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604 APRENDENDO SOBRE A RELAÇÃO PRESA-PREDADOR POR MEIO DE JOGOS PEDAGÓGICOS José Henrique Benedetti Piccoli FERREIRA Karol Pinheiro LAMARCA Renato Eugenio da Silva DINIZ Silvia Mitiko NISHIDA 1 Resumo: O emprego da ludicidade por meio de jogos pedagógicos tem sido uma prática crescente por causa do potencial de interatividade e da retenção de atenção dos alunos. O objetivo do presente trabalho foi o de produzir dois jogos: um de representação (RPG) o qual permite aos alunos de Ensino Médio vivenciarem personagens de uma aventura e favorece uma percepção vívida e uma experiência marcante. O outro é um jogo de perguntas e respostas para alunos do Ensino Fundamental que tem como finalidade o aprendizado sobre a ecologia do Cerrado Paulista, com destaque a Cuesta da região de Botucatu. Em ambos os casos, os jogadores, isto é, os estudantes aprendem através de conceitos multidisciplinares como é a interação dos animais entre si e com o meio ambiente e ainda, aprendem sobre as características geomorfológicas, paisagísticas, históricas e culturais em relação à região. Cada jogo é constituído além do manual de instruções, um texto de apoio ao professor. Palavras-chave: material didático; ecologia; comportamento animal; Biologia; Ciências. INTRODUÇÃO Cada vez mais, a nossa responsabilidade em relação à proteção e preservação dos recursos do planeta é premente e a disseminação de ações educativas é urgente, não só em nível formal nas escolas como através da mídia. Assim, os temas acadêmico-cientifícos têm ganhado popularidade e termos como “qualidade de vida” estão intimamente associados à Saúde, ao Meio Ambiente e à Preservação de Recursos Naturais. O interesse do ser humano por outros animais não se restringe mais aos de estimação e aos de fazenda, como também às espécies selvagens em seu ambiente natural. Os variados padrões de comportamento animal sempre fascinaram as pessoas, despertando uma curiosidade imediata (ISHARA, 2002; CONDE 2003; GOMES, 2004; Conde et al, 2005) e, nos jovens, são bastante eficazes para mobilizar a sua atenção (KRASILCHIK & TRIVELATO, 1995). Em relação aos temas ecológicos, os biomas da Amazônia, Pantanal Mato-grossense e da Mata Atlântica são bastante valorizados pela mídia em detrimento da Caatinga e do Cerrado, apesar da imensa riqueza e graves problemas ambientais que possuem. Infelizmente, nos documentários sobre a vida dos animais, prevalece o destaque sobre a fauna africana, européia ou da América do Norte. Há muito material didático tanto impresso como digital disponível para ser utilizado na sala de aula, contudo, normalmente, a espécie lembrada numa relação presa-predador é a de um felino (leão, guepardo, lince) ou canídeo (lobo, 1 Departamento de Fisiologia – UNESP/ Instituto de Biociências/Botucatu. Correspondência: [email protected].

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APRENDENDO SOBRE A RELAÇÃO PRESA-PREDADOR POR MEIO DE JOGOS PEDAGÓGICOS

José Henrique Benedetti Piccoli FERREIRA Karol Pinheiro LAMARCA

Renato Eugenio da Silva DINIZ Silvia Mitiko NISHIDA1

Resumo: O emprego da ludicidade por meio de jogos pedagógicos tem sido uma prática crescente por causa do potencial de interatividade e da retenção de atenção dos alunos. O objetivo do presente trabalho foi o de produzir dois jogos: um de representação (RPG) o qual permite aos alunos de Ensino Médio vivenciarem personagens de uma aventura e favorece uma percepção vívida e uma experiência marcante. O outro é um jogo de perguntas e respostas para alunos do Ensino Fundamental que tem como finalidade o aprendizado sobre a ecologia do Cerrado Paulista, com destaque a Cuesta da região de Botucatu. Em ambos os casos, os jogadores, isto é, os estudantes aprendem através de conceitos multidisciplinares como é a interação dos animais entre si e com o meio ambiente e ainda, aprendem sobre as características geomorfológicas, paisagísticas, históricas e culturais em relação à região. Cada jogo é constituído além do manual de instruções, um texto de apoio ao professor.

Palavras-chave: material didático; ecologia; comportamento animal; Biologia; Ciências.

INTRODUÇÃO

Cada vez mais, a nossa responsabilidade em relação à proteção e preservação dos

recursos do planeta é premente e a disseminação de ações educativas é urgente, não só em nível

formal nas escolas como através da mídia. Assim, os temas acadêmico-cientifícos têm ganhado

popularidade e termos como “qualidade de vida” estão intimamente associados à Saúde, ao Meio

Ambiente e à Preservação de Recursos Naturais. O interesse do ser humano por outros animais

não se restringe mais aos de estimação e aos de fazenda, como também às espécies selvagens

em seu ambiente natural. Os variados padrões de comportamento animal sempre fascinaram as

pessoas, despertando uma curiosidade imediata (ISHARA, 2002; CONDE 2003; GOMES, 2004;

Conde et al, 2005) e, nos jovens, são bastante eficazes para mobilizar a sua atenção

(KRASILCHIK & TRIVELATO, 1995). Em relação aos temas ecológicos, os biomas da Amazônia,

Pantanal Mato-grossense e da Mata Atlântica são bastante valorizados pela mídia em detrimento

da Caatinga e do Cerrado, apesar da imensa riqueza e graves problemas ambientais que

possuem. Infelizmente, nos documentários sobre a vida dos animais, prevalece o destaque sobre

a fauna africana, européia ou da América do Norte. Há muito material didático tanto impresso

como digital disponível para ser utilizado na sala de aula, contudo, normalmente, a espécie

lembrada numa relação presa-predador é a de um felino (leão, guepardo, lince) ou canídeo (lobo,

1 Departamento de Fisiologia – UNESP/ Instituto de Biociências/Botucatu. Correspondência: [email protected].

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coiote, raposa) ausentes na nossa fauna. Por outro lado, experiências da EMA (Escola do Meio

Ambiente) gerenciadas pelas secretarias de Educação e do Meio Ambiente do município de

Botucatu-SP tem obtido resultados interessantes sobre o comprometimento dos jovens com bioma

do seu município (http://www.botucatu.sp.gov.br/ema/#). Em outras palavras, a prática institucional

de Educação Ambiental tem se mostrado bastante satisfatória.

O processo de ensino-aprendizagem de jovens requer mais do que mobilizar a sua

atenção; é necessário saber escolher responsavelmente os conteúdos e há outros fatores como a

motivação e o afeto que influenciam a consolidação das informações. Por exemplo, nos jovens, a

aprendizagem em contexto lúdico parece favorecer a aprendizagem (MIRANDA, 2001,

BROUGÈRE, 1998, 2000; KISHIMOTO, 1996). Cabe ainda destacar o papel de protagonista desse

processo que os alunos devem assumir. Dentro de uma perspectiva do sujeito como construtor do

próprio conhecimento, atividades que promovam a participação ativa dos alunos, envolvendo-os

em situações problemáticas e motivadoras, certamente representarão contribuições efetivas para

uma aprendizagem significativa dos mesmos.

Uma das metas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002; BRASIL,

1998) para o ensino de Biologia e de Ciências é a de desenvolver a concepção de que os seres

vivos e o meio ambiente constituem um conjunto reciprocamente interdependente, e que vida e

meio físico interagem resultando em uma estrutura organizada, ou seja, constituem um grande

sistema vivo dentro do qual o ser humano é agente e paciente. A questão é como abordar os

conteúdos de várias disciplinas e se ensinar de maneira multi e interdisciplinar?

OBJETIVOS

Considerado o exposto, os objetivos do presente trabalho foram os de se ensinar

conteúdos de ecologia e de comportamento através de dois jogos pedagógicos:

a) Um para o ensino de Ciências “Descobrindo a Cuesta” baseado em perguntas

e respostas

b) Outro para o ensino de Biologia “Carcará: uma aventura na Caatinga”

inspirado em jogos de representação (RPG)

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MATERIAL E MÉTODOS

Parte I. “Carcará: uma aventura na Caatinga” um jogo baseado em RPG para o ensino de

Biologia

Inserção do conteúdo no jogo

Esse jogo contempla o tópico recomendado no PCN+, (BRASIL, 2002), “A interação

entre os seres vivos” (pág. 42) e os conteúdos sugeridos em várias unidades de ensino da

Proposta Curricular para o Ensino de Biologia 2º Grau (São Paulo, 1992): Unidade 1 – Biologia,

Ciência da vida; Unidade 2 – Seres Vivos, Ambiente e suas Interações; Unidade 5 – Diversidade

dos seres vivos e Unidade 6 – O Homem na Natureza.

O que é o RPG?

Qualquer boa história necessita de um enredo excitante, um cenário atraente e de

personagens carismáticos. A sigla RPG vem do termo "Role-Playing Game” que pode ser

traduzido como “Jogo de Representação” e se refere ao desenvolvimento de uma aventura onde

os jogadores (isto é, os estudantes) representam os personagens de uma história (ou aventura).

Na prática, um narrador (o professor) propõe o roteiro da aventura estimulando os jogadores a

darem vida aos respectivos personagens que possuem atributos próprios e estabelecendo as

missões a serem cumpridas (BROUGÈRE, 1998; RODRIGUES, 2004).

A escolha do cenário e o local da aventura

Escolhemos a Caatinga como cenário da aventura por ser um dos biomas

brasileiros menos valorizados e divulgados. A aventura ocorre no sertão do Piauí próximo ao

município de São Raimundo Nonato. Considerando-se a necessidade de expor os problemas

relacionados com a preservação do patrimônio histórico e natural da região, seriamente

ameaçados, escolheu-se o Parque Nacional da Serra da Capivara situado no sudeste do Piauí

como o cenário da nossa aventura. Desde 1991, o Parque é considerado pela UNESCO, como

patrimônio cultural da humanidade. Segundo a FUMDHAM (Fundação do Museu do Homem

Americano), o Parque possui uma rica diversidade faunística e botânica, assim como, mais de 350

sítios arqueológicos e paleontológicos sobre a pré-história do homem americano

(http://www.fumdham.org.br/sitios.php ). Uma ave de rapina, o carcará (Polyborus plancus) tem um

grande destaque na aventura para ilustrar a relação presa-predador e é o objeto de pesquisa de

um biólogo, prontagonista da aventura. Escolheu-se o carcará porque é um representante típico da

fauna sertaneja e também considerado o próprio espírito do sertanejo.

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A pesquisa bibliográfica

Surpreendentemente, a pesquisa sobre a Caatinga resultou em escassez de

material tanto na Internet como em publicações impressas, livros-texto, revistas técnicas e

científicas. Os seguintes materiais bibliográficos serviram para selecionar os animais e descrever o

cenário ecológico: LEAL,TABARELLI e SILVA, 2004; AB’SABER, 2003a e 2003b). Fizeram

também parte da pesquisa, leituras sobre as clássicas obras da Literatura como “Vidas Secas” de

Graciliano Ramos e “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, possibilitando a concepção de

detalhes sobre o ambiente e a condição social dos sertanejos.

O roteiro da aventura: contextos e personagens

O roteiro da aventura tem um clima de suspense e de expectativas cujos “heróis”

devem cumprir missões especificas. Os personagens foram criados com biografias que

permitissem uma exploração detalhada das condições sociais do sertão, da cultura, da ecologia da

caatinga, do comportamento de predação do carcará, da legislação ambiental e dos graves

problemas sócio-ambientais da região. Assim como para os personagens, foram criadas fichas

técnicas para os animais e plantas citadas na aventura, destacando aspectos biológicos, os

potenciais de uso para a população e status de conservação, permitindo assim uma melhor

interação com a trama. O jogo é acompanhado de mapas representativos da América do Sul,

Brasil (destacando o Estado do Piauí), região do Parque Nacional da Serra da Capivara e do

vilarejo imaginário criado para a ambientação da aventura. Os mapas permitem a localização

espacial dos jogadores e a realização da correlação macroscópica e espacial entre o continente, o

país, o estado do Piauí, a região do Parque e o Vilarejo, compondo mais um elemento de uma

atividade interdisciplinar.

O cenário natural e cultural da ventura

A Figura 1 apresenta os mapas extraídos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística no site http://www.ibge.gov.br/, representando o território geográfico brasileiro,

destacando-se o Estado do Piauí, o Parque Nacional da Serra da Capivara e da Região do Vilarejo

Capitão Manoel Rodrigues. O mapa permite que cada jogador se localize espacialmente durante o

desenvolvimento do jogo.

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Personagens e a aventura

A leitura de “Vidas Secas” e de “Grande Sertão: Veredas” possibilitaram a

concepção de detalhes sobre a condição social dos sertanejos e a criação de vários personagens.

Cada personagem da aventura (quinze no total) recebeu atributos como nome, prelúdio (ou

historia de vida), personalidade, características físicas, conhecimento e outras habilidades que

foram detalhadamente descritos em uma ficha individual. A Tabela 1 resume a lista dos

personagens e algumas características essenciais e na Figura 2 há um exemplo de uma ficha

biográfica de um dos personagens.

Tabela 1 Lista de personagens e breve descrição dos personagens Nome Personagem Nome Personagem

Carlos E. Ribeiro Biólogo que acompanha os patrulheiros

João M. Rodrigues

“Coronel” ou o proprietário do terreno que compreende o vilarejo

Roberto machado Policia Ambiental a procura pistas sobre os traficantes Sebastião Feirante e comerciante de animais de

montaria (fonte de recursos) Ricardo de Jesus Policia Ambiental... Seu Raimundo Vaqueiro (fonte de informações)

Juliana Moreira Agente do IBAMA Dona Socorro Moradora do lote ao sul da ponte (fonte de informações)

Fernando Carvalho Agente do IBAMA Pedrinho Filho de Zacarias, morador do lote que se encontra na porção central da fazenda (fonte de informações)

Maria de Assis Dona da mercearia (fonte de alimento)

Antônio

Vaqueiro e agricultor, do lote ao norte (fonte de informações)

Jose Mendes Dono do bar (fonte de informações) Velho Ermitão

Sábio popular, vive vagando pelas terras ao redor da Reserva. Conhece as grutas do Parque e as pinturas rupestres (fonte de informações)

Olavo do Massapé Padre da capela

Entre as espécies de animais e de plantas, além do carcará são citados: tatu-peba,

veado catingueiro, cachorro do mato, preá, calango verde, urubu-comum, periquito, sapo-cururu,

asa-branca, umbú, mandacarú, juazeiro, barriguda, baraúna, amburana, maniçoba, xique-xique,

aroeira, etc. Como no caso dos personagens, cada espécie de planta ou animal, possui uma ficha

com os respectivos descritores biológicos (Figura 2).

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Figura 1. Em cima, à esquerda, o mapa geográfico do Brasil indicando em vermelho a localização do Parque Nacional da Capivara na região nordeste destacando o Estado do Piauí. À direita, a localização do Parque e alguns municípios, incluindo o de São Raimundo Nonato. Abaixo, o mapa imaginário do vilarejo.

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Informações Biológicas do Carcará

Distribuição Geográfica: ampla distribuição geográfica estende-se no Continente Americano, da Argentina ao Sul dos E.U.A . Habitat: regiões diversificadas, compostas por localidades úmidas e alagadas, áreas de produção agrícola e regiões desérticas como é o caso da Caatinga durante o inverno seco. Descrição Física: médio porte, de 53 a 60 centímetros de altura e envergadura de 1,2 metro. Penas longas e amarelas, bico curvo e amarelado. Cabeça com uma coroa negra e uma crista amarela ou avermelhada. Plumagem branca e preta. Reprodução: monogâmica, com poderoso vínculo, somente desfeito na morte de um dos parceiros. O casal possui um grande território e nidifica no alto das árvores. Seu ninho é formado por um emaranhado de gravetos e abriga de 2 a 3 ovos, incubados por cerca de 32 dias. O período reprodutivo é de Janeiro a Março. Hábitos Alimentares: animal carnívoro, oportunista, alimenta-se de presas vivas e mortas. Compõem sua cadeia alimentar insetos, ovos, répteis, aves e mamíferos de pequeno porte. Ao caçar animais maiores costuma fazê-lo aos pares. Status de Conservação: a destruição do seu habitat natural leva a população ao decline, no entanto ainda encontra-se fora de perigo de extinção.

Biografia do Biólogo Carlos Eduardo Nascido em Teresina capital do Piauí, Carlos Eduardo tomou gosto pela leitura dos grandes clássicos da moderna literatura brasileira durante sua juventude. Destacava-se em seu grupo de amigos quando o assunto era a Caatinga, tema amplamente elucidado pelos principais escritores que admirava. Seus conhecimentos do bioma eram superficiais e romantizados, motivo pelo qual se empenhou a entrar no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Piauí após sair do colégio. Interessado em Ecologia e mais profundamente em Zoologia, Carlos se preocupava com a biodiversidade ameaçada da Caatinga, iniciando projetos na área. Seu Mestrado consistiu em um profundo levantamento bibliográfico de inúmeros trabalhos publicados a respeito fauna ameaçada do Parque Nacional da Serra da Capivara, na tentativa de utilizar essa coletânea na construção de uma nova lista da composição taxonômica da região. Terminando o mestrado ingressou no doutorado, podendo agora realizar seus sonhos de vivenciar a Caatinga. A tese baseia-se no estudo da relação presa-predador de avifauna, focalizando o Carcará como principal espécie.

Após um ano em Teresina fazendo novo levantamento bibliográfico, agora sobre a avifauna, Carlos Eduardo resolve que é chegada a hora de se embrear em meio à rica biodiversidade do Sertão. • Descrição Física: possui estatura mediana (1,70m), é magro, longe de possuir um porte atlético. Possui cabelo

levemente encaracolado e estão presentes seu sorriso carismático e suas inseparáveis marcas de olheira. Como um filósofo, possui os olhos inquietos e negros. Veste-se com roupas largas de tons pasteis.

• Personalidade: inquieto, busca conhecimento assim como um morto de fome, não tem medo de embrenhar-se em meio os espinhos. Fala pouco, mas cativa aqueles com quem entra em contato. É possuidor de uma curiosidade e criatividade inspiradora.

• Peculiaridades: tem necessidade de tocar e retirar amostras do ambiente. Tem como companheiro inseparável seu canivete. Segui uma dieta vegetariana, mas apesar disso ainda não se acostumou com a culinária sertaneja.

• Perícias: - Amplo conhecimento teórico da Ecologia da Caatinga; - Conhecimento Sistemático Botânico e Zoológico; - Conhecimentos superficiais de etnozoologia e etnobotânica. - Conhecimento básico de técnicas de apreensão de animais e de coleta de exsicatas; - Conhecimento de Literatura Modernista, com destaque para a Sertanista.

Reino: Animalia Filo: Chordata Subfilo: Vertebrata Classe: Aves Ordem: Falconiformes Família: Falconidae Gênero: Caracara Espécie: Polyborus plancus�

Figura 2. Modelos de fichas sobre os animais, plantas e personagens.

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A aventura

O carcará é o objeto de estudo do protagonista, um biólogo que está

desenvolvendo a sua tese de doutorado e a sua missão é a de observar o comportamento

alimentar do carcará em seu ambiente natural e desvendar as características ecológicas,

zoológicas e botânicas da região. O carcará é um falconídeo imponente que se alimenta de

insetos, aranhas, minhocas, ovos e pequenos vertebrados. Combater o tráfico de animais

silvestres é a missão de um grupo de patrulha, responsável pelo monitoramento das fronteiras do

Parque. O grupo de patrulheiros é composto por dois policiais ambientais e dois fiscais do IBAMA

(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O biólogo aproveita a interação com esses agentes e

seguem juntos para o Parque, fazendo comentários sobre as funções de cada um e sobre

legislação ambiental e o tráfico de animais e de objetos arqueológicos na região.

As ações envolvendo esses personagens ocorrem num vilarejo imaginário próximo

ao Parque, onde corre o Riacho Bom Jesus, um dos afluentes do Rio Piauí, que separa o vilarejo

em uma “área rural” e outra “urbana” (Figura 1). Aqui está o grupo de moradores da região (de

uma área mais urbanizada e de outra que reside numa área essencialmente rural) e que

fornecerão importantes pistas para que o biólogo e o grupo de patrulha atinjam as respectivas

missões. Os moradores da área mais urbanizada são personagens do cotidiano: a dona da

mercearia, o dono do bar, o padre responsável pela capela, o fazendeiro dono das terras que

compõem o vilarejo e um feirante responsável pela venda de animais para montaria. Já os

moradores da área rural são vaqueiros, agricultores, os seus familiares e um ermitão que vive

vagando pelas terras ao redor do Parque.

Quando a equipe de patrulha chega na área urbanizada obtém informações de

interesse do biólogo e dos agentes e seguem a área rural do vilarejo. Durante a viagem, seguindo

o curso do minguado rio, o biólogo aponta várias espécies de animais e de plantas típicas da

região que havia visto apenas em livros e o carcará que, por sorte, inicia o comportamento de

forrageamento. O grupo prossegue e com as pistas e as informações recolhidas com os sertanejos

levam o grupo ao encontro dos traficantes.

Modo de Jogar

A prática do jogo em sala de aula somente inicia-se após o professor apresentar o

mecanismo de funcionamento do mesmo para a classe. Sugere-se dividir a classe em grupos de 8

a 10 alunos, distribuindo os personagens aos jogadores de cada grupo, por meio de sorteio. Os

personagens devem ser conhecidos pelos alunos anteriormente à prática do jogo para que

estejam devidamente familiarizados com as características de cada um. O professor será o

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narrador da aventura (ou o mestre), cuja função será controlar a representação de alguns

personagens, a de promover a interação entre os personagens, desses com o cenário e garantir

que as missões sejam cumpridas. Durante a narração, o professor introduzirá os jogadores ao

contexto espacial do jogo (cenário), narrando as respectivas missões dos personagens,

preparando-os para a trama que vivenciarão. O sucesso do jogo dependerá muito do professor-

narrador: como um diretor, é conveniente que o narrador estimule a percepção imaginária de

sensações visuais, táteis, olfativas, sonoras e gustativas conforme o contexto. A riqueza de

detalhes da paisagem da caatinga depende do seu conhecimento e da capacidade de estimular a

imaginação dos jogadores e para o cumprimento da missão, deve ser hábil limitando a criação de

narrativas paralelas entre os personagens. A imposição de limites é necessária na prática

pedagógica, pois devido à dinâmica e flexibilidade do RPG, a aventura pode se distanciar da

missão didaticamente planejada. Esse jogo possibilita, a partir de um enredo básico recriar

possibilidades alternativas para o cumprimento da missão. Além da flexibilidade os custos são

baixíssimos, pois só exigem papel, informações e criatividade.

Em resumo, o jogo (didático) de RPG é constituído de 2 mapas; 15 fichas de

personagem; 11 fichas de animais; 12 fichas de plantas; 1 roteiro; um Manual de Regras sobre o

jogo; Um texto explicativo sobre “O Que é o RPG” e um Texto de apoio ao Professor “Ecologia da

Caatinga”.

O desenrolar dessa aventura deve ser concluído em duas aulas subseqüentes de

50 minutos cada, e ao final de sua prática, deve ocorrer uma avaliação, na qual os alunos se

referirão à história vivenciada. O Comportamento é o tema principal do material, no entanto, ao se

abordar temas de Ecologia, Geografia, Zoologia e Botânica, além de referências sobre Legislação

Ambiental, Arqueologia, História e Literatura, espera-se que, ao final da aventura pedagógica, o

aluno: a) tenha aprendido a localizar a Caatinga no mapa do Brasil e se familiarizado com algumas

das as espécies típicas da fauna e flora; b) tenha conhecimento sobre a existência de um

patrimônio histórico cultural da humanidade em pleno sertão; c) se familiarize com as leis

ambientais, a existência de órgãos públicos reguladores e fiscalizadores dos recursos ambientais e

como os mesmos atuam; e finalmente, d) tenha conseguido realizar algumas associações entre

clima, geografia, relevo e o regime das chuvas, assim como suas influências sobre o as

adaptações das espécies viventes e sobre o cotidiano sócio-econômico dos sertanejos que moram

na Caatinga.

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Parte II. A Cuesta de Botucatu e o Cerrado

Introdução

Com a finalidade de desenvolver nas escolas o exercício da cidadania, esse

material didático tem como finalidade proporcionar aos estudantes da região de Botucatu um maior

conhecimento sobre as características naturais do Bioma da região que o estudante habita. Assim,

promove-se uma aprendizagem significativa (MOREIRA & MASINI, 1982) que além de aumentar a

dimensão do conhecimento sobre recursos naturais e a sua história, possa ser um agente atuante

nos movimentos de sua conservação e de defesa.

A região de Botucatu está inserida em um dos cenários paisagísticos mais belos do

Estado de São Paulo, constituída pela Cuesta de Botucatu. Vários municípios vizinhos estão

juntos, incluídos na Área de Proteção Ambientais (APA). A Cuesta é uma formação geológica que

se estende de um paredão de 80 quilômetros de extensão até a margem do rio Paraná, protegida

pela APA Corumbataí-Tejupá-Botucatu (ENGEA, 1990; UIEDA & PALEARI, 2004).

Dado o grande potencial turístico, um consórcio de municípios criou o “Pólo

Regional de Desenvolvimento Turístico” (Lei Estadual N° 10.855, de 31 de agosto de 2001) onde

no sopé da Cuesta temos: os municípios de Conchas, Bofete e Anhembi; na crista: Botucatu,

Pardinho e Itatinga; na costa, São Manuel, Pratânia e Areiópolis com a

Represa de Jurumirim em Paranapanema. Esta também é mais uma razão para estimular os

jovens da região a se inserirem na apropriação do potencial ecológico e turístico da região da

Cuesta.

O jogo de perguntas e respostas foi escolhido por apresentar flexibilidade

(possibilidade de mudar o tipo e o número de perguntas), custo baixo e possibilitar uma avaliação

preliminar sobre o conteúdo previamente ensinado.

O assunto contemplado nesse jogo está de acordo com o eixo “Vida e Ambiente” do

conteúdo de Ciências Naturais para o Ensino Fundamental da 5a e 6a séries. (BRASIL, 1998)

atendendo a recomendação de se introduzir conceitos sobre ecologia (com ênfase aos biomas

brasileiros), comportamento dos animais e geografia e história.

Para familiarizar os jogadores (moradores da região) sobre a formação geológica

bastante peculiar e única (e pouco conhecida) da Cuesta de Botucatu, sua avi-fauna, o potencial

turístico e despertar a necessidade de conhecer e preservar o patrimônio natural realizou-se uma

pesquisa bibliográfica em fontes impressas (livros e revistas), virtuais (internet) e entrevistas com

pesquisadores que estudam a fauna e flora da região.

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Elementos do Jogo

Fichas Biológicas de Planta e Animais do Cerrado

Em função da freqüência de ocorrência decidiu-se enfatizar o comportamento de

predação de 3 espécies típicas da região: a coruja-buraqueira, o teiú e o tatu-galinha. Veja o

modelo de ficha da coruja na Figura 3. Para cada animal ou planta citado no jogo foram

confeccionadas fichas sobre as características biológicas de modo que durante o jogo a idéia de

cadeia alimentar pudesse ser construída.

Para confeccionar o jogo utilizamos papel cartão em várias cores, um painel

paisagístico da Cuesta de Botucatu, bonecos de animais representativos, pedaços de rochas e

sementes de plantas e uma caixa para guardar o material.

Figura 3. Modelo de ficha dos animais e plantas para serem estudas pelos alunos antes do jogo.

Ficha da Coruja Buraqueira

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+2

-1

+3

-2

Regras do jogo

As perguntas

O jogo tem 4 rodadas correspondentes a 5 temas sobre a Cuesta de Botucatu: 1)

Ecologia e Comportamento Animal; 2) Zoologia e Botânica; 3) Geografia e Paleontologia; 4)

Fisiologia Animal ; 5) História e Cultura (Tabela 2). Em uma rodada há um grupo de 10 perguntas

com 2 de cada tema. Entre as perguntas há algumas perguntas-chave que quando respondidas

corretamente levam o jogador à colocação de peças no painel temático ou ao encontro de algum

outro objeto relacionado ao tema. Cada pergunta foi impressa em cartões individuais coloridos

cada qual identificando o assunto e ao final, são respondidas 40 perguntas.

Pontuação

Para cada resposta confeccionou-se cartões de

pontuação especificas. Pensamos em cartões para possibilitar a

realização do jogo sem a necessidade de lousa ou papel. Os cartões

correspondem a 4 possibilidades:

a) respostas certas: ganha-se 2 pontos

b) respostas erradas: perde-se 1 ponto

c) ausência de resposta: perde-se 2 pontos

d) respostas certas das perguntas-chave: ganha-se 3 pontos

Figura 3. Estrutura proposta para o jogo de perguntas. As cores representam cada equipe (4 equipes).

Grupo 1

Grupo 2

Grupo 4

Grupo 2 �

Eu sei!

Painel Temático

��

Professor

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Tabela 2. Seqüência de 4 rodadas, os respectivos assuntos e os grupos de perguntas .

Assuntos Rodada 1 Rodada 2 Rodada 3 Rodada 4 Total de Perguntas

Geografia e Paleontologia 2 2 2 2 8

Zoologia e Botânica 2 2 2 2 8 Ecologia e

Comportamento Animal 2 2 2 2 8

Fisiologia Animal 2 2 2 2 8 Historia 2 2 2 2 8

10 10 10 10 40

Ao final do jogo cada equipe terá um conjunto de pontuações que devem ser

contabilizados pela própria equipe em público e verificar como foi a classificação geral de cada

uma.

Modo de jogar

Seja na sala de aula ou num espaço aberto (Figura 3), os integrantes das equipes

competitivas são sorteados pelo professor para estimular a integração, desfazendo, pelo menos

durante o jogo, os grupinhos só de meninos ou só de meninas.

Depois, cada uma elegerá um representante que, em nome do grupo, emitirá as

respostas às perguntas do jogo. Em cada rodada, cada representante sorteará um conjunto de 10

cartões (duas de cada cor) no banco de perguntas. O jogo começa com o professor lendo a

pergunta em voz alta e clara para as equipes desafiantes. Aguarda-se 1 minuto (a ser

cronometrado pelo professor) para que a resposta possa ser emitida pela primeira equipe. Se esta

não souber ou errar, passa-se para a equipe seguinte e assim por diante. Ao final de cada

resposta, o professor deverá distribuir o cartão de pontuação para as equipes correspondentes

que deverá guardá-los até o final do jogo.

Como podemos observar pela Tabela 2, ao final do jogo 40 questões são

respondidas englobando diversos temas alinhavados em torno da Cuesta, proporcionando dessa

maneira, uma visão multidisciplinar sobre o bioma da região onde o próprio estudante habita.

Texto de apoio

O texto intitulado “Descobrindo o Cerrado e a Cuesta de Botucatu” é uma revisão

geral sobre os 5 temas do jogo e a sua leitura possibilita construir um banco muito maior de

perguntas. O texto foi ricamente ilustrado com figuras coloridas sobre a paisagem do cerrado e

seus representantes mais típicos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma característica natural do ser humano é a solução de problemas mediante a

combinação necessidade e criatividade. Levando-se em consideração a necessidade de produzir

material didático de baixo custo que fosse simultaneamente interessante para a o processo de

ensino-aprendizagem de jovens, o emprego de jogos pareceu-nos uma boa solução.

Aproveitando-se que os licenciandos em Ciências Biológicas optam pela área de produção de

material didáticos e tendo o apoio do Núcleo de Ensino da Unesp e da Estação Ciência da Unesp

que valorizam essas atividades, ensaios como esses e outros que vimos executando há mais

tempo, tem sido bastante frutíferas. Durante essa experiência, o licenciando testa o aprendizado

acadêmico e contribui com uma proposta pedagógica a ser utilizada prontamente pelos

professores de ensino médio ou fundamental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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