Aptidão física relacionada à saúde e fatores de risco ... · Revista Portuguesa de Ciências do...

16
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 31 Aptidão física relacionada à saúde e fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares em adolescentes* Dartagnan P. Guedes Joana E.R.P. Guedes Decio S. Barbosa Jair A. Oliveira RESUMO Recentemente, indicadores associados à aptidão física relacio- nada à saúde vêm sendo interpretados mediante informações referenciadas por critério. Informações referenciadas por crité- rio direcionadas à saúde representam níveis desejáveis consis- tentes com reduzido risco de aparecimento e desenvolvimento de disfunções orgânicas que deverão ser alcançados pelos ado- lescentes. Objetivo do estudo foi analisar a validade de pontos de corte associados às informações referenciadas por critério preconizados pela proposta Physical Best na identificação de adolescentes portadores e não-portadores de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares. A amostra foi constituída por 281 adolescentes (157 moças e 124 rapazes) com idades entre 15 e 18 anos. Informações acerca da aptidão física relacionada à saúde foram obtidas mediante indicadores morfológicos (índice de massa corporal e somatório de espes- suras das dobras cutâneas tricipital e subescapular) e resulta- dos de testes motores (sentar-e-alcançar, abdominal modificado e caminhada/corrida de 1600 metros). Quanto aos fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares, recorreu-se ao conteúdo de gordura corporal, ao consumo máximo de oxi- gênio, aos níveis de pressão arterial e às concentrações de lipí- dios-lipoproteínas plasmáticas. Estimativas quanto aos índices de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e efi- ciência foram utilizados para descrever a validade relativa. Os resultados mostraram que os índices de sensibilidade se apre- sentaram entre 20% e 70% e os de especificidade entre 30% e 85%. Os indicadores morfológicos demonstraram que podem identificar corretamente três em cada quatro adolescentes com fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares. Os pontos de corte associados aos resultados dos testes motores demonstraram baixos níveis de sensibilidade e elevada propor- ção de casos falso-positivos. Como conclusão, os achados suge- rem que, independentemente dos pontos de corte utilizados, o índice de massa corporal e o somatório das espessuras das dobras cutâneas caracterizam-se como razoável alternativa para identificar a presença de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares em adolescentes. Palavras-chave: aptidão física, fatores de risco, doenças cardio- -vasculares, promoção da saúde, adolescentes. ABSTRACT Health-related physical fitness and cardiovascular disease risk factors in adolescents Recently indicators associated with health-related physical fitness have been interpreted using criterion-referenced standards. A health-related criterion-referenced standard represents a desirable level to good health status and reduced disease risk that should be attainable by the adoles- cents. The present study was designed to evaluate the validity of the cut-off points associated with the Physical Best criterion-referenced standard in the identification of adolescents with and without cardio- vascular disease risk factors. A total of 281 adolescents (157 girls and 124 boys) varying in age from 15 to 18 years was used in the study. Information on the health-related physical fitness was obtained by means of morphological indicators (body mass index and sum of two skinfolds: triceps and subscapular) and tests of motor performance (sit- and-reach, sit-ups and mile run). Cardiovascular disease risk factors included body fat content, cardiorespiratory fitness, levels of arterial pressure and of plasma lipid-lipoprotein concentration. Estimates of sensitivity, specificity, positive predictive value and efficiency were used to describe the relative validity. The results showed that the sensitivity ranged approximately from 20% to 70%, and the specificity ranged from 30% to 85%. Morphological indicators may correctly identify three out of four adolescents with cardiovascular disease risk factors. Cut-off points associated with motor performance tests were characteri- zed generally by low levels of sensitivity and corresponding high rates of false-negatives. In conclusion, the findings of study suggest that, independently of the cut-off points used, body mass index and sum of skinfold thickness were reasonable alternatives for cardiovascular disea- se risk factors screening in adolescents. Keywords: physical fitness, risk factors, cardiovascular disease, health promotion, adolescence. Universidade Estadual de Londrina Paraná Brasil

Transcript of Aptidão física relacionada à saúde e fatores de risco ... · Revista Portuguesa de Ciências do...

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 31

Aptidão física relacionada à saúde e fatores de riscopredisponentes às doenças cardiovasculares em adolescentes*

Dartagnan P. GuedesJoana E.R.P. GuedesDecio S. BarbosaJair A. Oliveira

RESUMORecentemente, indicadores associados à aptidão física relacio-nada à saúde vêm sendo interpretados mediante informaçõesreferenciadas por critério. Informações referenciadas por crité-rio direcionadas à saúde representam níveis desejáveis consis-tentes com reduzido risco de aparecimento e desenvolvimentode disfunções orgânicas que deverão ser alcançados pelos ado-lescentes. Objetivo do estudo foi analisar a validade de pontosde corte associados às informações referenciadas por critériopreconizados pela proposta Physical Best na identificação deadolescentes portadores e não-portadores de fatores de riscopredisponentes às doenças cardiovasculares. A amostra foiconstituída por 281 adolescentes (157 moças e 124 rapazes)com idades entre 15 e 18 anos. Informações acerca da aptidãofísica relacionada à saúde foram obtidas mediante indicadoresmorfológicos (índice de massa corporal e somatório de espes-suras das dobras cutâneas tricipital e subescapular) e resulta-dos de testes motores (sentar-e-alcançar, abdominal modificadoe caminhada/corrida de 1600 metros). Quanto aos fatores derisco predisponentes às doenças cardiovasculares, recorreu-seao conteúdo de gordura corporal, ao consumo máximo de oxi-gênio, aos níveis de pressão arterial e às concentrações de lipí-dios-lipoproteínas plasmáticas. Estimativas quanto aos índicesde sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e efi-ciência foram utilizados para descrever a validade relativa. Osresultados mostraram que os índices de sensibilidade se apre-sentaram entre 20% e 70% e os de especificidade entre 30% e85%. Os indicadores morfológicos demonstraram que podemidentificar corretamente três em cada quatro adolescentes comfatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares. Ospontos de corte associados aos resultados dos testes motoresdemonstraram baixos níveis de sensibilidade e elevada propor-ção de casos falso-positivos. Como conclusão, os achados suge-rem que, independentemente dos pontos de corte utilizados, oíndice de massa corporal e o somatório das espessuras dasdobras cutâneas caracterizam-se como razoável alternativa paraidentificar a presença de fatores de risco predisponentes àsdoenças cardiovasculares em adolescentes.

Palavras-chave: aptidão física, fatores de risco, doenças cardio--vasculares, promoção da saúde, adolescentes.

ABSTRACTHealth-related physical fitness and cardiovascular disease riskfactors in adolescents

Recently indicators associated with health-related physical fitness havebeen interpreted using criterion-referenced standards. A health-relatedcriterion-referenced standard represents a desirable level to good healthstatus and reduced disease risk that should be attainable by the adoles-cents. The present study was designed to evaluate the validity of thecut-off points associated with the Physical Best criterion-referencedstandard in the identification of adolescents with and without cardio-vascular disease risk factors. A total of 281 adolescents (157 girls and124 boys) varying in age from 15 to 18 years was used in the study.Information on the health-related physical fitness was obtained bymeans of morphological indicators (body mass index and sum of twoskinfolds: triceps and subscapular) and tests of motor performance (sit-and-reach, sit-ups and mile run). Cardiovascular disease risk factorsincluded body fat content, cardiorespiratory fitness, levels of arterialpressure and of plasma lipid-lipoprotein concentration. Estimates ofsensitivity, specificity, positive predictive value and efficiency were usedto describe the relative validity. The results showed that the sensitivityranged approximately from 20% to 70%, and the specificity rangedfrom 30% to 85%. Morphological indicators may correctly identifythree out of four adolescents with cardiovascular disease risk factors.Cut-off points associated with motor performance tests were characteri-zed generally by low levels of sensitivity and corresponding high ratesof false-negatives. In conclusion, the findings of study suggest that,independently of the cut-off points used, body mass index and sum ofskinfold thickness were reasonable alternatives for cardiovascular disea-se risk factors screening in adolescents.

Keywords: physical fitness, risk factors, cardiovascular disease, healthpromotion, adolescence.

Universidade Estadual de LondrinaParanáBrasil

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]32

INTRODUÇÃOIndicadores associados à aptidão física têm sido tra-dicionalmente analisados e interpretados medianteconfrontação com dados normativos, envolvendoreferenciais idealizados com base em distribuição depercentis (2, 12, 14). Parece evidente que análisescom essas características tornam-se extremamenteúteis quando a intenção é desenvolver comparaçõesintra e inter-populacionais, o que permite visualiza-ção precisa quanto à magnitude de eventuais dife-renças que possam surgir.Abordagens desse tipo conduzem afirmações: (a)50% dos rapazes com 14 anos de idade, analisadosno município de Londrina – Paraná, nãocaminham/correm mais que 198 m/min no teste decaminhada/corrida de longa distância; ou (b)enquanto por volta de 90% das moças norte-america-nas com 17 anos de idade realizam até 36 repetiçõesno teste abdominal, não mais que 50% das moçasbrasileiras apresentam resultado idêntico (21).No entanto, como limitação, procedimentos de aná-lise normativa não conseguem oferecer informaçõesque possam contribuir na tentativa de esclarecer seresultados de indicadores associados à aptidão físicaefetivamente evidenciam níveis satisfatórios em rela-ção à saúde. Desse modo, considerando que a opçãodesejada refere-se à aptidão física relacionada àsaúde, questões fundamentais merecem maior aten-ção: (a) quão rápido rapazes de 14 anos devem cami-nhar/correr para comprovarem eficiência quanto àresistência cardiorrespiratória que possa traduzirníveis aceitáveis de saúde; ou (b) quantas repetiçõesno teste abdominal são necessárias para moças de 17anos demonstrarem níveis de força/resistência mus-cular satisfatórios em relação à saúde.A princípio, mesmo assumindo importantes associa-ções entre indicadores de aptidão física e condiçõesde saúde em populações jovens (9, 33), análise equi-valente às posições mais elevadas na distribuição depercentis não garante necessariamente níveis satisfa-tórios de saúde, na medida em que características daamostra da qual a distribuição de percentis foi deriva-da deverão afetar a capacidade de detecção das dife-renças. Assim, a posição de escores individuais podelocalizar-se no extremo superior da distribuição depercentis desenvolvida em segmento específico dapopulação que possivelmente venha apresentar hábi-

tos de vida inadequados para garantir condições desaúde satisfatórias, e, ao mesmo tempo e de formaantagônica, idênticos escores podem situar-se noextremo inferior quando confrontados com distribui-ção de percentis derivada com base em segmento dapopulação que apresenta comportamentos favoráveisao desenvolvimento de melhores condições de saúde.Com introdução de novos conceitos relacionados àaptidão física e à saúde assume-se que, quando asdiferenças entre sujeitos deixam de ser importantes,análises referenciadas por critérios deverão apresen-tar vantagens em relação às confrontações comdados normativos (16). Neste caso, os critériosrepresentam pontos de corte identificados com indi-cadores de aptidão física consistente com condiçõesde saúde satisfatórias, independentemente da posi-ção na distribuição de percentis. Dessa forma, aorecorrer as análises referenciadas por critérios, ques-tão de interesse é identificar se cada jovem, indivi-dualmente, torna-se capaz de alcançar pontos decorte previamente estabelecidos em relação aos indi-cadores de aptidão física que possam asseguraralgum grau de proteção diante do aparecimento e dodesenvolvimento de disfunções hipocinéticas (9).Essência que procura justificar proposição de pontosde corte para indicadores de aptidão física relaciona-da à saúde baseia-se na premissa de que, para ocor-rer redução na incidência de disfunções orgânicas,torna-se necessário alcançar níveis desejáveis quantoà quantidade de gordura corporal, à resistência car-diorrespiratória e ao desempenho musculoesqueléti-co que possam conter eventual processo degenerati-vo induzido por hábitos de vida inadequados comrelação à prática de atividades físicas (33).Em oposição ao enfoque oferecido à análise referen-ciada por norma, onde o objetivo é apresentar esco-res equivalentes aos mais elevados valores de per-centis, jovens que não alcançam pontos de corte pre-viamente estabelecidos quanto aos indicadores daaptidão física relacionada à saúde deverão apresentarmaior predisposição aos sintomas crônico-degenera-tivos, enquanto os que alcançam ou excedem aospontos de corte estabelecidos demonstram menorrisco nesse sentido. Assim, importante não é compa-rar um jovem com outros mediante valores normati-vos, mas sim, verificar se alcança o ponto de corteestabelecido em relação à saúde.

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 33

Neste particular, a maior dificuldade encontradapelos estudiosos da área constitui na determinaçãode escores associados aos indicadores de aptidão físi-ca que possam ser utilizados como ponto de corte,garantindo níveis desejados e absolutos necessáriosa melhor condição de saúde. Infelizmente, tudo indi-ca que na atualidade não existe nenhum mecanismoconfiável direcionado à proposição de pontos decorte que possa assegurar com alguma convicçãoníveis mínimos requeridos à redução dos riscos dedisfunções degenerativas mediante indicadores deaptidão física.Diante dessa situação incômoda, observa-se algumasiniciativas direcionadas à proposição de pontos decorte à partir de pesquisas experimentais, achadosclínicos e designações arbitrárias baseadas em dadosnormativos (3, 4, 15, 35). Contudo, se entre diferen-tes propostas idealizadas existe consenso com rela-ção às estratégias de ação quanto ao seu estabeleci-mento, desconhece-se qualquer tentativa de valida-ção dos pontos de corte até então sugeridos.Embora as manifestações clínicas associadas àsdoenças cardiovasculares surjam com maior freqüên-cia durante a vida adulta, evidências científicas reve-lam que comprometimentos quanto à pressão arte-rial, aos níveis de lipídios-lipoproteínas plasmáticas,à disposição de gordura corporal e ao consumomáximo de oxigênio podem ter origem na adolescên-cia (6). Em vista disso, torna-se possível supor que,mesmo não apresentando idêntico efeito sobre osíndices de morbidade e mortalidade dos jovens, exis-te possibilidade de os fatores de risco que predis-põem ao aparecimento e ao desenvolvimento dedoenças cardiovasculares na fase adulta serem iden-tificados já em idades precoces, constituindo-se por-tanto em importante referencial das condições desaúde dos adolescentes.Diante dessa perspectiva, o objetivo do estudo foianalisar a validade de pontos de corte associados aosindicadores de aptidão física relacionada à saúde naidentificação de adolescentes portadores e não-porta-dores de fatores de risco predisponentes às doençascardiovasculares.

MATERIAIS E MÉTODOSPara elaboração do estudo foram utilizadas informa-ções contidas no banco de dados construído a partir

do projeto de pesquisa “Atividade Física,Composição da Dieta e Fatores de RiscoPredisponentes às Doenças Cardiovasculares emAdolescentes”, desenvolvido entre agosto e novem-bro/1998, que inclui adolescentes entre 15 e 18 anosde idade de ambos os sexos. O projeto de pesquisa teve como alvo escolares regu-larmente matriculados no ensino médio do Colégiode Aplicação ligado à Universidade Estadual deLondrina, Paraná, Brasil. Optou-se por envolversujeitos que freqüentavam unicamente essa escola,por conta das características longitudinais do estudo(experimentação de programas de educação parasaúde mediante intervenções dietéticas e de práticade exercícios físicos), e por sua representatividadeno universo de escolares de ensino médio do muni-cípio de Londrina, Paraná.Os protocolos de intervenção no estudo foram apro-vados pelo Comitê de Ética em Pesquisa daUniversidade Estadual de Londrina e acompanhamnormas da Resolução 196/96 do Conselho Nacionalde Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.A inclusão dos sujeitos no estudo ocorreu por desejoem participar do experimento e mediante autorizaçãodos pais ou responsáveis. Para tanto, todos os escola-res matriculados no ano letivo de 1998, juntamentecom seus pais ou responsáveis, foram contatados einformados quanto à natureza e aos objetivos doestudo. Dos 313 escolares matriculados, 281 (90 %)concordaram em participar do estudo – tabela 1.

Tabela 1 – Número de sujeitos analisados no projeto “Atividade Física,Composição da Dieta e Fatores de Risco Predisponentes às Doenças

Cardiovasculares em Adolescentes”.

Idade Moças Rapazes Total15 Anos 33 25 5816 Anos 48 37 8517 Anos 41 34 7518 Anos 35 28 6315 – 18 Anos 157 124 281

Como informação adicional da amostra analisada noestudo, destaca-se que, com base nos critérios declassificação socioeconômica das famílias dos escola-res, mediante informações quanto ao nível de escola-

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]34

ridade do chefe da família, às condições de moradia,à posse de utensílios domésticos, automóveis enúmero de empregados domésticos (1), observou-seque 25 % dos escolares foram categorizados emmenor nível socioeconômico, 18 % em maior nível e57% em níveis intermediários. Com relação aos cri-térios de classificação de maturação sexual sugeridospor Tanner (39), 12% das moças analisadas apresen-tavam desenvolvimento mamário equivalente aoestágio III, 60% ao estágio IV e 28% ao estágio V.Entre os rapazes, 47% se encontravam no estágio IVde desenvolvimento de pilosidade pubiana, e os 53%restantes no estágio V. Informações acerca da aptidão física relacionada àsaúde foram obtidas mediante indicadores morfológi-cos e de desempenho motor, acompanhando orienta-

ções descritas por intermédio da proposta PhysicalBest (3). Como indicadores morfológicos utilizaram--se o índice de massa corporal (IMC) e o somatóriodos valores de espessura das dobras cutâneas medi-das nas regiões tricipital e subescapular (∑EDC).Com relação ao desempenho motor, foram incluídosresultados dos testes motores “sentar-e-alcançar”(SEAL), abdominal modificado (ABDO) e caminha-da/corrida de 1600 metros (CORR). A definição dospontos de corte associados aos indicadores morfoló-gicos e de desempenho motor voltados à aptidão físi-ca relacionada à saúde, sugeridos na proposta PhysicalBest, é apresentada na tabela 2. Ao consultar a litera-tura, percebe-se que esses pontos de corte são os quetêm recebido maior aceitação, tendo sido empregadosem vários outros estudos (17, 21, 28, 40, 41).

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Tabela 2 – Pontos de corte associados aos indicadores de aptidão física relacionada à saúde sugeridos mediante proposta Physical Best.

15 Anos 16 Anos 17 Anos 18 AnosMoças Rapazes Moças Rapazes Moças Rapazes Moças Rapazes

IMC (Kg/m2) 17–24 17–24 17–24 17–24 17–24 18–25 18–25 18–25∑EDC (mm) 16–36 12–25 16–36 12–25 16–36 12–25 16–36 12–25SEAL (cm) 25 25 25 25 25 25 25 25ABDO (rep) 35 42 35 44 35 44 35 44CORR (min) 10:30 7:30 10:30 7:30 10:30 7:30 10:30 7:30

Adaptado de American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (1988)

Com referência aos fatores de risco predisponentesàs doenças cardiovasculares (DCV), recorreu-se asinformações voltadas à pressão arterial em repouso,ao teor sangüíneo de lipídios circulantes, às estima-tivas da quantidade de gordura relativa ao peso cor-poral e ao consumo máximo de oxigênio.Os níveis de pressão arterial sistólica (PAS) e diastó-lica (PAD) foram aferidos com auxílio de esfigmo-manômetro de coluna de mercúrio. Com o adoles-cente sentado, após um período mínimo de 5 minu-tos de repouso, a pressão arterial foi medida nobraço esquerdo. O valor da PAS correspondeu à faseI de Korotkoff e o da PAD à fase V, ou de desapareci-mento dos sons. Foram realizadas duas medidas,sendo que o valor médio de ambas foi considerado

para efeito de análise.Dosagens dos lipídios plasmáticos foram realizadasmediante coleta de amostras de 10 ml de sanguevenoso na prega do cotovelo, após um período de 10-12h em jejum, entre 07:00 e 08:00h da manhã. Sorofoi imediatamente separado por centrifugação, sendodeterminados os teores de triglicerídios (TG), coleste-rol total (CT) e frações, lipoproteínas de baixa densi-dade (LDL-C) e de alta densidade (HDL-C).Determinou-se o colesterol sérico total pelo métodoenzimático colesterol oxidase/peroxidase em aparelhoespectofotômetro. O HDL-C foi medido pelo métodoreativo precipitante, e o LDL-C calculado pela fórmulade Friedewald (20). Os triglicerídios séricos foramdeterminados pelo método enzimático glicerol.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 35

A proporção de gordura em relação ao peso corporal(GORD) foi estimada a partir dos valores de espes-sura de dobras cutâneas determinadas nas regiõestricipital e subescapular, mediante utilização deequações preditivas específicas para sexo, idade,grupo racial e maturação biológica idealizadas porSlaughter et al. (38). O consumo máximo de oxigê-nio (VO2max) foi estimado por intermédio de testede esforço de carga máxima em esteira rolante, deacordo com protocolo de Bruce et al. (11). O temponecessário para alcançar a freqüência cardíaca máxi-ma teórica (220 - idade) foi utilizado para estabele-cer estimativas do VO2max. Para aqueles adolescen-tes que não foram capazes de alcançar sua freqüênciacardíaca máxima teórica, foi empregado como refe-rencial a duração do teste de esforço.Para análise conjunta dos fatores de risco predispo-nentes às DCV, optou-se por estabelecer único esco-re para cada adolescente. Para tanto, considerandoseparadamente os diferentes fatores de risco consi-derados: PAD, PAS, CT, HDL, LDL, TG, GORD eVO2max, a amostra envolvida no estudo foi ajustadade acordo com a distribuição de quintis. Para efeitode interpretação, atribuiu-se valor 1 para os fatoresde risco reunidos no quintil inferior, valor 2 aos fato-res de risco agrupados no segundo quintil, e assimpor diante, de tal forma que aos fatores de risco

localizados no quintil mais elevado foi atribuídovalor 5. O escore associado ao conjunto dos fatoresde risco foi estabelecido mediante somatório dosvalores atribuídos aos quintis de cada um dos fatoresde risco separadamente.Logo, o escore mínimo possível do conjunto de fato-res de risco tornou-se igual a 8 (valor 1 correspon-dente ao quintil mais baixo x 8 fatores de risco) e oescore máximo possível igual a 40 (valor 5 corres-pondente ao quintil mais elevado x 8 fatores derisco). Em ambos os sexos, classificou-se adolescen-tes como portadores de fatores de risco predisponen-tes às DCV quando o somatório dos valores atribuí-dos a cada um dos fatores de risco se apresentouigual ou superior a 34, ou seja, equivalente ao quin-til mais elevado na distribuição do conjunto dosfatores de risco. A validade dos pontos de corte associados aos indi-cadores morfológicos e de desempenho motor volta-dos à aptidão física relacionada à saúde, sugeridospela proposta Physical Best, na tentativa de identificaradolescentes portadores e não-portadores de conjun-to de fatores de risco predisponentes às DCV, foianalisada mediante propriedades de sensibilidade,especificidade, valor preditivo positivo e eficiência –tabela 3.

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Tabela 3 – Delineamento de validação dos indicadores de aptidão física relacionados à saúde na identificaçãode adolescentes portadores de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

Pontos de Corte dos Indicadores Conjunto de Fatores de Risco Predisponentes às Totalde Aptidão Física Doenças Cardiovasculares

Presente AusenteNão Atendem os Ponto de Corte A B A + B

Verdadeiro- Positivo Falso-PositivoAtendem os Ponto de Corte C D C + D

Falso-Negativo Verdadeiro-NegativoTotal A + C B + D A + B + C + D

Sensibilidade (%) = (A/A+C)100; Especificidade (%) = (D/B+D)100; Valor Preditivo Positivo (%) = (A/A+B)100; Eficiência (%) = (A+D/A+B+C+D)100

Nesse contexto, a sensibilidade representa a propor-ção de adolescentes classificados como portadores defatores de risco predisponentes às DCV que nãoatendem os pontos de corte sugeridos para indicado-

res de aptidão física relacionada à saúde (casos ver-dadeiro-positivos). A especificidade corresponde àproporção de adolescentes classificados como não--portadores de fatores de risco predisponentes às

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]36

DCV que atendem os pontos de corte sugeridos paraindicadores de aptidão física relacionada à saúde(casos verdadeiro-negativos). O valor preditivo posi-tivo é definido como a probabilidade dos adolescen-tes serem classificados como portadores de fatoresde risco quando não atendem os pontos de cortesugeridos para indicadores de aptidão física relacio-nada à saúde. A eficiência é entendida como a pro-porção de adolescentes classificados como portado-res de fatores de risco predisponentes às DCV quenão atendem os pontos de corte sugeridos para indi-cadores de aptidão física relacionada à saúde e osadolescentes classificados como não-portadores defatores de risco predisponentes às DCV que atendemos pontos de corte sugeridos para indicadores deaptidão física relacionada à saúde.Foram estabelecidos também, índices de probabilida-de de ocorrência positiva (sensibilidade / 1 – especi-ficidade) e negativa (1 – sensibilidade / especificida-de). O índice de probabilidade de ocorrência positivadeverá oferecer informações quão mais provável éidentificar adolescentes como portadores de fatoresde risco predisponentes às DCV quando esses não seajustam aos pontos de corte associados aos indicado-res de aptidão física relacionada à saúde. Em contra-partida, índices de probabilidade de ocorrência nega-tiva deverão oferecer informações quão mais prová-vel é identificar adolescentes como não-portadoresde fatores de risco predisponentes às DCV quandoesses se ajustam aos pontos de corte assumidos paraos indicadores de aptidão física relacionada à saúde.Ocorrência de casos falso-positivos e falso-negativosdeverá constituir propriedades indesejadas no proces-so de validação dos pontos de corte associados à apti-dão física relacionada à saúde: proporção de adoles-centes que não atenderam os pontos de corte sugeri-dos e que foram classificados como não-portadoresde fatores de risco predisponentes às DCV; proporçãode adolescentes que atenderam os pontos de cortesugeridos e que foram classificados como portadoresde fatores de risco predisponentes às DCV.Mediante procedimentos de análise da curva ROC(Receiver Operating Characteristic) foram estabelecidosescores para os indicadores de aptidão física relacio-nada à saúde correspondente ao melhor ajuste esta-tístico entre casos verdadeiro-positivos (sensibilida-de) e falso-positivos (1 – especificidade) na classifi-

cação de adolescentes portadores de fatores de riscospredisponentes às DCV. Em tese, escores indicadospor intermédio da análise da curva ROC constituem--se em pontos de corte que deverão minimizar ocor-rência de casos falso-positivos e falso-negativos,sugerindo portanto mais adequado equilíbrio entresensibilidade e especificidade para os dados disponí-veis (43).Recorreu-se as informações provenientes da área soba curva ROC para estabelecer níveis de precisão dosescores associados aos indicadores de aptidão físicarelacionada à saúde que apresentam mais adequadoequilíbrio entre casos verdadeiro-positivos e falso--positivos na classificação dos adolescentes portado-res de fatores de risco predisponentes às DCV (24).Com relação a sua interpretação, assumiu-se que,quando não se conseguiu, nos grupos de adolescen-tes que atenderam e não-atenderam os pontos decorte, distinguir entre aqueles que foram classifica-dos como portadores e não-portadores de fatores derisco predisponentes às DCV, a área sob a curvaROC deverá se apresentar por volta de 0,5. Quandoexistiu perfeita distinção entre as duas condiçõesanalisadas - (a) atendimento dos pontos de cortenão sendo portadores de fatores de risco; e (b) não--atendimento dos pontos de corte sendo portadoresde fatores de risco - a área sob a curva ROC deveráse aproximar de 1,0. Diferenças entre ambos os sexos quanto aos indica-dores de aptidão física relacionada à saúde e aosfatores de risco predisponentes às DCV foram detec-tadas mediante teste “t” de Student para dados não--emparelhados. O tratamento estatístico das infor-mações foi realizado mediante pacote computadori-zado Computer Program for Statistics in Medicine (31).

RESULTADOSInformações estatísticas com relação às variáveisanalisadas são mostradas na tabela 4. No que serefere aos indicadores de aptidão física relacionada àsaúde, resultados associados ao ∑EDC demonstramnítida tendência entre moças em acumular maioresquantidades de gordura subcutânea. No entanto,quando da comparação dos valores médios relativosao IMC, não se encontram diferenças entre os sexosque possam ser apontadas estatisticamente. Quantoaos resultados dos testes de desempenho motor,

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 37

confirmando evidências apresentadas na literatura(22, 29), os rapazes apresentam valores médios sig-nificativamente superiores no ABDO e no CORR. Os

resultados médios encontrados no SEAL apontamdiferenças estatísticas favoráveis as moças.

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Tabela 4 – Valores de média, desvio-padrão e estatísticas “t” quanto às informações associadas aos indicadoresde aptidão física relacionada à saúde e aos fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

Moças Rapazes Teste(n = 157) (n = 124) “t” p < t

APTIDÃO FÍSICAIMC (kg/m2)∑ EDC (mm)SEAL (cm)ABDO (rep)CORR (min)FATORES DE RISCOPAD (mmHg)PAS (mmHg)CT (mg/dl)HDL-C (mg/dl)LDL-C (mg/dl)TG (mg/dl)GORD (%)VO2max (ml/kg/min)

21,11 ± 2,8132,06 ± 9,2833,55 ± 6,8734,22 ± 7,4111,02 ± 1,33

71,41 ± 8,61109,47 ± 9,56

146,23 ± 23,3652,52 ± 12,1477,70 ± 22,6680,00 ± 35,7126,72 ± 5,5640,92 ± 5,49

21,37 ± 3,1722,22 ± 9,6029,37 ± 9,5142,91 ± 7,348,00 ± 1,34

73,86 ± 7,91118,63 ± 10,20134,32 ± 23,21

46,44 ± 6,7772,14 ± 20,8881,49 ± 37,1715,99 ± 8,7150,88 ± 7,71

0,7448,6803,5028,047

15,221

1,4547,7274,0714,7492,0200,326

12,54112,597

ns0,0000,0010,0000,000

ns0,0000,0000,0000,044

ns0,0000,000

Com relação aos fatores de risco predisponentes àsDCV, constata-se valores médios referentes à pressãoarterial sistólica significativamente mais elevadosentre rapazes. Quanto aos teores plasmáticos de lipí-dios/lipoproteinas, os resultados apontam valoresmédios estatisticamente mais elevados entre asmoças na maioria dos componentes analisados. Asconcentrações médias de TG mostram ser semelhan-tes entre os sexos. Estimativas quanto à GORDdemonstram diferenças estatísticas favoráveis asmoças (26,72 vs 15,99%), sugerindo um índice dedimorfismo sexual próximo de 40%; enquanto esti-mativas associadas ao VO2max apontam vantagensestatisticamente significativas a favor dos rapazes(50,88 vs 40,92 ml/kg/min), apontando um índicede dimorfismo sexual por volta de 20%. Os compor-tamentos e magnitudes das diferenças inter-sexosrelacionados aos fatores de risco predisponentes àsDCV observadas no estudo coincidem com tendên-

cias encontradas na literatura (5, 36, 37).As proporções de adolescentes analisados no estudoque atenderam pontos de corte sugeridos na propostaPhysical Best associados aos indicadores de aptidão físi-ca relacionada à saúde são apresentadas na figura 1.Constata-se que o maior comprometimento foi obser-vado nos resultados do CORR (56% das moças e 76%dos rapazes) e do ABDO (60% em ambos os sexos).Quanto aos resultados do SEAL, verifica-se que umamenor proporção de adolescentes deixaram de aten-der os pontos de corte sugeridos (11% e 30% dasmoças e dos rapazes, respectivamente). Informaçõesreferentes aos indicadores morfológicos da aptidãofísica relacionada à saúde demonstram que 16% dasmoças e 26% dos rapazes apresentaram IMC não-ade-quados para a idade, e por volta de 31-32% dos ado-lescentes de ambos os sexos apresentaram ∑EDCnão-ajustados aos pontos de corte preconizados.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]38

Figura 1 – Proporção de adolescentes que atenderam os pontosde corte associados aos indicadores de aptidão física relacionada

à saúde sugeridos a partir da proposta Physical Best.

Considerando que os adolescentes poderiam atenderponto de corte conferido a determinado indicador, enão a outro, visto que cada um dos cinco indicadorescontemplados na proposta Physical Best acompanhaprioritariamente diferentes componentes da aptidãofísica relacionada à saúde, procurou-se determinar aproporção de adolescentes que alcançaram simulta-neamente pontos de corte estabelecidos para os múl-tiplos componentes. Em ambos os sexos, os resulta-dos apontam alarmante diminuição na proporção deadolescentes que apresentaram níveis satisfatóriosde aptidão física relacionada à saúde. Não mais que16% das moças e 9% dos rapazes atenderam as exi-gências de desempenho motor e, simultaneamente,apresentaram IMC e ∑EDC ajustados aos pontos decorte estabelecidos a partir da proposta Physical Best.Mediante figura 2 visualiza-se a proporção de adoles-centes que apresentaram comprometimento nosfatores de risco predisponentes às DCV.Acompanhando valores de referência para idade esexo sugeridos na literatura (7), verifica-se que umaproporção significativa dos adolescentes analisadosno estudo apresentaram elevado risco predisponenteàs DCV devido à excessiva quantidade de gorduracorporal (27% das moças e 25% dos rapazes) e aomenor VO2max (14% e 8% das moças e dos rapazes,respectivamente). Concentrações de lipídios-lipopro-teínas plasmáticas associadas ao aumento do riscode DCV foram comuns em aproximadamente 9%das moças e 6% dos rapazes. Quanto à pressão arte-rial, por volta de 13% das moças e 10% dos rapazesapresentaram valores acima dos limites esperados.

Figura 2 – Proporção de adolescentes identificados como portadoresde fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

Com relação à proporção de adolescentes que apre-sentaram múltiplos fatores de risco, 28% das moçase 26% dos rapazes demonstraram ser portadores depelo menos um fator de risco associado ao apareci-mento e ao desenvolvimento de DCV.Concomitância de dois ou três fatores de risco estavapresente, respectivamente, em 15% e 4% das moças,e 13% e 2% dos rapazes.Informações quanto à validade estatística dos pontosde corte sugeridos na proposta Physical Best associa-dos aos indicadores de aptidão física relacionada àsaúde para identificação de adolescentes portadorese não-portadores de fatores de risco predisponentesàs DCV são apresentadas na tabela 5. Verifica-seque, tanto nos indicadores morfológicos como nosde desempenho motor, os índices de sensibilidade semostram discretamente mais elevados entre os rapa-zes, enquanto os índices de especificidade apresenta-dos pelas moças se destacam em relação aos dosrapazes.

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 39

Tabela 5 – Estatística de validação dos pontos de corte sugeridos mediante proposta Physical Best associados aos indicadores de aptidão física relacionadaà saúde para identificação de adolescentes portadores e não-portadores de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

VALOR PREDITIVOSensibilidade Especificidade Positivo Eficiência

Moças Rapazes Moças Rapazes Moças Rapazes Moças RapazesIMC 49 50 89 84 50 48 76 67∑EDC 63 69 85 78 47 53 74 80SEAL 22 25 69 49 25 18 50 49ABDO 23 33 55 39 14 22 47 56CORR 48 50 45 27 25 25 48 49

De maneira geral, os índices de eficiência encontra-dos foram razoavelmente elevados (74-76% entre asmoças e 67-80% entre os rapazes).Com relação às estatísticas de validação dos pontosde corte associados aos indicadores de desempenhomotor da aptidão física relacionada à saúde, verifica--se que, em comparação com índices encontradospara indicadores morfológicos, esses são considera-velmente menores em ambos os sexos. Mais elevadoíndice de sensibilidade foi observado no CORR(48% e 50% entre moças e rapazes, respectivamen-te), enquanto que o SEAL e o ABDO apresentarammuito baixa proporção de casos verdadeiro-positivos(22-23% em moças e 25-33% em rapazes). Em vistadisso, a probabilidade de ocorrência de casos falso--negativos (100 – sensibilidade) torna-se preocupan-temente elevada, indicando que, de cada quatro ado-lescentes identificados como portadores de fatoresde risco predisponentes às DCV, aproximadamentedois deles no CORR e três no SEAL e no ABDO sãocapazes de atender os pontos de corte sugeridos naproposta Physical Best.Os índices de especificidade equivalentes aos pontosde corte associados aos indicadores de desempenhomotor foram mais elevados entre moças, apesar deacentuadamente mais baixos que os encontradosquando da análise dos indicadores morfológicos.Entre 45-69% das moças e 27-49% dos rapazes, nãoidentificados como portadores de fatores de riscopredisponentes às DCV, atenderam pontos de cortepreconizados para indicadores de desempenhomotor. Conseqüentemente, as proporções de casosfalso-positivos (100 – especificidade) tornam-seexcessivamente elevadas.

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Com relação ao IMC, em ambos os sexos, observam--se índices de sensibilidade próximos de 50%, o queassegura uma proporção de 2:1 na ocorrência decasos falso-negativos (100 – sensibilidade). Em con-trapartida, constata-se uma elevada especificidade(89% e 84% para moças e rapazes, respectivamente),sugerindo menor incidência de casos falso-positivos(100 – especificidade). Dessa forma, se, por um lado,parece existir grande probabilidade dos adolescentesque se ajustaram aos pontos de corte sugeridos paraIMC serem identificados como não-portadores defatores de risco predisponentes às DCV, por outro,existe menor probabilidade dos adolescentes quenão se ajustaram aos pontos de corte serem identifi-cados como portadores de fatores de risco.No que se refere ao ∑EDC, verifica-se que, emambos os sexos, os pontos de corte sugeridosmediante proposta Physical Best elevam a capacidadede identificar adolescentes portadores de fatores derisco predisponentes às DCV, apontando índices desensibilidade por volta de 63-69%, sem no entanto,alterar de maneira significativa os índices de especi-ficidade (85% entre moças e 78% entre rapazes).Ao analisar o comportamento quanto aos valorespreditivos positivos, comprova-se que, em ambos ossexos, os índices encontrados associados ao IMC eao ∑EDC se aproximam de 50%. Em assim sendo,assume-se que, entre aqueles adolescentes que nãoatenderam os pontos de corte para indicadores mor-fológicos da aptidão física relacionada à saúde, ape-nas metade deles foram identificados como portado-res de fatores de risco predisponentes às DCV.Quanto à propriedade de eficiência, visualizam-setambém discretas diferenças entre os índices obser-vados quando do envolvimento do IMC e do ∑EDC.

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]40

A análise dos valores preditivos positivos encontradosaponta que, não mais de 25% dos adolescentes quenão atenderam pontos de corte equivalentes aodesempenho motor foram identificados como porta-dores de fatores de risco predisponentes às DCV,comprometendo portanto, eventual tentativa deenvolvimento dos pontos de corte sugeridos na pro-posta Physical Best na identificação de adolescentesportadores de fatores de risco predisponentes às DCV.De maneira similar, os índices de eficiência encon-trados nos três indicadores de desempenho motor daaptidão física relacionada à saúde revelam baixosníveis de acurácia na identificação de casos verdadei-

ros em ambos os sexos (49-56%). Esses resultadossugerem que, de cada 2 adolescentes consideradosna amostra, apenas 1 foi corretamente classificadocomo verdadeiro-positivo ou verdadeiro-negativo.Na tentativa de maximizar o ajuste estatístico naocorrência de casos positivos, e, conseqüentemente,aprimorar a eficiência dos indicadores de aptidãofísica relacionada à saúde na identificação de adoles-centes portadores e não-portadores de fatores derisco predisponentes às DCV, a tabela 6 apresentainformações associadas à validação dos pontos decorte estabelecidos pela curva ROC, com base nosdados reunidos no presente estudo.

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Tabela 6 – Estatística de validação dos pontos de corte associados aos indicadores de aptidão física relacionada à saúde sugeridos pela curva ROC com baseem amostra de adolescentes do município de Londrina - Paraná na identificação de fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

VALOR PREDITIVOSensibilidade Especificidade Positivo Eficiência

Moças Rapazes Moças Rapazes Moças Rapazes Moças RapazesIMC 54 53 81 85 48 49 75 76∑EDC 60 73 86 82 57 56 80 81SEAL 32 31 77 54 14 16 51 50ABDO 42 56 83 56 44 26 53 44CORR 73 58 81 56 22 17 31 40

Pontos de CorteMOÇAS: IMC = 16-23 kg/m2 ; ∑ EDC = 16-34 mm; SEAL = 29 cm; ABDO = 28 rep; CORR = 9:50 min

RAPAZES: IMC = 16-22 kg/m2; ∑ EDC = 11-24 mm; SEAL = 32 cm; ABDO = 41 rep; CORR = 7:50 min

Os pontos de corte equivalentes ao IMC (16-23kg/m2 entre moças e 16-22 kg/m2 entre rapazes) eao ∑EDC (16-34 mm e 11-24 mm para moças erapazes, respectivamente), correspondentes a otimi-zação do equilíbrio sensibilidade-especificidade,mostram-se menores que os originalmente sugeridosna proposta Physical Best. Com novos pontos decorte, a probabilidade de ocorrência de casos falsos--positivos diminui discretamente. A princípio, essaredução já era esperada, na medida em que, pontosde corte mais exigentes tendem a aumentar conco-mitantemente os índices de sensibilidade e especifi-cidade, reduzindo portanto a probabilidade de ocor-rência de casos falso-negativos e falso-positivos.Quanto aos indicadores de desempenho motor asso-

ciados à aptidão física relacionada à saúde, consta-tam-se importantes diferenças entre os pontos decorte apontados pela curva ROC e aqueles sugeridosmediante a proposta Physical Best. No que se refereao SEAL, enquanto a proposta Physical Best sugereresultados de 25 cm como ponto de corte paraambos os sexos, dados analisados no presente estu-do apontam maior ocorrência de casos positivos aoassumir um ponto de corte mais elevado: 29 e 32 cmpara moças e rapazes, respectivamente. Um ajusteestatístico mais adequado para o ABDO ocorrequando o ponto de corte é estabelecido em 28 repe-tições para moças e 41 repetições para rapazes, ouseja, abaixo do ponto de corte originalmente sugeri-do: 35 e 44 repetições, respectivamente. Com rela-

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 41

ção ao CORR, entre moças, melhor adequação quan-to às estatísticas de validação ocorreu ao consideraro ponto de corte de 9:50 minutos, ao invés de 10:30como sugere a proposta Physical Best. Em contrapar-tida, entre rapazes, faz-se necessário elevar o resulta-do inicialmente proposto de 7:30 para 7:50 minutos.Apesar dos pontos de corte voltados ao desempenhomotor, determinados mediante análise da curvaROC, terem oferecido índices de sensibilidade e deespecificidade mais elevados que os pontos de cortepreviamente sugeridos na proposta Physical Best, e,por sua vez, menor probabilidade de ocorrência decasos falso-positivos e falso-negativos, ambos osgrupos de pontos de corte apresentam índices de efi-ciência similares, sugerindo apenas discretas vanta-gens na capacidade discriminatória entre adolescen-tes portadores e não-portadores de fatores de riscopredisponentes às DCV. Ainda, mediante novos pon-tos de corte, a probabilidade de identificação inade-quada de adolescentes não-portadores de fatores derisco predisponentes às DCV que não atenderam ospontos de corte (100 – especificidade) foi menor quea probabilidade de identificação inadequada de ado-lescentes portadores de fatores de risco predisponen-tes às DCV que atenderam os pontos de corte volta-dos ao desempenho motor direcionado à aptidão físi-ca relacionada à saúde (100 – sensibilidade), sobre-tudo entre moças.Estimativas quanto à área sob curva ROC com rela-ção aos pontos de corte associados aos indicadoresde aptidão física relacionada à saúde na identificaçãode adolescentes portadores de fatores de risco pre-disponentes às DCV, apontadas com base na amostraanalisada no presente estudo, são apresentadas natabela 7. De maneira geral, não apresentando dife-renças significativas entre sexos, constata-se que asáreas sob curvas ROC associadas aos indicadoresmorfológicos são mais elevadas que as apresentadaspelos indicadores de desempenho motor. Dessaforma, novos pontos de corte propostos para IMC e∑EDC poderão distinguir igualmente e com razoávelprecisão adolescentes portadores e não-portadoresde fatores de risco predisponentes às DCV. Ambosos indicadores morfológicos apresentam 76-79% dechance de identificar corretamente a presença defatores de risco predisponentes às DCV nos adoles-centes analisados no estudo.

Tabela 7 – Características da área sob a curva ROC (média, desvio-padrão eintervalos de confiança) com relação aos pontos de corte associados aosindicadores de aptidão física relacionada à saúde sugeridos com base em

amostra de adolescentes do município de Londrina - Paraná na identificaçãode fatores de risco predisponentes às doenças cardiovasculares.

Moças RapazesIMC 0,76±0,051 (0,68–0,83) 0,77±0,058 (0,69–0,84)∑ EDC 0,76±0,051 (0,68–0,82) 0,79±0,056 (0,71–0,86)SEAL 0,52±0,066 (0,42–0,62) 0,53±0,068 (0,43–0,62)ABDO 0,54±0,058 (0,44–0,62) 0,55±0,056 (0,45–0,64)CORR 0,51±0,061 (0,41–0,61) 0,51±0,065 (0,41–0,61)

Entre os indicadores de desempenho motor, a capa-cidade dos pontos de corte melhores ajustados paraidentificar corretamente adolescentes portadores defatores de risco predisponentes às DCV é baixa emambos os sexos, apresentando área sob curva ROCpróxima de 0,50. Em assim sendo, os achados apre-sentados no presente estudo mostram que os resul-tados de testes motores, associados à aptidão físicarelacionada à saúde, não se definem como atributosque possam identificar com precisão aceitável fatoresde risco predisponentes às DCV. Os resultados dostrês testes motores apresentaram por volta de 50%de chance de identificar corretamente a presença defatores de risco predisponentes às DCV nos adoles-centes analisados no estudo.

DISCUSSÃOA adoção de hábitos dietéticos hiperfágicos e comelevada proporção de alimentos ricos em gorduras,acompanhados por menores níveis de prática habi-tual de atividade física, vem contribuindo significati-vamente para o aparecimento e desenvolvimento defatores de risco em idades cada vez mais precocesque, na seqüência, em idades adultas, podem mani-festar-se clinicamente mediante graves disfunçõescardiovasculares. De fato, estudos abordando ten-dência secular de indicadores biológicos associados àsaúde de jovens entre 15 e 18 anos revelam acentua-das alterações desfavoráveis no perfil delipídios/lipoproteínas plasmáticas e de pressão arte-rial durante última década (34). Nessa mesma direção, estudos longitudinais envol-vendo adolescentes mostram estreita associaçãoentre estilo de vida considerado aterogênico e fato-

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]42

res de risco predisponentes às DCV. Em ambos ossexos, componentes relacionados aos aspectos dieté-ticos e à prática de atividade física se caracterizamcomo elementos essenciais na preservação de indica-dores metabólicos e funcionais direcionados à saúdecardiovascular (10).Em vista disso, especialistas na área têm sugeridoprogramas de intervenção direcionados a detectareventuais agressões provenientes dos hábitos dietéti-cos e de prática de atividade física inadequados quepossam repercutir negativamente na saúde cardio--vascular de jovens (33). Reforça-se essa posição, namedida em que padrões quanto ao estilo de vidapodem ser fortemente estruturados e definidos naadolescência, e possivelmente transferidos para aidade adulta (19). Nesse particular, ações intervencionistas podem serimplementadas mediante sofisticados procedimentoslaboratoriais voltados à monitoração periódica dosfatores de risco predisponentes às DCV. No entanto,por conta do alto custo financeiro e da elevadademanda de tempo associados às rotinas de avalia-ção e, por vezes, tratar-se de procedimentos invasi-vos, torna-se inviável adotar esses procedimentosrotineiramente em grande número de jovens. Emvista disso, esforços têm sido direcionados no senti-do de propor procedimentos alternativos que pos-sam melhor atender aspectos de praticidade e de via-bilidade, e que venham oferecer indicações préviasde possível presença de fatores de risco predisponen-tes às DCV na população jovem.O reconhecimento de pontos de corte associados aosindicadores de aptidão física relacionada à saúde,adequados à identificação de adolescentes portadoresde fatores de risco predisponentes às DCV, poderácredenciar procedimento prático e de grande acessi-bilidade para professores de educação física tentaremauxiliar em intervenções voltadas à progressão defenômenos aterogênicos em idades jovens, reduzin-do o risco futuro de surgimento de cardiopatias. Os resultados encontrados no estudo mostram queos indicadores morfológicos associados à aptidãofísica relacionada à saúde podem oferecer importan-tes informações quanto à eventual identificação deadolescentes portadores de fatores de risco predispo-nentes às DCV, sobretudo ao reduzir discretamenteos pontos de corte quanto ao IMC e ao ∑EDC suge-

ridos na proposta Physical Best. Pontos de corte de16-23 kg/m2 para moças e 16-22 kg/m2 para rapazesquanto ao IMC, e, com relação ao ∑EDC, 16-34 mme 11-24 mm para moças e rapazes, respectivamente,descreveram melhor equilíbrio entre sensibilidade eespecificidade. Em valores probabilísticos, de cadaquatro adolescentes que não se ajustaram aos novospontos de corte associados ao IMC e ao ∑EDC exis-tem indicações de que três deles podem ser identifi-cados como portadores de fatores de risco predispo-nentes às DCV. Em razão da similaridade nos resultados das estatís-ticas de validação, tornando-se portanto indiferenteutilizar valores de IMC ou de ∑EDC como indicado-res morfológicos na identificação da presença defatores de risco predisponentes às DCV, chama-seatenção para o fato do ∑EDC apresentar maior difi-culdade de acesso as informações e mais elevadaexposição aos erros de medida. O IMC é alcançadomediante razão entre o peso corporal e o quadradoda estatura, pelo que se torna mais acessível suasmedidas. Sugestões de empregar um ou outro indi-cador morfológico na monitoração do excesso degordura e de peso corporal associados aos agravos desaúde em populações jovens são freqüentementeencontradas na literatura (25, 27, 32). Em assimsendo, reforça-se a posição no sentido de indicarpontos de corte equivalentes ao IMC como opçãomorfológica mais adequada para tentar discriminarentre adolescentes portadores e não-portadores defatores de risco predisponentes às DCV. De certa maneira, esses achados podem ser conside-rados coincidentes com estudos prévios envolvendodiferentes abordagens de análise. Mediante recursosestatísticos de regressão múltipla, verificou-se que oIMC e medidas de espessura de dobras cutâneaspodem ser considerados preditores significativos devariações no perfil lipídico/lipoproteico de adoles-centes (8). Em jovens entre 5 e 20 anos observou-seque os coeficientes de correlação momento-produtoentre o IMC e a pressão arterial sistólica podemvariar entre 0,30 e 0,40 nos rapazes e entre 0,31 e0,57 nas moças (32).No domínio da composição corporal, foi desenvolvi-do um estudo envolvendo regressão logística comintenção de apontar a quantidade de gordura relativaao peso corporal a partir da qual os níveis de pressão

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 43

arterial e de colesterol sérico total e frações tendiama aumentar (42). Os resultados encontrados suge-rem que moças e rapazes, ao apresentarem respecti-vamente 30% e 25% do peso corporal como gordura,tenderam a agregar desordens associadas ao perfillipídico/lipoprotéico plasmático. Ao recorrer aosmodelos matemáticos sugeridos por Slaughter et al.(38), direcionados à estabelecer estimativas da quan-tidade de gordura relativa ao peso corporal medianteespessuras de dobras cutâneas medidas nas regiõestricipital e subescapular, verifica-se aproximaçõesbastante similares entre os limites superiores dospontos de corte de melhor equilíbrio entre sensibili-dade e especificidade (34 mm para moças e 24 mmpara rapazes) e proporções de 30% e 25% do pesocorporal como gordura. No que se refere aos indicadores de desempenhomotor da aptidão física relacionada à saúde, evidên-cias acumuladas no estudo sugerem que os pontosde corte estabelecidos não foram suficientementesensíveis para discriminar entre adolescentes porta-dores e não-portadores de fatores de risco predispo-nentes às DCV. Estimativas relativas às estatísticasde validação utilizadas no estudo revelaram que nãomais de um a cada quatro adolescentes que apresen-tavam comprometimento quanto ao desempenhomotor, e portanto, não alcançaram pontos de cortesugeridos na proposta Physical Best, foram efetiva-mente identificados como portadores de fatores derisco predisponentes às DCV. Dessa forma, ao recor-rer a esses critérios na eventual identificação de ado-lescentes portadores de fatores de risco predisponen-tes às DCV, constata-se que incidência na ocorrênciade casos falso-positivos e falso-negativos torna-seexcessivamente elevada.Ao procurar estabelecer pontos de corte alternativosque possam maximizar ajustes estatísticos na ocor-rência de casos verdadeiros, verificou-se que, emambos os sexos, houve necessidade de modificar sig-nificativamente os limiares dos resultados dos trêstestes motores sugeridos na proposta Physical Best.Contudo, ainda assim, apesar de se constataremavanços quanto aos parâmetros de validação, as pro-babilidades quanto à incidência de casos falso-positi-vos e falso-negativos permaneceram excessivamenteelevadas, ou seja, uma significativa proporção deadolescentes podem ser identificados inadequada-

mente como portadores de fatores de risco predispo-nentes às DCV por não atenderem os pontos decorte associados aos indicadores de desempenhomotor da aptidão física relacionada à saúde, e tam-bém, podem ser identificados de maneira incorretacomo não-portadores de fatores de risco predispo-nentes as DCV por atenderem os pontos de corteassociados aos indicadores de desempenho motor daaptidão física relacionada à saúde.Em assim sendo, torna-se recomendável descartar ahipótese no sentido de que os indicadores de desem-penho motor associados à aptidão física relacionadaà saúde possam ser utilizados na identificação deadolescentes portadores e não-portadores de fatoresde risco predisponentes às DCV, independentementedos pontos de corte atribuídos aos resultados dostestes motores.De certa forma, esses resultados apresentam discor-dância de algumas evidências apresentadas na litera-tura. Baseando-se em suposta relação empírica entreníveis mais elevados de prática de atividade física emelhores índices de aptidão física, estudos anterio-res comprovaram que significativa maior proporçãode adolescentes mais ativos fisicamente foram capa-zes de atender os pontos de corte associados aosindicadores de desempenho motor sugeridosmediante proposta Physical Best (13, 28). Contudo, neste particular, dois aspectos devem serconsiderados. Primeiro, estudos experimentais envol-vendo recursos de análise de regressão mostram queinformações quanto aos níveis de prática habitual deatividade física explicam somente pequena quantida-de de variação dos índices de aptidão física relaciona-da à saúde, não garantindo necessariamente que osmais ativos são mais aptos fisicamente (23, 30).Segundo, apesar de se caracterizar como importanteelemento contribuinte, nem sempre os jovens maisativos fisicamente apresentam melhor estado desaúde durante a adolescência (9, 32).Dessa forma, parece não ser recomendável assumirníveis de prática habitual de atividade física comocritério de validação de pontos de corte de indicado-res de desempenho motor associados à aptidão físicarelacionado à saúde, o que pode suscitar dúvidasquanto as conclusões apresentadas por estudos querecorreram a esse recurso de validação.Possivelmente, alguns aspectos possam ser aponta-

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]44

dos como responsáveis pela menor validação dosindicadores de desempenho motor na identificaçãode adolescentes portadores de fatores de risco predis-ponentes às DCV. De imediato, a seleção dos resulta-dos do SEAL e do ABDO, como indicadores das con-dições de saúde associados ao desempenho motor,baseia-se no pressuposto de que as capacidades deflexibilidade e de força/resistência dos grupos muscu-lares da região inferior do tronco podem ser conside-rados fatores importantes na prevenção e na reabilita-ção de eventuais lesões lombares e desvios posturais(18). Assumindo que no presente estudo o critériode validação dos pontos de corte associados aos indi-cadores da aptidão física relacionada à saúde refere-seàs DCV, parece razoável admitir que os itens dedesempenho motor relacionados às disfunções orto-pédicas possam não alcançar a validade desejada.Os pontos de corte relacionados ao CORR foramidealizados mediante informações epidemiológicasenvolvendo valores estimados quanto ao consumomáximo de oxigênio e maior incidência de disfun-ções cardiovasculares em adultos, ajustados quanto àrunning economic e à idade para populações jovens(18). Desse modo, de forma antagônica ao que seobserva com relação ao SEAL e ao ABDO, informa-ções que subsidiam proposição dos pontos de corteconcedidos ao CORR podem ser consideradas maisestreitamente relacionadas com os critérios de vali-dação utilizados no estudo, qual sejam, fatores derisco predisponentes às DCV. Talvez, em vista dissoé que se constatou para os pontos de corte associa-dos ao CORR parâmetros de validação mais favorá-veis, no entanto, ainda assim, distante do desejado.Além disso, mesmo considerando possíveis participa-ções de atributos genéticos na variação dos fatores derisco predisponentes às DCV, fundamentalmente porse tratar de adolescentes, não se pode deixar de con-siderar a possibilidade de ocorrência de variações nosresultados dos testes motores por conta dos níveis dehabilidade apresentados pelos adolescentes na execu-ção das tarefas motoras envolvidas na realização dostestes motores. Ainda, níveis de motivação para sealcançar esforços físicos adequados que possam tra-duzir resultados efetivos quanto ao real desempenhomotor dos adolescentes pode se definir como outrofator de interferência na validação dos pontos decorte de indicadores de desempenho motor associa-dos à aptidão física relacionada à saúde.

CONCLUSÕESOs resultados encontrados no estudo sugerem queapenas os indicadores morfológicos associados àaptidão física relacionada à saúde devem ser empre-gados na identificação de adolescentes portadores defatores de risco predisponentes às DCV. Os pontosde corte para o IMC e o ∑EDC que oferecem melhorequilíbrio entre probabilidades de ocorrência decasos verdadeiro-positivos e falso-positivos reco-mendados no presente estudo são discretamentemenores que os sugeridos na proposta Physical Best. Evidências acumuladas mediante desenvolvimentodo estudo suportam argumentação no sentido deque, quaisquer que sejam os pontos de corte atribuí-dos aos indicadores de desempenho motor associa-dos à aptidão física relacionada à saúde, esses não sedefiniram como aproximação metodológica adequadana identificação de adolescentes portadores de fato-res de risco predisponentes às DCV.Sugere-se o desenvolvimento de futuros estudos emdiferentes grupos de adolescentes, envolvendo outroscritérios de referência para saúde que não apenasfatores de risco predisponentes às DCV, na tentativade verificar se as deficiências quanto aos indicadoresde desempenho motor associados à aptidão físicarelacionada à saúde podem ser confirmadas.

*Apoio do MCT/CNPq

CORRESPONDÊNCIADartagnan Pinto GuedesRua Prof. Samuel Moura 328 – Apto. 901CEP. 86061-070 – LondrinaParaná Brasil [email protected]

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46] 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Almeida H; Wicherhauser PM (1991). O Critério

ABA/Abipemi: em Busca de uma Atualização. São Paulo:Abipemi.

2. American Alliance for Health, Physical Education,Recreation and Dance (1984). Health Related Physical FitnessTechnical Manual. Reston: American Alliance for Health,Physical Education, Recreation and Dance.

3. American Alliance for Health, Physical Education,Recreation and Dance (1988). Physical Best. Reston:American Alliance for Health, Physical Education,Recreation and Dance.

4. American Health and Fitness Association (1986). Fit YoungToday. Austin, Texas: American Health and FitnessAssociation.

5. Andersen LB; Henckel P; Saltin B (1989). Risk factors forcardiovascular disease in 16-19-year-old teenagers. Journalof Internal Medicine 225:157-63.

6. Anding JD; Kubena KS; McIntosh WA; O´Brien B (1996).Blood lipids, cardiovascular fitness, obesity and bloodpressure: the presence of potential coronary heart diseaserisk factors in adolescents. American Journal of DietAssociation 96:238-42.

7. Bell RD; Macek M; Rutenfranz J; Saris WHM (1986).Health indicators and risk factors of cardiovascular disea-ses during childhood and adolescence. In: Rutendranz J;Mocellin R; Klimt F (ed.). Children and Exercise XII.Champaign, Illinois: Human Kinetics Publishers, 19-27.

8. Björntorp P (1985). Obesity and the risk of cardiovasculardisease. Annals of Clinical Research 17:3-9.

9. Blair SN; Clark DG; Cureton KJ; Powell KE (1989).Exercise and fitness in childhood: implications for a lifeti-me of health. In: Gisolfi CV; Lamb DR (ed.). Perspectives inExercise Science and Sports Medicine: Youth, Exercise, and Sport.Indianapolis: Benchmark Press, 401-30.

10. Boreham C; Twisk J; Mechlen W; Sarage M; Strain J; GranG (1999). Relationships between the development of bio-logical risk factors for coronary heart disease and lifestyleparameters during adolescence: The Northern IrlandYoung Hearts Project. Public Health 113:7-12.

11. Bruce RA; Kusumi F; Hosmer D (1973). Maximal oxygenintake and nomographic assessment of functional aerobicimpairment in cardiovascular disease. American HeartJournal 85(4):546-62.

12. Canadian Association for Health, Physical Education andRecreation (1980). The CAHPER Fitness: Performance TestManual. Vanier: Canadian Association for Health, PhysicalEducation and Recreation.

13. Chun DM; Corbin CB; Pangrazi RP (2000). Validation ofcriterion-referenced standards for the mile run and pro-gressive aerobic cardiovascular endurance tests. ResearchQuarterly for Exercise and Sport 71:125-34.

14. Comité pour le Developement du Sport (1988). Manuelpour les tests EUROFIT d’Aptitude Physique. Rome: EdigrafEditoriale Grafica..

15. Cooper Institute for Aerobics Research (1999). FitnessgramTest Administration Manual. 2a. Edition. Dallas, Texas:Cooper Institute for Aerobics Research.

16. Corbin CB; Lindsey R (1997). Concepts of Physical Fitness.9a. Edition. Dubuque: Brown & Benchmark Publishers.

17. Corbin CB; Pangrazi RP (1992). Are American childrenand youth fit? Research Quarterly for Exercise and Sport63:96-106.

18. Cureton KJ; Warren GL (1990). Criterion-referenced stan-dards for youth health-related fitness tests: a tutorial.Research Quarterly for Exercise and Sport 61:7-19.

19. Edmundson E; Parcel GS; Feldman HA; Elder J; Perry CL;Johnson CC; Williston BJ; Stone EJ; Yang M; Lytle L;Webber L (1996). The effects of the child and adolescenttrial for cardiovascular health upon psychosocial determi-nants of diet and physical activity behavior. PreventiveMedicine 25:442-54.

20. Friedewald WT, Levy RI; Frederickson DS (1972).Estimation of the concentration of low density lipoproteincholesterol in plasma. Without use of the preparativeultracentrifuge. Clinical Chemistry 18:499-502.

21. Guedes DP; Guedes JERP (1995). Aptidão física relaciona-da à saúde de crianças e adolescentes: avaliação referencia-da por critério. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde1:27-38.

22. Guedes DP; Guedes JERP (1997). Crescimento, ComposiçãoCorporal e Desempenho Motor de Crianças e Adolescentes. SãoPaulo: CLR Balieiro.

23. Guedes DP; Guedes JERP; Barbosa DS; Oliveira JA (2001).Atividade física habitual e aptidão física relacionada àsaúde em adolescentes. Revista Brasileira Ciência eMovimento 10:13-21.

24. Hanley J (1988). The robustness of the “binormal”assumptions used in fitting ROC curves. Medicine DecisMaking 8:197-203.

25. Himes J; Dietz W (1994). Guidelines for overweight inadolescent preventive services: recommendations from anexpert committee. American Journal of Clinical Nutrition59:307-16.

26. Institute for Aerobics Research (1987). Fitnessgram User’sManual. Dallas: Institute for Aerobics Research.

27. Lazarus R; Baur L; Webb K; Blyth F (1996). Body massindex in screening for adiposity in children and adoles-cents: systematic evaluation using receiver operating cha-racteristic curves. American Journal of Clinical Nutrition63:500-6.

28. Looney MA; Plowman SA (1990). Passing rates ofAmerican children and youth on the fitnessgram criterion-referenced physical fitness standards. Research Quarterly forExercise and Sport 61:215-22.

29. Malina RM; Bouchard C (1991). Growth, Maturation, andPhysical Activity. Champaign, Illinois: Human KineticsPublishers Inc.

30. Morrow JR; Freedson PS (1994). Relationships betweenhabitual physical activity and aerobic fitness in adoles-cents. Pediatric Exercise Science 6:315-29.

31. MedCalc (1997). Computer Program for Statistics in Medicinefor Windows: Program Manual. Mariakerke, Belgium:MedCalc Software.

32. Nicklas TA; Webber LS; Johnson CC; Srinivasan SR;Berenson GS (1995). Foundations for health promotionwith youth: a review of observations from the BogalusaHeart Study. Journal of Health Education 26:S18-S26.

33. Pate RR; Hohn RC (1994). Health and Fitness throughPhysical Education. Champaign, Illinois: Human Kinetics.

34. Porkka KVK; Raitakari OT; Leino A; Laitinen S; Rasanen L;Ronnemaa T; Marniemi J; Lehtimaki T; Taimela S; Dahl M;Uhari M; Akerblom HK; Viikari JSA (1997). Trend inserum lipid levels during 1980-1992 in children and youngadults. American Journal of Epidemiology 146:64-77.

Aptidão física e fatores de risco cardiovasculares

Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [31–46]46

35. President’s Council on Physical Fitness and Sports (1997).1996-97 The President’s Challenge Physical Fitness ProgramPacket. Bloomington: Poplars Research Center.

36. Raitakari OT; Porkka KVK; Viikari JSA; Rönnemaa T;Akerblom HK (1994). Clustering of risk factors for coro-nary heart disease in children and adolescents. TheCardiovascular Risk in Young Finns Study. Acta Paediatrica83:935-40.

37. Schmidt GJ; Walkuski JJ; Stensel DJ (1998). The Singaporeyouth coronary risk and physical activity study. Medicineand Science in Sport and Exercise 30:105-13.

38. Slaughter MH; Lohman TG; Boileau RA; Horswill CA;Stillman RJ; Van Loan MD; Benben DA (1988). Skinfoldequations for estimation of body fatness in children andyouth. Human Biology 60:709-23.

39. Tanner JM (1962). Growth at Adolescence. 2a. Edition.Oxford: Blackwell Scientific Publications.

40. Varrasi G; Bazzano C (1990). A comparison of health-rela-ted fitness of central Italians and American children. In:Hermans GPH; Mosterd WL (ed.). Sports, Medicine andHealth. Amsterdam: Excerpta Medica, 967-72.

41. Weiller KH; Jackson AW; Meyer RD (1994). 1-Mile runperformance and body mass index in hispanic youth: pas-sing rates for the fitnessgram. Pediatric Exercise Science6:267-74.

42. Williams DP; Going SB; Lohman TG; Harsha DW;Srinivasan SR; Webber LS; Berenson GS (1992). Body fat-ness and risk for elevated blood pressure, total cholesterol,and serum lipoprotein ratios in children and adolescents.American Journal of Public Health 82:358-63.

43. Zweig MH; Campbell G (1993). Receiver-operating charac-teristic (ROC) plots: a fundamental evaluation tool in cli-nical medicine. Clinical Chemistry 39:561-77.

Dartagnan P. Guedes, Joana E. R. P. Guedes, Decio S. Barbosa, Jair A. Oliveira