AR01 Vila Rica Mortalidade Morbidade

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    VILA RICA: MORTALIDADE E MORBIDADE(1799-1801) (1)

    IRACI DEL NERO DA COSTADa FEA-USP

    O Setecentos, perodo de largas transformaes na vida socioeconmica do Brasil, foimarcado profundamente pela explorao aurfera. Em decorrncia da atividadeexploratria acelerou-se o processo de urbanizao na colnia; dentre os novos centrossalientou-se. como de primeira grandeza, Vila Rica, hoje Ouro Preto.

    O estudo populacional da regio mineira tem grande interesse porque nessa rea seforma, nos trs primeiros quartos do sculo XVIII, o grande estoque de populao quevai nutrir, em seguida, os fluxos migratrios dos centros aurferos decadentes paraoutras reas do pas.

    Neste trabalho analisamos a morbidade e mortalidade em Vila Rica, tema poucoconhecido na demografia histrica brasileira. Nosso material emprico provm dosassentos de bitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias, umadas duas ento existentes em Ouro Preto. O perodo estudado, abril de 1799 a junho de1801, imps-se desde logo, nossa observao, porque somente durante estes vinte eseis meses acima indicados os livros de bitos registram a causa mortis.

    A identificao da causa do bito com sintomas ou doenas, praticada ordinariamente,permite estabelecer, ainda que de forma genrica, como se apresentava, poca. oquadro da morbidade.

    Na anlise dos registros paroquiais referidos nos ocupamos especialmente com asprincipais doenas acusadas e sua distribuio entre os mais significativos segmentospopulacionais da sociedade colonial: escravos, forros e demais homens livres(ressaltando dos ltimos aqueles explicitamente indicados como brancos). Nosso intuitofoi procurar, com base nos estratos da sociedade, os possveis condicionantes sociaisdos dados empricos revelados com referncia morbidade e mortalidade.

    A designao "inocente" aplicada, com certeza, s crianas ainda no confessadas --por via de regra com sete ou menos anos -- no obedece a limite etrio rgido.Infelizmente, a idade do defunto, informao de mxima importncia no se declarou emregistro algum. No entanto, foi possvel determinar, base de pesquisa nossa nosassentos de batismos, a idade, data da morte, de considervel parcela dos inocentes.

    A ausncia da causa mortis para a maioria das crianas -- apenas 10,8% dos assentos(11 sobre 102) a registrou -- uma lacuna sensvel. Para os adultos, 73,2% dos mortos(ou sela 280 sobre 382), foi explicitada em 82,2% (230 sobre 280), porcentual satisfatriopara o estudo vertente.

    Por faltar, nos registros de inocentes, indicao clara da cor e estrato social,apresentamos, para o conjunto dos mortos, tabelas menos pormenorizadas que asreferentes aos adultos (entendidos como "no inocentes").

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    TABELA 1REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A CONDIO SOCIAL: ADULTOS

    (Perodo: abril de 1799 a junho de 1801)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Condio Social Porcentagem Porcentagem AcumuladaPor grupo Total

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LIVRES1o. grupo:Brancos 8,6Demais Livres (exclusive forros) 20,7 29,3

    2o. grupo:(forros)Africanos 10,9Crioulos e Pardos 11,6 22,5 51,8

    ESCRAVOSAfricanos 39,1Crioulos 8,0Pardos 1,1 48,2 100,0-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------FONTE: Para todas as tabelas os dados empricos procedem, em sua maioria, doscdices citados. Fontes de outra procedncia sero indicadas. O perodo abril de 1799 a

    junho de 1801 vlido para todas as tabelas sem especificao contrria.

    Possivelmente foi maior a participao dos brancos nas mortes, pois nos registros das

    mulheres livres (exclusive as forras) raro aparecer identificao da cor. Neste caso,subiria o percentual de brancos em detrimento dos "demais livres".

    Na tabela 2 consideramos, para as crianas, o estrato social dos pais ou da me; osexpostos foram includos entre os livres.

    TABELA 2REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A CONDIO SOCIAL

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Condio Social Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Livres 33,8Demais livres (Forros) 23,8 57,6

    Escravos 42,4 42,4 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Na tabela 3 acreditamos estar subestimada a participao dos brancos e pardos por

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    causa dos 7,8% de indefinio que, se distribudos, fariam subir a porcentagem daquelesa 10,0% e, a destes, para 16,5%.

    TABELA 3REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A COR: ADULTOS

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------NEGROS:Africanos 50,0Crioulos 23,5 73,5 73,5

    PARDOS:Cabras 0,7Mulatos 9,4 10,1 83,6

    BRANCOS: 8,6 8,6 92,2

    INDETERMINADA: 7,8 7,8 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Na tabela abaixo os expostos foram includos entre os "negros ou pardos". Somamos osbrancos adultos queles com indefinio de cor porque nos foi impossvel determin-lapara grande parte dos inocentes legtimos, entre os quais deveria estar a grande maioriadas crianas brancas.

    TABELA 4REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A COR-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor Porcentagem-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Negros 56,2Negros ou pardos 17,3Pardos 9,7Brancos e indeterminada 16,8-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    O confronto destes resultados com os levantamentos populacionais disponveis paraVila Rica (comarca) e Minas Gerais, efetuados em fins do sculo XVIII e incio do XIX (2)sugere a existncia de um processo de exciso da parcela populacional negra (escravose forros). Afirmativa derivada da desproporcionalidade no peso relativo de cada grupode cor com referncia aos vivos e mortos. A taxa de mortalidade dos negros seriaaproximadamente 20% mais alta do que a vlida para os demais grupos de cor. Oresultado do mesmo exerccio para livres e escravos foi inconclusivo por termos, nafalta de dados, englobado brancos e forros em um s grupo. Assim operando,introduzimos vis nos clculos, distoro decorrente das profundas distines no nvel

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    e padro de vida dos segmentos sociais em epgrafe; so eloqentes as palavras de W.L. Eschwege: "O negro forro pertence, incontestavelmente, classe dos deserdados.Nunca dispe de meios para adquirir um escravo que o ajude. Embriagado da alegria dese ver livre, foge de todo o trabalho. no se submetendo de modo algum a novo senhor.Assim, trabalha s o necessrio para no morrer de fome" (3).

    TABELA 5REPARTIO DOS BITOS DE ESCRAVOS SEGUNDO A ORIGEM

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Origem Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------SUDANESES:Minas 28,6 28,6 28.6

    BANTOS:Angolas 49,6

    Congos 1,0Rebolos 1,0Benguelas 1,0 52,6 81,2

    COLONIAIS:Crioulos 16,5Pardos 2,3 18,8 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: Dos escravos africanos 35,3% eram Sudaneses e os restantes 64,7% Bantos.

    No estudo dos assentos de escravos adultos verificou-se que as mulheres compunham

    23,7% da escravaria.

    Os sudaneses, embora significativamente representados, inferiorizavam-se em nmeroaos bantos em geral e aos "Angolas" em particular. Apesar da maior resistncia fsicados "Minas" (4), a provvel participao dos vrios grupos, nos parece, de fato,corresponder apresentada na tabela anterior.

    Como indicamos, pequeno o nmero de assentos de "inocentes" nos quais se declaraa causa do bito. Este fato nos obriga a uma anlise restrita mortalidade; as doenasdas crianas foram tratadas em conjunto com as dos adultos, no s por causa dopequeno nmero de registros que declaram a causa mortis de inocentes (11 ao todo)mas, sobretudo, porque os males apontados como causadores da morte de crianas

    tambm o foram para as demais pessoas. No apresentam, portanto, qualquerespecificidade que pudesse ser entendida como caracterstica da infncia.

    Marcante a discrepncia dos pesos relativos quanto a legtimos e bastardos, entre osbatizados de um lado e os mortos por outro (5). Os filhos legtimos perfizeram 39,0% dosbatismos e apenas 21,6% dos falecidos; 61,0% de bastardos batizados ocuparam, entreos mortos, 78,4%. Indcio evidente de que a condio de legitimidade -- aliada que estavaa parmetros socioeconmicos -- dava criana maior probabilidade de sobrevivncia.Os mais sujeitos morte precoce so os expostos, vindo a seguir os escravos e por fim

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    os bastardos livres.

    TABELA 6REPARTIO DOS ASSENTOS DE BATIZADOS E BITOS: INOCENTES

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Assentos % Legtimos Porcentagem - Bastardos TotalEscravos Naturais Expostos

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Batizados 39,0 20,5 31,7 8,8 100,0

    bitos 21,6 26,5 36,2 15,7 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: Batizados: 205 assentos para o perodo 1798-1801. bitos: 102 assentos, perodoem anlise (1799-1801).

    Outra observao pode ser feita quanto s crianas batizadas em perigo de vida que

    vieram a falecer. Existe forte evidncia, com uma probabilidade de erro da ordem de 5%,a indicar terem estes prvulos morrido antes de completado o primeiro ms de vida. (6)

    Somando-se aos batizados in periculo vitae (dezoito ao todo), aqueles inocentes para osquais foi possvel determinar a data do nascimento (em nmero de 52), chega-se a cobrir68,7% das mortes de crianas ocorridas no perodo em estudo.

    Baseados nestes elementos podemos estabelecer os limites inferior e superior para aparticipao de crianas mortas nos primeiros doze meses de vida sobre o total deinocentes falecidos. Assim, considerando como mortos com mais de um ano osprvulos para os quais foi impossvel determinar a idade, obtemos o limite inferior, 60%.Com a ajuda da tabela abaixo obtido o limite superior, 68,57%. Vale dizer que de 60,0%

    a 68,6% das mortes de crianas ocorreram antes de completado o primeiro ano de vida.

    TABELA 7DISTRIBUIO DOS BITOS DE INOCENTES

    (70 registros)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Perodo Nmero de bitos Porcentagem Porcentagem

    por perodo sobre o total acumulada-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Inocentes Mortos:

    Ao 1o. ms de vida 22 31,42 31,42

    Entre o 1o. e o 12o.ms de vida 26 37,15 68,57

    Entre o 12o. e o24o. ms de vida 12 17,14 85,71

    Entre o 24o. e o

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    36o. ms de vida 6 8,57 94,28

    Entre o 36o. e o48o. ms de vida 2 2,86 97,14

    Depois do 48o. ms

    de vida 2 2,86 100,00-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Para o ano de 1800 a taxa de mortalidade infantil teria sido de 238 por mil (clculo combase na media ponderada dos nascimentos de 1799 e 1800, pesos 1/4 e 3/4,respectivamente) ou de 252 por mil, caso tomssemos to-somente os nascimentosocorridos em 1800.

    Com base em clculo probabilstico (7) chegamos ao ndice de 230 por mil para a taxa demortalidade infantil do perodo estudado. As taxas de mortalidade infantil da tabelaabaixo revelam existir entre os inocentes disparidades to significativas quanto aquelas

    encontradas para os adultos. (8)

    TABELA 8TAXAS DE MORTALIDADE SEGUNDO A CONDIO DO INOCENTE

    (Mortes por mil nascimentos)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Perodo Geral Legtimos Escravos Naturais Expostos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1799-1801 (1) 240 133 310 275 428

    1800 (2) 252 191 286 273 267

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: (1) com base em clculo probabilstico; (2) com base nos assentos de 1800.

    Considerando-se apenas os assentos de adultos, a causa mortis vem indicada para 95%dos brancos, 81% dos escravos, 76% dos forros e 83% dos demais livres (excetobrancos e forros).

    Quanto aos registros sem especificao da causa mortis, em 72% (77% para escravos,80% para forros e 45% para "demais livres") anotou-se: "morreu repentinamente" ou "demorte apressada". Tais assentos foram desprezados nesta parte de nossa anlise, pois acircunstncia apontada diz respeito impossibilidade de serem ministrados os

    sacramentos da penitncia e extrema uno, sem caracterizar realmente as condiesfsicas do passamento. Vale dizer que, para justificar a ausncia dos ltimossacramentos dizia-se ter a pessoa morrido "repentinamente". Esta assertiva confirmada pela existncia de registros que, de fato, anotaram mortes inesperadas.Neste caso, ao lado da qualificao "morte repentina", vem igualmente indicada a causa:"de uma hemorragia de sangue", "por debaixo de um banco de terra" etc.

    Com bases nos grandes grupos de doenas ou causas de morte (tabela 11) elaboramosa tabela 9.

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    TABELA 9PARTICIPAO DE CADA GRUPO DE DOENAS, SEGUNDO

    OS DIFERENTES SEGMENTOS SOCIAIS(Os valores -- ndices -- so, para cada segmento social, as propores por mil bitos)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CAUSAS DOS DEMAIS LIVRES .BITOS (a) ESCRAVOS FORROS EXCLUSIVE INCLUSIVE GERAL

    BRANCOS BRANCOS BRANCOS-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I. 213 188 233 250 237 216II. 35 - 36 83 50 33III. 9 - - - - 4IV. 88 21 71 42 63 66V. 514 666 500 376 462 527VI. 9 21 18 83 37 21VII. 53 62 71 83 75 63

    VIII. - - 18 - 13 4IX. 35 21 53 83 63 41X. 44 21 - - - 25-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Participao, sobre o total, dos principais grupos de doenas-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I, IV, V e VII 868 937 875 751 837 872-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------(a) Os grupos de doenas, em algarismos romanos, vo especificados na Tabela 11.

    Verifica-se que as doenas enquadradas nos grupos I, IV, V e VII foram responsveis por

    87,2% do total das mortes; as demais categorias no apresentaram grandesdiscrepncias, quer na participao sobre o total das mortes, quer com respeito distribuio entre os segmentos sociais.(9)

    A anlise do quadro acima leva concluso de que para cada segmento social de per siexistem disparidades significativas com referncia ao peso de cada grupo no total dasmortes. Por outro lado, entre os grupos populacionais revelaram-se duas discordnciasde maior monta. A primeira se refere ao grupo I; nele forros e brancos colocam-se emposio excntrica com referncia populao como um todo, o que, provavelmente, sedeva, por um lado, como pode ser visto na tabela 10, menor incidncia de tuberculoseentre os alforriados, doena de grande peso (42,3%) no grupo infecto-contagioso; e, poroutro, maior susceptibilidade apresentada pelos forros hidropisia, componente do

    grupo V.

    Justamente neste ltimo encontramos outra discrepncia: os brancos morriam emmenor proporo de hidropisia, (mal de grande peso no grupo V). A prpria indefinioda etiologia deste mal (10) impossibilita-nos qualquer afirmao categrica. Estaria esteconjunto de sintomas e doenas ao qual se dava o nome de "hidropisia" ligadoimediatamente s condies de higiene e qualidade da alimentao? A nosso ver, aresposta a esta pergunta afirmativa mas, a falta de informaes mais precisas nosobriga a ficar em terreno meramente conjetural.

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    Na tabela 10 destacamos os quatro grupos de maior peso, nos assentos estudados, eindicamos, para cada um, as doenas com presena marcante.

    TABELA 10

    PARTICIPAO DAS PRINCIPAIS DOENAS NOS DIFERENTES SEGMENTOS SOCIAIS(os ndices so as propores, por mil bitos, para cada grupo de doenas e para cada

    segmento social)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CAUSAS DE PESO DA DEMAIS LIVRES .BITOS DOENA NO ESCRAVOS FORROS Exclusive BRANCOS Inclusive(a) SEU GRUPO Brancos Brancos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I. (216)(b)Febre re-corrente 365 291 444 539 167 421Tuberculose

    Pulmonar 423 542 222 308 500 368Total 788 833 666 847 667 789

    IV. (66)Pneumonia 438 500 -- 500 -- 400

    V. (527)Hidropisia 969 966 1.000 929 1.000 946

    VII. (63)Gangrena 667 834 667 250 1.000 500-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    OBS.: (a) Os grupos de doenas, indicados em algarismos romanos, esto especificadosna Tabela 11. (b) Os ndices entre parnteses indicam a participao do grupo por milmortes em geral.

    Evidencia-se pela tabela acima que brancos e escravos morreram em maior proporodo que forros e "demais livres" de tuberculose pulmonar, enquanto estes ltimosestiveram mais expostos a febres intermitentes. A hidropisia, apesar de se distribuirassimetricamente em relao aos agrupamentos sociais, revela-se grande responsvelpelas mortes causadas por distrbios do aparelho digestivo. Cabe gangrena papeligualmente significante no grupo de molstias da pele e do tecido celular subcutneo.

    Estes resultados comparados com os obtidos por outro autor (11), referentes parquiada S, So Paulo (SP), apresentam pontos de concordncia e divergncia. Os grupos II,VI; VII e X (tomamos aqui os dados relativos aos livres, exclusive os forros e includos osbrancos) esto bem prximos, por sua composio, dos apontados para a rea paulista.Para os grupos I, IV e V largas diferenas distinguem mineiros e paulistas.

    Em Vila Rica as doenas infecto-contagiosas jogam papel de menor realce do que emSo Paulo (237 contra 622,6 por mil mortes), sendo menos expressiva nesta ltima aparticipao da tuberculose pulmonar. As doenas do aparelho respiratrio so

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    inexpressivas em So Pauto (1,9 por mil mortes) e de maior importncia em Vila Rica: 66por mil mortes (12). As doenas do aparelho digestivo -- 462 mortes em mil para VilaRica contra 95,6 por mil em So Paulo -- marcam outra diferena significativa entre osdois ncleos populacionais.

    No se revelou grande discrepncia entre os diferentes grupos sociais em que foi

    decomposta a amostra. Os grupos so relativamente homogneos quer no que dizrespeito incidncia de molstias quer ao peso relativo delas.

    O elemento distintivo fundamental fica, assim, escamoteado, se analisarmos apenas asdoenas e sua distribuio entre as camadas sociais. Aparece quando se toma em contaa relao entre as taxas de mortalidade dos diversos grupos. Verificou-se, tanto paraadultos quanto para crianas, ser a condio social ou de cor -- que se confundiam emlarga escala no perodo colonial -- decisiva para explicar a desproporcionalidade entreos pesos relativos dos grupos sociais na populao viva, de um lado, e no conjunto dosmortos por outro.

    Elemento merecedor de realce o meio fsico, entendido no conjunto das condies

    geogrficas e de trabalho. A encontramos as razes para algumas diferenasencontradas no confronto entre os estudos sobre os paulistas e os mineiros.

    O ambiente cultural, hbitos de higiene e de alimentao, aliado ao momento histrico, adecadncia econmica, compuseram, a nosso ver, com relevncia, o quadro explicativodas doenas de maior presena: as infecto-contagiosas e as do aparelho digestivo.

    TABELA 11REPARTIO DOS BITOS POR CAUSAS: POPULAO LIVRE E ESCRAVA

    (Freguesia de Na. Sa. da Conceio de Antnio Dias, abril de 1799 a junho de 1801)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    CAUSA DO BITO ESCRAVOS LIVRES TOTAL PROPOR- H M H M H M H+M O (a)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I) Doenas Infecciosase Parasitrias:Coqueluche 1 - - - 1 - 1Difteria - - 1 - 1 - 1Disenteria 1 - - - 1 - 1Febre recorrente 6 1 7 5 13 6 19Ictercia - - - 2 - 2 2Lepra - 1 2 - 2 1 3Tuberculose pulmonar 7 6 5 4 12 10 22Outras Tuberculoses - - 1 - 1 - 1Tumor Maligno 1 - 1 - 2 - 2Total.................................. 16 8 17 11 33 19 52 216

    II) Doenas do SistemaNervoso e dos rgosdos Sentidos:Deficincia Mental 1 - 1 - 2 - 2

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    Epilepsia - - 1 1 1 1 2Paralisia 3 - 1 - 4 - 4Total.................................. 4 - 3 1 7 1 8 33

    III) Doenas do AparelhoCirculatrio:Aneurisma 1 - - - 1 - 1 4

    IV) Doenas doAparelhoRespiratrio (A. R.):Asma - - 1 1 1 1 2Empiema - 1 - - - 1 1Laringite Aguda - - 1 - 1 - 1Pneumonia 4 1 1 1 5 2 7Outras doenas do A. R. - 4 1 - 1 4 5Total.................................. 4 6 4 2 8 8 16 66

    V) Doenas do AparelhoDigestivo:Hidropisia 45 11 26 41 71 52 123Obstruo Intestinale Hrnia 2 - 1 1 3 1 4Total.................................. 47 11 27 42 74 53 127 527

    VI) Doenas doAparelhoGeniturinrio:Anria - - 4 - 4 - 4

    Hemorragia Uterina - 1 - - - 1 1Total.................................. - 1 4 - 4 1 5 21

    VII) Doenas da Pele edo Tecido Celular Sub-cutneo:Gangrena 2 3 5 - 7 3 10Morfia - - 1 - 1 - 1Abcessos - 1 - 2 - 3 3Sarnas - - 1 - 1 - 1Total.................................. 2 4 7 2 9 6 15 63

    VIII) Doenas do Siste-ma Osteomuscular:Reumatismo noespecificado - - - 1 - 1 1 4

    IX) Sintomas e EstadosMrbidos Mal Definidos:Apoplexia 1 - 3 1 4 1 5

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    Clica 2 - - - 2 - 2Entrevada - 1 - - - 1 1Hemorragia desangue - - 1 1 1 1 2Total.................................. 3 1 4 2 7 3 10 41

    X) Acidentes, Envenena-mentos e Violncias:Afogamento 1 - - - 1 - 1Acidentes devidos afatores ambientais 1 - - - 1 - 1Soterramentos 2 1 1 - 3 1 4Total.................................. 4 1 1 - 5 1 6 25

    TOTAL GERAL................. 81 32 67 61 148 93 241 1.000-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: H = Homens / M. = Mulheres. (a) Proporo por mil bitos (causas especificadas).

    NOTAS

    (1) Agradecemos ao Instituto de Pesquisas Econmicas da USP e, sobretudo, ao Dr.Affonso Celso Pastore, o apoio financeiro que nos possibilitou a realizao destetrabalho.

    (2) Consideramos os seguintes levantamentos populacionais: 1) Populao de Vila Rica(comarca) e Minas Gerais, para 1776, Rocha, Jos Joaquim. Memria Histrica da

    Capitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Pblico Mineiro (Abreviada para R.A.P.M.nas citaes seguintes), Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1899, ano IV,fascculos l e II, p. 511. 2) Populao de Minas Gerais, para 1805 e 1808, R.A.P.M.,Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1899, ano IV, fascculos I e lI, p. 294. 3)Estimativa da populao de Minas Gerais para incio do sculo XIX. Rugendas, J.Maurcio. Viagem Pitoresca Atravs do Brasil, Martins e Editora da USP. So Paulo, 1972,il., p. 27. A participao adotada, em nossos clculos, para os grupos de cor foi a mdiaaritmtica simples dos porcentuais implcitos nos levantamentos acima apontados. Talexerccio matemtico, justificado apenas pela falta de dados empricos concretos, deveser tomado to-somente como hiptese de trabalho.

    (3) Eschwege, W. L., von. Pluto Brasiliensis, Editora Nacional, So Paulo, s.d., 2o. vol., p.

    447.(4) "os mineiros preferiam os 'minas' exportadas principalmente de Ajud, tanto porserem mais fortes e mais vigorosos do que os bantos, como porque acreditavam teremeles poder quase mgico para descobrir ouro. O Dr. Lus Gomes Ferreira acrescenta queeram, tambm, muito mais corajosos, e mais resistentes s doenas. 'Porque os que sobons quando chegam a dizer que so doentes, esto meio mortos, como eu muitasvezes tenho visto ... e os Angolas nas doenas so muito moles e os de nao Minamuito duros" Boxer, C. R. A Idade de ouro do Brasil, Editora Nacional, So Paulo, 1969,

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    p. 195.

    (5) Os legtimos so filhos de forros e demais livres (inclusive brancos); os filhos deescravos raramente so identificados como legtimos (no perodo abarcado por estetrabalho todos os nascidos de escravas foram ditos naturais). Os bastardos livres so,em sua maioria, filhos de crioulas ou pardas forras e pardas livres.

    (6) Com base nos assentos da parquia em estudo estabelecemos a distribuio dosbatismos em funo dos dias decorridos do nascimento. Concluiu-se que 94,5% dascrianas nascidas legitimas ou bastardas receberam o batismo nos primeiros 30 dias devida. Para os expostos (estudados parte) a cifra vai a 95,1 %.

    (7) Efetuamos o clculo para o ano de 1800 com base nos assentos, porque nos foipossvel determinar a data de nascimento para parcela considervel das crianasfalecidas nesse ano. J para o perodo todo (1799-1801) utilizamos a curva de freqnciapor ns elaborada, pois foi impossvel determinar a data de nascimento de grande partedos falecidos em 1799 e 1801, em razo de lacunas nos assentos de batizados. de senotar a pequena discrepncia entre os valores calculados com base nos dois mtodos

    de que nos servimos.

    (8) Para o ano de 1800 utilizamos diretamente os cdices. Para o perodo 1799-1801admitimos a taxa de mortalidade infantil da ordem de 240 por mil e calculamos as taxaspor grupo com base nos assentos (batismos e bitos) e em curva de distribuio dosbitos. Destarte, os resultados para o espao de tempo compreendido entre abril de1799 e junho de 1801 aparecem, apenas, como indicadores plausveis.(9) impossvel falar sabre os grupos III e VIII no referente s relaes deproporcionalidade entre os grupos sociais porque aparecem, nos grupos em apreo,casos isolados de aneurisma e reumatismo. A discrepncia verificada no grupo IXdevesse ao fato de se tratar de soterrados; com certeza, trabalhadores das minas.

    (10) "Citada a cada passo pelas autores antigos, a hidropisia -- acmulo de lquidoseroso numa cavidade ou no tecido conjuntivo subcutneo -- foi sintoma observado comfreqncia no Brasil Afeces hepticas, crdio-renais e at infestaes parasitriascausaram, no pas, os numerosos casos de hidropisias, relatados pelos escritores dossculos passados", Santos Filho, Lycurgo. Histria da Medicina no Brasil (do sculo XVIao sculo XIX), Brasiliense, So Paulo, 2o. vol, p. 159.

    (11) Marclio, Maria Luza,A Cidade de So Paulo: Povoamento e Populao - 1750/1850,Pioneira e Editora da USP, So Paulo, 1974, passim.

    (12) "Vila Rica est situada ... nas abas meridionais de uma Serra, chamada do Ouro

    Preto, e por isso quase sempre est a Vila coberta de nvoas, que de ordinrio fazempadecer os habitantes, seus defluxos, e so as molstias comuns neste Pas, por serbastante frio", Rocha, Jos Joaquim da, Memria Histrica da Capitania de Minas Gerais,R.A.P.M., ano II, fascculo 3, 1897, p. 445.