Apreciação Musical No Ensino de Música

6
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTUTO DE ARTES IARTE CURSO DE MÚSICA Herbert Rodrigues Mendonça Apreciação Musical no Ensino Trabalho apresentado à disciplina Psicologia do desenvolvimento musical. UBERLÂNDIA MG 2014

description

Pesquisa em educação musical

Transcript of Apreciação Musical No Ensino de Música

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

    INSTUTO DE ARTES IARTE CURSO DE MSICA

    Herbert Rodrigues Mendona

    Apreciao Musical no Ensino

    Trabalho apresentado disciplina

    Psicologia do desenvolvimento

    musical.

    UBERLNDIA MG 2014

  • Apreciao musical no ensino

    Msica uma arte sonora temporalmente organizada. Segundo Sloboda (2008), ela

    comum a todas as culturas, tendo cada uma delas padres rtmicos, intervalares,

    escalares e polifnicos diferentes, o que a distinguem entre uma cultura e outra.

    Cada cultura, em sua vasta produo, possui diversos repertrios a serem conhecido

    pelos mais diversos indivduos que a compem. Cada cultura, possui pessoas com

    determinadas funes musicais.

    Para o preenchimento destas funes musicais, necessrio que estes indivduos

    passem por um processo de educao, transmisso/apreenso de conhecimento. A

    educao musical deve fornecer bases para um slido conhecimento musical que por

    fim se torna a base da prtica

    Essa educao musical, a priori, deve equilibrar diferentes atividades musicais durante

    as aulas de msica. Moreira (2012, p. 284) cita em seu artigo as ideias do educador

    ingls Swanwick onde ele traz, no livro A Basis for Music Education, o modelo

    C.(L).A.(S).P, que segundo a traduo da autora para portugus:

    (T).E.C.(L).A Tcnica, Execuo, Composio, Literatura e Apreciao. Os parnteses nas letras T e L as destacam por

    considerar a Tcnica e a Literatura atividades secundrias no

    processo de ensino, afirmando ento que a Apreciao faz parte

    do eixo principal de ensino e aprendizagem da msica

    juntamente com a Execuo e a Composio. (MOREIRA

    2012).

    Execuo, composio e apreciao so trs importantes atividades para a formao

    musical de um indivduo. Em se tratando de um contexto especfico brasileiro, Minas

    Gerais, e pontuando ainda a macro regio do Tringulo Mineiro, percebo por vezes que

    a apreciao, to importante para o entendimento formal, estilstico, fonte de

    conhecimento, interao e inspirao para novas composies, no devidamente

    abordada no contexto de ensino musical.

    Em nossas escolas de msica1, o planejamento curricular, quando tem, no explicita a

    importncia da escuta musical, e esta quando pensada, est correlacionada disciplina

    Histria da Msica, o que no permite um estudo mais aprofundado sobre a mesma,

    1 Quando falo nossas escolas, me vem mente vrias escolas de msica: particulares, conservatrios

    estaduais, municipais, fundaes culturais, e nestes ambientes, quando h um trabalho voltado para

    apreciao, ela quase sempre relacionada h algum tipo de disciplina que trata de histria da msica.

  • pois a apreciao apenas um ponto do eixo scio-histrico-estilstico-cultural que a

    disciplina aborda.

    No sculo passado, surgiram diversos movimentos metodolgicos ligados a educao

    musical, grande parte na Europa, buscando legitimar e incluir a educao musical como

    parte integrante do currculo da escola bsica.

    Dentre muitos aspectos, todas as metodologias destacam a importncia da escuta

    musical, e que esta no apenas um processo passivo de recepo sonora, mas sim um

    processo ativo de significao, que nas palavras de Brito (2003, p. 187), escutar

    perceber e entender os sons por meio do sentido da audio, detalhando e tomando

    conscincia do fato sonoro.

    Diversos pedagogos, como Wuytack, privilegiam a audio musical ativa

    (PALHEIROS; BOURSCHEIDT 2011). At mesmo, nas salas de concerto, e no mundo

    da composio, houve uma certa preocupao com a escuta crtica do pblico, podendo

    citar o autor e compositor americano Aaron Copland, que escreveu o livro Como

    Ouvir (e entender) msica (1974), onde ele defende sistematicamente a ideia de

    ouvinte inteligente e consciente.

    Perante todos esses argumentos em defesa da apreciao musical, e sua atual defasagem

    no ensino musical, quais as implicaes diretas que ela pode causar no desenvolvimento

    musical de um estudante de msica?

    Ilari (2003) trata justamente do crebro, no desenvolvimento, aprendizagem e cognio

    musical, desde os primeiros dias de vida at a fase adulta. Ela, a partir dos estudos de

    Levine (2003) sobre os oito sistemas do neurodesenvolvimento que atuam em conjunto

    ente si, mostra as caractersticas destes sistemas responsveis por determinadas

    habilidades musicais especficas.

    Eu pretendo mostrar aqui estes oitos sistemas e sua implicao na apreciao musical:

    1. Sistema de controle da ateno Responsvel pelo direcionamento e

    distribuio da energia mental dentro do crebro. Muito importante para manter

    a concentrao durante toda a execuo musical, e permitir que outras coisas no

    lhe tirem a ateno. A execuo musical necessita de ateno, porm a escuta

  • tambm, pois por meio dela que retemos a maior parte de nosso conhecimento

    musical.

    2. Sistema de memria Responsvel pelo armazenamento de informaes,

    importantssimo em qualquer aprendizado. Como dito no incio deste texto, a

    msica uma forma de arte que no ocorre predominantemente no espao, como

    a pintura, a arquitetura, e outras; mas sim no tempo. Suas estruturas bsicas,

    formas, motivos, frases, melodia, harmonia, so percebidas pelo ouvinte no

    decorre da apreciao musical.

    3. Sistema de linguagem Responsvel pela deteco dos diferentes sons de uma

    lngua, pela habilidade de compreender, lembrar e utilizar um vocabulrio novo,

    pela capacidade de expresso de pensamento na forma da fala ou escrita, e pelo

    ritmo de compreenso com que o indivduo atende s explicaes e instrues

    verbais. Tratando a msica como linguagem, a apreciao importantssima na

    decodificao da mensagem musical transmitida.

    4. Sistema de orientao espacial Responsvel pela capacitao do indivduo

    para lidar ou criar informaes organizadas em Gestalt, em padres visuais ou

    em configuraes especficas. A orientao espacial nos permite perceber que

    vrias partes se encaixam em um todo, como um quebra-cabea. A identificao

    das formas musicais uma forma de orientao espacial, que pode ser cada vez

    mais aperfeioada a medida que vamos conhecendo e apreciando mais e mais

    msicas.

    5. Sistema de ordenao sequencial Responsvel pela capacitao do indivduo

    para lidar com as cadeias de informaes que tm uma ordem ou sequncia. No

    caso da msica, esse sistema que permite ao aluno compreender o conceito de

    escalas e sequencia musical, ordenao de temas, motivos, frases musicais,

    cadncias harmnicas.

    6. Sistema motor Responsvel pelas conexes entre o crebro e os diversos

    msculos do corpo humano. Por exemplo, o sistema motor possibilita que uma

    determinada criana toque violino ou pratique esportes. Quanto a isso,

    MANTOVANI (2009, p. 45), em sua pesquisa sobre o movimento e a educao

    musical de Dalcroze, diz, que o todo o corpo passvel de ouvir, externalizando

    pelo movimento corporal, os elementos ouvidos e sentidos.

    7. Sistema do pensamento superior Responsvel pelo raciocnio lgico, pela

    resoluo de problemas, pela formao e utilizao de conceitos, pela

  • compreenso de como e onde as regras so aplicadas e vlidas, e pela percepo

    do ponto central de uma ideia complexa. Na msica, podemos fazer comparao

    com o pensamento e a moldagem de nossos ouvidos ao sistema tonal.

    8. Sistema do pensamento social Responsvel pela capacidade de interagir

    atravs de relaes interpessoais e de pertencimento em um grupo. Apesar de

    num primeiro momento este sistema ser vinculado com a execuo musical em

    grupo, ele importante para que os ouvintes possam entender o dilogo musical

    interpessoal que ocorre entre os intrpretes.

    Se a falta de abordagem na apreciao musical um problema, a abordagem apenas

    tcnica pode ser pouco efetiva, ou ainda ser desestimulante no aprendizado de se ouvir

    criticamente. Para Lewis e Schimdt, citados por Bastio (2014):

    o formato usual numa aula de apreciao musical

    frequentemente alguma combinao de palestra, discusso e

    audio realizadas enquanto os alunos sentam quietos. Ainda, salientam que () uma nfase demasiada em tal intelectualizao pode fazer da audio musical uma

    experincia mais clnica que esttica (apud BASTIO, 2014, p. 18).

    Ainda segundo Bastio (2003),

    os vrios domnios do conhecimento - cognitivo, afetivo e

    psicomotor - devem ser explorados conjuntamente no ato da

    apreciao musical. No podemos ensinar o conceito ritmo, por

    exemplo, sem vivenci-lo de uma forma expressiva com

    movimentos corporais, sem entoar uma cano ou explorar um

    instrumento, sem ouvir uma melodia marcando a pulsao e

    padres rtmicos, sem estabelecer relaes entre diferentes

    duraes, sem nos envolver com a msica e expressar as nossas

    emoes, ou melhor, sem usar o conceito ritmo de uma forma

    musical ou artstica.

    Diante do exposto, pudemos ver o quanto a apreciao pode influenciar no

    desenvolvimento cognitivo do indivduo. Segundo (LEONHARD & HOUSE 1972, p.

    256 apud FRANA & SWANWICK 2002, p. 12),

    a maior parte da nossa herana musical s ser vivenciada

    atravs da apreciao mesmo no caso de um msico fluente: por maior que seja o seu repertrio, este ainda representa uma

    pequena parcela de tudo o que foi composto atravs dos tempos

    e lugares, e para as mais variadas formaes instrumentais.

    A apreciao (escuta), a maneira dos indivduos conhecerem, interagirem,

    modificarem e serem modificados pela msica. O que significa, que a escuta, um dos

  • processos de conhecimento e ressignificao dos elementos musicais, capaz de

    transformar o ser humano.

    Depois das reflexes de Bastio, defendo que a apreciao deva acontecer em todos os

    momentos possveis dos estudos musicais, seja no estudo terico, histrico, nas anlises

    esttico-harmnicas e sobretudo, e principalmente, nas aulas de instrumento, onde por

    vezes o aluno no entende e no sabe o que est acontecendo. Para Brunner (1978: 28),

    (...) o conhecimento adquirido por algum sem suficiente estrutura a que se ligue, um conhecimento fadado ao

    esquecimento. Um conjunto desconexo de fatos no tem seno

    uma vida extremamente curta em nossa memria (apud Bastio 2003).

    No h portanto melhor conexo de conhecimentos que a sempre natural e necessria

    aliana entre execuo instrumental e apreciao crtica da mesma.

    Referncias:

    BASTIO, Zuraida Abud. Apreciao Musical: Repensando Prticas Pedaggicas. Encontro

    Anual da ABEM, v. 12, 2003.

    BASTIO, Zuraida Abud. A abordagem AME: elemento de mediao entre teoria e prtica na

    formao de professores de msica. Revista da ABEM, v. 18, n. 23, 2014.

    BRITO, Teca Alencar de. Msica na educao infantil. So Paulo: Peirpolis, v. 2, 2003.

    COPLAND, Aaron. Como ouvir e entender msica. Artenova, 1974.

    ILARI, Beatriz. A msica eo crebro: algumas implicaes do neurodesenvolvimento para a

    educao musical. Revista da ABEM, v. 11, n. 9, 2014.

    LEVINE, Mel. Educao individualizada. 2003. Sd. Se. Sr.

    MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz Senoi. Pedagogias em educao musical. 2011.

    MOREIRA, Lcia Regina de Sousa. REPRESENTAES SOCIAIS: CAMINHOS PARA A

    COMPREENSO DA APRECIAO MUSICAL?.Anais do SIMPOM, n. 1, 2012.

    MANTOVANI, Michelle. O movimento corporal na educao musical: influncias de mile

    Jaques-Dalcroze. 2009. Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista (UNESP).

    Campus de So Paulo. Instituto de Artes.

    PALHEIROS, Graa Boal; BOURSCHEIDT, Lus. Jos Wuytack: A pedagogia musical

    ativa. MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. Pedagogias em educao musical. Curitiba:

    Ibpex, p. 305-341, 2011.

    LOBODA, John. A Mente Musical: A psicologia definitiva da msica. Traduo de Beatriz Ilari

    e Rodolfo Ilari. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2008.