APS Inovando nas Redes versão final (1)

142
 INOVANDO O PAPEL DA ATENÇÃO PRIMÁRIA NAS REDES DE A TENÇÃO À SAÚDE Resultados do Laboratório de Inovação em quatro capitais brasileiras Série Técnica Redes Integradas de Atenção à Saúde NAVEGADORSUS

Transcript of APS Inovando nas Redes versão final (1)

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADEResultados do Laboratrio de Inovao em quatro capitais brasileiras

NAVEGADORSUSSrie Tcnica Redes Integradas de Ateno Sade

Organizao Pan-Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade Ministrio da Sade Conselho Nacional de Secretrios de Sade Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADEResultados do Laboratrio de Inovao em quatro capitais brasileiras

Coordenador: Erno Harzheim

NAVEGADORSUS. Srie tcnica para os gestores do SUS sobre redes integradas de ateno sade baseadas na APS, n. 3. Braslia-DF 2011

2011 Organizao Pan-Americana da Sade Representao Brasil Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total dessa obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. Os ttulos que integram a srie NAVEGADORSUS esto disponveis para download em http://new.paho.org/bra/apsredes. Tiragem: 1. edio 2011 2.000 exemplares Elaborao, distribuio e informaes: ORGANIZAO PAN-AMERICANA DA SADE REPRESENTAO BRASIL Gerncia de Sistemas de Sade/Unidade Tcnica de Servios de Sade Setor de Embaixadas Norte, Lote 19 CEP: 70800-400 Braslia/DF Brasil http://www.paho.org/bra MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno Sade SAS Diretoria de Articulao de Redes Esplanada dos Ministrios, Bloco G. CEP: 70058-900 Braslia/DF Brasil http://www.saude.gov.br CONSELHO NACIONAL DE SECRETRIOS ESTADUAIS DE SADE CONASS Setor de Autarquias Sul, Ed. Terra Brasilis, Quadra 1, Bloco N, 14 andar, Sala 1404 CEP: 70070-010 Brasilia/DF Brasil http://www.conass.org.br CONSELHO NACIONAL DE SECRETRIOS MUNICIPAIS DE SADE CONASEMS Esplanada dos Ministrios, Ministrio da Sade Anexo B, sala 144 CEP: 70058-900 Braslia/DF Brasil http://www.conasems.org.br Apoio Consultores OPAS/OMS Brasil Coordenador: Renato Tasca Administrao e Gerncia: Alessandro Neves Moraes Reviso Tcnica: Newton Lemos e Elisandra Sguario Kemper Logstica: Adriana Trevizan Silva Capa e Projeto Grfico: All Type Assessoria editorial Ltda. Impresso no Brasil/Printed in Brazil

Ficha CatalogrficaOrganizao Pan-Americana da Sade Inovando o papel da Ateno Primria nas redes de Ateno Sade : resultados do laboratrio de inovao em quatro capitais brasileiras. / Organizao Pan-Americana da Sade; Ministrio da Sade; Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade; Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade. Braslia : Organizao Pan-Americana da Sade, 2011. 137 p.: il. (NAVEGADORSUS, 3). ISBN: 978-85-7967-066-4 1. Redes 2. Ateno Sade 3. Ateno Primria 4. Inovao em Sade I. Organizao Pan-Americana da Sade. II. Ministrio da Sade. III. Conselho Nacional de Secretrios de Sade. IV. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade V. Ttulo. NLM: W 84 TC 43 Unidade Tcnica de Informao em Sade, Gesto do Conhecimento e Comunicao da OPAS/OMS Representao do Brasil

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

GrupO de TrAbAlhO dO lAbOrATriO de iNOvAO sObre O pApel dA ATeNO primriA NAs redes de ATeNO sAdeErno Harzheim: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Claunara Schilling Mendona: Grupo Hospitalar Conceio (GHC). Paulo Fontanive: Doutorando em Epidemiologia da UFRGS. Newton Lemos: Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS no Brasil. Renato Tasca: Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS no Brasil. Hernn Montenegro: Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS em Washington, D.C., EUA.

NOTA:O Laboratrio de Inovao sobre o Papel da Ateno Primria nas Redes de Ateno Sade foi financiado pelo Termo de Cooperao n 49, firmado entre o Departamento de Ateno Bsica do Ministrio da Sade e a Organizao Pan-Americana da Sade. A publicao deste livro foi financiada pelo Termo de Cooperao n 43, firmado entre a Secretaria de Ateno Sade do Ministrio da Sade e a Organizao Pan-Americana da Sade.

3

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

AgRAdEcImEntos:Ao conjunto de profissionais de sade, gestores e colaboradores das Secretarias Municipais de Sade de Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba e Florianpolis, pelo trabalho cotidiano, objeto desse trabalho, e pelo apoio para a execuo do mesmo. Ao Departamento de Medicina Social e ao Programa de Ps-Graduao em Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por estimularem a produo de conhecimento em Ateno Primria Sade. Ao Departamento de Ateno Bsica (DAB/SAS) do Ministrio da Sade, pelo apoio intelectual e material difuso e advocacy da Ateno Primria em Sade no Brasil. Unidade Tcnica de Servios de Sade da OPAS/OMS Representao Brasil, pelo protagonismo no desenvolvimento dos Laboratrios de Inovao em Sade e da Srie Tcnica Navegador SUS, dos quais essa publicao um produto.

4

SuMRIOAPRESENTAO .................................................................................................... 7 INTRODuO ........................................................................................................ 9 InoVAo nA gEsto dos sIstEmAs dE sAdE .................................................... 9Renato Tasca

PARTE I BASES TERICAS E CONCEITuAIS DA APS COORDENADORA DE REDES DE ATENO NAS AMRICAS ................................................................................... 21 sIstEmA nIco dE sAdE: Um sIstEmA dE sAdE oRIEntAdo PELA AtEno PRImRIA ....................................................................................... 23Claunara Schilling Mendona

PAnoRAmA REgIonAL dos dEsAFIos PARA UmA APs REnoVAdA E cooRdEnAdoRA dE REdEs dE AtEno nAs AmRIcAs ..................................... 37Hernn Montenegro

AtEno PRImRIA sAdE E As REdEs IntEgRAdAs dE AtEno sAdE .................................................................................................. 45Erno Harzheim

PARTE II RESuLTADOS DO LABORATRIO DE INOVAO SOBRE APS E REDES DE ATENO ............................................................................................ 55 EnFoQUE dos EstUdos dE cAso do LABoRAtRIo ............................................ 57 sUgEstEs PARA gEstoREs mUnIcIPAIs AgIREm AtIVAmEntE no PRocEsso dE ImPLEmEntAo dA AtEno PRImRIA Em sAdE ................. 117Newton Lemos

ANEXOS Anexo 1 .................................................................................................................. 131 Anexo 2 .................................................................................................................. 137

APRESENTAOA Ateno Primria Sade no Brasil possui uma histria e sua implementao seguiu ciclos onde a incorporao de saberes e o contexto poltico-institucional definiram prioridades e deram nfases distintas a seus princpios constituintes. Reportando-nos mais atualmente ao modelo brasileiro de APS definido como substitutivo pela Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB 2006/publicao tripartite), observamos uma fase inicial de expanso numrica lenta e interiorizada no pas, seguida por uma mudana de perfil e velocidade com o impulso dado pela criao do componente de Sade da Famlia no Piso de Ateno Bsica (PAB) varivel. Finalmente, chega o Projeto de Expanso e Consolidao do Sade da Famlia (PROESF), enfocando e estimulando a expanso da estratgia em grandes centros urbanos. O estmulo implementao de aes e servios de APS pode tambm ser observado pelo aumento nos valores dos repasses federais, tanto para o PAB fixo (per capita) quanto para o PAB varivel. Vrios estados da Federao tambm criaram mecanismos de repasses com recursos prprios para o incentivo da Estratgia de Sade da Famlia. Toda essa expanso, que, por um lado, inegavelmente ampliou o acesso das pessoas APS, por outro carece de um incremento na qualidade dos servios oferecidos populao. O acesso com qualidade uma prioridade de governo para a ateno primria, e entendemos que essa busca da qualidade possui duas dimenses: uma interna, que diz respeito ampliao do conhecimento e da qualidade do processo de trabalho das equipes multidisciplinares e outra externa, que fala da insero da APS nas redes de ateno para promover a integralidade vertical do cuidado e garantir o melhor resultado para a sade da populao. Essa publicao mostra experincias prticas de grandes centros urbanos brasileiros na abordagem integrada da APS em um contexto de redes de ateno

7

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

sade. A anlise cuidadosa desses casos pode levar-nos a identificar aspectos passveis de replicao em outros contextos e comprovar a eficincia das prticas desenvolvidas nos municpios. Dessa forma convidamos todos a lerem esse livro e a compartilharem com as prticas tidas como bem sucedidas apresentadas aqui. Antnio Carlos Figueiredo Nardi Presidente do Conasems Beatriz Figueiredo Dobashi Presidente do Conass Helvcio Miranda Magalhes Jr. Secretrio de Ateno Sade do Ministrio da Sade Diego Victoria Representante da OPAS/OMS no Brasil

8

INTRODuOINOVAO NA GESTO DOS SISTEMAS DE SADERenato Tasca

PoR QUE InoVAR A gEstoNas ltimas dcadas, as dinmicas sociais imprimiram grandes mudanas na sociedade brasileira, gerando uma complexidade social, econmica, demogrfica e ambiental sem precedentes, que lanou importantes desafios para os gestores do SUS. A generosidade do marco constitucional brasileiro, que prev cobertura universal e gratuita, junto com fatores como o rpido envelhecimento da populao, o progressivo aumento das condies crnicas em detrimento das doenas infectocontagiosas e a incorporao de tecnologias e ferramentas diagnsticas e teraputicas novas e poderosas, causaram impactos muito significativos para o Sistema nico de Sade. O mais evidente e conhecido o extraordinrio aumento dos custos em sade e o decorrente subfinanciamento do setor1. As consequncias so percebidas claramente pelos usurios do SUS: lista de esperas demoradas para alguns exames ou procedimentos, qualidade geralmente insatisfatria dos servios de assistncia, falhas de acolhimento e de encaminhamento, infraestruturas em mau estado, verbas canceladas, entre outros. Alguns pensam que possvel reagir a essa situao fazendo mais do mesmo, isso , aumentando a oferta para responder ao aumento da demanda dos usurios que, sempre mais numerosos, pressionam por ser atendidos nas portas dos servios. Mas essa atitude no faz outra coisa seno criar um crculo vicioso (a oferta influncia e estimula a demanda) que incrementa os custos de forma progressiva. Muitos gestores j entraram no tnel do subfinanciamento crnico e vivenciam as frustraes do quero fazer, mas no posso, por falta de dinheiro, limitaes normativas, etc. etc.9

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

H muitas evidncias que injetar mais recursos em sistemas de sade fragmentados e baseados na oferta no agrega anos de vida e no melhora os indicadores de sade. Exemplo disso o caso da gesto da diabetes nos Estados Unidos. Esse pas, que gasta muitssimo mais do que o Brasil para a sade dos seus cidados, tem dados absolutamente decepcionantes, que indicam que um tero dos portadores de diabetes no esto diagnosticados e a frequncia das complicaes absurdamente alta2. Um quadro muito ruim, com muito dinheiro sendo gasto sem resultados sanitrios efetivos3. Situaes de crise do sistema de sade, assim como a dos Estados Unidos, esto sendo vivenciadas por muitos outros pases que, diferente dos USA, escolheram construir sistemas pblicos de sade com cobertura universal. Muitos pases europeus esto prevendo um aumento apavorante dos fatores de risco para doenas cardiovasculares e diabetes, tanto que no falta quem esteja prevendo uma queda da expectativa de vida depois de uma tendncia constante de aumento, interrompida apenas pelos conflitos mundiais4.

InoVAR nEcEssRIoA receita do mais do mesmo no funciona. Muitas vezes, so necessrias mudanas profundas nos instrumentos de gesto. Muitos gestores entenderam isso experimentando na prpria pele e partiram para solues alternativas. Entenderam que o problema da incoerncia entre ofertas de servios e as necessidades de sade no se resolve aumentando a oferta de modo indiscriminado, mas introduzindo novas prticas, novos instrumentos, novas maneiras de realizar a ateno sade, de forma mais integrada, eficiente e equitativa. Isso o significado profundo da inovao na gesto em sade: introduzir mudanas que resultem num melhoramento concreto e mensurvel. Esse melhoramento pode envolver diferentes reas da gesto, como o desempenho, a qualidade, a eficincia e a satisfao dos usurios.

10

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Nesse sentido, para um gestor a inovao uma funo fundamental e ele precisa de competncias para poder administrar o processo de mudana da melhor forma possvel visando conter os custos e os tempos, minimizar os riscos e maximizar o impacto. Infelizmente, no h livros ou manuais que expliquem como inovar e o processo de aprendizagem requer necessariamente experincia. Por isso, conhecer outras experincias pode ajudar o gestor nos seus esforos para melhorar a ateno sade.

o QUE InoVAo?Entre tantas definies, a de West (1990), citada por Omachonu e Einspruch, afirma que inovao :[...] a intencional introduo e aplicao num grupo ou organizao de ideias, processos, produtos ou procedimentos, novos para a unidade que os adota, destinada a produzir benefcios significativos para indivduos, grupos ou comunidade em geral. (West, 1990 apud Omachonu, 2010, p.3. Traduo do autor)5

Essa definio destaca o valor social da inovao: o que interessa no apenas a novidade ou a sofisticao tecnolgica, mas os benefcios que ela produz para os indivduos ou para a coletividade. O que se adapta ao caso da sade pblica, onde o que interessa o valor pblico decorrente da melhoria das condies de sade. O Grfico 1 resume os trs principais atributos da inovao:

11

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

Grfico 1: Atributos da inovao

Ideia, processo ou produto novo

Aplicao prtica

Gerao de benefcios

INOVAO

Desde a perspectiva do processo, podemos distinguir a inovao incremental e inovao radical. A inovao incremental (linear, evolutiva) melhora prticas, instrumentos ou procedimentos que j existem, ampliando suas abrangncias e suas efetividades ou a qualidade de seus impactos. A inovao radical (nolinear, de transformao) requer o abandono de uma velha prtica, e sua substituio por uma prtica nova, com possvel criao de novos atores (e novos mercados), trazendo aumento do valor agregado para os usurios ou outros atores estratgicos6. Com respeito ao objeto da mudana, existem trs tipos de Inovao, sistematizados no Quadro 1.

12

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Quadro 1: Tipos de inovao7INOVAO DE PRODUTOProdutos, tecnologias ou servios novos, ou significativamente melhorados

INOVAO DE PROCESSONovo mtodo de produo ou de entrega de um determinado servio ou produto

INOVAO DE ESTRUTURAImplantao de nova estrutura ou reforma de uma existente, para melhoria do servio existente ou para novo servio Mudanas na infraestrutura interna e externa, criao de novos modelos de negcio

O que produz

Que mudanas

Melhorias nas especificaes tcnicas, nos componentes e nos materiais

Mudanas significativas nas tcnicas, equipamentos e/ou software

InoVAo nA gEsto dA sAdEQuando se transfere esses atributos da inovao para a rea da sade, especialmente quando se considera a gesto, observa-se que, pelo menos em princpio, para cada gestor pblico de sade inovar uma funo de rotina: as limitaes estruturais e financeiras hoje existentes e a presso da demanda de servios pelos usurios obrigam os gestores a serem constantemente criativos e tentar solues novas. Para ser chamada de inovadora, uma mudana deve produzir benefcios. E a eficcia desses benefcios tem de ser demonstrada. Ento, se for verdade que inovar uma funo normal do gestor do SUS, necessrio formular algumas reflexes sobre como realizar e gerenciar um processo de mudana baseado na introduo da inovao da gesto. importante conduzir esses processos de uma forma planejada, para que o esforo criativo no seja inviabilizado por uma implementao incorreta. Numa viso sinttica pretende-se contextualizar os atributos da inovao para a rea da sade, de acordo com o Grfico 2.

13

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

Grfico 2: Inovao na sade

Ideia, processo ou produto novo

Aplicao prtica

Gerao de benefcios

nova prtica, instrumento, metodologia, etc.

Implantada - seu efeitos avaliados

Com evidncias de impacto positivo para os usurios

INOVAO NA REA DA SADE

Nesse contexto, a definio de inovao para a rea da sade citada abaixo abrangente e adequada.A introduo de novos conceitos, ideias, servios, processos ou produtos, visando aprimorar tratamento, diagnstico, treinamento, cobertura, preveno e pesquisa, com objetivos de longo prazo, para melhorar qualidade, segurana, impacto e eficincia do sistema de sade. (Omachonu, 2010, p.5, traduo do autor)5

o PRocEsso dE InoVAo nA REA dA sAdEAtores diferentes, cada um com expectativas diferentes, esto envolvidos no processo de inovao na rea da sade. Os profissionais de sade desejam que a

14

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

inovao seja principalmente destinada para a melhoria do cuidado, diagnstico e tratamento. J os usurios so portadores de uma viso diferente e esperam que as mudanas sejam relativas aos aspectos da qualidade que so importantes para eles, como o acolhimento, o estado das estruturas, a personalizao da ateno, a reduo dos tempos de espera e assim por diante. J o interesse dos prestadores e dos fornecedores obter, mediante a inovao, melhores resultados tcnicos e econmicos. Finalmente, os gestores querem inovar para alcanar cobertura e qualidade satisfatria dos servios, eficincia, segurana dos pacientes e usurios, melhoria dos indicadores de sade, etc. A interao entre esses diferentes interesses e expectativas, a capacidade de negociar solues boas ou acatveis para todos os atores fundamental para que a inovao seja implantada e consolidada. Em geral, a introduo da inovao na gesto visa melhorar a eficincia (melhores resultados com os mesmos recursos; mesmos/melhores resultados com menos recursos), e/ou aprimorar a qualidade (no s a segurana, mas tambm a qualidade percebida pelos usurios, inclusive a humanizao) e/ou alcanar algum impacto nas condies de sade da populao sob responsabilidade. As inovaes que mais frequentemente so implantadas na gesto da sade so inovaes radicais, baseadas em uma mudana drstica no desenvolvimento de uma ou mais prticas de sade (por ex. um novo sistema de transporte em sade). As mudanas referem-se a um ou mais processos e geralmente o foco na mudana organizacional5. O processo de inovao da gesto em sade, na grande maioria das vezes, deflagrado por causas externas ao gestor, como a presso de atores relevantes, como grupos especficos da comunidade ou grupos de profissionais de sade. J em outras oportunidades, menos frequentes, a mudana introduzida em resposta a um problema especfico identificado pelos gestores. Essa segunda modalidade, de tipo proativo, define o perfil de gestor-inovador, que sabe detectar precocemente as falhas no funcionamento do sistema e propor solues viveis e sustentveis nos mdios e longos prazos. A primeira modalidade, de tipo reativo, por ter que responder a problemas conjunturais, apressa o proces-

15

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

so decisrio, com o risco de criar solues provisrias e/ou de curto prazo, que no descem at as verdadeiras razes do problema. Mesmo assim, as inovaes reativas no devem ser menosprezadas, pois, muitas vezes, a deflagrao de uma crise a nica oportunidade para o gestor introduzir a inovao, pois a prpria conjuntura a criar o contexto receptivo para a mudana. Numa situao ideal (que o gestor quase nunca vive), o processo de mudana deveria ser planejado com cuidado. Algumas perguntas deveriam ser claramente respondidas, como: O problema foi suficientemente analisado? As solues alternativas foram suficientemente avaliadas? Qual a viabilidade da soluo selecionada (custos, recursos humanos, infraestrutura, tecnologia)? Foram avaliadas as possveis reaes dos atores envolvidos com a mudana? Foi estimado o impacto da soluo e o seu custo/efetividade? Foi realizada alguma fase piloto de experimentao? Como vai ser monitorado e avaliado o impacto da mudana? Os novos processos e procedimentos foram sistematizados? Esse listado de perguntas pode se um guia, mesmo que muito geral, de como preparar e implantar um processo de mudana na gesto.

A PRoPostA dos LABoRAtRIos dE InoVAoOs argumentos tericos descritos anteriormente indicam que a inovao uma funo essencial do gestor do SUS. Essa funo exercida diariamente pelos gestores municipais, estaduais e federais do Brasil todo e o nmero de prticas, instrumentos e metodologias inovadoras crescem a cada dia. Porm, muitos desses valiosos conhecimentos so silenciosos, tcitos. Muitas dessas inovaes so efetivamente aplicadas, mas muito poucas so sistematizadas ou, de alguma forma, capitalizados para ser utilizados por outros gestores. Isso totalmente compreensvel, pois para o gestor a presso e a responsabilidade do fazer so prevalentes e deixam pouco espao para aes de sistematizao dos conhecimentos acumulados e da divulgao desses. Dessa forma, o impacto criado pela inovao fica preso ao contexto territorial no qual se desenvolve; valiosos instrumentos e informaes relevantes para os gestores se perdem por no serem compartilhados.

16

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Nesse sentido, a proposta dos Laboratrios de Inovao (LI) pretende ser uma estratgia para promover e valorizar o desenvolvimento da gesto dos sistemas de sade. Os laboratrios so espaos de anlise de alguns problemas relevantes para a gesto do SUS, que visam propor aos gestores elementos relevantes para a soluo desses problemas. Todas as afirmaes e as propostas dos laboratrios so baseadas em evidencia de gesto fornecida pelo estudo de casos relevantes realizados por gestores do SUS. Na prtica, os laboratrios no fazem outra coisa que valorizar algumas experincias significativas de gesto, resgatando e analisando os processos, prticas, ferramentas, instrumentos que foram desenvolvidos. Os laboratrios transformam o conhecimento tcito em conhecimento explcito, permitindo assim o acesso a essas valiosas informaes por parte da comunidade dos atores interessados. Uma comunidade de inovadores ou de potenciais inovadores, que precisam de ferramentas para poder intervir de forma eficaz sobre os problemas de gesto.O que faz o Laboratrio de Inovao Identifica os atuais desafios do SUS nas reas crticas para a gesto de sistemas de sade. Detecta e valoriza experincias inovadoras, recentes e concretas, realizadas no Brasil e no exterior, relativas gesto de sistemas pblicos de sade (nacional, estaduais, regionais, municipais). Sistematiza os conhecimentos relativos s solues, instrumentos e prticas inovadoras utilizadas nessas experincias. Produz e dissemina esses conhecimentos. Promove aes de apoio aos gestores do SUS para incorporao de solues e prticas inovadoras nas prprias instituies.

Quanto metodologia de trabalho, o desenvolvimento de um Laboratrio de Inovao se realiza em trs etapas. Uma vez escolhido o tema objeto do laboratrio (por exemplo, os sistemas logsticos em redes de ateno, o que o caso desse texto), uma primeira etapa dedicada anlise dos desafios de gesto que esse tema apresenta. Essa fase de estudo e caracterizada pela reviso da literatura recente sobre o tema, de experincias internacionais e de referncias de outros pases. Os resultados desse trabalho de anlise so apresentados e discutidos em momentos de debate com atores estratgicos, com a finalidade de ajustar o diagnstico e detectar as experincias mais significativas para o problema em pauta.

17

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

A segunda etapa focada na deteco e valorizao de boas prticas e executada mediante a realizao de estudos de caso das prticas mais significativas e inovadoras. A etapa final dedicada sistematizao dos conhecimentos resgatados pelos estudos de caso - transformao de conhecimento tcito em explcito, e consistem na elaborao de texto(s) que ofeream aos gestores do SUS conhecimentos baseados em evidncias, teis para a inovao da gesto.

LABoRAtRIo dE InoVAo InoVAndo o PAPEL dA AtEno BsIcA PRImRIA nAs REdEs dE AtEno sAdEO resultado desse laboratrio destinado a gestores municipais de sade com a finalidade de trazer exemplos de estratgias para fortalecer a ateno primria sade como eixo coordenador das redes integradas de ateno sade. resultado do estudo de caso de quatro muncipios brasileiros, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba e Florianpolis, realizado entre o segundo semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2010. As seguintes sees compem esse documento: 1. Introduo 2. Parte I Bases tericas e conceituais da APS coordenadora de redes de ateno nas Amricas 3. Parte II Resultados do laboratrio de inovao sobre APS e redes de ateno

18

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

referNciAs1. World Health Organization [homepage na internet]. World Health Statistics 2010. [acesso em 2010 maio 11]. Disponvel em: http://www.who.int/whosis/whostat/2010/en/index.html 2. National Diabetes Information Clearinghouse [homepage na internet]. National Diabetes Statistics, 2007 [acesso em 2010 jul. 20]. Disponvel em: www.diabetes.niddk.nih.gov 3. Mendes EV. Redes de ateno sade. Belo Horizonte: Escola de Sade Pblica de Minas Gerais; 2009. 4. Bengoa R. Empantanados. RISAI [peridicos na Internet]. 2008 otoo [acesso em 2010 maio 20]; 1(1), Article 8. Disponvel em: http://pub.bsalut.net/risai/vol1/iss1/8 5. Omachonu VK, Einspruch NG. Innovation in Healthcare delivery systems: a conceptual framework. Innov J. [peridico na Internet]. 2010 [acesso em 2010 mar. 24]; 15(1), article 2. Disponvel em: http://www.innovation.cc/scholarlystyle/omachonu_healthcare_3innovate2. pdf 6. Harvard Business Essentials. Managing Creativity and Innovation. Boston, MA: Harvard Business School Press; 2003. 7. Varkey P, Horne A, Bennet KE. Innovation in Health Care: A Primer. Am J Med Qual 2008 sep/oct ;23(5):382-388.

19

PARTE IBASES TERICAS E CONCEITuAIS DA APS COORDENADORA DE REDES DE ATENO NAS AMRICAS

SISTEMA NICO DE SADE: uM SISTEMA DE SADE ORIENTADO PELA ATENO PRIMRIAClaunara Schilling Mendona

O fortalecimento da Ateno Primria no Brasil tem sido um processo gradativo, com o aumento de cobertura das equipes de Sade da Famlia, forma brasileira de organizar a ateno primria sade, em todos os estados da Federao. Um esforo tripartite que superou as divergncias poltico-partidrias para avanar na implantao dos preceitos constitucionais. A APS brasileira veio a ser implementada como Poltica Nacional em 2006, e est definida em um formato abrangente, compreendendo a promoo e proteo de sade, preveno de agravos, diagnstico, tratamento, reabilitao e manuteno da sade. Sendo o contato preferencial dos usurios com o sistema de sade, se orienta pelos princpios da universalidade, acessibilidade e coordenao, vnculo e continuidade, integrao, responsabilidade, humanizao, equidade e participao social 1.

sAdE dA FAmLIA: PoLtIcA cEntRAL do sUsA Sade da Famlia hoje ultrapassou os limites de um programa e uma poltica do estado brasileiro, presente na agenda dos gestores do SUS e uma prioridade da atual gesto federal. So 31.500 equipes de sade da famlia, 243.022 agentes comunitrios e 20.103 equipes de sade bucal atuando em todo o territrio nacional. Alm disso, os Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF), cuja implantao se deu em 2008, representaram um marco importante na ampliao das possibilidades de alcanar melhores resultados em sade, com o enfoque na promoo da sade e no cuidado populao. So 1.250 NASF presentes em 806 municpios brasileiros. (Fonte: SCNES Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Sade, setembro 2010).

23

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

cARActERstIcAs do modELo dE APs BRAsILEIRoO Brasil tem trs importantes caractersticas que nos diferenciam dos modelos de outros pases orientados pela APS: 1. A deciso das equipes multidisciplinares serem responsveis por territrios geogrficos e populao adscrita as equipes devem reconhecer adequadamente problemas de todos os tipos, sejam eles de ordem funcional, orgnica ou social. 2. A presena singular dos agentes comunitrios de sade. 3. A incluso da sade bucal no sistema pblico de sade. O carter estruturante dos sistemas municipais de sade orientados a partir da Estratgia Sade da Famlia tem provocado um importante movimento de reordenamento do modelo de ateno no SUS. A estratgia busca cumprir os princpios da APS, de forma a ser o primeiro contato da populao s aes e servios de sade, com integralidade, ao longo do tempo e coordenando os usurios na rede de servios2. Dessa forma, pressupe maior racionalidade na utilizao dos demais nveis assistenciais.

REsULtAdos ALcAnAdosOs resultados positivos apontados em diferentes estudos abordando a Sade da Famlia abrangem diferentes fatores como, por exemplo, a avaliao dos usurios, dos gestores e dos profissionais de sade3, a oferta de aes de sade e o acesso e uso de servios4 5, a reduo da mortalidade infantil6, a reduo de internaes por condies sensveis Ateno Primria7 e a melhoria de indicadores socioeconmicos da populao8. A reduo da mortalidade infantil, um indicador clssico, mas permeado por vrios determinantes sociais da sade, o aumento na cobertura de Sade da Famlia, isoladamente, foi capaz de reduzir em 4,6% a mortalidade infantil6, tendo servido, inclusive, da meta proposta no Pacto da Reduo da Mortalidade

24

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Materna e Infantil do governo Lula junto aos Governos dos Estados das regies Norte e Nordeste. Dados da PNAD 2008 reafirmam a incluso no SUS da populao mais vulnervel: 62% das famlias sem rendimento ou at 1 (um) Salrio Mnimo (SM) esto cadastradas junto s equipes de SF; 63,8% dos domiclios com o(a) chefe da famlia de at 1 ano de estudo, esto sendo atendidas pelas equipes de SF. J sobre alguns indicadores socioeconmicos, estudo recente aponta que nas regies mais pobres do pas a implementao da ESF est associada com o crescimento do emprego de adultos, reduo da fertilidade (reduo do espao entre os filhos) e aumento da presena de adolescentes na escola8.

dEsAFIos dA PRxImA dcAdAO Ministrio da Sade, seguindo as orientaes do Relatrio da Organizao Mundial da Sade de 20089, refora a APS como uma idia-fora trinta anos ps-Alma-Ata e tem colocado como um desafio para a prxima dcada, fazer com que a Sade da Famlia, experincia brasileira de APS, exera a funo de centro de comunicao nas redes de ateno sade. Para a concretude dessa idia-fora da APS como coordenadora de uma resposta ampla em todos os nveis de ateno precisamos produzir evidncias, alm das que j existem, para superar as dificuldades hoje influentes pelas ESF, para que ela se torne, de fato coordenadora da ateno na rede de servios. A proposta da Organizao Pan-Americana da Sade, com o Laboratrio de Inovao em Ateno Primria Sade, descrever o papel da APS nas Redes integradas de Ateno Sade, por meio da sistematizao de boas experincias municipais, como as que sero apresentadas neste documento.

25

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

O Ministrio da Sade tem colocado na pauta de discusso poltica para a prxima dcada os quatro desafios para que nossa Ateno Primria seja coordenadora das Redes de Ateno:

1. O desafio do financiamentoCrescimento dos recursos de sade rumo cobertura universalAteno Primria Sade no barata e requer investimentos considerveis, mas gera maior valor para o recurso investido do que todas as outras alternativas (Relatrio OMS, 2008)

O Piso de Ateno Bsica aumentou 80%, era R$10,00 em 2002 e aumentou para R$18,00 em 2009 (R$ 3,4 bilhes, Resoluo n 8, de 27/08/2008, do IBGE, estimativa populacional de referncia de 01/07/08). Se utilizssemos uma atualizao monetria, como o INPC do IBGE, o valor do PAB corrigido em relao a 2002 seria cerca de R$29,00, um impacto de mais R$1,8 bilho em 2010. O oramento previsto para 2011, que faz o PAB fixo chegar a R$19,00, impacta o oramento federal em R$ 3,57 bilhes. Os incentivos variveis da Ateno Bsica, que refletem os valores federais para a Estratgia de Sade da Famlia, Sade Bucal e Agentes Comunitrios de Sade, passaram de R$682 milhes em 2000 para R$5,6 bilhes em 2009. Os valores oramentrios previstos para custear 247.000 Agentes Comunitrios de Sade, 32.500 Equipes de Sade da Famlia, 21.500 Equipes de Sade Bucal e 1.500 NASFs acumulativamente at dezembro de 2011, somam R$6,57 bilhes. O investimento para o Plano Nacional de Implantao de Unidades Bsicas de Sade para as equipes de Sade da Famlia, previstos no Programa de Acelerao de Crescimento PAC 2, soma R$1,7 bilho para a construo de 8.694 UBS nos prximos trs anos. O desafio futuro em relao ao financiamento da APS diz respeito eficincia alocativa do SUS, ou seja, a regulamentao da EC 29, com novos recursos para

26

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

o sistema, devendo vincular recursos federais e estaduais na ateno primria, permitindo que a Sade da Famlia seja o projeto estruturante do SUS. Nos municpios, recursos adicionais permitiro inovao na forma de contratao e de pagamento aos profissionais das equipes.

2. O desafio da GestoAPS como coordenadora de uma resposta ampla em todos os nveis de atenoRegulao do Sistema de Ateno Sade buscando o acesso universal e a proteo social em sade (Relatrio OMS, 2008)

Um dos processos mais complexos na construo dos sistemas de sade a articulao entr os pontos de ateno. A integrao e a coordenao da rede a partir da APS requer mecanismos de gesto para que a Sade da Famlia seja capaz de coordenar o cuidado na rede de ateno. Apesar das evidncias que maiores coberturas de Sade da Famlia apresentam melhores resultados em indicadores de sade, as unidades bsicas de sade, ainda somam 40,5% no modelo tradicional de ateno primria, ou seja, h uma duplicao de modelos de ateno primria com unidades tradicionais e unidades de sade da famlia que gera, no territrio, competio pela clientela, dificuldade de vinculao da populao, gastos adicionais desnecessrios. H, portanto, uma necessidade de profissionalizar a gesto municipal para organizar sistemas de sade orientados pela Sade da Famlia, bem como introduzir gerentes de unidades bsicas de sade capazes de implementar os mecanismos necessrios para que a populao adscrita s equipes usufrua dos quatro atributos exclusivos da APS que so: acesso e utilizao (primeiro contato), de forma integral, ao longo do tempo e com coordenao na rede de ateno. A gesto orientada pela ateno primria deve partir de um planejamento com base na populao:

27

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

1. o registro da populao por meio de sistemas informatizados; sobre essa populao, 2. a infraestrutura fsica e de equipamentos adequada, inclusive de recursos humanos; 3. a implantao de diretrizes clnicas que levem em conta classificao de risco e vulnerabilidade, e consequentemente a definio da programao de exames diagnsticos e de consultas especializadas, inclusive para a necessidade de ateno compartilhada, adscrevendo tambm a populao para cada especialista focal; 4. a regulao de acesso do que no urgncia e emergncia nem alto custo (regulados por mecanismos especficos), ou seja, do que eletivo, e conhecido pelo planejamento e programao a partir da populao, fica a cargo da ateno primria; 5. mecanismo de comunicao da ateno primria como centro de comunicao da rede sistemas eletrnicos de comunicao, pronturio eletrnico, listas de espera inteligentes (que incorporem a classificao de risco/ vulnerabilidade). Na prpria APS, quando os pacientes so vistos por vrios membros da equipe e informaes so geradas em diferentes lugares (diagnstico) ou com outros especialistas, para aconselhamento ou intervenes curtas ou para pacientes especficos, por longos perodos; 6. a capacidade dos profissionais de APS fazerem a coisa certa introduo de tecnologias de gesto da clnica, na perspectiva de segurana dos pacientes. Ainda em relao ao desfaio da gesto, cabe destacar 80% dos municpios brasileiros tm uma populao menor de 20 mil habitantes. Para esses municpios, faz-se necessrio o apoio tcnico das Secretarias Estaduais de Sade e de suas estruturas regionais, bem como a valorizao dos Colegiados de Gesto Regionais, responsveis pela pactuao do fluxo dos usurios na rede de servios intermunicipais. Nos municpios maiores, onde se concentram a duplicidade dos modelos de ateno bsica, deve-se superar o enfoque da ateno primria seletiva, para pobres, expandindo-a para toda a populao. Todos devem receber oferta de servios excelentes de ateno primria, de forma que no fique sujeita a gastos do prprio bolso em seguros privados de sade, que no geram

28

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

confiana, tampouco tm bons indicadores de sade, e que seja possvel, com recursos pblicos na ateno primria, reverter os somente 41,6% dos gastos pblicos com sade no Brasil dos 8,45 do Produto Interno Bruto.(http://apps. who.int/ghodata/).

3. O desafio da sade da famlia orientada s necessidades da populaoAteno sade para toda a comunidadeEquipes de Sade facilitando o acesso e o uso apropriado de tecnologias e medicamentos Resposta s necessidades e expectativas das pessoas em relao a um conjunto amplo de riscos e doenas Promoo de comportamentos e estilos de vida saudveis e mitigao dos danos sociais e ambientais sobre a sade (Relatrio OMS, 2008)

As trs caractersticas do modelo de APS brasileiro: as equipes multidisciplinares responsveis por territrios geogrficos, a presena singular dos agentes comunitrios de sade competncia cultural e a incluso da sade bucal no sistema pblico de sade possibilitam melhor abordagem para a situao atual de sade no Brasil, provocada pela transio demogrfica,epidemiolgica e pela urbanizao, que contribuem a TRIPLA CARGA de DOENAS.10 1. Doenas infecciosas e parasitrias e as doenas emergentes: dengue, malria, hansenase, tuberculose, H1N1. 2. O aumento das condies crnicas (com o envelhecimento das pessoas) e seus fatores de risco (fumo, sedentarismo, m alimentao). 3. Violncia e as causas externas de morbi-mortalidade. Para dar respostas ao aumento das condies crnicas, pelo aumento da sobrevida da populao, e consequentemente, ao acmulo das co-morbidades, os processos de trabalho das equipes devem responder s novas necessidades

29

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

da populao. As aes e servios de sade ofertados no obtero cura para as condies crnicas, mas sim o cuidado compartilhado, com autonomia dos sujeitos, que recebero mais informaes sobre seus problemas de sade, melhor seguimento de suas condies crnicas e maior qualidade nos cuidados preventivos, inclusive na preveno de uso desnecessrio de tecnologias. O trabalho em equipe se faz necessrio para responder complexidade dos problemas em ateno primria, exigindo-se conhecimento dos condicionantes e determinantes da sade, do risco e vulnerabilidade de famlias ou indivduos a fim de desenvolver projetos de interveno especficos. Deve-se reformular saberes e prticas oriundos da formao realizada nos hospitais e ambulatrios de especialidades mdicas incorporando conceitos das cincias sociais e outros campos em programas de educao permanente, cursos, discusso de casos e de famlias, consensos e aprendizagem entre pares. A esse processo temos chamado no Brasil de Apoio Matricial e a sua prtica tem sido realizda pelas equipes de Sade da Famlia com os Ncleos de Apoio a Sade da Famlia NASF. 11 Essa experincia de matriciamento, testada e com bons resultados junto aos municpios que fazem parte do Pacto pela Reduo da Mortalidade Materno-Infantil, permitiu a deciso de ampliar os NASF a partir de outros critrios de porte populacional dos municpios e nmero de equipes de sade da famlia, fazendo com que fosse criada a proposta de NASF tipo 3, composto por profissionais das reas especficas para priorizar a ateno integral aos usurios de crack, lcool e outras drogas, bem como est presente na recente proposta brasileira de um Plano Nacional de Reduo da Obesidade.

A escassez na formao de profissionais para a sade da famliaVale destacar que o n crtico mais citado pelos gestores a falta de mdicos de famlia e comunidade com perfil e capacidade tcnica, e em quantidade suficiente para atender ao processo de qualificao da Sade da Famlia em curso. Mesmo com o esforo do aumento de vagas de residncia em MFC, com os editais I e II do Pr-Residncia (PT Interministerial n 1.001, de 22 de outubro de 2009), a maior parte delas nem mesmo so preenchidas. Por essa razo, experincias de ensino-servio devem ser ampliadas no Brasil, especialmente nos municpios

30

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

onde esto localizadas as residncias mdicas, colocando os mdicos residentes em MFC vinculados gesto municipal, ampliando sua remunerao, mas com a garantia de tempo para sua formao em servio, utilizando todos os recursos disponveis para educao, como o das tecnologias no presenciais. Avanamos com projetos que utilizam as Unidades Bsicas de Sade e as Equipes de Sade da Famlia como espao de formao dos graduandos nas reas da sade, como o Pr-Sade e o PET Sade, porm, a excelncia clnica ofertada que dar o reconhecimento social desses profissionais, suas participaes em congressos e eventos cientficos e o estmulo produo intelectual, cruciais na deciso da ateno primria como um espao de realizao do trabalho em sade. O papel da enfermagem nessa transio, de uma ateno primria orientadora do cuidado, que substitui a cura pelo cuidado, a tecnologia densa, pela cognio e subjetividade e o espao hospitalar pelo ambulatorial, domiciliar e comunitrio, uma pea-chave na oferta da ateno primria sade. Faz-se necessrio colocar em prtica, na ateno primria, intervenes que contemplem valores e crenas das pessoas e isso faz parte da formao e das bases tericas da formao da enfermagem, propiciando que nos processos educativos em sade, possam facilitar a comunicao, o entendimento, a aprendizagem e dar suporte frente s situaes difceis.12 Do ponto de vista global, e muito no Brasil, a enfermegem constitui a maior fora de trabalho e faz a diferena em relao oferta de servios em ateno primria sade. A sade bucal, ao fazer parte da Sade da Famlia, visa superar a Odontologia de Mercado13, e busca trabalhar para a reorganizao de acesso s aes de sade, garantindo-se a ateno integral em SB aos indivduos e s famlias, mediante o estabelecimento do vnculo territorial. Em pesquisa recente sobre trabalhadores comunitrios em sade e impactos positivos desses sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM), a experincia brasileira de Agentes Comunitrios de Sade (ACS) (PACS/ESF) alcanou o melhor resultado, obtendo 34 pontos de um total de 36, entre oito pases de trs regies14. Os anos recentes foram marcados por avanos na regulamentao da profisso dos agentes comunitrios de sade, na sua formao de nvel mdio

31

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

e na desprecarizao das suas relaes de trabalho. Em 2001, 72,4% dos ACS tinham vnculos precrios e em 2008, 31,8%, sendo que, nesse perodo, houve um crescimento de 34,7% no nmero de ACS, havendo uma distribuio muito heterognea dessa situao nas diferentes Unidades Federadas, onde no mais que cinco estados puxam essa mdia para cima. O desafio da prxima dcada de reforar o papel desse trabalhador em estreitar relaes de solidariedade e confiana, construir redes de apoio e fortalecer a organizao e participao das pessoas e das comunidades em aes coletivas para melhoria de suas condies de sade e bem-estar, especialmente dos grupos sociais vulnerveis, uma das recomendaes da Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais da Sade.15

equidade e sade da famliaPor fim, na perspectiva de uma resposta adequada s necessidades de sade das pessoas, a ateno primria brasileira, embora com regras comuns a todas as equipes (profissionais que a compe, carga horria, aes estratgicas etc), busca atender s demandas especficas da diversidade brasileira com normatizaes que levam em conta as especificidades regionais: Financiamento diferenciado (50% a mais) do PAB varivel (ESF e SB) aos municpios da Amaznia Legal, com IDH < 0,7, com assentamentos e populao quilombola. Essa discriminao positiva inverteu a histrica alocao dos recursos federais, concentrados nas regies Sudeste e Sul, e fez com que os estados da Paraba, do Piau e de Tocantins tenham os maiores valores per capita da Ateno Primria do pas. Incorporao de microscopista na equipe de Sade da Famlia para a Amaznia Legal, aumentando a deteco precoce dos casos e reduzindo o nmero total de casos de malria. (PT/GM 3.238, 2009). Induo de integrao do Agente de Combate s Endemias equipe de SF convergindo os processos de trabalho entre profissionais da APS e Vigilncia em Sade (Portaria n 1.007, de 5 de maio de 2010).

32

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Sade da Famlia para populaes ribeirinhas flexibilizao no processo de trabalho das equipes e financiamento de custeio para Unidades de Sade Fluviais (Portaria n 2.191, de 3 de agosto de 2010).

AO iNTerseTOriAlOutra evoluo da Poltica Nacional de APS foi dividir com os outros setores a responsabilidade territorial e populacional:

ministrio da educao Programa Sade na Escola 3.700 municpios envolvidos, recebendo incentivos adicionais para equipes ESF que atuaram junto s escolas, em aes de promoo, preveno e ateno sade, totalizando um repasse de R$ 195 milhes aos municpios e beneficiando 23 milhes de estudantes do ensino fundamental e mdio de escolas pblicas.

ministrio do desenvolvimento social Acompanhamento das Condicionalidades do Programa Bolsa Famlia seis milhes de famlias so acompanhadas pelas equipes de Sade da Famlia. Um Milho de Cisternas: formao dos agentes comunitrios de sade para a manuteno e qualidade da gua para consumo humano. Mobilizao Nacional pela Certido de Nascimento reduo de mais de 50% da falta de registro civil no pas.

ministrio do desenvolvimento Agrrio A ampliao do acesso ao SUS a partir das equipes de Sade da Famlia, Agentes Comunitrios de Sade e Sade Bucal, nos Territrios da Cidadania. Criao de Unidades Mveis de Sade Bucal, nos municpios dos Territrios da Cidadania que no tinham a presena da Sade Bucal (51 em 2010).

33

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

ministrio da Justia Formao em EAD, exclusivamente para os profissionais de nvel superior das equipes de SF, dos municpios do Mapa da Violncia, do curso SUPERA, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). Mais de 12 mil inscritos para quatro mil vagas, com 90% de profissionais que concluram o curso.

ministrio da cultura Editais Sade e Cultura, em 2009 e 2010, a fim de integrar os profissionais das equipes de Sade da Famlia, as comunidades (reforando o protagonismo juvenil) e os Pontos de Cultura. Em 2009, foram premiadas 215 iniciativas e em 2010 foram 450 propostas, sendo 120 atendidas.

4. O desafio da valorizao social e poltica da ApsParticipao institucionalizada da sociedade civil no dilogo poltico e nos mecanismos de accountability (Relatrio OMS, 2008)

A ateno primria resolutiva capaz de conduzir sociedade na definio das necessidades e direitos, incorporando o conceito de empoderamento e capital social. Os cidados satisfeitos com os servios que recebem defendero o modelo pblico e aprovaro o financiamento necessrio para a manuteno da maior poltica de incluso social, que o Sistema nico de Sade, orientado pela Sade da Famlia.

34

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

referNciAs8. Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica.Poltica Nacional de Ateno Bsica/Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade,Departamento de Ateno Bsica. 4. ed. Braslia : Ministrio da Sade, 2007. 68 p. (Srie E. Legislao de Sade) (Srie Pactos pela Sade 2006; v. 4). 9. Starfield B. Ateno Primria: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia. Braslia: UNESCO/Ministrio da Sade, 2002. 10. Elias PE, et al. Ateno Bsica em Sade: comparao entre PSF e UBS por estrato de excluso social no municpio de So Paulo. Cincia & Sade Coletiva 2006;11(3):633-641. 11. Facchini LA, et al. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliao institucional e epidemiolgica da Ateno Bsica Sade. Cincia e Sade Coletiva 2006;11(3). 12. Piccini RX, et al. Necessidades de sade comuns aos idosos: efetividade na oferta e utilizao em ateno bsica sade. Cincia e Sade Coletiva 2006;11(3):657-667. 13. Macinko J, Guanais F, Souza F. An Evaluation of the Impact of the Family Health Program on Infant Mortality in Brazil, 1990-2002. Journal of Epidemiology and Community Health 2006;60:13-9. 14. Macinko J, Guanais F. Primary Care and Avoidable Hospitalizations Evidence From Brazil. Journal of Ambulatory Care Management, april/june 2009; 32(2): 115122. 15. Rocha R, Soares RR. Evaluating the Impact of Community-Based Health Interventions: Evidence from Brazils Family Health Program. IZA Discussion Paper Series 2009; DP no 4.119. 16. World Health Organization. The World Health Report 2008. Primary Health Care, now more than ever. Geneve, 2008. 17. Mendes EV. As Redes de Ateno Sade. Belo Horizonte: Escola de Sade Pblica, Minas Gerais, 2009. 848 p. 18. Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Caderno de princpios e diretrizes do Ncleo de Apoio Sade da Famlia (NASF)/ Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Ateno Bsica. Braslia: Ministrio da Sade, 2010.152 p. : il. (Srie A. Normas e Manuais Tcnicos) (Caderno de Ateno Bsica, n. 27) 19. Baumann, A; Valaitis, R and Kaba, A. Primary Health Care and Nursing Education inthe 21st Century: A Discussion Paper. A Report for the Ontario Ministry of Health and Long -Term Care. Nurse Health Services Research Unit, March 2009. Series Number 16. 20. Narvai PC. Odontologia e sade bucal coletiva. 1. ed. So Paulo: Hucitec; 1994.

35

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

21. Global Experience of Community Health Workers for Delivery of Health Related Millennium Development Goals: A Systematic Review, Country Case Studies, and Recommendations for Scaling Up. Global Health Workforce Alliance (GHWA), Switzerland, april, 2010. 22. http://determinantes.sade.bvs.br/docs/relatorio_cndss.pdf

36

PANORAMA REGIONAL DOS DESAFIOS PARA uMA APS RENOVADA E COORDENADORA DE REDES DE ATENO NAS AMRICASHernn Montenegro

DESIGuALDADE NAS AMRICASA regio das Amricas apresenta um dos mais elevados perfis de desigualdade socioeconmica do planeta. Na mesma regio, convivem potncias desenvolvidas do primeiro mundo, pases emergentes em processo cada vez mais acelerado de crescimento e pases pequenos com economias frgeis e relao de grande dependncia do capital externo. Como reflexo dessa heterogeneidade citada, e tambm em virtude de decises polticas diversas e graus de interpretao distintos em relao sade como direito natural de cidadania e dever do Estado, observamos que os sistemas de sade de nossa regio tomaram rumos variados e com resultados em sade muito diferentes. Em alguns casos, o Estado assumiu a responsabilidade do cuidado de sade de alguns grupos vulnerveis, deixando o restante da populao para ser servida por esquemas de seguridade social ou por empresas privadas de sade, com desembolso a cargo de cada indivduo ou de sua empresa, gerando grande segmentao institucional no interior do sistema e iniquidades no acesso a servios de sade de qualidade. Num outro cenrio, a ateno estatal sade foi focada em programas fragmentados e desarticulados entre si, sem a pespectiva de integrao em rede ou de ateno ao usurio como um ser indivisvel. Poderamos seguir assim descrevendo vrios outros modelos e enfoques dados sade nas Amricas, mas no nos cabe agora discutir o passado nem as suas razes de ser. O mais importante que a OPAS, escritrio regional da Organizao Mundial da Sade para nossa regio, enxergou essa diversidade de modelos e se props

37

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

a recomendar uma nova viso para a reorganizao dos sistemas nacionais de sade com base na estratgia de Ateno Primria em Sade. No prefcio do Documento de Posio, a diretora regional da OPAS/OMS, Mirta Roses, afirma claramente que:No se espera que a estrada para alcanar tal viso seja simples, mas poucas coisas de valor acontecem sem dedicao. Os desafios incluem a necessidade de investir em redes integradas de sade e servios sociais que foram, em muitas reas, inadequadamente providas em termos de apoio, pessoal ou equipamentos. Essa reviso precisa ocorrer mesmo dentro do contexto de oramentos escassos, o que exigir a utilizao mais racional e mais equitativa dos recursos, principalmente se os pases quiserem alcanar os mais necessitados. A melhor evidncia disponvel apia o argumento de que uma forte orientao APS est entre as formas mais equitativas e eficientes para organizar um sistema de sade, embora devamos continuar a avaliar as inovaes na APS, disseminar as melhores prticas e aprender como maximizar e sustentar seu impacto com o passar do tempo.

A DECLARAO DE MONTEVIDuUm dos documentos-base que serviu de substrato terico para a confeco desse posicionamento regional em relao APS foi a Declarao de Montevidu, obtida como produto de uma consulta regional realizada na cidade homnima, de 26 a 29 de julho de 2005. Essa consulta reuniu aproximadamente 100 pessoas, representando mais de 30 pases na Regio, organizaes no-governamentais, associaes profissionais, universidades e agncias da ONU, e seguiu-se a 20 consultas nacionais ocorridas entre maio e julho de 2005. Todo esse processo deu grande legitimidade ao documento e garantiu que o mesmo expressasse os anseios de nossa regio em relao ao caminho a seguir para uma APS renovada. Nesse documento, os pases reconheceram a contribuio e o potencial da APS para a melhoria das condies de sade e a necessidade de definir novas orientaes estratgicas e programticas para a plena realizao de seu potencial (Resoluo OPAS/OMS CD44.R6). Tambm, de maneira ampla, resolveram defender a integrao dos princpios da APS na gesto, organizao,

38

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

financiamento e cuidado da sade e no desenvolvimento dos sistemas nacionais de sade em cada pas de maneira a contribuir, em conjunto, com outros setores, para o desenvolvimento humano abrangente e equitativo. Destacam-se abaixo os dez tpicos especficos pactuados na ocasio, que refletem o compromisso dos pases em relao APS que almejamos:

i)

compromisso no sentido de facilitar a incluso social e equidade em sadeOs Estados devem trabalhar para alcanar a meta de acesso universal a um cuidado de alta qualidade que leve ao mais alto nvel de sade possvel. Os Estados devem identificar e trabalhar para eliminar as barreiras organizacionais, geogrficas, tnicas, de gnero, culturais e econmicas ao acesso, e desenvolver programas especficos para populaes vulnerveis.

ii) reconhecimento dos papis cruciais do indivduo e da comunidade no desenvolvimento de sistemas baseados na ApsA participao no sistema de sade local dos indivduos e comunidades deve ser fortalecida para dar ao indivduo, famlia e comunidade a possibilidade de participar nas decises, fortalecer a implementao e a ao individual e comunitria e apoiar e manter eficazmente polticas de sade pr-famlia ao longo do tempo. Os Estados-Membros devem fazer com que a informao sobre resultados de sade, programas de sade e desempenho dos centros de sade estejam disponveis s comunidades para que possam supervisar o sistema de sade.

39

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

iii) Orientao no sentido da promoo da sade e ateno abrangente e integradaOs sistemas de sade centrados na ateno individual, em abordagens curativas e tratamento de doenas precisam incluir aes orientadas para promoo da sade, preveno de doenas e intervenes baseadas na populao, para lograr uma ateno integral e integrada. Os modelos de ateno da sade devem basear-se em sistemas eficazes de ateno primria, ser orientados para a famlia e a comunidade, incorporar a abordagem do ciclo de vida, ser sensvel ao gnero e s culturas e trabalhar para o estabelecimento de redes de ateno da sade e coordenao social que assegurem a continuidade adequada do atendimento.

iv) desenvolvimento do trabalho intersetorialOs sistemas de sade devem facilitar contribuies coordenadas e integradas de todos os setores, inclusive os setores pblicos e privado, envolvidos nos determinantes da sade de modo a obter o melhor nvel de sade possvel.

v) Orientao para a qualidade do atendimento e segurana do pacienteOs sistemas de sade devem proporcionar uma ateno apropriada, eficaz e eficiente e incorporar as dimenses de segurana do paciente e satisfao do consumidor. Isso inclui processos de contnua melhoria da qualidade e garantia da qualidade das intervenes clnicas, preventivas e de promoo da sade.

vi) fortalecimento dos recursos humanos na sadeO desenvolvimento de todos os nveis de programas de treinamento educacional e contnuo precisa incorporar prticas e modalidades de APS. As prticas

40

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

de recrutamento e seleo devem incluir os elementos essenciais de motivao, promoo dos empregados, ambiente de trabalho estvel, condies de trabalho centradas no empregado e oportunidade de contribuir a APS de maneira significativa. essencial reconhecer o complemento de profissionais e paraprofissionais, trabalhadores formais e informais e as vantagens do trabalho em equipe.

vii) estabelecimento de condies estruturais que permitam a renovao da ApsOs sistemas baseados na APS exigem a implementao de polticas apropriadas, quadros normativos e institucionais estveis e uma organizao agilizada e eficiente do setor sade que assegure um funcionamento e gesto eficaz para responder rapidamente a desastres, epidemias e outras crises sanitrias, inclusive durante pocas de mudana poltica, econmica ou social.

viii) Garantia de sustentabilidade financeiraOs Estados devem envidar os esforos necessrios para garantir o financiamento sustentvel dos sistemas de sade, o processo de renovao da ateno primria de sade e uma resposta suficiente s necessidades de sade da populao, com o apoio das instituies de cooperao internacional para apoiar o processo de integrao da APS nos sistemas de sade.

iX) pesquisa e desenvolvimento e tecnologia apropriadaA pesquisa sobre sistemas de sade, monitoramento e avaliao contnua, intercmbio de melhores prticas e desenvolvimento de tecnologia so componentes cruciais numa estratgia para renovar e fortalecer a APS.

41

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

X) fortalecimento de redes e parcerias de cooperao internacional em apoio ApsA OPAS/OMS e outras instituies internacionais de cooperao podem contribuir para o intercmbio de conhecimento cientfico, desenvolvimento de prticas baseadas em dados, mobilizao de recursos e melhor harmonizao da cooperao internacional em apoio APS. Esses dez pontos mostram a necessidade de avanarmos de forma ampla e mais abrangente no sentido de construirmos um melhor acesso e promover a equidade por meio da APS. Precisamos convergir os programas e servios, muitas vezes desarticulados, num processo de integrao fsica e funcional. A Declarao de Alma-Ata continua sendo vlida em princpio; contudo, em vez de implementadas como um objetivo ou programa separados, suas ideias devem ser integradas aos sistemas de sade da Regio. Isso permitir que os pases enfrentem novos desafios como as mudanas epidemiolgicas e demogrficas, novos cenrios socioculturais e econmicos, infeces e pandemias emergentes, impacto da globalizao sobre a sade e os crescentes custos do cuidado da sade dentro das caractersticas especficas de cada sistema nacional de sade. A experincia dos ltimos anos demonstra que os sistemas de sade que aderem aos princpios da APS conseguem melhores resultados e aumentam a eficincia do sistema de sade tanto para os indivduos quanto para a sade pblica, bem como para os provedores pblicos e privados. Um sistema de sade baseado na APS orienta suas estruturas e funes para os valores de equidade e solidariedade social e o direito de cada ser humano ao nvel mais alto de sade possvel sem distino de raa, religio, credo poltico ou condio econmica e social.*

*

Declarao de Montevidu Documento Regional de Posio da OPAS/OMS sobre a Ateno Primria Sade Renovada.

42

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

O BRASIL NO RuMO CERTOO Brasil tem tomado decises corretas em relao aos princpios organizativos de Redes de Ateno Sade coordenadas pela Ateno Primria. Sabemos dos grandes desafios que ainda precisam ser enfrentados, alguns deles fruto da continentalidade e diversidade do pas e outros da necessidade de mudanas de natureza cultural e educacional, de mais longo prazo no horizonte. O importante, todavia, no retroceder. A manuteno das atuais conquistas e sucessos, o intercmbio de experincias com outros pases, a correo de rumos durante o processo sempre que ser fizer necessria e a firme convico de seguir adiante no rumo correto faro toda a diferena para os cidados brasileiros no futuro.

43

ATENO PRIMRIA SADE E AS REDES INTEGRADAS DE ATENO SADEErno Harzheim

A Ateno Primria Sade (APS) Renovada, conforme a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS)1, deve constituir a base dos sistemas nacionais de sade por ser a melhor estratgia para produzir melhorias sustentveis e uma maior equidade no estado de sade da populao. A APS pode ser definida como: um conjunto de valores direito ao mais alto nvel de sade, solidariedade e equidade um conjunto de princpios responsabilidade governamental, sustentabilidade, intersetorialidade, participao social entre outros e como um conjunto indissocivel de elementos estruturantes da rede de servios de sade: acesso de primeiro contato, integralidade, longitudinalidade, coordenao, orientao familiar e comunitria e competncia cultural (Figura 1). Esses sete ltimos so considerados os atributos da APS 2.Figura 1 Atributos da Ateno Primria Sade, adaptado de Starfield, 1992 2.

Ateno Primria Sade (APS)

Atributos Essenciais

Atributos Derivados

Acesso

Orientao Familiar

Longitudinalidade Orientao Comunitria Coordenao Integralidade Competncia Cultural

45

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

APS COORDENADORA DAS REDES DE ATENO SADE E AS CONDIES CRNICASPara garantir a legitimidade dessa estratgia frente sociedade, a rede integrada de ateno sade baseada na APS deve garantir resolutividade e integralidade da ateno, suprindo as necessidades em sade da populao sob seu cuidado. Dessa forma, refora sua legitimidade ao atingir e/ou superar as expectativas de cuidado das comunidades atendidas. Alm disso, esse conjunto de servios de APS deve estar inserido, e ser o eixo coordenador do fluxo de pacientes, em uma rede regionalizada de cuidado que conte com todos os nveis de ateno necessrios para garantir a resolutividade e integralidade citadas, com responsabilizao territorial e com estabelecimento compartilhado de competncias. No Brasil, a estratgia de APS para a reorientao do modelo assistencial a Estratgia Sade da Famlia (ESF)3, presente em mais de 90% dos municpios brasileiros 4. Como afirma Giovanella 5, ...uma melhor coordenao de cuidados busca responder a exigncias de mudanas no perfil epidemiolgico com crescente prevalncia de doenas crnicas. O cuidado de doentes crnicos resulta em interdependncia interorganizacional, pois esses pacientes utilizam simultaneamente servios de diversas complexidades, exigindo a coordenao entre nveis de ateno. esse o papel coordenador da Ateno Primria Sade, por sua vez intimamente ligado aos seus demais atributos, que deve ser reforado para a consolidao de redes integradas de ateno sade. Conforme Starfield 6, coordenao do cuidado na APS a capacidade de reconhecer os problemas de sade abordados em outros servios de sade e integrar as aes realizadas nesses servios ao cuidado global dos pacientes. Isso , o provedor de ateno primria, a equipe de Sade da Famlia, deve integrar todo o cuidado que o paciente recebe independentemente do local no qual esse cuidado foi recebido.

46

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

DESAFIOS PARA uMA APS DE quALIDADESabe-se que a presena dos atributos da Ateno Primria na Estratgia Sade da Famlia fundamental para garantir sua efetividade. Entretanto, as diferentes formas de organizao local da Estratgia Sade da Famlia, contextualizadas s caractersticas de cada municpio ou regio brasileira, so determinantes para garantir a presena desses atributos e, consequentemente, para constituir slidas, efetivas e eficientes redes integradas de ateno sade no Brasil. Alguns desafios importantes para a constituio de uma APS de qualidade, organizadora da rede integrada de cuidados, so, alm da fixao de profissionais qualificados nas equipes de Sade da Famlia, o grau de efetividade clnica das equipes frente aos problemas de sade mais frequentes e a prtica efetiva da coordenao do cuidado individual com garantia da sua integralidade.

O LABORATRIO DE INOVAO SOBRE APS E REDES DE ATENODiante da presena desses dois importantes desafios citados alto grau de efetividade clnica das equipes de Sade da Famlia frente aos problemas de sade mais frequentes e a prtica efetiva da coordenao do cuidado individual com garantia da sua integralidade para a constituio de uma APS de qualidade, organizadora da rede integrada de ateno, identificamos e descrevemos experincias municipais que tenham avanado nessa direo. Alm disso, ao analisarmos a rede de ateno sade dos municpios selecionados foi possvel avaliar em cada rede municipal a presena e extenso dos principais atributos das Redes Integradas de Ateno Sade e seu real vnculo com a APS. Foi possvel, assim, descrever intervenes e/ou inovaes que fortalecem o papel coordenador da APS nas redes integradas de ateno sade no SUS.

47

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

Cabe ressaltar que os conceitos de redes integradas de ateno sade utilizados nesse documento so aqueles expressos por duas fontes amplamente difundidas:Eugenio Vilaa Mendes7 Redes integradas so organizaes polirquicas de conjuntos de servios de sade, vinculados entre si por uma misso nica, por objetivos comuns e por uma ao cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma ateno contnua e integral a determinada populao, coordenada pela ateno primria sade prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade com responsabilidades sanitria e econmica e gerando valor para a populao. Organizao Pan-Americana da Sade Redes integradas de servios de sade, ou sistemas organizados de servios de sade, ou sistemas clinicamente integrados ou organizaes sanitrias integradas podem ser definidas como uma rede de organizaes que presta ou prov os arranjos para a prestao de servios de sade equitativos e integrais a uma populao definida, e que se dispe a prestar contas pelos seus resultados clnicos e econmicos, e pelo estado de sade da populao qual ela serve.*

A organizao dessas redes integradas de ateno orientadas pela ateno primria, por meio de sua atuao como ordenadora do cuidado e articuladora das demais tecnologias, aes e servios de sade, objetiva compor sistemas de sade funcionais, resolutivos e acolhedores. Para isso os servios de Ateno Primria devem planejar, ofertar e executar aes de sade no nvel individual e coletivo contemplando a promoo e proteo da sade, a preveno de agravos, o diagnstico precoce e o tratamento de doenas, a reabilitao e a manuteno da sade. Quando a Ateno Primria ocupa o papel central na organizao das redes integradas de ateno sade ela capaz de melhorar o estado de sade da populao com equidade, diminuir custos e aumentar a satisfao dos usurios com a rede de servios8.* Fonte: Modificado de Shortell, SM; Anderson DA; Gillies, RR; Mitchell JB; Morgan KL. Building integrated systems: the holographic organization. Healthcare Forum Journal 1993;36(2):206.

48

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

APS EIxO ESTRuTuRANTE DAS REDES DE ATENOPor outro lado, equivocadamente, a Ateno Primria, ou a Estratgia Sade da Famlia, pode ser implantada somente como o primeiro nvel de ateno do sistema de sade, reduzindo seu potencial transformador, ou, acertadamente, ser consolidada como o eixo estruturante das redes regionalizadas e integradas de ateno sade no SUS. Para cumprir com esse papel estruturador da rede de cuidados em nvel municipal, a rede de servios de Ateno Primria deve possuir algumas caractersticas organizacionais essenciais. Algumas dessas caractersticas so os j citados atributos da Ateno Primria Sade. Sabe-se que a presena desses atributos da Ateno Primria na Estratgia Sade da Famlia fundamental para garantir sua qualidade e seus resultados sobre a sade da populao9, 10. A ausncia de um ou mais desses atributos pode ser a causa responsvel pela heterogeneidade da qualidade da Estratgia Sade da Famlia identificada em alguns estudos e/ou levantamentos j realizados11. Essas diferenas na qualidade so verificadas tanto ao se comparar municpios de um mesmo estado, quanto em comparaes entre regies do pas. Diferenas quanto aos princpios da Ateno Primria medidos atravs de seus atributos foram verificados entre servios de ateno primria de municpios do estado de So Paulo12. Essas diferenas tambm foram verificadas avaliando-se o vnculo e perfil profissional entre municpios da regio Nordeste e do Sul13. A heterogeneidade estende-se qualidade do pr-natal, puericultura e cuidado domiciliar com o idoso14, 15.

RESOLuTIVIDADE DA APSDiversos estudos apontam que uma equipe de Ateno Primria qualificada pode resolver de 85 a 90% dos problemas de sade de uma comunidade16. Para tanto, fundamental que essa equipe atue tanto na promoo de sade e preveno de doenas, como tambm no atendimento de pessoas com doenas j estabelecidas, tanto agudas, como crnicas. No incomum encontrar equipes da Estratgia Sade da Famlia que atuam como verdadeiros pronto-atendimentos,

49

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

realizando consultas sem nenhuma nfase sobre promoo de sade e/ou preveno. Por outro lado, h equipes que creem que seu trabalho puramente de promoo e preveno, deixando a ateno aos usurios doentes em segundo plano. Isso gera dificuldade de acesso em caso de doena da populao equipe de Sade da Famlia, contribuindo para falta de legitimidade da equipe frente comunidade. O equilbrio adequado entre atividades promocionais, preventivas e curativas varivel, dependendo das necessidades em sade de cada comunidade. A alta resolutividade descrita s alcanada quando as equipes de ateno primria esto capacitadas para reconhecer, prevenir e tratar as necessidades e os problemas de sade mais frequentes.

CARGA DE DOENAS E LINHAS-GuIAEstudos mostram que cerca de metade dos motivos de consulta em ateno primria se devem a aproximadamente 30 problemas de sade ou doenas 16. Uma equipe de Sade da Famlia deve, obrigatoriamente, saber realizar de forma exitosa a preveno, o diagnstico e o tratamento dessas condies mais comuns. O uso de linhas-guia baseadas em evidncias cientficas vlidas e atuais, que integrem e estabeleam claramente as atribuies de cada categoria profissional em cada nvel de ateno, cujo uso ser facilitado por intervenes criativas sobre o processo de trabalho as intervenes multifacetadas pode levar as equipes de Sade da Famlia a atingirem alto grau de resoluo desses problemas comuns, reduzindo o nmero de encaminhamentos a mdicos especialistas e internaes hospitalares, alm de fortalecer o papel coordenador da APS.

INTEGRAO DA APS A DEMAIS PONTOS DA REDETambm depende das caractersticas de sade e doena da populao a necessidade de consultas com mdicos especialistas, de atendimentos com outros profissionais da sade, de procedimentos diagnsticos e teraputicos e de internaes hospitalares para que se obtenham bons resultados em sade. A existncia de uma rede de nvel secundrio e/ou tercirio no adequadamente integrada

50

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

s equipes de ateno primria pode gerar prejuzos para a sade da populao, quando subestimada em nmero ou diversidade de aes ofertadas, como prejuzo financeiro para a gesto municipal, quando a rede de nvel secundrio superestimada e/ou superutilizada em relao a alguma ao evitvel, como, por exemplo, internaes hospitalares por crises de asma no tratadas de forma correta na Ateno Primria. A garantia da integralidade do cuidado ateno a todo e qualquer problema de sade ou condio que ponha a sade dos indivduos em risco s ser alcanada com a constituio de uma rede qualificada e integrada de cuidado tanto em nvel primrio, como secundrio e tercirio, alm de inter-relacionada com outras polticas sociais. Essa rede integrada de ateno sade deve se caracterizar por ter um territrio e populao definidos, com ampla oferta de estabelecimentos e servios de sade, coordenados pela Ateno Primria Sade e integrados por sistemas eletrnicos de informao, com um modelo assistencial centrado na pessoa, na famlia e na comunidade/ territrio, sob um nico sistema de governana, com financiamento adequado17.

INOVAES NECESSRIAS PARA AS REDES DE SADE BASEADAS NA APSA implantao e consolidao de Redes Integradas de Servios de Sade, as redes integradas de ateno sade, em cenrios municipais onde j coexistem inmeros tipos de servios de sade requer a introduo de intervenes e inovaes pelo gestor municipal que propiciem a integrao da rede e o fortalecimento da APS. sobre as intervenes e inovaes relevantes para a integrao da rede sob ordenao de servios de ateno primria que trata o estudo de caso que originou esse documento.

51

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

Conceitos fundamentais sobre Ateno Primria e Redes Integradas de Ateno Sade.O que so Redes Integradas de Ateno Sade? So organizaes polirquicas de conjuntos de servios de sade, vinculados entre si por uma misso nica, por objetivos comuns e por uma ao cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma ateno contnua e integral a determinada populao, coordenada pela ateno primria sade prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade com responsabilidades sanitria e econmica e gerando valor para a populao7. O que Ateno Primria Sade? A APS pode ser definida como: um conjunto de valores direito ao mais alto nvel de sade, solidariedade e equidade um conjunto de princpios responsabilidade governamental, sustentabilidade, intersetorialidade, participao social entre outros e como um conjunto indissocivel de elementos estruturantes da rede de servios de sade: acesso de primeiro contato, integralidade, longitudinalidade, coordenao, orientao familiar e comunitria e competncia cultural. Como fortalecer a Ateno Primria Sade no Brasil por meio da Estratgia Sade da Famlia? Aumentar sua legitimidade frente sade da populao, aumentando seu potencial de resoluo dos problemas de sade possibilitando que as equipes de Sade da Famlia exeram seu papel de coordenadores do cuidado dos pacientes. Como coordenar o cuidado em sade dos usurios do SUS por meio da Estratgia Sade da Famlia? Ofertar condies estruturais e de processo de trabalho para que as equipes de Sade da Famlia reconheam os problemas de sade abordados em outros servios de sade e integrem as aes realizadas nesses servios ao cuidado global dos pacientes. Isso , o provedor de ateno primria, a equipe de Sade da Famlia, deve integrar todo o cuidado que o paciente recebe independentemente do local no qual esse cuidado foi recebido. Como aumentar a resolutividade da Estratgia Sade da Famlia (ESF)? Propiciar condies estruturais nos servios de ateno primria sade para enfrentar a realidade epidemiolgica de nosso pas, caracterizada pela coexistncia de agravos relacionados sade materno-infantil, s doenas infectocontagiosas e desnutrio, epidemia de doenas crnicas no-transmissveis, aos acidentes e violncia e aos problemas de sade mental, oferecendo atividades de qualificao e educao permanente aos profissionais de Sade da Famlia, alm de estimular o papel coordenador da ESF na rede integrada de ateno sade.

52

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

referNciAs1. OPAS. Renovacin de la Atencin Primaria de Salud en las Amricas. 2005. 2. Starfield B. Primary Care: concept, evaluation and policy. New York: Oxford Univ Press; 1992. 3. Brasil. Ministrio da Sade. Poltica Nacional de Ateno Bsica, 2006. 4. www.sade.gov.br/dab 5. Giovanella L. A ateno primria sade nos pases da Unio Europia: configuraes e reformas organizacionais na dcada de 1990. Cadernos de Sade Pblica, 2006; 22(5): 951963. 6. Starfield B. Ateno primria: equilbrio entre necessidades de sade, servios e tecnologia. Brasil: Ministrio da Sade, 2002 7. Mendes EV. As redes de ateno sade. Belo Horizonte: ESP-MG, 2009. 8. Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of Primary Care to Health Systems and Health. The Milbank Quartely. 2005; 83 (3): 457-502. 9. Harzheim E. Evaluacin de la atencin a la salud infantil del Programa Sade da Famlia en la regin sur de Porto Alegre, Brasil. Alicante: Universidad de Alicante; 2004. 10. Oliveira MMC, Harzheim E, Riboldi J. Avaliao da qualidade da ateno primria sade em Porto Alegre: uma comparao entre os diferentes servios [dissertao de mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007. 118p. 11. Facchini LA, Puccini RX, Tomasi E, Thum E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliao institucional e epidemiolgica da Ateno Bsica Sade. Cincia e Sade Coletiva 2006; 11(3): 669-681. 12. Ibaez N., Rocha J.S.Y., Castro P.C., Ribeiro M.C.S.A., Forster A.C., Novaes M.H.D., et al. Avaliao do desempenho da ateno bsica no Estado de So Paulo. Cincia e Sade Coletiva 2006; 11(3): 683-703. 13. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thume E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Perfil sciodemogrfico e epidemiolgico dos trabalhadores da ateno bsica sade nas regies Sul e Nordeste do Brasil. Cadernos de Sade Pblica 2008;24 (S1):193-201. 14. Roncalli AG, Lima KC. Impacto do Programa Sade da Famlia sobre indicadores de sade da criana em municpios de grande porte da regio Nordeste do Brasil. Cincia e Sade Coletiva 2006; 11 (3): 713-724. 15. Piccini RX, FacchiniI LA,. Tomasi E, Thum E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Necessidades de sade comuns aos idosos: efetividade na oferta e utilizao em ateno bsica sade. Cincia e Sade Coletiva 2006; 11(3): 657-667.

53

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

16. Servio de Sade Comunitria do Grupo Hospitalar Conceio. Ncleo de Epidemiologia. Estudo da Demanda Ambulatorial. 2002. Porto Alegre, RS (no publicado). 17. OPAS. Redes Integradas de Servicios de Salud, 2008. 18. ndice de Vulnerabilidade Sade 2003. Secretaria Municipal de Sade de Belo Horizonte. Gerncia de Epidemiologia e Informao GEEPI, julho de 2003. Nota Tcnica. 19. Giovanella L et al. Estudos de Caso sobre Implementao da Estratgia Sade da Famlia em Grandes Centros Urbanos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2009. 20. Chomatas ER, Vigo A, Harzheim E. Avaliao da presena e extenso dos atributos da ateno primria na rede bsica de sade no municpio de Curitiba, no ano de 2008 [dissertao de mestrado]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010. 95p. 21. Portaria GM n 1101- Parmetros de cobertura assistencial no mbito do Sistema nico de Sade, Ministrio da Sade do Brasil, 2002. 22. Portaria/SS/GAB/N 283 Poltica Municipal de Ateno a Sade Diretrizes e normas para a organizao da Ateno Bsica baseada na Estratgia de Sade da Famlia, Secretaria Municipal da Sade de Florianpolis, 2007. 23. Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Poltica Nacional de Humanizao. Boas Prticas de Humanizao na Ateno e na Gesto do Sistema nico de Sade. Contrato Interno de Gesto Secretaria Municipal, Curitiba/PR. Braslia (DF), 2006. 24. Curitiba. Plano Municipal de Sade de Curitiba 2010-2013. Curitiba, 2009. Disponvel em: http://sitesms.curitiba.pr.gov.br/sade/sms/PlanoMunicipalSaude_2010_2013_preedicao.pdf

54

PARTE IIRESuLTADOS DO LABORATRIO DE INOVAO SOBRE APS E REDES DE ATENO

ENFOquE DOS ESTuDOS DE CASO DO LABORATRIOOBjETIVOSAvaliar em cada rede municipal a presena e extenso dos principais atributos das Redes Integradas de Ateno Sade e sua relao com a APS. Analisar, em cada um dos municpios selecionados, a rede de ateno sade com vistas a identificar a ocorrncia de fragmentao na ateno sade dos indivduos e coletivos, a persistncia de programas verticais e, por outro lado, a existncia de garantias e instrumentos para continuidade da assistncia. Identificar e descrever experincias municipais, inovaes e/ou intervenes, que tenham obtido sucesso no fortalecimento da APS, principalmente no estabelecimento de: uma prtica efetiva de coordenao do cuidado individual; um alto grau de efetividade clnica das equipes de Sade da Famlia frente aos problemas de sade mais frequentes.

METODOLOGIAEsse um estudo de caso mltiplo, isso , foram analisados quatro municpios com intuito de estabelecer relaes entre a introduo de intervenes e/ou inovaes nas redes municipais de sade e o consequente fortalecimento do papel coordenador dos servios de ateno primria. Foi realizado por dois investigadores, um mdico de famlia e comunidade, doutor em sade pblica, ps-doutor em epidemiologia e professor universitrio, e um odontlogo, mestre em epidemiologia, atualmente aluno de doutorado em epidemiologia. Por meio da anlise de diferentes fontes de informao, buscamos responder como e

57

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

por qu? os municpios conseguiram, ou no, avanar no fortalecimento da APS e na constituio de redes integradas de ateno sade.

MuNICPIOS SELECIONADOSInicialmente foram selecionados trs municpios Aracaju, Florianpolis e Belo Horizonte devido ao xito reconhecido pelo Departamento de Ateno Bsica do Ministrio da Sade na implantao de uma forte rede de Ateno Primria Sade com base na Estratgia Sade da Famlia. Ao longo do estudo, por sugesto dos investigadores, foi includo o municpio de Curitiba por apresentar inovaes na rede municipal complementares aos trs municpios citados e de relevncia para o estudo do papel coordenador da APS nas redes integradas.

EIxOS DE ANLISEOs principais eixos de anlise utilizados foram os atributos da Ateno Primria segundo Starfield (acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenao, orientao familiar e comunitria)2, alm de alguns dos atributos das redes integradas de ateno sade conforme definio da OPAS17. Dentre os 12 atributos das redes integradas definidos pela OPAS, selecionamos os que apresentam maior relao com o papel de coordenao da ateno primria e com sua efetividade clnica, a saber: populao/territrio; oferta de servios de sade; primeiro nvel de ateno; ateno especializada; mecanismos de coordenao assistencial; tipo de cuidado; recursos humanos; sistema de informao.

58

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

COLETA DE DADOSUtilizamos diversas fontes de informao ou evidncia: documentos oficiais (leis, portarias, notas tcnicas, protocolos, outros), registros em arquivos (prprios de cada municpio, pesquisas epidemiolgicas publicadas em peridicos cientficos, extrao de dados dos sistemas de informao do SUS), entrevistas com informantes-chave e observao direta. Para as entrevistas e observao direta visitamos uma ou mais vezes cada um dos municpios selecionados. Tanto as entrevistas, como as observaes diretas foram realizadas por dois investigadores, a fim de diversificar a subjetividade das observaes e permitir troca de impresses, aumentando a capacidade crtica da anlise. Apenas Curitiba foi visitada somente por um investigador devido a questes operacionais. Mais de 40 informantes-chave foram selecionados e entrevistados entre gestores das secretarias municipais de sade, integrantes do Conselho Municipal de Sade, profissionais de sade da rede de ateno primria e demais nveis de ateno e usurios da rede municipal de sade. Em cada municpio, realizamos entrevistas semiestruturadas com uma lista de informantes contextualizada ao organograma da secretaria de sade e forma de organizao da rede assistencial. Nem todos os tipos de informantes foram entrevistados em todos os municpios, pois, por vezes, encontramos saturao do discurso aps as primeiras entrevistas. Coletamos dados nos Sistemas de Informaes do SUS para a construo do perfil epidemiolgico de cada municpio.

ANLISEBuscamos confrontar as informaes obtidas por meio das diferentes fontes entrevistas, leis e portarias, documentos tcnicos, estudos epidemiolgicos, observaes com os principias referenciais tericos citados (Barbara Starfield2, 6 , Eugenio Vilaa Mendes7 e OPAS17) a fim de realizar uma anlise crtica da rede de sade de cada municpio, com intuito adicional de descrever e explicar quais so as inovaes e/ou intervenes fundamentais que podem ser utilizadas por outros municpios a fim de implantar uma forte ateno primria sade or-

59

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil

denadora da rede integrada de ateno sade. Essas inovaes/intervenes foram levemente descontextualizadas da realidade de cada municpio analisado e transformadas em exemplos de boa prtica para potencial implantao em outros municpios brasileiros.

BREVE CONTExTO EPIDEMIOLGICO DOS MuNICPIOSA fim de contextualizar o leitor com a realidade social e epidemiolgica dos municpios analisados descrevemos, sucintamente, nos quadros a seguir, o perfil epidemiolgico de cada um dos municpios no perodo 2001-2009, apresentando tambm a srie histrica de alguns indicadores de sade de destaque.ARACAJU. Breve contexto epidemiolgico, 2001-2009. Populao de 544.000 habitantes em 2009, sendo 25% abaixo de 15 anos e 8,6% com 60 anos ou mais. Taxa de crescimento populacional estimada para 2006-2009 de 2,5% com IDH em 2009 igual a 0,794. Diminuio da mortalidade infantil de 30,1 bitos por 1.000 nascidos vivos em 2001 para 17,4 bitos em 2008 (Figura 2) Diminuio da mortalidade infantil por diarreia e pneumonia entre 2001-2008 Diminuio da taxa de internao por doenas diarreicas agudas em crianas menores de 5 anos entre 2001-2009. Aumento da cobertura de pr-natal atingindo 96% das gestantes em 2008, mas com apenas 56% dessas com 7 ou mais consultas de pr-natal (Figura 3). Diminuio das internaes por condies sensveis a ateno primria (internaes evitveis), entre as quais destacamos: gastroenterites, asma, complicaes do diabetes, insuficincia cardaca e acidente vascular cerebral entre 2001-2009 (Figura 4). Diminuio das internaes, mas no das mortes por neoplasia maligna de colo uterino entre 2001-2009 (Figuras 5 e 6). Sub-reconhecimento de portadores de hipertenso arterial e de diabetes.

60

INOVANDO O PAPEL DA ATENO PRIMRIA NAS REDES DE ATENO SADE

Figura 2.

Taxa de mortalidade infantil por 1.000 nascidos vivos, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba, Florianpolis e Brasil 20012008, Sistema de Informaes sobre Mortalidade.30,12

32 28 24 20 16 12 8 4 0 2001 Aracaju Fontes - SIM/SINASC 2002 2003 Belo Horizonte 2004 2005 Florianpolis 2006 2007 Curitiba 2008 Brasil19,9 19,3 22,46 18,9 15,48 14,43 13,6 11,84 13,59 11,8 9,75 12,4 12,07 13,46 22,92 17,9 22,38 17,0 14,55 11,9 11,2 8,06 8,87 12,85 10,5 9,48 10,5 8,03 19,96 16,4 16,45 15,7 11,69 17,14 15,0 11,75 9,98 9,9 28,65

BELO HORIZONTE. Breve contexto epidemiolgico, 2001-2009. Populao de 2.452.000 habitantes em 2009, sendo 21% abaixo de 15 anos e 12% com 60 anos ou mais. Taxa de crescimento populacional estimada para 2006-2009 de 0,7% com IDH em 2009 igual a 0,839. Diminuio da mortalidade infantil de 15,4 bitos por 1.000 nascidos vivos em 2003 para 11,7 bitos em 2008 (Figura 2). Diminuio da mortalidade infantil por diarreia e pneumonia entre 2001-2008. Diminuio da taxa de internao por doenas diarreicas agudas em crianas menores de 5 anos entre 2001-2009. Aumento da cobertura de pr-natal atingindo 85% das gestantes em 2008, e mais de 70% dessas com 7 ou mais consultas de pr-natal (Figura 3). Diminuio das internaes por condies sensveis a ateno primria (internaes evitveis), entre as quais destacamos: gastroenterites, asma, complicaes do diabetes, insuficincia cardaca e acidente vascular cerebral entre 2001-2009 (Figura 4). Diminuio das internaes, mas no das mortes por neoplasia maligna de colo uterino entre 2001-2009 (Figuras 5 e 6). Bom reconhecimento dos portadores de diabetes, mas sub-reconhecimento de portadores de hipertenso arterial.

61

Organizao Pan-Americana da Sade OPAS/OMS Brasil