Apresentação - Jardins de Portugal

15
Cristina Castel-Branco

Transcript of Apresentação - Jardins de Portugal

Page 1: Apresentação - Jardins de Portugal

Jardins de PortugalCristina Castel-Branco

Cristina Castel-Branco

A240913_Capa_AF.indd 1 26/05/14 11:19

Page 2: Apresentação - Jardins de Portugal

Nort

e

Cent

ro

Tejo

Oes

te

Alen

tejo

Açor

es

Alga

rve

Mad

eira

Lisbo

a

Port

o

12 CasadeNossaSenhoradeAurora14 PaláciodaBrejoeira18 QuintadaBoaViagem20 CercadoMosteirodeTibães24 MosteirodeLandim28 CasadePascoaes32 QuintadaAveleda36 SolardeMateus40 QuintadoCrasto42 QuintadeSantoAmaroeCasaPavão46 QuintadeVilegiaturadosBisposdeMiranda48 ParquedasTermasdeVidago52 SantuáriodeNossaSenhoradosRemédios54 PaçodaGlória

76 JardimdoBussacoPalaceHotel82 MosteirodeSantaClara-a-Velha86 QuintadasLágrimas92 ParqueVerdedoMondego96 JardimBotânicodeCoimbra102 ParqueAquilinoRibeiro104 JardimdoPaçoEpiscopaldeCasteloBranco106 ClaustrodoSilêncio,JardimdaManga,

JardimdaSereia114 QuintadaÍnsua

Concelho de Lisboa128 OsJardins-MiradourosdeLisboa144 QuintadosAzulejos148 JardinsGarciadeOrta152 JardimBotânicodaAjuda156 JardimdaEstrela160 JardimdaFundaçãoCalousteGulbenkian164 JardimdoPalácioFronteira170 JardimBotânicodaFaculdadedeCiências174 ParqueValedoSilêncio176 ParquedoMonteiro-Mor Concelho de Sintra180 ChaletdaCondessaD’Edla182 JardinsdoPaláciodeQueluz186 ConventodosCapuchos192 QuintadaPenhaVerde Concelho de Mafra200 JardimdoCerco Concelho de Setúbal206 ConventodaArrábida208 ParquedoBonfim212 QuintadasMachadas218 QuintadasTorres

222 ConventodaCartuxa226 QuintadoGeneral230 JardinsdoPaçoDucaldeVilaViçosa

254 QuintadoPalheiroFerreira258 JardimMunicipaldoFunchal

56 Villard’Allen58 JardimBotânicodoPorto62 ParquedeSerralves66 ParquedaCidade68 JardinsdoPaláciodeCristal74 FundaçãoEngenheiro AntóniodeAlmeida

120 Casa-MuseuPassosCanavarro124 ConventodeCristo

234 HortadoFélix

236 OsjardinsdoslagosnaIlhadeSãoMiguel238 JardimdasFurnas–TerraNostra242 ParqueFlorestalJosédoCanto246 JardimdeAntónioBorges252 JardimJosédoCanto

Page 3: Apresentação - Jardins de Portugal

13|13JardinsdePortugalNorte

2 EmbaixadorJoãodeSáCoutinhoquedepoisdeumavidadedimensãocosmopolitasódesejavavirparaaCasadeAurora:«sóqueroPontedeLima,tranquilinho»emanteveacasaeojardimcomoempenho,ocarinhoeasabedoriadequemquercontinuaropatrimóniomantendoomesmooambientedosantepassados,paraolegaràgeraçãoqueselhesegue.

3 SobreaVacadasCordas,descreve-nosocondeAuroranoAlmanaque de Ponte de Lima,5.ºano,em1923.«Jánosmaisantigosecarcomidosalfarrábiosguardadosdeháséculosnapoeiradosarquivosfradescosoucamarários,sefalanacorridadetoirosdePontedeLima»,in<http://www.cm-pontedelima.pt>.«EmvésperadoDiadeCorpodeDeus,aofinaldatarde,milharesdepessoasaguardamimpacientesdefrontedoportãodaCasadeNossaSenhoradeAuroraqueaVacadasCordas(actualmenteumtourobravo)saiaparaasruasecumpraatradição.CorreemdirecçãoàIgrejaMatriz,guiadaporcordas,ondeapraxeobrigaadartrêsvoltase,posteriormente,éencaminhadaparaoLargodeCamões.Atéaopôrdosol,noarealjuntoaorio,ascorrerias,ostrambolhõeseasquedassucedem-se».

OjardimromânticodacasadeNossa

SenhoradeAurora.

AfontedeespaldarcomaimagemdeNossaSenhoradeAurora.

Dentro do casco histórico de Ponte de Lima, a Casa de Auro-ra destaca-se quando a localizamos numa fotografia aérea. O conjunto do solar, jardins e mata, cercado por muros, tem uma dimensão que ocupa quase metade do aglomerado de casas e ruas. A mata ocupa cinco hectares, o jardim e os ter-renos agrícolas estendem-se junto à casa por meio hectare. Todo o conjunto cria uma unidade indissociável que a família Sá Coutinho (condes de Aurora) soube manter inteira e ínte-gra até aos dias de hoje. Ponte de Lima não seria o que é sem a casa e as gentes de Aurora.A dificuldade em descrever este jardim prende-se com a im-possibilidade de lhe fixar um estilo, um ambiente ou uma história. A Casa de Aurora é feita de muitos retalhos, de mui-ta diversidade. Se disser que o jardim é romântico, logo me contradigo com a forte presença de uma fonte de espaldar barroca de onde Nossa Senhora de Aurora comanda um adro definido por bancos e onde a humidade permitiu um revesti-mento de musgo dos espaldares, dos bancos e do próprio laje-do do chão. Se disser que a colecção de plantas corresponde ao coleccionismo de plantas exóticas do século XIX, logo surgem os caminhos íngremes para a mata, ladeados de castanheiros e carvalhos da região (Quercus robur, Quercus pyrenaica e Cas-tanea sativa) e onde, ao longe, do lado do rio, na extrema da propriedade, se destaca um ulmeiro de enorme dimensão, um dos últimos exemplares desta espécie de plantas de Portugal, que foi desaparecendo. Quando o proprietário2 nos mostra a carreira onde os cavalos corriam e se treinavam, em linha recta cortando na mata um eixo que ocupa toda a largura da propriedade, lembramo-nos dos traçados do pied-de-poule,obrigatórios nos grandes jardins do século XVII. Contrastam estes espaços com os recantos ajardinados junto à casa, enso-larados, domésticos, com chapinheiro de pássaros e cadeiras para a conversa animada entre a família e quem chegue.

Ponte de Lima41º46’12,41’’N,08º34’56,10’’Whttp://www.monumentos.pt•Visitaspormarcação

Casa de Nossa Senhora

de Aurora

Nestafortíssimarelaçãoancestralcomoburgo,nãonosesqueça-mosqueaquintaeoseuassentodelavourarecebetodososanosavacadascordas,quepernoitanoestábuloeédaquiqueháséculossaiparaasFestasNovasdePontedeLima.Háumpátionaparteposteriordacasacompletamentecobertoderamada,ondeseto-camtodososespaçoseseencontramoscaminhos:odojardimcomochapinheiro,odofinaldamata,ascasasdoscaseiros,aentradadeserviçoparaacasa,oestábulodaVacadasCordas3queirádesassos-segarasruasemSetembro,marrandonosmaisincautosefazendofugirosoutrosnumaanimaçãomedievalqueremontaàorigemdanacionalidade.Ojardimmaisbemdefinidotemumtraçadodecaminhossinuo-sos,umlagoredondo,umagaioladepássaros,árvoresexóticasen-treasquaisaárvoredopapel(Morus papyrifera)émostradacomorgulhotirando-sedotroncopedaçosdacascaquemaisparecemummil-folhasempedaçosondesepodeescrever.Duasaraucárias(Araucaria bidwilliieAraucaria heterofila)eomaciçodebambusforamsubindoacimadascaméliasedosáceresvermelhos,edes-tacam-sequandosevêAuroradelongecomasserrasrecortadasqueformamaoutramargemdorioLima.ÀscaméliasdeAuroraéprecisodarumdestaqueespecialpelasuaancestralidade,pelasuaboaadaptaçãoaoclimadoNortedePortugalepeloseuinfalívelcumprimento,florindotodososanosemplenofriodeInverno.Nes-te jardimascamélias,maisconhecidaspor japoneiras, formaramumtectoporbaixodoqualumamesadepedraconvidaagozarasombraeograndemurodegranitodecoradodepeçasbarrocassevaicobrindodemusgo.Aremataromuroquecorreaolongodetodoojardimeoseparadamata,atradiçãodoNorteassociou-seàtradiçãojaponesacriandoumafusãoinesperada:alatadadevinha,quenoVerãoformaumasuperfícieverdesuspensapelasbarrasdeferro,cobreumcaminhorectoquefechaemtúnel.Deumladoumaparededecameleiraspodadasadireitocomaberturasemformadejanelasparaojardime,dooutro,ummurodepedraqueaservasdaninhasforamcobrin-dodepequenasflores.OencantodestasdescobertasfazdeAuroraumlocalemquearecordaçãoantigadavidanojardimécontadaduranteospasseios,emhistóriaspassadaseanseiosdemanternofuturoamagiadoambientedegeraçãoemgeração.

Page 4: Apresentação - Jardins de Portugal

50|51JardinsdePortugalNorte

Sãodozelinhasdedicadasatodoointeriordohoteleumasósobreoparque.De fac-to, nas fotografias da inauguração o edifí-cio surge com grande imponência sobre apaisagem,poisnãohaviaárvoresemredordestes cem metros de fachada e cerca devintedealtura,eolagoreflectiaaimagemexacta do hotel. Mas hoje as grandes ár-vores plantadas à volta do lago crescerambem acima dos vinte metros da fachadaetodooambienteécriadoporelasepeloconviteaopasseiopeloparquerecuperadoem2010,integrandoopavilhãoart décoori-ginalondeseiabeberaáguadacuraouochaletsuíço...paraavendadetabaco.Em 1936 o Vidago-Palace Hotel «foi enri-quecidocomaaberturadeumpercursodegolfedenoveburacos,projectadoporPhilipRoss»32.Pioneirodetantasnovidadesnaho-telaria,oHoteldeVidagoterásidotambémoprimeiroaintroduzir-lheocomplementodogolfe,maisumamarcadoséculoXX.Parajuntar a esta história de bom marketing eêxito,nosanos1950-1960ohotelpassouaser ponto de encontro de férias das famí-lias da alta sociedade do Porto, tornando--se obrigatório ir a águas para oVidago eencontraroutrasfamíliasparaalgunsdiasdefériaserenovaçãopelaágua,pelolazerepelosocial.Éumjardimdaviragemdoséculocomban-cosmoldadosnosprimórdiosdahistóriadocimentomasaindacomformasnaturaliza-dascomcascata,ponteepercursosemre-dor.AfiliadoàcadeiaLeadingHotelsoftheWorld hoje o campo de golfe tem dezoitoburacos e, a 6 de Outubro de 2010, no diadoscemanosdaabertura,foireinauguradocomumnovospadesenhadopeloarquitec-toSizaVieiraecomarenovaçãodadecora-çãoedoparque,numambientequerespei-touomomentoemquefoicriado.

Ograndelagoeasárvoresquecresceramemseuredor.

Noinícioeraumlagopararegatas.

Opavilhãoart décoondesebebiaaáguatermal.

Nesteparquedesenhadonaviragemdoséculo,

osbancossãomoldadoscomformasnaturalizadas

emcimentocorrespondendoaosprimórdiosdahistória

destenovomaterial.

31 Precy,Jorn,Le Jardin Perdu.Paris:ActesSud,2011,p.13.32 Oanúncio,fotografiasecitaçãoencontram-senoblogue

<http://restosdecoleccao.blogspot.pt/>

Page 5: Apresentação - Jardins de Portugal

62|63JardinsdePortugalPorto

Parque de Serralves

AvistadapérgulaparaoroseiraldeSerralves.

Uma quinta junto à cidade é ainda o ideal do mundo ocidental. Inventada para o repouso do herói romano, longe da cidade, a vila romana surge para produção e recreio; e, em torno da casa, o jardim de topiária, a pérgula, as rosas, os lagos, os repuxos e as estátuas constituíam a forma mais visível do sossego desejado e criavam a transição para o espaço agrícola. Assim é Serralves, no Porto. Nos anos 1920, por decisão do conde de Vizela, nas casas de veraneio de família e em terrenos agrícolas emparcelados numa só quinta de dezoito hectares nasceu Serralves.A história do jardim e parque de Serralves é uma história de su-cesso que nas últimas décadas nos foi inicialmente revelada por Teresa Andresen, a responsável pela transição de quinta privada para a abertura ao público como Fundação de Serralves, entre 1989 e 1994, e, posteriormente, por vários outros investigadores.

EnquantosecriaSerralves,nasdécadasde1930-1940,ocontextomundialéinstável.Acria-çãoartística,emgrandefracturacomopassado,ecoaessemomentocivilizacional,masocontextoartísticonacionaléinesperadamenteestabilizadopelocrescerdeumaditadura.CarlosAlbertoCabral,2.ºcondedeVizela,homemcultoeviajado,herdeirodeumapróspe-rafamília,querdeixarasuamarcaatravésdaarquitectura,dojardimedaquinta,comoofaziamnaalturaosbarõesdaindústriaedabanca«expressandoemalvenariaecimento,vegetaçãoepropriedadesosseusrecursosfinanceirosrecentementeadquiridos»49.Paraissocontactacomoqueemartesefazdemelhornessemomentonomundo.Em1925vi-sitaaExposiçãodeParis50eencontra-secomosprimórdiosdomodernismojáemrupturacomomovimentodasartesdecorativasefazasuaescolha–intuitiva,séria,mastambémconvenienteparaocontextonacionaldeumaditadura–pelaestabilidadedasartesdeco-rativas.AescolhadoarquitectopaisagistaGréber,famosopelosjardinsà la françaisequedesenharanaAméricaparamilionários,paraprojectarosjardinsparaocondedeVizelaéaconsequênciadestaescolha.

Porto1º09’34,33’’N,08º39’33,90’’Wwww.serralves.pt• Visitável

Page 6: Apresentação - Jardins de Portugal

70|71JardinsdePortugalPorto

obrasdeParis,apassaremàdivulgaçãoeàpropagandaparadaraconheceranovaParis.OimperadorNapoleãoIIIconfiaaNapoleão--Jérôme, seu primo, a organização da Exposição Internacional de1855,queacolhecincomilhõesdevisitantes,quecomestainiciativapodemapreciartambémPariseassuasatracçõesdecidadecon-temporâneaeevoluída.ÀExposiçãodeParissegue-seadeLondresem1862,eem1867novamenteumaexposiçãoemParis,aqualatin-gequasesetemilhõesdevisitantes,entreosquaisoczarAlexandreII,oimperadorFranciscoJosédaÁustria-HungriaeoreiGuilhermedaPrússia.Esta foi assim uma saudável rivalidade e competição a favor daqualidade urbana e do conforto público, e um sucesso exemplarconseguidograçasaumapolíticaurbanainovadora.Realmente,dopontodevistadosparquese jardins,ela integrouoconhecimen-to botânico, a arte da paisagem, a ciência hidráulica e as novastecnologiasdebombeamentoeaduçãodeágua,asnovidadesdeconstruçãoemferrodeestufasedeviveiros,ahomogeneidadedasconstruçõesparaosespaçosexteriores(gradeamentosdosparquese dos squares, dos quiosques, portarias e casas de jardinagem), aestandardização do mobiliário urbano (bancos públicos, candeei-ros,grelhasparaoarejamentodascaldeirasdasárvores)eoutraslogísticasdeobraquetrouxeramgrandeeficiênciaedurabilidadeàsobrasdeparquesejardins.

Armadoemsocalcosnaencostaíngremesobre

oDouroojardiméfeitoderecantos,

fontes,passeioseoroseiral.

ATorredaMarcanestelocaldojardimorientavaasembarcaçõesaentrarnaFozdoDouro.

OlagoquehojesubstituíolagoinicialdesenhadoporFlorentClaesporvoltade1881equefoidestruídoparaaconstruçãodonovoPaláciodeCristalem1951.

Não é de admirar que este sucesso viesse a gerar noutros paísesummovimentosemelhante,nomeadamentecomaconstruçãodaarquitecturadepavilhõesemvidroeferro,associadosaexposiçõesinternacionais.No Porto, tanto estas visões como o sucesso das exposições agrí-colasestiveram«nabasedaconstituiçãodaSociedadedoPaláciode Cristal Portuense, dinamizada por um grupo de cidadãos em-penhadosemquesedestacavamAlfredoAlleneomédicoAntónioFerreiraBraga»55.Grandepartedestasnovidadesvãosurgirnojar-dimdoPaláciodeCristal,inauguradoem1865comumagrandeex-posição internacional, construçãoemmetalevidroquehojecommágoajánãopodemosapreciar.EraosímbolodestemomentoaltodahistóriapúblicadacidadedoPortomasfoidestruídoem1951.Emredordopalácio,osjardinsadjacentesforamdesenhadosporÉmileDavidevejamosoquenosdizsobreeleSousaViterbo,nasua«Notíciadealgunsjardineirosehorticultores»:

«EraalemãoeveiuparaoPortoem1865contractadopelaempreza do Palacio de Crystal para dirigir os seus jardinsque efectivamente delineou e plantou com muito gosto,revelandooseuapreciaveltalentodearchitectopaizagista.Os seus trabalhos, em que se alliavam aos conhecimentosestheticososconhecimentosbotanicos,marcaramnaquellacidadeumanovaeraparaaartedajardinagem.»56

Page 7: Apresentação - Jardins de Portugal

76|77JardinsdePortugalCentro

Jardim do Bussaco Palace Hotel

Primeiro foi a escolha da paisagem e essa foi feita por homens que muito sabiam da contemplação da Natureza e do contacto com o transcendental, para onde a visão do mundo natural os transpor-tava. Foram os frades carmelitas que procuraram lugar para o seu Deserto, onde rezar e estar longe de tudo. Ao descobrir o Buçaco deixaram escrito: «Aqui é vontade de Deus que se funde; murem este sítio, que tem nele o melhor deserto da Ordem: porque se ago-ra inculto, rude e tosco, é o que admiramos, cultivado, será um pa-raíso terreal.»60 Ao longo dos séculos tanto religiosos como leigos sentiram a força daquela paisagem e nela foram deixando a sua marca, juntando peças sobrepostas e difíceis de identificar, se não conhecermos a sua história.

QuandohojesubimosaoBuçaco,pormeiodedensavegetação,fragasemuitomusgo,co-meçamosaocontrárionotempo,ouseja,principiamosporumaparagemnaFonteFriaenolago,ambosdoséculoXIXecorrespondendoàsintervençõesfinaisdoBuçaco:começamospoispelofim.SubimosatéàáreaabertaeplanaondeassentamopalácioejardinsdoHoteldoBuçaco,tambémimaginadanoséculoXIXeconstruídaaté1911.TalcomonoPaláciodaPena,aconstruçãoromânticadoséculoXIXabsorveueenquadrouacasaconventualdoséculoXVII.Sódepois,apartirdograndeterraçodojardimfloristaluminosoebemtratado,conseguimosentrarnostrilhosenalongaascensãopelamata,pelapaisagemsacralizadadoséculoXVII,atéàCruzAltapelaViaSacracomosPassosdeCristomarcadosporcapelas.HojeoBuçacoconcentranasuaserraamarcahumanareligiosaqueexaltavaaNaturezaatravésdeDeus,usandoaáguadasfontes,asvistas,avegetaçãoeasconstruçõessóbriasemodestasdoséculoXVIIeXVIII;masnomesmoespaçoseveioinstalarorecreioromântico,aexaltaçãodasemoçõesestéticaspelaproximidadedaNaturezaqueoséculoXIX«inven-tou»etrouxeatodosatravésdoturismoedahotelaria.OBuçacotemdoistemposecon-vémapresentá-losseparadamente.Primeiroforamoscarmelitasqueseencantarampelapaisagem,eem1628principiaramaconstrução,instalando-senelaem1630.«Omosteiroeraedifíciovastoeespaçosonoseutodo;asoficinasporémsãoacanhadasehumildesefabricadasdemateriaisrudesetoscos....emmuitossítiossubsistegranitobruto.»61DestemosteirooudesertojápoucoexistepoissobreelefoiconstruídooPalaceHotelcomarqui-tecturatardiadoséculoXIX,masreconhecemoshojenosítioofrontispíciodaigrejaque«temtrêsarcos,masmuilimitadosetoscos...paraosquaissesobeporalgunsdegrausdãoentradaparaopequenozagãoquadradoladeadodeassentoscujasparedessãoforradasdecascalhoeotectodecortiça»62.Apesardeconfundidoscomapresençafortíssimadopaláciohotelneomanuelino,agran-demarcadaconstruçãodestedesertoeraasobriedade,agrandezasemfausto,aintimi-dadecomaNaturezalevadaaopontodesedeixaremasgrandesfragasdegranitodentrodaconstruçãohumanaeserevestiremasparedesacascalho,ouseja,oquedesignamosdeembrechadoenriquecidonoPalácioFronteira,tambémseiscentista,masquenoBuçacotemapenaspedraspretas,brancaseocre, semconchasnemvidrosnemporcelanas.«Oembrechadoouacortiçarepresentavamapobrezamaispobre.»63EstedespojamentoquesefundecomoamoràNaturezaétalvezoquemaisnosinteressanaobradoBuçaconoséculoXVIIejáfoiinterpretadadopontodevistamísticocomoumaarquitecturaaludindoaJerusalém«quefaziareferênciadirectaàgrutadeElias,orefúgiodoProfeta[...]edosprimeiroseremitasnasfaldasdoCarmelo[...]OembrechadoremetiaassimparaaTerraSanta,aorigemlendáriadaordemdoCarmo»64.Oscarmelitasforamentãocriandoumanovapaisagemconstruindoumacercadequatroquilómetrosqueevitavaqueapopulaçãoviesserecolherlenha,etodososanosplantandonelaárvoressilvestres.Éassimqueospri-meirosCupressus lusitanicasãoidentificadosporTournefort,botânicofrancêsquevisitouPortugaleosdescreveem1686noBuçaco,enopoema«SoledadesdoBussaco»,deD.Ber-nardaLacerda,sãoreferidasmuitasespéciesqueIlídiodeAraújoidentificacientificamente:«corresponderãoàsseguintesespécies:Acer pseudoplatanus, Junniperus communis, Fraxi-nus angustifolia, Quercus roburouPyrenaica, Ulmus Glabra, Cupressus sempresvirens stric-ta, Laurus nobilis, Populus nigra, Amygdalis communis»65,permitindo-nosimaginaraserracomárvoresvariadasenovas,obradosmongescarmelitas.

Oparterredebuxoérodeadoporumpasseioempérgula

cobertodeglicíniadecachoslongosvioletasemplenafloraçãonofinaldeMarço.

Mealhada40º22’31,39’’N,08º21’55,61’’Whttp://www.bussacopalace.com/• Visitável

Page 8: Apresentação - Jardins de Portugal

118|119JardinsdePortugalCentro

Agrandealamedalevaaindaaumacascataondeaáguaeogranitoirregularseconfun-dem, criando um efeito de plena Natureza tão apreciado no século XIX.Terá sido nessaalturaqueseinstaloufaceàcascata,juntoaolagoquerecebeaágua,amesaparaseestarousealmoçar.Ofinaldaalamedaofereceumaapoteosesurpreendentepelosmateriais,pelotemaepelacomposição:umgrandepaineldecerâmicaesmaltadaembaixosrelevosapresenta-nosSãoFranciscodeAssis.NoentantoestaadiçãodoséculoXX99cortaoeixo,tapandoavistaquedalipermitiriaaumentaraperspectivaparaapaisagemcomosefaziaemFrança,colocandoumaestátuacujasilhuetaapontavasembloquearavistaparaosterrenoslongínquosouquandoesteseraminclinados,perdendo-seinfinitamentenocéu.Ojardimjuntodopaláciotemsidoapelidadodejardimàfrancesamasésimplesmenteumjardimgeométricocomumeixocurto,aocontráriodosjardinsfranceses,econstruídosobreum terraçoquesóconsegueserplanopor terummurodesuportealto talcomoacontecenascolinasdaToscânia.Paraalémdestestraços«importados»dosjardinsestran-geiros,oJardimdaÍnsuatemcaracterísticasquenãopertencemnemaosjardinsitalianosdoséculoXVInemaosfrancesesdoséculoXVII.Nesteterraçotemostrêsdoselementosprópriosaojardimportuguês:ograndelagoondeseespelhaafachadadopalácio,oscan-teirosdebuxotopiadosondeemvezdeparterre de broderietemosumaescolhadeplantasrústicascomoasrosas,asbergéniaseosagapantosvivazes,capazesdesemanterdurantegrandesperíodossemreganemmanutenção,criandoefeitosdecorevolumedentrodoperímetrodebuxo.Masapresençamaisforteéadascamélias,arbustosexóticosdecolec-çãoquenaÍnsuacrescerammaisdedoismetrosemformadetúnel,juntandoascopasecriandoabrigosredondosquecircundamolago.Amanutençãodestejardimé-nosassimdescrita:

«Écurioso tersidosempreessebuxo tosquiadocom todoocuidadoeseminter-vallodeumannodesdeasuaplantação,únicaformacomoseexplicaasuaperfeitaconservação.Temparedesdebuxo,murtaecedros,comformasrigorosamentegeo-métricas.Constaqueocargodejardineirotemsidosempreexercidopelamesmafamília,dosThiagos.Eujáconhecitrêsgeraçõesenãodeveissoterconcorridopoucoparaaperfeitaconservaçãodosjardins.»100

Jardineiroseproprietárioscriamamizadeerespeitomútuo,conseguindoassimquejar-dinssevãomantendocommuitadedicaçãoesetornempatrimónionacionalquepodeagoraserapreciadoàdistânciadedoisséculos.

Rei,ManuelA.,SextareuniãoMagnadeRotáriosPortugueses,FigueiradaFoz,1941SofiaRaimundo,inCastel-Branco,JardinscomHistoria,INAPA,Lisboa,2000p.80

LOUREIRO,Marques,“AQuintadaÍnsua”inJornaldeHorticulturaPrática,nº1,Porto,1890MuitosdoselementosromânticosquesepodemencontrarnojardimsãodaautoriadeNicolaBigaglia,arquitetoitalianoquedirigiuostrabalhosdebeneficiaçãonaquinta,naviragemdoséculoXIXparaoséculoXX97 raimundo,Sofia,Jardins com História(coord.castel-Branco,Cristina).Lisboa:INAPA,2000,p.80.

98 �loureiro,Marques,«AQuintadaÍnsua»,Jornal de Horticultura Prática,n.º1,Porto,1890.99 MuitosdoselementosromânticosquesepodemencontrarnojardimsãodaautoriadeNicolaBigaglia,arquitectoitalianoquedirigiuostrabalhos

debeneficiaçãonaquinta,naviragemdoséculoXIXparaoséculoXX.100Descriçãodoentãoproprietário,ManueldeAlbuquerque,transcritaporViterBo,Sousa,A Jardinagem em Portugal,sérieII,Coimbra,1909,pp.68-69.

«Écuriosotersidosempreessebuxotosquiadocomtodoocuidadoesemintervallo

deumannodesdeasuaplantação,únicaformacomoseexplicaasuaperfeitaconservação[…]»

Page 9: Apresentação - Jardins de Portugal

156|157JardinsdePortugalLisboa

OterrenodoPasseiodaEstrelafaziapartedacercadoconventodosbeneditinosqueaexpropriaçãodasordensreligiosasem1834 ti-nhadeixadosemuso.Oscercadequatrohectaresbemlocalizados,comvistaparaoTejo,livresdeconstruções,tornaram-se,ameiodoséculoXIX,osítiocertoparaaconstruçãodeumpasseiopúblico.AqualidadedacomposiçãodoJardimdaEstrelaemlinhasnatu-ralistasrevelaumamãoseguraeumbomconhecimentodoster-renosdeLisboaesabemosqueaoladodeBonnardesteveumjar-dineiropaisagistaexperiente,JoãoFranciscodaSilva137.Oterrenoédeixadocomassuasformasnaturais,comduasentradasnaparteplanaanascenteeasul,eumgradeamentodeoitocentoseoitentaeoitometros,robustoeassentesobremurodepedra,que limitao jardimeabretambémanorteenocimodojardimanoroeste,com mais três entradas. A modelação do terreno, parte essencialdodesenhodeumjardim,acentuouatopografianaturalcriandoumagrutaemrocaillesnapartemaisbaixaeumacolinaartificialconhecidapelamontanha-russa,nazonasul,aservirdemiradou-ro, abrindo vistas sobre oTejo. O projecto soube destinar os usoscertosaoslocaiscertosouseja,naparteplana,doisgrandeslagosdeformasnaturaisquereflectemoverdedoscedros,magnóliasetíliaseadescerdopontomaisaltomaistrêspequenoslagosempatamares,ligadosporcascatasqueseguemaencosta.Duranteofuracãode1941caíramduzentasárvores,masficoudeBonnardeJoãoFranciscoamarcadequalidadenaescolhadolocalparacadaespécieeocuidadonaplantaçãoquepermitiuumbomarranqueparaodesenvolvimentomáximodecadaárvore.Acadaespécieoseulugarcerto;azonadoscatosbemexpostaasulevi-giadaporumaDracaena draco,umimensoFicus macrophylaasairdaáguadolago,oscedros-do-líbanoeatlânticanossolosprofun-dos,osplátanosaolongodoscaminhosserpenteantes,àentradadojardimumaGingko bilobaeumaChorizia speciosaquefloresceemNovembro,eaalamedadeCeltis Australis,asmaisrobustasár-voresurbanasjuntoaogradeamentodaruaquesobe.Árvoresbemplantadasqueatingiramportesenormes,enazonamaissombria,juntoaoconvento,napartemaishúmidaedesolosácidos,umaen-costadeClivia miniata, Aucuba japonica,azáleaseochãorevestidoaOphiopogon.Umadasimagensdemarcadojardiméocoreto,emferro,projec-tadoporSoaresdeLimaem1850.Outroexemploéopavilhãodojardim-de-infância,construídoem1882porJoséLuísMonteiro,queserveexactamenteasideiashigienistasdaépoca:daràscriançasdomeiourbanoumcontactocomaNaturezagarantindo-lhesumdesenvolvimento que inclui o despertar para a beleza do mundonatural.Talcomonosjardinspúblicosdeoutrascapitais,ojardimofereciaváriasactividadesde lazer:umabiblioteca,umquiosquequeservedebarequesemantémaindahoje,ocoretoondesedãoconcertosnoVerãoeàvoltadoqualocorremfeirascomoadeplan-

Lisboa38º42’52,88’’N,09º09’33,17’’Whttp://www.monumentos.pt• Visitável

UmadasentradasdojardimestánoenfiamentodoeixodasimetriadaBasílicadaEstrelaeéladeadaporumaGingko bilobaeumpinheiromanso.

O Jardim da Estrela é hoje um dos jardins mais frequentados de Lisboa durante todo o ano e por todas as camadas da população. Quem o construiu merecia um louvor ou uma homenagem, mas infelizmente a história dos jardins não é celebrada como é a dos mo-numentos. Quatro homens devem ser a esse propósito relembrados, dois deles políticos: António Bernardo da Costa Cabral, liberal e presidente do Conselho de Ministros, cuja força política levou por diante a obra, e o presidente da Câmara de Lisboa Dr. Laureano Luz Go-mes, médico higienista que impulsionou a criação de um espaço aberto e plantado para o bem-estar e saúde da população de Lisboa. O terceiro é o rei D. Fernando já com a ex-periência adquirida na criação do seu jardim paisagista na Tapada das Necessidades e o seu parque romântico da Pena em Sintra, que emprestou o seu jardineiro Bonnard (a quarta personagem) para delinear e plantar o jardim. E, finalmente, os lisboetas estão de parabéns pois o jardim foi feito por subscrição pública. O financiamento para a compra do terreno e construção do jardim surge da burguesia e uma colecta reuniu donativos suficientes vindos de todos, e especialmente de mecenas enriquecidos: Manuel José de Oliveira, barão de Barcelinhos, e mais tarde Joaquim Manuel Monteiro, a quem o rei D. Luís dá como recompensa o título de conde da Estrela.Quando se inaugurou em 1856, o Jardim da Estrela chamava-se «Passeio da Estrela» e é uma manifestação da vontade de uma burguesia lisboeta orientada pela moda de outras capitais da Europa culta, mas também atenta a um novo fenómeno que emergia pela mão da família real: o interesse pela Natureza, o conhecimento das plantas, o gosto pelos jardins que D. Fernando II, o rei paisagista, tanto impulsionou.Quando se abriu a Avenida Infante Santo, o traçado dos engenheiros cortava o Jardim da Estrela a direito e ao meio, ligando-a ao topo da Avenida Álvares Cabral. A população de Lisboa insurgiu-se e opôs-se valentemente e com manifestações de rua, fazendo os deciso-res mudar o traçado que hoje sobe e desce, contornando o jardim.

Jardim da Estrela

Page 10: Apresentação - Jardins de Portugal

Jardins de Portugal Alentejo 222|223JardinsdePortugalAlentejo

Convento da Cartuxa

Ovalordaáguanapaisagemáridarevela-sepelaqualidadearquitectónicadamãe-d’águaquesurgenomeiodocampo,entreoliveirasmilenares,desenhadacomuminusitadore-quintedeornamentoqueincluibancos,escadariaeummiranteondesesobeàalturadoaquedutoesevêaplanuraalentejanarodeandoacidadedeÉvora.Apartirdaliaáguaeralevadaporumramaldoaquedutoatéàcisternadoconventoedis-tribuídadeformaapoderservirosfradeseoseugrandeclaustro(noventaeoitometrosdelado)queéapeçaescondidadoconventocommaisvalorparaahistóriadaartedosjardins201.SenãosoubessequeeramdaCartuxa,julgariaqueasfotografiasdoclaustroquemeche-garammostravamumjardimislâmicodelaranjeiraseciprestes,comcaminhoslimitadosporbuxotalhadoefechadoporumaarcaria,comoumoásisnasplaníciesáridasdaAnda-luzia.Comoseapaisagemealongatradiçãoárabedegeriraescassezdaáguaseimpuses-seaojardim,naescolhadasplantasqueaguentemoclima,nacomposiçãoarquitectónicaqueprotejadaaridez,nalocalizaçãodaáguaparadistribuição.Equeessaimposiçãofossemaisfortequeareligiãoescolhida.Asurpresafoienorme, tãograndequantaaemoçãopelabelezadojardimassimmantidopelosfradesque,zelososdeconsagraroseuDeus,haviamcolocadosobreafontecentralumapequenaimagemdaVirgemqueofotógrafoatentamenterecolheu.A«EscadadoCéu»éotemareligiosoquesecelebranesteconventocriadoporiniciativadeD.TeotóniodeBragançaporvoltade1588.Nagrelhadeentradalê-se«Scalacoeli»eéanun-ciadaaideiaqueládentroseconstrói,atravésdemuitasoraçõesdiáriasedodespojamen-todavida,umaescadaparaoCéu.NaalturaemqueoconventofoiconstruídoPortugaleraumpaísmuitorico,oumelhor,PortugaldeixaradeserumpaíseforaintegradonoimpériodosreisdeEspanhamas,havendodinheiro,aconstruçãodoconventorespeitouasgrandesdimensõesdeumbeloprojectoparaoconvento,tradicionalmenteatribuídoaFillipoTerzi;tevetambém,segundoinvestigaçãorecente202,acolaboraçãodofradeescultorearquitec-toGiovanniVicenzoCasale(Florença,1539-Coimbra,1593).Asplantasecortesdoconventoencontram-senabibliotecadeMadridmostrandoqueseseguiucomrigoroprojectoe,tal

Nunca pude entrar no Convento da Cartuxa porque as mulheres ficam atrás da grade e só entram os homens. É a clausura da ordem de São Bruno (nascido no século XI e fundador da Ordem da Cartuxa) e integralmente respeitada pelos sete frades que vivem no Conven-to da Cartuxa em Évora e que tomam conta deste lugar de retiro, oração e vida simples. Andei pela cerca e à volta do muro que envolve o convento para perceber como se man-tinha na paisagem alentejana aquela grande construção pensada para cerca de sessenta frades, e confirmei aquilo que nos livros é repetidamente afirmado: o Aqueduto da Água de Prata foi terminado em 1537 e a localização do convento foi escolhida depois, recolhendo dele a água suficiente para abastecer este grande convento e a sua comunidade.

Évora38º34’53,08’’N,07º55’08,86’’Whttp://www.monumentos.pt• Fechadoaopúblico

Amãe-d’águaligadaaoAquedutodaÁguadePrataforneciatodooconvento.

Page 11: Apresentação - Jardins de Portugal

234|235JardinsdePortugalAlgarve

Oolivalnovocomoumjardimdebelezaebrilho,bemmaisadap-tado ao clima do Algarve que um relvado verde, cobre a terra sóprecisandodereganaPrimavera.Produçãodeumaagriculturade«somazero»,ondeoqueseextraidaterraedoarvoltaaelesatra-vés do composto feito do engaço da azeitona, que ao fim de umanoéespalhadodenovo.Depoisdacolheita,emNovembro,entramneste jardim de cores ocres doze porcos com argolas no focinhoque se alimentam unicamente dos frutos magoados que caíramaochãoenãoestragamaterra,poisaargolaimpedequerefocilem.Comem,engordamevendem-seseismesesmaistardedeixandooolivallimpo,semamosca.AquintaelagartêmassuasraízesnaLusitâniaRomana,aliaoladopassaaestradaromanadeMoncarapachodoportodeBalsaaBeja,easmóssãoenormespedrascomummetrodeespessura.Osiste-maderegadependiadequatronorasedeumasábiadistribuiçãodeáguapelascaleiras.Umadelascorreaindaaolongodeumapér-gulabaixacomesteioscircularesmuitolargos,emalvenariacaiadadacordaterra,edizemqueatrásdasvinhaspenduradasemtravesentrecadacoluna,ovizirvigiavadecimaostrabalhosnoscampos.Sobreapérgulaestendem-seváriastrepadeirasouplantasqueporelasubiramcomflorescoloridas:plumbagoazul,thumbergia cordelaranjaeamarelo,bouganvillearosa-violeta,vinhasobriamenteverde,jasmimbrancoe,juntodovelhíssimopoçoqueremataapér-gula,aMacfadyena unguis-catidefloramarela.AcasadaHortadoFélixérodeadadeplantaçõesqueestãoprepa-radas para o aquecimentogeral do globo; uma alameda de Ficus nitida,umagrandeárvoreafricanaTerminalia excelseaheroínanaprocuradeáguanosolo,Rosmarinus prostrataquepareceviversemáguacobrequasetodososcanteirosecontraosmurosflorescemdesurpresaoscatosdeumacolecção,quenãopertencemaocon-textoalgarvio...masqueodonoplantouantecipandoasalteraçõesclimáticasquesevãoaproximandoeameaçandocomumaumen-to de aridez. A Horta do Félix estará preparada para se aguentarcomplantasvivas,masoqueiráaconteceratantasoutras?

Horta do Félix

Entra-se por uma cerrada alameda de palmeiras numa quinta de nove hectares no coração do Algarve. A produção de azeite ressurgiu aqui e atravessou já para o século XXI com um olival cinzento sulfatado a branco, muros caiados da cor da terra, as oliveiras novas dando azeitona boa e azeite virgem extra feito com tecnologias de ponta e de tal qualidade que obteve privilégios de consumidores estrangeiros que só deste bebem. A maquinaria foi instalada num lagar onde outrora os romanos faziam também azeite e onde os arcos em volta perfeita nos fazem sentir numa catedral!Sabia-se que o Algarve em tempos havia dado bom azeite, mas ao longo do século XX a mosca da azeitona Brachtocera olea foi-se alastrando, deixando o ovo no fruto tenro, fa-zendo danos sem fim e estragando o gosto do azeite. Os lagares foram fechando e o saber foi desaparecendo. Foi preciso um dono persistente e sabedor para que a terra voltasse a dar o que já dera e o líquido transparente que iluminou durante séculos o Mediterrâ-neo, voltasse a aparecer em Moncarapacho pela mão de Detlev van Rosen que escolheu o próprio lagar para sua casa, pintando-a também da cor da terra para nela se camuflar na paisagem algarvia.

Anoraantigacomaqualsealimentavadeáguaolagardeazeite.

Oolivalcortadopelaalamedadepalmeiraseumjardimtratadoqueocupaumapartedaquinta.

Faro37º05’24,30’’N,07º47’21,41’’Wwww.monterosa.pt•Visitaspormarcação

Page 12: Apresentação - Jardins de Portugal

Os jardins dos lagos na ilha de São Miguel

Na ilha de São Miguel antigas crateras transformaram-se por vezes em lagos, como a das Sete Cidades, a do Fogo e a das Furnas, e nelas situam-se os três jardins descritos. Para além dos cones vulcânicos e das crateras, os vestígios da actividade vulcânica da ilha vêem-se e sentem-se. O clima nestas ilhas é influenciado pelas áreas de alta pressão atmosférica, é marítimo temperado, húmido e chuvoso, muito instável e sujeito a chuvas durante o Ve-rão. A temperatura média anual de 17,5º C, com baixa amplitude térmica, é extremamente favorável para a aclimatação de plantas de outras regiões do mundo, factor determinante para a introdução das novas espécies nos parques e jardins dos Açores durante o século XIX, que se desenvolveram quase espontaneamente a par da vegetação indígena. Em São Miguel toda a história dos jardins roda em torno da produção de laranjas.Os citrinos foram introduzidos na ilha de São Miguel c. 1580 e Gaspar Frutuoso mencionou a existência destas árvores na ilha. O que tornou esta planta importante para a economia das ilhas foi o embarque de laranjas directamente de São Miguel para Londres, exportação que teve início em 1794 e o seu apogeu em 1867. Chegavam barcos de Londres entre Maio e Setembro e a produção era substancial. Muitas das fortunas do século XIX que mais tarde possibilitaram a construção de palácios e jardins resultaram do negócio das laranjas; não só a beleza dos laranjais se equiparava à de um jardim, como também o ciclo das laranjas nos Açores era acompanhado pelo ciclo da paisagem e dos jardins românticos na zona dos lagos, uma vez que o dinheiro das laranjas constituía um benefício permanente para a ilha, a todos os níveis sociais.Era preciso proteger os laranjais dos fortes ventos que atravessavam o Atlântico, por vezes com forças superiores a cem quilómetros por hora, que assolavam as ilhas com uma força tremenda e aos quais se associava um terrível inimigo da vegetação: o sal. Contra este inimigo constante foram construídas sebes vivas, recorrendo ao uso de vegetação perene e resistente ao sal, como Banksia integrifolia, Myrica faya e Pittosporum undulatum, cons-truindo compartimentos verdes naturais que embelezavam a paisagem a curto e a médio alcance. A estes laranjais foi acrescentado um pormenor: o mirante que servia para con-trolar a entrada dos navios ingleses no porto de Ponta Delgada. Estes mirantes pontuam a paisagem, estruturas caiadas de branco contrastando com o basalto escuro usado na sua construção, erguendo-se acima dos verdes que protegiam os preciosos laranjais. Entre 1877 e 1890 a produção reduziu-se drasticamente devido ao surto de Coccus hesperidum, a «lágrima» que assolou as ilhas dos Açores, pondo fim ao período de bem-aventurança. A emigração recomeçou, os jardins foram praticamente destruídos e a paisagem mudou.Torna-se assim fácil explicar a localização destes três jardins ao abrigo das crateras, onde as plantas podiam crescer sem estar sujeitas a destruições periódicas: ali, o solo, a humi-dade permanente, as temperaturas amenas e as paredes da cratera criavam um paraíso onde podiam medrar perto do lago, tornando-se parte integrante daquela paisagem ex-traordinária.Nos meados do século XIX este cenário ideal tornou-se o palco de um fenómeno nascido do entusiasmo pela colecção de novas espécies. Os detentores das grandes fortunas da ilha aderiram à moda, já bem enraizada na Europa, que consistia em experimentar e tro-car novas plantas, criando vastos jardins para introduzir e aclimatizar o maior número de espécies possível. Ao virar do século já tinham sido introduzidas cinco mil espécies na ilha de São Miguel e plantados dois milhões de árvores210.

210 �alBergaria,IsabelSoaresde,Quintas,JardinseParquesdaIlhadeSãoMiguel1785-1885.Lisboa:QuetzalEditores,2001,p.113.

Page 13: Apresentação - Jardins de Portugal

AcriaçãodojardimdasSeteCidadesfoibemdocumentadaporIsa-belAlbergariaesabemosqueem1851AntónioBorgesestavaempe-nhadoemempreenderalgumasobrasnasSeteCidades,incluindoestradas e melhorias a nível de entretenimento. «Dedicou-se decorpoealmaaumprojectoaquechamou“aconstruçãodeumapaisagem”ajustadaàsqualidadesdolocal»227.ÉmuitointeressanteassistiràemergênciadeconceitoschegadosdirectamentedaEu-ropasemterempassadopelocontinenteportuguês,eaofactodeAntónio Borges ter começado a construir a sua casa de veraneiocombaseemcatálogosdecasasdecampoepaisagensinglesas.Dopontodevistadaarquitecturapaisagista,oselementosmaisin-teressanteseramalocalizaçãodacasa,quedeviaserummarcodapresençahumananestapaisagemnaturalúnica,eoscaminhosaoredordolagoquepermitiriamadescobertadeângulosespeciaisdeondeapreciaravistadoslagosedacratera,seguindoodesenhonatural das margens lacústres. Por isto se confirma que AntónioBorgesseguiuecontribuiuparaodesenho,porformaacriaroseusonhode«ajustaràsqualidadesdolocal»,observaçãoquenospo-derialevaraCapability Brown,reconhecidopeloseutalentonaáreadosjardinsepelacapacidadederevelarabelezapotencialdeumlugarreforçandoassuasqualidadesnaturais.Grande parte das plantações foi acrescentada entre 1853 e 1855,comespéciesorigináriasdaAustrália:Bankisia, Metrosiderus, Me-laleuca, Eucaliptus, Proteas, Dammara australis,umaClethra quer-cifoliaeOlea emarginatadaNovaZelândia.Asconíferaseramprin-cipalmenteCupressuseCryptomeria japónica.Encontrou-secomojardineiroFrançoisJosephGabrielnaBélgica,em1853,queacom-panhouAntónioBorgesnassuasviagensporPariseLondres,paraseleccionar e encomendar plantas para as Sete Cidades. Para sevisitaralagoadebarco,foiconstruídaumacasadebarcoseosvisi-tantes–talcomonoYankee HalldasFurnas–eramconvidadosare-marnograndelago.HátambémregistodenaturalistasquevieramestudaraáreaeforamguiadospelopróprioAntónioBorges.Entreestesconta-seEdmondGoëze( jardineiro-chefedoJardimBotânicodeLisboa),Hratung,MoreleteDrouët–tendooúltimopublicadoo

AzáleastalhadasembolaseumaarquitecturaondecontrastaacaleasombreirasescurasdãoumaidentidadeúnicaaosjardinsdosAçores. AntónioBorges«dedicou-se

decorpoealmaaumprojectoaquechamou“aconstruçãodeumapaisagem”ajustada

àsqualidadesdolocal».

OclimahúmidodosAçoreseossolosbasálticosfazem

comqueavegetaçãodeorigemjaponesacomoascaméliaseascriptomérias

encontremumhabitatperfeito.

Page 14: Apresentação - Jardins de Portugal

254|255JardinsdePortugalMadeira

Umjardimtemdeseramadoparasertotal,easucessãodeproprietáriosgarantiuaestejardimumcontínuodeamorededicaçãoqueofoitornandocadavezmaisdiverso,complantasmaisbonitas,recantosdegrandebelezaeacadadécadamaiscompleto.Em1804,ocondedeCarvalhal,ohomemmaisricodaMadeira,mandaconstruiracasa:

«Dizatradiçãoqueojardimfoidesenhadoporumjardineiropaisagistafrancês.Du-zentoshomenstrabalharamnapropriedade.Oparquefoifeitocomlargasavenidasdeplátanosecastanheiros,caminhosqueseintersectam,lagosecanteirosdeflorese,oBalançalumatorreeleganteconstruídanopontomaisalto.»233

Poderia pertencer esta torre à série dos mirantes que os jardins da Madeira possuem eondesevaipassear,veroFunchaleomar234.Em1885veioafamíliaBlandytomarpossedestelugareojardimpassaaserumapriori-dadeeumapeçaessencialdaquinta.ÉdessaalturaacasatraçadapeloArquitecto.GeorgeClarkeJr.,construídaporvoltade1889,comosseusjardinsformaisdesenvolvidosemso-calcosquepermitemmanterosoloprofundoparaasplantasnumatopografiatãodeclivo-sa.ConsiderandoatendênciaparaasformasgeométricasdosjardinsdaMadeira,Gerald

Funchal32º39’29,53’’N,16º52’01,65’’Whttp://www.palheiroestate.com/• Visitável

Quinta do Palheiro Ferreira

Um jardim que ganhou o Prémio Relais & Châteaux não é coisa pouca, pois a exigência desta cadeia de hotéis é muita alta e os premiados jardins dos seus hotéis têm que apre-sentar beleza, maturidade, excelente manutenção e diversidade.Mas não foi para mim uma surpresa: a beleza deste jardim tem sido louvada por muitos viajantes desde o século XIX230 tanto pela escolha do sítio (quinhentos e cinquenta metros acima do mar, num planalto a leste do Funchal, com uma vista sublime) como pela sua rica história na arte de jardins. A quinta, inicialmente com duzentos hectares, aproveita a água de uma levada231, conheci-da por Levada do Blandy, que traz água das nascentes do alto, descendo por um canal que ali fica disponível para a rega do jardim e dos socalcos agrícolas iniciais. O jardim, com treze hectares, é também conhecido pela colecção de camélias, a mata de carvalhos, os cedros, os castanheiros, os liriodendrons, as sequóias e gingkos que foram plantados pelo proprietário inicial, conde de Carvalhal, há dois séculos, na viragem do sé-culo XVIII para o XIX, tendo atingido grandes dimensões e formando um cenário sobre o qual os proprietários seguintes, os Blandy, trabalharam para melhorar os efeitos da cor e do encanto das flores com a grande sabedoria em horticultura de Milfred Blandy232.

Em1804,oparquefoifeitocomlargasavenidasdeplátanosecastanheiros,caminhosqueseintersectam,lagosecanteirosdeflores.

Page 15: Apresentação - Jardins de Portugal

256|257JardinsdePortugalMadeira

Luckhurstreparaque«paraumjardimdemontanha,estetemsurpreendentementeumaextensaáreaplana»235admitindoqueossocalcosagrícolasforamtransformadosemjar-dinsdeterraços,obrigandoaumageometriadelinhasrectas.CitatambémCharlesTho-masStanford:«Noseulivro“LeavesfromaMadeiragarden”(1909)[ele]fazuminteressantecomentárioàcercadovelhoconflitoentreo[jardim]formalistaeonaturalista.»Eassimficaramacoexistirduasespéciesdejardins:emfrenteeabaixodacasa,ogeométricomain gardencomumeixocentraleobedecendoalinhasregulareseodeLadyBlandy,tambémemlinhasgeométricas,comumacolecçãonotáveldeexóticasqueflorescemnoclimaame-nodaMadeiraemcoresvibrantes;ecomojardimnaturalaravinaqueexistianumaextre-madaquintaondeseplantaramfetos,secriaramcaminhossinuososenasceuumjardimnaturalistacomonomedeRibeiradoInferno.AcasadaquintainicialéhojeumhoteldacadeiaRelaisChâteauxeosterrenosagrícolasforamocupadosporumgolf,constituindoumconjuntohoteleirodegrandequalidadeeoriginalidade.

230 �luckhurst,G.,The Gardens of Madeira.Londres:FrancesLincolnLimited,2010.231 �costa,Alexandra,Quintas do FunchalRelatórioFinaldeCursodeArquitecturaPaisagista.Lisboa:InstitutoSuperiordeAgronomia,1998(nãopublicado).

«Aslevadassãoestreitoscanaisdescobertosporondeaáguacorre,[…]datandoasmaisimportantesdoséculoXVI[…]Sãolongossistemasdeirrigação(Chegandoa50km)dasquintas,sendoporvezesnecessáriofazerramaisoudesviosàlevada,[…]comoexemplotemosaLevadadoBlandyquepassanaquintadoPalheiroFerreiraindoalimentarosseuslagosqueservemdedepósito.

232 InIbidem,Blandy,Milfred,Royal Horticulture Society Journal.Londres,Setembrode1955.233 �luckhurst,G.,The Gardens of Madeira.234 �costa,Alexandra(Quintas do Funchal),identificaumaextravaganteactividade-ficçãoinventadanaMadeiranofinaldasguerrasliberaisemquese

criaramEsquadrasdeNavegaçãoTerrestrecujaartilhariafoiinstaladanasquintascommastros,mirantesebandeirashasteadasqueaindahojesepodemver.

235 �luckhurst,G.,TheGardensofMadeira.p.29.

Hátaludesrevestidoscomummixed bordermuitooriginal,plantadocomespéciesendémicasdaFloradasilhascomoaDracaena draco,aEuphorbia tuckeyana,aScilla maderensis,aErica scoparia ssp. azoricaeoBerberis maderensis.

AsformasderecolhaedistribuiçãodeáguanaMadeiradependemdaslevadas:

estreitoscanaisdescobertosporondeaáguacorre.ALevadadoBlandypassa

naQuintadoPalheiroFerreiraindoalimentarosseuslagos,

ondeéarmazenadapararega.

NumrecantodojardiméprecisoirvisitarasgalinhastalhadasembuxoqueintroduzemumtoquedeextravagâncianasucessãodeespaçoscertosebemplantadosdaquintadePalheiroFerreira.

NaQuintadoPalheiroFerreiracoexistemduasespéciesdejardins:emfrenteeabaixodacasa,ogeométricomain gardencomumeixocentraleobedecendoalinhasregulareseodeLadyBlandy,tambémemlinhasgeométricas,comumacolecçãonotáveldeexóticasqueflorescemnoclimaamenodaMadeiraemcoresvibrantes,depoisaRavina,jardimnaturalesublime.