Arend, A Industrialização Do Brasil Ante a Nova Divisão Internacional Do Trabalho Ipea 2015

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  • 2105

    A INDUSTRIALIZAO DO BRASIL ANTE A NOVA DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO

    Marcelo Arend

  • TEXTO PARA DISCUSSO

    A INDUSTRIALIZAO DO BRASIL ANTE A NOVA DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO1

    Marcelo Arend2

    1. Texto para discusso elaborado com informaes disponveis at julho de 2013. Originalmente publicado como captulo 10 do livro Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro, organizado por Andr Bojikian Calixtre, Andr Martins Biancarelli e Marcos Antonio Macedo Cintra (2014). Disponvel em: .2. Professor Adjunto do Departamento de Economia e Relaes Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador visitante no Programa Nacional de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) do Ipea. E-mail: [email protected]

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  • Texto para Discusso

    Publicao cujo objetivo divulgar resultados de estudos

    direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

    por sua relevncia, levam informaes para profissionais

    especializados e estabelecem um espao para sugestes.

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015

    Texto para discusso / Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.- Braslia : Rio de Janeiro : Ipea , 1990-

    ISSN 1415-4765

    1.Brasil. 2.Aspectos Econmicos. 3.Aspectos Sociais. I. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 330.908

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e

    inteira responsabilidade do(s) autor(es), no exprimindo,

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    Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos

    Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele

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    JEL: F43; O14; O33; O57.

    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Roberto Mangabeira Unger

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteJess Jos Freire de Souza

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalAlexandre dos Santos Cunha

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisMarco Aurlio Costa

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisAndr Bojikian Calixtre

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisBrand Arenari

    Chefe de GabineteJos Eduardo Elias Romo

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO..............................................................................................................7

    2 A EVOLUO DA ESTRUTURA INDUSTRIAL BRASILEIRA, SEU COMRCIO EXTERIOR E SUA INSERO NAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR..................................8

    3 A DESINDUSTRIALIZAO BRASILEIRA......................................................................22

    4 APROFUNDANDO A ANLISE DA DESINDUSTRIALIZAO PRECOCE BRASILEIRA: O INDICADOR DE DESINDUSTRIALIZAO RELATIVA INTERNACIONAL (DRI).............40

    5 UMA NOTA FINAL SOBRE O BRASIL ANTE A NOVA DIVISO INTERNACIONAL DO TRABALHO.................................................................50

    REFERNCIAS .............................................................................................................53

  • SINOPSE

    O texto analisa o processo de desindustrializao brasileiro a partir da perspectiva das transformaes ocorridas no sistema econmico mundial nas ltimas trs dcadas. Percebe a performance da indstria brasileira na economia internacional a partir das mudanas tecnolgicas, produtivas, comerciais e financeiras. A principal concluso a de que a indstria brasileira vem apresentando reduzida transformao em sua estrutura produtiva e no seu padro de comrcio externo.

    Palavras-chave: indstria brasileira; desindustrializao precoce; mudana estrutural.

    ABSTRACT

    The paper analyzes the process of Brazilian deindustrialization from the perspective of the transformations occurred in the global economic system in the last three decades. Realizes the performance of the Brazilian industry in the international economy from the technological, productive, commercial and financial changes. The main conclusion is that the Brazilian industry has been presenting reduced transformation in its productive structure and its pattern of foreign trade.

    Keywords: brazilian industry; deindustrialization; structural change.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

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    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    1 INTRODUO

    O objetivo principal deste texto ressaltar as principais transformaes sistmicas que vm ocorrendo na economia mundial nas ltimas trs dcadas e seus impactos sobre a dinmica de desenvolvimento industrial do Brasil. Ressalta-se a importncia da anlise das mudanas internacionais ocorridas desde a dcada de 1980, que vieram a configurar uma nova tendncia de desenvolvimento de longo prazo nas economias capitalistas, para a melhor compreenso dos problemas estruturais da indstria brasileira e sua superao.

    O texto est dividido em dois grandes blocos. Inicialmente, por meio da construo de uma nova tipologia da estrutura industrial brasileira, analisou-se a evoluo da matriz produtiva por grupos industriais segundo sua especificidade tecnolgica (commodities agrcolas, commodities industriais, indstria tradicional intensiva em mo de obra, intensiva em tecnologia do paradigma fordista e intensiva em tecnologia do paradigma microeletrnico). Verificou-se a existncia de heterogeneidade estrutural na anlise da evoluo da indstria por grupos, em direo aos ganhos de participao de setores intensivos em recursos naturais e de setores tecnologicamente emblemticos da revoluo tecnolgica suplantada pelos pases avanados h trs dcadas. Tambm, constatou-se que a heterogeneidade da estrutura produtiva brasileira reflete-se em seu desempenho comercial, caracterizado por elevada participao dos grupos de commodities primrias e industriais na corrente de comrcio da indstria e nfima participao de setores tpicos do paradigma microeletrnico. A evoluo da estrutura produtiva brasileira, bem como de seu padro de comrcio exterior, ajuda a entender a insero subordinada do Brasil nas cadeias globais de valor, tema tratado ao final desta primeira seo.

    Em seguida, discute-se o fenmeno da desindustrializao e analisa-se o caso do Brasil, procurando verificar se o pas vem passando por um processo de desindustriali-zao normal ou precoce. O texto procurou aprofundar a anlise da desindustrializao brasileira mediante a construo de um indicador que fosse capaz de capturar processos de desindustrializao relativa em nvel internacional. O denominado indicador de desindustrializao relativa internacional (DRI) mostrou que o Brasil vem enfrentando uma desindustrializao relativa perante no somente o mundo, mas tambm em relao Amrica Latina, frica em desenvolvimento, Oceania em desenvolvimento e at mesmo em relao s economias desenvolvidas. Portanto, trata-se de um caso extremo de desindustrializao precoce.

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    2 A EVOLUO DA ESTRUTURA INDUSTRIAL BRASILEIRA, SEU COMRCIO EXTERIOR E SUA INSERO NAS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR

    O irrompimento de novas trajetrias tecnolgicas na dcada de 1970, principalmente nas economias norte-americana, alem e japonesa, possibilitou o processo de renovao da base tcnica industrial, aproximando segmentos emergentes (microeletrnica, telecomunicaes, biotecnologia, novos materiais) dos setores-chave do antigo paradigma (metal-mecnico-qumico).

    Nesse processo, ao mesmo tempo que a nova onda de inovaes possibilitou a retomada do desenvolvimento econmico sob novas bases nos pases centrais, ela estabeleceu tambm fortes restries incorporao destes mesmos avanos nas economias perifricas. Isso porque a fase de inaugurao de novas trajetrias tecnolgicas traz consigo a caracterstica da elevao da apropriao do progresso tcnico, bem como o acentuamento da intransferncia do conhecimento tcnico. Aliado a isso, crescem, nesta fase, as exigncias para a assimilao das novas tecnologias, dados os novos requerimentos por capacitao de mo de obra, qualidade dos insumos e infraestrutura apropriados ao novo paradigma. As novas tecnologias tm de fazer um uso mais intensivo de mo de obra durante suas fases iniciais e utilizar pessoal relativamente custoso e de alto conhecimento e qualificao. Especificamente em relao ao setor de bens de capital, nos anos 1970 e 1980, se difundiu internacionalmente novas mquinas e equipamentos que incorporaram dispositivos microeletrnicos, numa verdadeira mudana radical na base tecnolgica do setor (Arend, 2009).

    Com o esgotamento das possibilidades de inverso nos complexos metal--mecnico-qumico (paradigma fordista) j nos anos 1970, os pases centrais buscaram se reestruturar tecnolgica e produtivamente. Contudo, deve ficar claro que as indstrias ncleo do paradigma anterior continuaram sendo extremamente importantes, apesar de seu auge de investimentos estar concludo; no entanto, logo foram deslocadas do topo da matriz industrial, bem como deixaram de ser responsveis pela dinmica de crescimento das economias centrais. Segundo Laplane (1992), a partir dos anos 1980, o eixo dinmico da atividade industrial nos pases desenvolvidos deixou de ser o setor automobilstico (caracterstico do paradigma metal-mecnico-qumico) para ser o complexo eletrnico (paradigma microeletrnico). Tambm, o peso do complexo eletrnico nas estruturas industriais dos pases desenvolvidos passou a ser crescente, chegando a superar a participao do complexo automobilstico na estrutura industrial, carro-chefe da dinmica de crescimento do paradigma anterior.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

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    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    O grfico 1 mostra o crescimento explosivo da participao percentual do complexo eletrnico na indstria de transformao das economias capitalistas do mundo. Percebe-se que as economias asiticas e os Estados Unidos possuem atualmente um elevado peso do complexo eletrnico em sua estrutura produtiva, chegando em alguns casos a superar 50% da matriz produtiva.

    GRFICO 1Participao na indstria de transformao dos setores de material eletrnico e de aparelhos e equipamentos de comunicaes (2000 e 2009)(Em %)

    3 3

    3027

    1714 16

    32

    2

    7

    55

    22

    37

    27

    31

    52

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    Brasil ndia Taiwan Malsia Coreia do Sul Mundo Economiasindustrializadas

    EstadosUnidos

    2000 2009

    Fonte: Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).Elaborao do autor.

    Pela anlise do grfico 2, que mostra a evoluo da estrutura industrial do Brasil no perodo 1996-2010, pode-se perceber melhor a distribuio do seu parque manufatureiro, de acordo com sua especificidade tecnolgica.1 O grupo das commodities industriais o que detm a maior participao na estrutura industrial brasileira (33%) em 2010, alm de apresentar tendncia de ganhos de participao. Na segunda posio encontra-se a indstria tradicional intensiva em mo de obra (30%). Juntamente com o grupo das commodities agrcolas, estes trs grupos industriais correspondiam em

    1. Agradeo ao professor David Kupfer pela gentileza em disponibilizar a metodologia utilizada pelo Grupo de Indstria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GIC-IE/UFRJ) para anlise da estrutura produtiva brasileira. A diferena neste estudo foi incorporar o complexo do petrleo e dividir o grupo intensivo em tecnologia em dois: fordista e microeletrnico.

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    2010 a aproximadamente 74% do parque industrial, indicando elevada especializao produtiva do Brasil em setores intensivos em mo de obra e em recursos naturais. O grupo que corresponde aos setores intensivos em tecnologia tpicos do paradigma fordista (metal-mecnico-qumico) chega em 2010 com uma participao de 23%, tambm com tendncia elevao desde 2007. J o grupo que corresponde aos setores industriais intensivos em tecnologia do paradigma microeletrnico (complexo eletrnico) registra uma participao de apenas 2,4% na estrutura produtiva em 2010, alm de apresentar tendncia queda. Ressalta-se tambm a concordncia das informaes relativas s tecnologias tpicas do paradigma microeletrnico na indstria brasileira com as apresentadas no grfico 1, relativo a informaes da Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).

    GRFICO 2Evoluo da estrutura industrial do Brasil (VTI) segundo grupos industriais de acordo com sua especificidade tecnolgica (1996-2010)(Em %)

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Commodities agrcolas Commodities industriais

    Intensiva em tecnologia:paradigma fordista

    Intensiva em tecnologia:paradigma microeletrnico

    Indstria tradicional

    Elaborao do autor.

    As informaes contidas nos grficos anteriores corroboram as anlises feitas por Cassiolato (2001) e Carneiro (2008). Segundo Cassiolato (2001), a partir do incio dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, nota-se que a estrutura industrial brasileira evoluiu de maneira extremamente diversa daquela ocorrida naqueles pases que melhor se adaptaram ao novo paradigma microeletrnico, tanto em relao aos desenvolvidos

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    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    quanto aos em desenvolvimento. Houve um movimento de estagnao da participao dos setores industriais mais dinmicos da nova revoluo tecnolgica na estrutura industrial brasileira. Carneiro (2008) tambm constatou que, entre 1993 e 2006, ocorreu uma grande modificao na estrutura da indstria dos pases desenvolvidos em direo a uma ampliao significativa da participao da indstria de material eletrnico e de comunicao. Os pases em desenvolvimento, em especial os asiticos, acompanharam a mudana em direo preeminncia desse setor e, tambm, diferenciaram a sua indstria nessa direo. Dessa forma, na indstria brasileira, ao contrrio, houve um movimento em direo a ganhos de participao de setores industriais intensivos em tecnologia do paradigma fordista e commodities industriais e agrcolas.

    A tendncia a ganhos de participao na estrutura industrial brasileira de setores vinculados indstria extrativa, commodities primrias agrcolas e industriais, e ao complexo do petrleo explicada pelo intenso direcionamento do investimento para estes setores nos ltimos quinze anos, conforme mostra o grfico 3. Surpreendem a taxa de crescimento do investimento de 456% de setores industriais vinculados ao complexo do petrleo e a taxa inexpressiva de investimento na indstria de transformao, refletindo estagnao, principalmente de inverses em setores de manufaturados intensivos em alta e mdia tecnologia.

    GRFICO 3Taxa de crescimento do investimento na indstria extrativa e de transformao (1996-2010)(Em %)

    250

    57

    14 1

    456

    79

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    450

    500

    Commoditiesprimrias,agrcolas

    e extrativas

    Commoditiesindustriais,derivadas,agrcolas eextrativasde petrleo

    Manufaturadosde baixa emdia-baixatecnologia

    Manufaturadosde mdia-alta ealta tecnologia

    Petrleo Total

    Fonte: PIA. Banco de dados Cemacro.Obs.: Taxa de crescimento considerando a mdia de investimento nos perodos 1996-1998 e 2008-2010. Valores corrigidos pelo deflator implcito dos investimentos nas contas nacionais.

  • 12

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    A tabela 1 apresenta os setores industriais que tiveram as maiores variaes na participao da estrutura produtiva brasileira no perodo 1996-2010. Novamente, percebem-se ganhos de participao de setores que compem os grupos industriais de commodities industriais e agrcolas e da indstria fordista. Os dez setores em destaque detinham um peso na estrutura industrial de 16,4% em 1996 e chegaram a 36,3% em 2010, o que representa um ganho de 20%. J os setores relacionados ao complexo eletrnico, indstria farmacutica e indstria tradicional intensiva em mo de obra apresentaram queda de participao no valor da transformao industrial no perodo 1996-2010.

    TABELA 1Setores industriais com maiores variaes percentuais no valor da transformao industrial (1996-2010)(Em %)

    Maiores altas 1996 2010 Variao

    Derivados do petrleo 4,2 9,2 5,0

    Extrao de minrio de ferro 1,1 6,0 4,9

    Extrao de petrleo e gs natural 1,1 3,8 2,6

    Siderurgia 1,0 3,1 2,1

    Refino de acar 1,2 2,8 1,6

    Manuteno e reparao de mquinas e equipamentos 0,0 1,1 1,1

    Caminhes e nibus 0,7 1,7 1,0

    Atividades de apoio extrao de petrleo e gs natural 0,0 0,7 0,7

    Peas e acessrios para veculos automotores 3,2 3,6 0,4

    Automveis, camionetas e utilitrios 3,9 4,2 0,3

    Maiores quedas

    Ferro-gusa e de ferroligas 2,6 0,6 -2,0

    Material eletrnico e telefonia 2,5 1,2 -1,3

    Produtos farmoqumicos e farmacuticos 3,5 2,3 -1,2

    Eletrodomsticos 1,6 0,8 -0,8

    Tecelagem 1,4 0,6 -0,8

    Aparelhos de recepo, reproduo, udio e vdeo 1,5 0,8 -0,7

    Mquinas e equipamentos de uso industrial especfico 1,3 0,7 -0,6

    Sabes, detergentes, produtos de limpeza e cosmticos 1,8 1,2 -0,6

    Diversos de papel, cartolina, papel-carto e papelo ondulado 1,2 0,6 -0,5

    Outros produtos alimentcios 2,9 2,3 -0,5

    Elaborao do autor.

    Aprofundando a anlise da estrutura produtiva brasileira, vrios autores consi-deram que a avaliao da densidade das cadeias produtivas industriais mostra-se como uma questo central, inclusive no que diz respeito ao diagnstico da desindustrializao.

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    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    Segundo Carneiro (2008), a anlise da perda de densidade da indstria nacional essencial para explicar o menor dinamismo da economia como um todo.2

    O grfico 4 mostra a evoluo do adensamento produtivo da indstria brasileira no perodo 1996-2010. O grupo que apresenta maior adensamento produtivo no ano de 2010 o das commodities industriais (0,53), seguido pela indstria tradicional (0,46). Em seguida, o grupo que compe os setores caractersticos do paradigma fordista apresenta o terceiro maior adensamento produtivo (0,42). Entretanto, neste ltimo grupo, percebe-se uma queda constante do indicador at 2005, quando passou a ocupar a penltima colocao entre os grupos, seguido de rpida recuperao. O grupo correspondente aos setores relacionados ao paradigma microeletrnico apresenta constante esvaziamento produtivo no perodo em tela.

    GRFICO 4Evoluo do adensamento produtivo (VTI/VBPI) da indstria brasileira segundo grupos industriais de acordo com sua especificidade tecnolgica (1996-2010)

    0,3

    0,35

    0,4

    0,45

    0,5

    0,55

    1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2007 2008 2009 2010

    Commodities agrcolas Commodities industriaisIndstria tradicionalIntensiva em tecnologia:paradigma fordista

    Intensiva em tecnologia:paradigma microeletrnico

    Elaborao do autor.

    Novamente, a situao mais preocupante a do grupo dos setores tpicos do paradigma microeletrnico. Isso porque, segundo Laplane (1992), as taxas de crescimento dos mercados do complexo eletrnico foram muito elevadas a partir dos anos 1980 na

    2. O adensamento produtivo demonstra a capacidade de a indstria agregar valor produo, pois medida que atividades antes realizadas no pas so supridas por importaes, a tendncia a reduo do valor adicionado, alm de empregos industriais diretos serem perdidos. Segundo Feij, Carvalho e Almeida (2005, p. 19), quanto menor for a relao [VTI/VBPI], mais prximo o setor est de uma indstria maquiladora que apenas junta componentes importados praticamente sem gerar valor.

  • 14

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    economia internacional, sendo esse complexo industrial o responsvel pela recuperao econmica mundial a partir da segunda metade dos anos 1980. Os setores do complexo eletrnico so irradiadores de progresso tcnico para os demais setores industriais por se basearem nas novas tecnologias da microeletrnica e telecomunicaes, emblemticas da terceira revoluo industrial.

    O crescimento do comrcio internacional em direo a setores de alta intensidade tecnolgica corroborado pela anlise do grfico 5, que mostra a evoluo da demanda mundial por importaes desde 1980, a partir de dados da Organizao Mundial do Comrcio (OMC). Os produtos agrcolas, que representavam 15% das importaes mundiais, chegam ao ano de 2011 com apenas 9% de participao. Combustveis e produtos de minerao possuam uma participao no total da demanda por importaes mundial em 1980 de aproxima-damente 25%, e a partir da sofrem relativo declnio at o fim da dcada de 1990, quan-do representavam apenas 9%. Todavia, ao longo dos anos 2000, recuperam participao nas importaes mundiais, chegando em 2011 ao redor de 22%. Conforme se constata, os produtos manufaturados apresentam ganhos crescentes de participao no total das importaes mundiais, pois representavam aproximadamente 50% das importaes em 1980, e chegaram na dcada de 2000, a representar 75% do total das mercadorias importadas no mundo. No grfico 5A tambm se percebe que os produtos manufaturados com maior participao no total das importaes mundiais so mquinas e equipamentos de transporte, que representaram desde 1990 mais de 30% das importaes mundiais, chegando em alguns anos a superar 40%. O grupo composto por ferro e ao no supera 4% do total das importaes mundiais.

    GRFICO 5Participao das mercadorias mais importadas no total das importaes mundiais (1980-2011)(Em %)

    5A Participao das mercadorias mais importadas

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    ManufaturadosPodutos agrcolasFerro e ao

    Combustveis e produtos mineraisMaquinaria e equipamentos de transporte

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

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    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    5B Participao das importaes de mquinas e equipamentos de transporte

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    3019

    80

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    Equipamentos de escritrio e de telecomunicaesInformtica e equipamentos de escritrioEquipamentos de telecomunicaes

    Produtos automotivos

    Fonte: Banco de dados disponvel em: .Elaborao do autor.

    O grfico 5B mostra especificamente a evoluo da participao do grupo mquinas e equipamentos de transporte no total das importaes mundiais, pois trata-se dos produtos industriais mais demandados entre os manufaturados. Percebe-se a esta-bilidade, com relativo declnio, dos produtos automotivos. Os produtos automotivos, que representavam 9% do total das importaes mundiais em 1990, chegam em 2011 com apenas 7%. Os equipamentos de escritrio, junto com os eletrnicos e equipamentos de telecomunicaes, representaram, em 2011, aproximadamente 8% do total das importaes mundiais.

    Dessa forma, constata-se que as manufaturas so as mercadorias mais demandadas no comrcio internacional desde os anos 1980. Tambm entre os produtos manufaturados, os que apresentam maior participao na demanda mundial por importaes, com ganhos crescentes, so os produtos emblemticos da revoluo microeletrnica (componentes eletrnicos e circuitos integrados, equipamentos de escritrio e eletrnicos e equipamentos de telecomunicaes). Os produtos tpicos da revoluo tecnolgica anterior, como os produtos automotivos, apresentam queda na participao da demanda mundial por importaes.

    O grfico 6 apresenta a participao do Brasil no comrcio internacional. Percebe-se que o Brasil possui tendncia especializao, com ganhos crescentes de participao nas exportaes mundiais, de produtos agrcolas e combustveis e produtos de

  • 16

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    minerao. Ferro e ao tambm aparecem com destaque, apesar de tendncia queda. Produtos manufaturados, qumicos e txteis do Brasil apresentam relativa estabilidade nas exportaes mundiais, com reduzida participao. Em relao participao do Brasil nas exportaes mundiais de mquinas e equipamentos de transporte, percebe-se clara tendncia especializao em produtos automotivos. J em relao aos produtos emblemticos do complexo eletrnico, constata-se a nfima participao do Brasil no total das exportaes mundiais (menos de 0,2%), alm de forte tendncia queda.

    Em linhas gerais, as informaes revelam que o Brasil possui uma especializao exportadora que no se adere de forma dinmica tendncia da demanda internacional nas ltimas dcadas. H uma tendncia de longo prazo de queda da demanda mundial por produtos agrcolas e de elevao dos produtos relacionados ao complexo eletrnico. Na contramo da tendncia internacional, o Brasil eleva sua participao nas exportaes mundiais de produtos agrcolas e reduz a participao dos produtos do complexo eletrnico. Em relao aos produtos manufaturados, a tendncia mundial de reduo de participao das importaes de produtos automotivos e crescimento de produtos do complexo eletrnico. Novamente, as exportaes de manufaturados do Brasil vo na direo contrria: reduzindo a participao dos relacionados ao complexo eletrnico, e aumentando a dos produtos automotivos.

    GRFICO 6Participao das mercadorias mais exportadas e importadas pelo Brasil no total mundial(Em %)

    6A Participao do Brasil nas exportaes mundiais de mercadorias (1980-2011)

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    Produtos agrcolasCombustveis e produtos mineraisManufaturados

    Ferro e aoProdutos qumicos Produtos txteis

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    17

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    6B Participao do Brasil nas exportaes mundiais de mquinas e equipamentos de transporte (1980-2011)

    0

    0,5

    1

    1,5

    Equipamentos de escritrio e de telecomunicaesInformtica e equipamentos de escritrio Circuitos integrados e

    componentes eletrnicos

    Produtos automotivos

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    2011

    Fonte: Banco de dados disponvel em: .Elaborao do autor.

    GRFICO 7Evoluo do comrcio exterior da indstria brasileira segundo grupos industriais de acordo com sua especificidade tecnolgica (1996-2012)

    -5E+10

    0

    5E+10

    1E+11

    1,5E+11

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    2012

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    2012

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    2012

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    2012

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    2012

    Intensiva emrecursos naturais

    Commoditiesintensiva em capital

    Fordista Microeletrnica Tradicional intensivaem mo de obra

    Importaes Exportaes Saldo Corrente

    Fonte: AliceWeb.Elaborao do autor.

    O grfico 7 permite observar o padro estrutural do comrcio exterior da indstria brasileira a partir do desempenho dos grupos industriais, segundo sua especificidade tecnolgica, no perodo 1996-2012. Constata-se que os maiores superavit

  • 18

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    comerciais ocorrem no grupo da indstria intensiva em recursos naturais. Em geral, ao longo do perodo 1996-2012, foram os sucessivos e crescentes saldos comerciais do grupo intensivo em recursos naturais que sustentaram o desempenho positivo do comrcio exterior da indstria brasileira em sua totalidade, pois, principalmente a partir de 2007, todos os demais grupos industriais registraram saldos negativos em seu comrcio exterior.

    Os desempenhos comerciais dos grupos industriais esto extremamente relacionados com a estrutura produtiva, refletindo tambm uma heterogeneidade estrutural no comrcio exterior brasileiro. Conforme anlise realizada anteriormente, os grupos das commodities agrcolas e industriais corresponderam aproximadamente a 50% do valor da transformao industrial no ano de 2010, alm de terem apresentado tendncia a ganhos de participao crescentes na estrutura produtiva e de adensamento produtivo. O grupo industrial correspondente aos setores intensivos em tecnologia tpicos do paradigma fordista (metal-mecnico-qumico) chega em 2010 com uma participao de 23%, tambm com tendncia elevao desde 2007. Os trs grupos, portanto, corresponderam a praticamente 70% do valor da produo industrial em 2010. Dessa forma, espera-se que as transaes externas desses trs grupos sejam preponderantes sobre os demais, como pode ser observado pela evo-luo da corrente de comrcio.

    O grupo da indstria tradicional intensiva em mo de obra, apesar de ter uma participao destacada na estrutura produtiva, de 30% em 2010, registra uma corrente de comrcio reduzida em relao aos grupos de commodities e do paradigma fordista. Em relao ao desempenho de seu saldo comercial, a partir de 2006 apresenta tendncia queda do saldo comercial, chegando a um resultado negativo em 2012.

    O grupo dos setores industriais intensivos em tecnologia do paradigma micro-eletrnico (complexo eletrnico), que registrou uma participao de apenas 2,4% na estrutura produtiva no ano de 2010, o nico que apresentou saldo comercial negativo em todos os anos do perodo 1996-2012. Todavia, o que deve ser ressaltado que, entre todos os grupos em anlise, o que apresenta a corrente de comrcio mais baixa, a qual se constitui quase totalmente pelas importaes, j que as exportaes no perodo recente so praticamente nulas. Portanto, ratifica-se mais uma vez o restringido grau de insero da indstria brasileira nas novas tecnologias. o grupo industrial que apresenta a menor participao percentual na estrutura produtiva, o menor grau de adensamento produtivo, assim como a menor corrente de comrcio.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    19

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    A estrutura industrial brasileira, bem como seu padro de comrcio exterior, ajuda a entender a forma de insero do pas nas cadeias globais de valor (CGVs). Segundo a metodologia de estudos recentes da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) e da OMC, dois indicadores captam a participao dos pases nas cadeias globais de valor: i) o indicador para trs da cadeia produtiva, que revela a participao de insumos estrangeiros contidos nas exportaes nacionais; e ii) o indicador para frente da cadeia produtiva, que mostra a parcela de insumos produzidos em determinado pas que so incorporados nas exportaes de outros pases. A soma dos dois indicadores revela uma proxy da participao total nas cadeias globais de valor de um determinado pas. O grfico 8 apresenta os dois indicadores de participao nas cadeias globais de valor de pases selecionados, incluso o Brasil.

    GRFICO 8ndices de participao nas cadeias globais de valor: indicadores para frente e para trs de pases selecionados (2009)(Em %)

    -5

    5

    15

    25

    35

    45

    55

    65

    Exportaes de insumos utilizados nas exportaes de outros pases (2009)Importao de insumos usados nas exportaes (2009)Total de participao nas CGVs em 1995

    Coreia do Sul

    Rssia

    Aleman

    ha

    Fran

    a

    Arbia Sau

    dita

    Japo

    Austrlia

    ndia

    Indonsia

    Itlia

    Mxico

    Reino Unido

    Estados Unidos

    China

    Can

    ad

    Argen

    tina

    Brasil

    frica do Sul

    Fonte: OECD-WTO Trade in Value Added (TiVA). Banco de dados disponvel em: .Elaborao do autor.

    Conforme mostra o grfico 8, o Brasil insere-se de forma mais robusta nas CGVs assumindo uma posio de ofertante de insumos que acabam sendo empregados nas exportaes de outros pases. Nesse sentido, seu elevado indicador para frente revela que terceiros pases utilizam-se de insumos brasileiros para agregar valor, e em seguida

  • 20

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    reexport-los. Em 2009, o indicador para trs foi de 9%, a sugerir que 91% do valor adicionado de suas exportaes correspondiam a bens e servios de sua prpria produo domstica. Segundo documento da OCDE (2013), o indicador para trs brasileiro ficou na penltima posio entre os pases do G20, atrs somente da Rssia, e 15 pontos percentuais (p.p.) abaixo da mdia da OCDE. Dessa forma, a economia brasileira apresenta menor utilizao de componentes estrangeiros nos produtos que exporta.

    Conforme mostra o grfico 9, os grupos de produtos que registraram a maior parcela de bens intermedirios importados e reexportados pelo Brasil foram: agricultura (21%), minerao (20%), metais bsicos (19%), mquinas (18%), alimentos (17%), produtos minerais (16%), veculos de transporte (15%) e papel e madeira (13%). Isso significa que o Brasil tem uma maior participao nas cadeias globais de valor nos grupos relacionados e commodities primrias, assim como os industriais e na indstria fordista.

    GRFICO 9Parcela de insumos intermedirios importados que so exportados pelo Brasil, por categoria de importao (2009)(Em %)

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    Total

    Metais bsicos

    Maq

    uinrio

    Equipam

    ento

    eltrico

    Equipam

    ento

    de tran

    sporte

    Outros

    man

    ufaturados

    Atacados

    e varejo

    Tran

    sporte e

    telecomunicao

    Finan

    as

    e seguros

    Servios

    comerciais

    Agricultura

    Minerao

    Produtos

    alim

    entcios

    Txteis e

    vesturio

    Mad

    eira

    e pap

    el

    Qum

    icos

    e minerais

    Fonte: OECD-WTO Trade in Value Added (TiVA). Disponvel em: .

    O baixo indicador para trs e o elevado indicador para frente nas CGVs podem ser explicados pela estrutura produtiva brasileira e seu padro de comrcio exterior, conforme analisado anteriormente. O elevado indicador para frente no reflete uma especializao exportadora de componentes eletrnicos e bens de capital, pois o Brasil

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    21

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    somente mantm elevados superavit comerciais por meio da exportao de commodities industriais, agrcolas e minerais. Tambm, isto ajuda a entender o valor adicionado domstico elevado das exportaes brasileiras, ou o seu baixo indicador para trs; ou seja, a economia brasileira no depende tanto da importao de insumos e bens intermedirios para realizar suas exportaes, pois sua especializao repousa em recursos naturais. Esse fato, ao explicar seu baixo indicador para trs, tambm explica seu elevado indicador para frente: dada a especialidade exportadora em commodities, o Brasil insere-se nas cadeias globais de valor como um fornecedor de insumos para empresas de outros pases adicionarem mais valor na cadeia produtiva. Em outras palavras, a economia brasileira no est excluda das cadeias globais de valor, todavia no se apresenta como exportadora de produtos com maior valor adicionado, ocupando um lugar de fornecedora de matrias-primas para outros pases adicionarem valor.

    Atesta-se ainda que a evoluo da estrutura produtiva do Brasil no perodo em tela tambm esteve influenciada pelo perfil dos ingressos de investimento externo direto (IED). Como mostra o grfico 10, praticamente a totalidade dos ingressos de IED para o Brasil que se destinaram indstria concentraram-se em setores relacionados a commodities primrias e industriais, bem como intensivos em tecnologia do paradigma fordista (metal-mecnico-qumico).

    GRFICO 10Distribuio setorial do estoque de IED na indstria do Brasil (1995, 2000 e 2005)(Em % total da indstria)

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    Commodities: agroe industriais

    Intensiva em tecnologiado paradigma fordista

    Intensiva em tecnologiado paradigma

    microeletrnico

    Indstria tradicionalintensiva emmo de obra

    1995 2000 2005

    Fonte: Dados brutos do Banco Central do Brasil.Elaborao do autor.

  • 22

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    Portanto, o capital estrangeiro pouco contribuiu para alterar a estrutura produtiva nacional no perodo ps-1990, intensificando a inrcia estrutural brasileira. Os setores dinmicos do paradigma de crescimento mundial no se difundiram para o Brasil na forma de IED como no perodo do ps-guerra at a dcada de 1970. Alm disso, continuaram os fluxos que especializaram cada vez mais a estrutura industrial no paradigma anterior, metal-mecnico-qumico, e em recursos naturais. Percebe-se que as empresas multinacionais tm buscado a economia brasileira atradas pelo mercado interno e/ou explorao de recursos naturais, demonstrando que o Brasil no percebido pelo capital internacional como um pas para agregar valor nas cadeias globais.

    A prxima seo procurar mostrar as consequncias da relativa inrcia da estrutura produtiva brasileira ao longo do tempo. Sua problemtica insero no novo paradigma tecnolgico trouxe consigo um reduzido potencial de ganhos de produtividade e crescimento, o que acarretou um processo de desindustrializao extremado em termos globais.

    3 A DESINDUSTRIALIZAO BRASILEIRA

    Existe um relativo consenso na literatura econmica de que a dinmica de desenvol-vimento de longo prazo das naes ocorre com mudanas na estrutura produtiva e na ocupao setorial do emprego medida que se eleva o nvel de renda per capita. Inicialmente, com o avano do nvel de renda, os pases capitalistas passariam por uma tendncia de elevao da participao relativa da indstria no valor e emprego em detrimento da agricultura. Posteriormente, com um nvel de renda per capita elevado, o processo de mudana da estrutura produtiva ocorreria em direo aos servios; ou seja, somente com um elevado grau de industrializao concomitante com um padro de consumo tambm elevado que o fenmeno da desindustrializao ocorreria.

    O conceito clssico de desindustrializao, elaborado por Rowthorn e Wells (1987), refere-se reduo persistente da participao da indstria no emprego total da economia.3 Essa definio refere-se principalmente a situaes de desindustrializao relativa, pois, apesar de o emprego industrial elevar-se em termos absolutos, a taxa de

    3. Segundo Rowthorn e Ramaswany (1999), o fenmeno da desindustrializao usualmente referido para caracterizar a queda da participao do emprego industrial nas economias avanadas. Segundo os autores, a participao do emprego industrial tem declinado continuadamente nos pases industrializados nas ltimas dcadas, pois chegou a representar 28% em 1970 e em 1994 esteve em torno de 18%.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    23

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    crescimento do emprego maior em outros setores, principalmente nos servios. Segundo Rowthorn e Ramaswamy (1997, p. 6), o termo desindustrializao usado na literatura para se referir ao declnio secular da participao do emprego industrial nas economias avanadas. Cabe ressaltar que para os autores o referido fenmeno no deve ser percebido como algo negativo ou patolgico, j que uma caracterstica inevitvel do desenvolvimento econmico. Com isso, os autores procuram deixar claro que a desindustrializao simplesmente o resultado natural do processo de desenvolvimento econmico bem-sucedido, e , em geral, associada com o aumento do nvel de vida (Rowthorne e Ramaswamy, 1997, p. 14).

    Um conceito mais geral, como o de Tregenna (2009), d-se com a incorporao da anlise da perda de participao da indstria no produto interno bruto (PIB). Da mesma forma que em relao ao emprego, o fenmeno da desindustrializao pode ocorrer com elevao persistente da produo fsica manufatureira. Portanto, trata-se de um conceito relativo, pois pode ocorrer que tanto o volume de emprego quanto o valor adicionado da indstria estejam crescendo ao longo do tempo, todavia, a uma taxa menor quando comparados a outros setores da economia, o que configura perda de participao relativa. Deve-se ficar claro que a desindustrializao em um determinado pas no se configura pela queda ou estagnao do produto industrial ao longo do tempo, mas pela perda de importncia deste campo como fonte de gerao de emprego e valor adicionado. Nestes termos, a teoria da desindustrializao elaborada a partir de evidncias empricas, das trajetrias de desenvolvimento das economias capitalistas, e procura caracterizar o fato estilizado da queda persistente da participao da indstria tanto no emprego quanto no PIB, conforme os pases desenvolvem-se e atingem a maturidade industrial.

    Em relao evoluo da participao da indstria de transformao brasileira no PIB, em 1947, sua participao era de 19,9% e, ao final do Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, em 1961, acercava-se de 28%. Ao final do perodo do milagre econmico, em 1973, era de 33% e, aps a concretude do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), atingiu seu pico prximo dos 36% do PIB em 1985. Ao longo deste perodo, a indstria de transformao aumentou sua participao relativa em 80% no PIB. A partir da, a indstria de transformao comea a perder, de forma sustentada, relativa participao no PIB brasileiro. Em 1990, sua participao era de 26,5%, registrando um decrscimo de praticamente 10 p.p. em apenas cinco anos.

  • 24

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    Em 2011, a participao da indstria de transformao atingiu o valor de 14,6% do PIB. Assim, nas duas ltimas dcadas, a indstria de transformao perdeu aproximada-mente 60% de participao relativa no PIB. Em 1947, no imediato ps-guerra e mesmo antes do Plano de Metas, ela detinha uma participao relativa 36% superior do ano de 2011.

    Contudo, muitos analistas no consideram que de fato vem ocorrendo o fenmeno da desindustrializao brasileira, entendida como queda persistente na participao da indstria de transformao no PIB por se tratar de uma iluso estatstica. Segundo Squeff (2012), em decorrncia de mudanas metodolgicas nas formas de apresentao dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), torna-se complexa uma anlise de longo prazo da participao da indstria de transformao no PIB. Segundo o autor, o amplo conjunto de modificaes torna a nova srie, de 1995 em diante, incompatvel com as sries anteriores. Assim, as descontinuidades da srie dificilmente poderiam ser explicadas por fenmenos econmicos, dadas as magnitudes observadas.

    Entretanto, Bonelli, Pessoa e Matos (2012) ressaltam que a partir de ajustes na srie de longo prazo disponibilizada pelo IBGE possvel obter valores confiveis para a trajetria de participao da indstria de transformao no PIB. Segundo estes autores, com a srie ajustada a preos constantes de 2005, possvel afirmar com segurana que a indstria de transformao brasileira perdeu 7 p.p. em 35 anos. Logo, perdeu 1 p.p. de participao relativa no PIB a cada cinco anos. Portanto, no se trata de iluso estatstica, mas sim de um processo de queda sustentada; ou seja, desindustrializao relativa.

    A questo a ser verificada se a desindustrializao brasileira resultado do processo normal de desenvolvimento das economias capitalistas ou se um processo precoce, que vem ocorrendo a partir de um nvel de renda per capita relativamente baixo. Para verificar essa questo faz-se necessrio o recurso da anlise comparativa de pases e regies, relativas ao grau de desenvolvimento e ao desempenho industrial no transcurso das ltimas dcadas.

    Inicialmente, apresentam-se os pases, os grupos de pases e as regies que podem ser classificados como economias que se encontram em processo de desindustrializao

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    25

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    natural nas ltimas quatro dcadas. Conforme mostra o grfico 11, os grupos que compreendem as economias desenvolvidas e a Europa iniciam seus processos de desindustrializao na dcada de 1970, pois, de forma continuada, apresentam reduo significativa da participao percentual da manufatura no PIB. Tambm, em termos de pases especficos, Frana, Holanda, Japo, Itlia, Estados Unidos e Reino Unido iniciam seus processos de desindustrializao na dcada de 1970.

    GRFICO 11Economias em processo de desindustrializao natural (1970-2010)11A Economias desenvolvidas

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    15

    20

    25

    30

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Manufatura PIB per capita

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    11B Europa

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    15

    20

    25

    30

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Manufatura PIB per capita

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • 26

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    11C Frana

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    15

    20

    25

    30

    Manufatura PIB per capita

    1970

    1973

    1976

    1979

    1982

    1985

    1988

    1991

    1994

    1997

    2000

    2003

    2006

    2009

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    11D Holanda

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    50.000

    40.000

    10

    15

    20

    25

    30

    Manufatura PIB per capita

    1970

    1973

    1976

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    1982

    1985

    1988

    1991

    1994

    1997

    2000

    2003

    2006

    2009

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    11E Japo

    Manufatura PIB per capita

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    20

    30

    40

    1970

    1974

    1978

    1982

    1986

    1990

    1994

    1998

    2002

    2006

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    27

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    11F Itlia

    Manufatura PIB per capita

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    20

    30

    35

    15

    25

    1970

    1973

    1976

    1979

    1982

    1985

    1988

    1991

    1994

    1997

    2000

    2003

    2006

    2009

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    11G Estados Unidos

    Manufatura PIB per capita

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    40.000

    10

    20

    30

    35

    15

    25

    1970

    1974

    1978

    1982

    1986

    1990

    1994

    1998

    2002

    2006

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    11H Reino Unido

    0

    10.000

    20.000

    30.000

    50.000

    40.000

    10

    20

    30

    35

    15

    25

    Manufatura PIB per capita

    1970

    1974

    1978

    1982

    1986

    1990

    1994

    1998

    2002

    2006

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: PIB per capita em US$ constantes de 2005.

  • 28

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    O processo de desindustrializao destas economias pode ser entendido como natural, pois no momento em que a participao percentual da manufatura no PIB cai abaixo de 25% do PIB, e de forma sustentada, em todos os casos o nvel de renda per capita situava-se ao redor de US$ 20 mil. Tambm, aliado queda de participao da manufatura no PIB, todas as economias apresentaram crescimento sustentado da renda per capita, situado em mdia ao redor de US$ 30 mil em 2010 e, em alguns casos, superior a este patamar, como nos Estados Unidos, no Japo e no Reino Unido em torno de US$ 40 mil. Considerando o perodo 1970-2010, todos os pases praticamente duplicaram seu nvel de renda per capita.

    O grfico 12 procura mostrar processos de desindustrializao de grupos de pases e pases selecionados que podem ser enquadrados na situao de economias em processo de desindustrializao precoce. A partir do incio do processo de desin-dustrializao, nenhum pas selecionado, ou grupo de pases que compem o grfico 12, conseguiu duplicar seu PIB per capita. Com isso, o desempenho em termos de evoluo do nvel de renda per capita destas economias foi, na maioria dos casos, inferior ao dos pases avanados.

    GRFICO 12Economias em processo de desindustrializao precoce (1970-2010)12A frica em desenvolvimento

    Manufatura PIB per capita

    0

    500

    1.000

    1.500

    5

    7

    9

    11

    13

    15

    17

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    29

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    12B Amrica do Sul e Central

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    8.000

    10

    15

    20

    25

    30

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    12C Brasil

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    15

    20

    25

    30

    35

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    12D Argentina

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    8.000

    10

    20

    30

    40

    50

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • 30

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    12E Chile

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    8.000

    10.000

    10

    12

    14

    16

    18

    20

    22

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    12F Mxico

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    8.000

    10.000

    15

    17

    19

    21

    23

    25

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    2008

    2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: O PIB per capita em US$ constantes de 2005.

    Em relao a pases individuais, o Brasil inicia seu processo de desindustrializao em meados da dcada de 1980 com um nvel de renda per capita inferior a US$ 4 mil. Pode-se fazer esta afirmao tendo em vista a precocidade do fenmeno; tomando o PIB per capita norte-americano como exemplo, este correspondia a aproximadamente US$ 20 mil quando a participao da manufatura no PIB iniciou seu declnio abaixo de 25% em 1970. Isto quer dizer que o Brasil iniciou seu processo de desindustrializao com um PIB per capita equivalente a 20% do PIB per capita dos Estados Unidos quando este pas iniciou o seu processo. No ano 2000, quando a participao da manufatura no PIB norte-americano chegou ao patamar de 15%, seu PIB per capita era de US$ 40 mil.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    31

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    O Brasil teve uma queda sustentada da participao da manufatura no PIB at 1998, quando esta chegou tambm ao patamar de 15%. Todavia, nesse ano o PIB per capita brasileiro era de US$ 4,3 mil, o que correspondia a pouco mais de 10% do PIB per capita dos Estados Unidos quando este pas atingiu o mesmo grau de desindustrializao. Nesse sentido, ao longo do processo de desindustrializao brasileiro, o pas apresentou uma defasagem de aproximadamente 50% de seu PIB per capita em relao renda dos Estados Unidos.

    Esses dados apoiam a tese de que a desindustrializao precoce diminui o dinamismo econmico brasileiro, pois o hiato entre os PIBs per capita dos Estados Unidos e do Brasil aumentou no perodo em que ambas as economias enfrentavam processos de desindustrializao. Observa-se que atualmente o grau de industrializao da economia brasileira se aproxima mais das economias desenvolvidas, cuja renda per capita , em mdia, sete vezes superior brasileira. Esta seria uma forte evidncia de que a estrutura industrial brasileira possa estar em desacordo com o seu estgio de desenvolvimento econmico. Ou seja, o movimento em direo desindustrializao foi muito mais agudo que o apresentado at mesmo pelas economias avanadas.

    Em relao ao grupo das economias da Amrica do Sul e Central, percebe-se o incio do processo de desindustrializao na dcada de 1980, quando a participao percentual da manufatura no PIB da regio comea a apresentar queda sustentada em um nvel de renda per capita de aproximadamente US$ 4 mil. Constata-se o processo precoce, pois as economias da Amrica do Sul e Central iniciam seus processos de desindustrializao em um nvel de renda per capita equivalente a 20% ao das economias desenvolvidas e da Europa.4

    4. A Argentina inicia seu processo de desindustrializao ainda na dcada de 1970, tambm com um PIB per capita ao redor de US$ 4 mil. Chile e Mxico apresentam trajetrias distintas, pois se desindustrializam na dcada de 1970, retomam o processo de industrializao nas dcadas de 1980 e 1990 e voltam a se desindustrializar no incio do sculo XXI. Todavia, em ambos os pases o grau de industrializao pode ser considerado baixo, pois raramente a participao percentual da manufatura no PIB esteve acima de 20% no perodo que compreende as quatro ltimas dcadas. Tambm, quando iniciam seus processos de desindustrializao, Chile e Mxico apresentam nveis de renda per capita baixos na dcada de 1970, ao redor de US$ 2,6 mil para o caso do Chile e de US$ 5,3 mil para o caso do Mxico. Em 2010, o Chile apresentava uma participao percentual da manufatura no PIB de apenas 11,5%, e o Mxico, de 17%, ambos com um PIB per capita de aproximadamente US$ 8 mil.

  • 32

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    Por fim, percebe-se o desempenho dos pases em desenvolvimento da frica. A participao percentual da manufatura no PIB africano nas ltimas quatro dcadas praticamente nunca foi superior a 15%, e nos anos 2000 chegou at mesmo a se situar abaixo de 10%. Pode-se at mesmo afirmar que os pases em desenvolvimento da frica, no perodo 1970-2010, no se desindustrializaram porque anteriormente no enfrentaram um processo de desenvolvimento industrial significativo. Seu PIB per capita situou-se em aproximadamente US$ 1 mil no perodo em tela.

    O grfico 13 procura evidenciar situaes em que no se verifica o fenmeno da desindustrializao, nem natural nem precoce. Pode-se afirmar que se trata de gru-pos de pases e economias individuais que nas ltimas quatro dcadas apresentaram elevado dinamismo industrial, ou seja, encontram-se em processo de industrializao. Inicialmente, os trs grficos superiores procuram mostrar o dinamismo industrial das economias em desenvolvimento, das economias de renda mdia e de economias de baixa renda. No primeiro grfico, que abarca todas as economias em desenvolvimento, percebe-se que em nenhum momento a participao da manufatura no PIB esteve abaixo de 20%. O grupo apresentou uma relativa desindustrializao na dcada de 1970, todavia retomou o dinamismo industrial nas dcadas de 1980 e 1990, alcanando um grau de industrializao de 23% do PIB em 2005. Tambm, no perodo, as economias em desenvolvimento triplicaram seu PIB per capita.

    Em relao s economias em desenvolvimento de renda mdia, percebe-se que no perodo a participao da manufatura no PIB praticamente sempre esteve acima de 25%, chegando em 2005 a 30%. Em quarenta anos, um grau de industrializao elevado esteve associado com a quintuplicao da renda per capita, pois em 1970 o PIB per capita era de US$ 660; e em 2010, de US$ 3.160. Em relao s economias em desenvolvimento de baixa renda, pode-se novamente afirmar pela no desindustrializao. Todavia, o grau de industrializao alcanado em 2010 no considerado elevado pouco acima de 15% de participao da manufatura no PIB. Porm, o crescimento industrial no perodo esteve associado multiplicao do PIB per capita em 2,5 vezes.

    Os demais grupos de pases e pases individuais so referentes a economias asiticas. Os pases recentemente industrializados (newly industrialized countries NICs) asiticos de primeira gerao (Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong) apresentaram elevado dinamismo industrial nas dcadas de 1970 e 1980, chegando ao

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    33

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    final desta ltima com uma participao da manufatura no PIB de 30%. Todavia, nos anos 1990, passam por relativa desindustrializao, mas chegam em 2010 com uma participao das manufaturas no PIB de mais de 25%, elevada para o padro mundial atual, e com um PIB per capita de US$ 22.174. Os NICs asiticos de segunda gerao (Indonsia, Malsia, Filipinas e Tailndia) partem de uma participao da manufatura no PIB de 17% em 1970 at chegarem prximo de 30% nos anos 2000. Seu PIB per capita, que era de US$ 700 em 1970, alcana mais de US$ 2 mil em 2010, ou seja, praticamente triplica no perodo. Os demais pases asiticos individuais do grfico 13, exceo da ndia, aps intenso processo de industrializao, chegam em 2010 com uma participao da manufatura no PIB ao redor de 30%, extremamente elevada para os padres internacionais contemporneos. A China, diante de seu processo de industria-lizao, multiplica sua renda per capita em vinte vezes nos ltimos quarenta anos, pois parte de um PIB per capita de US$ 150, em 1970, e chega, em 2010, em US$ 3 mil. A Coreia do Sul multiplica em mais de dez vezes seu PIB per capita em 1970, US$ 1.920 e em 2010, US$ 21.100; a Malsia multiplica o PIB per capita em seis vezes em 1970, US$ 1 mil e em 2010, US$ 6 mil; e a Tailndia multiplica sua renda per capita em cinco vezes no perodo US$ 590 em 1970 para US$ 3.040 em 2010. A ndia no enfrenta o fenmeno da desindustrializao no perodo 1970-2010, e sua participao manufatureira no PIB fica em mdia em torno de 15%, enquanto seu PIB per capita quase quadruplica em 1970, US$ 267 e em 2010, US$ 1.022.

    GRFICO 13Economias em processo de industrializao nas ltimas quatro dcadas13A Economias em desenvolvimento

    Manufatura PIB per capita

    0

    500

    1.000

    1.500

    2.000

    2.500

    3.000

    15

    17

    19

    21

    23

    25

    1970 1973 1976 1979 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • 34

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    13B Economias em desenvolvimento de mdia renda

    Manufatura PIB per capita

    0

    1.000

    2.000

    3.000

    4.000

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    1970 1973 1976 1979 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13C Economias em desenvolvimento de baixa renda

    PIB per capitaManufatura

    0

    200

    400

    600

    800

    1.000

    0

    5

    10

    15

    20

    1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13D NICs asiticos: 1a gerao

    PIB per capitaManufatura

    0

    5.000

    15.000

    20.000

    25.000

    15

    20

    30

    35

    1970 1973 1976 1979 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009

    25

    Em %

    do PIB

    10.000

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    35

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    13E NICs asiticos: 2a gerao

    PIB per capitaManufatura

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010

    Em %

    do PIB

    0

    500

    1.000

    1.500

    2.000

    2.500

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13F China

    PIB per capitaManufatura

    0

    1.000

    2.000

    3.000

    4.000

    10

    20

    30

    40

    50

    1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010

    Angus T. Jones

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13G ndia

    0

    500

    1.000

    1.500

    5

    15

    20

    PIB per capitaManufatura

    1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

    10Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

  • 36

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    13H Coreia do Sul

    Manufatura PIB per capita

    0

    5.000

    10.000

    15.000

    20.000

    25.000

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13I Malsia

    Manufatura PIB per capita

    0

    2.000

    4.000

    6.000

    8.000

    0

    10

    20

    30

    40

    1970 1976 1982 1988 1994 2000 2006

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    13J Tailndia

    Manufatura PIB per capita

    0

    1.000

    2.000

    3.000

    4.000

    10

    20

    30

    40

    1970 1977 1984 1991 1998 2005

    Em %

    do PIB

    Em US$ (n

    mero

    s absolutos)

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: O PIB per capita em US$ constantes de 2005.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    37

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    Com a anlise realizada at o momento, possvel classificar o desempenho industrial das economias capitalistas, nos ltimos quarenta anos, em trs grandes grupos, a saber: i) em processo de desindustrializao natural; ii) em processo de desindustria-lizao precoce; e iii) em processo de industrializao. Esta classificao esteve at o momento relacionada com o desempenho da participao da manufatura no PIB e o PIB per capita. Assim, identificou-se o seguinte padro internacional:

    As economias que passaram por um processo de desindustrializao natural nas ltimas quatro dcadas conseguiram dobrar seu PIB per capita. Por se tratarem de economias avanadas, considera-se o desempenho satisfatrio, pois o PIB per capita encontra-se extremamente elevado atualmente, em torno de US$ 30 mil.

    As economias que enfrentaram o fenmeno da desindustrializao precoce no conseguiram duplicar seu PIB per capita desde que o processo teve incio. Em geral, o grupo engloba as economias latino-americanas e africanas. Por se tratarem de economias ainda em desenvolvimento, considera-se o desempenho insuficiente, pois apresentam nveis de renda per capita bastante distantes dos pases avanados. Em geral, o processo de desindustrializao precoce deu-se com ampliao do hiato do PIB per capita em relao s economias desenvolvidas.

    As economias que no apresentaram queda persistente da participao da manufatura no PIB, ou que para os padres contemporneos apresentaram elevado grau de industrializao, tiveram taxas de crescimento do PIB per capita muito acima da mdia dos outros dois grupos. Considera-se que so economias, portanto, com desempenho acima da mdia internacional.

    O desempenho diferenciado dos trs grandes grupos tambm pode ser percebido pelo grfico14, que procura mostrar a taxa mdia anual de crescimento econmico de pases e de grupos de pases no perodo 1980-2011. Percebe-se que nenhum pas ou grupo entre as economias que passaram por processos de desindustrializao natural teve uma taxa mdia anual de crescimento do PIB superior a 3% nas ltimas trs dcadas. Tambm nenhum pas ou grupo que foi conceituado entre os de desindustrializao precoce apresenta uma taxa mdia anual de crescimento econmico superior a 5%. Entretanto, todas as economias que foram classificadas no grupo em processo de industrializao tiveram taxas mdias anuais de crescimento econmico acima de 5%.

    Novamente, o caso do Brasil parece ser emblemtico, pois apresenta uma taxa mdia anual de crescimento econmico, nos ltimos trinta anos, mais prxima do padro de economias desenvolvidas que de pases dinmicos que avanam em seu processo de industrializao com ganhos elevados de renda per capita.

  • 38

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    GRFICO 14Taxa mdia anual de crescimento do PIB regies e pases selecionados (1980-2011)(Em %)

    1,5 1,81,9 2,0 2,2 2,2 2,3

    2,6 2,7 2,8 2,8 3,0

    4,65,0 5,1

    5,4 5,46,0 6,1 6,2

    6,4 6,5

    10,0

    Desindustrializao natural Desindustrializaoprecoce

    Em processo de industrializao

    Itlia

    Fran

    a

    Japo

    Europa

    Reino Unido

    Economias desen

    volvidas

    Holanda

    Estados Unidos

    Mxico

    Argen

    tina

    Brasil

    frica em

    desen

    volvim

    ento

    Chile

    Em desen

    volvim

    ento:

    baixa ren

    da

    NICs asiticos: 2

    a gerao

    Tail

    ndia

    Em desen

    volvim

    enoto:

    md

    ia ren

    da

    Malsia

    sia em

    desen

    volvim

    ento

    NICs asiticos: 1

    a gerao

    ndia

    Coreia do Sul

    China

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor

    As informaes arroladas nesta seo j seriam suficientes para a afirmativa de que o Brasil, desde a dcada de 1980, vem passando por um processo de desindustria-lizao. Desde os anos 1980, a indstria de transformao vem perdendo participao no PIB, em detrimento do setor de servios. Tambm, viu-se que a desindustrializao brasileira pode ser caracterizada como precoce, dado seu nvel de renda per capita no incio do processo e atual, vis--vis demais economias desenvolvidas e em desenvolvimento.

    Por fim, em relao desindustrializao brasileira, existe na academia um argu-mento que, se, por um lado, no se desconsidera a ocorrncia do fenmeno, por outro lado, no o percebe como um processo prematuro. Trata-se da hiptese defendida por Bonelli e Pessoa (2010), de que o Brasil, quando iniciou seu processo, estava sobrein-dustrializado e que a queda sustentada da participao da indstria de transformao no PIB ao longo das ltimas dcadas teria ajustado a anterior anomalia brasileira em relao mdia mundial. Ou seja, o Brasil, desde a dcada de 1980, teria se ajustado ao movimento mundial em direo desindustrializao. Em alguns momentos, os autores que defendem esta hiptese chegam a afirmar que a economia brasileira, antes das reformas estruturais iniciadas nos anos 1990, estaria passando por uma espcie de

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    39

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    doena sovitica, em razo do protecionismo industrial exacerbado, caracterstico da estratgia de substituio de importaes.

    Considera-se relevante que os defensores do benfico processo de ajustamento brasileiro em direo mdia mundial de participao manufatureira no PIB respondam duas questes relevantes:

    1) Por que quando o Brasil converge para a mdia mundial de participao da manufatura no PIB, prxima mdia das economias desenvolvidas, tambm no converge sua renda per capita ao nvel destes pases?

    2) Por que os pases que estiveram sobreindustrializados nas ltimas dcadas apresentaram taxas de crescimento da renda per capita e do PIB substancialmente mais elevadas que os pases que se ajustaram?

    O fato estilizado das trajetrias nacionais de desenvolvimento, conforme atesta Rodrik (2006), sugere que a melhor estratgia para se alcanarem nveis elevados de renda per capita para um pas em desenvolvimento encontrar-se sobreindustrializado.

    Afinal, poder-se-ia sugerir, a partir da visualizao do grfico 15, que o Brasil enfrenta um processo de desindustrializao relativa internacional, pois nas ltimas trs dcadas apresentou uma queda sustentada na participao da manufatura no produto manufatureiro global. Entre 1980 e 2010, o produto manufatureiro do Brasil registrou queda de 37% na participao manufatureira global, em US$ constantes de 2005. Ressalta-se que a magnitude da reduo da participao internacional foi maior que a queda ocorrida internamente em relao participao da indstria de transformao no PIB, a partir dos dados a preos constantes de 2005 construdos por Bonelli, Pessoa e Matos (2012). A partir da srie construda pelos autores, nos ltimos 35 anos, a participao da manufatura no PIB nacional teve uma queda de 30%.

    Portanto, a magnitude da relativa desindustrializao brasileira maior interna-cionalmente que internamente. A prxima seo procura aprofundar a anlise do desem-penho industrial do Brasil ao longo das ltimas trs dcadas em mbito internacional, buscando explicitar que seu processo de desindustrializao relativa, alm de precoce, ocorreu em uma magnitude extremamente elevada para o padro internacional.

  • 40

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    GRFICO 15Participao do produto manufatureiro do Brasil no produto manufatureiro mundial (1970-2010)(Em %)

    1,4

    1,6

    1,8

    2

    2,2

    2,4

    2,6

    2,8

    1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010

    Variao de -37% no perodo 1980-2010

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: A participao relativa do produto manufatureiro brasileiro a partir de dados do valor adicionado manufatureiro do Brasil e do mundo em US$ constantes de 2005.

    4 APROFUNDANDO A ANLISE DA DESINDUSTRIALIZAO PRECOCE BRASILEIRA: O INDICADOR DE DESINDUSTRIALIZAO RELATIVA INTERNACIONAL (DRI)

    O objetivo desta seo estender o conceito de desindustrializao elaborado por Rowthorn e Ramaswamy (1997; 1999), Palma (2005) e Tregenna (2009) apresentado anteriormente. A questo reside em que o conceito tradicional de desindustrializao abarca um processo interno de mudana estrutural em uma determinada economia nacional. Os autores em tela utilizam basicamente informaes de emprego e participao da indstria no PIB para suas anlises do processo de desindustrializao nas diversas economias. Com isso, um processo de desindustrializao percebido quando ocorre uma diminuio persistente da participao da indstria tanto no emprego como no PIB.5

    5. Cabe lembrar que o conceito refere-se principalmente a situaes de desindustrializao relativa, pois pode ocorrer que em determinada economia nacional tanto o volume de emprego industrial quanto o valor adicionado da manufatura esteja crescendo ao longo do tempo, todavia, a uma taxa menor quando comparado a outros setores da economia, o que configura perdas de participao relativa. Dessa forma, geralmente processos de desindustrializao so percebidos quando, apesar de o produto industrial e o emprego nesse setor elevarem-se em termos absolutos, a taxa de crescimento maior em outros setores, como nos servios, o que acarreta para a indstria perda de participao relativa.

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    41

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    Quando se utilizam estas anlises individuais para comparar pases de distintos graus de desenvolvimento, o processo de desindustrializao de ambas as economias pode ser percebido como natural, j que duas ou mais economias podem vir a apresentar perdas de participao da indstria no PIB equivalentes em determinado perodo de tempo. Utiliza-se um exemplo, com dados hipotticos, de duas economias de distintos graus de desenvolvimento, Estados Unidos e Brasil, e a mdia mundial de participao da indstria no PIB em determinado perodo de tempo para mostrar que este tipo de comparao pode levar a concluses equivocadas. Se em 1990 ambas as economias apresentassem uma participao da indstria no PIB de 25% e em 2010, de 15%, e que para estes mesmos anos a mdia mundial da participao da indstria no PIB fosse a mesma destes dois pases, muitos observadores poderiam inferir que Estados Unidos e Brasil passaram por um processo de desindustrializao natural, pois acompanharam a mdia mundial no perodo. Essa comparao leva a dois equvocos. Em primeiro lugar, desconsidera o grau de desenvolvimento dos pases alcanado em determinado ponto do tempo. Por isso a necessidade do recurso da anlise do PIB per capita, como realizada anteriormente, para indicar a precocidade do fenmeno ou no. Em segundo lugar, e este o ponto a ser aprofundado nesta seo, a anlise comparativa da participao da indstria no PIB no retrata o dinamismo/desempenho industrial de ambos os pases ao longo do tempo. Pode ocorrer, por exemplo, que, apesar da evoluo da participao da indstria no PIB ser a mesma para Estados Unidos e Brasil, as taxas de crescimento do produto industrial destes pases sejam extremamente distintas ao longo de determinado perodo de tempo.

    Para captar melhor essa problemtica da dinmica industrial internacional, prope-se a construo de um indicador capaz de evidenciar melhor o desempenho relativo do produto manufatureiro de pases e regies distintos ao longo do tempo: o indicador de desindustrializao relativa internacional (DRI).

    O DRI construdo a partir do ndice do valor da produo industrial (IVI). Este ltimo nada mais que um nmero-ndice que busca mostrar a variao relativa do valor da produo industrial (VPI) entre um perodo t e um perodo t+n. Assim, o IVI pode ser expresso pela seguinte frmula:

    IVIt,t+n = (VPIt+n/VPIt)*100. (1)

    O IVI, portanto, um nmero puro que expressa a variao relativa no tempo entre duas grandezas numricas (no caso, o VPI), e pode ser utilizado como uma forma

  • 42

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    alternativa de se fazer comparaes internacionais de desempenho industrial, em ter-mos relativos. Neste texto, utilizou-se o ano-base de 1980 para construir o IVI do Brasil e demais regies selecionadas. Assim,

    IVI 1980, 2010 = (VPI2010/VPI1980)*100. (1.1)

    O DRI construdo a partir do IVI, e pode ser expresso pela frmula abaixo:

    DRI tpas = IVI tpas / IVI tpas/regio referncia. (2)

    DRI >1 = crescimento relativo do VPI do pas maior. Ou seja, em termos relativos, o pas est se industrializando a uma taxa mais elevada que o pas/regio de referncia.

    DRI

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    43

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    direita corresponde s economias que tiveram um DRI maior que 1 e que, portanto, se industrializaram em relao ao mundo.

    GRFICO 16Evoluo do indicador de desindustrializao relativa internacional do Brasil e de regies selecionadas base de referncia o mundo (1980-2010)

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    Brasil Amrica do Sul e Central Economias desenvolvidasfrica em desenvolvimento China Economias em desenvolvimentosia em desenvolvimento NICs 1a gerao NICs 2a gerao

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: DRIs construdos a partir do IVI, em US$ constantes de 2005.

    De imediato, surpreende o desempenho da indstria brasileira internacionalmente. Em 2010, o Brasil apresentou um DRI de 0,65. Isso significa que, no perodo 1980-2010, a indstria brasileira teve, em termos relativos, apenas 65% do desempenho da indstria mundial. Como o Brasil cresceu 35% menos que a indstria mundial, configura-se o caso em que possvel a afirmativa de que ocorreu nesse pas uma desindustrializao relativa internacional, tendo como comparao o mundo. Chama ateno que o grau da desindustrializao do Brasil foi maior que o da frica em desenvolvimento (DRI = 0,94), das economias desenvolvidas (DRI = 0,73) e da Amrica do Sul e Central (DRI = 0,76).

    As economias em desenvolvimento da sia tiveram um desempenho surpreendente em relao ao mundo, quer dizer, no se desindustrializaram. A China apresentou um DRI de 11,2 em 2010, o que corresponde a um crescimento de mais de 1.000% da indstria chinesa em relao indstria mundial. Os NICs de primeira gerao apresentaram um DRI de 3,3 em 2010, a sugerir que superaram a indstria mundial em 230%. Os NICs de segunda

  • 44

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    gerao, com um DRI de 2,7, e as economias em desenvolvimento, com um DRI de 2,5, cresceram quase o triplo que a indstria mundial.

    O grfico 17 apresenta a trajetria de vrios DRIs de pases especficos, tendo como base de referncia novamente a indstria mundial. Entre os pases selecionados, apenas o Chile no apresentou um processo de desindustrializao relativa em relao ao mundo no perodo 1980-2010. A Argentina, ao longo do tempo, rivaliza com o Brasil a posio de pas que mais se desindustrializa relativamente ao mundo, entre os pases selecionados. O pico de desindustrializao da Argentina ocorreu em 2002 (DRI = 0,54), exatamente durante sua crise econmica. Entretanto, a partir da, recupera dinamismo industrial e chega a apresentar um DRI em 2010 maior que o do Brasil. Os Estados Unidos e o Mxico, apesar de apresentarem desindustrializao relativa no perodo, mostram um desempenho mais prximo ao da indstria mundial.

    GRFICO 17Evoluo do DRI de pases selecionados base de referncia o mundo (1980-2010)

    0,5

    0,6

    0,7

    0,8

    0,9

    1

    1,1

    1,2

    1,3

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    2002

    2003

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    Argentina Brasil ChileMxico Estados Unidos Mundo

    Fonte: UNCTADstat.Elaborao do autor.Obs.: DRIs construdos a partir do IVI, em US$ constantes de 2005.

    O grfico 18 mostra o desempenho da indstria brasileira em relao ao mundo por perodos de governos nas ltimas quatro dcadas. No perodo correspondente aos governos Emlio G. Mdici e Ernesto Geisel (1970-1978), o DRI do Brasil registrou crescimento contnuo, chegando ao final do perodo ao patamar de 1,6. A evoluo

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    45

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    permite afirmar que o Brasil, durante seu milagre econmico, apresentou um desempenho industrial 60% superior ao mundial. O governo Joo Baptista Figueiredo obteve crescimento do DRI nos anos de 1979 e 1980, mas a partir do ano seguinte registrou queda, chegando ao ano de 1984 com um valor de 0,95. O governo Jos Sarney obteve um desempenho industrial exatamente idntico ao do produto manufatureiro mundial. Todavia, a partir de 1990, em nenhum governo o DRI registrou valor igual ou superior unidade: Fernando Collor de Mello/Itamar Franco (0,96); Fernando Henrique Cardoso (0,85); Luiz Incio Lula da Silva (0,93). Nesse sentido, desde 1990, todos os governos brasileiros foram marcados por uma desindustrializao relativa em relao ao mundo.

    GRFICO 18Evoluo do DRI de presidenciveis do Brasil base de referncia o mundo (1970-2010)18A DRI Mdici/Geisel (base 1970)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    1,2

    1,4

    1,6

    1,8

    1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978

    18B DRI Figueiredo (base 1978)

    0,8

    0,85

    0,9

    0,95

    1

    1,05

    1,1

    1,15

    1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

  • 46

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    18C DRI Sarney (base 1984)

    0,9

    0,95

    1

    1,05

    1,1

    1,15

    1984 1985 1986 1987 1988 1989

    18D DRI Collor/Franco (base 1989)

    0,75

    0,8

    0,85

    0,9

    0,95

    1

    1,05

    1989 1990 1991 1992 1993 1994

    18E DRI Cardoso (base 1994)

    0,75

    0,8

    0,85

    0,9

    0,95

    1

    1,05

    1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    47

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    18F DRI Lula (base 2002)

    0,88

    0,9

    0,92

    0,94

    0,96

    0,98

    1

    1,02

    2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Elaborao do autor.

    A partir das anlises do grfico 18, fica manifesto o baixo desempenho da manu-fatura brasileira em relao ao mundo, configurando um processo de desindustrializao relativa internacional de maior magnitude em relao s regies e aos pases selecionados. Todavia, uma possvel crtica ao argumento de que o Brasil se desindustrializa com relativa magnitude no mbito internacional poderia ser baseada no fator geogrfico, um vez que as economias que se industrializam em relao ao mundo figuram, sobretudo, na sia. possvel defender a hiptese de que, especialmente a China e os NICs de primeira e segunda gerao, com seu acelerado crescimento industrial, acabam influenciando a mdia de crescimento da indstria mundial para cima, ocasionando, dessa forma, a desindustrializao relativa internacional nas demais economias.

    Como o DRI capaz de comparar o desempenho relativo de determinada economia com qualquer pas ou regio particular, a seguir se busca isolar o efeito sia para a anlise do processo de desindustrializao internacional brasileiro.

    No grfico 19 apresentam-se os resultados encontrados para o DRI brasileiro tendo como base de referncia vrias regies do mundo. Novamente, o desempenho de longo prazo da manufatura brasileira parece apresentar uma idiossincrasia no perodo ps-1980. Por meio dos diversos indicadores, possvel afirmar que o Brasil apresenta um processo de desindustrializao relativa com as seguintes regies e grupos de pases: Amrica do Sul, Oceania em desenvolvimento, economias desenvolvidas e frica em desenvolvimento. No perodo 1980-2010, constata-se que o Brasil no se desindustrializou apenas em relao zona do euro, tendo em vista o reduzido desempenho industrial deste grupo de pases no perodo ps-2007, quando a economia brasileira apresenta maior dinamismo industrial que os pases que se defrontam com o cenrio de recesso.

  • 48

    B r a s l i a , j u l h o d e 2 0 1 5

    O Brasil no se desindustrializa internacionalmente no perodo ps-1980 apenas em relao ao mundo. Excluindo o efeito sia da anlise, percebe-se que nas ltimas trs dcadas o Brasil apresentou, de fato, um falling behind manufatureiro. A desindus-trializao relativa internacional brasileira no perodo se deu diante das economias desenvolvidas, consideradas na literatura especializada como economias que alcanaram a maturidade industrial j na dcada de 1970 e, portanto, vm passando por um processo de desindustrializao considerado natural, com elevado nvel de renda per capita. O Brasil tambm se desindustrializa em relao a economias em desenvolvimento consideradas pouco dinmicas, como as da Oceania e da frica.

    GRFICO 19Evoluo do DRI do Brasil vrias bases de referncia (1980-2010)19A DRI base de referncia: mundo

    1,05

    1

    0,95

    0,9

    0,85

    0,8

    0,75

    0,7

    0,65

    0,6

    1988

    1984

    1980

    1982

    1986

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2002

    2004

    2000

    2006

    2008

    2010

    Brasil Mundo

    19B Base de referncia: Amrica do Sul (exclusive o Brasil)

    1988

    1984

    1980

    1982

    1986

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2002

    2004

    2000

    2006

    2008

    2010

    1,15

    1,1

    1,05

    1

    0,95

    0,9

    0,85

    0,8

    0,75

    0,7

    Brasil merica do Sul (exclusive o Brasil)

  • Texto paraDiscusso2 1 0 5

    49

    A Industrializao do Brasil Ante a Nova Diviso Internacional do Trabalho

    19C Base de referncia: Oceania em desenvolvimento

    Brasil Oceania em desenvolvimento

    1988

    1984

    1980

    1982

    1986

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2002

    2004

    2000

    2006

    2008

    2010

    1,3

    1,2

    1,1

    1

    0,9

    0,8

    0,7

    0,6

    19D DRI: base de referncia: economias desenvolvidas

    Brasil Economias desenvolvidas

    1,05

    1

    0,95

    0,9

    0,85

    0,8

    0,75

    0,7

    1988

    1984

    1980

    1982

    1986

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2002

    2004

    2000

    2006

    2008

    2010

    19E DRI: base de referncia: frica em desenvolvimento

    Brasil frica em desenvolvimento

    1,05

    1

    0,95

    0,9

    0,85

    0,8

    0,75

    0,7

    0,65

    0,6

    1988

    1984

    1980

    19