Apresentacoa 02.02 Antropologia No Brasil. Texto John Dawsey

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O texto a seguir baseia-se na anlise das viagens de caminho feitas por ''boias-frias'' nos anos 1980 na regio canavieira de Piracicaba, no interior de So Paulo. Dawsey percebeu que nestas viagens h um metateatro da vida cotidiana.

Victor Turner e a distino entre "performance" e "competncia":

Ao passo que um enfoque centrado na competncia, diz Turner, tende a privilegiar o estudo das gramticas que subjazem s manifestaes culturais, estudos de performance demonstramum interesse marcante por elementos estruturalmente arredios: resduos, rasuras,interrupes, tropeos, e elementos liminares. Ou seja, so rachaduras na tessitura da vida social que somente um olhar em eventos especficos da vida cotidiana possvel enxerga-las.

quais os objetivos da antropologia da performance?Victor Turner formulou seus procedimentos metodolgicos de anlise da realidade visando um provilegiamento dos momentos liminares da vida social, dos momentos de suspenso de papeis.os momentos de fissura do teatro cotidiano.

A abordagem do texto segue uma separao por quatro tpicos:

1) dramas sociais; 2) relaes entre dramassociais e dramas estticos;3) smbolos e montagens; e 4) paradigmas do teatrona antropologia

Drama social:

Para Turner, drama social se apresenta em quatro etapas, inspirada nas etapas de rito de passagem de Van Gennep

Bia-Fria: cair na cana. Passagem para uma condicao de passagem. Por que? D-se em face da problemtica da conceituao de boia-fria? Quem este sujeito?
"
bia-fria apresentou-se como um problema de classificao: seria o bia-fria um campons deslocado, ou o membro de umproletariado ainda em processo de formao, ascendente, a ser purificado,como se dizia na poca? (A poca que ele diz so so anos 80, e a partir de textos clssicos da sociologia rural que vem o campons de uma forma pessimista)

Tanto num quanto noutro caso, me parece, o olhar desvia-se da experincia dos bias-frias, deixando-se seduzir pela contemplao e anlise das formas gramati-cais, emergentes, restauradas ou tragicamente desaparecidas. ( Ou seja, tenta-se entender esta categoria dentro do mundo do trabalho a partir de conceituaes oriundas de outras experincias)
Ao focar elementos estruturalmente arredios, porm, uma antropologia da performance inspirada nos escritos posteriores de Victor Turner nos leva anlise da prpria experincia dos bias-frias. Algumas cenas cotidianas em canaviais e carrocerias evocam o drama de cair na cana.

Nos encontros cotidianos com o canavial, bias-frias dramatizavam a experincia do pasmo, do susto. Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?! Chegamos ao lugar onde o filho chora sem a me ouvir. Nem o diabo sabe que lugar esse!

Na abertura das marmitas e vasilhames de comida dos bias-frias tam-bm se deparava com um pasmo encenado, freqentemente, de forma ldica.Nesses momentos, pessoas faziam expresses de susto ou de nojo, despertan-do risos. Cad a comida?! Esqueceram de mim! Azedou! (fazendo care-tas) T fria! Cad a bia quente? Bia-fria precisa de bia quente! (procu-rando a cachaa em baixo do banco) Maldita, desgraada, voc est furada!Por isso estou sempre com fome!

O bia-fria que corta cana, tambm por ela,pela cana brava, ou melhor, por sua palha afiada, cortado. s vezes, comseu prprio podo, ele se corta. Na verdade, nas relaes entre bias-frias ecanaviais, no se sabe quem derruba quem, se so os cortadores de cana quederrubam canaviais, ou canaviais que derrubam bias-frias

ps-de-cana e bias-frias viram bagao. O trabalho noscanaviais produz um amortecimento dos sentidos, uma espcie de mortificaodo corpo, em estilo barroco, evocativa dos momentos extraordinrios de rituaisde passagem. Mas, aqui, o extraordinrio revela-se como cotidiano.(Pois o recurso da metalinguagem evocado pelos sujeitos fazem parte do cotidiano).

Algumas das encenaes mais freqentes de bias-frias em canaviaise carrocerias eram as de espantalhos e assombraes.

se o modelo de drama social de Turner, assim como o modelo dos ritos de passagem de VanGennep, nos leva a pensar em termos de uma oposio dialtica entre doismomentos, o cotidiano e o extraordinrio, o caso dos bias-frias no apresen-taria um desafio metodolgico, levando-nos a falar de um cotidiano extraordi-nrio ou extraordinrio cotidiano, que se configura na experincia de um quasesusto ou pasmo dirio.

Dramas sociais e dramas estticos

Ao tentar distinguir a sua abordagem da de Erving Goffman, Turner (1987a,p. 76) evoca uma distino entre teatro e metateatro. Ao passo que Goffmantoma interesse pelo teatro da vida cotidiana, Turner procura focar os momentosde interrupo, os instantes extraordinrios, ou seja, o teatro desse teatro. Turnerobserva o metateatro da vida social. Mas o caso dos bias-frias pode sugerir, enquanto um caso-limite, a necessidade de se juntar Goffman e Turner paratratar de um metateatro cotidiano. Aquilo que se encontra em carrocerias e cana-viais aproxima-se do efeito de estranhamento (Verfremdungseffekt) que BertoltBrecht buscava no teatro. Procura-se impedir a naturalizao do cotidiano.

De acordo com Victor Turner, os carnavais surgem como momentos ex-traordinrios, ou interrupes do cotidiano. No mundo do capitalismo industrial,eles surgem como interrupes do trabalho. So como momentos de loucuraque se contrapem ao cotidiano. Mas, no caso dos bias-frias, os momentoscarnavalizantes ocorrem no percurso do trabalho, ou nos prprios canaviais.
No se trata simplesmente de uma loucura que se contrape normalidade docotidiano. O prprio cotidiano do trabalho visto como desvario. O carnavalcotidiano dos bias-frias instaura a experincia no apenas da loucura,mas, em termos dialticos, de uma loucura da loucura

Walter Benjamin (1985b, p. 226) escreve: A tradio dos oprimidos nosensina que o estado de exceo a regra. No incio de um captulo intituladoPerformances (traduzido na verso da editora Vozes como Representa-es), Goffman (1985) sugere que o olhar distanciado que caracteriza a abor-dagem do socilogo tambm encontra-se entre os grupos sociais desconten-tes. Eis o princpio de um metateatro cotidiano.

(O autor adota o conceito da alienao da alienao) Os sujeitos apresentam-se enquanto no no-eu.
era a de cham-los, justamente a eles,os seus outros, os transeuntes de bias-frias e ps-de-cana! Isso, aomesmo tempo em que se faziam de sheiks rabes, ndios apaches, cangacei-ros, santos, bandidos, prefeitos, penitentes, boys, cowboys, etc. s vezes, tam-bm se faziam de bias-frias. Eram bias-frias em estados de performance.Nessa apresentao do eu na vida cotidiana, o eu estranhado apresenta-seenquanto no no-eu.

A encenao da prpria encenao

Smbolos e montagems: o real maravilhoso

Victor Turner mostra como smbolos capazes de unificar grupos sociais,articulando diferenas e parcialmente resolvendo tenses sociais, surgem comfora em momentos de liminaridade e interrupo do cotidiano. Mas o quechama ateno no caso dos bias-frias so essas montagens carregadas detenses. Aqum de smbolos, revelam mais do que resolvem. Trazem luzelementos soterrados e possivelmente vulcnicos da paisagem social.

Citar exemplos dos sheiks:

Olha osheik das Arbias! Ou, ento, Olha o fara do Egito! Essas montagens deum bia-fria sheik e bia-fria fara no deixam de ser reveladoras. Afigura do bia-fria arrepiou o imaginrio social nos anos 1970, aps a primei-ra crise do petrleo e derrocada do milagre econmico brasileiro. Sonhosde um Brasil gigante que, deitado em bero esplndido, despertava, enfim, deuma sonolncia secular eram perturbados pela recusa dos sheiks do petrleode fornecerem combustvel para o mundo do capitalismo industrial. Ainda sobos efeitos do milagre econmico, num clima de quase embriaguez de umanao movida pelo que Walter Benjamin chamaria de narctico do progres-so, foram montados os grandes projetos nacionais visando a substituio depetrleo por cana-de-acar. Esta surgia com todo o brilho no apenas de umproduto moderno (Graziano da Silva, 1981), exigindo altos investimentos decapital, mas de um produto que, por ser fonte de energia renovvel, poderia darsustentao aos projetos de desenvolvimento.

Repensando os paradigmas do teatro

Creio que as performances de bias-frias so particularmente interes-santes pelo modo com que permitem a irrupo de elementos residuais da his-tria no presente

O que eles contam no simplesmente uma histria do queaconteceu, nem mesmo uma histria tal como ela se configura num conjunto delembranas. Contam a histria de um esquecimento. Sua esttica, podemosdizer, encontra-se no na imagem de casa-grande tal como ela era no seu auge,mas na imagem do casaro em runas. Nessas runas, claro, tambm se encon-tram as aberturas da histria, suas fissuras. Nas histrias que a sociedade con-ta sobre ela para si mesma aqui, obviamente, evocando uma das formulaesclssicas de Geertz (1978b, p. 316) os bias-frias farejam, atravs do riso,uma histria do esquecimento.

Repensar a antropologia da performance em trs aspectos:

margens das margens

O lado cotidiano do extraordinrio. Estranhamento em relacao ao extraordinrio.

metateatro cotidiano
Goffman + Turner

subterraneo dos smbolos

> menos os smbolos e mais as imagens. O teatro dos bias-frias chama ateno menos pelos smbolos do que pelas imagens e montagens ali produzidas, ao estilo de Eisenstein (1990, p.41), carregadas de tenses. Nesses palcos revelam-se os elementos soterra-dos das paisagens sociais. Smbolos decompem-se em fragmentos num cam-po energizado, trazendo luz os aspectos no resolvidos da vida social,