AquilinoRibeiro Terras Demo

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  • 7/31/2019 AquilinoRibeiro Terras Demo

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    a carlos malheiro diasmeu querido amigo e principe das letras: d -me licen a que lhe ofere a este livro, pobre de mim, rival em tudo daquele marco paulo, de valentim fernandes da mor via,tosco nasimagens, incr vel no que conta, composto at na mesma linguagem do tempo dos afonsinos. a ac o decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito:"uma vez um homem travou do burro e partiu a correr as sete partidas do mundo.

    andou, andou at que foi dar a uma terra de que ningu m faz ideia: a gente comia calhause ladrava como os c es." circunscrito, adivinha-se, a indiv duos rudes, teve em mira este trabalho pintar dessas aldeias montesinhas que moram nos picotos dabeira,olham a estrela, o caramulo, a cernelha do douro e, a norte, lhes parece gamelaemborcada o monte mar o. o vale, que as explora, trata-as despicientemente por terrasdo demo. sem d vida, nunca cristo ali rompeu assand lias, passou el-rei a ca ar, ou os ap stolos da igualdade em propaganda. b rbaras e agrestes, merc apenas do seu individualismo se t m mantido, sem perdas nem lucros, margem da civiliza o.

    o seu nome ilustre, meu querido amigo, merece-me mais que esta l pide de granito mal lavrada; cham -lo aqui como induzir sarasate a presidir a uma tocata de bombo e ferrinhos.

    mas para mim bateu a hora de lhe prestar homenagem. foi a sua m o, t o forte como delicada, que me guiou ao prosc nio das letras; a me incutiu a for a de nimo necess ria para persistir. ao romper, tamb m o meu sil ncio para admirar, o romancista da paix o de maria do c u, o jornalista que l e c mant m sua altura ahonra das letras portuguesas, est na primeira fila dos que adiniro. consagra o que o brasil acaba de lhe prestar eu junto, pois, este ramo de maias, colhidasna serra, in o larga, que lhe leva de seu pelo menos cor e aroma t o bravios e elementares que n o mereceram ainda a honra de ser copiados por tintureiro ou

    perfumista.

    a obra de an lise que a cr tica am vel houve por bem de assinalar na via sinuosa raro se lhe h -de deparar aqui. t o-pouco malbaratei lou anias, vidrilhos ou esmaltesde estilo, devendo sem d vida soar falso a prop sito de criaturas em que assenta at mal a gravata que os tendeiros teimam ali intrometer. mioma de todas as minhaspersonagens a nica que se interroga. uma esp cie de intruso. o meio expele-o.

    estilizei, como n o, pela necessidade de fugir melopeia e Pouca extens o do dizer popular: mas o meu l xico o deles; as minhas vozes ouvi-lhas. sou mais cronista

    que carpinteiro de romance. quereria at que este livro se embrulhasse num peda o da serguilha em que eles se embrulham.

    se, ao folhear, estas p ginas rescenderem ao tolo e ao burel

    azeitado quando torna dos pis es, terei satisfeito o meu prop sito: descer a arte sobre a bronca, fragrante e sincera serra, e, em certa medida, activar o desquiteentre a nossa l ngua e essa literatura desnacionalizada, francizante, de que se atulha a pra a. um renascimento liter rio tem de volver s origens, aos cl ssicos e ao povo, e o primeiro passo - uma quest o apenas de vontade - dou-o eu aqui. independentemente deste escopo, os seus livros, malheiro dias, ensinam-nos, ao

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    mesmotempo que nos desesperam, em sua magistral li o.

    dizem que a literatura regionalista uma especula o toda de generosidade, sem galard o do p blico. de acordo; n o se l com esperto e empolgante apetite; carece

    de nervo, de transporteintelectual, da finura est tica que o gosto moderno espera de um drama da cidade.

    todavia, fritz reuter, alem o, bj rnson, noruegu s, o pr prio tolstoi a firmaram seus nomes. em espanha e fran a est mesmo de. moda. que uma arte de contrac o, suspendendo o esp rito em seu voar ou entranhar-se na an lise, certo. por a ela peca.

    a aldeia serrana, como aquela em que fui nado e baptizado e me criei s o e escorreito, assim mesmo: barulhenta, valerosa, suja, sensual, avara, honrada, com todosos sentimentos e instintos que constitu am o empedrado da comuna antiga. ainda ali h A bra o e os santos v m fala com os zagais nos silenciosos montes; ali roda o velho carro visig tico nos caminhos

    romanos, mais velhos do que eles. pag , e cr em sua religiosidade toda exterior

    adorar o deus de s. tom s. conta pelo calend rio gregoriano estes terr veis dias de peste, fome e guerra, e est Imersa nos nebulosos tempos do rei vamba.

    em tais condi es de primitividade, a pena descreve, mastornar-se-ia rid cula analisando. para dar a verdade local tem de abstrair da linguagem erudita que forjaram rcades, pregadores e gong ricos vaies de m morte;todas as aquisi es da ci ncia no tocante s enfermidades da alma e do corpo e s o de socorro t o prestimoso ao escritor, ficam fora se a t cnica severa. em suma,

    integrar-se no esp rito daquele soldado que deixou o roteiro mar timo para a ndia e - a reside a dificuldade - escrever com pena de a o e n o pena de pato. dopincel enciclop dico que poder usar o autor de hoje resta uma broxa de trolha.

    parece-me que esta literatura, por m, uma necessidade, corresponde a picar na nascente,renovar o veio da l ngua viciado por outras l nguas, corrompido pela g ria da urbe, rebater no estilo dos quinhentistas, ainda com as rebarbas dum torno, pordemaismec nico e latinizador. a madre na aldeia; ali est puro o idioma. por aqui se salva, se n o por outros predicados, a arte regionalista.

    a vida , de resto, sempre curiosa, quando se ergue uma lancha em terra h mida de lameira, acontece fervilhar aos nossos olhos toda uma fauna prodigiosamentemulticor,alvoro ada com o desmancho de sua casa de par que com a luz do dia. vive ali em cant es, paredes meias, esta bicharada que a consp cua zoologia distribui em

    n brias,que s o dotadas de antenas em serrilhas e revestem armadura c rnea, e em estafilin deos que passam por arteiros na emboscada e gulosos de carne putrefacta. mas tamb mali ' se encontram por vezes: o bicho-de-conta t mido; a centopeia mon stica; uma cabrinha preta; no ver o, o grilo cantarola. pintados pelo entomologista em seuhabitat, seus transes, seus costumes, interessam tanto como as belas e grandesalim rias de nosso senhor, tanto como o le o que era rei, antes que os modernos esoposentregassem o ceptro ao pav o. as terras do demo s o isso, o estudo do mundo pitoresco e prim rio da pedra de lameira. n o o examinei lente; n o o avantajei,

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    nemalinhei. o balzac de les paysans e o j lio dinis de tudo o que fez e do que deixou de fazer pertencem a escolas que me n o tentam.

    julguei que havia m rito, tanto, pelo menos, como em ocupar estas p ginas com um janota do chiado, em trazer a p blico uma grei n o inareada dos v cios brilhantes e virtudes posti as do s culo. entremeada a composi o da via sinuosa com a deste trabalho, o meu esp rito ia redoi ar-se da fadiga daquela no picar r jo, sobre

    material que de longe me andava na mem ria, dos cap tulos que a v o. talvez tenha cometido o

    pecado de julgar que a ilus o que bem ilude n o merece mais cr dito que a verdade que mal se veste. embora.digne-se o meu amigo aceitar esta modest ssima oferenda como preito ao talento e tributo amizade e estarei forro de minhas penas.

    lisboa, outono de 1918

    aquilino ribeiro

    primeira parte

    a velha e o lobo

    - arre-diabo, rosa, arre-diabo! - dizia o br s. saiu-te cara a passagem do homem... 1.

    - cara'? s falta tirarem-me as meninas dos olhos, - carpia ela. - foi um doido, deus o tenha sua m o direita... j l vai a lameira, ainda me preciso vender. ..

    e vendia o cerrado, onde, ao abrigo do vento galego, papa-feij es, nunca perigaram os agros, e uma nogueirinha tempor dava gradas e reboludas nozes, muito apetecidas

    das mo as que sua porta vinham cantar as janeiras na alva do ano novo.

    quem a vira solteira, benzia-se. na terra n o nascera outra mais amiga de luxar e bater a tamanquinha em bailes e romarias. pudera, a casa do pai, jos Franciscogaud ncio, era das mais valentes por aquela corda de povos. salgava quatro a cinco leit es de ceva, trazia tr s juntas ao jugo, e o seu rebanho, com cortinha pr pria

    no meio da,serra, zagais de trabuco e rafeiros de rijas puas no pesco o, aventurando-se aos longes pastos, era o mais medrado e lanzudo. linhares e ch os n o tinhamconta, e a lenha das tapadas acamava de velha, nas abas do povo algumas e todas m o de encarrar, t o grandes que n o amanhecia domingo ou dia de guarda que os ca adores por l n o bombeassem, com balsas escusas para o coelho

    14e a galinhola e at madrigueiras de raposo e de texugo. de l partiam, nas noites velhas de inverno, os assaltos s capoeiras, a pontos que em casa do sr. p.' ant nioj l est - uma vez que se esqueceram de cispar o buraco, n o houve bico que escapasse ao dente mofino.

    boas matas, rica folha, n o contente do que possu a no termo, o gaud ncio atrevera-se a ir lavrar vinho para o t vora em terra que mand ou abacelar. era usan a entre

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    os serranos de posses, mas baldada pena, que a filoxera chupou-lhe, a pouco tempodo plantio, as cepas todas.

    ordenou um filho, e as casas, que ergueu, eram uns conventos; todas de sobrado eboa cantaria, tirante a de rosa, em tosca pedra de arranco, com o patim a piqueque parecia trepar para o c u. nelas morava a descend ncia directa, a rosa j nomeada, manuel cardiga, vi vo de lu sa, a, clarinha, que casara com um neto bastardo

    e a quem sua morte o gaud ncio legara o ter o, mal instru do que a lei deixava margem a diferente doa o. e, com vidra as para a rua, havia ainda a resid ncia que entrou no patrim nio do p.' francisco, caiada, com faixa azul a toda a sombra do beiral, e pombinhas de argamassa, rechonchudas, nos pontos de quebra doguieiro.a modos dum casal de velhos fidalgos, com quint ao meio de serventia a todos os patins, resguardada por muro de cerca quando n o era parede de habita o, e duas porteiras a cada ponta, por onde entravam de r pia as mais soberbas carradas. ao abrigo da devassa em vida do gaud ncio velho - ainda se viam chumbados nas ombreirasos gonzos das dobradi as - faziam dela, ao tempo, corte de recos e de bezerros volta do mercado, mormente depois que a clarinha, acolhendo na loja todo oviageiro,

    fosse ele l zaro dos caminhos, almocreve ou ladr o, ali deixava feirar os rendeiros volantes.

    15era boa criatura, mas pascacia e pern stica a mais n o poder, esta clarinha. por suas benfeitorias sem olhar a que r s, mais de um abusou dela: o frad o da vila, mulo do inferno, que foi fina for a meter-se com ela na cama, e os ciganos que em hora de muito tar acenderam o lume na loja e iam queimando a casa toda. valeu-lheacudir seitosa em peso, ao toque dos sinos, que ostratantes pegaram de p r a salvo jericos e atafaias e despediram deixando, por susto ou maldade, o inc ndio a lavrar. ficou-lhe para emenda, que mais ciganos n o

    aboletou, sob pena de impedernir o cora o devocioneiro sua grande lam ria:

    - somos do egipto, patroinha, terra do menino jesus'

    - do egipto ou da falperra, tanto monta. est a loja tomada com lenhas.

    - trazemos uns ni os doentinhos... tenha caridade.- n o se ralem... inda h ar de dia, v o bater a outra porta.

    eles, ent o, erguiam a voz a amaldi oar: - deus permita que hoje mesmo se te veja a casa esborralhadal deus permita, e quefiques por baixo como uma sapa para saberes o que andar pelo mundo!

    e, assim tenazada, mais de uma vez teve de gritar -d.el-rei contra tais negros. mas a caminhante enfadado, gente das tendas, pobres de cristo, n o vedava ela aquentura do palheiro. s lhes dizia ao entrar: "pelas alminhas do purgat rio, n o acendam paulitos na loja." e acolhia-se ao janelo, a espiar-lhes os manejos e aestudar o cariz da serra da estrela, que, l em face, vestida de mantel branco, lil s como a t nica do senhor dos passos, triste do tom das cinzas, alegre a pareceriburia de igreja em dia de festa, consoante, dava mais certo o tempo que o borda-d.agua. seus olhos liam melhor na cordilheira long nqua a chuva e a neve do que

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    16um padre a palavra de deus nos latins do missal. e ao conceber-se jornada, cortede madeiras, semeadura ou tira das batatas, clarinha era o astr logo em que todospunham f .

    podia ser santan ria, mandar dizer missas e mascar padre-nossos, que as pragas dos gaud ncios, esbulhados do ter o, choveram sobre ela como granizo. n o fora culpa sua, certo, que a filha de gaud ncio, a rosalina, se deixasse engodar de um

    falante e concebesse o menino que os altos ju zos de deus lhe destinaram para esposo,e a lei, mal pulsada, parecesse n o estipular outra sorte de provid ncia, h que tempos isso fora, j tinham aberto a campa do seu homem para dar sepultura a ummorto, ainda lhe refertavam a sorte de c o. tentaram ainda os herdeiros anular o testamento, mas o p.' francisco, que tanta dinheirama consumiu a ordenar-se,porquefora um estoira-vergas, perdido do jogo e do mulherio, e andou com a arte debaixodo bra o por fran a e aragan a, lamego, pinhel, guarda, at abrir coroa, em alto e bom som fez respeitar a vontade do defunto pai. a este, que deixara fama desanto homem, n o abocanhavam os filhos por vergonha; a melgueira ao neto abonava mesmoa escrupulid o cautelosa de seu proceder. a terra lhe seja leve, o machucho quedou

    a rir, a fam lia a chorar, sem grandes raz es, que a leg tima n o era peca. de mais - alegava o padre - a fortuna granjeara-a com o rico suor do seu rosto, podiap r e dispor como melhor apetecesse.

    ali, na bruta serra, sem andar de taleiga s costas brasil vai, brasil vem, se fez rica o. come ou por pouco, em mo o a guardar porcos ao fint o na aldeia farta de s. martinho, s no tarde se lan ando ao neg cio, taverna e estalagem para almocreves que infestavam oscaminhos, ent o que o dem nio dos engenheiros n o tinham ainda gizado as estradas reais para vau de carros e

    17carris. era o bom tempo, o tempo das libras e das pe as, que chocalhavam na bolsa

    de qualquer bigorrilha como ao presente os vint ns e nicos na algibeira dos lordas.tamb m os almocreves n o eram destes arrebentados, entregues ao jogo de naveta de terra para terra, com dois odres de azeite ou c ntaro de aguardente, que mal ganhampara os atafais; mas daqueles que botavam de torre de d. chama at Vale do mondego com cargas de grande valia, e traziam pistolas nos coldres por mor dosquadrilheiros.em r cuas, para mais seguran a, o seu passo, em fieira, enegrecia o caminho que se ve correrbranco e sem fim para a senhora da lapa. ch macho! toma ali, rabudo! filho de sete curtas! - gritos e pragas ferviam no ar. um deles, mais alvarinho, jaqueta de

    alamares, colete de pele de raposa com a corrente de dois fios e o pinto dependura, os dois bra os suspensos emarco do azorrague tra ado de ombro para ombro, desfraldava uma x cara sanguinosa. e era como um gui o vermelho a esvoa ar por cima do chape-chape da marcha:

    anda c , o soldadinho, vens em b ocasi o, meu marido n o 'st c Foi para monte mar o.

    oxal que c n o torne, botesmo-lhe a maldi o.- - corvos pica -lhe os olhos e arrincai-lhe o cora o!

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    palavras n o eram ditas, homem porta a bater.- - tu que tens, Filomena, que est s tu a empalecer?!

    18ao som dos alforges, taludos como os das vacas s bias, machos todos lir s com suas cornachas de cores, corria a gente aos terrados. l vinham eles, faixa cinta onde guardavam faca e bolsa, chapeir o bragu s para a nuca, cal a boca de sino sobre sapato de tromba erguida. alguns usavam su as, assim de chapa como o musgo

    preto nos penhascos, mas os mais traziam os queixos todos rapados, ao estilo demec nicos.

    - tio gaud ncio, viva! deite vinho' acomode essas bestas' - e rompia ali uma inferneira, vozes ac , rinchos al m, trabucada de tamancos sobe, desce e gira.

    cust dia gaud ncia punha a forjicar um peda orro de marr , se havia defunto no chambaril. de contr rio, imolava um reixedo e toca para a ca oila com bom azeite dotedo, cebola, batata turca, grossa como cabe as de doutores. ao cheiro dos petiscos acudiam os afilhados para a varredura dos cr sc mos, n o faltavam os gulosose os necessitados, esses s novenas, e, rilha que rilha, era como nos dias fartos

    de segada.

    s vezes vinha um nev o e ali quedavam os almocreves, bem agasalhados, comendo e bebendo tripa-forra, com torgo rijo na lareira e mo as que era um regalo de ver e palpar. os mais sisudos sacavam do baralho e turravam bisca o ser o inteiro; os chibantes armavam-se das castanholas e da pandereta e batiam um fandango queat do mais fundinho do povo as raparigas vinham ver. um arraiano - sucedia muitas vezes -puxava duma dan a e cantiga moda de castela, e eram saracotes que nem cachorro a sacudir-se de um banho na ribeira. as mo as mais correntonas fraguavam com eles, e o entremez via apontar as tr s marias no c u.

    deste modo corria o oiro para as gavetas do gaud ncio; e, porque era amigo de bem

    servir e nada onzeneiro nas contas, quem ca sse uma vez na sua estalagem n o demandavaoutra. desta sorte enriqueceu, e n o como se

    19reza de hospedeiros que v o cravar de noite o cora o do marchante erili ado no sono e t o bem lhe fazem desaparecer o cad ver debaixo da terra muda que s tarde quando a locanda varia de dono, ao cavarem por acaso no quintal, se descobre ohomic dio. jos Gaud ncio era a honra em pessoa. desfeitas nunca as fez e s as recebeu da filha, a rosalina, se deixar lograr pelas sete falinhas doces num recoveiro, cantarino e p leve, quedevia na pousada de comes e bebes ao redor de cinco libras. assim lhe pagou omaninelo, cobrindo-lhe a mo a, por amor de quem arrifavam na serra os morgados de

    maisteres. muita gente se benzeu, rapariga t o mimosa edesenxovalhada, de boa fam lia, escorregar com um frangalhoteiro das d zias. berimbau, isto de f meas, na mar do carvoeiro, nem fechadas numa torre est o seguras.e mais a rosalina, de olhos pestanudos e t o mexidos, que a cada mirada, pareciam negacear a castidade de um santo'

    foi uma vergonha a naquela casa; o gaud ncio perdoou, mas, passante de ano, n o lhe conheceu o corpo camisa lavada para festa ou romaria. todo esmado, ca do dascadeiras e dando a salva o de olhos baixos, nem que andasse busca dos c vados

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    de terra que o haviam de tragar. tudo tem fim um dia, e tal aprouve maluqueirada sua desonra. daquela sorte passassem os trabalhos de rosalina que, j de menino aos peitos quando o pai andava em inculcas para ca ar o mequetrefe e induzi-loa receb -la, morria com um febr o que n o houve barbeiro nem benta que atalhar-lhe soubessem. foi este um passo que deu grande brado por aquela rea de terras.

    pessoa de bons neg cios e melhores contas, ali n o havia que deitar fora. em abono contavam os velhos que houvera uma manh grande peguilho na venda do gaud ncio

    por via duns dinheiros que certo almocreve achou

    20a menos hora de largar. estava-se, por modos, emtempo de carnaval, e haviam pernoitado na estalagem tr s almocreves com seus machos. na v spera, as raparigas tinham-se vestido de madamas com as melhores saiasde f lhos, brunidas ao ferro, os seus len os de l rala ou de seda pelos olhos para n o se darem a conhecer, e, ameio dos chichisb us enfarruscados nos paranhos do forno ou com cara as de sola ou de t bua, t o disformes que at os meninos rinchavam de medo, foram dar volta aos ser es. na cola seguia o descante, que isto de sarambeque sem zanguizarra como casamento sem bebedeira. p ndega, mais p ndega, deitaram at taverna do

    gaud ncio,onde os almocreves, para matar o tempo, jogavam o chincalh o. em alaban a deles, o faria coiteiro tangeu-lhes na viola o vira minhoto, um cantador jogou-lhes umasa de e a se mete na rusga o z da birra, assim se chamava o almocreve, nanja que o merecesse, pois era homem para n o perder de todo as estribeiras, mas porqueherdara a alcunha de gera o. pois a se mete o z da birra na borga, deitando cantigas, sapateando o saricot melhor que o mafarrico. e venha vinho, v de trigo

    e palaio, sa ram dali todos, j a noite tinha dobrado, manatas, madamas e almocreves, a espinotear a ribaldeira num p s .

    manh cedo, estava o vendeiro na quint a apertar os arcos duma pipa para mandar ao vinho, rompeu de dentro o z da birra, com o colete na m o, cara de quem

    perderaa sua sina:

    - tio gaud ncio, estou roubado'- hem?- est mouco?! ... roubaram-me a bolsa com trinta pe as' - e, alteando a voz, ali fez alardo da ladro ce.

    eram trinta pe as, oiro de lei, que lhe tinham furtado com a bolsa durante a noite. antes de se deitar, ocorrera-lhe verificar se n o teria dado alguma, na dan a,por

    21doze vint ns em prata. a conta estava ao justo... trinta pe as, trinta dobras, amarelinhas como o sol. mas estava-se ninando, fora na estalagem do tio gaud ncio,

    ele que tinha de as prantar para ali com l ngua de palmo.

    o gaud ncio ficou diante do almocreve, branco comoa neve, muito direito, que era homem bem parecido, s belo alto.

    - entre vossemec aqui para a venda - disse-lhe ele e n o grite. quem passar n o julgue que fui eu que o roubei.

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    - n o sei quem foi... quero para aqui o meu dinheir&

    os outros almocreves, entrementes, tinham saltado das tarimbas e acudido berrara. o sol ainda n o era nado. ouvia-se para o fundo do povo o chiadoiro alanceadodum b coro na matan a. as vacas, jungidas para a jornada, retra avam a erva solta no ch o, alagando a

    manh com o tinir das campainhas. acabara de tanger o sino do orago e dava gana de ir santa missa, com o ar l dentro morno do bafejo de meio povo, os santos, as velas e o latim incompreens vel a falarem do deus que n o tem princ pio nem termo, reparte a vida e morte, nanja de pegar logo de madrugada em despique econsumi es.

    - quero para aqui o meu rico dinheiro' - clamava o birra, cuidando com o assanhop r os companheiros sua banda. - isto quanto mais santan rios, mais ladros.

    - est certo que se deitou com a bolsa? - perguntou-lhe o gaud ncio, que era homem de palavras poucas, mas acertadas.

    - ora' como do sol que nos alumia.

    - n o a ter perdido, ou n o lha ter o pilhado ontem no adjunto?....

    - e ele a dar-lhe' - redarguiu o birra, largando um estalo com a l ngua. - se lhe estou a dizer que contei as

    22minhas trinta pe as ao deitar. ou julga voc que f bula? Ramalho, dize l , tinha ou n o tinha ontem trinta pe as comigo? n o mas viste contar pelo caminho? falaa verdade...

    - vi; tinhas na bolsa trinta pe as, conta redonda.- que digo eu, tio gaud ncio?

    - de modo que fui eu ou gente de minha casa quem lhas roubou?- se n o foi gente da sua casa, foi um zango, foi ovargas, foi o diabo, quero l saber' deito-me na camaque voc me aluga, comigo n o fica ningu m, acordo roubado, quem h -de ustir? - e o birra, forte de suas raz es, passeava em volta um olhar de emb fia.

    - ou a vossemec - proferiu jos Gaud ncio h trinta anos ponho ramo, h vinte e tantos abri estalagem, a primeira que tal me sucede. credo@ eu e a patroa fomo-nosdeitar ao direitinho, depois de trancar as portas da loja. est a o sr. engr cio, que foi connosco e dormiu na casa de cima mesmo boqueira do nosso quarto, n o me deixa mentir. o sr. ramalho, tamb m n o estava longe, pode dizer se nos sentiu...

    o engr cio, testemunhando, certificou que nem o tio gaud ncio nem a tia cust dia haviam arredado p do quarto, toda aquela noite. podia jur -lo pela luz de seus olhos, que tinha o sono leve'

    - o rapaz - tornou gaud ncio - esse arra ado, mas est para o moinho, desde ontem ao p r-do-sol, a moer uma fanega. nem ele sabe que vossemec s c est o. seriamas raparigas? ver vamos. muito cabras seriam elas para, dormindo nas traseiras dopalhal, andarem de noite de alevante, sem dar senha na casa. nos mo os n o se fala,

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    moram fora de muros. se c estivesseo meu chico, o meu estudante, n o punha as m os por ele, porque, al m de gastador e estroina, crian a. est longe. n o sei... custa-me a crer que alguma das rapa-

    23rigas sa sse ratoneira... averigua-se. tem vinte e tr s anos a do primeiro ventre, dezassete a cadeta, ainda lhes n o descobri tal balda. mas, enfim, em pouco matose esconde um lobo... ou como diz o outro: conta de ciganos, todos n s furtamos.

    as falas cordatas de gaud ncio tinham chamado o birra raz o. por tr s dele, encolhendo os ombros, com viso de incr dulos, os dois almocreves cochichavam.

    - cust dia - gritou ele para a mulher -, diz s raparigas que venham c . o navainho tamb m.

    o navainho era o neto, que herdara, como intruso na fam lia, o t tulo de berra do pai recoveiro. muito espigado para os nove anos, dormia com rosa, a me das tr s filhas, e andava nos mandaletes da casa a toque de caixa.

    apresentaram-se as mo as mai-lo galeguito: lu sa, a morgada, vassoiruda, de largos encontros e corada como camoesa; rosa, faceira e morena; rira, pequenina e muito

    composta de sua pessoa. tiravam-se casta, olhando bem para a pinta do rosto, que em estatura n o pareciam irm s.

    - raparigas - disse o pai, de olhos a fuzilar queixa-se o tio jos Birra que lhe furtaram trinta pe as. ficou sozinho na casa nova, as portas da quint estavam trancadas,o augusto foi moer o p o, uma de v s foi. prantai para a o dinheiro ou vou buscar uma soga e ponho-vos as costas a escorrer sangue.

    em alta grita protestaram as tr s que o dinheiro servisse de lume a quem o tinha, e sequinhas como as argalhas do monte fossem as m os do gatuno, o pai, n o se fiandoem juras, sujeitou-as ali a perguntas que nem um doutor de leis. ainda que n o

    soubesse cortar letra redonda e assinasse de cruz, era homem de muito entendimento

    e n o dava o bra o a torcer ao primeiro sarrafa al. seitosa tinha nele o seu juiz para coimas, desmandos

    24de boca, e d vidas de marca o nas leiras. era um dos quarenta maiores da comarca.

    lu sa respondeu de olhar firme, sem titubear; o tomde sua voz, entre brando e severo, de r que nem tenta aplacar pela suavidade nem impor-se pelo protesto, convenceu a todos. e, negando sacudidamente, n o soltououtro remoque que "deixassem-na ir cuidar da vianda dos recos que grunhiamdesatinados".

    j Rosa se exaltou com a aleivosia, deitando palpites sobre o roubo e chorando como uma madalena. o pai tenazava sempre, e foi preciso que o engr cio erguesse avoz, escandalizado:

    - homem, deixe l a mo a' at me d febre ver atormentar uma inocente!

    muito cordata, rita disse que a olhassem dos p s cabe a se n o criam nas suas juras; nunca roubara nada a ningu m, n o tinha nem esperava vir a ter manhas t o ruins. o pai conhecia-lhe o nimo timorato e bondoso, ecerto estava de que n o era ela que daria um passo de noite, sozinha. largou-a. e,

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    pela mansid o, pela ira, epelo falar despachado, se sa ram as tr s escusadas no roubo.

    o engr cio dava trombadas com a cabe a, acusando o birra de pouco tino, pois s um desle xad o daqueles se metia a bater o samba, a mata-cavalo, com uma quantia daquelas na faixa. nada maisf cil a bolsa pular e cair nos mandamentos dum gerifalte que se calou bem calado.o matuto que foi n o perdera a noitada.

    choroso, vencido por aqueles murm rios, o birra jurava e trejurava que tinha contado as pe as ao deitar.

    - contaste mas foi os andanhos da casa com a cabe a' - chasqueou o parceiro. - estavas com uma cardina que nem te lambias.

    as mulheres tinham partido lide, ficara s o naval-

    25nho muito admirado, no meio da venda, ao ver umhomem chorar.

    menino - perguntou o av ---, tu viste a bolsa deste tio? dize l ... se falares a verdade toda, hei-de comprar-te uma carapu a nova de alvite.

    - eu n o vi, n o senhor. - viste, viste' tens medo que tuas tias te v o ao p lo?! dize o que sabes, que ningu m te toca com um dedo molhado.

    - soubesse eu...- n o notaste a modos dum p de pe ga de riscas ao travesso, nas m os da tia rosa?

    - n o, senhor.- e nas da tia lu sa?

    - tamb m n o, senhor. - e n o deste f de nenhuma se alevantar? - l isso, a modos que a tia rosa se alevantou. mas n o sei bem... estava com muito sono.

    depois de muito malhar com perguntas sobre perguntas, o gaud ncio chamou outra vez rosa.

    - rosa - disse-lhe ele, ao entrar da soleira levantaste-te esta noite?

    a rapariga deitou um olhar ao aparato todo e respondeu:

    - levantei, senhor pai.- a qu ?

    - a verter guas.o pai cresceu para ela:- ah coira, s tu que tens o dinheiro'- eu? eu? podem-me revistar.o pai apalpou-a toda, viraram-lhe depois a cama e ostrastes com o debaixo para riba, perscrutaram os buracos. nada se descobriu. dejoelhos contra o poial da janela, a solu ar, rosa votava a todas as pragas destemundo e do outro a alma excomungada que bifara as

    26pe as, conjurando o padre santo ant nio - que tinha livrado o pai da forca - a que

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    ali lhe pusesse a careca mostra para sossego da sua inoc ncia.

    desandaram todos dali, e o jos Gaud ncio disse para o almocreve:

    - minhas filhas, senhor birra, n o o roubaram; juro-lho pela salva o da minha alma. quem poderia ser? seus companheiros n o, que s o pessoas de cha o e dormiram

    debaixo do mesmo tecto que n s... pastores e

    mo os de vacas ficam no cabanal, para l do caminho. n o sei...

    a uma voz, os dois almocreves afian avam que a bolsa lhe fora roubada no baile e que, ao deitar, borracho tombado, n o tivera tremenhos para verificar o que trazia.n o fosse mamposteiro... que montava...

    - tudo se h -de remediar - disse-lhe o gaud ncio. - mas seja franco por uma vez. quando se deitou fez reparo na bolsa? ora seja franco...

    espica ado dum lado e do outro, depois de negas eprotestos, o birra acabou por confessar ser aquele ponto inven o sua, na ideia de que melhor se descobriria o ratoneiro. mas ao tanger das ave-marias, ainda a

    tiverana m o.

    - tirou-me voc , seu birra, um grande peso de cima do peito - exclamou o gaud ncio, soprando com desafogo. - trabalhava-me ainda c no ju zo essa das suas pe ascontadas ao deitar da cama. as raparigas n o lhe cobi aram o haver, n o... levaram-lho ontem napatuscada. 0h1 de consumi o sirva a quem lho tem, que vossemece ganhou-o com o suor honrado do seu rosto. mas n o se aflija... eu abono-lhe o dinheiro que for mister.

    e, v de oferecimentos, v de bem-hajas, mandou o gaud ncio buscar dez libras pela

    patroa, que era de quanto o birra precisava para aguentar o neg cio. ela,

    27de seu natural avessa ao g nio prestadio do homem, rompeu em ralhos e destemperos - ratos lhe partissem o ju zo, era um m os-rotas e havia de derreter a casinha, pobre dela sempre uma surrona, embrulhada em serguilha e tomentos para o poupar,tristes dos filhos que teriam de pegar num bord o e ir pelas portas. e ferroadadaqui, mais ferroada dal m, o gaud ncio arrancou de uma tigela e mandou-lha tola. n o a acertou, masserviu-lhe de escarmento, pois rodou sem mais remoque para breve volver com as dezlibras, que uma a uma, de semblante nojoso mas submisso, foi batendo na pedra,em f de que n o atrai oavam dono.

    - a tem, seu birra - disse-lhe o estalajadeiro vossemec homem honrado e conhecido velho. quando se desforrar do preju zo, mas tornar . agora, se a sorte lhefor contr ria, reze-me por alma quando eu morrer.n o se h -de dizer que, aboletado em minha casa, um homem ficou na pen ria. c fico de olho sobre as suas trinta pe as, que uma hora, por malas-artes, se n o d a matar o gatuno. mas quem lha pregou, tem ast cia. que a maldi o do senhor acompanhe esse oiro at se desfazerem cinzas'

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    e beberam sossega em homens de bem, reconciliados.

    o birra meteu-se a contrabandista e, recuperando breve o perdido, pagou ao seubenfeitor. as pe as roubadas calaram-se bem caladas. no povo ningu m ergueu telhadoou adquiriu leira; mo a alguma estreou cord o que surpresa fosse. nem por ind cios ou pensamento se ouviram tilintar as malditas. e l levaram para a terra da verdade

    a jos Francisco gaud ncio, seguro de que o oiro negregado n o queimaria as m os de gente sua.

    com os casamentos na terra e fora da terra, partilhas, vendas e trocas, a grandecasa que deixou fundiu-se, a pontos de n o se fazer uma ideia do vulto que punha.o

    28augusto casara em seg es, lugar chegante a seitosa, elu sa recebeu-se, ainda esse ano, com lavrador muito adrega, e a poder de labuta come ou a governar boa casa. rosinha, andava o ch co br s, cavalaria eni viseu, a namorar a cadeta, deitou os preg es com o lib nio, ao tornar este de manaus depois de sete anos de ro a, boa pedra na gravata, boa cadela de oiro com um

    borregode grilh o, e punhos posti os que ao fazer um cumprimento se escapuliam do palet , os excomungados.

    o lib nio era o zangarelho dum homem no dobrar dos trinta, rosto marcado das febres, o arcaboi o rendido para dentro for a de ceifar capim. trouxera um papagaiom l gua e, nas tardes calmosas, vinha, meio doutor, ao cavaco para debaixo da latada do sr. p.' francisco. puxando cigarro ap s cigarro, sentado na borda do tanque

    fresquinha, tratava a ama do padre por don.ana, o que lhe valeu o tr plice conceito de cidad o bem educado, homem do mundo, e cavalheiro s direitas.

    foi don.ana que lhe aplanou o caminho para o matrim nio, empurrando a rosa, doida varrida por fran as.

    - casa com o brasileiro. este ao menos pessoa de peso, sabe onde tem a cabe a, cant s meliantes e amor louco, eu por ti, e tu por outro...

    - dizem que o lib nio vem h ctico. . - gora; aquilo dos ares das outras bandas, que s o bravos, e pintam o rosto como lagarto. o que te digo: s os como os nossos, n o h por esses mundos de cristo.

    o senhor padre n o abria os bei os, t o ausente da fam lia como se ela n o existisse ou morasse no cabo do mundo. debalde rosa esperava um sinal. j o n o

    dera alu sa, como alheio se mostrou quando o descante do chico br s vinha para a quint dos gaud ncios endoidar-lhe a irm mais nova com chulas e desgarradas. o

    29seu fito era ter muitos gerais e serm es a escardu ar, e lebres a romper-lhe pelas ch s a bom ponto de mira.

    tinha j , para embelecos, um filho em casa que caminhava de burrinhas, e um outro a criar na ama de vila-cova-a-coelheira. dizia-se que n o era boa fazenda e quefizera das suas na freguesia que paroquiara antes de colar-se naquela onde estava

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    e lhe fora ber o.

    rosa, que devia andar pelos vinte e seis anos, estragara bons casamentos. al m de se n o saber haver com o morgado de forles, que passava por possuir uma rasa delibras, desdenhara do narciso espadag o, que lhe queria de morte. pestinheira como poucas, n o prometia domar lide da lavoira o corpo afidalgado na taverna a medir

    quartilhos, e da , em especial, vinha detrimento ao seu arrumo. e j o seu p era

    menos alceiro para romarias e brequefestas e o seu amanho mais descuidado.

    - tempo, casa-te.- dizia-lhe ana, quando o lib nio a andava a cometer. - est s a ficar pesada...

    depois de muito cisma, de muitos conselhos e consultas, rosa recebeu lib nio no dia mesmo de nossa senhora das candeias, fazia quatro invernos estava o pai nocel rio.e grande cabe ada foi, pois a leg tima do noivo n o era de arregalar olho, os acr scimos vindos da ro a chilros, sendo para mais um fumador danado que, para mataro v cio, se lhe faltasse tabaco, at barbas de milho fumava, enroladas num migalho de jornal.

    em poucos anos o casal estava carregado de filhos epara mant -los e manter-se tinham que fossar muito noch o, que a mamadeira da venda acabara, ainda o corpo do gaud ncio n o estaria consumido pela terra. a vi va tentara ainda aguentar-se de loireiro porta. mas ostempos eram outros. os almocreves tomavam j as estradas reais que o governo mandara abrir - diziam os mais antigos - por n o ter onde enterrar o dinheiro. e t obastos foram da gente de termo os calotes e dos filhos

    30os palman os que, ao cabo de ano, n o havia na gaveta com que tirar a ind stria. e

    a se p e a vi va gamela dos filhos, n o parando em casa de nenhum, que noras e genros s o sempre de m ra a e o g nio dela era, em boa verdade, quezilento e marralheiro. e o mesmo lhe assucedeu com o seu francisco. tanto a aguilhoaram osoutros em como o cigano do padre queria ripar-lhes a heran a, nduzindo-a a uma escritura de doa o, que, dando os bens em partilha a troco dumas medidas de centeioe meia d zia de rasas de batatas, meteu-se numa cardenha e a terminou os dias mofina e abandonada.

    o lib nio, pegarna o como era, ia mesmo assim tenteando a casa, sem pedir a juros nem vender horta. os rapazes, que eram tr s e faziam uma escaleira de ano para ano, amargavam j o comer e, gra as rapariguita

    que calhara muito girota, florinda, a m e podia ficar odia todo ao tear, batendo as apeanhas. o primeiro nado, ja ime, aos treze anos,decruava a terra e esquentava o forno. o chegante a este, jo o, que fora pouco mimoso da gra a de deus. quando veio ao mundo, redondocomo as panelas de vale de ladr es, vestido de velo de rato, benzeram-se. o crian o papeava como se estivesse a dar a alminha ao criador. chamaram pressa a zabana,benzedeira, para o baptizar.

    - anjo bento' anjo bento@ - exclamou ela. - isto n o gente, um olharapo.

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    despejaram-lhe uma malga de gua no touti o em nome do padre, do filho e do esp rito santo, a m e encostou-o ao seio, e logo ele rompeu a mamar, s turras e mais s frego que um bezerro. vingou. mas desde pequeno

    que as bruxas se encanzinaram contra ele, passeando-o em bolandas por riba dasarcas e do monte das batatas como a uma bola e chupando-o. bem as esconjurava apobrezinha;era fazer figas ao vento. uma noite foi-se deitar com o menino nos bra os, armada

    dos

    31santos escapul rios. confiada no divino amparo, lan ou um desafio s feiticeiras invis veis:

    - vinde, vinde c , frangas do tinhoso' na manh seguinte topou o seu anjinho no telhado contava ela - a chuchar no cabo duma vassoira.

    sem embargo de tombos e pirra as da bruxaria, o menino deitou avante. cresceu. ao tempo da muda era um mamarracho de venta espalmada e grande guedelha, que atra ao olhar s pessoas, quer quisessem quer n o.

    cabe a enorme e reboluda em que mal se via o narizchato, olhos zarcos, a boca muito grande e sem l bios como sarja em bexiga, ventre de afogado, pernas de anainho, m os mais compridas que as pernas, era o gato-sapatodo lugar, que, pela ordem do esferoidal, lhe chamava o jo o bispo. "jo o bispo, diz a missal jo o bispo, olha uma boa f rnea para esfregares os untos." as valas choviam sobre ele, quando aos domingos sa a a terreiro ou, de gorra com a rusga, arriscava p na venda. bem retrucava:

    - v chamar bispo raiz da curta que o pariu@ - os desagravos de tal boca n o faziam mossa e mais aguerrida se tornava a surriada.

    tamb m era um telgueiro, um papa-la-assorda, capaz de imolar uma panela de feij es

    de seis tigelas, se lha prantassem frente.

    - aquilo tem bicho ruim que coma por ele' - dizia a m e.

    os irm os empurravam-no para fora das mantas mesmo que fizesse tar , e batiam nele como em c o malhadi o. para pouco mais servia que tanger as badanas pelo monte e deitar a gua s ervas de lima.

    o ant nio era um caguinchas de magreira e, com um ros rio de dentes de alho ao pesco o por ser atreito s bichas e serem de regra na fam lia os maus olhados, carretavalenha para o lume e era um moleque dos

    32primos, os filhos do padre, que com a direita lhe davam p o, com a esquerda pau.

    n o tinham fome os lib nios, mas n o se conhecia dia santo em sua casa. o rol do sarrico, em cigarros, sorvia-lhes as medidas de trigo e pain o que malhavam cadaano e poderiam dispensar. bem barafustava rosa:

    - homem, fuma de engorra! ele passaria sem o caldo, sem a c dea, sem o vinho, mas sem o cigarro t ru a. tornava-se uma fera o grande molanc o' debalde se carpia a mulher que os filhos andavam descal os e rotos, t o emormados do frio que s tinham ranho. era bradar num oiteiro@ e se queria pagar nas tendas, safava o seu

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    alqueireda arca, pela calada. quem dera os tempos do pai gaud ncio, com ricas saias de castorina, chanquinhas de viseu, barba n dia de fartura e o cabelo sempre alisado'

    quem dera'

    um dia rompeu o primo lu s alonso, do brasil, fanfando de rico, e o lib nio, estimulado, falou de embarcar outra vez a cometer a sorte.

    - um chilandr o com a canseira que tu tens ir ao brasil' - exclamou a mulher. - que granjeaste em sete anos que por l correste sirga? fome e doen as. deixa o brasil para os filhos, quando sejam capazes...

    - ando farto de moirejar e as melhorias s o poucas.- e eu, meu rico? d gra as a deus que n o temos nada empenhado e, se devemos, esses cigarros que o lume do inf rno consuma.

    mas, quando deus ou o diabo quer e a cabe a n o regula, pouco vale teimar. tinha a ideia entranhada, de nada serviu a mulher pintar-lhe o espantalho da morte coma casinha esfrangalhada no invent rio pelos c es da justi a, e os perdigotos dos filhos aos deus-dar .

    - um homem para o mundo' - alanzoava. e l partiu. abonou o ant nio rola a passagem e passaporte, vinte e quatro libras a dez por cento, sobre

    33letra. era a morte a cham -lo. mal pegou uns dias do gadanho na sapucaia, ataram-lhe os p s. os patr cios tiveram que se fintar para o enterrar em terra santa.

    coitada de rosa, nunca o falar dela fora mais certo! oficial de dilig ncias sobe e desce, louvados para aqui e para ali, mais juiz, mais papel, mais selos, foi-sea melhor fazenda da casa. os patifes da justi a tinham fome, ferraram o dente envenenado.

    - s o como os corvos - choramingava ela -, v m ao cheiro do cad ver'

    - arre-diabo, rosa, arre-diabo' - retrauteava ocunhado br s. - a morte do homem arrasou-te'

    chamada a contas, vendia a vi va o cerrado, mimosinho de tudo, em que pulava cebola cabonde, uma s , a estrugir o quarto dum carneiro, e a nogueirinha tempor davanozes de cada apanha para derrear uma jerica.

    j o ant nio rola, em v speras de a letra vencer, lhe batera porta:

    - rosa - disse ele -, pagas ou protesto?

    - pago, mas d -me uma semana de espera. por alma das suas obriga es, tio ant nio.

    - at domingo' a lei... - mas olhe, reforme-me a letra...- n o; quem queira dinheiro n o falta. assim o d Deus.

    - eu pago-lhe com.os mais.- a dez; ainda hoje me pediram uma boa maquia a doze. as vinte e quatro libras v o para l .

    - n o sei como h -de ser do p para a m o.

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    - n o sabias que findava o prazo? j te disse, eu

    fico-te com o cerrado da nogueira elha por elha; e n o vais mal...

    - n o queira o sangue dos pobres, tio ant nio. o linhar vale quarenta libras a olhos fechados, que o dizia meu defunto marido.

    34 aquilino ribeiro

    - pois vai vend -lo... vai vend -lo... se te derem mais, melhor. olha, ou pagas at segunda-feira de manh ou protesto. tem paci ncia, l te arranja.

    e despediu o alma danada daquele onzeneiro, com um gabinardo de golas altas pelosombros, de olhos sempre no ch o a contar os cobres e a estudar o modo de passaro bara o, por esse mundo fora, a orr ozinhos e vi vas. mil raios o partissem mais cobi a que tinha ao seu rico linharl

    rosa tinha diante tr s dias e tr s noites e tanto malucou, tanto malucou, que nem apetite teve de se deitar. na noite de sexta para s bado, o jaime ouviu-ana cozinha falar alto e tilintar dinheiro, e, levantando-se da cama, foi ver. masas t buas rangeram, e s viu a m e com o avental arrega ado contra o peito, as m os sobre ele em cruz, salamurda.

    - vossemec est a-contar as libras' - disse o filho, com ar fin rio.

    estou a contar as vergonhas que tenho a passar at arranjar o dinheiro.

    - ouvi chocalhar...- ouviste chocalhar as tenazes... que havia de ser?'o rapaz volveu cama, teimando em supor que a m e fora desenterrar dinheiro para remir a letra. mas qu ?' no dia seguinte, em sua presen a, dava parte ao sarrico que tinha o cerrado a vender, se n o sabia de algu m capaz de lhe pegar pelo justo.

    - os tempos v o ruins para compras - respondeu

    o taverneiro. - depois que o fidalgo de cela vendeu ocasal, fundiu-se toda a dinheirama do rio. mas passa-se palavra...

    - pois grande favor que me faz. tardinha volveu ela com esculcas. - n o vejo quem se tente - disse ele. - meu

    35cunhado afonso comprava-o, mas baratucho. .. vinte libras...

    - at parece esc rni& mais d o rola. - pois entrega-lho. h -de ser dificil topar quem cubra o lan o.

    - nem que os bens todos me fossem pra a@

    - l sabes... noite, ) os gados tangiam nas lojas a sacudir o piolho, tirou-se de seu mole e meteu-se a aris a tomar conselho com o chico br s e a irm , que venderaa leg tima a uma banda para comprar outra.

    - rosa - disse-lhe ele -, o linhar n o vale vinte e cinco libras, vale quarenta sem regateio. era dos melhores cibos da casa. por esse pre o n o vendas, que nem deus re perdoa... bem sei, est s com o bara o ao pesco o. e o dianho... o dianho.... e, olha l , porque n o vais ter com o padre?... irm o, n o faz favor nenhumem te valer... e esse tem dinheiro, ganha-o a cantar. c por minha banda vou

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    ver... talvez ali o senhor tobias nos possa arremediar... ou o javardo. antes demaisnada, vai ao padre.

    assim fez ela.- o rola ofereceu-te vinte e cinco libras? - disse ele. - quer-te roubar. maiscustou o migalho a meu pai...

    - um rica o, sem alma, a quem deus n o h -de querer no c u, nem o diabo no inferno' - exclamou, com voz tr mula de dor, a senhora ana, que viera ouvir.

    - tivesse eu abonos - tornou o padre - e estavas servida. a freguesia n o rende, os trabalhadores absorvem em sal rios, comes e bebes, o montante dos g neros. m hora em que tentei nesta igreja'

    e o padre francisco p s-se a passear pela sala, soprando grandes fuma as do cigarro.

    - dinheiro de portas a dentro... nem papel, nem

    36

    cobre' apoiava a ama, numa mesura de muita l stima. at ainda se deve a sementeira ao lavrador.

    - e nem tenho a quem o pedir - tornou o padre. -porque n o vais ao jo o catrino, que tem sempre quantia devoluta para mercas e trocas?

    saiu dali, com o cora o trespassado, a ter com ocatrino, troquilha e cigano de feiras.

    - minha amiga - declarou-lhe este -, as terras que possuo sobram ) para o meu governo. desse-me deus filhos e teria a ambi o de comprar; assim n o- o tio rola ofereceu-te vinte e cinco libras, pega-lhe na

    palavra, mulher! o dinheiro anda caro.

    parecia que estavam apostados uns com os outros para esbulh -lha do seu rico bocadinho.

    - anda l , filho - disse ela para o jaime, que a acompanhara nas voltas. - h mais ladr es nesta terra que pelas estradas. . cearam essa noite, muito tristes, caldode ber as comp o de rala. os filhos foram deita e ela quedou ao borralho, entanguida de frio, a fiar. o inverno zurrava nos pinhais que parecia uma estropeada de mil dem niosa caminho do inferno. a sineta, com os sacol es do vento, toava diam... diam e mais diam a um enterro que n o tem fim. sobre as telhas ia grande estreloi ada, chuva,

    vento, como se andassem por riba delas rebanhos de cabras, ou feiticeiras jogassempara l com areias s m os fartas, para tormentina das almas... ia um dezembro muito rijo e custava j a passar nas pontes.

    sem poder pregar olho com o barulho do so o, novamente o rapaz ouviu a m e falar em voz alta, contando uma, duas, tr s, at para riba de vinte. e sentiu tinir dinheiro.

    - minha m e anda a mangar com a tropa. tem dinheiro aferrolhado e fala em vender os bens. cem c es a mordam' - malucou ele.

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    37domingo, ao depois de missa, que tinha ali capelania, binando por cento e vintemedidas de centeio, o sr. padre francisco, chegou-se ela multo ronceira para avenda,onde os homens entravam formiga a tomar o mata-bicho.

    - ent o, rosa, j decidiste? - perguntou-lhe o vendeiro.

    - ainda n o decidi. querem-no dado.- minha amiga, tens de te compor. velo o linhar a despique e ningu m se mostrou esparvadi o a comprar. pelo contr rio, o afonso, cunhado do vendeiro, prantou-se para ali a chorar a careza da vida, eo ror de tributos que consumiam o melhor sangue da lavoura. estava-se numa poca em que empregar dinheiro em fazendas era o mesmo que deit -lo pela gua abaixo. m hora para quem compra como para quem vende... e tanto amolou o ladr o, que o jos Narciso, embora tido por cabe a no ar, largou este remoque:

    - tamb m desfazer' tia rosa, tivesse eu quarenta libras, que lhas dava j pelo migalho.

    mas o catrino, tio da rapariga que ele andava a

    rentar, piscou-lhe o olho, que o jaime percebeu, e fez viravolta:

    - verdade, que tudo depende da ocasi o. agora selho pagarem por metade o muito.

    jaime, vendo o rumo que o neg cio seguia, esgueirou-se, deixando ali a m e, e foi passar uma busca a casa. n o lhe sa a da cabe a que a m e tinha dinheiro assolapado.se o pilhasse, havia de lho meter pelos olhos napresen a do povo todo, para escarmento da mesquinha, pois vender o linharzinho por uma tuta-e-meia era t o grande perdi o que at o av Gaud ncio se levantaria do outro mundo a protestar.

    feito com florinda, mexeu e remexeu na cozinha, nas ca oilas entupidas de fuligem, no cani o, debaixo da

    38pilheira, por todos os cantos e recantos. foram ainda ao tear, s arcas, cama dela, debaixo das t buas que ladravam. - dinheiro? de grilo. e quando jaime voltou

    venda, a m e, de ramela nos olhos, toda babosal bebia ao alvaroque com o rola e a s cia safada.

    - ent o por quanto?- vinte e seis libras. n o foi dado nem vendido.- diabos a levem, foi roubado.

    - que vem para aqui o pendente meter o bico? exclamou o rola.

    jaime foi esconder-se na loja da vacas, a chorar. a noite veio o tio chico br s dar conta de suas v s passadas e, fogueira, contou ter ouvido na venda do clementinoque, para a compra do pr dio, o rola se entendera com o sarrico e mais vigairada. por modos, o rola tinha-os a todos filados pelo gasnete, mas uns ladr es assimeram capazes de tirar os ovos milheira e ela no choco'

    em voz alta, jaime declarou que sua m e era uma grandess ssima coruja que tinha dinheiro enterrado e preferia beber o sangue dos filhos.

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    a m e arrancou dum tamanco e fez-lhe uma brecha na cabe a.

    ii

    estava porta a senhora de agosto, e a velha sem malhar as cinquenta pousadas que pela roda do ano fora amanhando, sabe deus com que canseiras. o ant nio casaraem lamosa; o jaime tinha desertado para a sapucaia; restava o caga al do bispo, a

    quem em parte alguma requeriam para malhador a troco de malhador. as trovoadascome avam a gerecer-se para os altos da serra numas carantonhas de nuvens que, volta da lua nova, com o mais leve p -de-vento, estavam deitadas ao termo a descoser-seem borrasqueiros.

    de olho invejoso, rosa seguia o malhio pelas lajas, onde, uma a uma, as medasaltas e rombudas se tornavam em palheiros redondos e encoruchados, como pi es fant sticosde ferr o para o ar.

    manh cedo, mal o sol, bravio que nem enxame de abelhas alvori ado, pulava detr s dos montes, goela forte bradava do alto pin culo da meda: eira-aaa-aa-a! aquilo

    ouvia-se em grande raio pelo povo e suas abas, como os sinos de toledo. e logo decada canto rompiam os malhadores, l pidos e pontuais como quem acode a um toquede guerra. cal a branca de estopa, para gargantilha um len o de mulher, esfraldado sobre os ombros por mor de paraganas, sol e moscas, irm os danados a ferrar, agrenha das pomas a espirrar dos bofes da camisa, uns ap s outros, enchiam os caminhos dormentes que levam s eiras. todos descal os - que nem

    40carne de ferrabr s aturava p s cal ados de sol a sol, na trabuzana - apenas se ouviam suas vozes marulhar speras na corrente remansosa da madrugada.

    a serra da estrela, a dez l guas pelo redondo ' acercava-se no ar transl cido, punha-se de atalaia mesmo l em riba, a menos do galope dum cavalo, por detr s do

    morro de seg es. de l vinha a neve de cantaril e o vento que corta, mas, se tamanha e mais s lida que muralha de bronze a ergueu ali nosso senhor, para algum beneficiofo i... talvez para n o deixar esbarrondar para campos de espanha, assim como um monte de trigo, as terrinhas altas da beira... ou para que estrela, correndo cegapelo c u, mal.hora as n o escaqueirasse como a p caras de barro. sabe-se l !... descobrindo-se com o nascer do sol, da roxid o dos l rios roxos macerados, ao pertoque se afigurava, chegava a gente a crer que se divisaria, batendo suas devesas,um ca ador com os c es. galgava para ela a praia-mar doirada dos restolhais subindoos montes, insulando as moitas verdes, dum verde que d agana das sestas, e os oiteiros de urze e de sarga o, surrados dos rebanhos, de

    alcandor aos baixos ribeirinhos onde ainda apendoava o milharal. de todo esseterrunhoque se avistava, iam agora enchendo-se astulhas. j pelos longes, na cernelha de forles e na gamela de s. martinho, se empoleiravam muito brancos os palheiros novos. vistos dentre as matas, ao passar,pareciam,talhados em capind , por tr s dos lumes da can cula, grandes an guas de linho, enfunadas no volteio da dan a,

    bafoeiradas da aragem traziam pelos ares a moinha dos centeios padejados e orescendor da macela e da laba a que ressequiram nos campos gadanhados. cortavam o

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    c ualto bandos de pombos bravos e, descuidosas, mondando o gr o ca do da espiga gorda, cantavam na terra das searas a perdiz e a corcolher. j as cerejas

    41tinham bichos e a cigarra emudecia longas horas, quebrantada de tanto zangarrear.as manh s, at toarem os manguais, eram dum sil ncio que se sentia do mais pequeno tropel de tamancos

    estreloi ando nas ruas.

    ainda o sol, furando s espaldas dos montes do corregal, n o se livrava - um modo de dizer - duma pedra bem mandada, j a eira estava a postos. de chapel o de grande sombra, saiote vermelho e colete de atacadores, mulheres ajeitavam ascuanhas e estendiam mantas a toda a roda para ca ar o gr o respingueiro. outras preparavama eirada corri desatar os molhos e espalhar a palha em carreiras, tendo o cuidadode deixar as espigas bem ao l u, para que se embebedassem de sol- o sol que as criara e agora ajudava os manguais a enxotar o gr o para fora de seus casulos. e t o breve a palha aquecia, se punham em fila os malhadores.

    benziam-se por mor dos maus repetentes com o vinho, para que o pirtigo, saltando

    da carapula, n o matasse, para a malhada n o sofrer desmancho, e, entremeando mangueirasdireitas com esquerdas a fim de n o quedar a m o em aberto, encetavam a cubela. todo esse debrum em volta da laia, necess rio para desempacho das testeiras, n o era de valha, dado no mole; como uma escaramu a folgada, zurra tu, zurro eu, levando ao longe os ecos intermitentes dum batuque, servia para espertar ostend es,p r prova as me s. a tesura era na beira.

    a , espinha flexuosa, bra os jogando em cad ncia, f lego por medida, rompiam. p atr s, p adiante, seus dorsos eram mil arcadas f gidias sob o fugidio sarambeque dos pirtigos. l voltejavam eles, subindo e descendo t o certeiros e t o lestos que descobrirem-se bem s no

    ponto morto, ao alto, onde cobravam fortaleza. o mais eram rel mpagos brancos saraivando no ar.

    as primeiras pirtigadas ca am surdas na palha balofa; era como bater no vento; mas a pavela quebrava, enca-

    42mava, fundia-se com a laia e a laia a soltar ronco que parecia o cora o da terra a estoirar.

    ooo_oo_o@ - remetiam-se, ent o, os malh es, uns aos outros, de seus picotos estrelados, num clagor que devia esparvar os lobos, pelas raposeiras quietas, ata

    outra banda da nave.

    era um buzinado de guerra. porfia, de olhos noch o moventes em que o sol, j alto, se espolava num del quio de luz e de fogo, apertavam uns com os outros. com luzinhas presas a cada aresta de palha, a eirabrevese tornava um caldeir o de cobre a ferver. por isso mesmo a manobra requeria olho fino e m o lesta. j os olhos, em sua fixidez para a mobilidade, desvairavam. mas os bra os obedeciam pela ordenan a mesmo do vaiv m. e sempre avante....

    o gr o l ia largando, era ver as zagolatadas que acompanhavam o erguer dos

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    pirtigos na palha delida. conho, tinha que saltar, para ir ao crivo dascirandeiras,s arcas, azenha, e volver do forno no p ozinho que, com tanto apego, se pede ao senhor no padre-nosso. agora, que escorresse lume, ou se calcasse lume, era deitar

    o alento todo. e h -h , h -h , l iam.

    uma praga raivosa estalava, por cima da ronca dos manguais. moscardo, atra do pelo

    cheiro a mortulho das costas em suor, ferrara o farp o. um pirtigo estroncava:outro...

    a partir da segunda eirada, a laia acendia-se numa s labareda; diante deles os muros e as rvores dan avam; o ch o metia-se pela terra dentro, apenas o vulto esbranqu adodas medas ficava a bolar flor do sumidouro. e mais sanha lhes vinha para puxar e azi me duns para os outros:

    - aguenta, parceiro'- a vai, minha m o! - eh, cristina!

    43e, a ulando-se com brutas vozes, despediam de rold o, p s-catrap s, em rijo rebimba-o-malho. bumba, bumba, pirtigo em baixo, pertigo no ar, bem empinado aadquirirsust ncia, a palha parecia cortada a cutelo. o gr o esperrinchava mais do que cuspido por bacamarte.

    a mulher da beira, que ia encostando ao tra o dos manguais as gabelas mergulhadas, cega de poalha, rolando e desenrolando-se, de gatinhas e s arrecuas, lembravaa ursa s bia no vaganau das festas.

    eram os arrancos danados. os poros botavam gua como fontes. colava-se a roupa ao corpo. forte ou fraco, escachava-se para ali a alma. e a malhador estranho terra

    metiam-no entre dois fa anhudos, um z da narcisa, um cl udio, e: "tem-te, valent o' responde l a esta, meu l rias.", espremiam-no como uva no lagar. na eira da barroca uma cruzinha de homem morto, espetada na parede, dizia bem o que s o estas horas do diabo.

    ao cabo de tr s carreiras, como mandava o uso, esperava a caba a do vinho. era o minuto de cobrar f lego. a arquejar, o mais farsola sorvia de pulm es vidos o bafoafogadi o que revessavam os pinhais. como se viessem a descer a serra, l estavam eles, hirtos, encimados de suaspolas cor-de-rosa, mal murmurando uma reza baixa. agastadas da can cula, ou

    entretidas com os rolinhos, nem em suas sombras as rolas melguiceiras arrulhavam.mascerca dali, no montado do p.' francisco, a vagem das giestas estalava, e era umachieira cont nua como de inc ndio a triturar.

    a todo o mbito, perto e longe, por moitas e alqueives, levava a labareda do sol seu amarelo de rescaldo. a serra da lapa cobria-se de cinzas; a serra da estrela,torva, opaca, com o cabe orro da guarda frente, tomava a forma de gigantesca figura humana, deitada de bru os a sorver o sangue da terra na ang stia imensa da

    44

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    sede. e, pegando de novo, h -h , h -h , l iam os malhadores...

    a horas de janta, aparecia a senhora do "ialhio; ospirtigos arrancavam uma salva que nem trovoadas que seencontram. todos uma, urravam: " e os ecos e doutras eiras respondiam " a surriada alagava as g ndaras, tornava mais pasmados os penedais pasmados, e sacudia nos horizontes ermos, ruivos da brasa domeio-dia,

    a tremulina tonta da can cula.

    o comer era lauta, do melhor, caldo de leite com ab bora, sopa doce, arroz com gravan os, reixelo guisado com trigo, iguarias estas de provar e mugir por mais.punha-se prova o dedo das cozinheiras' tamb m causava um despes o o jantar das malhadas; com o sol a ferver no cacha o, vinho a rodos, o esp rito todo no mangual, os homens eram deberiqueiros e retra avam mais do que comiam. tirava o ventre de mis rias a parentela dos malhadores que varria as ca oilas, sopeava das almofias, rilhava os ossos que nem bando de olharapos.as malhadas enxameavam de beleguins que s ali vinham para estorvar e comer. mas fosse ele ano de espiga grada, o p ozinho de nosso senhor merecia bem que se n o olhasse a gastos nem ao que devoravam os pardais na eira.

    ao anoitecer, rachado muito pirtigo de carripoto, cuanhado e padejado o p o, coberto o malheiro com um carapu o de roberto, chamava-se bombo, os ferrinhos, a gaitaou a viola. e iam bater a chula porta de s. jo o at que dessem voz de cela. eh' malhadas, trabalhosas que fossem, com as arcas a encher e, ao domingo, santosfarandoleiros nas ermidinhas dos montes, desse-as deus todos os meses do ano'

    por mais de duas semanas, rosa assistiu do mirante aestas flostrias nas eiras, o fel derrancado de ver a debulha do seu p ozinho remetida ao tempo da canhota. e,

    45falando alto, sozinha, blasfemava daquela cadeia de sorte que seus pecados n o

    mereciam. velha enjangada, ningu m a rogava, ou requeria sequer para uma dem o de pressa nas eiras. florinda, que era espevitada e sabiamenear o quadril nos saracoteios da chula, abalava todas as manh s com amo. ainda que m cuanheira, era muito mexida a prantar uma toalha e a servir o comer. nasm os dela n o se partia prato, cant s as mo as do tempo eram uma alobatadas que nem o caldo sabiam migar. saias, gra as filha que as ganhara, havia j de sobra;

    o dem nio podia vir e levar que ainda sobejavam mulheres para a debulha, trincar, dar l ngua, e tanger castanhetas no baile, se baile se armasse. mas os homens eram praga, estavam encarreirados vez e, que houvesse devolutos, exigiam um bom pinto de jorna. olha umpinto, o pre o de duas missas' consumi o levasse o brasil, que sorvia toda a rapaziada nova'

    - rogue homens, senhora m e! - pregava-lhe florinda.

    - e pagas-lhe tu? ensina-me onde se cava dinheiro...

    - vomec deve saber... dizem que tem libras enterradas...

    tenho o diabo que te carregue' teu irm o jaime o maior piranga que a rosa do sol cobre.

    e a rompia ela numa sarabanda contra o jaime, que lhe alevantara aquele falso

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    testemunho e n o havia de ser ajudado de deus.

    bem se chamou a todos os santos e santas da sua devo o, mas os santinhos n o lhe valeram. teve de esperar que as malhadas chegassem ao cabo e a parentela se doesse

    do seu rico p o a esbagoar-se no rolheiro. que rem dio' mas quis logo o fad rio que todos os dias, obra de meia manh , as trovoadas salteassem o povo. e com quefuror, rvore da bela cruz' s vezes eram tr s e

    46quatro que, avan ando das serranias, montemuro, estrela, santa helena, lapa, se encontravam em cima da povoa o e despediam seus raios e trons como numa batalha.em tom plangitivo ao janelo, a clarinha fartava-se de bradar:

    - sangue de deus vivo, sende comigo.1 sangue de deus vivo, metei-vos em mim!sangue de deus vivo. livral-me do perigo!

    no alpendre da gulomar do andr as comadres batiam o dente e, acima do matraqueado, ouvia-se a voz de cabra da zabana a rezar o esconjuro:

    agra. agr o. sagra, sagr o, sagra, sagra, pedra de ara. corpo de cristo se meta

    entre nos e o corisco!

    os rel mpagos varriam o c u de l s a l s com uma foi ada de lume. depois, estalava um ribombo ou castanhetado seco de trov es t o medonho que deve ser assim no dia de ju zo quando desabem os montes uns sobre os outros.

    ela fugia para casa de seu irm o padre onde havia o bento amparo dos santos leos. de p , muito p lido, francisco dizia a magnificat, a ama de joelhos e m os postas,

    por seu lado, declamava em alto pat tico:

    47santa b rbara bendita, que no c u est escrita com papel e gua benta, pedi a

    jesus cristo que nos guarde da tormenta!

    ateava-se pela aldeia fora um clamor de lad rio. durava meia hora, uma hora se tanto, a procela. corriam levadas de gua pelos caminhos. em seguida, num rufo, enxugavaa terra. as rolas volviam a arrulhar na coruta dos pinheiros. ao largo passava umcorvo a levar por l boa nova. branqueavam os horizontes, e das hortas e quintaisa brisa trazia aromas da alfazema e de alecrim, que inebriavam a gente.

    ah, assim passasse a sua mofina' quando foram aabrir a meda, no tarde, volta da senhora da lapa, ogr o estava recozido. p trido e t o malcheiroso, que nem os pardais lhe pegavam, fartaram-se de andar com

    ele em mantas, pelos soalheiros. mas n o houve jeito de perder o ar de gr o meio digerido, tirado da moela de frango que se matou para um doente. e depois dacozedura,sabia a mofo e causava azia. uma dana o' procurou ainda desfazer-se dele, mas n o houve almocreve que lhe metesse dente ao pre o da uva mijona.

    - seja pelos trabalhos que o senhor padeceu' exclamavam as vizinhas, enclavinhandoas m os para melhor exprimir a dor d.alma.

    rosa conjurava o fogo de deus a abrasar as casas e as searas da malvada da suagente, o cardiga, vi vo de lu sa, farto e regal o, o augusto sotranqueiro, o padre

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    soberbo, que n o se importavam de a ver a pedir s portas.

    para mais, veio logo o inverno, cedo saindo das profundas, onde o diabo o geroupara tormento da serra, com borrifos, ventania e o carujo l em cima,

    48entre as barrocas, a fazer manta aos lobos para dizimar os

    rebanhos. e com ele velo o tar que corta as orelhas e os bei os e o su o que parece uma navalha de salteador a picar, lento e malvado, o corpo todo. mal sepodiaarredar passo fora de telha. noite, no ser o - que para poupar creosende rosa amalhoava com outras na sua loja _, todas clamavam que era castigo de deus pelosmuitos pecados dos homens, e que temporais t o duros s podiam ser sinal de fim do mundo. mimosos e felizardos os -que tinham os cabanais bem providos de lenhas,e n o lhes faltava carni a e salpic o na salgadeira e batata farinhota no monte'

    mofina e rabuienta, rosa encomendava-os a todas as tranquib rnias do mafarrico. tamb m haviam de morrer, tamb m eram um saco de podrid o como os pobres' mas, at

    hora de o manuel safadinho lhes cavar a cama detr s dos pinhais, iam vivendo na regalada, enquanto o seu passadio se limitava ao caldo de nabos com um cassamente

    de unto e ao p o sedi o que lhe punha as tripas a roncar como vitelo ougado. a justi a de deus quando chegava!?

    matara um berrelho, tempor o para o chambaril, fora palhas ardidas no ar. o sarrafa al do bispo dera em lambareiro e, mal a topasse decuidosa, corria ao a afateou ucha, e era olho v , p vai, m o pilha. quando lhe descobriu as manhas - comeste perdiz, a barba to diz -, todas as chouri as da carne estavam passadas a s o-gui o. a salgadeira n o tinha fechadura e, como o fradinho da m o furada, achava sempre tremenhos de lhe chegar, levarirando duas t buas no soalho ou despregando a almofadada porta.

    redondo, machacaz, n o valendo amo pela manten a, para a rapina dava-lhe o demo arte. e a m e n o era senhora de ir lida que, numa volta de m o, l estava ele a alforjar, a espostejar no toucinho, nas p s ou no

    49presunto, para satisfazer o apetite de jib ia. servia-lhe tudo, contando que enchesse a morca, at o unto rudo que de gordo engulha. no dia em que a m e deitou feira de lamas a comprar uns tamancos, volta ca ou-o na alhada. como havia de castigar o grande rabaceiro? cispando-lhe sobre o gasnete a t bua arrancada, poronde furava para a loja, e largando-o ao pendur o, a esbarregar-se, a espernear como um condenado na forca. se lhe n o acode florinda, levava-o s. pelicardo. j

    tinha um palmo de l ngua fora da boca e os olhos em alvo, desvairados. pois n o lhe serviu de emenda. mal a m e e a irm voltavam costas, partia ele ao sequestro.

    - o excomungado capaz de me rilhar a madre' exclamava a m e. -- foi ele o herdeiro do triste bacorinho.

    com o vezo e a experi ncia e porque ladr ozinho de agulheta sobe sempre a barjuleta, o jo o bispo deitou o p mais longe. a vizinhan a come ou a queixar-se de sumi ossobre sumi os, ovos que desapareciam do ninho ainda a pita poedeira a repenicar, queijos frescos da francela e at broa dos a afates. foi c o, foi gato, foi

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    doninha,e o jo o bispo com o odre ufa.

    viam-no ir levado pelos caminhos da seara a cantarolar na sua voz roufenha decornemusa:

    m@nha m e tem, tein tr@pas a cozer, e do ri-p -p que me hei-de encher.'

    jo o - perguntavam-lhe -, n o viste por aqui cachorro a roubar?

    - vi sim, senhora; olhe, passou h nadinha a farri sca do tio z Narciso com um grande trancanaz de p o nos dentes.

    50- fogueira a parta! outras vezes era a gata do padre, que tinha ninhada nospalhais e sa ra das casas a lamber-se toda.

    e, como s. benedito, que n o come, nem bebe, eanda gordito, o jo o gaud ncio andava n dio s com a gra a de deus. tinha encontrado boa ind stria o safado. dos ovos, sorvidos dum trago, ainda quentes da cloaca, com um furo ao alto para descoser melhor, passou

    ca a das galinhas que dormem, sem cuidados, sombra dos alpendres, ou catam, alheias ao mundo, os vermes das valetas. gr os de milho laia de contas enfiadas numaguita, elas a morderem de gulosas e a virem m o como o peixe no anzol. zarelhavam das asas, mas n o podiam cacarejar, que seria o perigo. e ia vend -las

    genteda feira, se era azo, quando n o, assava-as na serra com duas pitadas de sal num morou o de carqueja. andava na ceva o grande macaco'

    o raposo derrota-nos a cria o? - queixavam-se as donas de casa. o cl udio, que acabava de p r venda, vinho, lumes e cigarros, mestre em ratoeiras, todas as noites

    armava os ferros de serrilhas, para ca ar coelho no toural, a cada buraco do gato.

    um dia, por m, o galaroz de penas galantes da clarinha - bicho de quem o tio alonso brasileiro dizia: n o um galo, um urubu - pegou-se no ros rio de milh o etanto estrebuchou, tanto escarrou, tanto apitou o carrasco, que a dona veio fora.o jo o bispo, com o la o em punho, buscava jeito de lhe passar ao pesco o os cinco

    mandamentos. aqui ardeu tr ia. em voz alta, aclarinha acoimou sua tia rosa de ladra e que ensinavamalas-artes aos filhos para roubarem o alheio. rosa veio ao patim e despicaram-sehoras e horas. o que ali vomitaram uma para a outra - nem duas regateiras do fado.

    a honra da gaud ncia saiu abocanhada daquele passo.

    51boca grande se dizia que o meigengro do filho, bertoldo e salamurdo como era,

    sem escola, n o teria usado de manhas t o arteiras no roubar.

    - cruzes! - diziam ainda. - o jagodes, ao ardil que tem, com outro corpo dava emladr o de estrada.

    a cabe a de macho velho, barriga de ab bora carneira, pernas curtas, apaulitadas, n o lhe permitiam empresas mais altas que as capoeiras das comadres.

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    a m e aplicou-lhe com uma tranca sova de vulto, o odreiro j tinha tirado sortes, mas pelos ares, o queixo com p los raios e compridos como erva sobre um penedo,o reboludo do tronco, n o lhe davam mais que dezasseis anos. suspendera-se-lhe a crescen a, mas medrara-lhe a maldade, por valimento do demo.

    por muito tempo n o se falou noutra coisa; e conta do machacaz foram lan ando os roubos sucedidos e por suceder no povo, desde os tamancos da teresa fortunata

    e a saia de folhos da zefinha narcisa, deixada a enxugar no estendedoiro, a unsmelotes rotos do z da clandina, metidos num buraco da varanda para consertar. valeu

    Rosa gaud ncia ter ser o para sair menos denegrida da esc ndula. na roda, p s a nu a careca daquele maroto como quem despe relaxado tratante no pelourinho. deix -lo,n o perdia casamento, que nenhuma mo a o aceitava, a mais ranhosa ou morta por matar as comich es da donzelia. para honra dela e de florinda assim foi mister.

    - grande lamb o' - regougava ela. - olhem que o n o tem de leite'

    - ningu m ponha as m os pelos filhos' - respondiam as matronas encanecidas a ver os espelhos do mundo.

    - s o os destampat rios da sorte - comprazia uma terceira. - quem tem filho var o, nem d vozes ao ladr o'

    52o jo o bispo, dali em diante, n o p de unhar mais o alheio; precatavam-se dele. as mulheres faziam-lhe mesmo figas, suspeitando-o deentreter pata com o diabo e todas as noites ir fandangar com as bruxas para osvidoeiros.e, sempre esfomeado, passou a comer osreixelos mortos que atiravam para os quintais, os coelhos mansos do padre a que asratazanas chupavam as cordovelas, frangos afogados nos po os, e at a carne das bezerras, quando lavrou a malina. um cachorro de ra a, que o sr. mioma criava com

    muito mimo, forneceu-lhe um lauto festim. o seu refeit rio era a grande serra,que guardava segredo, e ele corria de manh a sol-p r atr s de duas ovelhas ranhosas.

    iii

    ser o de mais nomeada n o havia por aquela corda de povos. o gaiteiro de forca n o conhecia melhor para aribaldeira. quando o pai paulino vinha com a com dia, ali armava as pachouchadas do roberto e da henriqueta. loja alta e ampla, daquelas que o gaud ncio velho gizoupara acoitar as r deas dos almocreves, podia-se ali bater o saricot ou motetar a chula, ficando em paz quem para a galhofa queda ou arte n o tinha. al m disso,

    limpa, asseada, e com palha sempre enxuta, por n o a pisar vaca desde que falecera o lib nio - deus lhe fale n.alma. a dezena de cabe as de gado da senhoria encostava-ses paredes ruminando ou a cismar l nas hist rias que s elas sabem.

    seroavam com rosa as mo as mais biquinho-de-l ndia da fonte para cima, a glorinhas, filha do manuel cardiga e da lu sa gaud ncia defunta, que t o enri ada andaracom o sr. in cio mioma, figur o que possu a moradia em lisboa e uns anos por outros vinha a ares da serra; a guiomar do andr por tom e som menina mesmo de cidade;

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    as duas planetas sisudas, se bem que airosas, e a maria morgada com a melhorleg tima da freguesia. tamb m era ali certa a teresa fortunata, zabana de alcunha, muitoprocurada para rogos e alquil s e de muita virtude a atalhar impigens e a endireitar a espinhela aos emba ados. outras, de cometer por suas prendas ou agrados, pousavamali, sem contar a zefinha

    54narcisa, desde que o alonso a recebera, e florinda, toda s cia e perluxosa, ainda que com mais presun o que virtudes. com gado assim, os bargantes acudiam ali quenem melros s amoras dos silvados, no tempo sequioso das ceifas. em noites de borga, os descantes encabe avam pelo ser o da gaud ncia.

    acocoradas sobre as pernas dobradas para baixo da rabadilha, a que as solas dosp s ofereciam um raso de tamborete, obra de vinte mulheres fiavam, faziam meia oudobavam em volta do candil de petroline dependura duma trave, e o tempo corria que n o havia lebr u que melhor corresse. espulgava-se a vida pr pria e a alheia, chamado ali o mundo todo a ju zo. junto das pulqu rias com os p s debaixo das saias duma e a cabe a no rega o doutra, os rapazes jogavam a sua senten a e anedota

    de p cara galanteria; ou cabrazavam mistura, com luxuoso tagat eles, elas fingidi os arrenegos.

    nas noites de s bado punha-se o trabalho e atafaias para um canto, e batia-se o calcanhar. falta de m sica, dan avam joguinhos de roda e de cadeia: amendoeira

    qu. da tua rama, o dom celidon, pelo mar abaixo vai . um aranh o. e, umas vezes por outras, desenfadavam-se com jogos de ast cia ou de adivinha, p ndegos para as velhas e ro adi os para os namorados: a condessa, os casalinhos. e nestes engriman os de melada manobra os surpreendia o cantar do galo.

    no tempo santo, o tio manuel abade vinha com a cartilha e rezava-se em coro anovena do menino-deus, se era natal, a via-sacra, se endoen as. ou ent o lia pelo

    mestreda vida passos dos milagres, mais catitas que as pr ticas do cura em domingo terceiro. a devo o n o era t o grande que mo a, beliscada na coxa pelo galante, n osoltasse amoroso uivo:

    - raio te parta para titereteirol

    55credo, esta gente de agora n o tem assento. - rosnavam as velhas.

    imperturb vel, o manuel abade continuava a soletrar a hist ria de s. ludovico, que em vida desceu ao inferno por um po o sem fundo em montes de albania.

    chocaram-se mais casamentos naquele ser o da rosa que por ceifas e romarias. deitados ao longo um do outro, debaixo da mesma capa, ali embei avam os pares, paras despegar com a sepultura. o ser o, al m de casamenteiro, era pelourinho e al ada de desembargo. gra as sua provedoria, rosa e florinda acabaram por sair dem os enxutas, para o geral, das gatunices do filho. prova disso se viu quando voltou terra o lu s maneto, vagamundo, que alevantara com os maus tratos que o pailhe dava, o rola som tego, mal este veio a acordo n o haver jeito de o encarreirar

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    para as letras.

    de sete filhos que tinha, o rola, t o cedo se viu podre de rico e os dinheiros a crescer for a de onzena, tirou dois para os estudos, por cabe ada, nanja por inclina o,pois que, tendo nascido a fossar na terra, queria os seus, consoante ele, a fossarna terra tamb m. foram eles micas, a mais velha, a quem pusera amor e se mostravamuito finota a deitar-lhe contas aos juros, e o lu s pela desgra a que lhe sucedeu

    quando menino. o raio dum b coro, em dia que a m e o deixara no ber o, entrou pela casa dentro e roeu-lhe metade dos dedos da m o esquerda e duas ter as partes de uma orelha. foi a salva o do anjinho do senhor aparecer a rola naquele repente,sen o o animal maldito papava-o inteiro como a um repolho na horta. porque tal mazela o tolhia de ombrear com os manos na lavoira, imp -lo o pai com mestres a fimde o habilitarem para a carreira eclesi stica. mal empregado dinheiro! mais avisado andaria comprando veneno para os ratos ou gastando-o com os outros irm os, que,de maltrapilhos e surros, a ningu m acudia

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    serem perten a dum rica o. mas o tino dele era aferrolhar, meter para a burra, andassem os seus bem embora descal os e rotos, comessem de seco ou de molhado, fossemou n o fossem risa e chacota do mundo, e maravilha fora aquela de querer ordenar a dois.

    o rapaz andou no col gio dos padres, na lapa, aotempo do sr. in cio mioma que era um azougue de finura, foi para lamego, ali latiu o hora horae, amolou, encaleceu. o cachorro tinha a cachim nia mais dura que seixo.fartou-se de apanhar lambada do pai, dos companheiros, dos mestres. era o mesmoque malhar em centeio verde. for a de ser bombo, tornou-se mais ruim que um saco

    de lacraus; mas se onagro era, onagro ficou.

    - gastei com ele beira de vinte centos de mil r is. - lamentava-se o rola. - o excomungado n o tem queda para as letras. nem a pico' quando voltou de estudante,desesperado com os maus tratos e a mofa dos irm os, que eram uns moiros de trabalho e lhe viam as unhas brancas, fugiu para oporto. carregou muito fardo numa bai ca e co ou-se de muito pontap na bunda. dali arrancou para a capital e foi servente desses calceteiros que nas ruas bordambonitezas para passeadouro dos peraltas. de gorra comaqueles, embarcou para o rio e por mais de dois anos ningu m ouviu falar no doido. vai sen o quando, rompe uma manh pela casa paterna dentro, pobre como fora, mas todo corrent o e domado lida. a tanto tombo que deu, acabou por abrir os olhos. n o estava nada doutor, mas dava ind cios de acertar pela doutrina do pai e ser

    t o cal o como ele. chegou pero de malas-artes com seu tabardo de chartres. minguavam-lhe dedos; pois j n o arriava na labuta e at punha farroma ao p dos manos, que, apostos de muito novos canga, tinham sa do unszorreiros e enjangados da maleita.

    57o lu s maneto, com vinte e quatro anos no p lo e boa sorte no amanh , ta ami de pelo ser o da gaud ncia rentar s mo as. de princ pio andou muito embei ado por glorinhase, quando a rapariga, pelas mostras, come ava a dar trela, largou-a de salto. j

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    n o era oprimeiro que fairava s fraldas da criatura e como o cuco despedia sem dizer: aqui me vou' nan a que ela n o tivesse uma leg tima arredondadinha e n o fosse mulher curiosa, asseada, toda videira, sabendo coser m quina e cobrando boa propina das roupas que amanhava. mas fora o brinquinho do sr. in cio mioma - homem de prol e agr nomo, ainda longe dos trinta, de seu nomecompleto in cio relvas maturranga, da casa de mioma, em termo de ferreira de aves - e isto de fidalgos n o despedem sem satisfazer a cobi a como os rabusanos.

    boca grande se dizia que o sr. in cio se gozara dela forte e feio; verdade ou mentira, n o se livrava da fama, e por a se lhe ia escoando a mar do casamento.

    o lu s foi pela vereda dos mais e, mal te precatas, virou-se para a prima flor nda. tinha aquela pecha da m o ratada, mas a leg tima que lhe coubesse era mesmo paraobscurecer achaque de maior vulto. al m disso, apreciavam-no por bem falante e pimp o, que dalgum proveito lhe houvera de servir a escola do cadeias e correr assete partidas do mundo, da precis o tirando arte, e o derri o pegou deveras.

    florinda gozava fama de cachopa limpa, em que ningu m punha tacha, e, bem governada, a sua sorte n o era argalho que se n o visse. breve se falou no povo da gorra

    que os dois iam levando, e as mo as, quando ele lhes adiantava m o para o amoujo ou queria passar-lhes uma esfregadela de barba, formalmente ariscas,destemperavam:

    -- larga, cadelo! ... larga... n o tens a florinda! ... no ser o, o lu s maneto alapardava-se-lhe no rega o e

    58assim curtia horas em xtase amorudo ou roncando de sono, quando n o largava de papo mariola uma l ria characina. aos s bados, n o a deixava dan ar - que fora arte que n o aprendeu com os padres - e sentia zelos vendo-a em fragalhotice com os mais. bem suspirava ela, que tinha o p alceiro, mas compunha-se e, aninhadosa um canto, muito engairi ados, apreciavam, ou

    entretinham-se em fosquinhas de bem-querer. a gaud ncia velha enfeitava-se toda quando proferia o nome de lu s rola.

    naquele entrudo, como era da lei, a rapaziada andou a casar as donzelas pelasportas das quint s e dos ser es e encruzilhadas das ruas. dois dos mais farsolas nomeio de boa escolta orneavam por borrifadores que traziam para mascarar eengrossar a voz. por achincalhe, umasvezes destinavam mo a mais faceira o rapaz mais zambro; outras, se isso n o trope ava com as miras dos casamenteiros, liam os preg es consoante lhes estava indicandoo pendor dos amorios. em tal pr tica, enxovalhavam as baldas de quem as tinha, e escarneciam, ao despaut rio, do vesgo, broma e aleijado. o desprop sito, botando

    fora das marcas, dava s vezes que falar.

    pois esse ano, em que a zefinha narcisa casou com o alonso, andaram elesvozeirando por portas e becos at que chegaram ao cimo do povo. seriam dez horas e ca aneve, a neve ladroa, que entra pelas casas - juntas do telhado, buracos dealvenaria - melhor que trasgos ladinos. em fa scas que n o bailam nem se v em descer doc u, parece chegar de longe, num voo rasteiro, sem quebra. e a concubina danada do vento nordeste. ambos, pela serra fora, s o como dois caval es encrespados a correr.

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    fustigam o viandante, derrotam as matas, as aldeias transfiguram-se em barrocais,montes de brancura a uma banda, negrid o cavernosa a outra. quem est debaixo de telha deixa-se estar, que para lapas e

    59apr scos enxotou ela os rebanhos e os animaizinhos do monte.

    n o obstante a nevasca, os bargantes da terra n o renunciaram quela pr tica

    zombeteira, que vinha do tempo do rei que rabiou. com o c u em t bua, era preciso esporteirar mesmo s orelhas dos manteados. embora, eles l andavam lestos e petulantes, nem temidos de calhaus, nem da neve.

    no ser o da rosa, mal foram pressentidos, as raparigas romperam aos pinotes e em fungadela como burro que d em vespeiro:

    - n o haver uma pedrada que lhes parta a pinha e o borrifador!.

    - golas de odres' deus nos perdoe, mas havia de vir uma neve t o alta, t o alta, que os engolisse at para riba da cornadura' ... filhos de m m e'

    casaram uma por uma, a guiornar do andr , toda alfenim, com o manuel borralho,

    sonso e pilhaqueiro, a maria morgada, rica e sisuda, com o z da claudina, figurilhamas pobretana, e logo se bacorejou que um dos casamenteiros era o z da claudina, que tamb m rarnpanara Gaud ncia nova, pela boa queijada que se repartia o lapantim.

    - ter o coma para boca-rota' um tunante que n o tem onde cair morto e sempre em borgas' - resmungou rosa.

    glorinhas, toda afidalgada e cheia de fid cias, demais que andara de amores com o sr. mioma, com quem a apar aram eles? com o trangol o do primo, o bispo. ela, que tal ouviu, corou muito, continuando a fiar sem dar cavaco. o matul o, que estava presente, que ficou a lamber-se todo, de olhos a rir como auricus.

    - compadre' - tornou a urrar a voz esquina da quinta - temos agora uma mo a de truz para casar...

    60- a florinda gaud ncia?' - roncou o segundo, da outra boqueira da quint .

    - essa mesma' anda danadinha...'.- ow oh' oh!- oh' oh' oh' quem lhe havemos de dar, compadre,?- dita l tu, compadre.- o miguel o da cabe a da ponte_@ - esse sim' esse sim' oh' oh' oh' que se lhe deixa pr.a dote?

    - os enxalmos do lu s maneto. diante do desconchavo, na loja da gaud ncia, as matronas benzeram-se. ao nome da cabe a da ponte, vinham baila da imagina o todas as canchondices da parada, onde guas e burras das redondezas iam a p drear.

    uma imund cie com o coito raivoso dos animais,as vozes despejadas de quem via, relinchos que esparvavam, pelos pastos, aspoldras novas. e o miguel o, em tal abocamento, j n o era apenas o lan arote, mas ocavalo garanh o mesmo. uma bodegulce' devia sero traste da claudina o padre casamenteiro que se dava a matar por arrastar o nome

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    do lu s maneto, de despeitado. a terra se abrisse debaixo dos p s do macanjo e o tragasse!

    l fora, a surriada n o despegava: ohl oh' oh' o lu s maneto saiu ronceiro de cacheira na m o. o luar do quarto espargia pelos espa os uma claridade tristonha, em que se viam os flocos zimbar mais luzentes que fa lhas de prata. muito enxutos, fustigados, pareciam

    cuspidos de longe, ao r s da terra. j a casa do p.' francisco, de quatro guas, tomava cor de novinha, acabada de caiar, o pared o velho da quinta era um estendedoirode branco, e para o lado de l do caminho as tr s mimosas do sr. mioma tinham ramos amarf nhados, ramos pendentes, fran as erguidas, assim como calv rios no destro odum terremoto.

    61o rola coseu-se com a parede de modo a passar despercebido dos tunantes. nos doisboqueir es, a choldra ocupava-se em casar a teresa fortunata, dura de rilhar comos seus quarenta bem medidos, com o pr prio lu s maneto. a raiva, ent o, deu-lhe esporas com que ele pr prio se acicatou. a coberto do patim, despediu uma fragada

    para a c fila com quanto arranco p de, depois, outra e outra. e foi como um bando de estorninhos em que pula o a or. largaram todos a fugir numa tropeada medrosade tamancos.

    o maneto foi-lhes no encal o, forte daquela debandada, e, mal alcan ou um dos arruaceiros, deu, deu at o estrumar por terra. aqui d.el-rei, juntou-se o povo, alevantaramo homem do charco, e o narciso espadag o, que era o regedor, guiado pelas pegadas na ne