Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

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PAULO MENDES PINTO Santos e Beatos de Portugal Rostos de Santidade PAULO MENDES PINTO Rostos de Santidade Santos e Beatos de Portugal

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Page 1: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

PAULO MENDES PINTO

Santos e Beatosde Portugal

Rostos de Santidade

PA

ULO M

END

ES PIN

TORostos de Santidade

Santos e Beatos de Portugal

Page 2: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

11 A noção de santidade

17 São Teotónio 23 Beatas Teresa, Sancha e Mafalda de Portugal 39 Mártires de Marrocos 47 Beato [São] Gonçalo de Amarante 53 Beato Frei Gil 63 Santo António 75 Beato Lourenço Mendes 79 Rainha Santa Isabel [ Isabel de Aragão ]

89 Beato Gonçalo de Lagos 97 São Nuno de Santa Maria [ o Santo Condestável ]

103 Beato D. Fernando de Portugal [ o Infante Santo ]

1 1 1 Beato Amadeu da Silva 117 Santa Beatriz da Silva 121 Santa Joana Princesa 125 São João de Deus 129 Beato Frei Bartolomeu dos Mártires 133 Quarenta Mártires do Brasil 139 Mártires de Salsete ou de Cuncolim 143 Mártires do Japão 157 Beato Frei Redento da Cruz 161 São João de Brito 167 Beata Maria Clara do Menino Jesus 171 Beata Rita Amada de Jesus 175 Pastorinhos de Fátima [ Beatos Francisco Marto e Jacinta Marto ]

182 Bibliografia

índice

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11A NOÇÃO DE SANTIDADE

A santidade, a aura e a re ligaçãoA ideia de santidade é, ao mesmo tempo, simples e complexa.

Se quisermos pedir a uma criança a representação desta ideia, suponho

que ela não hesitará e rapidamente num desenho colocará o signo

essencial. No topo de uma cabeça, uma aura identifica um «santo».

Tão simples quanto isto.

E, de facto, esta imagem de alguém, que foi tocado pelo divino e, por

isso, tem a referida aura, é uma dimensão profundamente cimentada na

nossa cultura. Teologicamente, o catolicismo encontra aí grande parte

do horizonte valorativo em que coloca a santidade: o humano que, por

feitos e posturas ímpares, está numa posição de acesso «direto» a Deus.

A aura, num misto de pureza e de iluminação, mostra ao crente o especial

dentro daquele humano.

De resto, a palavra de que temos estado a falar é uma palavra com uma

raiz complexa e difícil de compreender. Surge no texto bíblico, por

exemplo, no Génesis, na expressão normalmente traduzida para latim

A noção de santidade

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1312A NOÇÃO DE SANTIDADESANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

como Fiat Lux, o Faça -se Luz, da separação das trevas. A «Luz», no texto

hebraico, é uma palavra cuja raiz é a antepassada, quer de «aurífero»,

«ouro», quer de «aura», «círculo dourado», «luminoso».

Muito antes de haver Cristianismo, já alguns deuses antigos eram

representados com auras, muitas delas raiadas como contem-

poraneamente se recriará em alguma iconografia de simbólica laica,

como a Estátua da Liberdade, em Nova Iorque. Ser aureolado era

simbolicamente ser luminoso, estelar ou mesmo solar. Era, numa

leitura entre os opostos, a imagem do lado da Luz, por oposição ao

lado das Trevas. No fundo, era estar numa direta e plena ligação ao

momento da Criação, rejeitando o Caos.

E a santidade como hoje é vivida, quer no horizonte teológico católico,

quer no popular, é essa ligação profunda e, acima de tudo, eficaz, entre

o crente que cultua e pede, e o divino que se procura atingir, encontrar.

O santo não é a divindade, mas é o portador, o mensageiro e intercessor.

Ele é uma re ligação primordial, como se nada tivesse ocorrido depois

do Fiat Luz.

O uno e o múltiplo O universo conceptual da santidade levanta problemas de

uma grande complexidade quando procuramos cruzar as

definições teológicas com as práticas quotidianas. E esse

cruzar, por vezes prenhe de incompatibilidade e berço de

muita intolerância, levou a que a Igreja Cristã definisse

fronteiras de pertença, de ortodoxia, donde, de heresia.

Corria o ano de 325 d. C., quando o Cristianismo dava

mais um passo importante no sentido de se normativar, de criar uma

ortodoxia. Neste caso, no Concílio de Niceia, a complexa relação entre

as Pessoas da Santíssima Trindade ganhava folgo e tornava -se regra,

definindo fronteiras e vizinhanças, dando material para inquirir o

dentro e o fora.

Mas este processo de procura de uma unidade, de uma unificação de

crença e, por conseguinte, de uma forma de olhar e de encarar o vivenciar

do Cristianismo, era matizada por um outro fenómeno que terminara

pouco antes e começava a deixar as suas sementes, em especial na

chamada piedade pessoal. Realmente, nos dois séculos

anteriores, num quase constante clima de perseguição,

o Cristianismo crescera e cimentara -se no sangue dos

mártires, recebendo no seu seio a memória, o exemplo

e o incentivo de muitos que morreram ao afirmar a sua fé.

Por um lado, em termos de dogma de fé, o Cristianismo fechava -se,

deixando de fora, de forma irreversível, as gnoses, ao mesmo tempo que

integrava toda a multiplicidade, quer simbólica, quer narrativa, das vidas

e das tradições ligadas aos mártires (a primeira, e uma das essenciais,

matéria da criação da santidade).

Aliás, seria por esta via, pelo caminho do desenvolvimento ou do

acolhimento destes cultos, muitas vezes locais ou regionais, que o

Cristianismo se ia enraizando, integrando práticas populares muitas vezes

milenares, usando este instrumento de evangelização e de integração

que eram as especificidades de cada lugar alto, de cada romaria, de cada

necessidade ou desejo local.

Sem perder a formulação da Trindade de Niceia, o Cristianismo ortodoxo

abria -se à integração de formas que, muitas vezes, ganhavam verdadeira

prática quase -politeísta, tal era a intensidade expressa nos votos, no

ardor, na súplica.

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1716SÃO TEOTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

São Teotónio Ganfei, Valença, 1082 – Coimbra, 18 de fevereiro de 1162

Canonização: 1163, pelo Papa Alexandre III

Festa litúrgiCa: 18 de fevereiro

Oração a São TeotónioSenhor nosso Deus, que pela palavra e pelo exemplo de São Teotónio refor-

mastes a disciplina religiosa, concedei -nos, por sua intercessão, que, esco-

lhendo o caminho estreito da perfeição cristã, mais facilmente alcancemos

a vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus con-

vosco na unidade do Espírito Santo. Ámen.

S ão Teotónio, o primeiro santo português, foi uma importante figura do século XII, na época

em que o nascente Reino de Portugal procurava um lugar na geopolítica da cristandade, num qua-

dro em que as instituições cristãs, fosse o papado ou as ordens religiosas, tinham um peso fulcral.

A vida, significado e funções de Teotónio atravessam um complexo tempo, marcado pela neces-

sidade de uma ordenação eficaz de um reino em estado muito rudimentar de organização, numa

conjuntura de (re )conquista em que, para a população, a chegada das tropas de líderes cristãos não

seria nem uma imagem tão certa de salvação, nem uma melhoria das condições de vida.

Apesar de ter nascido e vivido numa época em que os registos eram escassos e com dados

muito lacunares, é muito completa a história de vida de Teotónio, membro de uma família

destacada. Filho de Oveco e Eugénia, Teotónio foi estudar Teologia e Filosofia para Coimbra,

confiado à tutela de um tio, D. Crescêncio, bispo dessa importante cidade de fronteira entre

Milagre de Ourique

Óleo sobre tela de António José Pereira, c. 1880-1890Irmandade de Nossa Senhora de Rodes,

Paróquia de Reriz, Diocese de ViseuFoto: José Alfredo | Diocese de Viseu

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2322BEATAS TERESA, SANCHA E MAFALDA DE PORTUGALSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

apariçãO da BeaTa SancHa à BeaTa TereSa e BeaTa Mafalda

Óleo sobre tela de André Gonçalves, c. 1735 -40Igreja do Menino de Deus, Lisboa

©Nuno Saldanha/IADE ‑U

Beatas Teresa, Sancha e Mafalda de PortugalRainha Santa Teresa de PortugalCoimbra, 1175? – Lorvão, 18 de junho de 1250

BeatiFiCação: 13 de dezembro de 1705, pelo Papa Clemente XI

Festa litúrgiCa: 20 de junho

«(…) sendo -lhe revelada sua morte, se preparou para ella como convinha, e

recebidos todos os Sacramentos, se fez levar à Igreja, onde se despedio de todas

as Religiosas abraçando a cada huma per si, e pedindo -lhe perdão de as não

ter a todas tratado com o mimo, e caridade devida, e chorando ellas o seu

grande desamparo, e a falta que lhe havia de fazer huma tão amorosa mãi.»In JosePh Pereyra BayaM, Portugal glorioso e illustrado com a vida, e virtudes das bemaventuradas

Rainhas Santas Sancha, Theresa, Mafalda, Isabel e Joanna..., p. 125.

F ilha de Sancho I de Portugal, D. Teresa casou, com cerca de 15 anos de idade, em 1190,

com Afonso IX de Leão, em Bragança. Seis anos depois, em 1196, quando tinha já três filhos

(Sancha, Fernando e Dulce), viu o seu casamento ser considerado inválido por questões de

consanguinidade, sem nunca ter conseguido obter a necessária dispensa papal em relação ao grau

de parentesco com o Rei de Leão.

Regressada ao Reino português, Teresa traz consigo a filha mais nova, D. Dulce, estabelecendo -se em

Coimbra, junto da irmã D. Sancha, que anos mais tarde acolheria os futuros Mártires de Marrocos.

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3534BEATAS TERESA, SANCHA E MAFALDA DE PORTUGALSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

cadeiral (cOrO daS freiraS) dO MOSTeirO de arOuca

Com cenas da vida de Santa Mafalda (aparece-nos na quarta pintura a contar da direita, ainda vestida de rainha, junto às monjas da Ordem Beneditina e na sexta gravura

vê-se a mudança da Ordem Beneditina para a Ordem de Cister). © AKG /Fotobanco

Desde 1215 que aparece citada como padroeira desse

mosteiro, devendo, possivelmente, já então viver nesse

espaço monacal.

Exatamente nesse ano, Afonso II estabelece o casamento

de Mafalda com Henrique I de Castela, então com onze

anos de idade. O tutor do jovem rei, o conde Álvaro

de Lara, procurava uma aliança com Portugal para fazer frente à fação da irmã do rei,

Berengária. Realizou -se o desponsório, mas Berengária atuou junto da Santa Sé e o casamento

MOSTeirO de arOuca

Fundado na primeira metade do século X, a sua importância revigorou-se com o padroado da Beata

Mafalda de Portugal, que aqui viveu entre 1220 e 1256 e aqui se encontra sepultada.

Museu de Arte Sacra da Real Irmandade da Rainha Santa MafaldaFoto: Sofia Vechina

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4140MÁRTIRES DE MARROCOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

De que tenhamos conhecimento, a primeira versão desta complexa lenda dos mártires de Marrocos

foi redigida ainda em vida de São Francisco, intitulada Chronica Fratis Iordani a Iano, incluída na

Analecta Franciscana. Terá sido no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra que se desenvolveram obras

hagiográficas sobre os mártires franciscanos, surgindo documentos de devoção que relatavam

os seus milagres. A sistematização deste grupo de lendas é de 1568, quando foi redigida a obra

Tratado da Vida e Martírio dos Cinco Mártires de Marrocos, de João Álvares, uma adaptação portuguesa da

Legenda Martyrum Marochii (obra de c. 1476).

O imaginário cristão foi tão forte em torno das tradições dos Mártires de Marrocos que rapidamente

a iconografia se desenvolveu. As primeiras obras artísticas dedicadas a este martírio também têm

origem conimbricense, só depois passando a ser um assunto utilizado pelos artistas de todo o

País, quer em quadros e esculturas, quer em gravuras ou peças de ourivesaria, proporcionando

um dos temas mais recorrentes na iconografia portuguesa.

Contudo, os Santos Mártires de Marrocos não são, de facto, naturais de Portugal. São cinco

frades italianos da região da Toscânia, de seu nome: Frei Berardo, pregador e arabista; Frei Otto,

sacerdote; Frei Pedro, diácono; Frei Adjuto e Frei Acúrsio, frades leigos, a que acrescia Frei

Vidal, que presidia a missão.

A origem da missão encontra-se na II Assembleia Geral da Ordem Franciscana em Assis, onde

Francisco de Assis elegeu esses frades como missionários em Marrocos. De Itália saíram os seis

missionários rumo à Ibéria, de onde pretendiam partir para Marrocos.

E é logo nos primeiros momentos que a missão ganha contornos inesperados: em Aragão, Frei

Vidal adoece gravemente e fica impossibilitado de prosseguir com os seus companheiros. Sem

outra solução, nomeia para o substituir na presidência da missão Frei Berardo. Debilitado, Frei

Vidal acabaria por morrer sem a coroa do martírio, poucos dias após a notícia da morte dos

cinco frades.

Seguindo caminho, os missionários dirigem-se a Coimbra, onde D. Urraca lhes dá guarida. Num

misto de fé e de misticismo, a rainha suplica aos frades que lhe revelem o momento da sua morte.

Relutantes, acabam por predizer que a vida de D. Urraca apenas chegaria ao seu termo quando de

Marrocos os cristãos trouxessem os seus corpos martirizados.

Nesta estadia em Coimbra, um jovem, Fernando de Bulhões, que, mais tarde, será outro grande

santo português (Santo António), terá ouvido as suas prédicas no mosteiro de Santa Cruz, episódio

que em muito lhe influenciou a vida.

Pararam ainda em Alenquer, vila que recebera foral em 1212, de D. Sancha (beatificada em 1705),

filha de D. Sancho I e irmã do rei D. Afonso II. Aí, a princesa os dotou de víveres e trajes de

mercadores, com os quais se deveriam disfarçar quando chegassem a Sevilha.

Iniciando uma postura de assumida afronta, denotando a crença na posse do Espírito Santo

que, não apenas os livraria de qualquer medo, como os dotaria das palavras que levariam à

imediata conversão dos mouros, trocaram as vestes,

generosamente ofertadas por D. Sancha, pelo hábito

franciscano e, assim vestidos, apresentaram-se na

mesquita de Sevilha, onde iniciaram a sua pregação

diante de uma multidão de muçulmanos. Julgando-os

loucos, foram escorraçados da mesquita.

arca‑relicáriO dOS MárTireS de MarrOcOS

Escultura funerária em calcário, século XIII-XIV (1290-1320)

Museu Nacional de Machado de Castro, CoimbraFoto: Arnaldo Soares/DGPC/ADF

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6362SANTO ANTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

SanTO anTóniO cOM O MeninO JeSuS

Óleo sobre tela de Francisco Vieira de Matos [Vieira Lusitano], século XVIII

Museu Nacional de Arte Antiga, LisboaFoto: José Pessoa/DGPC/ADF

Santo AntónioLisboa, 1195? – Pádua, 13 de junho de 1231

Canonização: 30 de maio de 1232, pelo Papa Gregório IX

Proclamado Doutor da Igreja em 16 de janeiro de 1946, pelo Papa Pio XII

Festa litúrgiCa: 13 de junho

«Ora, se acontecia o Santo não dar pronta notícia do objeto perdido, a

devota desterrava o padre Santo António da companhia dos outros Santos,

e exilava -o para um canto escuro da alcova por espaço de vinte e quatro

horas; findas as quais, se o objeto não tinha aparecido, o rebelde Santo era

amarrado pelo pescoço com uma guita, e pendurado à borda do poço, até lhe

dar água pela barba. Se a coisa perdida vinha a descobrir -se, então saía o

santo da cisterna, e era processionalmente conduzido ao oratório, por entre

lâmpadas e perfumes, terminando o triunfo por um laudo jantar ao qual

eram convidados os parentes e amigos.»CaMilo Castelo BranCo, O Judeu

E ntre Lisboa e Pádua – uma atribuição toponímica que como epíteto é disputada no seu

nome – se fez grande parte da vida de António, o santo mais popular em Portugal, que na cidade

de Lisboa ocupa o lugar de destaque no mês dedicado às festas, à alegria e à boémia.

Pouco se sabe das origens deste Doutor da Igreja, o mesmo se passando em relação a muitos dos

importantes factos da sua vida, mais envoltos em narrativas de natureza da lenda do que da história.

Page 10: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

7170SANTO ANTÓNIOSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

SanTO anTóniO pregandO aOS peixeS

Óleo sobre carvalho de Garcia Fernandes, século XVI

Museu Nacional de Arte Antiga, LisboaFoto: José Pessoa/DGPC/ADF

Da mesma forma, o elemento que será,

para sempre, a marca distintiva da sua

iconografia – o Menino sentado em cima

de um livro aberto nas suas mãos –,

reflete muito bem uma sinonímia criada

pelo acaso: o Menino que do frade se

aproximou e por ele fora trazido para o

improvisado colo, como que embevecido

pelas palavras que da sua boca ecoavam,

é a dupla imagem, quer do episódio

de Jesus em que pede que deixem vir

a si as criancinhas, as mais puras e as

únicas, talvez, a conseguir aceder às

suas palavras, mas é também como que

imagem do próprio Menino Jesus como

muito popularmente se crê, como que

validando essas mesmas palavras tidas

por inspiradas – na mais pura forma,

como criança, é o Verbo de Deus a sair do

texto das suas palavras.

Em Lisboa, as festas em sua honra mar-

cam atualmente o calendário de forma

inquestionável. Já o marcariam quando,

na instauração da República, estas festas

eram um lugar de apaziguamento entre as autoridades repu-

blicanas muitas vezes anticatólicas e a população que adere de

maneira quase automática às festas do seu Santo.

As atuais festividades, com centro nas Marchas e nos Casamentos

de Santo António, são criações da década de 30 do século XX,

SanTO anTóniO

Óleo sobre tela de José de Almeida Furtado,século XIX

Museu de Grão Vasco, ViseuFoto: José Pessoa/DGPC/ADF

Page 11: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

79RAINHA SANTA ISABEL [ ISABEL DE ARAGÃO ]

78SANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

rainHa SanTa iSaBel, Milagre daS rOSaS

Óleo sobre carvalho, autor desconhecido, século XVI (1540-1550)

Museu Nacional de Machado de Castro, CoimbraFoto: José Pessoa/DGPC/ADF

Rainha Santa Isabel [ Isabel de Aragão ]Saragoça, c. 1270 ‑ Estremoz, 4 de julho de 1336

BeatiFiCação: 1516, pelo Papa Leão X

Canonização: 1625, pelo Papa Urbano VIII

Festa litúrgiCa: 4 de julho

«Não sabes tricana linda

Porque chora quando canta

O rouxinol do Choupal;

É porque ele chora ainda

Pela rainha mais santa

Das santas de Portugal

Rainha que mais reinou

No coração da pobreza

Do que no faustuoso Paço

Milagreira portuguesa

Que no seu alvo regaço

Pão em rosas transformou

E as lindas rosas geradas

Por um milagre fermente

Que a santa rainha fez

Viverão acarinhadas

Com amor eternamente

No coração português

Santa Isabel, se algum dia

Seu nome de eras famosas

Fosse esquecido afinal

Outro milagre faria

E nunca mais haver rosas

Nos jardins de Portugal»

Fado Rainha Santa, Letra de henrique rego

SelO da rainHa SanTa iSaBel

Emissão Rainha Santa Isabel e São Teotónio, de Jaime Martins

Barata, 1958.

Page 12: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

8988BEATO GONÇALO DE LAGOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

eSTáTua de SãO gOnçalO de lagOS

na cidade que lhe dá nomeFoto: Francisco Castelo/Câmara Municipal de Lagos

Beato Gonçalo de LagosLagos, 1360? – Torres Vedras, 15 de outubro de 1422

BeatiFiCação: 1778, pelo Papa Pio VI

Festa litúrgiCa: 27 de outubro

D esconhece -se a data de nascimento e a genealogia daquele que é o padroeiro dos pescadores

do Algarve, assim como da cidade de Lagos. Apenas se depreende que Frei Gonçalo terá nascido

no seio de uma família humilde.

Da sua biografia, pouco se sabe até ao início da década de oitenta do século XIV. Por volta de 1380,

por ocasião de uma deslocação da família a Lisboa, Gonçalo toma contato com várias ordens

Se as suas virtudesSão nossa instrucção,Tambem seus milagresAssombros nos são.

No mar, e na terraTemos admirado,Quão largo poderPor vós lhe foi dado.

Vence as tempestades,E as fúrias dos ventos,Qual o grande EliasManda aos Elementos.

Cedem os perigosA' sua virtude,Por ella os enfermosAlcanção saude.

O' Santo bemdito,O' honra immortalDo Reino do Algarve,

Mais de Portugal.

Novena do glorioso S. Gonçalo de Lagos, composta por hum seu devoto e indigno irmão. [durão, José de santa rita, 1722? -1784], p. 5.

SãO gOnçalO de lagOS

Retratos de cardeaes, bispos, e varoens portuguezes illustres em nobreza, armas, letras, e santidader, de João Álvares, 1791

Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

Page 13: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

9392BEATO GONÇALO DE LAGOSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

meninos pelas ruas, para lhes ensinar a doutrina cristã. E, como os tinha

juntos, fazia -lhes a todos outra muito devota pregação, acomodada às suas

idades; e depois lhes fazia dizer a doutrina cristã. E, como para aquela idade

pueril, todas as coisas de siso são desgostosas, para que não fugissem dele,

trazia sempre as mangas cheias de pedaços de pão e de fruta, de verónicas,

contas e registos de Santos, que ele mesmo, como grande escrivão que era, de

livros, debuxava e iluminava para este fim.

Com estas e outras prendas, que os meninos estimavam, os atraía a si, de

maneira que lhe eram todos tão familiares que o não viam na rua, sem que se

fossem logo a ele a apalpar -lhe as mangas, a ver o que lhes trazia. E, muitas

vezes, se ajuntavam a brincar com ele, como se fosse outro da sua idade.

O que tudo consentia o servo de Deus com grande alegria, sofrendo todas

essas meninices aos meninos, guardando a doutrina do Apóstolo que diz

de si que todas as coisas se fazia com todos para que assim aproveitasse

a todos.»

A sua proximidade aos pescadores, que já se referiu a propósito da sua entrada no Convento

da Graça, foi lendariamente construída com base em alguns milagres, especialmente um que é

retratado nos painéis de azulejos que hoje em dia adornam o Museu Municipal de Torres Vedras.

Nada como regressar a um texto antigo para nos dar o verdadeiro espírito da lenda e da tradição,

que neste caso justifica, não apenas a beatitude de Frei Gonçalo, como o coloca na primeira pessoa

a dar início ao seu próprio culto. Vejamos:

«No ano de 1437, que são 15 depois da sua morte gloriosa, aconteceu que

certos homens do Reino do Algarve, naturais de Lagos, pátria do mesmo Santo,

O BeaTO gOnçalO, Já glOriOSO, aparece a uM Seu SOBrinHO naufragandO na praia de lagOS.

põe na praia O SOBrinHO e Manda‑O viSiTar a Sua SepulTura neSTa vila [TOrreS vedraS]

Igreja e Convento da Graça, Paróquia de São Pedro e São Tiago de Torres Vedras

© Rodrigo Tiago e Marlene Oliveira

Page 14: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

9796SÃO NUNO DE SANTA MARIA [ O SANTO CONDESTÁVEL ]SANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

eSTáTua de nunO álvareS pereira

Exterior do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, BatalhaFoto: José Paulo Ruas/DGPC/ADF

São Nuno de Santa Maria [ o Santo Condestável ]Paço do Bonjardim ou Flor da Rosa, 24 de junho de 1360 – Lisboa, 1 de novembro de 1431

BeatiFiCação: 23 de janeiro de 1918, pelo Papa Bento XV

Canonização: 26 de abril de 2009, pelo Papa Bento XVI

Festa litúrgiCa: 6 de novembro

«Aqui jaz aquele famoso Nuno, o Condestável, fundador da Sereníssima Casa

de Bragança, excelente general, beato monge, que durante a sua vida na terra

tão ardentemente desejou o Reino dos Céus depois da morte, e mereceu a

eterna companhia dos Santos. As suas honras terrenas foram incontáveis, mas

voltou -lhes as costas. Foi um grande Príncipe, mas fez -se humilde monge.

Fundou, construiu e dedicou esta igreja onde descansa o seu corpo.»Epitáfio no seu mausoléu (destruído pelo terramoto de 1755)

Conhecido como «Santo Condestável», Nuno Álvares Pereira é o exemplo perfeito e

paradigmático de um modelo de religiosidade que une o monge ao cavaleiro, neste caso já não num

horizonte de cruzada, de luta contra um infiel ou herege, mas na luta pela definição de uma dinastia.

Numa corruptela de «Conde do Estábulo» da hierarquia palaciana carolíngia, o Condestável é

o supremo chefe militar, o estratega mítico de uma luta tida como primordial, que afirma a

nacionalidade e por isso é recorrentemente revisitado por todos os movimentos nacionalistas ao

longo dos séculos.

Page 15: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

125124SÃO JOÃO DE DEUSSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

S. T. Jean de dieu

Litografia de Louis-Pierre Lasnier, 1875?Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

São João de DeusMontemor ‑o ‑Novo, 1495 – Granada, 8 de março de 1550

BeatiFiCação: 21 de setembro de 1630, pelo Papa Urbano VIII

Canonização: 16 de outubro de 1690, pelo Papa Alexandre VIII

Festa litúrgiCa: 8 de março

São João de Deus é um exemplo em constante atualização da própria noção de santidade.

Com uma história de vida bastante complexa, a santidade que a Igreja Católica acaba por lhe

reconhecer é hoje em dia um exemplo e uma vocação que continua a dar frutos no campo

da mais simples e profunda caridade, enquanto Virtude Teologal, e que aqui, deixa esse quadro

pietista cristão, para se afirmar como uma efetiva Fraternidade.

Acolhendo todos os que sofrem de doença mental profunda, mais do que tratar, os Irmãos hoje

inspirados por esta figura afirmam a mais vasta irmandade em relação a todos, sejam doentes

mentais ou não. De uma forma espantosa, hoje em dia, uma grande parte dos doentes mentais

portugueses internados, encontra -se em instituições da Ordem Religiosa fundada por S. João

de Deus.

Nascido no seio de uma família muito pobre, João Cidade, de seu nome, era filho de André Cidade

e de Teresa Duarte. Possivelmente por questões de sobrevivência, aos 8 anos sai da casa dos pais

em Montemor -o -Novo e segue para Oropesa, perto de Toledo. Terá sido pastor, o que já faria em

Montemor.

Pouco se sabe da sua vida, mas aos 22 anos de idade, o ainda João Cidade alista -se no exército

do Conde de Oropesa e participa na conquista de Fuenterrabia, em 1523, então ocupada pelos

franceses. Regressa depois à sua vida de pastor em Oropesa, voltando a alistar -se quatro anos

depois, quando as tropas do Conde de Oropesa lutavam na Hungria contra as forças turcas.

É após esta segunda etapa militar que João Cidade, desembarcando na Corunha, resolve regressar

Page 16: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

129128BEATO FREI BARTOLOMEU DOS MÁRTIRESSANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

fr. BarTOlOMeu dOS MárTireS

Óleo sobre tela de António André, século XVII (c. 1619-1625)

Museu de AveiroFoto: José Pessoa/DGPC/ADF

Beato Frei Bartolomeu dos MártiresLisboa, 3 de maio de 1514 – Viana do Castelo, 16 de julho de 1590

BeatiFiCação: 26 de julho de 2001, pelo Papa João Paulo II

Festa litúrgiCa: 16 de julho

A rcebispo de Braga e figura de destaque no Concílio de Trento, foi

batizado com o nome Bartolomeu Fernandes do Vale, na freguesia dos

Mártires, orago que viria a adotar no seu nome religioso.

Com origens familiares humildes, era filho de Domingos Fernandes e

de Maria Correia e terá entrado para o noviciado no convento de São

Domingos de Lisboa em 1528. No ano seguinte professava e nove anos

depois era já leitor, começando a ensinar Teologia no principal studium

dominicano em Portugal, no Mosteiro da Batalha, em 1542.

A sua carreira académica é sólida e, em 1548, inicia os comentários a

uma secção da Summa de São Tomás de Aquino (Secunda Secundae, dedicada à

Teologia Moral) e, no ano de 1551, obtém o título de Mestre em Teologia

na congregação geral dos dominicanos, em Salamanca.

No ano seguinte, segue para Évora, onde se torna preceptor de D. António

Prior do Crato. Por fim, regressa a Lisboa e no ano de 1557 é prior no

Convento de São Domingos de Benfica.

É nesta fase da sua vida que é escolhido para arcebispo de Braga, por

indicação de D. Catarina. É nomeado pelo Papa Paulo IV a 27 de janeiro

de 1559 e é ordenado arcebispo na Igreja de São Domingos de Lisboa

a 3 de setembro desse ano. A 4 de outubro, entra em Braga.

No arcebispado de Braga, Frei Bartolomeu vai ficar conhecido pelo seu

cruz prOceSSiOnal de

frei BarTOlOMeu dOS MárTireS

Diocese de Viana do CasteloFoto: Félix Iglesias Llano

Page 17: Apresentação - Santos e Beatos de Portugal

175174PASTORINHOS DE FÁTIMASANTOS E BEATOS DE PORTUGAL

franciScO e JacinTa MarTO

Foto cedida pelo Postulado de Francisco e Jacinta Marto

Pastorinhos de FátimaFrancisco MartoFátima, 11 de junho de 1908 – Fátima, 4 de abril de 1919

Jacinta MartoFátima, 11 de março de 1910 – Lisboa, 20 de fevereiro de 1920

BeatiFiCação: 13 de maio de 2000, pelo Papa João Paulo II

Festa litúrgiCa: 20 de fevereiro

«Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial sempre

que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão

dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado

Coração de Maria!»Indicação de oração dada por Nossa Senhora, a 13 de julho de 1917, contada

pela Irmã Lúcia na 4.ª Memória

C om alguma ironia, nunca terá imaginado a filha do Profeta Maomé vir a dar nome a um

dos maiores santuários cristãos do mundo. As aparições de Fátima, na Cova da Iria, decorreram

regularmente entre maio e outubro de 1917, no dia 13 de cada mês. Foram protagonizadas por

três jovens pastorinhos, ainda em idade «inocente», como no caso de Lourdes.

Os chamados «Pastorinhos de Fátima», Francisco, Jacinta e Lúcia, com este diminutivo significativo,

são das personagens religiosas mais acarinhadas pelos portugueses. No seguimento das aparições