e solidrio. A pedagogia
positivista passa, aos poucos, ao pragmatismo que s considerava as experincias prticas da vida
presente, atual, imediata. Entre os principais pensadores dessa linha de pensamento podemos citar
Whitehead, para quem a educao a arte de utilizar conhecimentos, Bertrand Russell, e Wittgenstein. (citados em Gaddotti, 2001)
Durkheim foi um dos mais importantes expoentes da sociologia da educao, que ganhou fora
no final do sc. XIX e incio do sculo XX. Considerado o sucessor de Comte, acreditava na educao
como imagem e reflexo da sociedade. Ele dizia que a educao um fato fundamental e, assim, a
pedagogia seria uma teoria da prtica social. A educao era a transmisso de conhecimentos e valores
de uma gerao mais idosa para a mais jovem.
O positivismo tinha como doutrina a superao da manipulao mstica e mgica do real pela
viso cientfica e, dessa forma, estabeleceu uma nova f, a f na cincia e na neutralidade da mesma.
Acreditava que para alcanar o progresso era preciso ordem. Para os pensadores positivistas, a
libertao social e poltica passavam pelo desenvolvimento da cincia e da tecnologia, sob o controle
das elites. Esta doutrina passou a ter uma influncia decisiva nas transformaes sociais e educacionais
do Brasil.
Segundo Gadotti (2001)
No Brasil, este pensamento inspirou a Velha Repblica e o golpe militar de
1964. Segundo essa ideologia da ordem, o pas no seria mais governado pelas
paixes polticas mas pela racionalidade dos cientistas desinteressados e eficientes: os tecnocratas. A tecnocracia instaurada a partir de 1964 um
exemplo prtico do ideal social positivista, que estava preocupado apenas com
a manuteno dos fatos sociais [...]
O pensamento pedaggico positivista trouxe muitas contribuies para o
avano da educao no Brasil, principalmente pela crtica que exerceu sobre o
pensamento humanista cristo. Foi este pensamento que j havia influenciado
o primeiro projeto de formao do educador no final do sculo passado. Sua
contribuio ao estudo cientfico da educao inegvel. (p 110)
Ainda hoje, se percebe a influncia do pensamento positivo, no s na nossa bandeira, smbolo
Nacional, onde se l ordem e progresso, como tambm no discurso oficial da neutralidade da educao.
Nesse perodo positivista ainda predominava o modelo, atualmente denominado Escola
tradicional, onde o professor detm o saber e os alunos passivamente assimilam esse conhecimento.
Tenta-se, ento, estabelecer uma nova proposta pedaggica fundada numa ideologia mais igualitria.
Alegam, ainda hoje, seus defensores que este novo modelo deveria desenvolver a conscincia crtica e
respeitar as necessidades do aluno, negligenciadas pelo modelo tradicional. Nesse caso, a
marginalidade deixa de ser a ausncia do conhecimento, ou seja, a ignorncia, para ser identificada
com a rejeio social. Prope-se ento uma pedagogia centrada nas diferenas individuais. Esse
movimento conhecido como Escola Nova, um dos seus pioneiros Ferrire. Suas idias se basearam
em concepes biolgicas.
Entretanto Dewey (citado por Gadotti, 2001) foi o primeiro a formular o novo ideal
pedaggico, afirmando que o ensino deveria dar-se pela ao e no pela instruo.
Nesta perspectiva, no existiria um fim a ser atingido, uma vez que a educao se confundiria
com o prprio processo de viver. O importante era aumentar o rendimento da criana segundo seus
prprios interesses vitais. S o aluno podia ser o autor de sua experincia. Tal discurso recorrente na
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plataforma da Multieducao, base do ncleo curricular bsico (NCB), obrigatrio nas escolas pblicas
do Municpio do Rio de Janeiro desde de 1996. Nele encontramos a seguinte afirmao:
Sendo a escola um espao eminentemente social, de sua responsabilidade
que o aluno aprenda a aprender, para encontrar o que precisa saber, analisar e
compreender informaes para interagir com o meio social, trabalhar em
equipe, desenvolvendo valores de autonomia, respeito e solidariedade. Enfim, dando ao aprendizado um sentido de vida e no de preparao para a vida.
(Prefeitura da cidade do Rio - 2000, p. 07).
Cabe destacar que embora a Escola Nova aparea como uma reao a Escola Tradicional, ela
no questionava a estrutura social. As diferenas sociais se justificavam como sendo naturais,
provenientes das diferenas individuais. Nesse contexto a escola considerada um lugar neutro,
desvinculada das transformaes polticas-sociais. Podemos dizer que Paulo Freire foi um dos
primeiros brasileiros a denunciar que Educar no significa ser omisso, neutro diante da sociedade atual. Deixar a criana educao espontnea tambm deix-la ao autoritarismo de uma sociedade
nada espontnea. Enfatiza que o papel do educador intervir, mostrar um caminho, e no se omitir. Em 1975, na parte final de seu pronunciamento no Simpsio Internacional para a Alfabetizao, no Ir,
Paulo Freire diz que: os defensores da neutralidade da alfabetizao no mentem quando dizem que a clarificao da realidade simultnea com a alfabetizao um ato poltico. Falseiam, porm, quando
negam o mesmo carter poltico a ocultao que fazem da realidade. (citado em Gadotti, 2001, p.255).
O trao mais original deste sculo, na educao, o deslocamento da formao puramente
individual do homem para o social, o poltico. A educao deste fim de sculo, no Brasil e nas
Amricas, tornou-se predominantemente social.
No podemos negar que nos dois ltimos sculos, ocorreram vrias conquistas, principalmente
nas cincias da educao e nas metodologias de ensino. Entretanto, segundo nosso ponto de vista,
trata-se de transformaes que no discutem a estrutura social, que conserva uma desigualdade social.
Mantendo-se numa postura ingnua, baseada no s, na crena da neutralidade positivista como tambm, na crena de que a educao por si s, promover uma sociedade mais justa para todos.
Podemos comprovar tal atitude na propaganda do governo usada ainda hoje em rede nacional
de televiso. Dentre essas propagandas, podemos destacar, dentro outras de igual contedo, uma em
que aparece uma dona de casa, narrando o quanto foi difcil terminar seus estudos. Relata que em
diversas ocasies, teve que levar seus filhos pequenos para sala de aula, mas que com apoio dos
colegas e professores conseguiu atingir seu objetivo: terminar seus estudos. No final dessa narrativa,
ouve-se uma voz possante repetindo o slogan: telecurso segundo grau, dando oportunidades iguais, a quem a vida deu caminhos diferentes. Nessa propaganda, passa-se a idia de que basta a obteno de um certificado, para se estabelecer a equidade social. Ignora-se as condies de ensino e
qualidade do mesmo.
At agora fizemos uma pequena viagem no tempo, mostrando as variaes de perspectiva de
cada momento histrico em relao a educao, porm pouco, falamos sobre qual seria a funo da
escola no contexto social.
Consideramos que, se no ponderarmos sobre a verdadeira funo da escola, no podemos
refletir sobre a nossa prpria funo nesse sistema. Resolvemos ento, descrev-la do ponto de vista de
alguns pensadores ilustres de nosso tempo. Adiantamos que muitos pensadores foram omitidos,
menos pela sua relevncia e mais pela extenso do tema, que nos afastaria em demasiado da meta do
nosso trabalho, que discutir a possibilidade de, atravs da elaborao dirigida, desenvolver o
pensamento formal. Ressaltamos, porm, como j foi dito, ser incompleta uma discusso sobre a
aprendizagem se se omite a questo do ensino.
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Disciplina: Psicologia Escolar e Educacional Professora Clia Anselme Material de apoio.
Para Saviani (2000a) o movimento da educao pode ser dividido em dois grandes grupos, no
primeiro haveria as teorias ingnuas, que entendem ser a educao um instrumento de equalizao social, denominadas pelo autor de Escolas no-crticas e no segundo, as teorias que entendem a
educao como instrumento de discriminao social, consideradas pelo autor, como sendo teorias
crtico-reprodutivistas.
As primeiras tendem a compreender as dificuldades de aprendizagem como sendo um problema
pedaggico, j as teorias crtico-reprodutivas procuram justific-la a partir da estrutura social, portanto
diferente das primeiras posies que se prendem ao imediato, ao que percebido. As teorias criticas-
reprodutivas perdem aquela ingenuidade, no alimentando a crena de as coisas so tal como elas
parecem ser e tentam desvendar, por detrs das aparncias, determinados elementos estruturais e, a
partir dos quais, se pode compreender o funcionamento da educao e portanto, os problemas da
aprendizagem. (SAVIANI, 1991)
Cada grupo tem uma determinada maneira de entender a funo da educao e sua relao com
a sociedade. Nas Teorias no-crticas, A sociedade concebida como essencialmente harmnica, que busca integrao de seus membros. A marginalidade uma contingncia, que pode e deve ser evitada,
porm sem alterar a estrutura social. (SAVIANI, 2002, p.4) No conjunto destas teorias o autor destaca:
a) Pedagogia Tradicional Na qual a marginalidade vista como sinnimo de ignorncia. A funo da escola difundir a instruo, transmitir o conhecimento acumulado pela humanidade.
A escola se organiza como agncia centrada no professor, o qual detm e transmite o
conhecimento, segundo uma gradao lgica. Aos alunos caberia aprender e assimilar passivamente as
informaes dadas pelo professor. Trata-se de um enfoque conservador e adaptativo da criana
escola.
b) Pedagogia Nova A marginalidade vista como sinnimo de desajuste. Se o aluno fracassa porque no se adaptou devido a diferenas individuais.
Nesse momento se fortalece o movimento de investigao e diagnstico de problemas
apresentados pelas crianas no processo de insero escolar marcado pelo "modelo mdico, fato que justifica o uso abusivo da psicometria.
A funo da escola a equalizao social, centralizada no aluno, nesse caso o importante no
aprender e sim o ato aprender a aprender. Nesse caso, o eixo central passa a ser o aluno.
Cabe ressaltar que tais conseqncias foram mais destrutivas do que construtivas, visto que
houve um afrouxamento da disciplina e a despreocupao com a transmisso do conhecimento, o que
acabou por rebaixar o nvel do ensino destinado s camadas populares as quais, muitas vezes, tem na
escola o nico meio de acesso ao conhecimento elaborado.
c) Pedagogia tecnicista A marginalidade vista como sinnimo de incompetncia, isto , ineficincia e improdutividade.
A funo da escola formar sujeitos eficientes, isto , aptos a dar sua parcela de contribuio
para o aumento da produtividade social. Nesse caso a nfase no dada figura do professor e nem
ao aluno e sim Tcnica. O importante aprender a fazer.
O segundo grupo proposto por Saviani, teorias crtica-reprodutivistas, surge a partir da
segunda metade do sculo XX. O otimismo em relao a Educao como instrumento de justia social,
foi substitudo por uma crtica radical. Entre os maiores crticos da Educao, Saviani destacou
Althusser, Bourdieu e Passeron.
Saviani define tais teorias como sendo aquelas que:
Concebem a sociedade como sendo essencialmente marcada pela diviso entre
grupos ou classes antagnicas que se relacionam base da fora, a qual se
manifesta fundamentalmente nas condies de produo da vida material [...]
Nesse contexto, a educao entendida como inteiramente dependente da
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estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo a a funo de reforar
a dominao e legitimar a marginalidade. (p.5)
Fazem parte desse grupo:
a) Teoria do Sistema de Ensino como Violncia Simblica Pierre Bourdieu O conceito de capital cultural a espinha dorsal da teoria de Bourdieu. Ele faz uma analogia
entre a economia e a cultura, afirmando que ambas possuem a mesma estrutura e organizao.
O capital cultural, da mesma forma que o capital econmico, produzido, distribudo e
consumido pelos indivduos e grupos. Sobre esse aspecto, ele analisa a cultura, levando em
considerao no s os seus aspectos materiais, manifestados na aquisio de bens culturais, obras de
arte, livros, dicionrios, instrumentos, computadores, como tambm, os seus aspectos pragmticos:
visitas aos museus, teatros, possibilidade de viagens, e ainda, o acesso a instituies credenciadas de
ensino.
Em todos esses casos, percebe-se a distribuio desigual do capital cultural. Os membros da
elite, ao herdarem as formas de atividade cultural mais valorizadas, de modo direto ou indireto de seus
pais, estariam automaticamente revertendo o capital cultural em melhor desempenho acadmico.
muito interessante como Bourdieu, em seus primeiros escritos, demonstra a maneira pela
qual os antecedentes culturais dos pais afetam o desempenho acadmico dos filhos. Para isso ele
utiliza dois conceitos: O primeiro o que chama de ethos de classe que se refere a um sistema de valores implcitos e profundamente internalizados que, entre outras coisas, participa na definio das
atitudes em relao ao capital cultural. (citado por Patto, 1997) Segundo Bourdieu, a probabilidade do jovem permanecer, ou no, na escola, est diretamente
relacionada com a perspectiva das pessoas da sua classe social tm de ser academicamente bem
sucedidas.
O autor afirma que: existe uma correlao estreita entre esperana subjetiva e oportunidades objetivas; estas ltimas modificam efetivamente as atitudes e o comportamento agindo atravs das
primeiras (The school as a conservative force, p.44, citado em Patto, 1997). No Brasil, essa perspectiva em relao ao sucesso acadmico est diretamente relacionada com o posterior sucesso
econmico. Entretanto, como essa relao est cada vez mais distante das classes menos favorecidas,
com muita freqncia escutamos os jovens afirmarem de que no vale a pena estudar, visto que
conhecem muitas pessoas que, apesar de terem concludo o curso universitrio, continuam exercendo
atividade no campo de trabalho informal- taxistas, ambulantes, dentre outras. Ou em atividades no
ligadas a sua especialidade recepcionistas, vendedores, entre outras. Essa atitude desencadearia uma rede circular de auto-seleo.
Para Bourdieu, as democracias ocidentais contemporneas convivem num paradoxo: por um
lado tm que levar o grupo dominado a crer que todos so iguais e ao mesmo tempo, tm que se manter no lugar de grupo dominante. Como resolver esse impasse? A violncia fsica levaria revolta,
recorre-se ento a formas mais sutis de coero e herana social, ou seja, atravs da violncia
simblica, cujo papel reforar, por dissimulao, as relaes de fora material.
Pela reproduo cultural, ela contribui especificamente para a reproduo social, visto que os
grupos dominados so marginalizados socialmente porque no possuem fora material - capital
econmico- e tambm marginalizados culturalmente porque no possuem fora simblica - capital
cultural. A funo da educao a de reproduo das desigualdades sociais.
A violncia simblica se manifesta de mltiplas maneiras: televiso, jornais, cinemas, pregao
religiosa, moda, etc. Todos esses veculos so fontes formadoras de opinies e valores, entretanto,
iremos nos ater nas questes educacionais. O objetivo de Bourdieu e Passeron a ao pedaggica
institucionalizada, isto , o sistema escolar.
Entendem a ao pedaggica (AP) como imposio arbitrria da cultura dos grupos dominantes
aos grupos dominados. Para que essa ao seja eficiente, faz-se necessrio a autoridade pedaggica
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(AuP) que permite a coero. Essa imposio por no ser explicita, facilmente reconhecida como
autoridade legitima.
A ao pedaggica (AP) que se concretiza atravs da autoridade pedaggica (AuP) realiza-se
atravs do trabalho pedaggico (TbP).
Na teoria da violncia simblica, a classe dominante, por dissimulao, manipulao e seduo,
exerce um poder de tal modo absoluto que se torna impossvel qualquer reao por parte da classe
dominada.
b) Teoria da escola enquanto aparelho ideolgico do Estado (AIE) e Aparelho repressor do
Estado (ARE)
Althusser (s/d), diferente de Bourdieu e Passeron, no nega a luta de classe. Ele afirma que a
funo da escola capitalista consiste na reproduo da sociedade e que toda ao pedaggica seria uma
imposio arbitrria da cultura das escolas dominantes.
Althusser considerava que a ideologia tinha uma existncia material ou seja, a ideologia existe sempre radicada em prticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por instituies
materiais (s/d, pp. 88-89). Assim sendo, a ideologia se materializa em aparelhos, da o nome aparelhos
ideolgicos do Estado.
Ao analisar a constituio da sociedade e sua manuteno distinguiu dois aparelhos ideolgicos utilizados pelo Estado, os quais denominou de: Aparelho Ideolgico do Estado (AIE) e Aparelho Repressor do Estado (ARE) A distino entre ambos, se assenta no fato de que o Aparelho Repressivo do Estado funciona massivamente pela violncia e secundariamente pela ideologia,
enquanto, inversamente, os Aparelhos Ideolgicos do Estado, funcionam massivamente pela ideologia
e, secundariamente pela represso (Althusser, s/d. pp. 46-47). Os aparelhos repressores do estado so representados pelo governo, o exrcito, a polcia, os
tribunais, as prises, etc. Porm, em diversos momento a histria j mostrou, que o Estado no pode se
manter no poder, lanando mo apenas da represso, ento faz uso de um modo mais sutil de
persuaso, ou seja, faz uso do aparelho ideolgico do estado, que se manifesta atravs da religio, do
sistema escolar (pblico e privado), familiar, jurdico, poltico, e cultural em geral
Cabe ressaltar que o AIE familiar depender da adeso da famlia ao sistema dominante, tanto
num pas progressista como num pas conservador. H famlias que realmente funcionam como AIE,
inculcando nas cabeas das crianas os valores do Estado, entretanto h outras, que fazem o contrrio,
nesse caso a influncia da famlia estar a servio ou no, do Estado, dependendo de sua prpria ideologia.
Em relao ao AIE escolar, apesar de sua fora, temos a impresso de que esse instrumento,
pouco possa auxiliar no processo de mudana da sociedade, pois segundo esse autor, a maioria dos
professores no percebe o que est fazendo e pior, crem que est contribuindo para formar uma
sociedade mais justa e melhor.
Para fundamentar essa nossa concluso, farei uso das prprias palavras do autor, que sintetiza
muito bem essa idia, da qual compartilhamos:
Peo desculpas aos professores que, em condies terrveis, tentam voltar
contra a ideologia, contra o sistema e contra as prticas que este os encerra, as
armas que podem encontrar na histria e no saber que ensinam. Em medida so heris. Mas no raros, e quantos (a maioria) no tem sequer um vislumbre
de dvida quanto ao trabalho que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, pior, dedicam-se inteiramente e em toda a conscincia
realizao desse trabalho (os famosos mtodos novos!). Tem to poucas
dvidas, que contribuem at pelo seu devotamento a manter e a alimentar a
representao ideolgica da Escola que a torna to natural, indispensvel-ltil e at benfazeja aos contemporneos, quanto a Igreja era natural,
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indispensvel e generosa para os nossos antepassados de h sculos.
(Althusser, s/d. pp. 67-68)
c) Teoria da escola dualista.
Para Baudelot e Establet, no pode haver uma escola unitria numa sociedade dividida em
classes. Propunham uma compreenso da escola a partir dos vnculos entre sua produo de
trabalhadores e de dirigentes, e a produo econmico-social. S se pode entender o que acontece
dentro da escola atravs do que ocorre fora dela, ou seja, pela diviso capitalista do trabalho.
A funo da escola seria, segundo esses autores, impedir o desenvolvimento da ideologia do
proletariado e a luta revolucionria.
Tal dualidade da escola se faz perceber mais facilmente no ensino secundrio/superior,
entretanto a raiz dessa diviso se faz desde o ensino primrio. De acordo com esses autores a escola primria que assegura, sob o manto da democracia, o essencial da polarizao social de uma gerao
escolar. (citado em. Gadotti, 2001). Do mesmo modo que Althusser, tais autores no acreditam na educao como instrumento de
mudana social. Baudelot e Establet (citado em Gadotti, p.198) consideram que:
[...] os educadores esto em uma posio particularmente ruim, para perceber
esse processo em seu conjunto, bem como suas conseqncias. Afastados e
protegidos das condies da produo capitalista, eles tm dificuldades em
perceber, e mais ainda em admitir, que o trabalho exigido dos educadores
dentro da escola , de fato, regido pelo que ocorre fora da escola.[...]
Partindo do princpio da impossibilidade da unidade da escola, formulam seis proposies
fundamentais, que se tornaram a base de toda as suas obras.
Na primeira proposio afirmam haver uma rede de escolarizao, a qual chamou de rede S-S
(rede secundria-superior,)
Na segunda proposio afirmam que haveria tambm uma rede P-P (rede primrio-
profissional).
Na terceira proposio concluem que no existe outro tipo de rede.
So essa as trs proposies bsicas, as demais so derivadas das primeiras.
A quarta proposio, por exemplo, define que esses dois tipos de rede: secundria-superior e
primrio-profissional, constituem, pela prpria relao que as define, o aparelho escolar capitalista,
assim sendo so aparelhos ideolgicos do estado capitalista. Como aparelhos ideolgicos, cumpre duas
funes bsicas: 1) contribuir para a formao de fora de trabalho e 2) efetuar a inculcao da
ideologia burguesa. Cabe assinalar, que no se trata de duas situaes que ocorrem em separado.
Na quinta proposio estabelece-se que enquanto aparelho ideolgico do estado capitalista, este
contribui em definitivo para a diviso da sociedade em classes em proveito da classe dominante.
Finalmente na sexta proposio conclui que a diviso da sociedade em classes antagonistas que explica em ltima instncia, no somente a existncia das duas redes, mas ainda (o que as define
como tais) os mecanismos de seu funcionamento, suas causas e seus defeitos (BAUDELOT & ESTABLET, 1971, citado em Gadotti, 2001).
Podemos concluir que para Baudelot e Establet, h uma de luta de classes, porm esta se dar
fora dos limites da escola. Caberia a escola enfraquecer a ideologia do proletariado reforando, atravs
da inculcao, a ideologia burguesa.
Nesses dois grupos sistematizados por Saviani, podemos perceber que num primeiro momento
(Tradicional, Escola Nova e Tecnicista), predomina uma euforia, um otimismo frente a educao e as
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relaes sociais. Negam, portanto, serem qualquer tipo de conflito social. Num segundo momento, nas
chamadas escolas crticas-reprodutivas, percebemos um mal estar generalizado, tendo a escola um
papel mantenedor das diferenas sociais, um determinismo fatalista proveniente da prpria estrutura
social. Se por um lado, h uma ingenuidade generalizada, por outro h um determinismo unilateral,
ento qual a soluo? Saviani prope uma sada e desenvolve a teoria denominada pedagogia
histrico-crtico da qual faremos uma sucinta apresentao.
Saviani (2002) rompe com essas duas perspectivas apresentadas no-crtica e crtica-reprodutiva por considerar que as primeiras so ingnuas, ao negar haver um conflito de interesses entre as classes sociais. Cada um desses modelos: Tradicional, Escola Nova e Tecnicista, acreditavam
ser o modelo capaz de resolver todos os problemas escolares da populao, da humanidade, para todo
o sempre e portanto, a-histrico.
Em relao ao segundo grupo, este no chega a se configurar como modelo pedaggico, trata-
se de uma reflexo crtica, descritiva, porm que no propem nenhum tipo de interveno.
Empenham-se to somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como est
constituda (SAVIANI, 2002), chegando mesmo a ser fatalista, pois consideram que a escola no
poderia ser diferente do que . Por isso ele as denominas crtica-reprodutiva.
Saviani, entretanto, absorve da concepo crtica-reprodutiva a idia de que a escola
determinada socialmente e sendo a sociedade dividida em classes com interesses opostos, tal fato
refletir na prpria estrutura da escola e portanto a escola sofre determinao do conflito de interesses
que caracteriza a sociedade.
Saviani, se questiona se possvel articular a escola com os interesses dos dominados, ou seja,
se possvel haver uma teoria que capte criticamente a escola como instrumento capaz de contribuir
para a superao do problema da marginalidade. Desenvolve ento, uma teoria que prope a tarefa de superar tanto o poder ilusrio (que caracteriza as teorias no crticas) como a impotncia (decorrente
das teorias crtica-reprodutiva), colocando nas mos dos educadores uma arma de luta capaz de
permitir-lhes o exerccio de um poder real, ainda que limitado (SAVIANI, 2000, p. 31). Ao desenvolver sua teoria, Saviani se coloca explicitamente e radicalmente contra o sistema
educacional, implementado pelas Leis de diretrizes e bases (LDB), enfatizando a problemtica do
ensino que se desenvolve no interior da escola, em particular no ensino fundamental (antigo 10 grau).
D nfase s questes polticas, formulando trs teses. A primeira por ser mais geral, denomina como
sendo filosfico-histrico, a segunda como sendo pedaggica-metodolgico e finalmente a terceira
como sendo uma derivada das outras duas.
A primeira enuncia da seguinte maneira: do carter revolucionrio da pedagogia da essncia e
do carter reacionrio da pedagogia da existncia.
Num sentido amplo, considera a pedagogia nova equivalente a pedagogia da existncia, visto
que ambas apresentam caractersticas da concepo humanista moderna de filosofia da Educao (SAVIANI, 2002). Tal concepo humanista centra-se na vida, na existncia, na atividade, por
oposio a escola tradicional que se centralizava no intelecto, na essncia, no conhecimento. Ressalva
que nesta concepo, h um amplo movimento filosfico que abarca correntes tais como:
pragmatismo, vitalismo, historicismo, o existencialismo e a fenomenologia com relevante repercusses
no campo educacional e do mesmo modo que h um diversidade de correntes filosficas, h tambm
diferentes aes pedaggicas no bojo da concepo humanista moderna de filosofia da Educao. Nesse sentido, ao dizer que a pedagogia nova e pedagogia da existncia so equivalentes, no podemos
reduzir a primeira pedagogia da existncia e nem vice versa.
Historicamente, podemos observar a passagem da concepo pedaggica da essncia (escola
tradicional) que parte da concepo igualitria concepo pedaggica existencial (escola nova) que
considera as diferenas individuais. Ambas so reacionrias por justificarem os privilgios de alguns.
Podemos dizer que o carter revolucionrio da escola tradicional se constitui na defesa
incondicional da igualdade da essncia dos homens. Saviani acrescenta que:
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O seu contedo revolucionrio histrico, isto modifica-se historicamente.
Assim, o acesso das camadas trabalhadoras escola implica a presso no
sentido de que a igualdade formal (todos so iguais perante a lei) prpria da
sociedade contratual instaurada com a revoluo burguesa se transforma em
igualdade real. Nesse sentido a importncia da transmisso do conhecimento,
de contedos culturais, marca distintiva da pedagogia da essncia, no perde
seu carter revolucionrio. ( SAVIANI, 2001, p.64)
Porm, se por um lado havia uma igualdade factual, por outro lado, havia tambm uma
desigualdade real. De onde decorre que, sendo a histria um processo dinmico, mudam-se tambm os
interesses. Nesse caso, j no interessava mais burguesia promover uma igualdade real da classe
trabalhadora que freqentava a escola. nesse contexto que surge o movimento da escola nova,
denunciando o carter mecnico artificial, desatualizado dos contedos da escola tradicional. Este
talvez tenha sido o grande mrito desse movimento, porm, segundo Saviani (2000), a Escola Nova ao
reconhecer e absorver as presses contra o carter formista e esttico, transmitidos pela escola,
funcionou como mecanismo da hegemonia burguesa. Essa crtica escola tradicional levou,
conseqentemente, ao esvaziamento da transmisso do conhecimento. A escola passou a ser
subordinada a uma pedagogia das diferenas individuais, centrada nos mtodos e processos ou seja a
pedagogia da essncia substituda pela pedagogia da existncia.
importante marcar que, nesse momento, o papel da psicologia foi de vital importncia para
ratificar cientficamente a questo das diferenas individuais e implementar a insero da psicologia no campo educacional, e podemos citar Galton, na Gr-Bretanha, pela criao de instrumentos de
medida de inteligncia, que seriam usados pelos psiclogos nas escolas; e , na Frana, pela criao,
juntamente com seu colaborador Simon, da primeira escala mtrica da inteligncia infantil, dando
origem Psicometria.
Num primeiro momento a atuao do psiclogo carrega um enfoque conservador e adaptativo
da criana escola, onde os problemas centram-se na figura do aluno. A atuao do psiclogo refere-
se a investigao e diagnstico de problemas apresentados pelas crianas no processo de insero
escolar. Esse momento foi marcado pelo "modelo mdico" e pelos modelos das "cincias naturais".
Partindo do pressupondo de "neutralidade" dos sujeitos e no envolvimento do experimentador, se
justifica ento, o uso abusivo da psicometria.
O segundo momento marcado pela idia de "homem certo no lugar certo". Tem como questo
central o problema da orientao educacional.
Esses momentos histricos vo consolidar o "iderio do fracasso escolar". Surgem vrios mitos
para explic-lo: "mito da carncia ou privao cultural, da desnutrio, do QI, das diferenas
lingsticas (PATTO, 1997). A pedagogia histrico-crtico resgata a igualdade essencial entre os homens. Entende porm, a
igualdade em termos reais e no apenas formais. A fim de torna-se um instrumento a servio da
instaurao de uma sociedade igualitria, condena a secundarizao do conhecimento e considera a
difuso dos contedos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em
geral e da escola em particular.
Saviani (2002) reconhece que sua teoria no poderia deixar de estar tambm condicionada pela
estrutura social, mas se diferencia das teorias crticas reprodutivas por levar em considerao o aspecto
dialtico desse condicionamento. Nesse sentido, ainda que elemento condicionado, no deixa de influenciar o elemento determinante (p. 66). Supera assim as pedagogias da essncia e da existncia, incorporando-as. O cerne de sua teoria consiste na superao da crena na autonomia ou dependncia
absolutas da educao em face das condies sociais.
A pedagogia histrico-critico bastante complexa, e ningum melhor do que o prprio autor
para sintetizar essa idia, diz ele:
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Assim, se fosse possvel traduzir os mtodos de ensino que estou propondo na
forma de passos semelhana de Herbart e Dewy, eu diria que o ponto de
partida no a preparao dos alunos, cuja iniciativa do professor
(pedagogia tradicional), nem a atividade que de iniciativa do aluno (escola
nova). O ponte do partida seria a prtica social (primeiro passo), que comum
a professor e aluno... entretanto do ponto de vista pedaggico h uma
diferena essencial que no pode ser perdida de vista: o professor de um lado e
o aluno do outro, encontram-se em nveis diferentes de compreenso
(conhecimento e experincia) da prtica social. Enquanto o professor tem uma
compreenso que poderamos chamar de precria, a compreenso dos alunos
sincrtica. por mais conhecimento e experincia, sua prpria condio de
aluno implica uma impossibilidade, no ponto de partida, de articulao da
experincia pedaggica na prtica social em que participam.
O segundo passo, no seria a apresentao de novos conhecimentos por parte
do professor (pedagogia tradicional) nem o problema como obstculo que
interrompe a atividade dos alunos (pedagogia nova). Caberia nesse momento,
a identificao dos principais problemas postos pela prtica social. Chamemos
a este segundo passo de problematizao.Trata-se de detectar que questes
precisam ser resolvidas no mbito da prtica social e, em conseqncia, que
conhecimento necessrio dominar.
Segue-se o terceiro passo que no coincide com assimilao de contedos
transmitidos pelo professor (pedagogia tradicional) nem com a coleta de dados
(pedagogia nova), ainda que por certo envolva transmisso e assimilao de
conhecimento podendo eventualmente, envolver levantamento de dados.
Trata-se de se apropriar dos instrumentos tericos e prticos necessrio ao
equacionamento dos problemas detectados na prtica social...Chamemos esse
terceiro passo de instrumentalizao.
O quarto passo no ser a generalizao (pedagogia tradicional) e nem a
hiptese (pedagogia nova). Adquiridos os instrumentos bsicos, ainda que
parcialmente, chegado o momento da expresso elaborada da forma de
entendimento da prtica social que se ascendeu. Chamenos a este quarto passo
de catarse, entendida na concepo gramsciana de elaborao superior da estrutura em superestrutura na conscincia dos homens. O quinto passo, finalmente tambm no ser a aplicao (pedagogia
tradicional) nem a experimentao (pedagogia nova), o ponto de chegada a
prpria prtica social, compreendida agora no mais em termos sincrticos
pelos alunos... (s/d grifo do autor)
Nessa perspectiva a educao uma atividade que supe uma heterogeneidade real e uma
homogeneidade possvel, uma desigualdade no ponto de partida e uma homogeneidade no ponto de
chegada. (SAVIANI, 2000a).
Num artigo ainda no prelo intitulado A materialidade da ao pedaggica e os desafios da pedagogia histrico-crtica, Saviani chama a ateno para o fato que so muitos os obstculos que impedem a implementao de sua teoria, um deles seria a falta de um sistema de educao no Brasil.
Explica que a prtica o critrio de verdade da teoria, em nome dessa teoria so formulados
determinados conceitos e determinadas hipteses que precisam ser testadas para serem validadas e ao
mesmo tempo verificar em que grau ela de fato atende s necessidades pelas quais ela fora elaborada.
Conclui que: medida, porm, que a prtica tem tal grau de precariedade o que torna invivel a possibilidade de se testar essas hipteses, de verificar no mbito da ao as proposies que a teoria
formula, essa formulao fica represada e, portanto, isto dificulta o seu avano (SAVIANI, prelo).
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Um outro problema seria a organizao escolar acoplada teoria. Ele chama a ateno para o
fato de que muitas vezes ao se propor a transformao da prtica, esta acompanhada por uma nova
teoria, e nem sempre atentamos para o fato de que necessrio tambm mudar a organizao objetiva
da escola ou seja, a organizao acompanha o modelo terico, como por exemplo o modelo tradicional
que exigia um ambiente tranqilo, silencioso, sem muito estmulos visuais, a fim de no tirar a ateno
dos alunos dos estudos, j no modelo da escola nova, o ambiente tem que ser arejado, com bastante
estmulos visuais, objetivando motivar o aluno e promover novos interesses. Seria, portanto
inviabilizado qualquer projeto que no levasse em considerao tambm a mudana organizacional.
Assim sendo, no basta formular uma nova teoria e propor uma nova prtica, se mantivermos uma
estrutura organizacional da educao que est montada segundo uma perspectiva terica diversa, ou at
mesmo, oposta perspectiva proposta.
Esse panorama geral sobre a educao no encerra a discusso e nem abarca todos os pontos
polmicos desse tema, que merecem ser aprofundados, entretanto aponta algumas questes relevantes
para nossa reflexo. Cabe agora situar a questo do ensino dentro do panorama nacional.
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Texto II - BREVE HISTRICO DA PSICOLOGIA ESCOLAR NO BRASIL
Fonte: Psicologia Argumento, Curitiba, v. 23, n. 42 p. 17-23, jul./set. 2005.
Aline Ottoni Moura Nunes de Lima
A compreenso do texto, a ser alcanada por sua leitura crtica, implica a percepo das
relaes entre o texto e o contexto. (Paulo Freire)
Este artigo uma verso modificada do primeiro captulo de monografia apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de So Paulo (USP) 2 como parte dos requisitos para o ttulo de
especialista em Psicologia Escolar: processos de aprendizagem e de escolarizao. Pretendemos fazer
um levantamento histrico da relao da psicologia com a educao desde o seu incio.
A importncia e a atualidade deste tema se justificam porque somente quando analisamos
retrospectivamente como a psicologia respondeu ao longo de sua histria, enquanto cincia, ao
chamado da educao, que podemos entender o significado da participao dos psiclogos na escola
atualmente e vislumbrar possibilidades de atuaes alternativas quelas que se tornaram hegemnicas.
No Brasil, conforme nos alerta Goulart (2003), foi a Psicologia que derivou da Psicologia da
Educao. Esta, desde o incio do sculo passado, tem sido chamada pela educao para fundamentar
teoricamente questes importantes da educao escolar, se constituindo no primeiro campo de
aplicao daquela cincia. No entanto, Loureiro (1997) denuncia que apesar das explicaes oferecidas
pela psicologia para os problemas pelos quais passa o sistema de ensino brasileiro, no se vem
mudanas significativas ao longo dos anos.
A partir de vrias questes levantadas a respeito das explicaes oferecidas pela psicologia aos
problemas da educao, faz-se urgente uma postura comprometida com as preocupaes da
comunidade educativa escolar que, vinculando teoria e prtica, possam, como prope Coll (2000),
contribuir para a compreenso e melhoria das prticas em contextos educativos concretos, o que
precisa ser realizado levando-se em conta a necessidade de adotar posturas ideolgicas e morais.
Para que possamos efetivar uma prtica consciente, que leve em conta as desigualdades sociais e seus
efeitos na escolarizao de nossas crianas e jovens, preciso compreender o nosso estar no mundo,
situando-nos historicamente. Sendo assim, segundo Patto (1984), a anlise da constituio histrica e da essncia da psicologia cientfica imprescindvel, pois nos permitir entender mais a fundo o
significado de sua participao nas escolas.... Neste artigo, faremos um breve relato para relembrarmos como, ao longo da histria, vem se dando a
relao da psicologia com a educao.
Delineando os caminhos e des-caminhos dos psiclogos a partir de uma viso hegemnica clnica at
chegarmos a uma perspectiva crtica de psicologia escolar. Ento, o que vinha fazendo o psiclogo
escolar desde o final do sculo XIX, marco de ligao da psicologia com a educao? Por uma questo
didtica, dividimos nosso texto em quatro modelos com base em posturas de atendimento psicolgico
nos contextos educativos escolares, mas no podemos tom-las como se fossem sendo substitudas
uma pela outra. Coll (2000) nos confirma que ainda hoje h influncias desses modelos no trabalho de
psiclogos e pedagogos responsveis pela elaborao de polticas educacionais. Passamos
apresentao sucinta de cada um dos modelos.
2.1. O modelo psicomtrico medindo, classificando, segregando... A psicologia adquiriu seu status cientfico em 1879 com a inaugurao do Laboratrio de Psicologia
em Leipzig, na Alemanha, por Wilhelm Wundt. Este mdico, fisiologista, interessava-se por
desenvolver estudos sobre a psicofisiologia dos processos mentais, ou seja, sobre os processos
elementares da conscincia. Seu estudo (...) apresenta-se como o marco que ensejou o estudo do
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comportamento humano sob a tica das cincias fsicas e biolgicas, desconsiderando os estados
subjetivos na compreenso do homem e suas relaes Yazlle (1990). Wundt foi precedido por Francis Galton (1822-1911) que, em 1869, publicou sua obra Hereditary Genius como incio de seu projeto eugenista,baseando-se na obra A Origem das Espcies de seu contemporneo e parente, Charles Darwin.
A partir da, realizou vrios trabalhos em seu laboratrio de psicometria, no University College de
Londres, tendo como objetivo principal medir a capacidade intelectual e provar a determinao
hereditria das aptides humanas, para que fosse possvel selecionar os mais capazes, aprimorando a
espcie humana.
O perodo ps - revoluo industrial, com a vitria da burguesia liberal, o pano de fundo sobre o qual
Galton desenvolveu sua teoria. Num contexto em que a burguesia emergente reafirmava seu poder
tendo como base o liberalismo, pautado num ideal de igualdade de oportunidades para todos, as
diferenas entre classes sociais eram concebidas a partir da explicao de que uns eram mais capazes
do que outros, recebendo respaldo nos instrumentos de medida de inteligncia e personalidade criados
por Galton.
A primeira escala mtrica de inteligncia infantil foi desenvolvida por Binet, na Frana em 1905. Sua passagem (...) para o laboratrio de pedagogia experimental, (...) foi um passo decisivo na constituio
do primeiro mtodo em psicologia escolar, do qual at hoje no se libertou: a psicometria (Patto, 1984). Tinha como objetivo desenvolver instrumentos que possibilitassem a seleo, adaptao,
orientao e classificao de crianas que necessitassem de educao escolar especial em normais e
anormais.
Houve repercusso desse estudo em todo o mundo. As escolas europias e as localizadas na Amrica
do Norte adotaram os testes, que estavam sendo estudados em larga escala, e com eles, as
conseqncias pedaggicas que deles advm, como, por exemplo, a diviso de crianas em grupos
homogneos, separao em normais e anormais e uma seleo do que seria ensinado a cada um deles.
Enquanto isso, suas colnias europias lutavam pela introduo dessa nova moda educacional em suas escolas. Por volta de 1906, no Rio de Janeiro, Manoel Bonfim fundou o Laboratrio de Pedagogia
Experimental, planejado por Binet (Paris), junto ao Pedagogium, rgo fundado a fim de incentivar
melhorias educacionais, que se transformou em um centro de cultura superior, em 1897. Em um estudo
sobre a histria da psicologia brasileira, encontramos um relato sobre o ensino da psicologia nas
escolas normais, no sculo XIX, que demonstra a influncia europia e norte-americana na sociedade
brasileira.
Massimi (1990) aponta que, para formar um corpo docente competente e adequado quanto s
necessidades do sistema educacional brasileiro, as escolas normais procuram elaborar e instruir seus
alunos em uma metodologia cientfica do ensino, inspirada nos modelos europeus e norte-americanos.
Patto (1984) traz a informao de que (...) a primeira funo desempenhada pelos psiclogos junto aos sistemas de ensino, (...) no Brasil, (...), foi a de medir habilidades e classificar crianas quanto
capacidade de aprender e de progredir pelos vrios graus escolares. A influncia das idias do movimento psicomtrico, na atuao dos psiclogos no Brasil, fica notria,
segundo Yazlle (1997, na apreciao da tese para ingresso na Escola Normal de Recife, de Ulisses
Pernambucano, em 1918, intitulada Classificaode Crianas Anormais. Essa postura segregadora, pois, na medida em que categorizamos as crianas e jovens, estamos
excluindo-os da possibilidade de vivenciar o processo educacional regular e corremos o risco de,
segundo Machado (1994, p. 63), aprisionar a diferena num sistema negativo, comparativo.
Esses trabalhos trouxeram de positivo o incio de um movimento pioneiro de assistncia a crianas
excepcionais, ao qual, mais tarde, se engajaria a psicloga e educadora Helena Antipoff, chegada ao
Brasil em 1929.
2.2. O modelo clnico: sade x doena... diagnosticando...
No incio do sculo XX, as produes em Psicologia cresciam aos borbotes e os estudos de Sigmund
Freud (1856-1939) sobre a psicanlise vieram mudar a viso a respeito da origem das diferenas
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pessoais. Com a elaborao de uma teoria que considerava a relao do indivduo com o grupo
familiar determinante da personalidade (que se forma ao longo do processo de desenvolvimento) e, por
sua vez, de como este indivduo se posicionar no mundo, lanava-se um questionamento oportuno
para a viso do inatismo.
A psicanlise foi trazida para o Brasil pelos mdicos que, por sua vez, foram os primeiros a produzir
conhecimentos psicolgicos neste pas.
Nas faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia, d-se uma introduo ao modelo clnico de psicologia
escolar, inspirado na medicina, cujo objetivo era psicodiagnosticar e tratar crianas que apresentassem
problemas de aprendizagem.
importante salientar qu, no Brasil, mesmo com a adoo da teoria psicanaltica como base terica
para explicao dos problemas de aprendizagem, muitos foram os estudos que continuaram utilizando
os parmetros de normalidade para classificar as crianas. O que temos de novo que as crianas
anteriormente classificadas como anormais so, a partir de agora, denominadas crianas problema.
Segundo Moyss e Collares (1992), o neurologista americano Strauss, em 1918, lana a hiptese de que os distrbios de comportamento (...) e os de aprendizagem poderiam ser conseqentes de uma
leso cerebral mnima. Teoria que s se legitimou efetivamente a partir da dcada de 60 do sc. XX e que, at hoje, alm de influenciar as prticas psicolgicas e educacionais que pretendem classificar
crianas como normais e anormais, continua dando margens a pesquisas.
2.3. O modelo preventivo: antecipando, clinicando...
Com o advento da psicanlise e, com ele, de novas explicaes que situavam os problemas de
aprendizagem nas influncias ambientais, mais especificamente no desajuste familiar e, concomitante
ao processo de biologizao do comportamento, que favorece a patologizao destes, tinh ase um
terreno frtil para a disseminao da prtica psicolgica de psicoterapia e orientao familiar, frente a
problemas de aprendizagem e a atribuio de rtulos.
Isto se deu num contexto socioideolgico caracterizado pelo perodo ps-Primeira Guerra, quando a
sociedade aristocrtica rural, (...) entrava para a fase de industrializao brasileira, enquanto projeto social de modernizao, Yazlle, (1997). A maioria da populao no tinha acesso escola e, portanto, no estava qualificada para o mercado de trabalho.
Surgiu o Movimento de Higiene Mental (dcada de 20 e 30 do sculo XX), com funes preventivas
de orientao, assistncia, pesquisa e ensino de tcnicos especializados em desajustamentos infantis.
Esse movimento partia do princpio de que o profissional de Psicologia deveria se adiantar aos
problemas e cuidar do controle do bem-estar social e individual da nao. Era necessrio que as
crianas fossem qualificadas para se conquistar o iderio do Estado Novo de industrializao.
Essas prticas psicoeducacionais ainda esto presentes nos dias de hoje em muitas instituies de
ensino no nosso pas, e tm sido denunciadas por vrios autores, direta ou indiretamente.
Pode-se v-las nos Servios de Orientao Educacional e Psicologia Escolar, por meio de
atendimentos individuais aos alunos frente a questes que dizem respeito ao cotidiano escolar, em
encaminhamentos a psicopedagogos de crianas com problemas de aprendizagem, etc.
Temos exemplos de prticas reveladoras da postura clnica no ambiente escolar, de carter
especialmente adaptacionista, que situa o problema no aluno ou, quando mais camuflada, desloca o
foco para o professor. Herana que recebemos de uma psicologia exercida no incio do sculo XX,
quando (...) a escola, seus procedimentos e objetivos no eram objeto de questionamento, nem mesmo enquanto variveis que poderiam gerar problemas de aprendizagem e de ajustamento (Patto, 1984).
2.4. O modelo compensatrio: novas explicaes, velhas posturas...
No Brasil, a partir da dcada de 70 do sc. XX, chegaram as idias produzidas nos Estados Unidos,
que constituam a Teoria da Carncia Cultural. Essa teoria surgiu diante da necessidade de se conter as
tenses geradas pelos movimentos reivindicatrios das minorias raciais. Compunha se de diversos
trabalhos que explicavam a discrepncia de rendimento escolar observada entre as crianas dos vrios nveis scio-econmicos (Souza, 1997).
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De acordo com esse conjunto de idias, as crianas de segmentos sociais pobres em recursos
financeiros no possuem as mesmas aptides para o aprendizado que as de classe privilegiada e,
portanto, precisam aprender com recursos diferentes dos oferecidos aos outros. Os ambientes em que
vivem geram deficincias nutricionais, perceptivo-motoras, cognitivas, emocionais e de linguagem e
ainda so vtimas da desestruturao familiar incapaz de fornecer uma base segura para a vida da
criana.
Diante dessa explicao, foram realizados Programas de Educao Compensatria, para as crianas
carentes, primeiro nos Estados Unidos e depois no Brasil. (...) disseminando a crena de que todos os esforos esto sendo empenhados no sentido de escolarizar os filhos da pobreza e sanar suas
deficincias (Patto, 1984). Com a considerao das diferenas culturais, percebe-se uma tentativa da Psicologia em considerar os
aspectos sociais dos problemas de aprendizagem, mas ainda havia desconsiderao das dimenses ideolgicas presentes na teoria em voga, o que no provocou mudanas de postura em psicologia
escolar. Segundo Patto (1984), o psiclogo realizava um trabalho voltado para o diagnstico das
deficincias dos carentes mediante testes psicolgicos, detectando suas incapacidades e buscava,
juntamente com outros profissionais de educao, programar meios psicopedaggicos que
possibilitassem a aprendizagem das crianas.
O psiclogo passou a assumir a funo tcnica, coerente com a antiga clnica, por seu carter
individualizante, de assessoria aos professores, aqueles que no sabem. Essa perspectiva aparece claramente em textos como o de Reger, que define o objetivo bsico do psiclogo escolar: (...) ajudar a manter a qualidade e a eficincia do processo educacional atravs da aplicao dos conhecimentos
psicolgicos (...) enquanto educador comprometido com a identidade do acadmico, o psiclogo
escolar pode tentar ensinar outros profissionais no sistema escolar (Reger, 1989). importante esclarecer que, mesmo ao atender o grupo de professores, o psiclogo est adotando
neste momento histrico uma postura individualizante, por no estar considerando ainda todo o cenrio
educativo escolar, mas apenas um de seus componentes.
A merenda escolar e os grupos de reforo de aprendizagem, os materiais produzidos para a
estimulao precoce de crianas pr-escolares e as Escolas Municipais de Educao Infantil foram
medidas adotadas a fim de solucionar o problema da dificuldade de escolarizao das crianas e adequ-las melhor s exigncias da escola (Souza, 1997). Estas, entre outras, so algumas heranas deste modo de entendimento dos problemas de aprendizagem.
No sem motivo que as dificuldades escolares que causam o fracasso tm sido freqentemente
atribudas a caractersticas individuais das crianas: (...) a psicologia encobre o papel cumprido pela instituio de reproduzir no mbito da distribuio dos bens culturais a desigualdade caractersticada
distribuio dos bens materiais (Loureiro, 1997). A psicologia sempre se fez presente na educao, principalmente criando critrios para classificar as
crianas que no estavam adaptadas aos padres ideais estabelecidos pela classe social dominante, nos
diferentes perodos histricos. Os rtulos que atribuiu a elas mudaram de nome durante toda a histria.
Se num primeiro momento as separou em normais e anormais, num segundo modelo de trabalho, as
denominou crianas problema, e diante do modelo que por hora abordamos, marca os deficientes ou os
carentes.
2.5. Uma introduo ao modelocrtico
Foi a partir da dcada de 1980 do sculo XX que se iniciou um movimento de anlise crtica da
atuao do psiclogo escolar, a fim de que fosse possvel a considerao dos processos desenvolvidos
na instituio escolar. Os problemas de aprendizagem passaram a ser vistos como um fenmeno complexo, constitudo socialmente, cuja anlise deve abarcar os aspectos histricos, econmicos,
polticos e sociais.
A base terico-filosfica da teoria crtica constitui-se no Materialismo Histrico dialtico formulado
por Karl Marx. Torna-se fundamental, neste momento, ressaltarmos que o marxismo no uma teoria
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j superada. Meira (2000) nos fala sobre a atualidade dessa perspectiva, ressaltando a presena do
perodo histrico analisado por Marx, o capitalismo.
Nesta perspectiva, o homem visto como um ser que, a partir da sustentao biolgica que nos
constitui como seres humanos, tem nas relaes sociais de que tomam parte ao longo do tempo a
possibilidade de se construir juntamente com outros homens, na medida em que constri as formas de
satisfao de suas necessidades numa relao dialtica.
Bock (1997) acrescenta que, para os psiclogos que adotam uma postura scio-histrica, o fenmeno
psicolgico tambm construdo a partir das relaes do homem numa topografia e sociedade
especficos num momento histrico especfico.
A educao e, mais especificamente, a educao escolar so compreendidas como instncias
fundamentais no processo de socializao do conhecimento produzido pela humanidade.
E, por conseguinte, as relaes escola-sociedade devem ser pensadas por contradio, no sentido de que se o fato educativo um politikum e um social, conseqentemente, tambm verdadeiro que toda situao poltica e social determina sensivelmente a educao (MANACORDA,1989 apud Tanamachi, 1997).
Quando analisamos o fenmeno educacional, fundamental levarmos em conta que a realidade
educacional determinada por mltiplos fatores. Ao psiclogo lanado o desafio de superar a viso
tcnica/clnica que sempre embasou sua atuao, passando a atuar politicamente, ou seja, atuar e refletir politicamente com os indivduos para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades da
sua sociedade (Freire, 1983). O rompimento com o modelo clnico de atuao implica, conforme Ragonesi (1997), entre outras
coisas, em romper com a separao entre as atividades de ensino que seriam responsabilidade do
professor e o comportamento dos alunos, que por sua vez seriam responsabilidade do psiclogo.
Assim conseguiremos situar mais adequadamente os processos psicolgicos no interior do processo pedaggico, garantindo a especificidade de nossa atuao, a partir de uma reflexo sobre o lugar da
Psicologia na Educao, sem reduzir uma outra. O momento de criar espaos de reflexes com todos os grupos que fazem parte da escola, famlias e
aluno, professores, pedagogos, funcionrios e comunidade, considerando a realidade escolar como um
todo, pesquisando temas que faam parte das preocupaes dos envolvidos, fazendo parcerias com
outros profissionais que tm a educao como foco de ateno.
Sabemos que no h um manual de atuao em psicologia crtica, o que temos uma indicao de
Souza (2000) de que o momento de discusses e a construo-desconstruo da teoria e prtica em
psicologia escolar ser constante e dialtica. No entanto, temos alguns princpios norteadores da prtica. A ttulo de consideraes finais, gostaramos de ressaltar que existe certo consenso entre os psiclogos educacionais sobre a necessidade de maior clareza sobre a nossa identidade e finalidade
profissional. Segundo Patto (1997), o papel do psiclogo escolar est mal delimitado ainda e uma
discusso aprofundada leva a uma discusso da sua prpria formao. Meira (2000) alerta que no
trabalho de formao do psiclogo escolar devemos estar sempre perguntando: qual deve ser o
compromisso tico - poltico do psiclogo que queremos formar? Quanto ao lugar ocupado pelo
psiclogo escolar, Ragonesi (1997) nos diz que o melhor lugar para o psiclogo o lugar possvel, seja dentro ou fora de uma instituio. O mais importante que ele se insira na educao, assumindo um compromisso terico e prtico com as questes da escola, que o seu foco de ateno.
Alm disso, a autora acrescenta que fundamental que os psiclogos que atuam diretamente na
instituio escolar preocupem-se com a melhoria das prticas pedaggicas, garantindo que a escola
utilize-se dos conhecimentos psicolgicos na elaborao de suas propostas de trabalho, visando a
atingir o objetivo primeiro da educao: a humanizao.
importante criar alternativas para uma atuao pautada no compromisso com o atendimento pblico,
pautada no direito cidadania, recuperando e assumindo como os tericos do incio do sculo XX,
Vigotski, Wallon, Luria, Leontiev, etc, o discurso e as preocupaes com o reformismo social.
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Na construo da psicologia que elege a educao como objeto de reflexo e ao, preciso subsdios
terico-prticos importantes que possibilitem a consolidao de um corpo de conhecimentos mais
slido que faa avanar, no interior da cincia psicolgica, a compreenso sobre o processo de
construo social do indivduo e que permita que a educao possa construir novas prticas
pedaggicas.
Referncias
BOCK, A. M. B. (2000). As influncias do Baro de Mnchhausen na Psicologia da Educao. In
Tanamachi,E. R., & Proena, M. & Rocha, L. M. (orgs.) Psicologia e Educao: desafios terico-
prticos. (pp.11-34). So Paulo: Casa do Psiclogo.
COLL, C. (2004). Concepes e tendncias atuais em psicologia da educao. In Cool, C., & Marche-
si, A. & Palcios, J. Desenvolvimento Psicolgico e Educao. Porto Alegre: Artmed.
FREIRE, P. (1983) Educao e Mudana. So Paulo: Paz e Terra.
GOULART, I. B. (1989) Psicologia da Educao: Fundamentos Tericos e Aplicaes Prtica
Pedaggica. Petrpolis: Vozes.
LOUREIRO, M. C. S. Psicologia escolar: mera aplicao de diferentes psicologias educao? In M.
PATTO.M H Introduo psicologia escolar. (pp.449-458). So Paulo: Casa do Psiclogo.
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Texto III - PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL EM BUSCA DE NOVAS
PERSPECTIVAS.
Fonte: Psicol. Esc. Educ. (Impr.) vol.13 no.1 Campinas Jan./June 2009
Marilene Proena Rebello de Souza
Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo
Apresentaremos a seguir a Conferncia proferida pela Dra. Marilene Proena Rebello de Souza,
presidente atual da ABRAPEE, durante as atividades cientficas do VIII Congresso Nacional de
Psicologia Escolar e Educacional, em 2007, realizado na Universidade Federal de So Joo Del Rei,
intitulada Psicologia Escolar e Educacional em busca de novas perspectivas.
A rea de Psicologia Escolar e Educacional uma das reas de pesquisa e de atuao profissional no
campo da Psicologia tradicionalmente presente na histria dessa cincia no Brasil. Do ponto de vista
histrico, a Psicologia Escolar e Educacional permaneceram como campos distintos at muito
recentemente: a primeira como o campo da prtica profissional e a segunda enquanto rea de pesquisa
em Psicologia. Essa dicotomia passou a ser questionada por uma perspectiva crtica que considerava
que teoria e prtica so elementos indissociveis na constituio de uma cincia dita humana.
As discusses advindas da dcada de 1980 passaram a repensar a tarefa do psiclogo, defendendo a
necessidade de mudana nos referenciais tericos na compreenso das questes escolares, com vistas a
promover o desenvolvimento de prticas pedaggicas de melhor qualidade. Esse movimento de crtica
fortaleceu-se no campo da Psicologia Escolar e atualmente podemos considerar que temos, no Brasil,
um conjunto de trabalhos de interveno e de pesquisa que: a) rompe com a culpabilizao das
crianas, adolescentes e suas famlias pelas dificuldades escolares; b) constri novos instrumentos de
avaliao psicolgica e de compreenso da queixa escolar; c) articula importantes aes no campo da
formao de professores e de profissionais de sade.
possvel afirmar que de fato se constitui uma corrente crtica no campo da Psicologia Escolar,
considerando-a como rea de estudos da Psicologia, de atuao e de