Apresentação - A Pele Que Habito
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III Ciclo de cinema
Psicologia e relaes de gnero
A PELE QUE HABITO
Pedro Almodvar, 2011
Me. Guilherme Gomes Ferreira
Assistente social do G8-Generalizando/SAJU UFRGS
Doutorando em Servio Social/PUCRS
01
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Debate de gnero
como construto
social. Isto porque,
diferente do sexo,
ele explica as rela-
ces desiguais.
Antes mesmo de
nascer, o anncio
do gnero...
02
Vou ter um menino!
Produz expectati-
vas a respeito do
que aquele sujeito
far de sua vida:
comportamentos,
roupas, modos de
vida. essa anun-
ciao que pro-
duz discursos.
-
02 Pai, me... eu sou gay Onde foi
que eu ERREI?
Dizer que o gnero e a sexualidade so construes histricas significa dizer que
no surgiram do nada, ou que coisa da natureza. Isto porque fica parecendo
que toda orientao sexual e identidade de gnero diferentes da referncia
so anormais (fora da norma),
03
-
Uma das expectativas que essas instncias
reguladoras produz diz respeito
construo da sexualidade e do gnero
considerados normais:
Homens:
Heterossexuais, racionais, no-emocionais,
objetivas, parte da vida pblica, do
mercado de trabalho formal, sexuais,
insensveis, etc.
Mulheres:
Heterossexuais, emotivas, subjetivas,
passivas, parte da vida privada, do
trabalho domstico, romnticas, sensveis,
vaidosas, maternais...
Construo infinitas, cotidianas, toda vida.
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Existe uma expectativa social de que as
pessoas, ao nascerem, assumam
corporalidades de acordo com seus sexos
(cissexismo, heterossexualidade
obrigatria).
Um corpo estranho (queer) no bem
recebido e no deve reivindicar status de
normalidade.
Do ponto de vista do gnero/sexualidade,
inaceitvel que uma pessoa faa
intervenes corporais para torna-lo
estranho (no o mesmo de corpo diferente de nascena, no culpa).
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O indivduo tem a convico de pertencer
ao sexo oposto ao seu. (...) vive numa
essencial desarmonia entre quem , quem
acredita ser e a sua aparncia externa e,
desse modo, desenvolve uma identidade
de gnero condizente com a do sexo
biolgico oposto ao seu.
Portanto, para estes indivduos, fonte de
intenso sofrimento e inconformidade o seu
corpo e suas caractersticas genitais, os
quais rejeitam dramaticamente, no as
reconhecendo como possibilidade de
nascentes de prazer (SILVEIRA, 2006, p. 15).
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Final do sc. XIX e incio do sc. XX:
emergncia do homossexual como
personagem/personalidade, eugenia,
relativa liberdade durante o carnaval e em
guetos urbanos.
1950/1964: comea a receber alguma
visibilidade e liberdade na grandes
cidades.
1969: Revolta de Stonewall em Nova Iorque
(grande marco histrico).
1964-1986: diferentes posies no perodo
da ditadura: esquerda (homossexualidade
como doena da burguesia modelo cubano e sovitico) x tropicalismo
(contracultura liberdade sexual).1979: primeiro grupo poltico no Brasil
(Somos).
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DIREITOS
HUMANOS E
MOVIMENTO
SOCIAL
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1983: epidemia de aids reforo da estigmatizao, gays e travestis eram
considerados grupos de risco. S depois o
conceito passou a ser o de vulnerabilidade.
1997: Parmetros Curriculares Nacionais
recomendam a transversalidade da discusso
da diversidade sexual, gnero, raa e direitos
humanos em todas disciplinas (no tiveram o
impacto desejado no cotidiano das prticas
pedaggicas)
2004: primeiro programa de governo (Programa
Brasil sem Homofobia).
2008: 1 Conferncia Nacional LGBT.
2011: Deciso do STF sobre o casamento gay.
2012: Decreto Estadual que reconhece o nome
social no RS (Carteira de Nome Social).
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DIREITOS
HUMANOS E
MOVIMENTO
SOCIAL
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O Brasil tem por tradio prender travestis
em alas direcionadas aos homens que
cometem crimes sexuais. A histria mostra
que a relao entre travestis e a polcia
sempre foi permeada por conflito e
discriminao, de modo que as travestis
eram (e ainda so) potencialmente
selecionveis pelo sistema policial e de
segurana pblica.
O fato de as travestis serem presas em alas
de duques ou mos peludas tem a ver com um discurso de proteger essas pessoas
(uma vez que em outras alas elas no
seriam aceitas e, se fossem, seriam objeto
de violncia).
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Esse discurso, entretanto, no se sustenta,
uma vez que nas alas dos crimes sexuais as
travestis continuam sofrendo um sem
nmero de abusos: tm seus cabelos
cortados, so obrigadas a usarem roupas
masculinas, sofrem estupro e so coagidas
a servirem de mulas para o trfico de drogas (quer dizer, carregam as drogas
dentro do corpo).
Belo Horizonte destinou as primeiras alas
especficas para travestis e gays em casas
prisionais masculinas (2009), seguida de
Mato Grosso (2011) e Rio Grande do Sul
(2012). Depois veio Paraba (2013) e Recife
(2014), conforme resoluo de 1 abr. 2014.
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Criada em maro de 2012, a ala de
travestis e de seus companheiros no Presdio
Central de Porto Alegre foi conquista do
movimento social de travestis e transexuais
e das travestis presas que frequentemente
eram alvo de violncia das mais diversas
formas.
Foi prevista como ao em Termo de
Cooperao celebrado entre a SSP e a
Presidncia da Repblica (obrigao de
assegurar s pessoas LGBT a opo, em casos de deteno ou restrio de
liberdade, de ficarem em celas
separadas).Figurou tambm, como ao
do Programa RS Sem Homofobia da SJDH.
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A criao da ala
faz parte de uma
poltica pblica
maior, ainda em
construo e
dissidente em
termos do que se
espera de polticas
para esse
segmento
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O cenrio:
Presdio Central de
Porto Alegre
Fotos: Jean Schwarz | Agncia RBS
4.591 (Infopen em 09/08/2013)
Populao carcerria:
Destes, 2.612 so presos provisrios
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As pessoas:
travestis, seus companheiros e
homossexuais privados de
liberdade; tcnicos
penitencirios
e travestis que j passaram
pela experincia da priso
Fotos: Jean Schwarz | Agncia RBS
de pobreza e miserabilidade
Provenientes de contextos
-
[...] a gente tem que se adaptar, porque eles [os homens heterossexuais] so a maioria. Ento, tu tem
que te adaptar. O que certo pra gente errado
pra eles, e vice-versa, t? Ento, tu tem que botar
um limite teu, e os teus limites so menores ainda. E
tem tido muito choque, muito conflito. A gente no
pode ter uma opinio prpria, tem que mais ou
menos se encaixar na opinio deles. (TP03).
[...] e tambm acho que nos pegou meio
desprevenidas, eu no estava preparada pra
trabalhar com travestis, n. Ento... fui ler algumas
coisas, mas tu no podes tambm s te voltar pra
aquilo, porque eu tenho outra demanda, a questo
[que eu era demandada a trabalhar] antes era
praticamente a dependncia qumica, eu
trabalhava basicamente com dependncia qumica n. E fui colocada ali. Ento realmente,
acho que eu no estou preparada, acho que falta
estudo. [...] diferente, tu entendes. diferente, n
[trabalhar com travestis]... No sei te dizer. (GT01).
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Bonequinhas do Paraguai: polcia, tcnicos e outros
presos
-
[...] uma coisa que num momento assim tu abstrai que tu t falando com algum que na verdade
nasceu com o sexo... porque as demandas so
completamente femininas, n. Porque tu roubou o meu esmalte. Coisas muito assim, de picuinhas, de briga, n, e de fulana que pegou e como o cabelo
dela ficou mais comprido [...] E coisas muito
parecidas assim na forma delas chegarem, n,
desse vnculo, dessa coisa mais, entre aspas, grudenta, n, que mulher tem, e at chata, vou te dizer. (GT01).
Ns [as travestis] morvamos tudo numa cela por
galeria, eram onze, quinze, tudo atirada no cho
como se fossem uns escrotos, os restos, os indivduos
que no tinham opinio ou direito, e nada. Tinham
s que puxar cadeia e servir de tapa na cara, de saco de pancada, que a hora que desse alguma
coisa eles viriam aqui descontar as suas neuroses
entre a gente. (TP01).
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Bonequinhas do Paraguai: polcia, tcnicos e outros
presos
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Que nem eu, sempre puxei cadeia do outro lado do
muro, do outro lado do muro as leis so diferentes. No
outro lado, quer dizer as outras galerias. Nunca tinha
me envolvido com homossexual dentro da cadeia,
acabei vindo parar por causa de uma Lei Maria da
Penha... que eu tenho no meu currculo uma Maria da
Penha e me largaram aqui acabei me envolvendo
com a [nome da travesti] e estamos a... J fiquei mal
visto por outros por ter me envolvido com a travesti
dentro da cadeia, vrios olham pra gente de cara
virada. J no bebem no mesmo caneco que a
gente, eles j no comem mais, eles j no fumam o
mesmo cigarro que ns. No caso, pra me envolver com
ela eu tive que abrir mo de tudo isso. O preconceito
muito grande. Mas muitos que dizem ter o preconceito,
na frente dos outros, porque eles se escondem
dentro da cela com ns, eles bebem caf na nossa
caneca, eles fumam o mesmo cigarro que ns, eles
usam at a mesma colher que ns. Mas na frente dos
outros, pros outros no dizerem ah, t comendo com as bichas, eles fazem escondido. (CT01).
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Bonequinhas do Paraguai: polcia, tcnicos e outros
presos
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A identidade de gnero reconhecida e
respeitada?
Como isso se materializa no uso do nome social?
Como os interesses das travestis so contabilizados
diante dos interesses de todos os presos?
Como foi para os tcnicos trabalhar com a
populao travesti?
Como eles receberam o ingresso da ONG?
Qual a concepo de gnero e de identidade
travesti presente nos discursos dos tcnicos?
Como o preconceito que as travestis sofrem
estendido aos seus maridos?
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Bonequinhas do Paraguai: polcia, tcnicos e outros
presos
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E o casamento das travestis era assim, no podia
conversar com ningum. Deus o livre, a travesti que
era casada com um cara, que dissesse que era
bicha dele, conversar com outra travesti ou com o
marido de outra travesti. No podia. No podia sair
no ptio sozinha, no podia caminhar no corredor
sozinha, s pela escolta dele [...]. Eu me senti, ah,
estou presa em duas cadeias (TP06).
Como as travestis constroem suas identidades de
gnero na priso? Quais estratgias?
Como so permitidas/barradas as relaes afetivo-
sexuais entre elas e os presos?
Que tipos de comportamentos elas esperam dos seus maridos pra reafirmarem suas identidades de
gnero?
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Duplo crcere:
relaes afetivas e
a produo do
gnero na priso
-
Tem muitos aqui que esto abandonados pela
famlia ou s vezes no tem nem contato com a
famlia. (TP01).
Faz trs anos e trs meses que eu estou aqui e nunca
tive [contato com a famlia]. (TP03).
Vnculos familiares e diferenas existentes.
Romantizao da famlia e construo social do
lugar do bem e do bom.
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O alicerce da vida
de qualquer ser
humano: relaes
familiares
-
[...] aqui dentro complicado. Quando no se tem visitas pior ainda, que tem que sobreviver ou se
no pedindo, trabalhando. N, inventando
alguma coisa pra fazer. Ento muito doloroso.
(TP03).
No podemos estudar por causa da homofobia, do
preconceito, no corredor a gente agredido,
dentro de uma sala de aula com outros detentos e em outras galerias a gente no pode ficar em
funo do preconceito, n. Ento deveria ter um
horrio que descessem s as do terceiro do H pra
estudar. (TP01).
Incluso/excluso das travestis nos PACs (Protocolos
de Ao Conjunta).
Acesso escola dentro do PCPA.
Venda dos produtos dentro e fora do PCPA.
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Vou inventando
coisas pra fazer:
educao,
trabalho e
gerao de renda
-
[...] na rua eu era acostumada a tomar hormnio, anticoncepcional, essas coisas, injeo, aquelas
Perlutan. E aqui no entra, no pode, nem com
visita, por causa da seringa. (TP06).
[...] e o corpo da gente tambm desacostuma
depois. Da, tipo, um dia eu inventei de tomar dois
comprimidos que uma travesti tinha l, tomei um
num dia e o outro no outro. Me encheu de bolota o meu corpo todinho. Por que da no sabia como
que o meu corpo ia reagir. Da aqueles dois, tomei
s aqueles dois, mas se eu tivesse continuado com
aquele comprimido o meu corpo ia aceitar, o meu
organismo ia aceitar. Mas eu no tenho, n. (TP06).
Tipo, eu falei com a [nome da tcnica] uma vez: tu no poderia conseguir pra mim?"; "no, isso da no existe aqui dentro!". Eu bem assim, "t, mas se
trouxerem da rua?"; "se trouxerem da rua vai ter que
ser bem escondido", ela falou pra mim. Porque no
entra. (TP06).
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Processos de
sade e de
doena no interior
do crcere
-
Embora a criao de uma ala especfica para
travestis tenha trazido a elas proteo dessas
violncias cotidianas, tambm acabou
representando uma mo invisvel que, de cima,
remexeu o interior do Presdio e separou todos os
corpos no desviantes, deixando restar ali as
travestis, os homossexuais e os homens que
assumidamente praticam sexo com elas. Esses
corpos, deixados no meio de um descampado, da
mesma forma que so protegidos da violncia
cotidiana que sofriam dos outros presos e dos
prprios policiais, sofrem agora uma potencializao
dos mecanismos de represso e controle do Estado.
H, portanto, um aprofundamentos dos processos
de controle e represso que se manifestam na
impossibilidade de trabalhar e de estudar, no fato de haver um modelo ideal de comportamento para
que a ala d certo, na impossibilidade de haver uma integrao com outros presos, etc.
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A captura das travestis pela priso lhes confere
padres distintos de controle sobre os corpos, at
ento no experimentados. Para elas, a experincia
prisional um instrumento de corroborao da
violncia sofrida no cotidiano, pois legitima o status
que lhes conferem o lugar da pervertida, da marginal,
da obscena, da ladra.
A prpria ala especfica um modo de enfrentamento
organizado coletivamente por elas de acordo com os
seus interesses de maior proteo institucional. Assim,
lidam melhor com o modo de funcionamento da
priso.
Suas identidades de gnero, de modo geral, no so
reconhecidas, seja no uso do nome social, seja nas
prticas de violncia que atentam sobre suas
experincias com o corpo e a sexualidade. Suas
demandas e requisies por acesso a direitos entram
na fila das requisies de toda a populao prisional, negligenciadas pela defasagem do corpo tcnico.
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