ApostilaEticaSociedade2007-2

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Universidade do Oeste de Santa Catarina www.unoesc.edu.br 2º semestre de 2007

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Universidade do Oeste de Santa Catarina

www.unoesc.edu.br

2º semestre de 2007

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E84 Ética e sociedade : educação a distância / (coord.) Ardinete Rover. – Joaçaba : UNOESC, 2007. 76 p. : il. ; 23 cm. – (Material didático) Modo de acesso: Unoesc Virtual. Também disponível para reprografia. Inclui bibliografia 1. Ética. I. Rover, Ardinete, (coord.) CDD 170 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unoesc.

O material apostilado desta disciplina é para uso exclusivamente didático, sem intenção comercial.

Reitoria: Rua Getúlio Vargas, 2125 Bairro Flor da Serra CEP 89600-000 Fone: 49 3551-2098 www.unoesc.edu.br Campus de Joaçaba Rua Getúlio Vargas, 2125 Bairro Flor da Serra CEP 89600-000 Fone: 49 3551-2000 Campus de São Miguel do Oeste Rua Oiapoc, 211 Bairro Agostini CEP 89900-000 Fone: 49 3631-1000

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Reitor: Aristides Cimadon

Presidente da Funoesc: Genesio Téo

Vice-Reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão:

Luiz Carlos Lückmann

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Coordenação da Unoesc Virtual: Ardinete Rover

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Joaçaba: Lindamir Secchi Gadler São Miguel do Oeste: Carlos Requia Videira: Fabiano Wonzoski Xanxerê: Davidson Mazzoco Davi

Professores conteudistas da Disciplina de Ética e Sociedade:

Ancelmo Pereira de Oliveira Ardinete Rover Cláudio Luiz Orço Evandro Ricardo Guindani Idovino Baldissera Rejane Ramborger

Revisão lingüística: Luciana Slongo

Revisão eletrônica: Carolina Nodari Luciana Slongo

Capa: Coordenadoria de Comunicação e Marketing Elediana Fátima de Quadros

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 3

PLANO DA DISCIPLINA .................................................................................................... 5

UNIDADE 1 A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA SOCIEDADE ...................................... 7

SEÇÃO 1 A importância do outro ........................................................................................... 8

SEÇÃO 2 A ética e a vida social ........................................................................................... 12

SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade ......................................................................... 14

UNIDADE 2 ÉTICA, MORAL E CULTURA .................................................................... 17

SEÇÃO 1 Ética e moral ......................................................................................................... 18

SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência ............................................................................. 21

SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente............................. 26

SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência ..................................................... 28

UNIDADE 3 O PENSAMENTO FILOSÓFICO E A ÉTICA .......................................... 31

SEÇÃO 1 A filosofia e a ética ................................................................................................ 32

SEÇÃO 2 O surgimento da ética na filosofia.......................................................................... 34

SEÇÃO 3 O pensamento de Aristóteles e Marx ..................................................................... 38

SEÇÃO 4 Reflexão sobre a construção da moral ................................................................... 39

UNIDADE 4 A GLOBALIZAÇÃO E A ÉTICA ................................................................ 45

SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade ............... 46

SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização ................................................................................. 47

SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica .................................................... 49

SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética .............................................................................. 51

UNIDADE 5 OS CONFLITOS ÉTICOS DA SOCIEDADE ATUAL............................. 57

SEÇÃO 1 Grandes questões éticas da contemporaneidade ................................................... 58

SEÇÃO 2 A construção de valores morais na sociedade brasileira ......................................... 63

SEÇÃO 3 Características da sociedade brasileira capitalista................................................... 64

SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil ........................ 65

SEÇÃO 5 Esperança ética ..................................................................................................... 68

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 71

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APRESENTAÇÃO

Apresentamos a você, aluno da Unoesc na modalidade a distância, o material didático da disciplina Ética e Sociedade. Ele foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma; os conteúdos foram cuidadosamente selecionados e a linguagem utilizada facilitará seus estudos a distância.

A disciplina Ética e Sociedade tem fundamental importância para a reflexão acerca do significado de nossa ação no mundo. Na perspectiva de construir nosso “ser ético”, precisamos refletir teoricamente sobre os valores que norteiam nossas ações. Nesta disciplina, procuramos lançar um olhar acadêmico sobre o tema da ética, revelando sua real importância para o desenvolvimento das atividades cotidianas em sociedade e, também, no desempenho das atividades profissionais. Com isso, buscamos reconhecer, nas contradições sociais, a carência de uma discussão sobre a ética em suas instâncias normativas e prescritivas do agir humano.

Recomendamos, antes de você começar os seus estudos, que leia com muita atenção o Guia do Aluno da disciplina, pois ele contém informações importantes para você concluir a disciplina com sucesso. No Guia também se encontram o cronograma da disciplina e as atividades avaliativas de G1, que deverão ser encaminhadas ao professor tutor. As datas estabelecidas no cronograma devem ser cumpridas rigorosamente.

Quando falamos em educação a distância, não quer dizer que você estará sozinho nos seus estudos; lembre-se de que você poderá contar, sempre que precisar, com a ajuda do professor tutor.

Desejamos que você tenha muito sucesso nesta disciplina e em todo o curso.

Bons estudos!

Equipe Unoesc Virtual.

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PLANO DA DISCIPLINA

Ementário

Conceituação (ética x moral). Fundamentos históricos e filosóficos. Os conflitos éticos da sociedade atual (doutrinas éticas). A ética e o processo de globalização. Arquegenealogia da ética brasileira. Desafios éticos do cotidiano.

Objetivo geral

Compreender e analisar a ética no contexto sócio-histórico, considerando suas diferentes concepções.

Objetivos específicos

• Perceber as implicações da reflexão ética no conjunto das ações sociais do homem.

• Conhecer o processo de construção histórico-social da moral.

• Compreender a complexidade das questões éticas na sociedade.

Carga horária

A duração da disciplina seguirá um cronograma de atividades para orientar o seu estudo, conforme a carga horária proposta na matriz curricular.

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__________________________________________________ Ética e Sociedade 6

Cronograma de estudo

Utilize o cronograma a seguir para organizar seus estudos de acordo com as datas de realização das atividades. É obrigatório obedecer ao cronograma previsto para a entrega das atividades avaliativas.

EVENTO ATIVIDADES DATAS

Encontro presencial

Início das aulas. Apresentação e orientações sobre o funcionamento da disciplina. Oficina de utilização do Portal de Ensino Unoesc.

___/___

Fase de ambientação

Período de adaptação ao tempo de estudo e, principalmente, do processo de ensino-aprendizagem na modalidade a distância.

___/___

Ativi

dad

es a

valiat

ivas

G1

Fórum de discussão

Primeira temática: formação ética Leitura da unidade:

� 1 A importância da ética na sociedade

___/___ a

___/___

Avaliação on-line.

Leitura das unidades: � 2 Ética, moral e cultura � 3 O pensamento filosófico e a ética

Realização das atividades de auto-avaliação.

___/___ a

___/___

Produção de um paper

Leitura da unidade: � 4 A globalização e a ética

Realização das atividades de auto-avaliação.

___/___ a

___/___

Fórum de discussão

Segunda temática: desafios éticos Leitura da unidade:

� 5 Os conflitos éticos na sociedade atual

___/___ a

___/___

Bate-papo

O professor tutor agendará momentos de encontro virtual para orientar os estudos e debater questões relacionadas aos conteúdos. Porém, sua participação no bate-papo é facultativa.

Encontro presencial Avaliação G2 ___/___

Avaliação G2 fora de prazo ___/___

Avaliação G3 ___/___

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Unidade 1

Ética e Sociedade _________________________________________________

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Unidade 1 A importância da ética na sociedade

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância da ética na sociedade;

• identificar os elementos que unificam as categorias ética, o outro e a sociedade;

• refletir sobre as implicações éticas na vida cotidiana.

Plano de estudo

Seção 1: A importância do outro

Seção 2: A ética e a vida social

Seção 3: Ética e sociedade na universidade

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PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual é a de conviver com as diferenças, sejam elas de idéias, comportamento, atitudes, raça, cultura.

A vida em sociedade exige que reconheçamos a importância do outro, sejamos compreensivos, tolerantes e sensíveis aos desafios que nos rodeiam!

Como nossa cultura ainda é muito individualista, precisamos de um longo caminho para nos tornar mais éticos. É esse caminho que o convidamos a trilhar na disciplina de Ética e Sociedade .

Então, vamos iniciar nossos estudos de Ética e Sociedade? Para isso, precisamos entender por que se estuda a ética e em que momento surge a preocupação ética na sociedade. Inicialmente, vamos falar daquilo que é o eixo central da ética: o reconhecimento do outro.

SEÇÃO 1 A importância do outro

Com a correria do dia-a-dia, somos levados a nos preocupar bastante com nós mesmos. Nesta seção, vamos pensar sobre o papel que o outro ocupa na nossa vida?

Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer uma retrospectiva em sua memória emocional e destaque seus principais motivos de alegria e tristeza, no dia-a-dia.

Reflita sobre sua família, amigos, universidade. O que, em sua família, afeta os seus sentimentos? Se as condições financeiras são as melhores possíveis, você já se sente plenamente feliz? Vivemos grande parte da vida em função de nossas necessidades e desejos, mas por que será que existe o ditado popular de que “dinheiro não traz felicidade”?

Vamos auxiliar essas reflexões com uma dinâmica? Escolha, para cada item, o que for solicitado.

Um bem material muito importante para você: ________________________________________________________ Um sonho que almeja: ________________________________________________________ Um local para onde gostaria de viajar: ________________________________________________________ Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida: ________________________________________________________

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A importância da ética na sociedade ________________________________________

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Se você precisar se desfazer de uma dessas coisas, qual será? Elimine uma de suas escolhas.

E se você precisar abrir mão de mais duas coisas? Elimine outras duas respostas.

Enfim, o que restou?

Essa dinâmica nos ajuda a perceber o papel que o outro ocupa na nossa vida. Praticamente ninguém se desfaz das pessoas, nesse exercício. Geralmente, os grandes responsáveis pelos nossos sentimentos de alegria ou tristeza provêm das relações que temos com as pessoas.

Quantas vezes perdemos o sono ou não acordamos bem porque temos algum problema de relacionamento interpessoal?

Você já se sentiu assim?

Você imaginaria a sua vida isolada dos outros?

Enfim, o outro é a causa de nossa alegria e de nossa tristeza, contribui e prejudica em nossa busca pelo sentido da vida. É importante percebermos que nossa condição humana é marcada pela incompletude e inacabamento; a todo momento buscamos o outro, ou para partilhar, ou para nos completar como indivíduos.

Quantas vezes você está desanimado, chateado e ao conversar com outra pessoa parece ficar mais leve e tranqüilo?

Isso tudo nos ajuda a entender que o outro nos completa em nossos pensamentos e ações.

Mas, quem é o outro?

O outro pode ser a pessoa que está à sua frente, um familiar, um amigo, ou qualquer ser humano de qualquer raça e cultura, uma criança, um trabalhador, um portador de HIV. Podemos também compreender o outro como os animais e a natureza; as idéias de outras culturas, de outras religiões, de outros partidos políticos; o mundo exterior que se apresenta a nós a todo momento. O outro também pode ser a nossa própria capacidade de reflexão, quando se volta sobre si mesma, analisa a consciência, capta os apelos que nela se manifestam (ódio, compaixão, solidariedade, vontade de dominação ou de cooperação, sentido de responsabilidade), percebe os seus atos e as conseqüências que deles derivam; quando analisamos nossas próprias idéias (BOFF, 2003a).

Com relação ao reconhecimento do “outro”, Boff (2003a) também se refere ao meio ambiente, ao planeta Terra, a tudo o que sai da nossa esfera individual. Reconhecer o outro-animal, o outro-natureza, na sua dignidade, é reorganizar toda uma forma de ver o mundo, é, como sugere o autor, produzir uma nova ótica: “A tese de base desta ótica afirma que a lei suprema do universo é a da inter-dependência de todos com todos. Tudo está relacionado com tudo em todos os pontos e em todos momentos. Ninguém vive fora da relação” (BOFF, 2003a).

Percebemos, assim, que o outro faz parte de nossa vida.

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A necessidade que temos de nos comunicar também evidencia a importância do outro. Observe, atualmente, os sites de relacionamento na internet e os programas de comunicação instantânea. Por que as pessoas buscam, de forma obsessiva, outros colegas, outras comunidades? Será que isso não revela uma constante busca pelo outro, às vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo da nossa sociedade?

Por que precisamos tanto falar da importância do outro para falarmos de ética?

A base de toda a construção ética fundamenta-se nesta pressuposição: a ética surge quando o outro emerge diante de nós.

Leonardo Boff (2003a) nos leva a perceber que sempre temos uma postura diante do outro: ou nos distanciamos, ou nos aproximamos, ou ignoramos... É nessa relação que somos considerados éticos ou não.

A ética surge a partir do modo como se estabelece a relação com esses diferentes tipos de outro. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer dominar o outro, pode entrar numa aliança com ele, pode negar o outro como alteridade, não respeitando-o, mas incorporando-o, submetendo-o ou, simplesmente, destruindo-o. (BOFF, 2003a).

A todo momento, estamos em relação com o outro, e isso nos caracteriza como seres morais – moralmente bons ou ruins; não há como negar essa condição humana, temos nossa dimensão moral.

O que é essa dimensão moral?

É nossa dimensão relacional, o nosso ser social. Somos seres morais à medida que vivemos em sociedade, que buscamos adaptar nossas ações ao meio em que vivemos, aos outros que nos circundam.

Cada cultura, cada código moral vai determinando um tipo de relação com o outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram considerados impuros, por isso as pessoas deveriam ignorá-los e romper relações com eles. Isso fazia parte de uma regra moral aceita por todos.

Na caça às bruxas, durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas demoníacas, portanto podiam ser destruídas, mortas.

As tribos maias, incas e astecas, na América, também foram praticamente extinguidas, pelos espanhóis, porque eram consideradas pagãs e inferiores.

No início da colonização brasileira, negros e índios podiam ser escravizados, eram considerados inferiores aos brancos. A relação do branco (proprietário) com o negro e o índio era de dominação e de submissão.

Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos relacionamos com os outros.

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Como é a sua relação com o outro? Com o outro diferente de você, com o outro de outras raças, culturas, classes sociais? Como a sua cultura familiar o educou a se relacionar com o outro?

Boff (2003a) nos alerta: “O outro é determinante. Sem passar pelo outro (que posso ser eu mesmo), toda ética é anti-ética.”

As considerações de Boff (2003a) nos levam a perceber que não podemos falar de ética sem, antes, resgatar o reconhecimento do outro em nossa vida pessoal.

Hoje isso se torna muito necessário; nossa sociedade está marcada por um modelo de relações predatórias, em que o outro é importante até o momento em que tem utilidade. Boff (2003a) afirma que nossa sociedade “magnifica o indivíduo que constrói sozinho sua vida”. O que isso quer dizer? Que costuma-se admirar, magnificar as pessoas que têm sucesso individualmente, através da fama e da riqueza, mesmo que, para isso, acreditem que não precisam ser éticas, que há sempre um jeito para tudo, que podem usar a sua influência para conseguir o que querem, que devem ser egoístas!

Se você quiser aprofundar suas percepções sobre a importância do outro na vida de cada um, assista ao filme Shyrlei Valentine.

O filme narra a história de uma mulher que durante praticamente toda sua vida cuidou da casa e dos filhos, passa o dia só e tem uma relação muito diferente e peculiar com as paredes de sua casa.

Antes de tentar entender o que seja a ética, devemos estar conscientes de que ela surge no momento em que aparece o outro, no momento em que reconhecemos nossa dimensão de vida social. É o que veremos na próxima seção. Precisamos discutir a ética num âmbito social, do contrário acreditaríamos que cada um deve ter sua ética e não haveria sociedade, mas um conjunto de indivíduos lutando por interesses particulares.

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SEÇÃO 2 A ética e a vida social

Consigo compreender que minha vida pessoal está vinculada à sociedade em que vivo? Tenho consciência de que minhas ações individuais têm conseqüências sobre o meio que habito? Por que nossa disciplina chama-se Ética e Sociedade, e não, apenas, Ética?

Precisamos discutir a ética dentro da sociedade em que vivemos, na qual buscamos concretizar nossas aspirações individuais. Sociedade e indivíduo formam um todo inseparável. Não há como negarmos essa relação entre ações individuais e sociedade. A sociedade possui uma lógica de funcionamento que acaba determinando grande parte de nossas ações individuais.

Mas, o que isso tem a ver com a ética?

Basicamente, a relação que a sociedade tem com a ética é que o meio social (econômico, político, cultural, educacional) determina e condiciona em grande parte o comportamento das pessoas. Para analisarmos eticamente o comportamento dos indivíduos, precisamos, antes de tudo, analisar a relação entre as atitudes individuais e o meio onde estão inseridos.

Como isso se percebe concretamente?

Procure analisar a nossa sociedade capitalista: as idéias presentes no mundo publicitário, no cinema, na televisão estão centradas na busca pelo sucesso.

Você se lembra do desenho do Pica Pau? Que idéias esse personagem transmite? Que devemos obter sucesso a qualquer custo. E o Tio Patinhas? Para ele, ganhar dinheiro é o mais importante.

Fonte: Um Mundo Mágico (2005).

A lógica da sociedade capitalista assenta-se sobre a busca ilimitada pelo dinheiro e pelo sucesso. Se você tem uma casa, vai querer melhorá-la, ampliá-la; depois vai querer comprar mais uma... Você acha que em nossa sociedade alguém diria que já tem dinheiro suficiente para viver? Dificilmente. As pessoas sempre se consideram insatisfeitas e canalizam seus desejos para acumular e consumir, independentemente de a sociedade em que elas vivem estar com altos índices de miséria e de pobreza.

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A sociedade constrói modelos de relações entre as pessoas, estabelece normas de convivência. Nas grandes capitais, não se vê nada de anormal em tropeçar em alguém dormindo nas calçadas, faz parte do cotidiano da cidade haver crianças pedindo dinheiro nas ruas; essa indiferença começa a fazer parte do costume, da vida cotidiana.

Fonte: Rulli (2005).

Por esses e outros motivos, não podemos discutir ética sem, antes, entender a lógica de funcionamento da sociedade em que vivemos.

Estudamos ética e sociedade, justamente, porque a sociedade determina valores, princípios, normas e regras de sobrevivência e convivência.

Uma reflexão ética precisa entender as concepções de homem e de sociedade; em cada período histórico há uma ideologia vigente, que norteia o comportamento dos indivíduos, por isso, a ética prescinde de uma análise filosófica e sociológica.

Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava pautado em bases religiosas. O medo e a concepção de pecado eram fundamentados na idéia de que Deus estava sempre vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir além dos limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o demônio estavam sempre presentes no imaginário das pessoas.

Outra importante característica da sociedade medieval era a ligação entre poder terreno e divino. As pessoas acreditavam que o Rei ou Imperador possuía ligação direta com Deus, por isso o respeito e a obediência aos governantes eram algo incontestável.

Você percebeu que o limite e a obediência foram fatores que marcaram a sociedade medieval? Isso acabava determinando comportamentos e atitudes das pessoas.

E a sociedade moderna, que tipo de transformação ela traz?

A primeira grande transformação é que a religião perde espaço e o homem passa, lentamente, a assumir o lugar de Deus. No período medieval, as pessoas

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acreditavam que o Paraíso, a plenitude da felicidade, viria após a morte e que nesta vida deveriam suportar as privações e o sacrifício. O advento da modernidade faz com que a razão humana passe a ocupar o lugar da fé e da crença em Deus. Outra grande transformação da sociedade moderna é a perda do limite e a busca pelo infinito, tanto do conhecimento, quanto do lucro. A Igreja, que no período medieval atuava como inibidora de atitudes, vai perdendo espaço na sociedade moderna.

Enfim, como percebemos, a sociedade está em constante transformação, alterando seus valores, crenças, concepções de certo e errado e, conseqüentemente, a moral e a ética.

A universidade busca formar pessoas e está inserida em uma sociedade, por isso, surge o desafio: que modelos de ser humano e de profissional estão presentes em nossa sociedade? Quais os valores morais e éticos de nossa sociedade? Quais atitudes são fundamentais em um profissional que atua na sociedade do século XXI?

Essa é a razão (e, como você percebeu, são muitas) de estudarmos ética e sociedade na universidade.

SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade

Na seção anterior, procuramos esclarecer que não é possível estudar a ética desvinculada da sociedade.

Mas por que estudar ética e sociedade na universidade? O que isso tem a ver com minha profissão?

Muitos cientistas do século XIX acreditavam que a ciência deveria aprimorar seus inventos e descobertas, apenas debruçar-se sobre seu campo específico do saber para evoluir a partir de suas próprias pesquisas.

Sabe qual foi o resultado disso?

O lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares de judeus em campos de concentração, a dizimação de tribos africanas e indígenas, a degradação ambiental quase irreversível, a desigualdade de renda, a exclusão social...

O conhecimento científico que não traz a ética para dentro de sua área específica corre o risco de desenvolver sérios prejuízos à sociedade e a todo o planeta Terra. Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crença de que a ciência possui poderes absolutos e é sempre fonte de verdade e de certeza.

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A produção do conhecimento, em qualquer área, precisa discutir e refletir sobre a relação do conhecimento com a realidade, com a sociedade. O profissional, professor ou aluno deve sempre levantar questões sobre a sua área de conhecimento: para quem se destina esse conhecimento? Qual a sua finalidade? Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a sua aplicação? Por que estamos realizando pesquisas e descobertas nesta área?

Essas questões são necessárias pois discutem a finalidade do conhecimento e sua relação com a sociedade, com as pessoas, com o presente e o futuro da sociedade.

O conhecimento pode ser utilizado tanto para o benefício quanto para o malefício da sociedade. De acordo com a forma com que empregarmos o conhecimento aprendido na universidade, poderemos ser ótimos ou péssimos profissionais, o que nos conferirá excelência profissional na nossa área, além dos conhecimentos técnicos, é o modo como utilizaremos esses conhecimentos.

A universidade precisa buscar respostas para os desafios do século XXI, tão complexos que um campo do conhecimento não pode alcançá-los sozinho, por isso da necessidade de abertura e diálogo, de rever posturas profissionais e acadêmicas que no século XX eram tidas como verdadeiras.

Mas, quais são os desafios?

A fome, a miséria, novas doenças...

Esses desafios globais que afetam nossa realidade local não podem ser enfrentados e resolvidos por uma única ciência, possuem grande dimensão socioeconômica, ambiental, política, portanto, o profissional do século XXI precisa dialogar com outras áreas do conhecimento, precisa, assim, reconhecer a importância do outro, do outro-profissional, do outro-ciência.

Os desafios do terceiro milênio possuem alto grau de complexidade, de inter-relações e interdependências. O profissional da Economia não consegue, sozinho, resolver o problema da fome; o profissional da Educação não consegue educar sozinho; o profissional da Saúde não consegue, sozinho, garantir saúde a todos; o profissional do Direito não consegue, somente por meio da lei, criar uma sociedade justa e organizada; o profissional de Engenharia precisa discutir as finalidades de sua técnica numa perspectiva humana e social... Nenhum desses profissionais conseguirá, sozinho, resolver todos esses problemas.

Em razão de um período acentuado de especialização, a ciência acabou se fechando no seu objeto de conhecimento e perdendo um pouco a relação com a sociedade e com outras áreas do saber. É muito comum encontrarmos algumas ciências considerando-se superiores a outras, ou profissionais que fecham-se ao diálogo com outros profissionais por considerá-los inferiores ou pouco relevantes.

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Assim, a ética nos convida a reconhecer a importância do diálogo e da consciência do inacabamento, porque nunca estamos prontos, sempre precisamos aprender com o outro diferente.

Auto-avaliação 1

1 Qual a importância da ética no meio em que você vive? Como a ética pode contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2 Explique, com suas palavras: por que o outro é o centro da ética?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

RESUMINDO

Nesta unidade, refletimos sobre a dimensão social de nossa vida. Em uma sociedade marcada pelo individualismo, antes de definir o que é ética e moral, precisamos reconhecer a importância e a presença do outro na nossa vida, precisamos reconhecer nossa interdependência. Nessa interdependência vamos construindo e definindo nosso ser moral, nossa forma de nos relacionar com o outro. De acordo com nossas preferências, vamos incluindo e excluindo pessoas de nosso convívio. Vamos definindo nosso círculo de amigos e pessoas indesejáveis a partir de nossos critérios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim vamos determinando nossos valores morais. Cada sociedade define e determina alguns valores e crenças e isso influencia muito a forma como as pessoas vivem em sociedade.

Na universidade, precisamos incluir a ética na produção e construção do conhecimento. Um conhecimento sem ética pode tornar-se prejudicial à sociedade, assim como um profissional sem ética pode não ser considerado bom, por mais conhecimento técnico que possua.

A próxima unidade nos ajudará a compreender melhor a relação entre a ética e a sociedade e como ocorre a construção dos valores morais.

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Unidade 2

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Unidade 2 Ética, moral e cultura

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o que é ética e o que é moral;

• diferenciar ética e moral;

• identificar os elementos que unificam as categorias ética, moral e cultura.

Plano de estudo

Seção 1: Ética e moral

Seção 2: A cultura, a moral e a violência

Seção 3: Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente

Seção 4: Os valores morais e a liberdade de consciência

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PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Nesta unidade, você vai saber como a nossa educação cultural contribui ou não para sermos mais éticos, como somos educados na relação com o outro, principalmente com o outro de cultura diferente.

Para compreender a importância do outro e o modo como a cultura determina essa relação, vamos fazer uma reflexão sobre a moral, a forma de os indivíduos conceberem o certo e o errado numa determinada cultura e num determinado tempo, e sobre a filosofia, que é o berço da ética.

Vamos lá?!

SEÇÃO 1 Ética e moral

Quando nos deparamos com as palavras ética e moral, o que nos vem à mente são questões relativas ao comportamento humano: é certo ou errado fazer isso?

Dizemos que uma pessoa é ética porque ela agiu com respeito ao outro ou a algo além de si mesma. Se uma pessoa faz uma boa refeição e sente-se satisfeita, você não dirá que foi ou não ética. Mas, se comeu de forma abusiva, deixando quem estava ao seu lado com fome, então, sim, poderíamos dizer que ela não foi ética. Por isso iniciamos nossa apostila sobre ética falando da presença do outro em nossa vida, assim vamos compreendendo o que estuda a ética e qual sua importância para a nossa vida e a nossa comunidade.

Os seres humanos não nascem geneticamente pré-programados; diferentes de outros animais, os seres humanos são inacabados, e não determinados pela natureza, tampouco delimitados pelo destino ou por Deus(es). Se fosse assim, agiriam por instinto e não refletiriam sobre suas ações. Por isso é que cada um, ou cada grupo social, cria respostas e soluções diferentes para perguntas e problemas semelhantes. O ser humano deve, portanto, construir ou conquistar o seu ser; ele não nasce pronto, ele se faz ser humano, torna-se pessoa.

Mas, por que devemos compreender a ética na relação com a moral e a cultura?

Porque, geralmente, o que direciona as ações e comportamentos individuais, ou seja, o que condiciona as decisões do indivíduo, provém da cultura e da moral. Há uma forte influência da cultura nas nossas escolhas e decisões.

Quando nós, brasileiros, estamos com fome, podemos pensar na possibilidade de matar um boi e fazer um bife suculento. Já os indianos (hindus) jamais pensarão

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nessa possibilidade para saciar a sua fome, pois, em sua grande maioria, são vegetarianos.

Esse exemplo nos ajuda a entender que as nossas escolhas e decisões são determinadas pela cultura em que vivemos, que estabelece normas, regras e valores morais.

A ética é o estudo e a reflexão sobre os valores morais, que se modificam em cada cultura e em cada época. As noções de certo e errado, o que devemos ou não fazer, são construídas na cultura em que nascemos. Você pode perceber que as questões culturais influenciam o modo como as pessoas organizam sua vida, e a cultura é o ponto de partida para o estudo da ética.

Mas, afinal, o que é ética?

Podemos considerar a ética como a ciência do comportamento moral dos homens na sociedade; ainda, que o objeto da ética é a moral, e a moral é um dos aspectos do comportamento humano. No nosso dia-a-dia, não fazemos distinção entre ética e moral, usamos as duas palavras como sinônimos, mas, ao contrário do que pensa o senso comum, ética e moral não são a mesma coisa; é o que vamos ver agora.

A ética busca analisar o conjunto de práticas morais ligadas ao costume e à cultura, em um determinado tempo e espaço. De acordo com Leonardo Boff (2003b), a ética é parte da filosofia; estuda as concepções de mundo, os princípios e valores que orientam pessoas e sociedades.

A moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral é normativa (relativo a normas); é parte da vida concreta, da prática real das pessoas, que se expressa por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos, que podem ser, eventualmente, questionados pela ética.

Uma pessoa pode ser moral, mas não ser ética?

Segundo Boff (2003b), a moral refere-se aos costumes, à educação que recebemos da família, aos valores da religião, da tradição. Esses valores vão formando o caráter, vão moldando a dimensão ética do indivíduo, que passa a acreditar que são valores universais (éticos) os valores que ele aprendeu em casa, que está acostumado a praticar (morais).

Se um filho é tratado em casa como o centro da família, nunca recebe um “não”, nunca é repreendido, os pais fazem tudo o que ele quer, compram o que pede, ele vai formando seu caráter e seus valores de acordo com essa relação. Como a família é o primeiro espaço de socialização, o filho vai aprender a se relacionar com os outros da escola, da cidade como se comportava em casa. Ele vai acreditar que tudo

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o que quer tem direito a receber, que onde estiver deve ser tratado como o mais importante; provavelmente terá dificuldade de aceitar uma idéia contrária à sua.

Para Boff (2003b), as pessoas serão éticas se tiverem adquirido uma boa moral, ou seja, terão um caráter ético se no seu ambiente cultural, familiar mais próximo tiverem aprendido valores universais, de respeito ao outro, de diálogo. De acordo com o exemplo, o filho aprendeu que pode impor sua vontade aos outros, pode pedir, fazer o que quiser e isso não será errado. Assim, ele terá um caráter ético próprio que não estará de acordo com uma ética universal.

Na sociedade atual, as pessoas estão acostumadas com a desigualdade, com a pobreza e com a miséria, mas, isso é ético? A palavra ethos, de onde originou-se a palavra ética, precisa ser entendida como o lugar onde vivemos, que é o planeta Terra, e não apenas nossa casa, nossos amigos, nosso trabalho, nossos ideais. Pensar eticamente nos coloca além de nossa realidade particular, que tem sua moral, seus costumes, por isso a ética exige uma atitude reflexiva, profunda, investigativa e interligada.

Segundo Boff (2003b), a ética e a moral vigente hoje é a capitalista, cuja ética diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo possível; e cuja moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza. Eis a razão da grave crise atual.

A moral é particularista, identificada e vinculada com grupos: religiosos, nacionalistas, políticos, classistas; com normas e sanções, que mudam de acordo com as transformações da sociedade.

A ética tem conteúdo universal, parte do princípio da igualdade dos seres humanos e de seus direitos à paz, ao bem-estar, à felicidade individual e coletiva; relaciona-se com os valores reais da existência humana.

Salientamos essa diferença com a citação de Souza (1994, p. 13): "A ética é muito mais ampla, geral e universal do que a moral. A ética tem a ver com princípios mais abrangentes, enquanto a moral se refere mais a determinados campos da conduta humana". Entre moral e ética há uma tensão permanente: a ação moral busca justificar seus valores em fundamentos ligados à natureza humana, à ciência e à religião, enquanto a ética exerce vigilância crítica sobre os fundamentos da moral, para transformar a vida cotidiana.

Você já consegue entender a relação entre ética e moral?

Na próxima seção, vamos compreender como os costumes, os valores, as tradições e o cotidiano podem legitimar ações antiéticas.

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SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência

Você deve estar se perguntando: por que a cultura seria o ponto de partida para estudar ética?

Há três razões fundamentais para essa argumentação:

• a cultura é um produto da história coletiva dos diferentes grupos sociais;

• a cultura contém componentes simbólicos que contemplam formas de agir, pensar, sentir e reagir, em um determinado espaço, onde cada um desses elementos traz em si um apelo especial pela realidade ética.

A cultura é o espaço em que se formam nossas concepções de certo e errado, ou seja, nossos valores morais. Se observarmos a história da humanidade, desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral têm sido necessárias para o bem-estar do grupo. Percebemos que cultura e moral são inseparáveis.

Um dos objetivos de falarmos sobre cultura é porque ela conserva e legitima padrões de comportamento que são questionados e estudados pela ética.

Será que determinadas culturas e costumes não contribuem para que os seres humanos sejam violentados? Por que algumas pessoas aceitam ser inferiorizadas, exploradas e outras acreditam que isso é normal?

Que reflexões éticas podemos fazer sobre a aceitação da violência?

Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico, para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. Então nos perguntamos: que relação existe entre cultura e violência? Costumes e violência?

O termo violência nos remete a algo que foge à normalidade, ao eventual, a um acidente, enfim, a algo que não estamos acostumados a ver. Esta seção de estudo convida você a perceber com mais atenção o cotidiano. Como a palavra moral também significa costume, muitas vezes estamos tão acostumados com essa realidade que nem mais percebemos se há algo de errado com ela. Você já deve ter ouvido a expressão de que “águas calmas não representam ausência de perigo”, com o cotidiano é a mesma coisa; superficialmente, tudo parece estar dentro da normalidade, mas, se analisamos com mais profundidade, percebemos que existem turbulências profundas.

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A ética surge na história com a preocupação de conter a violência entre as pessoas; cabe a nós, ao falarmos em ética, aprofundar o conceito de violência e percebê-la no cotidiano dos nossos costumes e da nossa cultura.

Há situações em que não existe violência física, mas outro tipo de violência, de natureza psicológica. Quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatória, o pai ou o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianças, impondo valores e dobrando-as para a obediência cega e aceitação passiva da autoridade, embora não haja violência física, existe violência simbólica, já que a força que exercem é de natureza psicológica e atua sobre a consciência, exigindo a adesão irrefletida que só aparentemente é voluntária (ARANHA, 1992, p. 171-172).

Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em grupo. Para atingir determinados objetivos, agrupamo-nos em instituições, imersos em uma sociedade. Para sobreviver e buscar proteção, vivemos em um grupo, a família. Preparando-nos para a vida adulta, entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma Igreja. Como vivemos em uma sociedade organizada com um Estado de direito, pagamos impostos para usufruir de serviços públicos, de saúde, por exemplo. Quem de nós nunca precisou ou precisará de um hospital? Quando nos profissionalizamos, entramos no mundo do trabalho, que também ocorre, na maior parte das vezes, de forma institucionalizada. A empresa, uma organização, as leis trabalhistas, a relação patrão-empregado-economia constituem o cotidiano do trabalho.

Como essas diferentes organizações que compõem nosso cotidiano se tornam antiéticas? Como as diferentes instituições transformam o ser humano de sujeito em objeto? Que tipo de violação pode acontecer contra o ser humano nessas instituições?

A ética faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional, profissional, etc. Vamos refletir sobre a presença da violência na nossa sociedade, em alguns espaços do nosso cotidiano: a família, a educação, o trabalho, a saúde pública.

FAMÍLIA

Se você já precisou sair de casa, está estudando fora ou morando distante da família, deve sentir muita saudade e falta de um aconchego; a família é vista como um lugar e espaço do bem. Mas, você sabe que não precisamos ir muito longe para nos defrontar com problemas de violência familiar: pais que espancam filhos e, ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, problemas de alcoolismo, drogas, desemprego, todos esses fatores desencadeiam processos de violência. A reflexão sobre a violência traz consigo a necessidade de discutirmos as relações de poder. Há abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra à condição de objeto – assim se concretiza a violência.

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Além dessas formas de violência explícitas, procure refletir sobre a violência velada, como as relações de poder entre os membros da família que, aparentemente, consideramos dentro da normalidade, próprias do cotidiano, entretanto são formas de violência.

Uma mulher, dona de casa, acorda cedo, limpa a casa, leva os filhos à escola, lava a roupa de todos (filhos, marido), prepara o almoço. À tarde, costura, lava e passa. À noite, o esposo chega em casa, tira o sapato, deita no sofá, solicita o jantar e ainda reclama do atraso e do barulho. Os filhos chegam da rua, jogam a roupa e os calçados pelo chão, sujam a cozinha. A mulher prepara o jantar, lava a louça, ajuda o filho a fazer a lição de casa, leva roupa e toalha de banho ao marido, que, depois, descansado, prepara-se para deitar. Quando ele deita, a mulher ainda prepara os alimentos para o almoço do outro dia, sem ter sentado um minuto sequer. Contudo, se perguntassem aos filhos e ao marido se ela trabalha, eles, certamente, poderiam dizer que não, entendendo que o trabalho de casa não pode ser considerado como tal.

Quais questionamentos éticos poderíamos fazer sobre essa família? Quem é tratado como objeto? Quem exerce poder sobre o outro? Como a violência faz parte do cotidiano, da normalidade e do costume?

Você lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexão ética? Pois bem, ela surge para questionarmos a moral, os costumes, mas estes estão no nosso dia-a-dia, e o que é considerado normal pela tradição e pela cultura pode ser fonte de violência contra as pessoas, ações anti-éticas presentes na moral familiar. A família, no mundo ocidental, é essencialmente patriarcal e, por conseguinte, essa estrutura tem grande possibilidade de se tornar machista. Os papéis sociais, definidos desde cedo, contribuem para que algumas pessoas se tornem submissas às outras, na estrutura familiar, como acontece com a menina que faz os serviços domésticos, em relação ao menino que tem mais liberdade para buscar uma profissão; assim as relações de poder têm continuidade.

Vamos, agora, a outro cotidiano em que passamos grande parte de nossa vida: a escola, a universidade.

EDUCAÇÃO

No Brasil, no início do século XX, era considerado normal professores baterem em alunos, aplicarem castigos, enfim, a violência na escola era explícita; uma ação que também refletia a moral familiar da época. Para as provas, o aluno precisava decorar todo o conteúdo e responder de forma idêntica ao professor. Essa metodologia expressava que o mais importante era o conteúdo. Se o aluno interpretasse, traduzisse o conteúdo com suas palavras, a resposta era considerada errada.

Na cultura ocidental patriarcal é onde o pai é o chefe de família.

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O aluno não podia fazer perguntas, era um meio de passagem entre a lousa e a folha da prova, era um objeto.

Precisamos, portanto, entender as formas de violência na transmissão do conhecimento. Quantas vezes o conhecimento científico e a figura do professor são colocados pela escola como algo superior ao aluno?

Outra forma de violência existente na escola é a reprodução da exclusão. Filhos de famílias ricas têm maiores chances de prosperar na vida acadêmica do que os de classe menos favorecida. Muitas crianças, para ajudar a sustentar a casa, acabam deixando a escola, enquanto muitas outras, além de freqüentar a escola regular, têm condições de fazer cursos paralelos.

Essa forma de violência, sofrida no âmbito educacional, muitas vezes é obscurecida pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as oportunidades e outros, não; uma lógica de pensamento que busca naturalizar o processo de exclusão social.

Para enriquecer essa discussão, assista ao filme Sociedade dos Poetas Mortos.

O filme aborda o conflito entre a postura do professor e a escola. Um carismático professor de literatura chega a um colégio muito conservador, onde revoluciona os métodos de ensino ao propor que seus alunos aprendam a pensar por si mesmos.

Fique atento, estamos construindo nossas reflexões dentro de uma relação entre a violência e o cotidiano. Outro espaço de convivência é o local em que exercemos nossa profissão, onde as relações interpessoais se tornam mais intensas e competitivas.

TRABALHO

Vamos analisar como as relações de poder se transformam em relações de violência no trabalho. É necessário situar o trabalho dentro de uma sociedade e de um determinado tempo, por isso nos deteremos à sociedade capitalista do século XX. Já que estamos falando do cotidiano, vamos partir de expressões do senso comum que expressam de que maneira o ser humano é tratado como objeto no mundo do trabalho.

Já ouvimos que “algumas pessoas nasceram para mandar e outras, para obedecer”. Essa afirmação é muito reproduzida; foi feita, inicialmente, pelo filósofo Aristóteles. Segundo ele, “uns homens são livres e outros, escravos por natureza, e que esta distinção é justa por natureza” (VAZQUEZ, 2002, p. 31). Na época de Aristóteles, ninguém julgava antiético uma pessoa escravizar a outra; hoje, esse pensamento não

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é diferente. Se uma pessoa precisa se submeter a horas de trabalho sem um salário digno, muitos poderiam afirmar que foi predestinada e que é uma realidade social à qual precisa se submeter.

Outra realidade do mundo do trabalho é a “ditadura do desemprego”; muitas vezes, quando um colaborador procura por melhorias salariais, tem como resposta que precisa aceitar essa realidade, pois há uma fila de pessoas esperando por sua vaga. À medida que vamos considerando isso algo normal, aceitamos uma forma de violência contra o ser humano. Muitos direitos trabalhistas são cortados em função de uma realidade maior e global, que se impõe sobre as pessoas.

Outra forma de violação à liberdade do ser humano é a escolha da profissão: muitos submetem o seu desejo, sua empatia por alguma área à realidade do mercado de trabalho e, assim, tornam-se objetos de um sistema maior.

Também é muito comum o conflito entre colegas de trabalho na busca pela promoção profissional, no qual os interesses particulares se chocam com o outro.

É impossível responsabilizar uma única pessoa por essa realidade, nosso objetivo é evidenciar as formas de violência, muitas vezes tidas como algo normal do cotidiano.

Vamos, agora, a outro cotidiano, a instituição que cuida de nossa saúde.

SAÚDE PÚBLICA

Quem já esteve doente sabe que é um momento em que nos sentimos fragilizados e carentes de atenção e cuidado. Por outro lado, é uma situação em que, com muita freqüência, somos tratados como objetos. A falência do sistema público, aliada às relações de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As pessoas se acostumam a essa realidade e não percebem mais como são violentadas nessas instituições.

Há algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que as pessoas não percebem mais determinadas ações como uma forma de violência: após permanecer das 4h às 9h da manhã em uma fila para ser atendido em um hospital, um indivíduo, não tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava acostumado com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vão se cristalizando como uma cultura do descaso público, tornam-se costume e não são mais questionados. Aqui reside o papel da ética: identificar e perceber a violência velada nos costumes e na moral das instituições, nesse caso, a “saúde pública”.

Todas as instituições exercem, de uma forma ou de outra, violência contra o indivíduo; cabe a você considerar e perceber a importância dessas reflexões, em qualquer projeto profissional.

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Você percebeu que estamos trabalhando com vários conceitos? Se você não conseguiu compreender a relação entre ética, moral e cultura, retome seus estudos nas seções anteriores ou procure seu professor tutor.

SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente

Nossa formação cultural acontece a partir de modelos, de princípios certos e errados, comportamentos morais e imorais. Vamos nos deter, especificamente, ao fato de considerarmos o outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos nossos padrões culturais. Isso está relacionado à ética, por dois motivos: primeiro, por não considerarmos o outro diferente em sua especificidade e, segundo, como conseqüência, por não refletirmos sobre o que pensamos a respeito do outro.

A ética é uma reflexão crítica sobre nossas formas de perceber o outro e agir sobre ele. Sendo assim, fechamo-nos à ética quando nos fechamos à autocrítica sobre o que e como pensamos a respeito do outro.

Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pré-conceito) significa conceito (ou opinião) formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos. O perigo do preconceito está na recusa em reexaminarmos as convicções, quando se tornam dogmáticas. Nesse ponto, o preconceito é fonte de intolerância e, portanto, de violência. O preconceito leva à discriminação, quando o diferente é considerado inferior, excluído dos privilégios de que os melhores desfrutam.

Os antropólogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos, convém não os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles o que lhes falta e esquecer de ver, com clareza, o que são de fato.

Da mesma forma, dentro de cada cultura, há preconceitos, que levam à discriminação dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos outros.

Um exemplo de preconceito cultural é o dos colonizadores europeus, que consideravam os povos tribais inferiores; não como uma cultura diferente, mas, sim, de menor importância. Aqui, surge a legitimidade de muitos atos violentos contra povos indefesos. Sabemos que a população indígena brasileira foi praticamente exterminada pelos brancos.

Dogmática: que se apresenta com caráter de certeza absoluta.

Etnocêntrica: que tem a tendência de considerar a cultura de seu próprio povo a medida para todas as demais.

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Conforme Aranha (1992, p. 182), a origem da discriminação, de raça ou de sexo, geralmente é conseqüência da desigualdade social. Desde a antiguidade grega, em toda a história do mundo ocidental, o poder é branco, masculino e adulto.

O Brasil, tem uma longa tradição histórica de rígidas hierarquias sociais – uma sociedade marcada pelo poder de elites (senhores de engenho, barões do café, coronéis-fazendeiros). Apesar de a sociedade brasileira apresentar grandes desigualdades sociais, há uma camuflagem do preconceito através do mito da democracia racial; uma idéia de que todos são iguais e que no Brasil as pessoas sabem conviver entre negros e brancos e entre ricos e pobres. Quando aprofundamos o assunto, percebemos que isso não é verdade, que existe preconceito e discriminação, principalmente com negros, índios e migrantes.

O ÍNDIO, O NEGRO E O MIGRANTE

Quando os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, o processo de cristianização dos índios por eles empreendido facilitou a política de dominação de Portugal. Mesmo não sendo essa a intenção dos religiosos, imbuídos de ardor religioso, eles estavam convencidos da superioridade de sua cultura e religião. Ao docilizarem os índios, adequando-os a padrões estranhos, deram início à desintegração da cultura indígena.

Assim como a inferiorização do índio, a origem do preconceito contra o negro se encontra na tradição da escravidão. Os senhores acalmaram a consciência com a convicção de que o negro era semi-animal, bruto e rebelde, e exigia pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por meio de estereótipos: é indolente, malandro, cachaceiro. A dominação é justificada por considerar o negro inferior.

Sabemos que o racismo é muito presente em nossa cultura. A reflexão ética nos convida a analisar como o racismo está fundamentado na ignorância e na falta de racionalidade crítica.

O preconceito e a discriminação não atingem apenas o índio e o negro, vítimas do estigma da escravidão. Em um país como o Brasil, com irregular desenvolvimento nas diversas regiões, o Sul e o Sudeste constituem o espaço do progresso e da riqueza, onde se instalam as indústrias. Por motivos histórico-sociais, amplas regiões permanecem empobrecidas, além de serem assoladas pela seca. Essa situação obriga as pessoas a migrarem, com a esperança de dias melhores; vêm para os grandes centros, ocupam funções subalternas, enfrentam o desemprego e outras dificuldades, sofrendo preconceitos. As regiões mais ricas acabam aproveitando a mão-de-obra barata e discriminando essas pessoas.

Estereótipos: que são vistos todos de um mesmo modo de ser

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Ainda é vigente no Brasil a mentalidade de que existem estados e culturas mais importantes do que outras. Esse pensamento é mais uma forma de exercer violência sobre o outro; confunde o diferente com o errado ou inferior.

Na próxima seção, vamos compreender como a cultura e a moral em que vivemos nos impedem de ser éticos.

SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência

Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais são construídos e legitimados nela, na relação que temos com a nossa família e com a comunidade, desde que nascemos.

Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de consciência é elemento fundamental para o agir ético; somente quando tomamos consciência de nossas ações é que podemos refletir sobre elas.

Ainda, podemos nos perguntar: o que têm a ver os valores morais com a liberdade?

Acreditamos que os valores (concepções de certo e errado) que aprendemos em casa são as melhores coisas que trazemos conosco, são os pilares de nossa conduta e de nossas ações. Chauí (2003, p. 311) afirma que nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educam para respeitar e reproduzir os valores propostos por ela como bons e, portanto, com obrigações e deveres. Desse modo, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e atemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos.

Sócrates, filósofo grego de Atenas, levava os jovens a questionar aquilo em que acreditavam e que repetiam, a questionar os próprios valores. Foi um dos primeiros filósofos a estimular o questionamento ético, porque provocava uma reflexão profunda sobre os valores. A grande contribuição do pensamento e da ação socrática foi no sentido de demonstrar que o que entendemos como valores (certo, errado, bonito, feio) é construído dentro de um contexto cultural, geográfico e num determinado tempo. Sócrates fazia as pessoas indagarem sobre a origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar ao seguir os seus costumes.

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Portanto, não podemos afirmar que nossos valores sejam válidos para todos. Quando você não consegue perceber a particularidade dos seus valores, não conseguirá pensar além da sua cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais limitam a sua liberdade de pensamento e reflexão. Muitas vezes, ouvimos a expressão: “a minha opinião é esta e não abro mão porque é a verdade!”; uma afirmação como essa demonstra que o sujeito não consegue refletir além de seus princípios morais, tirando-lhe a liberdade de reflexão. É o chamado fundamentalismo ou fanatismo: o indivíduo fica preso aos seus referenciais culturais de mundo.

Em nossa vida, quando seguimos o que é dito como correto pela cultura da sociedade em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Sócrates nos perguntaria:

Você está seguindo esses valores conscientemente ou apenas para atender a um costume, para não sair da moda?

Mas, por que e como a moral, os costumes podem exercer algum tipo de violência contra o ser humano?

Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de violência quando surge o racismo e o preconceito, mas, também, quando impedem e dificultam o indivíduo de refletir racionalmente, ou seja, ser de fato livre nos seus pensamentos.

De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos enfrentamos o problema do determinismo cultural: ao nascer, o homem já se encontra em um mundo constituído, recebe como herança a moral, a religião, a organização social e política, a língua, enfim, os costumes, que não escolheu e que, de certa forma, determinam sua maneira de sentir e pensar.

Quando não conseguimos perceber que muitos de nossos valores só são válidos para nossa cultura e para nossa profissão, não estamos fazendo uso adequado de nossa liberdade.

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Auto-avaliação 2

1 A partir de seu cotidiano cultural e social, cite outros exemplos de práticas silenciosas de violência praticadas e obscurecidas pelo costume e pela tradição.

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2 Como a cultura pode dificultar o processo de liberdade de pensamento, ou seja, como ela pode permitir o surgimento de um pensamento fundamentalista?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

RESUMINDO

Nesta unidade, percebemos a importância da cultura para o estudo da ética, como nossos valores e visões de mundo são construídos no ambiente familiar e como o costume e a tradição podem abrigar formas de violência contra o indivíduo. A reflexão ética exige um constante processo de autocrítica, de revisão de concepções e dos valores morais. Essa reflexão torna-se fundamental para o crescimento ético, do contrário caímos no fundamentalismo, escravizamos nossa capacidade de pensar livremente, nossas idéias ficam enquadradas em sistemas de pensamento construídos em uma cultura.

A ética prescinde de um olhar crítico sobre a realidade, por isso, na próxima unidade, buscaremos compreender a relação entre a filosofia e a ética, já que a filosofia tem como princípio a dúvida e a reflexão.

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Unidade 3

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Unidade 3 O pensamento filosófico e a ética

Objetivos de aprendizagem

Ao concluir a leitura desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os principais fundamentos teóricos da ética;

• compreender a ética como um ramo da filosofia;

• perceber a ética inserida na história da sociedade e do conhecimento.

Plano de estudo

Seção 1: A filosofia e a ética

Seção 2: O surgimento da ética na filosofia

Seção 3: O pensamento de Aristóteles e Marx

Seção 4: Reflexão sobre a construção da moral

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PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Nas unidades anteriores, percebemos a necessidade de refletir sobre nossas ações, pois nascemos em uma sociedade, estamos no mundo com outras pessoas, nossas ações ou omissões interferem no contexto social em que vivemos. Sempre que falamos: “estive refletindo sobre...”, “pensei muito sobre...”, “freqüentemente me pergunto se é correto...”, as pessoas ao nosso redor nos dizem: “já está filosofando...”. Precisamos, então, quando falamos em ética, andar pelo caminho da filosofia ou da reflexão do homem sobre seus atos, seu contexto, seu mundo e seus iguais. É por isso que, nesta unidade, falaremos da importância de compreender a ética a partir da filosofia.

SEÇÃO 1 A filosofia e a ética

O que vem à sua mente quando você ouve a palavra filosofia? Por que falarmos de filosofia? Muitas vezes, o professor de filosofia é aquela pessoa que sempre faz reflexões profundas sobre um tema aparentemente simples. Por essa razão, numa sociedade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira acusação sobre a filosofia é de que ela é inútil. Entretanto, veremos adiante que para compreendermos a ética é fundamental refletirmos sobre a filosofia.

Mas, por quê?

A filosofia nasce na história trazendo a dúvida para o centro das discussões sobre a vida. A ética nada mais é do que a sistematização de grandes questionamentos sobre o agir humano e a relação entre os indivíduos.

É correto fazer isso? Por que devo agir assim? Que lugar o outro ocupa nas minhas escolhas e decisões? Existe uma consciência ética que nasce conosco? Sabemos agir de forma ética naturalmente ou precisamos aprender?

As questões éticas são, acima de tudo, questões filosóficas. Daí que, para construirmos uma reflexão ética, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o conceito de filosofia.

Chauí (2003, p. 23) discute a idéia de filosofia como a “fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas”.

Com isso percebemos que a filosofia busca problematizar as práticas e os conhecimentos já estabelecidos. Em nossa educação o conhecimento é transmitido através dos costumes e, por isso, não buscamos levantar dúvidas sobre ele, até porque todo mundo pensa igual, então acabamos nos acostumando com certas idéias e práticas. Para progredirmos eticamente, contudo, precisamos colocar em dúvida e em questão os nossos próprios costumes.

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Tendo como premissa a idéia da filosofia como base racional de análise do real, a definição de Chauí nos leva a um caminho parecido com o que sugeriu Marx, ao afirmar que a filosofia ficou muito tempo refletindo e que deveria agir. Portanto, ela deve nos conduzir a uma ação que tenha reflexos imediatos na sociedade, interferindo diretamente nas ações dos seres humanos e nas suas relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos.

Assim, precisamos compreender que o conhecimento filosófico deve proporcionar uma reflexão sobre a vida concreta que nos leve a transformá-la para melhor. Essa foi a busca de muitos filósofos. Marx pode ser exemplo desse papel da filosofia na história. Ele questionava filosoficamente a desigualdade de classes, a dominação de umas pessoas por outras: é natural que existam ricos e pobres? Como superar o abismo existente entre patrões e empregados? Perceba, aqui, que a filosofia surge como um pensamento que provoca questionamento e problematização para uma transformação social.

Dessa maneira, a importância do conhecimento filosófico é evidente, para comprovar que a filosofia não é somente abstrata, como afirmam algumas teorias, mas possui interferência prática. Alguns teóricos ajudam a reforçar a idéia de que o conhecimento filosófico não é mera abstração. Platão concebia a filosofia como um saber a ser usado em benefício do homem; Descartes via na filosofia a possibilidade de se conhecer, conservar e inovar, quer nas artes, quer no mundo das técnicas.

Para saber mais sobre o assunto, leia A República, de Platão.

A filosofia assume, na história, uma função investigativa, crítica e problematizadora.

Mas, o que isso tem a ver com a ética?

Como já vimos, nem sempre costumamos refletir e buscar os porquês de nossas escolhas, comportamentos, valores; agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição, tendendo a naturalizar nossa realidade social, política, econômica e cultural.

É muito comum ouvirmos as expressões: “as coisas não mudam, sempre foi assim e sempre será”; “eu sou assim mesmo, é de minha natureza agir desta forma”. Essas expressões refletem a naturalização da realidade humana e social, que acarreta uma considerável perda da capacidade de auto-reflexão e de problematização da sociedade e de nossos próprios pensamentos; perdemos nossa capacidade crítica diante da realidade.

Você percebe como isso é muito grave?

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Em outras palavras, não costumamos fazer ética porque não fazemos crítica, nem buscamos compreender e problematizar a nossa realidade moral. Com isso, podemos compreender a íntima relação entre o descaso pela filosofia e, como conseqüência, o abandono da ética. Não é possível ser ético sem, antes de tudo, ser reflexivo e crítico.

Temos uma experiência ética quando conseguimos perceber a diferença entre aquilo que é e o que poderia ser melhor.

Ou seja, quando percebemos que as coisas podem mudar estamos vivendo uma experiência ética.

Essa capacidade de questionar é a característica principal do pensamento filosófico. A filosofia, historicamente, fez forte oposição ao pensamento mítico e ao senso comum.

Mas, em que se baseia o pensamento mítico? Nas crenças, na aceitação da realidade como algo definitivo e acabado. O senso comum também se caracteriza por essa adaptação do pensamento à realidade e a uma idéia comum. Podemos perceber que a vida em grupos e em comunidade influencia as ações, as atitudes, e o pensamento das pessoas; a maioria dos indivíduos pensa e age de forma semelhante e até mecânica. Nesse agir e pensar é que se manifesta o senso comum, dificultando o pensamento crítico e investigativo. Em nossa cultura, de forte descendência européia, o racismo é muito comum, presente no cotidiano das pessoas, nas piadas, brincadeiras, de forma tão mecânica e consensuada (em que todos concordam) que dificilmente abre espaço para um “por quê?”.

O que você pensa a respeito desse assunto? Você questiona sobre por que, para que e como tem determinadas atitudes, falas ou pensamentos? Quando conseguimos fazer isso estamos refletindo sobre nossas ações e conseqüentemente nos preparando para mudar nosso modo de agir.

Percebemos, então, que para fazer uma reflexão ética precisamos exercitar o pensamento filosófico, que nada mais é do que o pensamento crítico diante das idéias e costumes aceitos em nossa cultura. Na próxima seção, vamos compreender como se dá a relação entre ética e filosofia.

SEÇÃO 2 O surgimento da ética na filosofia

Vários foram os filósofos que se preocuparam em entender e analisar as questões éticas.

Sócrates foi um deles, conforme já mencionamos; foi um dos primeiros a fazer uma reflexão ética sobre os valores e as crenças das pessoas. Propôs a busca dos valores

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universais pela razão e a idéia de que já nascemos com o conhecimento dentro de nós. Quando sugeria: “conhece-te a ti mesmo”, Sócrates convidava os seus concidadãos à voltarem-se para dentro de si, ignorar os mitos e as determinações das verdades impostas pelas autoridades; ao afirmar “só sei que nada sei”, convocava os seus companheiros à reflexão constante sobre os acontecimentos do mundo à sua volta – é preciso educar-se para não se deixar manipular pelos outros, para isso a educação deve cuidar da alma, ou seja, cultivar a razão.

Perceba como é relevante o pensamento de Sócrates para a ética e, em especial, para a nossa atualidade. Sócrates acreditava que o conhecimento deveria, automaticamente, provocar o auto-conhecimento, ou seja, deveria levar o indivíduo a refletir e questionar suas certezas e idéias. Seu pensamento é uma defesa do diálogo e da compreensão ao outro e ao novo.

[...] ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo (CHAUI, 2003, p.311).

Vemos, aqui, a manifestação de um vínculo indissociável entre reflexão filosófica e ética. Observe que Sócrates levava as pessoas a questionarem suas próprias compreensões e idéias sobre o bem, o mal, o certo e o errado.

A questão da ética assume uma primeira sistematização, um pensamento mais elaborado teoricamente com Aristóteles. Teria sido ele o primeiro filósofo a pesquisar os princípios da ação humana por meio de uma reflexão acerca da diferença entre conhecimento teórico e prático, pela constatação de que o saber relacionado às coisas humanas não poderia ser demonstrado teoricamente, como na física ou na matemática.

Aristóteles percebeu que seria necessário pensar em uma nova ciência, que se aprofundasse sobre as ações e intenções do homem.

O comportamento humano é, muitas vezes, inexplicável pela ciência e não podemos subordiná-lo ao conhecimento científico. O ser humano é um ser com muitas dimensões, imaginação, sonhos, ilusões, que fogem à exatidão da ciência.

Sabemos, também, que em cada ambiente cultural e social e em distintos momentos da história humana podemos perceber uma gama de valores voltados a

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discutir os procedimentos do homem sob o ponto de vista do certo e do errado, do justo e do injusto. A especificidade da reflexão filosófica sobre a ética está no fato de que os princípios éticos não podem partir de princípios exatos, como em outras áreas do conhecimento. As ações do homem podem ser consideradas boas em um momento e ruins em outro; em cada período histórico elabora-se uma determinada reflexão sobre a ética.

Essas reflexões vão construindo o campo específico da ética e nos ajudando a entender que a ética não pode se preocupar em definir de forma exata e definitiva os modelos de ações e comportamentos humanos; precisa se fundamentar numa análise sociológica e antropológica, identificando as características de cada período histórico e de cada modelo de sociedade.

Na Idade Média, por exemplo, a sociedade organizava-se em torno da Igreja, a grande detentora do poder político, social e religioso. Os princípios éticos da época, alicerçados na ótica cristã, enfatizavam a revelação dos Livros Sagrados; o Pai, o Filho e o Espírito Santo determinavam as normas de conduta. Jesus torna-se o grande mensageiro de uma nova ética, a ética do amor ao próximo. Porém, essa ética foi conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que distorceram a pureza do cristianismo primitivo: o amor ao próximo presente nos discursos de Cristo foi sufocado pela ganância, pelo poder que a manipulação da fé proporcionava aos ocupantes dos altos cargos religiosos. O século XVI sofre a pressão do protestantismo, em que alguns católicos reagem às determinações da Igreja de Roma. Foram chamados de “protestantes” por questionarem alguns procedimentos, decisões e determinações da Igreja romana. Para os protestantes, a ética é baseada nos valores éticos; a base para o agir ético está nas relações com o mundo e com as pessoas que nele estão, e não na relação com o divino ou o sagrado.

Se quiser ampliar seus conhecimentos, assista ao filme Lutero. Você poderá convidar seus colegas para uma discussão sobre as reflexões dos personagens!

Atente para o fato de que as mudanças de poder na sociedade também alteram as concepções morais (do que é certo e errado, de onde estão as fontes da verdade, do bem). O catolicismo difere do protestantismo, mesmo ambos sendo cristãos.

Os teóricos da modernidade buscam substituir uma reflexão cristã por uma reflexão mais racional. No período moderno, surge Kant (apud SANTOS, 1965), para quem a ética é autônoma, e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela própria consciência moral, e não por qualquer instância alheia ao Eu. Kant dá prosseguimento à construção de uma moral própria, que não espera algo de fora – aquilo que o homem procura está dentro dele. Na concepção de Kant, uma sociedade mais ética não precisa de regras e normas, mas, sim, do progresso e da ampliação da consciência ética presente em cada indivíduo.

Durkheim, ao contrário, voltou-se à compreensão do fato social enquanto produção coletiva e histórica e, portanto, fenômeno sobre o qual deveriam recair preocupações éticas. Durkheim parte do pressuposto de que, por natureza, as

Conspurcada: manchada, corrompida, pervertida, maculada.

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pessoas são portadoras do mal, cabendo à sociedade encontrar mecanismos que as forcem ao exercício do bem.

É importante percebermos que esses filósofos influenciaram muitos outros teóricos e estudiosos de várias áreas, da saúde, da economia, da sociologia, da psicologia, etc. Observe que Kant defende a idéia de que cada indivíduo possui condições de estruturar seus próprios valores éticos, não precisando de normas, regras e leis; já Durkheim acredita que as pessoas são más por natureza e que a sociedade deve torná-las boas.

O que você acha disso? As pessoas têm condições de saber o que é certo e errado? Ou precisam da sociedade?

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Observe que os fundamentos da ética não são simples, precisam de muita profundidade e investigação. Sabemos que, com tanta diversidade cultural, não podemos deixar de buscar a harmonia social, desejada por todos, mas praticada por poucos.

Nenhum homem é uma ilha. O que essa frase quer dizer para você?

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Essa famosa frase, do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano, viver é conviver. É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético.

E é na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais:

O que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como me comportar perante o outro?

A ética se preocupa, portanto, com as formas humanas de resolver as contradições entre necessidades e possibilidades, entre tempo e eternidade, entre o individual e o social, entre o econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico, entre o natural e o cultural, entre a inteligência e a vontade (VALLS, 2003, p. 52).

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Quando você se pergunta “o que devo fazer?”, ou, “esta decisão irá prejudicar alguém?”, quando você pensa como deve agir diante de uma situação concreta, empírica, real, que obriga uma tomada de decisão, você sempre pensa nos resultados dessa decisão, não é?

Às vezes, diante dessas questões, parece que, qualquer que seja a decisão, favorecerá alguém e prejudicará alguém. É assim que nos tornamos éticos, porque nós não apenas vivemos com os outros, nós “convivemos”, e nesse “conviver” é que nos descobrimos éticos e morais, ou seja, só é possível respeitar os princípios máximos da ética (vida, liberdade, privacidade, etc.), as leis e as normas de conduta, se estivermos com outras pessoas, o que exige um comportamento ético e moral.

Nesta seção, você estudou sobre a construção do campo de conhecimento da ética ao longo da história da filosofia. Agora, vamos estudar alguns filósofos que muito contribuíram para a reflexão ética.

SEÇÃO 3 O pensamento de Aristóteles e Marx

Nesta seção, apresentaremos as concepções de Aristóteles e Marx sobre a ética; esses teóricos ajudaram a construir os fundamentos da moral ocidental.

Aristóteles concebeu uma ordem socioeconômica como sendo a natural, em que a relação entre os seres e as coisas é determinada por uma hierarquia:

Deus – Espírito – Alma – Razão – Homem – Emoção – Mulher – Animais – Vegetais – Minerais – Matéria – Caos – Diabo

Na concepção aristotélica, Deus é a fonte de toda a autoridade e o legitimador dessa estrutura de superioridade-inferioridade. Cada ser deve cumprir sua finalidade de acordo com sua posição nessa hierarquia e sua natureza, que é fixa. Qual a implicação ética dessa hierarquia? A inferioridade da mulher em relação ao homem é concebida como algo natural; o escravo é escravo por natureza e deve desenvolver sua escravitude, sendo aquilo que a sua condição determina. Cada ser ocupa um lugar nas relações sociais ou naturais e o ser humano, para ser “bom”, deve não apenas cumprir sua tarefa, sua parte do desenvolvimento dessas relações, mas cumpri-la bem.

Para Aristóteles, o homem é um ser racional e cumpre sua finalidade de acordo com essa natureza. A ética conduz a ação humana, a ser realizada de acordo com a natureza racional. O fim último, ou seja, a finalidade do ser humano é a felicidade, e, sendo um ser dotado de razão, esta deve trabalhar para que alcance a felicidade.

Em resumo, perceba que Aristóteles apresenta um modelo de relações sociais, que se transforma, posteriormente, em códigos morais: o escravo, por exemplo, na sociedade antiga, não tinha direitos iguais aos do homem livre. Veja como um filósofo tinha o poder de influenciar toda uma forma de pensamento e de ações!

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A concepção aristotélica foi, também, o alicerce sobre o qual se assentou a ética cristã, divergindo no que diz respeito a alcançar a felicidade – para Aristóteles a felicidade deveria ser alcançada pelo homem entre seus iguais e segundo a ética cristã a felicidade estaria na vida futura, depois da morte, no céu. O pensamento de Aristóteles influenciou fortemente a ética cristã com relação à questão da aceitação do sacrifício e da submissão à Igreja e ao Rei ou Imperador, acreditando que estes expressavam a vontade de Deus.

Um pensador moderno que também abordou as questões éticas em sua teoria foi Marx. Em contraposição ao cristianismo, apresentou a religião como “o ópio do povo”, ou seja, um mecanismo de fuga da realidade. Frente às contradições da realidade socioeconômica, evidenciou que as estruturas econômicas determinam as relações sociais. Assim, a situação de superioridade-inferioridade entre as pessoas não ocorre através da natureza, como afirmava Aristóteles, mas em razão do papel ocupado no sistema econômico da sociedade. O rico é superior ao pobre devido ao sistema econômico capitalista, e isso não é algo natural.

Para Marx, uma sociedade sem conflitos e mais igualitária resultaria da luta de classes entre capitalistas e proletariado. Por isso, o homem pode agir sobre a realidade e o conhecimento e a ciência devem ser uma construção coletiva e histórica, a partir da realidade socioeconômica, com vistas à transformação dessa realidade. Um fator ético importante do pensamento de Marx é que ele substituiu a ideologia do individualismo, como fator decisivo no processo civilizatório, pela construção coletiva da sociedade; desconstruiu a idéia de naturalidade, de tradição, de nobreza; apresentou a sociedade como resultado de um processo coletivo.

Até aqui você percebeu como os teóricos foram trazendo e construindo novos elementos para a reflexão ética. Mas, por que apresentamos todas essas teorizações? Justamente para entendermos que a ética exige reflexão aprofundada. Não podemos achar que sobre ética não se pode refletir nem discutir porque cada um tem a sua, isso é uma visão simplista da ética e responsável pela sua banalização (minimização da importância) na sociedade. A discussão aprofundada e filosófica sobre as ideologias e as crenças que fundamentam as nossas ações nos ajuda a possibilitar um progresso ético na sociedade. Para enriquecer nosso aprofundamento, vamos compreender como, em cada espaço e tempo histórico, a ética retrocedeu ou avançou.

SEÇÃO 4 Reflexão sobre a construção da moral

A ética é uma reflexão sobre a moral, por isso precisamos entender a construção da moral na história. Todos os filósofos que adentraram no campo da ética começaram suas discussões e reflexões indagando sobre o ser humano, sobre a origem do agir humano e, ainda mais, sobre a relação desse agir com a sociedade. Os teóricos da ética fundamentaram suas reflexões sobre a natureza social do homem.

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A moral acontece quando o homem supera sua natureza puramente natural, instintiva, e passa a possuir uma natureza social, que surge quando o homem passa a ser membro de uma coletividade.

Para entender essa relação social entre os homens, também precisamos entender a relação do homem com a natureza, ou seja, com a realidade material. Na sociedade primitiva, a luta pela sobrevivência exigia a construção de uma coletividade. Assim, surge uma série de normas que beneficiam a comunidade. A moral nasce com a finalidade de assegurar a concordância do comportamento de cada um com os interesses coletivos. O que é bom ou ruim é definido em função da comunidade, ou seja, tudo o que venha a reforçar os interesses da coletividade passa a ser bom, enquanto tudo o que ameace a coletividade passa a ser ruim; surgem alguns deveres de todos os membros de uma tribo (todos são obrigados a lutar contra os inimigos da tribo, por exemplo). Essa moral coletivista, característica das sociedades primitivas que não conhecem a propriedade privada nem a divisão de classes, é uma moral única e válida para todos os membros da comunidade.

Isso parece se constituir num modelo de sociedade ética, mas, qual é o problema?

Essa moral única para todos os membros da tribo é limitada pelo próprio âmbito da coletividade: além dos limites da tribo, seus princípios e suas normas perdiam sua validade; as outras tribos eram consideradas inimigas e, por isso, não lhes eram aplicadas as normas e os princípios válidos no interior da comunidade. Na sociedade primitiva, há uma absorção do individual pelo coletivo, não havendo espaço para uma autêntica decisão pessoal e, por conseguinte, uma responsabilidade pessoal. A coletividade se apresenta como um limite da moral, por isso uma moral pouco desenvolvida, cujas normas e princípios são aceitos, sobretudo, pela força do costume e da tradição. Observe que uma moral coletivista não contribui para o desenvolvimento da consciência ética; as pessoas cumpriam as regras porque as recebiam da tradição, não porque tinham consciência desses valores e normas. O ser humano somente tem valor se pertence à tribo; os membros de outras tribos podiam ser mortos e escravizados, eram considerados inferiores.

Perceba que uma comunidade aparentemente sem problemas de violência nem sempre pode ser considerada eticamente avançada.

Veremos que houve mudanças no decorrer da história...

Com o aumento da produção (decorrente, em grande parte, da transformação dos prisioneiros de tribos inimigas em escravos), surge o excedente e a desigualdade de bens. A decomposição do regime comunal (tribal) e o aparecimento da propriedade privada acentuam a divisão entre os homens livres e os escravos. O trabalho físico passa a ser indigno para homens livres; os escravos tornam-se coisas, podem ser vendidos como objetos e mortos, quando não servem mais ao trabalho.

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Essa divisão provocou a separação da sociedade em duas morais: uma, dominante, dos homens livres – a única considerada verdadeira – e a dos escravos. A moral dos homens livres era legitimada nos escritos da época e por muitos filósofos.

Perceba que houve uma significativa mudança na forma de as pessoas se relacionarem: já não há mais separação entre o bem e o mal a partir de quem pertence ou não à tribo, mas, sim, entre quem é escravo ou livre. Com o desaparecimento do mundo antigo, assentado sobre a escravidão, nasce a sociedade feudal, dividida em duas classes: senhores feudais e camponeses servos. Os homens livres da cidade (artesãos, pequenos comerciantes) estavam sujeitos à autoridade do senhor feudal, que, por sua vez, estava sempre em situação de dependência a outro senhor feudal, mais poderoso. Nesse sistema hierárquico, o Rei ou Imperador, através da força de seu exército, garantia seu domínio e exploração econômica. Com o papel preponderante da Igreja, a moral estava impregnada de conteúdo religioso. A religião assegurava certa unidade moral à sociedade, pois ditava as normas, baseada em um sistema de obediência a Deus, cujas exigências e determinações eram “interpretadas” pelo clero da época, considerado representante e tradutor de Deus no mundo. Na divisão da sociedade havia, também, diversos códigos morais: dos nobres ou cavaleiros, dos monges. Somente os servos não tinham uma formulação dos seus princípios morais. A moral cavalheiresca e aristocrática partia da premissa de que o nobre, por motivos de sangue, possuía uma série de qualidades morais que o distinguia dos servos e plebeus. Estes aceitavam sua condição social inferior, com a promessa de uma vida melhor após a morte, já que no mundo terreno sua felicidade era negada pelo fato de nascerem servos.

Observe que, na sociedade feudal, há certa continuidade da separação entre os homens livres e os escravos, mas surge o papel fundamental da Igreja na legitimação da desigualdade e da hierarquia.

No interior da velha sociedade feudal deu-se a gestação de uma nova classe social, a burguesia, que possuía o poder da produção e comprava a mão-de-obra dos assalariados.

Nesse novo sistema econômico, que alcança sua expressão maior em meados do século XIX, na Inglaterra, vigora, como fundamental, a lei do lucro. O operário é considerado, exclusivamente, um homem econômico – é um meio e instrumento de produção. O trabalho, para ele, é algo totalmente sem significado, a não ser como fonte de renda. A economia é regida pela lei do máximo lucro e esta possui uma moral própria.

Com efeito, o culto ao dinheiro e à tendência de obter mais lucro constitui o terreno propício para que, nas relações entre os indivíduos, floresçam o espírito de posse, a ganância, o egoísmo.

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Cada um confia nas suas próprias forças, desconfia dos demais, busca seu próprio bem-estar, ainda que tenha de passar por cima dos outros. A sociedade se converte em um campo de batalha, numa guerra de todos contra todos, tal é a moral individualista e egoísta que corresponde às relações sociais burguesas.

Atualmente, a exploração do homem pelo homem não se faz mais através de métodos brutais, mas o trabalho mecânico, repetitivo, submete milhões de pessoas em função da sobrevivência. O trabalho na sociedade capitalista é privado de criatividade e de consciência; prolifera a idéia de pertencimento do operário à empresa, sem incentivo à cooperação e à colaboração. O operário é um colaborador, e não um trabalhador; a exploração, longe de aparecer, não faz senão adotar formas mais astuciosas para manter-se como fonte de lucro. A moral construída no sistema capitalista de produção ajuda a justificar e a reforçar os interesses do sistema regido pela lei da produção. A moral burguesa busca, então, regular as relações entre os indivíduos numa sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. As relações interpessoais são pautadas por valores econômicos; o ser humano passa a ser visto unicamente na sua dimensão econômica, e não humana.

Como percebemos, a moral vivida na sociedade muda historicamente de acordo com as reviravoltas fundamentais verificadas no desenvolvimento social.

Observamos as mudanças decisivas que ocorreram na moral, com a passagem da sociedade escravista à feudal e desta à sociedade burguesa. Notamos que, numa sociedade baseada na exploração de uns homens pelos outros ou de uns países por outros, a moral se diversifica de acordo com os interesses antagônicos fundamentais, em que um grupo quer explorar e o outro não quer ser explorado. A superação desse desvio social e, portanto, a abolição da exploração do homem pelo homem e da submissão econômica e política de alguns países a outros constituem a condição necessária para construir uma nova sociedade, na qual vigore uma moral verdadeiramente humana, universal, válida para todos os seus membros (VAZQUEZ, 2002, p.40-53). Você acredita ser possível uma reestruturação social, para que não ocorra a exploração do homem pelo homem? Como isso ocorreria? O que você estaria disposto a fazer por essa sociedade? Você está construindo a sua profissão, na universidade, pensando nessa universalidade ou tentando levar vantagem nos trabalhos em grupos, colocando o nome de algum colega nos trabalhos sem que ele participe, passando cola, etc.?

Com essa análise histórica da moral, percebemos a complexidade de uma reflexão ética, quando esta busca estudar e compreender os princípios morais. No decorrer da nossa vida, nem sempre nos damos conta de que aquilo que consideramos bom ou ruim para nós, certo ou errado no comportamento humano foi construído historicamente. Estudar os fundamentos teóricos e sociais da moral nos ajuda a compreender melhor as ações humanas e o comportamento dos indivíduos.

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Uma análise ética nos convida sempre a contextualizar a ação individual. A historicidade da moral nos ajuda a refletir sobre nossa forma de pensar os valores vigentes na sociedade em que vivemos.

Às vezes, achamos normal que determinado indivíduo não tenha boas condições financeiras ou passe fome. Por que achamos isso normal?

Porque, em nossa sociedade, vigora uma moral individualista, que culpa o indivíduo pela situação em que vive. Porque o sistema de mercado assenta-se sobre a máxima: “querer é poder”. Então, ao analisar a situação de um miserável, na moral do mercado globalizado, diríamos: “se ele quiser sair da situação, ele pode”. A moral vigente (ideologia) não nos permite olhar além e perceber que milhões de pessoas passam fome no mundo, e isso não é um problema apenas pessoal, não se resolve somente com empenho individual.

O estudo da contextualização da moral nos ajuda a perceber que a nossa forma de ver o outro e nos relacionar com ele é pautada e fundamentada em valores morais, construídos na sociedade onde vivemos, através das instituições (família, escola, universidade, mídia).

Se você absorver todos os valores morais da sociedade capitalista de mercado, poderá ficar tranqüilo, acreditando que cada um é responsável pelo sucesso ou insucesso, buscando sua riqueza pessoal e erguendo muros ao redor de sua residência; poderá legitimar sua ação com a idéia de que, simplesmente, a vida se resume em obter sucesso individual, e que sucesso é sinônimo de ficar rico. Quando estamos absortos por essa ideologia, ficamos cegos à complexidade social, política e econômica do mundo.

A atitude e o agir humano são objetos da ética, considerada a arte da reta condução da vida, que ocupa-se com a garantia de temas universais, ou seja, com o que todos desejam possuir: vida, liberdade, autonomia, consciência, etc. Cabe a cada um encaminhar-se para esse viver ético, independente das ações dos outros – posso observar as ações do outro, mas são as minhas ações que devo modificar; não posso reprovar uma ação alheia, mas posso observar e não agir da mesma forma. Lembre-se de que somos autônomos, porém não sozinhos, estamos no mundo com outros seres e uma ação pode modificar o contexto, mas não cabe a nós esperar o agir ético dos demais, fazemos parte da construção do mundo. Como você está participando dessa construção? Você costuma refletir, pensar sobre suas atitudes? Pondera suas decisões?

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Auto-avaliação 3

1 Aponte a relação entre a filosofia e a ética.

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2 Faça uma reflexão socrática (de acordo com Sócrates) sobre a sociedade atual. Que indagações você faria sobre a sociedade atual?

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3 Que diferença básica existe entre a sociedade tribal e a sociedade capitalista?

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RESUMINDO

Nesta unidade, você estudou sobre os fundamentos da moral e percebeu que em cada período histórico a moral assume diferentes características. O pensamento de alguns teóricos e a organização econômica e social ajudam a estruturar e legitimar modelos de relacionamento entre as pessoas. Também, você percebeu que a ética prescinde de uma atitude investigativa sobre a moral, por isso a ética emerge da filosofia, que tem como eixo norteador a dúvida.

Na próxima unidade, faremos uma reflexão ética sobre o fenômeno da globalização.

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Unidade 4

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Unidade 4 A globalização e a ética

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a relação entre política, economia e o avanço tecnológico no processo de globalização;

• identificar as conseqüências éticas do capitalismo global;

• refletir sobre o modo de ser e de pensar das pessoas diante da hegemonia da globalização.

Plano de estudo

Seção 1: “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade

Seção 2: O fenômeno da globalização

Seção 3: O fundamentalismo da globalização econômica

Seção 4: O avanço tecnológico e a ética

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PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Fazendo uma reflexão filosófica sobre a ética e os valores morais, vamos percebendo que eles mudam com o decorrer do tempo.

Um conceito que marca a nossa realidade é a globalização. Esse fenômeno está modificando a configuração cultural e a relação do homem com o outro e com o meio em que vive. Esse será o tema de discussão desta unidade.

SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade

A sociedade em que vivemos, chamada globalizada, é resultante da hegemonia capitalista no mundo. Como já vimos, essa sociedade construiu e legitimou uma moral, uma forma de relação entre as pessoas pautada na máxima: “querer é poder”. O progresso científico e econômico dos séculos XIX e XX esteve ancorado nos paradigmas da conquista e da dominação.

Na história do progresso econômico da humanidade, o homem buscou gerar riquezas através da conquista e domínio da natureza e de outros homens. Segundo Boff (2003c), conquistar povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho dos colonizadores. Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a utopia dos modernos; conquistar o segredo da vida e manipular os genes; conquistar mercados e altas taxas de crescimento, conquistar mais e mais clientes e consumidores; conquistar o poder de Estado e outros poderes, religioso, profético, político; conquistar e controlar os anjos e demônios que nos habitam. Enfim, a máxima “querer é poder” torna-se ao longo da história um paradigma (estrutura de pensamento, modo de ver o mundo). Até mesmo o sonho e a felicidade são vistos como conquistas; insaciável é a vontade de conquista do ser humano.

Mas, enfim, quais as conseqüências éticas desse paradigma?

Boff (2003c) afirma que, depois de milênios, o paradigma-conquista entrou, em nossos dias, em grave crise. Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e regeneração.

Sofremos, hoje, as conseqüências desse paradigma da conquista. A conquista de novos espaços, de novos mercados, de sonhos de consumo, de grandes taxas de lucro, do avanço tecnológico que alcançamos é responsável pelos grandes desafios éticos que enfrentamos. Na sociedade atual, globalizada, sofremos as duras conseqüências de um poder sem limites de conquista, de um consumismo exagerado que gerou grandes problemas ambientais.

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A busca desenfreada pelo lucro e pela expansão dos mercados gerou, também, um alto índice de exclusão social. Pochmann e Amorin (2003) apontam que a exclusão social no Brasil cresceu 11% entre 1980 e 2000, revertendo tendência verificada entre os anos 60 e 80, quando houve queda de 13,6%. No início dos anos 60, o país tinha 49,3% de excluídos. A taxa caiu para 42,6% em 1980, mas retornou para 47,3% em 2000.

Muitos acreditam que a razão da miséria é o aumento populacional, mas o problema está no consumo excessivo, na busca desenfreada por maior poder de conquista.

Segundo os pesquisadores, entre 1960 e 1980, os excluídos no Brasil eram, em sua maioria, imigrantes da zona rural, com grandes famílias, pessoas de baixa escolaridade, baixa renda, mulheres e negros. Entre 1980 e 2000, os excluídos são aqueles nascidos nos grandes centros urbanos, excluídos do mundo do trabalho e da cidadania. Após os anos 80, a exclusão passa a atingir também setores da antiga classe média brasileira.

Esses dados nos fazem compreender que a sociedade em que vivemos foi estruturada a partir de uma dimensão individualista de conquistas e de posses. Alguns autores apontam como causa fundamental da crise ética o individualismo, argumentando que a preocupação desenvolvida pelas pessoas em cuidar de seus interesses permite o descuido com o outro e com as regras determinadas pela sociedade que garantem um relacionamento saudável, um comportamento ético.

O individualismo associado ao corporativismo tem se constituído em uma barreira limitadora do desenvolvimento ético dentro da sociedade. As pessoas buscam conquistar melhor qualidade de vida para si ou quando muito para seu grupo; surge, com grande evidência, o problema da corrupção. A cada momento, deparamo-nos com escândalos envolvendo pessoas cuja tarefa deveria ser a de garantir a ordem ética, em função da posição que ocupam.

As principais conseqüências éticas do “querer é poder” recaem sobre a exclusão social e a degradação ambiental. A busca pela conquista se dá numa perspectiva infinita que não conhece limites, quando se trata de ganhar dinheiro ou consumir. E, quando se torna um processo global, com isso se agrava? É o que vamos estudar na próxima seção: o fenômeno da globalização.

SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização

Quando falamos em globalização, logo nos vem à mente apenas a questão econômica; porém, a globalização é um processo em que surgem questões políticas, sociais e culturais. Nesse processo de interação global encontramos a mudança de valores éticos e morais da sociedade.

Vamos, inicialmente, entender como e onde se percebe essa realidade da globalização. De acordo com Ramos (2004), precisamos compreender que existem

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quatro importantes fatores que têm contribuído de forma diversa para configurar o processo de globalização nos últimos vinte anos: a globalização nas comunicações, a econômica, a política e a dos valores presentes no convívio em todos os níveis: pessoal, social, nacional e mundial.

Mas há alguma relação entre esses fatores?

A ligação entre esses quatro fatores demonstra que a revolução nas comunicações favorece e permite a integração econômica; o fator econômico, por sua vez, tem implicações no cenário e no relacionamento político; e o elemento político, em última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência de valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a cultura, a economia e as comunicações é fundamental para compreender a evolução da humanidade e o processo de globalização em curso.

É importante perceber que o processo de globalização aparece como uma continuidade das grandes conquistas realizadas pelas principais potências mundiais. A aliança entre poder político, econômico e meios de comunicação possibilitou, com maior facilidade, a formação de monopólios. Isso tudo facilita o surgimento de um único modelo de sociedade, de grupos financeiros e de mídia.

A globalização, segundo Branco (2003), contribuiu para determinar um modelo de sociedade que atende aos interesses do individualismo e do consumismo, portanto não se trata apenas de globalização econômica, mas, sim, um processo social.

Branco (2003) afirma que a globalização vem sendo empregada em diversas ocasiões, mas nem sempre com o mesmo significado. Poderíamos conceituar esse termo, de forma básica, como o conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial que vêm acontecendo nas últimas décadas, em que o ponto central da mudança é a integração dos mercados numa "aldeia-global", explorada pelas grandes corporações internacionais.

Economicamente, estamos vendo crescer uma política que visa à saída parcial do Estado da economia, deixando o mercado livre, por isso é que vemos a grande onda de privatizações existente hoje.

Mas, o que significa essa saída parcial do Estado da economia?

Significa que o privado começa a ganhar superioridade em relação ao público, que o interesse financeiro se sobrepõe ao interesse social. Essa lógica do privado sobre o público se intensifica com o processo de globalização, em que os grandes investidores procuram países e economias que paguem os melhores juros para o maior rendimento do dinheiro. O direito à saúde, educação, transporte, alimentação acaba ficando em segundo plano na ação política dos governantes, que busca proteger esse capital financeiro com altos juros para que permaneça no país. Você se lembra do período das eleições, em que os candidatos não podiam falar nada que afetasse a lógica de mercado, que prejudicasse a lógica do capital financeiro?

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A globalização também ultrapassa os limites da economia e da política, começa a provocar uma certa homogeneização cultural, por meio da crescente popularização dos canais de televisão por assinatura e da internet. Isso se percebe na forte influência da cultura americana em todo o mundo.

No contexto atual, as preocupações são generalizadas entre todos aqueles que buscam uma vida melhor. Um ponto de grande importância que vem se destacando na globalização é a questão do meio ambiente; empresas, cidadãos, instituições e ONGs se dedicam cada vez mais a conservá-lo e restaurá-lo. Vemos isso nos diversos debates de alcance mundial que acontecem em torno desse assunto.

O que precisamos compreender nessa relação entre ética e globalização é que todo esse processo de interligação e interdependência entre os países – que é positivo – deu-se a partir de uma lógica capitalista, que provocou o amento da concentração de renda e da exclusão social. Além dessa questão, alguns autores apontam que a globalização impôs um certo fundamentalismo; aprofundaremos isso na seção seguinte.

SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica

A globalização econômica é uma faca de dois gumes; de um lado, descortina novos horizontes para a economia mundial, de outro, entretanto, pode abrir o fosso que separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados com o processo e os desfavorecidos da fortuna. De acordo com o relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos países mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres participam apenas com 1% da produção mundial.

Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos da integração econômica e aqueles que somente vêem as mazelas do processo, que são conseqüências, mesmo que por vezes involuntárias, da integração econômica mundial.

Lembre-se de que a reflexão ética é essencialmente investigativa: quais os benefícios da globalização, para quem e como são buscados?

Para as empresas, a globalização facilitou o acesso às novas tecnologias, financiamento, trabalho e difusão dos produtos e serviços, ao mesmo tempo, acelerou o processo de fusão e incorporação de empresas. Além disso, observamos uma concentração do capital e uma expansão das empresas multinacionais; novas

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marcas mundiais, com know-how (conhecimento) e tecnologia própria, avançam na maioria dos países.

A abertura econômica promovida pela globalização aumentou a competição entre as empresas, mas também valorizou o mercado de trabalho, o fator educacional, as habilidades técnicas dos trabalhadores e a experiência profissional, ou seja, o fator capital humano adquiriu maior importância com a globalização. Em função desse diagnóstico, a combinação entre abertura econômica e uma força de trabalho bem treinada e educada produz, em especial, bons resultados para a redução da pobreza e o bem-estar humano. Portanto, um bom sistema educacional, que providencie oportunidades para todos, é decisivo para o sucesso neste mundo globalizado.

Mas, como se caracteriza o fundamentalismo na globalização?

É preciso entender o fundamentalismo como uma forma de ver o mundo, agir e pensar em torno de um único fundamento. Boff (2003c) afirma que a globalização provoca uma primeira manifestação de fundamentalismo: da ideologia política do neoliberalismo, do modo de produção capitalista e de sua melhor expressão, o mercado mundialmente integrado, apresentando-se como a solução única para todos os países e para todas as carências da humanidade (todos precisam de um necessário choque de capitalismo, dizem fundamentalisticamente). A lógica interna desse sistema, entretanto, é ser acumulador de bens e serviços, por isso criador de grandes desigualdades (injustiças), explorador ou dispensador da força de trabalho e predador da natureza.

Surge aqui, segundo o autor, a construção de uma cultura capitalista, uma cosmovisão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Tal cultura provoca uma certa homogeneização da sociedade: um só pensamento, um só modo de produção (capitalista), um só tipo de mercado, um só tipo de religião (cristianismo), um só tipo de música (rock), um só tipo de comida (fast food), um só tipo de executivo, um só tipo de educação, um só tipo de língua (inglês), etc. Boff (2003a) apresenta um questionamento ético para a globalização, quando esta se torna uniforme e quando há a imposição de um único modelo de vida para o planeta.

Com a negação da heterogeneidade, da diferença, a sociedade-mundo atual se coloca em contradição com a ética. Essa atitude perversa tem como conseqüência a má qualidade de vida atual em todos os âmbitos sociais, culturais e ambientais. Nesse processo de globalização, o desenvolvimento tecnológico assume grande importância, influenciando o modo de ser e de pensar das pessoas, provocando o surgimento de grandes questões éticas.

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SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética

Podemos dizer que o mundo tecnológico contempla dois horizontes contrapostos. De um lado, a internet e todas as maravilhas trazidas pelo mundo computadorizado, que deram ao homem uma capacidade criativa nunca vista; no campo da informação, os recursos tecnológicos asseguraram ao homem uma mobilização sintonizada com tudo o que ocorre em nosso planeta. De outro lado, percebemos que a mesma ação que coloca todas as pessoas em sintonia escraviza e cria fundamentos ideológicos também de natureza global; com isso, homogeneíza, limita a capacidade criativa e desenvolve uma lógica cega que tem como norte conduzir as pessoas a uma forma de consumo irracional.

Na análise ética da sociedade atual, vemos entrar em cena o conhecimento científico e tecnológico, que assume vital importância na vida de cada pessoa e passa a ser um diferencial de grande relevância no embate competitivo provocado pelo mercado. A capacidade científica do homem, associada ao desenvolvimento tecnológico, garantiu à humanidade o desenvolvimento de grandes projetos sociais. Foi com base no conhecimento científico que as distintas sociedades em nosso planeta passaram a estruturar o trabalho de forma a facilitar o desenvolvimento.

As mudanças protagonizadas pelo mundo tecnológico passam a:

[...] exercer profundas influências no modo de ser e de pensar de cada um de nós, assim como na forma de organização econômica, política e cultural das sociedades contemporâneas. As máquinas, os robôs, a redução do tempo de execução do trabalho, o aumento do tempo de lazer, já não são mais temas de ficção científica, mas fatos que hoje permitem à humanidade sonhar em libertar-se definitivamente do trabalho monótono e em construir uma civilização baseada no ócio criativo (CORDI, 2000, p. 228, grifo nosso).

Nas últimas décadas, a integração econômica mundial foi impulsionada pela revolução das comunicações que, por sua vez, foi favorecida pelos avanços na tecnologia.

A revolução nas comunicações tem demonstrado que a tecnologia busca a cada dia encurtar distâncias e apressar a transmissão de informações, que determina a importância dos meios de comunicação para o processo de integração social, política e cultural.

O avanço das comunicações, na década de 90, foi surpreendente, como mostram os indicadores de comunicação global divulgados pela International

Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita do mercado de telecomunicações mais do que duplicou.

Ócio criativo: significa libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação e ser capaz de apostar numa atividade em que o trabalho se confundirá com o tempo livre e o estudo, isto é, quando trabalhamos, aprendemos e nos divertimos ao mesmo tempo.

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Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está ocorrendo de modo simétrico no mundo. O mercado da indústria de tecnologia está concentrado nos países industrializados. De acordo com o European Information

Technology Observatory (1998), a Europa (30%), os Estados Unidos (35%) e o Japão (14%) concentram 79% do mercado mundial das tecnologias de comunicação e informação, restando aos outros países apenas 21% do mercado.

O relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgou dados em que os países que se encontram no topo da pirâmide da riqueza mundial – os 20% mais ricos – concentram 93,3% dos usuários da internet. De acordo com o mesmo relatório:

[...] nos últimos anos da década de 90, o quinto da população mundial que vive nos países de renda mais elevada tinha [...] 74% das linhas telefônicas mundiais, meios básicos de comunicação atuais, enquanto que o quinto de menor renda possuía apenas 1,5% das linhas. Alguns observadores previram uma tendência convergente. No entanto, a década passada mostrou uma crescente concentração de renda, recursos e riqueza entre pessoas, empresas e países (PNUD, 1999, p. 5).

Temos testemunhado uma corrida eufórica em busca do saber tecnológico aplicado ao mundo do mercado. Procuramos freneticamente pelo conhecimento da última técnica, do mais novo produto, elaborado com a mais sofisticada tecnologia. Porém, essa é uma realidade que não se universaliza, pelo contrário, passa a ser privilégio de alguns.

O geógrafo Milton Santos (2001, p. 222) apresenta-nos uma reflexão sobre a tecnologia: “A desigual difusão da tecnologia provocou diferenças consideráveis, algumas vezes extremas, nos preços dos produtos industrializados de diferentes países.”

Uma das grandes questões éticas levantadas em torno do avanço tecnológico diz respeito à questão teleológica. Uma reflexão ética sobre o avanço tecnológico reside, portanto, nas questões: para quem se destina esta invenção tecnológica? Que tipo de relação humana esta invenção vai proporcionar? Enfim, que modelo de sociedade o progresso tecnológico buscará construir? São questões, essas, que colocam o progresso científico sob o crivo da ética. No decorrer da história, percebemos diversos acontecimentos que tiveram fundamentação científica e tecnológica, porém acarretaram drásticas conseqüências para a humanidade, como foi o caso do holocausto (morte de milhares de judeus) na Alemanha, da bomba atômica no Japão e da guerra no Vietnã.

A reflexão ética nos faz perceber que o progresso tecnológico pode não significar um avanço para a sociedade, porque a evolução da ciência nem sempre contribui para a solução dos grandes desafios sociais, como a exclusão social e a degradação ambiental.

Teleologia é a discussão e o estudo das finalidades, dos objetivos de determinada ação.

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Auto-avaliação 4

Estudo de caso

Leia com atenção o texto Promessa é dívida, de Denys Monteiro, e responda às questões.

Aspirações individuais e as organizações: realidades incompatíveis?

Em épocas difíceis, nas empresas, é comum, infelizmente, que os gerentes, para não perder seus funcionários, façam promessas de dias melhores: “não se preocupe, assim que aumentarmos as vendas, iremos promover você”. Ou, então: “se conseguirmos atingir as metas, distribuiremos um percentual maior de lucro este ano”. E, lá se vai o gestor desferindo golpes certeiros no bolso e no ego de sua equipe.

Nesse momento, a reação na empresa é vigorosa. Todos se dão as mãos e vibram como se fossem a seleção brasileira entrando no Maracanã após a palestra do treinador, todos confiantes de que o título já está “no papo”. Soa o apito e o jogo começa, com tudo dando certo: as áreas se falam mais e resolvem suas diferenças em benefício do cliente, e não mais baseadas nas rixas entre elas; um novo serviço é implementado, com redução de custos para a empresa; os memorandos param de circular vagarosamente pela empresa e as decisões são tomadas on-line; as equipes de venda convertem mais vendas. Algumas faltas cometidas, pequenos erros e retrabalhos... mas, tudo bem, faz parte da tensão e ansiedade pelo resultado positivo.

Ao apito final, não há mais nada a fazer. O ano acabou, as entregas foram feitas. Vendas, só no próximo ano. Todos com o sentimento de dever cumprido: ganharam market share, reduziram gastos em publicidade, contratos de longo prazo foram estabelecidos com clientes estratégicos. Só o que se vê pela empresa são pessoas cansadas, mas felizes por terem corrido sem parar durante os 90 minutos do jogo.

Eis que as reuniões de avaliação de desempenho começam. Todos na expectativa de ganhar a recompensa pelo bom desempenho. Uma grande reunião é convocada e os números da “partida” são apresentados. O discurso começa com um agradecimento pelo desempenho de todos e comprometimento de cada um nos últimos meses. Em seguida, iniciam-se as surpresas: “como vocês podem ver neste gráfico, apesar de as vendas na região Sul estarem maiores, em compensação, as da região Norte ficaram abaixo da expectativa e, com isso, houve uma pequena queda no resultado global da companhia em relação ao esperado”. Surgem os primeiros olhares, incrédulos, e o “zumzumzum” percorre a sala. E, o discurso continua: “graças às reduções de despesas que conseguimos, as margens por produto aumentaram num primeiro momento, mas, como grande parte dos componentes são importados, a oscilação do dólar fez com que a margem operacional diminuísse

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em aproximadamente 30%”. Alguns já começam a entender o recado de que o juiz não viu a mesma partida de futebol que os atletas jogaram.

Mais meia hora de gráficos, tabelas, justificativas, recomendações e surge um novo desafio para o próximo semestre. Se atingido, pode recuperar os resultados deste período e aí tudo volta à normalidade, com o crescimento da empresa e da economia. Mas, como essa foi apenas a “coletiva para a imprensa”, os funcionários aguardam ansiosos as suas avaliações individuais. Afinal, todos tinham metas bem definidas e a confiança reina nos craques.

Os feedbacks começam. Aqueles que tiveram desempenho ruim recebem pouco mais do que uma cobrança mais rígida e uma avaliação não muito animadora para o próximo ano. Chega a hora dos confiantes e... e... lá vem o discurso de novo: “Pedro, você foi um líder durante todo o processo, sem você não teríamos conseguido nem este resultado, as pessoas confiam em você e no seu potencial. Na sua região, você superou os objetivos, inclusive. Agora, com relação à promoção que eu havia lhe prometido... não vou poder fazer ainda. Veja bem, não fique preocupado, é só até as coisas melhorarem. Eu não tenho como justificar para a matriz uma promoção e aumento com este resultado ruim”.

Ainda há uma tentativa de argumentação, um início de discussão, que não leva a nada, além de outras promessas ainda mais audaciosas: “veja bem, estou te preparando para o meu lugar, é preciso maturidade nesta hora”. E dá-lhe blábláblá...

A frustração é imensa. Quantas horas de sono perdidas, viagens constantes, o tempo que você não ficou com os seus amigos e filhos. Não existe coisa pior no mundo corporativo do que prometer em vão. O tiro sai pela culatra, o time perde a confiança em tudo o que vem pela frente. É preciso que os gestores – e o papel do RH é fundamental na orientação de sua postura – joguem limpo, conhecendo e esclarecendo a situação e as possibilidades da empresa. Mencionar só ao final fatores dos quais ninguém tinha conhecimento (como a variação do dólar) é imperdoável.

Duas são as opções dos funcionários nessa hora: fazer uma nova aposta para a próxima temporada ou colocar o currículo no mercado e sair em busca de novas oportunidades. Se a experiência ajuda a refletir, tenho visto a segunda opção com mais freqüência do que a primeira. Uma vez abalada, a confiança, premissa indispensável entre funcionário e empregador, jamais será a mesma.

Portanto, pense bem na importância de debater esse assunto com a cúpula da empresa e com os responsáveis por equipes. Ajude sua empresa a evitar surpresas desagradáveis, como a perda dos seus melhores talentos para a concorrência.

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Questão sobre o texto

1 Qual o problema ético percebível na empresa?

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2 Como a vida dos funcionários teve relação com o fenômeno da globalização?

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RESUMINDO

Você percebeu que uma sociedade que foi construída e ancorada no modelo “querer é poder” produz sérias conseqüências éticas? Ter sucesso, hoje, é ter dinheiro e, talvez, conhecimento. Os caminhos para obter esse sucesso, até agora, foram muito centralizados no indivíduo; uma sociedade que busca sempre acumular dinheiro e conhecimento, de forma ilimitada e individualizada, conduz as pessoas a olharem sempre para si mesmas, deixando de reconhecer a importância e a dignidade do outro. Isso representa uma grave conseqüência ética.

Nesta unidade, refletimos sobre as conseqüências éticas de um modelo econômico; capitalismo, globalização e progresso tecnológico são faces da mesma moeda, que compõem a estrutura de nossa sociedade. Percebemos que a busca pela conquista de novas terras, de novos espaços de mercado, de maiores taxas de lucro foi um eixo norteador da organização da nossa sociedade, que perpassou os vários séculos de nossa história. A reflexão ética sobre a globalização nos ajuda a compreender melhor e de forma interligada as ações no campo da política, da economia e da ciência, faz-nos entender que as ações estão inseridas em um processo global que possui uma lógica de funcionamento.

Na próxima unidade, você observará quais são os grandes desafios éticos da modernidade.

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Unidade 5

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Unidade 5 Os conflitos éticos da sociedade atual

Objetivos de aprendizagem

Ao concluir a leitura desta unidade, você deverá ser capaz de:

• caracterizar os desafios éticos da sociedade atual;

• compreender a relatividade e a limitação da moral na explicação do comportamento humano;

• compreender a construção da moral brasileira;

• analisar eticamente a sociedade brasileira.

Plano de estudo

Seção 1: Grandes questões éticas da contemporaneidade

Seção 2: A construção de valores morais na sociedade brasileira

Seção 3: Características da sociedade brasileira capitalista

Seção 4: A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil

Seção 5: Esperança ética

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PARA INÍCIO DE ESTUDOS

O processo de globalização trouxe grandes transformações para a sociedade em que vivemos. Nesta unidade, vamos refletir sobre o impacto das mudanças globais no campo da ética.

Diante desse avanço tecnológico, da queda e do descrédito das grandes instituições – família, Igreja e Estado –, surgem algumas conseqüências para o campo da ética, surgem, novas formas de se compreender o certo e o errado, novos valores morais, tanto na vida pessoal, quanto social, econômica e política. Esse será o tema da quinta unidade.

SEÇÃO 1 Grandes questões éticas da contemporaneidade

Você já observou como vivemos em um tempo de mudanças?

Que o progresso tecnológico avança quase sem podermos acompanhá-lo?

O que é certo ou errado fazer?

Cada um deve fazer o que é melhor para si? E como fica a sociedade?

Deus irá punir aqueles que agirem errado? Mas, e a certeza sobre a existência de Deus?

Se não vou ser castigado depois da morte, por que devo respeitar o outro?

A eutanásia, o aborto, a engenharia genética podem ser aprovados legalmente?

Unir-se com uma pessoa do mesmo sexo é certo ou errado? Por que é certo ou errado? Onde vamos buscar fundamento para condenar ou aprovar o casamento entre homossexuais? Nos Livros Sagrados? Mas é verdade o que está escrito neles? E como fica o respeito à liberdade de escolha de cada um?

Você percebe como surgem grandes questionamentos éticos na atualidade? Há algum tempo esses questionamentos não eram tão intensos, em razão da autoridade que era conferida a grandes instituições como a Igreja, a família, a escola. À medida que o pensamento científico substituiu as crenças nas instituições e as pessoas passaram a perceber a autoridade como algo não sagrado, têm evidência a racionalidade individual, o questionamento e a crítica. Assim, sem a crença em uma autoridade que define o que é certo ou errado, as pessoas começam a se perguntar: mas é certo ou errado? Depende de cada um? Enfim, surgem dilemas éticos que antes não existiam porque as pessoas seguiam fielmente os códigos morais que estavam nos Livros Sagrados, na tradição da família, da cultura...

Iniciaremos a reflexão sobre os grandes desafios éticos da contemporaneidade refletindo sobre como podemos compreender o período em que vivemos. Uma das características principais da nossa era é a falta de perspectivas.

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A FALTA DE PERSPECTIVA

A sociedade atual, marcada por um acelerado processo de empobrecimento, de diminuição das oportunidades, de desemprego, acaba contribuindo para a construção de um espírito de pessimismo diante do futuro. Surgem, assim, muitos questionamentos que evidenciam esse espírito.

Vale a pena estudar? Vou fazer um investimento, mas, qual será o retorno? Vivemos na sociedade do conhecimento, então, é imprescindível a busca pela formação acadêmica. Mas, como o indivíduo vai conciliar essa formação com uma vaga no mercado de trabalho? Você concorda que esses são grandes motivos da falta de perspectivas que toma conta de muitas pessoas? Que outras coisas você acredita que também contribuem para que as pessoas não possuam perspectivas? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

A diminuição de oportunidades de emprego e o conseqüente empobrecimento da população, a desigualdade de renda...

Em nenhum momento de sua existência a humanidade contou com tamanha riqueza. Essa riqueza, como evidenciamos, é produzida pelo avanço tecnológico, que surgiu com a finalidade de dar ao homem maior comodidade. No entanto, o monopólio que se estabeleceu sobre as tecnologias serviu para ampliar riquezas e, conseqüentemente, a distância entre quem possui ou não acesso às tecnologias e às estruturas que asseguram o ordenamento material da vida de cada pessoa, indicando que houve uma real limitação na participação de todos os indivíduos dentro dos mais variados benefícios produzidos pelos avanços tecnológicos.

A crise de perspectivas é mais evidente na súbita retirada dos meios materiais de subsistência da população desprovida de um capital cultural e econômico que lhe permita acompanhar o desenvolvimento do mundo tecnológico. Isso provoca frustração e desinteresse, ante a necessidade de uma sociedade de convivência solidária.

A falta de perspectivas também contribui para a relativização do valor da vida, no avanço da criminalidade e do uso de drogas. Cada um busca resolver as coisas da maneira que considerar conveniente, surge o problema da intolerância.

A INTOLERÂNCIA

A intolerância tem sido a grande responsável pelo estado de violência que acompanha o cotidiano da humanidade. Os avanços tecnológicos e a aproximação das pessoas, motivados pela globalização, não foram suficientes para reduzir o índice de violência; pelo contrário, parecem ter acentuado as diferenças. Convivemos com diferentes formas de violência: a violência no campo, em função do problema agrário que vivem os países ditos “periféricos”; também, nos grandes centros urbanos, provocada pelo estado de miséria vivido por um considerável

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contingente populacional, por questões de fundo religioso ou desentendimentos políticos, etc. Ainda, há outra forma de violência, institucionalizada: a repressão. A América Latina viveu por um longo tempo essa realidade; com a instalação dos regimes militarizados, o povo foi vítima de um franco processo de violência, cujas conseqüências até hoje se fazem sentir.

Dentre os perigos da intolerância, podemos ressaltar o seu poder de obstruir o desenvolvimento democrático de uma sociedade, tornando inviável a convivência, resultando, assim, em uma constante quebra da alteridade. Evidências da intolerância se percebem no fundamentalismo religioso e também no fundamentalismo étnico e cultural. Os Estados Unidos, por exemplo, considerando-se os defensores da liberdade e da democracia, criam políticas intolerantes contra os árabes, iraquianos, mexicanos. A intolerância contra o diferente torna-se um agravante também no que se refere à sexualidade humana; é o caso da homossexualidade.

O CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO

O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido muito discutido no mundo contemporâneo. Essa questão surgiu na Europa, nos países de tradição democrática, intimamente ligada ao respeito à individualidade humana. No entanto, é de uma realidade polêmica, pois vai de encontro aos pressupostos de ordem moral que imperam na cultura ocidental. De forma objetiva, vai contra a moral religiosa, que compõe um dos substratos da visão de mundo do homem ocidental.

Há, também, a questão da igualdade jurídica, comparada às relações heterossexuais. É uma questão importante, para a qual muitos países deram encaminhamento distinto, ou seja, a instância jurídica foi superior aos ordenamentos de ordem moral, assegurando que as pessoas pudessem constituir uma união estável, sendo ambas do mesmo sexo. Muitos argumentos contrários fundamentam-se ou na questão da natureza humana ou nos Livros Sagrados. Mas, por que surge um dilema ético? Por que um Livro Sagrado deve ser superior à liberdade humana? Ou, também, será que a natureza humana é estática, ela não evolui, não muda? Por que o casamento deve ser entre homem e mulher?

Esse torna-se um grande dilema ético, que os códigos morais, as leis não dão conta de responder, e a pessoa que se apega a um único código moral pode acabar sendo fundamentalista, apegando-se a uma única fonte de verdade.

A PENA DE MORTE

Por muitos anos, alguns países ou estados vêm adotando a pena de morte como alternativa para a solução dos problemas sociais. Da forca até a cadeira elétrica, vários instrumentos foram criados para eliminar as pessoas. No Brasil, muito se discute sobre a adoção da pena de morte. As pessoas que refletem o senso comum levantam essa bandeira, defendida por alguns parlamentares, como uma medida redentora da situação caótica que vivemos em função da violência urbana.

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Ao trazer essa reflexão para o campo da ética, devemos formular uma nova argumentação, acompanhada de muitas perguntas: assumir a pena de morte como forma de coibir a violação das normas elementares de uma convivência social representa a solução para o problema? Em que proporção ela não representaria a instituição da própria violência? Tirar a vida do assassino não contraria a própria lei que condena o assassinato como crime? A pena de morte inibiria outros assassinatos? O assassino teria medo de ser morto? Quem tem o direito de tirar a vida de alguém?

Enfim, essas e outras questões contribuem para que a pena de morte transforme-se em um dilema ético. E a eutanásia? É uma “pena de morte” justificada pela doença?

A EUTANÁSIA E A MORTE ASSISTIDA

Quando o problema da eutanásia aparece na sociedade, é sempre polêmico. Por diversas vezes em que a eutanásia foi autorizada pela justiça americana, imediatamente a polêmica instalou-se, dentro e fora do país. Isso demostra que as pessoas estão divididas, sobre o direito que temos de interferir no curso da vida do outro.

Nesse campo, surgem algumas questões referentes à eutanásia e à morte assistida: podemos decidir por outra pessoa a hora que deve morrer? Como fica o caso das pessoas dadas como mortas clinicamente que voltaram à vida após uma década de coma? Esses argumentos são suficientes para deliberarmos por uma atitude extrema ante a vida de quem não pode decidir nada?

A eutanásia, ao ser liberada, abre um caminho para a discussão sobre a morte assistida. Muitas pessoas, no afã de abreviar o sofrimento, poderão desejar acabar com a vida. Como a sociedade deve reagir a essa situação? O que justifica, de fato, a opção pelo fim da existência de uma pessoa? Podemos decidir sobre a vida e a morte de uma pessoa?

A ENGENHARIA GENÉTICA

Nossas reflexões sobre a engenharia genética podem ser vistas no plano da bioética, que “estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências da vida” (NALINI, 1999, p. 120). Como ramo do saber, associado à filosofia e à biologia, a bioética procura argumentar em torno dos elementos que configuram a biomedicina, que, no mundo pós-moderno, avançou de forma espetacular, protagonizando coisas somente cogitadas na ficção.

As nações, através de seus representantes científicos, vivem um grande dilema, no sentido de precisar qual deve ser o limite nas buscas humanas para desvendar o universo da genética, deixando em alerta os pensadores das ciências humanas e, também, alguns intelectuais das ciências jurídicas.

Não há como negarmos que a engenharia genética tem apresentado grandes resultados, que apontam para a solução de sérios problemas no campo da saúde

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humana. Há uma grande euforia por parte dos cientistas que defendem, de forma irrestrita, a manipulação da genética; cumpre a nós o papel de inquiridores.

Quem serão os grandes beneficiados com essas pesquisas? Elas representarão, de forma efetiva, um momento de inclusão das pessoas carentes na área da saúde? Em que proporção e de que modo a clonagem representa ou não a violação da moral e da ética? Devemos impor limites a quem tem se dedicado a essas pesquisas? Ao condenar as ações dos cientistas que atuam na área, não estaríamos reprimindo o processo de evolução da ciência?

Observe que a reflexão ética parte de uma visão mais ampla sobre a questão; não podemos apenas analisar o tema na ótica da ciência ou da moral religiosa, precisamos analisar se as decisões podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.

O PROBLEMA AMBIENTAL

Os geógrafos que refletem sobre as questões ambientais afirmam que dois terços dos ecossistemas estudados até agora sofrem de forma implacável as ações exercidas pelo homem nestes últimos anos; que algumas regiões estão irremediavelmente comprometidas pela ação irrefletida do homem. Essa situação nos faz pensar sobre um novo conceito de cidadania, a cidadania ambiental, que “vai mais longe ao estabelecer uma visão holística sobre o problema da preservação” (HUMBERG, 2002, p.65).

Uma visão holística sobre o meio ambiente nos ajuda a fazer uma reflexão mais ampla sobre o problema ambiental, entender que a preservação do meio ambiente depende, além de uma consciência individual, também de uma nova concepção de sociedade, de um novo modelo econômico que não tenha o lucro como eixo central do desenvolvimento. Uma visão holística de cidadania ambiental nos ajuda a compreender que fazemos parte do meio ambiente.

O consumo dos recursos ambientais chegou a tal ponto que discutimos a capacidade dos ecossistemas em garantir recursos para as próximas gerações. Sem dúvida, o aumento da atividade humana sobre a natureza afetou de forma nunca vista o contexto biológico de animais e plantas, que foram extintos sem que tivéssemos a possibilidade de detectar sua verdadeira propriedade ou sua real função no contexto da biodiversidade.

Os benefícios sociais provenientes da agricultura e da exploração direta de minérios ajudaram o homem a protagonizar um estado de riqueza e bem-estar que até então não havíamos visto, entretanto, o custo desse processo deve nos levar a refletir sobre as ações que desenvolvemos.

Sem dúvida, a forma predatória com que o homem tem explorado os recursos naturais fere os princípios da ética e nos leva a pensar em um plano global de ação conjunta voltado a garantir o futuro da humanidade.

Procuramos apresentar algumas questões que causam grande inquietude às pessoas, que afetam todos os segmentos da sociedade. Mas, o que fazer para superar esses desafios?

Holística: em sentido amplo – ecológico, econômico, social, político.

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Nenhuma ciência poderá responder individualmente a essas questões, por serem múltiplas e complexas em suas origens. É necessária a construção de um campo multidisciplinar, que possibilite uma maior aproximação dos problemas sugeridos pelas indagações. A união dos diferentes campos das ciências permitirá respostas mais significativas.

Ao falar de conflitos éticos da sociedade atual, é importante refletirmos sobre esses conflitos na sociedade brasileira.

SEÇÃO 2 A construção de valores morais na sociedade brasileira

Temos grandes desafios éticos, que possuem particularidades e somente são compreendidos por meio de uma contextualização histórica da formação étnica e cultural do país. A forma como o Brasil foi colonizado é responsável pela construção de valores e concepções de mundo que perpassam a história e chegam até nossos dias.

Revisando nossa história, observamos que, quando chegaram ao Brasil, os portugueses encontraram “a terra de muitos bons ares” e tentaram catequizar os índios para o serviço à Coroa portuguesa. A catequese dos jesuítas servia para a cristianização, mas também para o trabalho servil, o qual não fazia parte da cultura indígena, que, por isso, foi vista como preguiçosa e indolente.

O início da colonização ocorreu por meio de três etnias: branca (portugueses), amarela (índios) e negra (africanos). O domínio e a superioridade eram reservados ao branco, fidalgo, colonizador, sinônimo de cultura. A subjugação do índio e do negro marcou todo o período colonial (1500 a 1822), o período imperial (1822 a 1889) e boa parte do período republicano (1889 em diante).

Os portugueses alimentaram uma visão “capitalista” sobre negros e índios que perpassa o século XXI. Os índios viviam na selva, em grupos seminômades, não tinham trabalho regular, não valorizavam os metais preciosos, não tinham preocupações com o futuro e eram facilmente enganados no escambo (troca de mercadorias), e, ainda, analfabetos. Os negros, “acostumados” ao trabalho, eram tratados como peças, não como pessoas.

A inserção do capitalismo no Brasil assenta-se sobre uma violenta dominação do branco sobre o índio e o negro. Uma dominação não apenas física, mas também ideológica, com conseqüências éticas: o índio e o negro vistos como inferiores ao branco, vistos como objetos.

O problema ético gerado pela formação populacional brasileira é que o ser humano (principalmente o índio e o negro), na sua diversidade, passa a ser valorizado apenas como instrumento de geração de riqueza.

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O índio foi subjugado e tratado como “animal selvagem”, tanto é que, em linguagem corrente da época, os jesuítas “amansavam” os índios, o mesmo tratamento dado aos animais não acostumados ao trabalho servil. Os negros, por sua vez, eram tratados pela política dos três “pês” (pau, pano e pão), ou, numa linguagem mais branda, o escravo era “as mãos e os pés de seu amo”.

O negro “amansou” as terras, produziu o açúcar (o ouro branco da época), cavou as minas. Quando, não por circunstâncias humanitárias, mas mercantilistas, a crescente economia inglesa passou a ver no escravo um potencial consumidor dos seus produtos, a Europa deixou de admitir a escravidão negra e exigiu o fim do tráfico negreiro.

Veja que até mesmo a Abolição da Escravatura, que nos parece um avanço no campo da ética, foi uma ação necessária ao sistema econômico. A liberdade não veio em respeito aos negros, mas para gerar consumidores. Novamente, nesse estágio da sociedade brasileira, os seres humanos são meios e instrumentos de um sistema de mercado que beneficia a poucos.

Com a necessidade de operários, o Brasil, novamente, torna-se um espaço de exploração e de escravidão; é o que acontece com a imigração européia ao Brasil. Os imigrantes, que se encontravam em condições de pobreza na Europa, obrigaram-se a partir em busca de sobrevivência.

Perceba como a sociedade brasileira, historicamente, contribuiu para a violência contra o ser humano. Toda vez que o ser humano é inferiorizado na sua condição de humano a ética considera isso uma forma de violência. O Brasil foi uma colônia de exploração onde os habitantes se dividiam entre exploradores e explorados. O Brasil não foi constituído como uma nação que se preocupou com suas pessoas, que se preocupou em formar um povo, em tratá-lo com dignidade; foi um país que caracterizou-se como um terreno de exploração. E, hoje, como e onde se percebe isso?

SEÇÃO 3 Características da sociedade brasileira capitalista

Para fazer uma análise sobre a sociedade brasileira, não podemos esquecer que se trata de uma sociedade estruturada sobre a lógica capitalista.

O capitalismo adotado pela sociedade brasileira, conforme Nickelle (2005), tem no pobre a mais obscena prática de obter desse segmento social ganhos, lucros, vantagens, expropriação jamais imaginada por qualquer teórico desse sistema social. Procure lembrar, da seção anterior, a questão do ser humano como meio de geração de riquezas. No Brasil, o processo capitalista concentra de forma exponencial o capital nas mãos de poucos. A concentração de renda é, hoje, um dos maiores causadores dos problemas sociais do país. Altos salários para uma minoria favorecem um consumo sofisticado, que aumenta a importação e o turismo para fora do país, inibindo a produção de bens e serviços internos pelo gradativo empobrecimento dos demais trabalhadores.

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Uma das conseqüências da sociedade brasileira, capitalista, é o crescimento da miséria e a busca de soluções imediatas pelos que fazem parte da classe mais pobre da população. De acordo com Nickelle (2005), os que recorrem aos baús da “felicidade”, à loteria ou mesmo à fé religiosa, como forma de aceitar tal esperança, são iludidos por verdadeiras quadrilhas de espertalhões que, em nome da sorte e de Deus, enriquecem à custa da ignorância e ingenuidade. As esperanças, de fato, estão comprando redes de televisão, mansões e enviando milhões de reais, não mais para o céu, mas, sim, para o paraíso fiscal.

É uma característica dos países mais pobres a busca por uma vida melhor por meio da religião ou de soluções imediatas, como loterias e premiações milionárias. Percebemos bem forte a ideologia do capitalismo, do “cada um por si e Deus por todos”; isso vai dificultando a formação da cidadania, da democracia, da consciência da coletividade.

Os próprios meios de comunicação contribuem para induzir as pessoas a resolver sua situação de forma individualizada; basta ver a quantidade de programas de auditório que premiam pessoas com carros, casas, inclusive cujos apresentadores são considerados pessoas que colaboram para uma sociedade melhor. A mídia também legitima o individualismo quando busca criminalizar os movimentos sociais; toda a forma de organização da sociedade enquanto povo e enquanto classe é vista de forma negativa. Comece a perceber a cobertura dos veículos de imprensa sobre as manifestações e protestos sociais; geralmente, ressaltam os aspectos negativos, como o congestionamento do trânsito, as depredações, brigas, levam-nos a concluir que cada um deve trabalhar individualmente, fazer sacrifícios sozinho para obter o sustento. Ou seja, ao assistir à TV, você chega à conclusão de que se você é pobre a culpa é sua, se quer comprar uma casa ou um carro você deve trabalhar em dois empregos, e não lutar pelo aumento do seu salário.

A ética torna-se artigo de luxo no Brasil. A sociedade vai estruturando-se sobre a exclusão de uma grande maioria e o privilégio de uma pequena elite consumista.

SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil

“O sucesso não é para todos”, “se fulano é rico, foi por seu próprio mérito”; essas expressões nos indicam que a desigualdade de renda e a concentração de riqueza são vistas como algo natural no Brasil.

Segundo Pochmann (2004 apud FUTEMA, 2004), o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, o número de ricos no país dobrou de 1980 a 2000. Em 2000, existia 1.162 milhão de famílias ricas no país, o correspondente a 2,4% da população brasileira. Vinte anos antes, havia 507 mil famílias ricas, 1,8% da

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população na época. Esse 1.162 milhão de famílias ricas é dono de 75% do PIB do país. Desse total, 5.000 famílias detém 45% do PIB. Além disso, a participação dos ricos sobre a renda nacional subiu de 20% para 33% nesse período.

Mesmo com esses dados alarmantes, ainda vigora entre os brasileiros a idéia de que a riqueza ou a pobreza é um problema pessoal. Essa idéia não é apenas brasileira, mas essa concepção não contribui para uma reflexão ética mais aprofundada sobre a geração de riqueza na sociedade brasileira. Essa superficialidade e falta de profundidade reflexiva também colabora para uma certa tolerância à corrupção e ao famoso “jeitinho brasileiro” – que, na grande maioria das vezes, corresponde a uma habilidade para trapacear e tirar vantagens. Essa realidade toma conta da esfera pública e privada, passando por caixa 2, desvio de dinheiro, propina e compra de votos.

Toda essa realidade de desigualdade social, corrupção e analfabetismo político acaba esquecida e tolerada sob o argumento de que vivemos num país maravilhoso e de que “Deus é brasileiro”. A beleza das mulheres, a riqueza natural, o carnaval e o futebol parecem desempenhar um papel de viseira ética diante de uma realidade violenta e injusta.

Rega (2004) afirma que “O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a imposição do conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: “se dá certo, é certo”; desde, é claro, que “dar certo” signifique “resolver meu problema”, ainda que não definitivamente. Assim é o brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade abrange um sem-número de situações: é o pára-lama do carro amarrado, em vez de soldar; são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é matar a avó pela quinta vez para justificar a ausência a uma prova na escola. Mas o jeitinho é, também, pedir a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou para fazer uma cirurgia pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socorrer uma pessoa doente; é conseguir um emprego para um pai desempregado.

Você viu que o brasileiro foi criando uma cultura própria para lidar com os seus problemas?

Aí surgem alguns dilemas diante do jeitinho, apresentados por Rega (2004): que dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso dele para resolver as questões do dia-a-dia? Será que todo jeito é desmoralizante, ilegal, burlador, inconveniente? Ou será que ele também pode ser criativo, solidário, benevolente?

Segundo o autor, a mídia tornou o “jeitinho” algo negativo, mas ele revela o desejo do ser humano de não se prender às normas, e sim de superá-las, subjugá-las. Suspende-se temporariamente a lei, cria-se a exceção e depois tudo volta ao normal; primeiro se dá um jeitinho na situação, resolvendo o problema, e depois se vê como fica...

Se o jeitinho busca suspender a lei, a regra oficial, o brasileiro seria, então, um anarquista, um fora-da-lei? Para Rega (2004), “O brasileiro não nega a existência da lei, o que ele nega é a sua aplicação naquele momento”. Justifica-se: se podemos pagar menos imposto de renda a um governo que não retribui adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por que fazê-lo?

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Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podemos dar um jeito de cancelá-la?

Você percebe que a cultura do jeitinho vai se fundamentando na idéia de que o país não cuida de seu povo? E podemos perceber que, historicamente, de fato, foi isso que aconteceu. As pessoas eram um meio de gerar riquezas, tanto para Portugal, quanto às elites nacionais, e sabemos que isso se repete até hoje. Então o jeitinho busca uma ação que faça protesto a isso.

Mas, será que isso não contribui para alimentar a cultura da

corrupção?

De acordo com Rega (2004), a corrupção, tema diariamente discutido na mídia escrita e falada, está presente naquele jeito de conseguir uma concorrência, ou no jeito de "ajudar" o fiscal a esquecer determinada lei, ou mesmo no jeito de apressar um processo numa repartição pública. “O jeito não se contenta apenas em transgredir a norma. Às vezes, pela própria transgressão da norma, é preciso dar um jeito para não haver punição. Neste caso há a união incestuosa entre o jeito e a corrupção.”

Claro que não podemos condenar essa cultura do jeitinho, pois nem todo jeito é negativo. Para o autor, a inventividade e a criatividade são algumas das facetas mais relevantes do lado positivo do jeito. Inventar e criar são habilidades do brasileiro na sua capacidade de adaptação a situações inesperadas, como a falta de dinheiro.

O jeitinho busca encontrar uma solução possível para uma situação que a princípio seria impossível. Rega (2004) cita o caso do operário que “cobre” o outro em seu turno enquanto aquele participa de um curso no supletivo, para ganhar o tempo perdido. Diante disso, voltamos à especificidade da ética que – como parte da filosofia – busca sempre fazer uma análise mais global do assunto. Devemos condenar o jeitinho brasileiro como uma ação antiética? O desemprego não é uma situação individual, então algumas ações encontradas para superar essa problemática social precisam ser analisadas de forma global e profunda.

Observe a situação dos vendedores ambulantes; muitos estão em situação ilegal, deram um jeitinho para sobreviver. O operário que faz curso supletivo e conta com uma ajuda do colega para isso também faz parte de uma situação que deve ser analisada dentro de uma ótica global.

Segundo Rega (2004), enquanto o lado negativo do jeito gera situações delicadas e comprometedoras da conduta ética, o lado positivo muitas vezes alivia o brasileiro da vida oprimida que precisa vencer, e então se estabelecem os dilemas éticos do jeito.

O dilema ético surge quando analisamos essa realidade do jeitinho numa perspectiva social, política e econômica. Rega afirma que a inconsistência da ação

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governamental em áreas como a segurança pública, a fiscalização e o planejamento da política tributária e financeira conduz o cidadão a uma situação tal que sua única saída no momento é o “jeito”, a “escapada”, sob pena de perder o emprego ou inviabilizar sua empresa.

Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais necessidades do povo gera o “salve-se quem puder”, que, por sua vez, alimenta o jeito e incentiva a transgressão das normas. Disso à corrupção é apenas um passo; tão logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade, e assim fecha-se o círculo.

Em uma ocasião, um adolescente me entregou sua agenda para que lesse alguns poemas que ele havia feito. Li-os, cuidadosamente; tratavam da realidade de nosso país. Ao final de um deles, havia uma frase, cuja autoria o adolescente ignorava: “Em Roma, ela se chama bustarela; em Moscou, vzyatha; em Berlim, tink gel; e, em Brasília, pode ser ‘jeitinho’, mas em qualquer lugar do mundo e a qualquer época será sempre corrupção, uma prática tão antiga quanto a existência do homem. Sua arma predileta é a dissimulação, e seu instrumento mais eficaz, o suborno, desde o mais célebre da História, o de Judas Escariotes, ao do empreiteiro que paga comissão ao homem público”. Copiei a frase e tenho buscado identificar seu autor. Ela produziu bons efeitos; foi capaz de sensibilizar aquele adolescente, mostrando que em todos os espaços da vida social impera a preocupação com procedimentos que fluam isentos de mazelas humanas como a corrupção.

De acordo com Rega (2004), percebemos que o jeitinho brasileiro possui contexto dentro de um círculo vicioso que envolve o cidadão brasileiro. Torna-se negativo quando usa de justificativas para o ato corrupto, para a negligência.

O jeitinho é também o hábito de simplificar a realidade com afirmações reducionistas, como: “Ah!, todo mundo faz, então farei também!”

Essas expressões são as responsáveis pela corrupção crônica que assola o país e o impede de encontrar saídas sustentáveis. O jeitinho brasileiro aliado à lógica do capitalismo individualista dificulta a construção de uma sociedade mais justa e ética.

SEÇÃO 5 Esperança ética

A reflexão ética na universidade não tem outra função senão a de provocar em nós a necessidade de construção de um novo projeto de vida. O século XXI exige que mudemos as concepções de felicidade e realização pessoal, até então assentadas num plano individual, para um plano social e comunitário. Em nossa sociedade, não cabe mais o desejo de escolher uma profissão para ficarmos ricos e desfrutarmos individualmente de todos os prazeres oferecidos pelo progresso econômico e tecnológico.

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Os desafios éticos deste século exigem de nós o despertar de uma nova inteligência, a inteligência social. A modernidade, como já vimos, legou-nos uma racionalidade egocêntrica, centrada na ideologia em que “querer é poder”. Precisamos, urgentemente, substituir essa racionalidade pela lógica da sensibilidade, da alteridade e da solidariedade. A sociedade em que vivemos precisa fazer parte de nossas vidas, e não mais ser somente o lugar no qual buscamos realizar nossos sonhos individuais. O outro precisa ocupar maior espaço nas nossas decisões e nas nossas escolhas.

Mas, isso precisa acontecer depois de nos formarmos, quando estivermos no mercado de trabalho?

Não! Precisa começar agora, na nossa vida acadêmica. Precisamos compreender que o conhecimento que buscamos na universidade deve contribuir para a resolução dos problemas sociais e para a melhoria da qualidade de vida no lugar onde vivemos.

Essa inteligência ética pressupõe, necessariamente, uma mudança de crenças e de concepções, um olhar mais profundo sobre a realidade em que vivemos, que não se limite ao senso comum, legitimado pelas instituições, pela cultura e pela grande mídia. Por isso, a inteligência ética é um saber que ultrapassa o conhecimento específico que adquirimos em nossos cursos. Além de sermos bons em nossa função, em nossa área, precisamos ser sábios.

O que é ser sábio? A palavra sabedoria origina-se do grego, sophos, que significa totalidade. Uma pessoa sábia é, portanto, alguém que olha o mundo na sua totalidade, além de sua realidade individual, ou, poderíamos dizer, além de seu “próprio umbigo”.

A esperança ética na sociedade atual se concretiza à medida que mudamos nossas concepções e atitudes sobre a realidade em que vivemos.

Mas, como fazer isso?

Teremos um progresso ético à medida que nos abrimos a novas idéias, a novas áreas do conhecimento, a novas pessoas, dispostos a vivenciar experiências diferentes. Portanto, para sermos mais éticos, antes de mais nada, precisamos abandonar a auto-suficiência e a intolerância. Uma sociedade ética precisa partir do pressuposto de que nenhuma área do conhecimento, nenhuma ideologia consegue, sozinha, resolver problema algum. Assim, você estará buscando construir uma inteligência ética, aberta ao novo, ao diferente, ao diálogo.

Uma sociedade mais ética não é uma utopia, mas uma construção humana e social, necessária e viável!

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Auto-avaliação 5

1 A partir dos casos apresentados, procure escrever sua opinião, fundamentada numa reflexão ética.

Eutanásia/Morte assistida

Uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a máquinas que o conservam. Suas dores são intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz? Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos? Ou não temos o direito de fazê-lo? Que fazer? Qual a ação correta? ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Aborto

Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, é tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho. Estão desorientados e não sabem se poderão contar com o auxílio de suas famílias (se as tiverem).

Se ela for apenas estudante, terá de deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade em que os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, deseja a criança, sonha com ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo?

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RESUMINDO

Nesta unidade, refletimos sobre grandes questões éticas da nossa atualidade, que perpassam todas as profissões e áreas do conhecimento. Na sociedade brasileira, algumas questões éticas assumem maior evidência; são exemplos disso a corrupção e a concentração de renda.

Como a ética é uma reflexão sobre o costume e a cultura, percebemos que esses grandes desafios éticos de nosso país prescindem de uma mudança cultural, que necessita de atitudes e posturas profissionais comprometidas com o bem comum.

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