Arbitragem em conflitos individuais de trabalho

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ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Este estudo tem por escopo verificar a possibilidade e a viabilidade da aplicação do instituto da arbitragem nos conflitos individuais trabalhistas. Ulderico Pires dos Santos, Presidente do Tribunal Arbitral do Rio de Janeiro (1999 p. 68), ressalta que “ a solução de conflitos de interesses por meio de árbitros já foi adotada, por nossos legisladores, há mais de cem anos”, contudo, continua o autor “ esse instituto jamais ganhou colorido virtual, duradouro, por sujeitar os laudos arbitrais à homologação pelos órgãos do Poder Judiciário”. No entanto, com o advento da Lei 9.307 de 1996, a arbitragem passou a constituir instrumento alternativo, capaz de solucionar conflitos de interesses que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, isto é que admitam transação. 1

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ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS

DO TRABALHO

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Este estudo tem por escopo verificar a possibilidade e a

viabilidade da aplicação do instituto da arbitragem nos conflitos

individuais trabalhistas.

Ulderico Pires dos Santos, Presidente do Tribunal Arbitral do

Rio de Janeiro (1999 p. 68), ressalta que “ a solução de conflitos de

interesses por meio de árbitros já foi adotada, por nossos legisladores,

há mais de cem anos”, contudo, continua o autor “ esse instituto jamais

ganhou colorido virtual, duradouro, por sujeitar os laudos arbitrais à

homologação pelos órgãos do Poder Judiciário”.

No entanto, com o advento da Lei 9.307 de 1996, a

arbitragem passou a constituir instrumento alternativo, capaz de

solucionar conflitos de interesses que envolvam direitos patrimoniais

disponíveis, isto é que admitam transação.

Rodolfo Pamplona de Veiga Filho (1999 p.224), tratando

sobre o tema, adverte que nas relações individuais de trabalho a

aceitação do instituto é ainda muito tímida :

(...) a arbitragem propriamente dita, tem realmente espaço em sede de relações coletivas de trabalho, até mesmo, pela sua expressa previsão nos §§ 1º e 2º do

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artigo 114 da Constituição Federal. Já o Direito Individual do Trabalho, tem se mostrado, um terreno mais resistente para aceitação da arbitragem.

A opinião do mencionado autor se coaduna com a opinião

do I. Magistrado do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região,

Georgenor de Souza Franco Filho, que aduz a necessidade de haver

legislação própria sobre arbitragem aplicável as demandas trabalhistas,

tendo em vista que a atual lei revogou os antigos dispositivos que

regulavam a matéria.

Mostra-se, portanto, oportuno indagar se na conjectura atual

a lei de arbitragem é instrumento eficaz para dirimir conflitos

individuais trabalhistas.

2. MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE

CONFLITOS

Os meios de solução de conflitos mais utilizados são a

autocomposição e a heterocomposição. O primeiro consiste na solução

do conflito por um acordo entre as partes, a exemplo da renúncia e da

transação. Já o segundo caracteriza-se pela imposição da decisão de um

terceiro na solução do conflito.

São formas autocompositivas: a mediação, a conciliação e a

negociação coletiva no Direito do Trabalho. A heterocomposição, por sua

vez, abrange a arbitragem e a jurisdição.

A mediação é a técnica de composição dos conflitos

caracterizada pela participação de um terceiro, o mediador, que tem a

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função de aproximar as partes, formulando propostas, sem contudo ter

poder decisório sobre os litigantes.

Na conciliação, o conciliador auxilia as partes para que

entrem em acordo acerca do litígio.

A diferença entre conciliação e mediação é mais formal do

que prática. A conciliação é judicial e em alguns casos extrajudicial,

enquanto a mediação é extrajudicial. O mediador é via de regra

escolhido pelas partes, já o conciliador pode ser escolhido ou não pelos

litigantes.

Entende-se por negociação coletiva a fase inicial de

discussão entre o sindicato de empregadores e empregados, sem a

intervenção de terceiro, com o fito de estabelecer o acordo coletivo de

trabalho ou a convenção coletiva.

A arbitragem é também um meio extrajudicial de

composição dos conflitos, mas com algumas peculiaridades. Caracteriza-

se por ser um método heterocompositivo, uma vez que as partes

elegem um terceiro para decidir a controvérsia, mas com um teor

autocompositivo, uma vez que prevalece a autonomia da vontade tanto

na escolha desse método, como na escolha do árbitro.

Por fim, pode-se resumidamente conceituar jurisdição como

o poder do Estado de decidir os conflitos.

Em decorrência da crise que assola o poder judiciário, o

implemento destes meios alternativos tem tomado grande impulso no

Brasil, no entanto, no Direito do Trabalho ainda há uma resistência na

utilização da arbitragem para solução de conflitos.

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Destarte, há uma polêmica em relação a utilização da

arbitragem em face de princípios constitucionais, em especial o da

indeclinabilidade do Poder Judiciário e do tradicional Princípio da

irrenunciabilidade de direitos, que norteia o Direito Trabalhista.

3. ARBITRAGEM

Como visto anteriormente, a arbitragem caracteriza-se por

ser um meio alternativo de solução de conflitos de natureza mista,

porquanto é contrato e jurisdição a um só tempo.

3.1 CLASSIFICAÇÃO

Podemos classificar arbitragem, quanto ao modo, em duas

espécies: obrigatória e voluntária.

Rodolfo Pamplona (1999 p. 212) ensina que:

A arbitragem voluntária é, por essência, a verdadeira arbitragem onde as partes livremente optam por esta forma de solução de conflitos, tendo ampla liberdade para escolha dos árbitros e procedimentos. É a forma consagrada pela lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que rege atualmente o Juízo Arbitral no Brasil. Já a arbitragem obrigatória é a aquela compulsoriamente imposta pelo estado como a forma de solução para determinados tipos de controvérsia.

A arbitragem obrigatória, apesar de utilizada em muitos

países, não deve ser aplicada no direito brasileiro, mormente em

matéria trabalhista, pois caracterizaria uma afronta ao princípio

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constitucional da indeclinabilidade do Poder Judiciário, consagrado no

art. 5º XXXV da Carta Magna.

Quanto ao espaço a arbitragem pode ser dividida em

internacional e interna. A primeira é caracterizada, segundo Franco Filho

(1997 p.17) “pelo despedaçamento do contrato, no qual cada parte pode

ser regida por lei diferente”, já a interna, continua o autor, “ há

incidência de um único sistema jurídico, e que, no caso da trabalhista,

tem particular interesse no Brasil”.

Em relação à forma de surgimento pode ser institucional, ou

seja, quando as partes recorrem a uma entidade arbitral que possuem

regras e normas próprias de procedimento ou ad hoc, aquela na qual o

compromisso arbitral e todas as regras do procedimento devem ser

registradas perante um árbitro escolhido pelas partes. Vale dizer, é

aquela criada para o caso concreto.

Quanto a liberdade de decisão do árbitro, pode a arbitragem

ser de “oferta final”, “de pacote” e “medianeira”. A primeira pode ser

compreendida como aquela em que o árbitro fica restrito à oferta de

uma das partes, não podendo, por seu turno, imprimir decisão própria.

Na arbitragem “de pacote”, o árbitro deve analisar a

proposta de cada parte em seu conjunto, e não isoladamente, como na

primeira modalidade.

Por fim, a “medianeira” é aquela na qual o árbitro funciona

primeiramente como mediador, buscando a conciliação, e,

posteriormente, frustrada a tentativa é que assume a posição de árbitro.

3.2 PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA ARBITRAGEM

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Algumas são as vantagens de aplicação da arbitragem, tais

como: a celeridade, informalidade, o sigilo do procedimento, a

possibilidade de escolha do árbitro (pessoa de confiança das partes),

bem como o conhecimento técnico do mesmo.

A celeridade e a informalidade podem ser verificadas na

arbitragem tendo em vista que o procedimento arbitral não prevê

expressamente a interposição de recursos, o que diminui a duração da

pendência estabelecida. A informalidade se verifica por não se revestir a

arbitragem das solenidades exigidas no processo comum. A título de

exemplo da celeridade do juízo arbitral, o art. 23 da Lei de Arbitragem

prevê que no silêncio das partes, o laudo arbitral tem prazo máximo de

6 (seis) meses para ser proferido.

Outra vantagem do processo arbitral refere-se ao sigilo do

procedimento, uma vez que não há a necessidade de divulgação dos

atos processuais se comparado ao processo judicial comum.

O outro motivo ensejador para a busca de solução do conflito

na arbitragem pelas partes é a escolha do árbitro, pessoa de confiança e

dotada de conhecimento técnico hábil na solução da lide, tendo este a

flexibilidade de decidir até por equidade, não estando adstrito aos textos

legais.

Entretanto, Franco Filho (1997, p. 19) aponta uma

desvantagem para a adoção do instituto na seara trabalhista:

A grande desvantagem está, no entanto, no custo do procedimento arbitral. É um procedimento altamente oneroso, o que quando se trata de matéria trabalhista pode encontrar profunda barreira nas condições do sindicato da categoria profissional de arcar com essas

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despesas. Aqui repousa sério aspecto que dificulta sua implementação em matéria trabalhista e a preferência pela busca de prestação jurisdicional.

3.3 CLÁUSULA ARBITRAL E COMPROMISSO ARBITRAL

As partes podem estabelecer uma cláusula no contrato,

chamada Cláusula Compromissória, na qual convencionam que o

eventual litígio será solucionado por arbitragem. Conforme orientação

do art. 4º da Lei é necessário que esta cláusula seja em escrito, podendo

estar inserida no contrato ou em separado. Esta cláusula obriga as

partes em função do preceito da pacta sunt servanda, além do principio

da autonomia da vontade.

É importante salientar que a cláusula compromissória obriga

as partes no tocante à relação jurídica pactuada, que deve dizer

respeito a direitos disponíveis, ou seja, que comportem transação.

Uma vez perfectibilizada e instrumentada a cláusula

compromissória, do que não se pode ter dúvida é de que , no momento

que as partes a firmem, elas abdicam, voluntariamente, a jurisdição

estatal ordinária para decidir o conflito de interesse que surgir entre

elas no tocante ao negócio jurídico ajustado, que e somente poderá,

assim, ser decidido em tribunais arbitrais, a menos que se prove, que

ela se acha maculada, por qualquer vício de consentimento. (Pires dos

Santos, 1997 p. 69)

O mesmo autor dissente da opinião daqueles que defendem

que a natureza jurídica da cláusula é a de contrato de promessa. Ao

ajustá-la as partes estão renunciando da jurisdição estatal.

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Neste contexto, cabe indagar se os direitos trabalhistas são

disponíveis e se é possível estabelecer uma cláusula compromissória no

contrato individual de trabalho. Examinaremos o assunto mais

detalhadamente no item subsequente.

Ocorrendo o conflito, as partes realizam o denominado

Compromisso Arbitral, pelo qual se submetem ao quanto acordado

anteriormente. Este compromisso está estabelecido no art. 9º da Lei,

podendo ser judicial ou extrajudicial. Os requisitos do compromisso

estão dispostos no art. 10º e 11º da mesma lei.

Se as pastes resolverem firmar o compromisso arbitral no

curso do processo judicial, terão de fazê-lo por temo nos autos do

processo. Caso em que o órgão jurisdicional deverá julgar extinto o feito.

De outro lado, se o compromisso for extrajudicial, será

celebrado por escrito particular subscrito por duas testemunhas, ou por

instrumento público, dispensada, neste caso, a citada solenidade.

Acrescente-se ainda que em caso de descumprimento da

cláusula pactuada, o art. 6º da lei prevê que a parte interessada deverá

dirigir-se ao juízo estatal para obrigar o remisso a firmar o compromisso

arbitral que se obrigara anteriormente.

3.4 CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 9.307 DE 1996

Alguns doutrinadores vislumbram a inconstitucionalidade da

lei 9.307 de 24 de setembro de 96, que sistematizou o instituto, na

medida em que violaria princípios como o da indeclinabilidade do Poder

Judiciário e do duplo grau de jurisdição. Contudo, este não é o

posicionamento mais acertado, tendo em vista que a lei faculta, e não

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impõe, às partes o juízo arbitral. Observe-se ainda que o laudo é

passível de anulação, de forma que não se afasta absolutamente a

atuação do poder judiciário.

Pires dos Santos (1999 p.74), dissertando sobre a

constitucionalidade da lei 9.307/96, trouxe opinião em sentido contrário

à sua tese, que merece ser transcrita:

[...] os Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, por exemplo, em tese apresentada aos seus pares, pelo juiz Luiz Alberto Vargas, daquele estado, afirmam que a arbitragem deriva da autonomia da vontade e não da lei, como aparentemente alguns se equivocam. Nenhuma lei pode excluir qualquer lesão de direito do poder judiciário (art. 5º da CF). A lei não pode conferir ‘imunidade de jurisdição’ a qualquer que seja, já que isso pressuporia abdicação do poder do Estado. Em outras palavras eqüivaleria admitir-se que, relativamente, a alguns negócios, a vontade dos particulares se sobrepusesse sobre o interesse social, sem que a sociedade tivesse instrumento legal para agir. Assim, temos que a Lei 9.307/96, art. 18,é inconstitucional ao deixar de exigir que o laudo arbitral seja homologado pelo poder judiciário para obter efeito de coisa julgada, bem como ao excluir a possibilidade de recurso conta este.

O mencionado autor enumera diversas razões que

corroboram o entendimento de que a lei que regula o referido instituto

não exclui a atividade do Poder Judiciário.

Assim, em virtude da lei ser explícita em assegurar aos

interessados o acesso ao Judiciário para declaração de nulidade da

sentença arbitral, a mesma traz um procedimento mais eficaz do que

vigia anteriormente. O art. 32 é o permissivo legal que prevê as

hipóteses de nulidade do laudo.

Salienta ainda que a sentença arbitral é irrecorrível no

mérito, não havendo mais a necessidade de homologação pelo Poder

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Judiciário. É, por força de lei, autêntico título executivo judicial,

consubstanciado no art. 41 do CPC.

Vejamos a jurisprudência a respeito de tema, nas parlavas

do ilustre magistrado Roberto Pessoa, membro do Tribunal Regional do

Trabalho da 5ª Região:

ARBITRAGEM. LEI 9.307/96. A SENTENÇA ARBITRAL PRODUZ ENTRE AS PARTES, E SEUS SUCESSORES, OS MESMOS EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA PELOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E, SENDO CONDENATÓRIA, CONSTITUI TÍTULO EXECUTIVO (Art. 31). TODAVIA, PARA QUE SE CONSTITUA EM TÍTULO EFICAZ É NECESSÁRIO QUE TENHA PREENCHIDO TODOS OS REQUISITOS E EXIGÊNCIAS CONSTANTES DO DISPOSITIVO LEGAL, SOB PENA DE DECLARAÇÃO DA SUA NULIDADE, PELO ÓRGÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMPETENTE, QUANDO PROVOCADO PARA TANTO. RECURSO ORDINÁRIO Nº 64.01.00.0292-50 Recorrente(s): SUPERLAR SUPERMERCADOS S/ARecorrido(s): APARECIDO TRINDADE LEALRelator(a): Juiz(a) ROBERTO PESSOA

De outro lado, há a possibilidade de argüição da citada

nulidade através de embargos à execução, conforme os permissivos

insertos nos art. 33 § 3º e 741 do CPC.

O Judiciário é o responsável pelo controle acerca da

controvérsia entre direitos disponíveis e indisponíveis, cabendo ao

mesmo zelar pela observância daqueles que não se podem transacionar.

Em decorrência, cabe ao judiciário decidir através de

sentença quando uma das partes, inadvertidamente, descumpre ou

resiste ao cumprimento da cláusula compromissória pactuada.

Em última análise, assevera Pires dos Santos (1999

p.76):

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De fato, a Lei de Arbitragem, em absoluto colide com qualquer dos artigos da Constituição Federal, que, de certo modo, constitui sua fonte criadora. Assim é que, assegurando as partes o due process of law, contempla-as com a ampla defesa, o contraditório e a produção das provas lícitas que entenderem, a latere do excesso de formalismo a que as regras procedimentais em vigor submetem o juízo estatal, a ponto de não mais atender à necessidade de seus jurisdicionados.

4. APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.307/96 NOS CONFLITOS

INDIVIDUAIS E COLETIVOS

A lei 9.307/96 exige dois requisitos essenciais para recorrer

a este modo de solução de conflitos, quais sejam: que as partes

possuam capacidade para contratar e que os direitos postos ao árbitro

sejam patrimoniais e disponíveis.

É dominante o entendimento na doutrina da possibilidade de

aplicação da arbitragem nos dissídios coletivos trabalhistas, em face do

disposto no art. 114 § 1º e 2º da CF. Isso porque tanto os empregados,

como os empregadores têm o proteção de seus sindicatos para a defesa

de seus direitos que são, em regra, patrimoniais e disponíveis.

Sousa Franco Filho (1997 p. 73), por exemplo, defende o uso

da arbitragem como forma de solução de conflitos coletivos do trabalho,

dizendo ser pouco adequada sua aplicação às relações individuais de

trabalho. Sugere, no entanto, a edição de lei específica para regular a

arbitragem em conflitos coletivos. Enquanto isso não ocorre, defende a

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aplicação da Lei n.º 9.307/96 com as devidas adaptações, com o

resguardo das normas de ordem pública, dos bons costumes e do

princípio do favor laboris. (1997 p.71).

Entre outras sugestões apresentadas pelo autor (1997 p.

72), as mais importantes são: a) a inserção da cláusula compromissória

em acordo e convenção coletiva de trabalho; b) considerar que, da

decisão arbitral, o recurso à Justiça do Trabalho somente será admissível

para fins de nulidade por vício ou por violação de norma de ordem

pública ou de anterior mais favorável ao trabalhador e, c) que as

despesas e custas com a arbitragem, bem como os honorários do perito,

devem ser previstos no compromisso.

Mesmo antes do advento da lei de Arbitragem, Lídia Miranda

de Lima Amaral (1994 p. 71) assinala a importância da arbitragem e da

mediação como instrumentos eficazes de negociação trabalhista, uma

vez que desafogaria a Justiça do trabalho e atenderia melhor ao anseio

das partes. Segundo a autora, deve-se acabar com a crença de que os

sindicatos dos trabalhadores precisam pedir mais e mais leis para a

proteção do trabalhador individual, pois a principal função do sindicato é

a negocial. Adverte, porém, que “dificuldades quase intransponíveis

surgirão em alguns pontos de nosso território nacional para que esse

sistema extrajudicial de solução de controvérsias trabalhistas, uma vez

implantado, possa colher algum fruto”.

Em trabalho monográfico, a supracitada advogada (1994 p.

48), traçando um comparativo com outros países, demonstra que a

arbitragem quase que exclusivamente é utilizada em dissídios

individuais, a exemplo dos Estados Unidos. Acredita que a arbitragem

seria a melhor alternativa para composição dos conflitos individuais

trabalhistas, uma vez que possibilitaria uma maior mobilidade entre os

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interlocutores sociais. No plano coletivo, sugere a mediação como

instrumento eficaz para solução de tais conflitos, defendendo a tese de

que nem todas as questões trabalhistas devem ser postas ao Judiciário

em detrimento da negociação coletiva no âmbito da empresa. Da

mesma forma, é contrária à crença de que o sindicato só é forte

perante a figura do Juiz e se há uma lei que lhe assegure certos

benefícios.

Verifica-se que mesmo no tocante aos conflitos coletivos, em

que há expressa previsão constitucional de aplicação do instituto, as

soluções apontadas pelos doutrinadores são diversas.

Entretanto, no que tange aos conflitos individuais, as

opiniões são ainda mais diversificadas, havendo uma tendência em não

admitir a aplicabilidade dessa forma de solução de conflito nas relações

laborais individuais.

Entende-se que os direitos individuais trabalhistas, como o

direito ao salário mínimo, ao fundo de garantia por tempo de serviço, às

férias, ao décimo terceiro salário não são disponíveis. Assim, seria nula a

cláusula compromissória ou compromisso que desrespeitasse esses

direitos constitucionalmente previstos.

Deve-se ter em conta ainda o que preceitua o art. 9º da CLT:

“serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de

desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas.”

Assim, se já se vislumbra a necessidade de adaptações da lei

de Arbitragem às peculiaridades das relações de trabalho no âmbito

coletivo, nas relações individuais trabalhistas, as quais o trabalhador não

tem a proteção dos sindicatos, tal imperativo é ainda maior. Mesmo os

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juristas que defendem sua aplicabilidade no âmbito trabalhista,

entendem que não pode haver violação de normas de ordem pública ou

de norma anterior mais favorável ao trabalhador, o que já demonstra

uma limitação na aplicação da arbitragem nos dissídios trabalhistas.

Sérgio Pinto Martins (1998 p.74) , tratando sobre o tema,

ensina:

[...] os direitos trabalhistas são irrenunciáveis pelo trabalhador. Não se admite, por exemplo que o trabalhador renuncie as férias. Se tal fato ocorrer não terá qualquer validade o ato do operário, podendo o obreiro reclamá-las na Justiça do Trabalho. Poderá, entretanto, o trabalhador renunciar a seus direitos se estiver em juízo, diante do Juiz do Trabalho, pois neste caso, não se pode dizer que o empregado seja forçado a fazê-lo.

Assevera ainda que “quanto a arbitragem nos dissídios

individuais, haveria necessidade de uma lei determinado esta

possibilidade, de maneira que não se aplicasse o art. 1º da Lei n.º

9307/96”.

A desigualdade econômica entre empregador e empregado

é outro argumento contra a aplicabilidade da arbitragem nos conflitos

individuais trabalhistas. Poderia o empregador querer valer-se da

arbitragem para defraudar as normas trabalhistas, subjugando o

hipossuficiente aos seus interesses.

Outrossim, como a arbitragem pode ser de direito ou de

equidade, seria possível que importantes conquistas trabalhistas fossem

desvirtuadas, acarretando uma grande insegurança jurídica.

O Professor FERNANDO GALVÃO MOURA in Arbitragem no

Direito do Trabalho, alerta que:

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Apesar da morosidade nas soluções trabalhistas e de realmente ser ela hoje, a Justiça dos desempregados, ainda há a necessidade da proteção estatal dos direitos individuais do trabalhador, tanto disponíveis quanto indisponíveis, principalmente num período tão longo de planos econômicos catastróficos, que tem mantido o país numa eterna recessão; de empresários e políticos que lutam para enfraquecer ou eliminar os sindicatos, que criam institutos como terceirização, cooperativa, quateirização, serviço temporário e tantos outros, para de forma fraudulenta contornar as leis de proteção do trabalhador e de sua dignidade.

O ilustre professor adverte ainda que diante de nossa

realidade cultural, social e econômica, não deve ser aplicada a

arbitragem nos dissídios individuais, sendo o instituto da mediação o

mais apropriado.

O renomado jurista AMAURI MASCARO (1998 p.18) defende

a tese de que a finalidade da arbitragem não é trabalhista, porque visa

atender a questões de comércio, “no entanto, nada impede a sua

aplicação nas relações de trabalho, porém, em vez de simplificar, isso

complicaria mais porque faz exigências que não se coadunam com o

informalismo trabalhista, como a assinatura de cláusula compromissória

ou de compromisso arbitral”.

De outro lado, há muito se discute sobre da necessidade de

flexibilização das leis trabalhistas no plano individual e do

prevalecimento da autonomia da vontade em relação a algumas

pactuações entre empregador e empregado, chegando alguns juristas a

defender a tese da disponibilidade dos direitos dos trabalhistas.

Nesse sentido, vale a pena transcrever a conclusão do

professor RODOLFO PAMPLONA ( 1999 p. 224):

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[...] talvez já seja a hora de assumir, sem hipocrisias, que os direitos trabalhistas talvez não sejam tão irrenunciáveis assim, mas a própria possibilidade da conciliação judicial por valores menores do que o efetivamente devido já demonstra a real disponibilidade na prática.

Por fim, existem aqueles que defendem a aplicação da

arbitragem nos dissídios individuais, desde que a cláusula

compromissória seja estipulada em acordo ou convenção coletiva, tendo

em vista a participação dos sindicatos, que têm como função precípua

proteger os direitos dos trabalhadores.

Neste diapasão, oportuno transcrever a ementa de

julgamento de RECURSO ORDINÁRIO, que teve como relatora a

juíza Dalila Andrade, i. magistrada do TRT da 5ª região:

JUÍZO ARBITRAL. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS. POSSIBILIDADE. É cabível o instituto da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas, desde que sejam obedecidas as exigências previstas na Lei n.º 9.307/96 e que o empregado a ele tenha se submetido de livre e espontânea vontade, sem qualquer espécie de coação. (RECURSO ORDINÁRIO N.º 01.02.01.0328-50 Recorrente: SINÉSIO JOSÉ TEIXEIRA DA CONCEIÇÃO Recorrida: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS ESTADUAIS – ASBACE)

5. CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a arbitragem é meio

alternativo de composição de conflitos aplicável às relações coletivas do

trabalho, sendo recomendável a edição de lei específica para regular a

arbitragem no âmbito trabalhista.

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Entretanto, em se tratando dos conflitos individuais, melhor

é o entendimento daqueles que defendem a sua não aplicação no

presente cenário do nosso Direito do Trabalho Brasileiro.

É certo que alguns direitos trabalhistas são renunciáveis ou

transacionáveis, mas outros não podem ser afastados do âmbito de

proteção das normas e princípios trabalhistas. De modo que seria

arriscado submeter à arbitragem a apreciação de conflitos que

contemplem tais direitos, o que ocasionaria lesão a entendimentos

consolidados dentro da legislação trabalhista.

Importante reafirmar que na atual conjuntura há grandes

possibilidades de o empregador deturpar a finalidade deste instituto, em

prol de seus interesses. Ademais, é preciso ter em mente que princípios

basilares do Direito do Trabalho, como o da proteção ao trabalhador

devem ser preservados. Por isso, sugerimos a criação de uma lei que

adequasse a arbitragem aos moldes trabalhistas, respeitando suas

peculiaridades.

Em síntese, reconhecemos as vantagens, a eficácia e a

relevância de tal instituto nas solução dos conflitos. Todavia, em relação

aos dissídios individuais há que se ter uma maior cautela na sua

aplicação.

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