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7 Apresentação Os textos reunidos neste volume são fruto de um diálogo acadêmico entre pesquisadores da área de Letras de diversas universidades parceiras no Brasil e na Europa, entre elas a Universidade Federal do Pará e a Universi- dade Federal de Santa Catarina. Dedicados à instauração de uma interlo- cução entre dois universos, o da tradução literária e o da tradução cultural, os ensaios recolhidos se propõem a pensar a tradução como interface entre textos – o original e a tradução – e como intercâmbio entre a tradição e suas releituras na contemporaneidade. Problematizando aspectos que envolvem a criação literária, o cânone literário, a recepção de tradução e os estudos de tradução dentro e fora do Brasil, este No horizonte do provisório: ensaios sobre tradução inclui textos apresentados no II Simpósio Tradução e Memória, realizado na Univer- sidade Federal do Pará, nas cidades de Belém e Bragança, em novembro de 2012. O evento contou com o fomento da Coordenação de Aperfeiçoa- mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio do edital de apoio CAPES 004/2012. No primeiro artigo, “Palimpsestos imperfeitos (que significa traduzir o cânone)”, de João Barrento, o porquê/como se tornam intermitências de um mesmo apelo: traduzir o cânone/traduzir os clássicos. O autor propõe algumas respostas: pela necessidade própria de traduzir; porque “pedem” para ser traduzidos; porque são traduzidos na história. Traduzir para hoje um léxico de ontem seria uma atualidade ou um “ruído de fundo”? A tradução deve ser o testemunho de seu original. É o que o autor busca pro- por a partir de diálogos com Italo Calvino, António Feijó, Javier Marías e Walter Benjamin.

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Apresentação

Os textos reunidos neste volume são fruto de um diálogo acadêmico entre pesquisadores da área de Letras de diversas universidades parceiras no Brasil e na Europa, entre elas a Universidade Federal do Pará e a Universi-dade Federal de Santa Catarina. Dedicados à instauração de uma interlo-cução entre dois universos, o da tradução literária e o da tradução cultural, os ensaios recolhidos se propõem a pensar a tradução como interface entre textos – o original e a tradução – e como intercâmbio entre a tradição e suas releituras na contemporaneidade.

Problematizando aspectos que envolvem a criação literária, o cânone literário, a recepção de tradução e os estudos de tradução dentro e fora do Brasil, este No horizonte do provisório: ensaios sobre tradução inclui textos apresentados no II Simpósio Tradução e Memória, realizado na Univer-sidade Federal do Pará, nas cidades de Belém e Bragança, em novembro de 2012. O evento contou com o fomento da Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio do edital de apoio CAPES 004/2012.

No primeiro artigo, “Palimpsestos imperfeitos (que significa traduzir o cânone)”, de João Barrento, o porquê/como se tornam intermitências de um mesmo apelo: traduzir o cânone/traduzir os clássicos. O autor propõe algumas respostas: pela necessidade própria de traduzir; porque “pedem” para ser traduzidos; porque são traduzidos na história. Traduzir para hoje um léxico de ontem seria uma atualidade ou um “ruído de fundo”? A tradução deve ser o testemunho de seu original. É o que o autor busca pro-por a partir de diálogos com Italo Calvino, António Feijó, Javier Marías e Walter Benjamin.

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Eclair Antonio Almeida Filho, em “Traduzir, o jogo da diferença no Écart, em Maurice Blanchot”, procura pensar com Maurice Blanchot que o desdobramento da literatura se dá paralelamente à atividade de tradução. O autor apresenta confluências entre Blanchot e Walter Benjamin a partir de uma análise de “A tarefa do tradutor”, valorizando a diferença e a estranheza em detrimento das resistentes e persistentes noções de familiaridade e iden-tidade. O que resulta daí é uma abordagem da tradução como obra outra, original – a tradução como “desconcerto do próprio, a ferida, o rasgo”.

A prática tradutória e crítica, bem como a de poeta iniciante nos jor-nais paraenses no final da década de 1940, apontam, no texto “Mário Faus-tino: poeta-elo do estrangeiro e do próprio”, de Mayara Ribeiro Guima-rães, para uma antecedência do poeta em relação ao modo de pensamento e ação criativa do concretismo, movimento que vai postular a reformu-lação de uma poética brasileira indissociável da experiência crítico-tra-dutória. Para além de uma simples definição nominal, Mário Faustino é pensado como poeta-elo de diferentes vertentes da poesia, entre o novo, o clássico e o moderno.

Izabela Leal, em “Um beijo de línguas, as metáforas eróticas da tra-dução”, parte da ideia de bilíngua, procurando esboçar as relações e con-vocações do desejo na prática tradutória, o que inclui a língua própria e a estrangeira com suas disjunções no âmbito da cultura e da produção de sentido. A tradução, de acordo com a autora, não é uma assinatura dis-creta, ela firma, sim, um comércio com o outro, para dizer o outro, e é sempre um ato de mistura, troca, sedução.

Em “Toda tradução é composta de mudança, diz Herberto”, Luiz Maf-fei parte das recolhas de traduções feitas por Herberto Helder para abordar as noções “traduzidos, vertidos, mudados, apresentados” empregadas pelo poeta para textos alheios vertidos para o português, e que irão privilegiar o texto novo, numa intimidade e num abrigo tal de linguagem que chega a mudar sua autoria – o texto passa a ser “meu”, diz-nos Herberto. Por isso mesmo, Luiz Maffei vê, com Gastão Cruz, a prática tradutória de Herberto ora como uma magia, ora como uma via que a impele a um funcionamento produtor de ressignificações.

Marcelo Jacques de Moraes, em “A experiência, em poesia e em tra-dução: partilha(s), lugar(es) comum(uns)”, discute o ato tradutório para pensar a questão da violência inerente a qualquer relação entre línguas e culturas. Voltando-se cada vez mais para a poesia, particularmente a poe-

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sia francesa contemporânea, o autor investiga o lugar do poético no final do século XX e no início do XXI para perceber o quanto essa poesia se torna crítica e estrangeira em relação a si mesma.

Em seu artigo, Inês Oseki-Dépré compara três traduções contemporâ-neas para o francês do Livro de Ester (feitas por Marie Borel & Aldina da Silva, Jacques Roubaud e Henri Meschonnic), com as traduções de André Chouraqui e da Biblia de Jerusalém. Depois de evocar as concepções de Walter Benjamin e Antoine Berman em relação à retradução, Oseki-Dépré retraça a história da Bíblia, assinalando seu caráter multiautorial, multige-nérico e multilinguístico e sublinhando o papel exercido pela tradução oral na fixação progressiva do texto. As opções dos tradutores e editores envolvem vários aspectos, do próprio texto utilizado como original, e a consequente divisão em capítulos e seções, ao paratexto e à onomástica. O resultado, sublinha Oseki-Dépré, são textos que variam entre “a exati-dão científica e a fidelidade espiritual” de Chouraqui, a traduções do livro como um conto de Marie Borel & Aldina da Silva e de Jacques Roubaud, e a de Meschonnic, que segue o postulado de “traduzir é escrever”, apresen-tando uma tradução que é “um longo poema”.

Para Christiane Stallaert, a experiência de interculturalidade europeia se situou, historicamente, mais fora do que dentro de suas fronteiras. No entanto, neste momento de “segunda globalização” (a primeira globaliza-ção tendo sido a da conquista das Américas), as tensões semióticas que eram, sobretudo, um problema da periferia do sistema-mundo, se transfor-mou em um problema doméstico. A tradução ocupa um lugar importante nesse processo, já que ela “consiste em relacionar ou criar convergências, homologias ou equivalências entre genealogias e histórias díspares de con-ceptos en movimiento”. Stallaert ilustra sua argumentação com uma série de exemplos atuais do contexto europeu e históricos do contexto colonial ibero-americano.

Considerando a traduzibilidade de poesia como um problema poetoló-gico, Gunter Karl Pressler, em “Elegias de Duíno – original e tradução como identificação cultural da modernidade em Paulo Plínio Abreu (1950 em Belém) e Augusto de Campos (1990 em São Paulo)”, discute a recepção da poesia de Rainer Maria Rilke no Brasil pelas traduções de Paulo Plínio Abreu e Augusto de Campos para levantar a hipótese de que Rilke se antecipou ao movimento vanguardista do século XX ao propor alterações na composição estrutural do verso, através do uso de imagens, incompreendidas à sua época.

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Marie-Hélène Torres, em “O tradutor: perfil e análise”, pensa a tradu-ção como gesto antropofágico que desterritorializa a literatura para con-vertê-la em gesto de apropriação, aproximando o ato tradutório da teoria de Oswald de Andrade presente no “Manifesto Antropófago”. Nessa dinâ-mica, em que o tradutor torna-se ele próprio o autor do texto traduzido, a autora encaminha a reflexão a partir de três perguntas: o papel do tradutor é revelar ou anexar o estrangeiro? Como traçar o perfil de um tradutor? É possível manter a invisibilidade do tradutor no texto traduzido?

Por fim, em “Traduzir: recordar o destino”, Sabrina Sedlmayer discute a tradução como gesto de alteração das línguas, com Herberto Helder, e o problema do conhecimento, da linguagem e da memória vinculados à ideia de posse e conservação, com Giorgio Agamben. Convoca a dimensão de esquecimento e apagamento da língua na poesia de Henri Michaux, indis-pensável à apreensão da memória, para pensar a tradução como questão de potência, e a impotência, seu oposto constitutivo, como impulso presente no jogo de relações entre literatura, tradução e história, junto à noção de vestígio, de Walter Benjamin, e à iconologia do intervalo, de Aby Warburg.

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Palimpsestos imperfeitos (Que significa traduzir o cânone?)João Barrento

A pergunta do meu subtítulo pode sugerir a questão prévia de saber o que nele está implícito: o “porquê de ler/traduzir o cânone?”, ou, talvez mais, o “como ler/traduzir o cânone?”.

i – a pergunta do “porquê”

leva-nos de volta a Calvino e à questão do Porquê ler [traduzir] os clássicos, e a um certo número de inquirições a que eu próprio já dei algumas respos-tas em “Ler os clássicos com os clássicos” (no livro A Espiral Vertiginosa, p. 105 segs.). Traduzem-se os clássicos

– porque as “grandes obras” não só asseguram a sua sobrevivência através da tradução – uma metempsicose, e não uma morte –, que é hoje reconhecidamente o meio por excelência de alargamento (universalização) de um texto já canónico, como também “pedem” para ser traduzidas;

– porque a tradução é um dos garantes do papel determinante da his-tória e das instâncias de recepção na formação do cânone;

– porque a leitura/tradução permite dar respostas, sustentadas pela prática, às perguntas sobre o cânone, a sua natureza e o seu destino, per-guntas essas que relevam sempre de uma de três posições teóricas ou filo-sóficas: essencialistas (o que é um clássico, ou um texto canónico?), histo-ricistas (como nascem e morrem os clássicos?) ou funcionalistas (para que servem os clássicos?);

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– porque, na resposta a essas questões, podemos chegar a constatações essenciais, como a de que, para entender o que é, ou como se devém, um clássico, é fundamental saber o que é o tempo e como se lhe resiste, ou quem decide, e como, que textos serão canonizados ou se transformarão em clássicos;

– porque importa distinguir, na tradução do cânone, entre finalidade e apropriação, entre uso e abuso ou instrumentalização;

– porque a pergunta sobre o cânone ou os clássicos nos conduz ao cerne do nosso próprio tempo pós-moderno e ao seu regresso ostensivo aos clássicos e à tradição, traduzido num eclectismo sem norte, mas também numa assimilação criativa da tradição – nomeadamente pela tradução.

A pergunta do “porquê” não será a que mais importa debater agora, apesar do interesse que pode suscitar num tempo em que, pelo menos em Portugal e desde há alguns anos, assistimos a uma nova e renovada vaga de traduções de textos canónicos a partir das línguas originais, em especial daqueles que antes eram quase sempre objecto de traduções em segunda e terceira mão – os alemães, os russos, os gregos... O interesse pelos clássicos e pela tradição parece, de facto, ser um sinal típico de uma época tardia, de revivalismo e de regressos, pós-moderna porque pós-tudo, sem o élan antipassadista e a vontade de originalidade dos modernos.

ii – a pergunta do “como”

Penso ser antes a pergunta do “como” que aqui nos interessa, e ela sugere uma série de outras questões que passarei a enunciar, e a comentar breve-mente. Assim:

1. Talvez fosse conveniente lembrar que o cânone não existe, que não existe um cânone, que o cânone é, por natureza, instável e a história trata de canonizar e descanonizar obras e autores. E que a tradução e a sua história, desde o século XVI, tem revelado ela própria alguma capacidade canoni-zadora, impondo uns autores e ignorando outros. Épocas houve em que o cânone do subsistema da literatura em tradução foi entre nós surpreenden-temente diverso do dos países ou das literaturas de origem.

2. Mas também se pode dizer que existe um núcleo duro do cânone que desde cedo se impôs e se mantém. Em relação a esse, caberia indagar das razões que levam a que se traduzam e retraduzam certos textos: razões de fundo, como a historicidade das traduções e a consequente caducidade

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da sua linguagem; e razões de circunstância, como os interesses de conhe-cimento particulares, as modas, as alterações nas relações de força entre sistemas fortes e fracos, centros e periferias, etc..

3. Outra implicação contida na formulação do nosso tema, e suscep-tível de discussão, poderá ser: traduzir o cânone é diferente de traduzir textos não canónicos? E a que níveis? O da produção do texto de chegada? O das expectativas de recepção, como se o texto dito canónico implicasse regras e modelos de tradução específicos e tivesse exigências de responsa-bilidade acrescidas para quem traduz?

Os autores de algumas das principais traduções recentes de textos clás-sicos entre nós estão, em geral, de acordo sobre alguns pontos essenciais, como o equilíbrio (entre classicidade e actualidade) na esfera da produção e transformação – mais literal ou mais poetizada – do texto do passado num texto poeticamente legível e defensável hoje (“equilíbrio” parece-me de facto ser um termo-chave em muitas das práticas da tradução do cânone a que me referirei).

Assim, o poeta Vasco Graça Moura alude, no prefácio à sua tradução integral das Rimas de Petrarca, a esse equilíbrio entre “a personalidade do tradutor..., que também é autor” e a “noção de ‘fotografia histórica’”, que, no caso de um autor que “teve influência patente na cultura da língua de acolhimento, como é o caso de Petrarca em Portugal”, não deixa de suscitar uma particular “expectativa do leitor” (MOURA, 2003, p. 32).

O helenista Frederico Lourenço, por seu lado, deixa claro que um dos objectivos da sua tradução da Odisseia é o de “devolver ao leitor de língua portuguesa o prazer do texto homérico”, o que implica não fazer “uma tra-dução arcaizante nem académica”, mas antes “uma tradução para ser lida pelo gozo de ler” (LOURENÇO, 2003, p. 7) (esta é uma questão decisiva para a nossa actualidade: se conseguíssemos pôr o cânone, o original e o tradu-zido, a ser lido pelo gozo de ler, teríamos salvo por mais algum tempo a cultura do livro e da letra hoje ameaçada).

O equilíbrio proposto por António Feijó (tradutor de Shakespeare), sendo aparentemente de outra natureza, não anda tão longe assim dos res-tantes: trata-se, para o tradutor do Hamlet, de “fixar o sentido literal de um texto e ponderar praticamente o seu envelhecimento”, ou, como se lê no final da sua última nota a esta tradução, de “alinhar palavras que, de modo empírico, [o tradutor] julga poder oferecer como um contemporâneo equivalente viável” (FEIJÓ, 2001, p. 250, 253) (comentarei ainda a questão

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importante dos modos de equilíbrio possíveis entre o apego à literalidade e o trabalho do tempo sobre os textos).

Finalmente, eu próprio, na introdução à tradução do Fausto de Goethe, deixo clara a consciência de um certo determinismo que rege a relação do original com a sua tradução: “a natureza dos originais dita o caminho da sua tradução” (BARRENTO, 1999, p. 20), com isto sugerindo que a tradução de um Fausto canónico recomenda vias diversas das de um Fausto contem-porâneo, como os de Thomas Mann, Lawrence Durrel, Paul Valéry, ou os muitos Faustos socialistas que surgiram na extinta República Democrática Alemã. E afirmo a intenção de “orquestrar um Fausto em português para uso de hoje”, orientando-o num sentido “que não será apenas, nem o da fluência da dicção, nem o da fidelidade formal, mas qualquer coisa em que os dois aspectos convergem, e que o próprio texto sugere” (BARRENTO, 1999, p. 19).

4. Há outras questões que derivam dos casos referidos, que nos con-frontam, por acaso ou não, com exemplos de tradução do cânone que cobrem o espectro dos três grandes géneros tradicionais: o lírico, o épico e o dramático (no caso do Fausto, os três em simultâneo). É uma questão – a das implicações da relação entre cânone e género para efeitos de tradução – que deixo sem maiores desenvolvimentos, porque há outras que me inte-ressam bem mais. Como as seguintes:

5. As determinações históricas da tradução do cânone, que formulo numa hipótese: “Traduzir o cânone é traduzir na história”. i.e., um texto canónico traduz-se no tempo, é atravessado por vários estratos temporais que sobre ele se sedimentam. Uma vez que a tradução feita hoje pretende, em princípio, trazer o texto do passado a este nosso momento (mais do que a simples leitura, ou o comentário, que podem perfeitamente ser his-torizantes), todos os outros momentos por que ele passou se interpõem, funcionando, ou como janelas que abrem perspectivas, ou como empe-cilhos a uma tradução mais liberta de modelos que podem colocar sérios problemas de dependência. Outra é, por oposição, a situação de tradução de textos contemporâneos, que se traduzem no espaço. Também se poderia falar, neste contexto, de tradução na vertical (na diacronia) e na horizontal (na sincronia); e acontece que a tradução na horizontal se faz entre estádios idênticos das línguas, os de hoje (penso apenas, para facilitar a discussão do problema, em núcleos de línguas afins ou próximas), enquanto a relação na vertical se complexifica devido ao desfasamento temporal entre língua de chegada e de partida (aqui, potenciam-se todos os problemas que se

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colocam na própria leitura dos textos canónicos da nossa própria língua, sobretudo os mais distantes no tempo, leitura essa que constitui também um processo de tradução intralinguística). Na história da tradução no Oci-dente traduz-se quase exclusivamente na vertical até ao século XVII, o que significa que as línguas vernáculas se ignoravam entre si para efeitos de tradução, e que o cânone era constituído pelos Antigos e pela Bíblia. A nossa modernidade, nesta matéria como noutras, começa no século XVIII. A partir daí, a tradução do cânone antigo, um processo de escavação em palimpsesto mais ou menos transparente (a grande tradição alemã desde Schleiermacher e Hölderlin), translúcido ou mesmo opaco (práticas mais presentes na tradição do franciser e das belles infidèles, ou também da fluency e da “invisibilidade do tradutor” no espaço anglo-saxónico), fez-se progressivamente acompanhar por uma prática de deslocamento à superfí-cie no espaço linguístico-cultural das línguas vernáculas europeias, todas devedoras da tradição antiga, mas assumindo em determinados momentos algumas delas o lugar de matrizes para a circulação de formas, géneros e modos de linguagem que outras iriam tomar de empréstimo (Petrarca para a lírica, a matéria bretã para formas épico-narrativas anteriores ao romance, Shakespeare para o drama moderno, o romance inglês para o que viria depois: a tradução da Pamela de Richardson para francês em 1760 é, no âmbito do romance, um dos primeiros exemplos do que chamei a “tra-dução na horizontal”).

Continuo ainda neste plano da historicidade da tradução do cânone, para aflorar pelo menos mais dois aspectos com implicações importantes.

6. As traduções do cânone (e, em certos casos, também os próprios textos canónicos, como da Odisseia diz Frederico Lourenço e do Hamlet António Feijó – e eu próprio poderia dizer o mesmo do Fausto) são muitas vezes traduções de traduções. A presença, ou mesmo a influência, dessas várias versões intermédias na tradução actual de uma obra canónica verifi-cam-se a níveis e sob formas muito diversos. O recurso a traduções anterio-res é prática corrente, e parte integrante do processo de tradução do cânone, uma vez que as versões intermédias intervêm directamente nesse processo de “tradução na história”, a que aludi antes. Nas suas últimas grandes tradu-ções (de Dante, de Ronsard, de Petrarca), Vasco Graça Moura refere sempre expressamente às versões anteriores a que recorreu, e Frederico Lourenço inclui mesmo uma bibliografia das traduções e comentários da Odisseia que utilizou (e o mesmo faz Graça Moura para as Rimas de Petrarca). Pessoal-

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mente, não me servi, para o trabalho no Fausto, de muitas traduções, em português ou noutras línguas (recorri mais a comentários alemães): ignorei a reinvenção da Primeira Parte por António Feliciano de Castilho (1872), desisti de olhar para a tradução brasileira de Jenny Segal, cheia de irritantes tours de force linguísticos, não fui atrás das “transluciferações” de Haroldo de Campos, mas a certa altura dei por mim, inesperadamente, a prestar atenção ao excelente sentido da forma numa tradução inglesa, já antiga, de Albert Latham (1908), e clarifiquei pontualmente questões de semântica no confronto com as versões em prosa francesa e italiana.

Esta “ponderação do envelhecimento do texto” (A. Feijó), a inserção, mais ou menos explícita, numa linha ou mesmo numa determinada linha-gem de traduções anteriores, é inevitável, mas – talvez contrariamente ao que se poderia pensar – complexifica o processo no caso da tradução dos clássicos. António Feijó tem disto consciência ao traduzir o Hamlet, quando escreve: “Considerar [...] que uma das tarefas do tradutor é pon-derar o envelhecimento do texto é praticamente complexo. [...] Mas, de facto, o tradutor não tem que temer. A sua competência linguística tácita, de que não pode nunca separar-se, nem tornar plenamente explícita a si mesmo, trairá necessariamente um estádio particular da língua” (FEIJÓ, 2001, p. 253, destaque meu).

Da língua enquanto suporte de uma múltipla memória (e é aqui que reside a complexidade do processo): a da sua própria tradição literária, a do original e a das versões intermédias dele. Javier Marías afirma em Lite-ratura e Fantasma que “do texto original, o tradutor só possui a memória” (MARÍAS, 1998, p. 194). Também na tradução do texto canónico se projecta uma memória do texto canónico, e não mais do que isso. O facto torna-se mais evidente nos textos clássicos muito traduzidos, em que qualquer nova versão carrega consigo a memória de muitas outras – ou então rompe deli-beradamente com ela, assumindo a função de memória parricida, como acontece nas traduções de Maria Gabriela Llansol ou nos “textos mudados para português” por Herberto Helder. É esta a alternativa perante a qual nos coloca o peso do texto canónico a traduzir, aquele que, mais do que outros, nos lança o imperativo e o repto do à-traduire (Derrida): pede para ser traduzido uma vez mais, porque tem de sobreviver respirando outros ares. A alternativa poderia também esclarecer-se à luz da distinção benja-miniana (oriunda das “Teses sobre o conceito da História”) entre os con-ceitos de Eingedenken (rememoração, presentificação anamnésica, forma

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actuante da memória presente que leva à actualização de um passado textual na tradução) e Andenken (recordação, lembrança ou memória passiva). O primeiro permite entender a tradução como revitalização permanente dos textos; o segundo opera uma cristalização, ou cai na simples comemoração, e o texto traduzido é então um lieu de mémoire (no sentido que ao termo atribui o historiador francês Pierre Nora), em vez de texto vivo, ou redivivo (como gosta de dizer Herberto Helder). Nesse caso, a tradução limita-se a confirmar as expectativas de um tempo que, em geral, nem sequer é o seu, mas um tempo anterior. Face a esta alternativa, o “equilíbrio” a que já várias vezes aludi (quanto a mim recomendável na tradução do texto clássico que não tenha de obedecer a uma finalidade particular) poderia eventualmente dar-se por meio de uma fórmula como: traduzir para hoje (mesmo para a “actualidade mais incompatível”: CALVINO, 1994, p. 12), sem deixar de disse-minar pelo texto sinais de que se trata de um texto de ontem (este “ontem” corresponde, ainda com Calvino, ao seu “ruído de fundo”). Deste modo, o texto traduzido será, não cópia, mas testemunho do seu original – testemu-nho diferido, como sempre acontece com as imagens da memória. A pro-dutividade do texto dito “original” não se esgota, assim, no espaço dessa sua originalidade (não há origens puras, toda a origem existe para produzir con-tinuidades), porque só a abertura ao outro a alarga para espaços de sentido outros. A sua produtividade – e na tradução do cânone é essencial que ela exista – é a produtividade, diferida mas actuante, do intervalo e da diferença.

7. Regresso ao pensamento de António Feijó com um novo momento, decisivo, da questão: traduzir o cânone é revelar “um estádio particular da língua”. Acrescento: e pôr à vista um momento inconfundível do nosso ima-ginário cultural – poético, existencial, ideológico. Historizam-se (actuali-zam-se) os textos do cânone como Benjamin diz do passado histórico: nem o passado foi como foi, nem o presente se lhe pode impôr de forma arbi-trária nas leituras que dele faz. Não há autonomia absoluta, nem de um nem de outro. O equilíbrio (esta noção parece de facto dominar a discussão do nosso tema) pressupõe o encontro entre a força de um imperativo do passado que se (me) impõe e a vontade de ler esse passado à luz de um pre-sente, de um sujeito (tradutor) nesse presente. As diferenças entre os diver-sos caminhos na tradução do cânone medem-se em função da intensidade e das tonalidades dessa luz. Daqui derivam questões concretas como:

– Existem condicionalismos históricos, civilizacionais, que expliquem ou suscitem a tradução de textos canónicos (por exemplo: a recente vaga

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de traduções de clássicos em Portugal), ou as razões são mais de ordem prática, empírica, circunstancial? (penso que a nossa “apetência de classici-dade” é hoje mais notória do que em décadas anteriores);

– Como são regulados os focos de luz do presente que dão a ver o texto do passado? É uma questão sempre discutida e que apresenta necessaria-mente as mais diversas saídas, desde as mais voluntaristas actualizações (“uma excessiva consciência de si”, diz A. Feijó) até à “perspectiva arcai-zante inevitável” (Graça Moura). Mas o que acontece na prática é que os chamados “grandes textos” suportam muito mais do que se imagina, e a sua tradução acaba por depender mais de critérios e contingências de fun-cionalidade do que de preceitos teóricos pré-definidos ou de uma sempre hipostasiada essência objectiva da sua matéria linguística, plasmada num hipotético conceito de “literalidade”. Isto, embora na tradução se manifes-tem os caminhos escolhidos: o Hamlet de Feijó orienta-se para o palco, o meu Fausto para a leitura em voz alta, a Odisseia de Frederico Lourenço para estimular o deleite da imaginação efabulatória do leitor de hoje, o Petrarca de Graça Moura para mostrar o que pode ser “a tradução de um escritor por outro escritor”.

O que me parece importante acentuar é ainda e sempre a ideia de que traduzir o cânone é traduzir na história, e de que cada tradução representa um modo de espelhar uma situação particular do imaginário linguístico-ideológico, privilegiadamente revelado na literatura. Essa adequação do texto clássico ao imaginário do tradutor, do seu tempo e da sua relação com a língua – porque na língua se plasma tudo isso, porque ela é espelho de uma “imagem do mundo” (o célebre Weltbild de W. von Humboldt), casa do ser desse imaginário – pode então assumir, como sabemos, as mais diversas formas, sempre de algum modo variantes de uma manipulação ou domesticação dos textos canónicos, por mais forte que seja a vontade mimética de fazer quasi la stessa cosa (Umberto Eco sobre a tradução). É no intervalo entre o “mesmo” impossível e o “quase” necessário que se instalam – têm de se instalar, porque não lhes é concedido outro espaço que não seja o desse desvão – todos os manipuladores do real textual, eter-nos fabricantes de palimpsestos imperfeitos. Por uma razão fundamental: porque o seu trabalho é um trabalho feito sobre as palavras, e sobre as palavras no tempo, o trabalho de quem vem depois e actua noutro palco. Isso explica a natureza necessariamente heterónoma de qualquer tradução, e não apenas dos clássicos, nas suas versões mais assumidamente manipu-

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ladoras ou transformadoras – os Lusíadas de Mickle (1776) ou o Beowulf de Seamus Heaney (1999), o Fausto de Castilho ou de Haroldo de Campos, o Shakespeare do nosso rei D. Luís (1877) ou o Sófocles de Hölderlin, os poemas ameríndios de Herberto Helder, o Rimbaud ou o Baudelaire de Maria Gabriela Llansol.

8. Passo a alguns aspectos mais especificamente técnicos da questão da tradução do cânone.

Traduzir o cânone literário exige que se traduza “literariamente”, que se faça, como diz Vasco Graça Moura, uma “leitura ‘literária’” de Petrarca, ou, como eu próprio me propus para o Fausto, “uma tradução poetica-mente fiel, e não uma mera ‘tradução de serviço’” (MOURA, 2003, p. 20)?

Vários problemas se enodam aqui: o que é traduzir “literariamente” um texto literário? Que noção temos hoje do que seja “o literário”? Será que o “respeito” ou a veneração dos textos canónicos exigem, mais do que na tradução de outros, formas de fidelidade contaminadas à partida por um conceito oscilante do literário? Não necessariamente, se pensarmos que justamente os clássicos, sendo destinados a “ser lidos na classe” (segundo a conhecida definição de Aulo Gélio e Quintiliano), se transformam quase sempre em património linguístico e ideológico de um ou mais espaços cul-turais, de uma nação e de uma língua, e estão disponíveis para os mais diversos fins, aproveitamentos, utilizações e manipulações.

É claro que esta abertura e indeterminação do “literário” não obsta a que se tenha de dar atenção ao lado técnico-literário dos textos – como todos os tradutores até aqui referidos fizeram – e a ter desses aspectos um conhecimento e uma competência translatória por vezes altamente espe-cializada. A minha experiência pessoal, com a tradução do Fausto (ou também de poesia do Barroco alemão, de Goethe, de Hölderlin ou dos Expressionistas), permitiu-me compreender como é decisiva a “adequa-ção funcional” das formas de verso a personagens, temáticas e situações. Por isso, como escrevi a propósito do Fausto, “toda a tradução em prosa não pode ser mais que um arremedo de aproximação desse mundo poético onde encontramos toda a panóplia de formas da poesia épica, dramática e lírica desde a Antiguidade. [...] Em Goethe, as formas trazem consigo uma auréola histórico-cultural, reminiscências que são recuperadas com intenções muito claras e que transformam os metros em parte integrante da linguagem poética” (BARRENTO, 1999, p. 20).

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Mas esta desejada adequação funcional traz alguns problemas: os tex-tos clássicos estão carregados, ou sobrecarregados, não apenas de formas fixas, mas também de matéria linguística específica que transporta consigo valências culturais, históricas, locais, tão específicas que não são susceptí-veis de serem universalizáveis pela via da literalidade. Na tradução literal de fórmulas, frases feitas, citações e alusões de toda a ordem, os universais linguísticos, e sobretudo os do imaginário literário, deixam de funcionar. A tradução terá de correr os riscos da “literalidade”, bordejando essas fór-mulas e encontrando as suas homólogas na língua de chegada, para não desvirtuar efeitos de leitura essenciais. A tradução literal será tanto mais impossível quanto mais o texto estiver carregado desses momentos que funcionam como catalizadores da experiência de leitura, despoletando sentidos e implicações de ordem experiencial e literária, nacional ou local. É então fundamental encontrar os meios de reconstituição, com materiais próprios da língua e da tradição de chegada, desses mecanismos de agen-ciamento do imaginário do leitor. Todo o texto que recorra muito a estes materiais linguísticos específicos de uma dada tradição só poderá tornar-se universal na tradução através de uma nova “regionalização”. Há que dester-ritorializar para implantar noutro território e voltar a criar efeitos de leitura afins. O processo será então, não literal, mas substitutivo.

Pode também acontecer que a tradução do texto clássico se desloque para o espaço de um fazer por vezes designado de “interactivo” (a que Dryden, no célebre prefácio às sua tradução das Epístolas de Ovídio, já cha-mara “libertário”), defendido em nome de uma “relação pragmática” com o original, relação essa que pode ser, e muitas vezes é, simplesmente um alibi para toda a espécie de arbitrariedades que tendem a apagar o outro no próprio (e este próprio tanto podem ser as idiossincrasias do tradutor como as ideologias dominantes). Estou cada vez mais convencido de que algumas práticas ditas “interactivas” (mas que de facto são muitas vezes violentamente neutralizadoras do outro, e que distingo da imprescindível consciência pragmática, do valor de uso da linguagem, na tradução), ves-tindo as roupagens da tolerância e da abertura, se orientam predominan-temente para uma “ordem” de teor imperialista que nos quer fazer crer que todo o original (o outro) já está morto à partida, que “deixou de respirar ao ser objecto de tradução noutra língua” (por exemplo Manuel Frias Martins, no ensaio citado na bibliografia, MARTINS, 2003, p. 157). Erro fatal. A morte do original é sempre uma morte “aparente”, no duplo sentido do termo:

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porque é morte ilusória (o original continua a viver nas traduções) e por-que o pretenso cadáver aparece sempre, à transparência, no palimpsesto imperfeito que é o texto da tradução.

O domínio da tradução literária de que venho falando tem de cultivar, por um lado, uma certa forma de infidelidades (certeiramente referidas precisamente como “infidelidades interactivas” por Vasco Graça Moura, em nota aos Sonetos a Orfeu, de Rilke, e por mim próprio já vistas como uma “rede funcional de traições”: vd. A Palavra Transversal, BARRENTO, 1996, p. 124) como pressuposto de “beleza” e fidelidade literária (como as “belas infiéis” do século XVII francês) e quase garantia de sucesso do resul-tado; por outro lado, dificilmente se pode tolerar hoje, ao que me parece, qualquer forma de “libertinagem” pela libertinagem, aquelas leviandades de quem muitas vezes não dispõe das ferramentas e da competência lin-guística necessárias, e que Dryden já via como causadora da praga das “imitações” que tanto assolou também o século XIX português.

A captação, sobretudo na leitura activa que é a tradução, da “matéria negra” indefinida da literatura não depende do gesto leviano ou violento de uma assimilação deliberada, mas do equilíbrio entre a sensibilidade esté-tica e as capacidades de recriação na língua de acolhimento, e uma vontade genuína de deixar entrar o outro na minha própria casa. Se possível, em tom menor – sem gestos apropriativos e desejo de afirmação demasiado gritantes, antes com a discrição e a eficácia que levem à justeza de solu-ções que faz jus a ambas as partes. Afinal, a tradução implica um pacto de convivência e rege-se pelas leis da hospitalidade – a dos textos canónicos provavelmente mais do que a de quaisquer outros.

referências bibliográficas

BARRENTO, João. A Palavra Transversal. Literatura e ideias no século XX. Lisboa: Livros Cotovia, 1996.

______. “Ler os clássicos com os clássicos”. In: A Espiral Vertiginosa. Ensaios sobre a cultura contemporânea. Lisboa: Livros Cotovia, 2001.

______. “Introdução” a J. W. Goethe, Fausto. Tradução de João Barrento, imagens de Ilda David. Lisboa: Círculo de Leitores e Relógio d’Água, 1999.

CALVINO, Italo, Porquê Ler os Clássicos?. Lisboa: Teorema, 1994.FEIJÓ, António, “Notas à Tradução” de W. Shakespeare, Hamlet. Lisboa: Livros

Cotovia, 2001.

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LOURENÇO, Frederico. “Prefácio” e “Introdução” a Homero, Odisseia. Tradução de F. Lourenço. Lisboa: Livros Cotovia, 2003.

MARÍAS, Javier. Literatura e Fantasma. Tradução de Francisco Vale. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.

MARTINS, Manuel Frias. “Tradução literária. Um lugar teórico”, in. M. F. M., Em Teoria (A Literatura). Porto: Âmbar, 2003.

MOURA, Vasco Graç. “Setecentos anos de Petrarca”, in: V. G. M., As Rimas de Petrarca. Lisboa: Bertrand, 2003.

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Apêndice

Um pequeno exemplo de tradução, do Fausto de GoetheAh, por mais que queira, mintoSe disser que paz na alma sinto!Por que há-de a torrente secar tão cedo,Deixando-nos da sede no degredo?Isso é experiência que até de mais conheço.Mas com tais carências posso eu bem,Aprendemos a estimar o Além,Para a revelação vai todo o nosso apreço;E a sua chama não encontra alimentoMais puro e belo que no Novo Testamento.Abrir o arquitexto é uma tentação,Para, com sentir puro e leal,Verter o sagrado originalNo meu tão amado idioma alemão.

(Abre um volume e prepara-se para o trabalho.)

“Ao princípio era o Verbo!”, é o que está escrito.Quem me ajuda? Logo aqui hesito!Tanto não vale o verbo. Não,Outra vai ter de ser a tradução,Se bem me inspira o Espírito. AtentoE leio: “Ao princípio era o Pensamento.”Esta linha tem de ser bem pensada, Para que a pena não corra, apressada!É o Pensamento que tudo move e cria?Certo é: “Ao princípio era a Energia!”Mas agora que esta versão escrevi, Algo me avisa já para não parar aí.Vale-me o Espírito, já vejo a solução,E escrevo, confiante: “Ao princípio era a Acção!”

J. W. Goethe, Fausto. Versos 1210-1237.Trad. de João Barrento

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Traduzir, o jogo da diferença no ÉCART, em Maurice BlanchotEclair Antonio Almeida Filho

No começo era o futuro.O Percurso, EDMOND JABÈS

Em sua vasta e riquíssima obra ensaística, Maurice Blanchot – tradutor secreto de Paul Celan, como nô-lo revela Emmanuel Levinas – consagrou apenas três textos à questão da tradução (como realização, cumprimento, obra dada) e do traduzir (entendido como ato, exigência, devir, potência de porvir), a saber: “Traduit de...” (1949), de La Part du Feu, “Traduire”1 (1971), de L’Amitié, e La Parole Ascendante (1984, 2009), publicado originalmente como prefácio para a tradução de Hors de la colline, do poeta e tradutor russo Vadim Kozovoi, e republicado em Lettres à Vadim Kozovoï em 2009. Desses três ensaios, é em “Traduire” que Blanchot restituirá ao tradutor seu papel na efetivação do sentido da literatura – seu caminhamento –, bem como aproximará, mas sem fazer síntese dialética, num écart2 o traduzir e o escrever, de modo que a prática tradutória seja o jogo mesmo da diferença.

1 Ao final deste nosso ensaio encontra-se minha tradução de “Traduire”, seguida do original, para fins de pesquisa e experiência tradutórias.

2 Aqui apropriamo-nos da palavra estrangeira na abertura da diferença em que écart pode significar: distância que separa duas coisas que afastamos; diferença quanto à duração, dis-tância, quantidade, valor, natureza, etc., que separa duas coisas; ação de se afastar; ação de descartar (uma carta no monte, por exemplo); palavra, locução, estrutura que se distancia de uma dada norma.

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Para tal, Blanchot realiza uma análise do famoso ensaio de Walter Benjamin “A tarefa do tradutor” (La tâche du traducteur – Die Aufgabe des Übersetzers), em que ele busca acenar para o estatuto da diferença, uma diferença original no traduzir. De “Traduire”, depreenderemos seis essen-ciais considerações de Blanchot sobre

a) o modo de significação de cada língua;b) a impossibilidade de uma tradução literária literal, ou seja, calcada na seme-

lhança;c) a potência tradutória criadora de porvires; d) a abertura de um hiato – em termos blanchotianos, de um écart – entre as

línguas envolvidas no traduzir; e) a irreconciliabilidade – a não-complementaridade – anti-babélica do tradu-

zir; ef) a tradução como forma original – a origem que se funda a si mesma – de

atividade literária que concede ao tradutor o estatuto de escritor.

Blanchot inicia sua crítica-comentário ao ensaio de Benjamin, apon-tando para um certo resquício – messiânico, com certeza – de um sonho com uma linguagem originária, pré-Babel, que se tornaria acessível por meio da tradução, a qual, a partir do caráter de incompletude das línguas, visaria uma complementaridade. Para Benjamin, todas as línguas diriam as mesmas coisas, mas segundo um modo de visada diferente. Observa-se, aqui, uma perspectiva, provavelmente, platônica, em que os sentidos – os mesmos – estariam à disposição das diversas línguas, que os veiculariam por meio de simulacros. Por sua vez, Blanchot aponta para o perigo que implica tal concepção, uma vez que ela acenaria para

uma linguagem superior, que seria a harmonia ou a unidade complementar de todos esses modos de visada diferentes e que falaria idealmente na jun-ção do mistério reconciliado de todas as línguas faladas por todas as obras. Donde um messianismo próprio a cada tradutor, se este trabalha para fazer crescerem as línguas em direção a essa linguagem última, atestada já em cada língua presente, no que ela encerra de porvir e do qual a tradução se apro-pria.3 (BLANCHOT, 1971, p. 70)

3 Un langage supérieur qui serait l’harmonie ou l’unité complémentaire de tous ces modes de visée différents e qui parlerait idéalement à la jonction du mystère réconcilié de toutes les langues parlées par toutes les oeuvres. D’où un messianisme propre à chaque traducteur, si celui-ci travaille à faire croître les langues en direction de ce langage ultime, attesté déjà dans chaque langue présente, en ce qu’elle recèle d’avenir et dont la traduction se saisit.

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Blanchot entende que, caso o sonho benjaminiano se cumprisse, teríamos o fim de todas as línguas, ou seja, de todas as diferenças e, por conseguinte, de toda origem e todo porvir que cada língua encerra. Con-trariamente a Benjamin, que não vê a tradução como um original, um novo recomeço, mas como semelhança, uma tradução literal, Blanchot nos chama a atenção para o fato de que

[o] tradutor é um escritor de uma singular originalidade, precisamente lá onde ele parece não reivindicar nenhuma. Ele é o mestre secreto da diferença das línguas, não para aboli-la, mas para utilizá-la, a fim de despertar, na sua língua, pelas mudanças violentas ou sutis que ele lhe traz, uma presença do que há de diferente, originalmente, no original.4 (BLANCHOT, 1917, p. 71-72)

Assim, o tradutor, na visada blanchotiana, buscaria não suprimir a diferença – localizada não só no estrangeiro, mas também no que consi-deramos nossa morada. Indicando que a semelhança, a cópia, o simulacro, não caracterizam o ato de escritura que é a tarefa de traduzir, Blanchot observa que a identidade, se é que há uma na tradução, dá-se a partir de uma alteridade – uma outridade, diria Octavio Paz – em que se teria

a mesma obra em duas línguas estrangeiras tanto em razão da sua estranheza, quanto tornando, assim, visível o que faz que essa obra seja sempre outra...5 (BLANCHOT, 1917, p. 71-72)

Nesse sentido, a tradução – a obra outra, original –, além de dar sobre-vida ao original estrangeiro, se constituiria como ato de escritura, não lite-ral mas literário. Blanchot acrescenta que, no caso de obras escritas em lín-guas que ninguém fala, as chamadas ‘línguas mortas’, elas ganhariam, não apenas uma sobrevida, mas uma nova vida quando traduzidas, de sorte que a tradução as reconduziria para “o que elas têm de mais próprio: à sua estranheza de origem”.6

4 Le traducteur est un écrivain d’une singulière originalité, précisément là où il paraît n’en reven-diquer aucune. Il est le maître secret de la différence des langues, non pas pour l’abolir, mais pour l’utiliser, afin d’éveiller, dans la sienne, par les changements violents ou subtils qu’il lui apporte, une présence de ce qu’il y a de différent, originellement, dans l’original.

5 La même oeuvre dans deux langues étrangères et en raison de leur étrangeté, et en rendant, par là, visible ce qui fait que cette œuvre sera toujours autre, mouvement dont il faut précisé-ment tirer la lumière qui éclairera, par transparence, la traduction.

6 Ce qu’ils ont de plus propre : vers leur étrangeté d’origine.

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Tal potência tradutória criadora de porvires e de vidas novas coloca o tradutor numa situação em que, ao se defrontar com a diferença mani-festada pela língua estrangeira, ele passa a se sentir sem morada em sua própria língua, a perceber que a tradução não pode abrigar os lugares comuns, os já ditos, o que, por conseguinte, numa busca, o força, o impele a criar, a recriar, a vasculhar o lugar da diferença na diferença do lugar tanto estrangeiro quanto familiar. Para Blanchot, é essa falta que o tra-dutor “precisa preencher pelos recursos de uma outra língua, ela mesma tornada outra na obra única onde ela torna a se agrupar momentanea-mente”.7 (BLANCHOT, 1971, p. 72)

Ciente de que a tensão criadora se cumpre na tradução tanto entre a língua do original e a língua para a qual se traduzirá, quanto na própria lín-gua do tradutor, Blanchot contesta a declaração de Rudolf Pannwitz, apro-priada por Benjamin, segundo a qual o tradutor, no caso, o que traduz para a língua alemã, ao aproximar, por meio da diferença entre ambas, a língua traduzida e aquela a traduzir da Ur-Spracht, da língua originária, empre-garia como recurso de sua liberdade uma estrangeirização extrema de sua própria língua, numa desembocadura do procedimento da literalidade em tradução. Citamos, a seguir, o trecho de Pannwitz, em nossa tradução a par-tir da tradução de Maurice Gandillac, a qual é, aliás, citada por Blanchot:

Nossas versões, mesmo as melhores, partem de um falso princípio; elas pre-tendem germanizar o sânscrito, o grego, o inglês, em vez de sanscritizar o alemão, helenizá-lo, anglicizá-lo. Elas têm mais respeito pelos usos da sua própria língua do que pelo espírito da obra estrangeira... O erro fundamental do tradutor é de imobilizar o estado em que se encontra por acaso sua própria língua, em vez de submetê-la ao impulso violento que vem de uma linguagem estrangeira.8 (BLANCHOT, 1971, p. 72)

O que lemos de Blanchot é que tal perspectiva, ao invés de ressaltar, expor a diferença na e pela tradução, investe na semelhança, própria à lite-ralidade benjaminiana, entre uma língua e outra (ainda que não do modo tradicional que implicaria a germanização do grego, mas resultando, pois,

7 Qu’il lui faut combler par les ressources d’une autre langue, elle même rendue autre en l’œuvre unique où elle se rassemble momentanément.

8 Nos versions, même les meilleures, partent d’un faux principe, elles veulent germaniser le sanscrit, le grec, l’anglais, au lieu de sanscritiser, d’helléniser, d’angliciser l’allemand. Elles ont plus de respect par les usages de leur propre langue que par l’esprit de l’oeuvre étran-gère... L’erreur fondamentale du traducteur est de figer l’état où se trouve par hasard sa propre langue, au lieu de la soumettre à l’ impulsion violente qui vient d’un langage étranger.

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no que se chama helenização do alemão), tornando assim inútil o trabalho da tradução, trabalho da diferença e não da diferença que só tem lugar pela similitude entre as línguas. Blanchot observa, sagazmente, que a diferença não se orienta a partir de uma relação irmã entre o próprio e o estrangeiro, mas que a diferença é o desconcerto do próprio, a ferida, o rasgo. Essa ver-tente não aposta na oposição, complementaridade, ou suplementaridade do próprio-estrangeiro, mas, indo um pouco além do que Blanchot disse, nos interstícios, nos meios, nos écarts. Destarte, o tradutor exploraria o entre línguas ou, já que a língua só vale por comparação, preenchimento, redu-ção e ausentamento no cruzamento sintagma-paradigma e se está sempre no risco de essencializá-la, a tradução investe em uma linguagem do écart. O écart significa, assim, a abertura de um hiato entre as línguas envolvi-das no traduzir, no qual, por mais que o tradutor – tal Hércules – tentasse aproximar uma língua da outra, jamais haveria uma fusão pura e total, uma unidade; o que podemos chamar a irreconciliabilidade antibabélica do tra-duzir. Para Blanchot, “a tradução não é de nenhuma maneira destinada a fazer desaparecer a diferença, da qual ela, pelo contrário, é o jogo”.9

Com Blanchot, o tradutor passa a ter o estatuto de escritor – de alguém que, pela escritura, parte em busca de –, de modo que, mesmo se se continua a dizer que “há aqui os poetas, lá os romancistas, até mesmo os críticos, todos responsáveis pelo sentido da literatura, é necessário contar do mesmo modo os tradutores, escritores da espécie mais rara, e verda-deiramente incomparáveis”10 (BLANCHOT, 1971, p. 69). Destarte, a tradução consistiria, também, numa forma original – a origem que se funda a si mesma – de atividade de escritura.

Ademais, Blanchot percebe que, tal como a palavra crítica – que vem a ser um espaço aberto no qual se comunica a escritura –, a palavra tra-dutória se dá para a palavra criadora da qual ela seria como a atualiza-ção necessária, sua epifania. Essa epifania da obra literária seria apenas a última metamorfose dessa abertura, que é a obra em sua gênese, sua ori-gem; o que poderíamos chamar de sua não-coincidência essencial consigo mesma, tudo o que não cessa de torná-la possível-impossível.

9 À la vérité, la traduction n’est nullement destinée à faire disparaître la différence dont elle est au contraire le jeu.

10 Il y a ici les poètes, là les romanciers, voire les critiques, tous responsables du sens de la littérature, il faut compter au même titre les traducteurs, écrivains de la sorte la plus rare, et vraiment incomparables.

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A essência da escritura – da tradução – é escapar a toda determina-ção essencial: ela não está jamais já lá, está sempre a se reencontrar e a se reinventar. Traduzir o outro é uma maneira de, também, escrever(-se). A tradução – o traduzir –, como novo ato de palavra, recomeça o incessante movimento – interrompido no original – da escritura.

referências bibliográficas

BENJAMIN, Walter. A tarefa-renúncia do tradutor. In A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin: quatro traduções para o português. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. p. 66-81. Tradução de Susana Kampff Lages.

BLANCHOT, Maurice. La Part du feu. Paris: Gallimard, 1949.______. Lautréamont et Sade. Paris: Éditions de Minuit, 1949, 1963.______. Le Livre à venir. Paris: Gallimard, 1959. ______. L’Amitié. Paris: Gallimard, 1971. ______. Traduire. In: BLANCHOT, Maurice. L’Amitié. Paris: Gallimard, 1971. p.

69-73. ______. L’Écriture du désastre. Paris: Gallimard, 1980.______. Lettres à Vadim Kozovoï. Paris: Manucius, 2009.