Argumento 130

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ilustração Nós Por Cá ‘08 © luís calheiros | desenho de pixel e técnica mista digital | viseu, 11.11.2008 Nº 130 . NOV | DEZ ‘08 boletim informativo cineclubeviseu NÓS POR CÁ ’08 Fitas portuguesas mais ou menos longas CICLOS DE CINEMA Em destaque a cinematografia portuguesa de produção mais recente e três grandes filmes inéditos em Viseu. CINE CIDADE Um livro para conhecer as várias salas de cinema e de espectáculo por onde foram passando os filmes ao longo das cinco décadas de história do Cine Clube de Viseu. O CINEMA ANTES DE CRISTO Ensaio.

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Boletim Informativo do Cine Clube de Viseu

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ilustração Nós Por Cá ‘08 © luís calheiros | desenho de pixel e técnica mista digital | viseu, 11.11.2008

nº 130 . nov | dez ‘08 boletim informativo cineclubeviseu

NÓS POR CÁ ’08Fitas portuguesas mais ou menos longas

CICLOS DE CINEMAEm destaque a cinematografia portuguesa de produção mais recente e três grandes filmes inéditos em Viseu.

CINE CIDADE Um livro para conhecer as várias salas de cinema e de espectáculo por onde foram passando os filmes ao longo das cinco décadas de história do Cine Clube de Viseu.

O Cinema antes de CristOEnsaio.

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editorial

1 . De que falamos quando se trata de cinema portu-guês? Esta é uma questão infindável. Falamos dos anos dourados da Tóbis no período fascista. Dos “Verdes Anos” de Paulo Rocha. De Belarmino de Fernando Lopes e de realizadores da mesma geração, e do seu impacto no país pós 25 de Abril. Ou ainda do eterno Manoel de Oliveira, que este ano faz cem anos, e que acarreta sobre ele um sem fim de lugares comuns acerca da sua obra. Quando falamos de cinema português, aportamos isto e muito mais, como por exemplo, casos únicos na cinema-tografia na Europa como são o do inigualável João César Monteiro e do solitário António Reis. Apesar de não ser uma cinematografia consistente, nomeadamente na re-lação com o público, o cinema português tem funciona-do também de espelho de um sentimento actual como podemos verificar nos filmes crus de João Canijo, Teresa Vilaverde, João Pedro Rodrigues Raquel Freire ou Pedro Costa. E também não nos podemos esquecer de Manuel Mozos, Joaquim Sapinho e José Nascimento com perspectivas muito pró-prias de encarar o cine-ma. E que dizer das abor-dagens de Leonel Vieira e Joaquim Leitão?

2 . O cinema português é tudo isto, mas também uma nova geração de re-alizadores que nos chega hoje aos ecrãs de cinema, trazendo uma nova brisa de ar fresco, que Nós Por Cá não podia deixar de mostrar ao público de Vi-seu. São cada vez mais os casos de sucesso como o de Miguel Gomes e o fil-me “Meu Querido Mês de Agosto” nos festivais de Cannes, Chile e mais re-centemente em S.Paulo; ou o de Pedro Costa (não, ainda não é desta que apresentamos o “Juven-tude em Marcha”) com grandes retrospectivas da sua obra nos EUA; ou ainda de Frederico Lobo e Pedro Pinho ganhando prémios no FID de Marselha e no DocLisboa. É uma geração de cineas-tas de valor que vão tentando ganhar o seu espaço em território nacional, com muita perseverança e com algum feedback de público. No entanto, é importante fazer mais por estes cineastas e por aqueles que ainda tentam des-bravar o seu caminho neste país que parece não querer encontrar-se com o seu cinema. E vice-versa.

3 . Nós Por Cá, no Cine Clube de Viseu, continuamos a dar visibilidade às novas obras cinematográficas estreadas recentemente em Portugal. “Meu Querido Mês de Agos-to”, “Good Night Irene”, “Mal Nascida” são filmes imper-díveis de uma visão bastante interessante de ser-se por-tuguês. As questões são muito pertinentes, assim como

é “Cristóvão Colombo” de Manoel de Oliveira, que vai ao encontro de um mito no meio dos muitos mitos deste pequeno cantinho à beira mar plantado. Não podíamos também de dar visibilidade a obras de novos realizadores como Rodrigo Areias e João Vladimiro. O primeiro apre-senta “Corrente”, vencedora do concurso nacional de curtas em Vila do Conde; o segundo apresenta “Jardim” no museu Grão Vasco. Ainda destaque para a curta de António Ferreira. A acompanhar o ciclo Nós Por Cá, o ciclo Estranha Forma de Vida, que narra vidas fora do comum, bem ao jeito da voz de Amália. A não perder “Joy Division”,

“Before the Devil Knows You’re Dead” e “Gomorra”

4 . Dar visibilidade ao cinema português é dos pontos mais importantes dos estatutos do Cine Clube de Viseu. Desde a sua fundação, que o CCV tem cumprido essa função na cidade, nas várias salas de cinema por onde andou, trazendo realizadores a Viseu para falarem com

o público, para mostra-rem a sua visão de cine-ma. É uma das muitas curiosidades a serem encontradas no livro Cine Cidade de Fernan-do Giestas, apresentado no dia 22 de Novembro no Clube de Viseu. São 50 anos de história indis-sociáveis da cidade onde nasceu, e onde marcou uma diferença, uma al-ternativa. Vale mesmo a pena espreitar nesse passado de filmes em salas que agora não exis-tem, que nos fazem falta. Esta é a história que nos faz, que nos diz respeito e que queremos fazer perseverar na memó-ria. Não acreditamos na melancolia tipicamente portuguesa mas que não deixa de fazer parte de Nós por Cá. Talvez pos-samos aproveitar essa

memória para nos lançarmos ainda mais para diante, sem ficar demasiado presos ao passado. Os tempos são de mudança lá dizia a canção do Dylan. O desafio de hoje é fazer essa ligação do passado com o presente, pensando no futuro. E ele pertence-nos cada vez mais.

Temos que acreditar nisso e na nossa capacidade de poder fazer. Para continuarmos a ser, como no passado, uma diferença no panorama cultural de Viseu e quebrar uma tendência para o pessimismo actual. A propósito, e a finalizar, apetece lembrar Amália Rodrigues e a canção

“Maison sur le Port”:

Il y avait des chansons, des chansons, les hommes ve-naient y boire et rêver. Dans la maison sur le port, où les filles riaient fort, où le vin faisait chanter, chanter, chanter […]

Mas o que nos falta coM certeza é confiarMos Mais eM nós MesMos. teMos o instinto quando nos falte o conheciMento. o instinto dá-nos iMaginação bastante para abreviarMos todo o conheciMento de que necessitaMos para nosso uso. Almada Negreiros, José de – Nome de Guerra. Lisboa: Assírio e Alvim, 2001, edição 639

0102030409014015016019

capa (Ilustração NPC ‘08: Luís Calheiros)

editorialcalendário ccv nov_dez ‘082 cicloscine cidade _ o livro

arquivo ccvWhat’s up ccv ?ensaio nós por cá2 filMes de João vladiMiro

índice

arguMento (inscrito no ics sob o nº 111174)

e-Mail [email protected]

direcção editorialcine clube de viseu

concepção e execução gráficadpx

agradeciMentoana paivaluís calheiros

editor e proprietáriocine clube de viseu (inscrito no ics sob o nº 211173)

tirageM deste núMero1.000 exemplares

iMpressãoTondelgráfica (Tondela)

ano xix, nº 130novembro - dezembro2008

ficha técnica

domínio, alojamento do site e e-mail

sessões de cinema

cinema para as escolas

cine-arquivo

apoio à divulgação

mecenas

Largo da Misericórdia,

24 2º // 3500-158 Viseu

Tel 232 432 760

Fax 232 423 474

[email protected]

www.cineclubeviseu.pt

Simóptica, Lda.

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Calendário CCv

Nov_Dez’08

11 Aquele querido mês de Agostode Miguel gomes / portugal, 2008, 147’No coração de Portugal, serrano, o mês de Agosto multiplica os populares e as actividades. Regressam à terra, lançam foguetes, controlam fogos, cantam karaoke, atiram-se da ponte, caçam javalis, bebem cerveja, fazem filhos.© Miguel gomes

25Deus Não quisde antónio ferreira / portugal, 2007, 15’ sessão com a presença do realizador antónio ferreira (Esquece tudo o que te disse – 2002, Respirar (debaixo de água) – 2000).

good night irenede paolo Marinou-blanco/ portugal, 2008, 98’Good Night Irene está cheio de pormenores magníficos. Um domínio da câmara e um brilhantismo literário do texto. Uma noção perfeita da densidade dramática. © Manuel halpern, Jornal de letrasNew orleans Film FestivalPrémio Melhor Ficção

25 a 302 Filmes De João VlADimiRo No museu GRão VAscocasa abrigo (15’, 2008)Jardim (80’, 2007)14h30 > 17h30

18Joy divisionde grant gee / reino unido, eua, 2007, 103’ Produzido em 2007, na mesma altura de Control, Joy Division é um excelente retrato do grupo que marcou a paisagem musical de uma era. um documentário metódico que persegue afinidades entre a ascensão criativa da banda com a revolução sócio-cultural e paisagística de Manchester, sendo um testamento perfeito que contrapõe a sinergia dos Joy Division com esta cidade britânica.

10 isabel nogueira, univ. coimbra1 INTRoDUÇÃoo eSPAÇo PLÁSTICo No PLANo DA IMAGeM

17 e 24lígia parodi, investigadora 2 vANGUARDAS DA ANIMAÇÃo: PIoNeIRoS, ANIMAÇÃo AbSoLUTA, NoRMAN MCLAReN e… víDeoCLIPS?

forMaçãoVANGuARDAs estéticAs No ciNemA

forMaçãoVANGuARDAs estéticAs No ciNemA

cicloNós PoR cá ‘08

cicloNós PoR cá ‘08

cicloNós PoR cá ‘08

cicloestRANhA FoRmA De ViDA

16mAl nAscidAde João canijo, portugal, 2008, 117’

“Portugal é um país de brandos costumes.” Afirmação falsa, porque não há nada de brando nos costumes da província profunda dos crimes mesquinhos. © João canijo

09coRReNtede rodrigo areias / portugal, 2008, 15’ na sessão estarão presentes o realizador e a actriz inês Mariana Moitas.

cristóvão colombo, o enigmAde Manoel de oliveira / portugal, frança, 2007, 75’ Cristóvão Colombo não é um filme científico ou histórico, nem aborda exactamente a biografia mas ficciona com tons de romance, sugerindo a grandiosa aventura dos Grandes Descobrimentos. © Manoel de oliveiraFestival de Veneza 2007Prémio da Crítica Independente Festival de cannes 2008Palma de ouro pelo conjunto da carreira

02 Antes que o diAbo sAibA que morresteBefore the devil knows you’re dead, de sidney lumet / reino unido, eua, 2007, 117’Prodigioso filme do veterano Sidney Lumet. © João lopes, cinema2000

23gomorrAde Mateo garrone / itália, 2008, 137’Grande filme italiano sobre o labirinto do crime organizado, em Nápoles: Gomorra — retomando também a melhor tradição de um cinema de Itália (que vai do neo-realismo a Dino Risi ou Ermanno Olmi) próximo dos cenários e convulsões das classes populares. © João lopes, cinema2000

cicloNós PoR cá ‘08

cicloNós PoR cá ‘08

cicloestRANhA FoRmA De ViDA

cicloestRANhA FoRmA De ViDA

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Uma descrição telegráfica e minimalista de “Aquele Querido Mês de Agosto” seria: trata-se de um filme que começa como um documentário e acaba como uma ficção. Não é mentira, nos seus traços gerais e mais salientes, e satisfaz aquelas básicas necessidades de classificação genérica que presidem à informação so-bre qualquer filme. Serve, até, como sinal da insistência dos filmes de Miguel Gomes em darem a entender que, a dada altura, “mudam”, e passam a ser uma coisa dife-rente da que eram quando começaram - quem viu a sua primeira longametragem, “A Cara Que Mereces” (2004), sabe que essa fractura, aí com uma incidência pura-mente narrativa, era essencial na estrutura do filme. Assim avançada esta descrição, relativizemo-la. É ver-dade que é um filme que incorpora (e tem algo a dizer sobre) a relação entre documentário e ficção, ou que se constrói reflectindo (e dizendo algo sobre) os proce-dimentos práticos e formais normalmente associados ao cinema documental e ao cinema de ficção. Conti-nuamos, de resto, a pensar num célebre aforismo de Godard, que propõe que o documentário mais interes-sante é o que se integra na ficção, e a ficção mais inte-ressante a que se integra no documentário - também sobre isso o filme de Miguel Gomes tem algo a dizer, e mais ainda a praticar. Mas tudo isto parece sugerir uma oposição, um confron-to, a ficção e o documentário jogados um contra o outro, porventura encarregues de se desfazerem mutuamente num titânico “combate de géneros”. Ora uma das coisas especiais de “Aquele Querido Mês de Agosto” é que, jus-tamente, nada acontece assim. Nem de uma “fractura” propriamente dita se pode falar, visto até que se alguma coisa existe no filme para simbolizar a passagem de um domínio a outro essa coisa é a imagem de uma ponte. Ficção e documentário, sim; mas não o que os separa, antes o que os une, não o que os bloqueia, antes o que entre eles circula. Em vez dum combate, um encontro

- porventura tão incestuoso como o da história desen-volvida na sua ficção e certamente tão carnal como ela. Arrumemos assim a questão genérica: “Aquele Querido Mês de Agosto” é um filme sobre a ficção como desejo do documentário, e sobre o documentário como de-sejo da ficção. Há vários momentos, vários planos, que ilustram isto muito bem; mas escolhemos um, absolu-tamente extraordinário até na forma como “explica” o modo de funcionamento do filme: aquele em que, já a ficção vai avançada e a história de amor adolescente/in-cestuoso/triangular se aproxima do seu pico dramático, um grupo de músicos que antes nos tinha sido apresen-tado em forma documental “clássica” irrompe por uma cena adentro, cantando à desgarrada canções alusivas à situação narrativa. Tudo se encontra e se reencontra, tudo flui e se enleia, até formar uma unidade que se tor-na impossível (e se não impossível, inútil) desenlaçar. Um desejo de cinema, chamemos a essa unidade. Tal-vez o tema do filme não seja outro. Como o leitor já deve saber, estamos em terras da Beira Alta, durante o Verão, quando os emigrantes voltam para as férias e é tempo de bailaricos, procissões e incêndios. Rituais e mais ritu-ais - e mesmo os incêndios o são, como se vê nas cenas na torre de detecção e no plano dos botões luminoso no centro de controlo. Quase um jogo, num filme que do princípio ao fim não pára de mostrar jogos e brinquedos, do dominó que a equipa de rodagem laboriosamente constrói na primeira sequência em que aparece aos pe-luches que decoram o quarto da miúda protagonista. Os

“motards”, a imagem de uma santa em luminoso efeito especial num céu nocturno, as narrativas sobre crimes de faca e alguidar, os homens da “Festa dos Colhões”, os saltos de Paulo Moleiro (espécie de anti-herói local) da ponte para o rio. “Aquele Querido Mês de Agosto” é um filme sobre o cinema e um teatro de uma terra onde não se fala nem de cinema, nem de teatro, e onde provavel-mente eles nem existem. Brincadeiras de gente crescida,

persistência de um impulso infantil na idade adulta, gente que arrancou ao quotidiano o seu imaginário sem deixar de o manter lá cravado (as canções “românticas”, a que já voltaremos, entram por aqui). Se o documentário deseja a ficção, a realidade deseja o espectáculo e a narrativa, e inventa-as com o que tem à mão. Se há uma perspectiva etnográfica, nem por isso extraordinariamente remota, em “Aquele Querido Mês de Agosto”, ela andará por aqui, neste olhar sobre as múltiplas ficções disseminadas (e espevitadas) por um quotidiano falho de variedade. Neste contexto, o cinema propriamente dito, a rodagem do filme e a participação de intervenientes locais, é aco-lhido como mais um jogo, mais um ritual, de regras facil-mente interiorizadas (como se vê num plano, aparente

“recuo” na ficção, em que dois actores amadores deba-tem as suas experiências pessoais no trabalho da roda-gem). É, importa dizer, um retrato daquilo a que dantes se chamava o “povo” que nada tem a ver com as suas co-muns e redutoras representações modernas propostas pela televisão (de onde, de resto, o “povo” praticamente desapareceu, resistindo nalguns programas matinais e só interessando à televisão da noite ou como “vítima” ou como “testemunha” de um assalto qualquer). A ficção do filme quer-se melodrama, e isso implica mú-sica e implica canções. Abundam no filme, umas em “off”, muitas em registo de actuações ao vivo, por profissionais (Marante, por exemplo) e por amadores a fingirem que são... amadores (os protagonistas). Ah, “música pimba”, pensa o leitor, “ou é a gozar ou é a redimir”. Mas não, nem uma coisa nem outra, e nenhum efeito “automático” nas-ce da profusão musical do filme. É simples: as canções nascem dali, a sua presença é tão real como as ruas ou as árvores. O filme não tem que as julgar, nem aos que as cantam, nem aos que as ouvem - limita-se a filmar gente que acredita naquelas canções, no acto de mani-festarem essa crença. Rossellini propunha algo parecido quando se tratava de filmar a religiosidade dos outros. É tudo questão de encontrar a distância justa. A justeza de “Aquele Querido Mês de Agosto” é uma coisa magnífica.© Luís Miguel OliveiraPúblico, 21.08.2008

Ciclo Nós por cá ’08 | 11_NoV ‘08

iNVeNtáRio De PoRtuGAlaquele querido mês de agosto de Miguel gomes / portugal, 2008, 147’

o “povo” que nada teM a ver coM as suas coMuns e redutoras representações Modernas propostas pela televisão

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Ciclo estranha Forma de Vida | 11_NoV ‘08

Joy DiVisioNde grant gee, reino unido/eua, 2007, 103’

No dia 4 de Junho de 1976, quatro rapazes de Manchester foram assistir a um concerto dos Sex Pistols e formaram aquela que viria a ser uma das bandas mais influentes da música popular – os Joy Division. A morte do seu carismático líder, Ian Curtis, três anos depois, coloca um pon-to final na história do grupo, mas trinta anos depois os Joy Division continuam presentes na cultura pop actual – o recente Control, biografia ficcionada que o Cine Clube exibiu em Fevereiro, veio também contribuir para o mito.Joy Division é o filme que conta a sua história, mostrando muitas imagens de concertos, fotografias e gravações inéditas, com a partici-pação dos sobreviventes da banda - Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris, agrupados nos New Order - e depoimentos de Tony Wilson (antigo director da Factory Records figura central de Manchester anos 70), Peter Saville (designer das capas dos álbuns da banda), Anton Corbijn, Annik Honoré, entre muitos outros. Um retrato pela ascensão dos Joy Division bem organizado pelo realizador Grant Gee, com a revolução artístico-social de Manchester em fundo (“Uma cidade onde nada era bonito”, como diz um dos entrevistados).

uMa cidade onde nada era bonito

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O que é Good night Irene significou para vocês?N Para já, desde o Alice nunca mais tinha feito cinema e quando rodei este filme já tinham passado três anos desde a última vez. Foi um regresso ao cinema, que eu tinha muita vontade que acontecesse. Já tinha recebido convites, uns que declinei por falta de tempo, outros por-que os projectos não me interessavam. E com o Good night Irene apareceu o filme que me apetecia fazer até porque havia uma expectativa grande da minha parte. Houve ainda o lado de voltar a trabalhar com uma pes-soa que está a fazer uma primeira obra, que eu acho in-teressante, porque estás a descobrir as coisas ao mes-mo tempo que o realizador e sentes que estás a fazer parte de algo muito importante para ele. P O Nuno tem razão quando diz que a primeira obra é de uma importância muito grande para um realizador. Uma pessoa encara como se fosse o único filme que fosse fazer. Tudo tem uma importância de vida ou de morte. Agora, olhando para trás, o que achei mais fan-tástico foi sentir que todos trabalharam na mesma di-recção. Isso tinha-me preocupado no início, mas desde os actores à equipa técnica, senti que éramos realmen-te uma equipa a trabalhar para o mesmo objectivo, que parecia ser maior do que nós. Apesar de ter sido eu a en-gendrar tudo aquilo, sentia-me apenas mais uma peça. Essa sensação de família intelectual e criativa foi muito especial e inesquecível. Como é que surgiu a ideia para o Good night Irene?P A maioria das ideias que tenho surgem de imagens muito simples. A partir daí faço quase um trabalho de detective a perceber porque é que a imagem é impor-tante para mim. Neste caso tinha presente a imagem de duas personagens, Alex e Bruno, que estavam numa casa que não era deles. O Alex, mais velho, estava numa cadeira de rodas e o Bruno a empurrá-lo ao som de música, quase a fazê-lo dançar. No fundo soube quem eram as personagens. Eram dois homens sozinhos e individuais envolvidos numa dependência emocional e que estavam à vontade numa casa que não era deles. N Aliás, essa cena está no filme. Existe uma relação forte no filme entre o Alex, inter-pretado pelo experiente Robert Pugh, e o Bruno. Foi fácil criar isso com alguém tão experiente?N Havia um certo receio da minha parte em trabalhar com o Robert. Nunca tinha trabalhado em cinema com um actor estrangeiro e sei que a cultura pode influenciar. Além disso, o Robert tinha uma experiência gigante e trabalhado com pessoas que admiro. E era fundamen-tal para o filme que a nossa relação funcionasse e hou-vesse cumplicidade. No início parecia haver um certo distanciamento que se foi quebrando com a rodagem e com o juntar dos dois personagens, até que passou a haver uma química muito especial no filme e na vida real. Começámos a dar-nos cada vez melhor e na rodagem em Espanha já nos divertíamos que nem loucos e éra-mos melhores amigos. Do que é que falaram tanto?N Falámos muito pouco de cinema, curiosamente.P Foi mais Kant e Nietzsche (risos)N (risos) Acabou por ser mais situações da vida, histórias daquela rodagem e de rodagens anteriores. O Robert tem imensas histórias incríveis de rodagens, inclusive do Master & Commander… mas não sei se posso contar… Porque é que o nome do filme mudou já depois da ro-dagem de Olho Negro para Good night Irene?P Quando entrámos na rodagem o título já não fazia muito sentido porque as cenas que o justificavam tinham sido retiradas do guião. Só comecei a pensar num novo título na fase final da montagem. Como a Irene é a catali-sadora da história, achei que era bom incluí-la no título. E depois a música folk americana Good night Irene surgiu na rodagem de forma espontânea, não existia no guião.

N A canção era o Robert que conhecia, eu só o acompa-nhei. Começámos a cantá-la no chão do Terreiro do Paço. P Durante muito tempo, na montagem, não pensava in-cluir essa cena em que eles cantam juntos. Mas acabei por usar porque me agrada essa parte da espontanei-dade e parecia um bom título. Houve bastante contribu-to dos actores. Como é que o experiente robert Pugh entrou para este filme?P Tivémos de suborná-lo (risos)… Fizemos um casting em Londres e havia muito a atitude de alguns agentes de actores do tipo “quem és tu?” Houve dificuldade e estranheza por ser um filme português a tentar arranjar um actor com alguma experiência e por ser um realiza-dor estreante. A escolha acabou por ser fácil. No fundo o Robert era o melhor. A relação com ele foi óptima. No início foi algo mais profissional, mas imediatamente per-cebi não estava a lidar com uma vedeta no mau sentido do termo. Hoje somos amigos. O filme passa-se quase todo no centro de Lisboa e num apartamento. Porque houve a necessidade de torná-lo, depois, num road movie até Espanha?P Era enfatizar a procura das duas personagens em busca da Irene. A Irene é o catalizador de uma busca em todos os sentidos. Da própria Irene, que desapareceu, e de uma proximidade com outras pessoas e a busca de algum sentido. Eles tinham de tomar esse último passo e sair desse quase casulo que era a casa da Irene. Têm outros projectos no cinema?P Sobreviver (risos). Agora estou a trabalhar num novo argumento de outra longa-metragem que se passa em Portugal e na Índia. N Acabei de gravar outra longa-metragem, Efeitos Se-cundários, de Paulo Rebelo e no cinema, para já, não tenho projectos confirmados.

Entrevista de João Toméwww.mundouniversitário.pt

A coNVite Do ciNe clube, ANtóNio FeRReiRA estARá PReseNte NA sessão

Deus Não Quis é baseado na dramatização dos versos da canção popular LAURINDINHA.É a historia de RAMIRO, um rapaz novo, que parte para a Guerra; do seu regresso e do desencontro com o amor da sua vida - LAURINDA.

António Ferreira nasceu em Coimbra em 1970. Inicia-se profissionalmente como programador informático, pro-fissão que viria abandonar em 1990, quando se muda para Paris. Em 1994 ingressa em Lisboa, na Escola Supe-rior de Teatro e Cinema (ESTC). Em 1996, muda-se para a Alemanha para estudar na Academia de Cinema e Te-levisão de Berlim (dffb). Em 2000, ganha notoriedade com a curta metragem “RESPIRAR (debaixo d’água)” que o levou até ao Festival de Cannes e com a qual ganhou vários prémios em diversos festivais internacionais. Em 2002, estreia-se na longa metragem com “Esquece tudo o que te disse”, que se tornou num dos filmes portugue-ses mais vistos em Portugal nesse ano. Em 2007 estreia o seu mais recente filme “Deus Não Quis”.Reside e trabalha actualmente em Coimbra, onde diri-ge a sua produtora ZED FILMES – CURTAS E LONGAS, com a qual produz ficção e documentários dos mais diversos realizadores.

Ciclo Nós por cá ’08 | 25_NoV ‘08

eNtReVistA A PAolo blANco & NuNo loPes good Night ireNede paolo Marinou-blanco / portugal, 2008, 98’

curta-pré-filme

Deus Não quis de antónio ferreira / portugal, 2007, 15’cópia em 35mm

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Para além das inevitáveis e salutares diferenças de opi-nião que qualquer filme pode suscitar, creio que se dis-cute muito pouco o modo como as tendências domi-nantes do mercado passaram a enquadrar os produtos cinematográficos. Veja-se o caso de «Antes que o Diabo Saiba que Morreste», prodigioso filme do veterano Sid-ney Lumet agora chegado discretamente às salas de cinema (ainda bem que chegou e não teve a “sorte” de ir directamente para DVD). É bem certo que nele se re-únem quatro actores profusamente nomeados para os Óscares: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney (Hoffman e Tomei já ganharam: ele, Melhor Actor; ela, Melhor Secundária, respectiva-mente em «Capote» e «O Meu Primo Vinny»). Mas será que um objecto com tanta gente ilustre tem a evidência pública que merece?

Que é, então, este produto? Digamos que é o exacto oposto desses filmes com 573 explosões por minuto e muitos efeitos especiais que (ainda) aparecem nos telejornais... Não que não se façam muitos filmes ex-traordinários que nascem de uma tecnologia cada vez mais sofisticada. O problema não está aí. Acontece que o cinema não se reduz ao último blockbuster que con-segue ocupar os ecrãs do mundo inteiro. Acontece, em particular, que o cinema americano é uma frondosa ár-vore criativa com mais de um século de história e um património narrativo riquíssimo e multifacetado que não se esgota nos elegantes movimentos digitais da capa de Batman ou nos voos mais ou menos acrobáticos de qualquer super-herói em aguda crise existencial.

Nostalgia? De maneira nenhuma. Trata-se apenas de não esquecer que a requintadíssima arte de Lumet vem em

linha directa do cinema clássico, em particular dessas zonas fascinantes em que o género policial se cruza com as regras do melodrama ou, mais radicalmente, as pul-sões próprias da tragédia. Basta ver ou rever a sua filmo-grafia para o compreendermos. Para nos ficarmos por um exemplo modelar, recordemos a obra-prima «Fuga sem Fim» (1988), singularíssimo drama familiar que tem River Phoenix naquela que é, muito provavelmente, a mais espantosa interpretação da sua curta existência.

«Antes que o Diabo Saiba que Morreste» colhe o seu tí-tulo num provérbio de origem irlandesa, qualquer coisa como: “Que possas estar no Céu uma boa meia hora antes que o Diabo saiba que morreste.” Afinal de contas, esta é uma história de personagens que, na sua procura de um Bem mais ou menos idealizado, acabam por atrair as forças de um Mal que não dá tréguas. Ou ainda, e para sermos mais específicos: aqui se conta a história de dois irmãos que, face aos muitos impasses financeiros e afectivos das suas vidas, decidem assaltar a ourivesaria... dos próprios pais!

Digamos, para simplificar, que Lumet é um cineasta da ambivalência dos comportamentos, logo da fragilidade da moral com que vemos (ou tentamos corrigir) o mun-do. Ele filma as contradições das formas de organização social e familiar, descobrindo, para além de todas as máscaras, a devastada vulnerabilidade do género huma-no. Não será um cinema diabólico, mas é bem verdade que o Diabo tem sempre lugar no elenco.

© João LopesDiário de Notícias, 12.09.2008

Ciclo estranha Forma de Vida | 02_DeZ ‘08

umA tRAGéDiA sobRe o céu PRotAGoNiZADA Pelo DiAboANTEs quE O DIABO sAIBA quE mORREsTEBefore the devil knows you’re dead, de sidney lumet / reino unido/eua, 2007, 117’

ele filMa as contradições das forMas de

organização social e faMiliar,

descobrindo, para aléM

de todas as Máscaras, a

devastada vulnerabilidade

do género huMano

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Em Portugal, uma das formas mais mesquinhas de ci-nismo cultural (ou de uma cultura do cinismo) consiste em denegrir o cinema de Manoel de Oliveira por causa da “longa” duração dos seus filmes. Em boa verdade, qualquer uma das suas últimas quinze (insisto: quinze!!!) longas-metragens é mais curta que qualquer título da saga de Harry Potter. O certo é que há um “estilo” muito português que confunde a difamação com a perspicá-cia. Esperemos, sobretudo, que a estreia de «Cristóvão Colombo – O Enigma» não seja acompanhada desse vergonhoso “desporto” social praticado pelos que con-fessam nunca ter visto um filme de Oliveira, mas sabem tudo sobre o que neles acontece... E, já agora, aqui fica uma informação muito objectiva: «Cristóvão Colombo – O Enigma» dura 75 minutos.

Estamos perante um exercício de deambulação históri-ca (entenda-se: através da história de Portugal) que tem como ponto de partida um casal verídico: Manuel Lucia-no da Silva e Sílvia Jorge da Silva, cujos estudos defen-dem que o navegador Cristóvão Colombo (1451-1506) era de origem portuguesa e, mais do que isso, que a sua descoberta do continente americano foi feita ao serviço do rei D. João II.

Oliveira filma o jovem casal, interpretado por Ricardo Trêpa e Leonor Baldaque, como um par que constrói um universo conjugal entrelaçado pelo seu próprio gos-to pelos enigmas da história de Portugal e, mais do que isso, por aquilo que seria a sua grandeza esquecida (liga-da à época dos Descobrimentos). Mas, a certa altura, o filme apresenta-nos o casal num presente em que tudo se toca e confunde. Desde logo porque as memórias

dessa grandeza se cruzam com lugares e referências da nossa contemporaneidade; mas também porque os in-térpretes da actualidade são... o casal Oliveira: Maria Isa-bel e Manoel de Oliveira falam da história portuguesa e, mais do que isso, dos mistérios do amor, por assim dizer transformando «Cristóvão Colombo – O Enigma» num objecto de sedutora ambiguidade, uma “ficção docu-mental” sobre o próprio presente. Não é, obviamente, a primeira vez que Oliveira cede à

“tentação” autobiográfica. Para nos ficarmos pela refe-rência mais directa, lembremos «Porto da Minha Infân-cia» (2001), filme cujo título resume todo um programa narrativo e simbólico. Trata-se de desafiar as fronteiras convencionais entre “ficção” e “documentário” para re-afirmar o cinema como exercício de fascinante duplici-dade: uma observação metódica do real mais palpável e, ao mesmo tempo, uma derivação poética para os mun-dos imaginários em que se enraíza a nossa identidade individual e colectiva.

De facto, semelhante atitude criativa está presente na fil-mografia de Oliveira desde o seu título fundador, «Douro, Faina Fluvial» (1931), exprimindo-se em momentos tão di-versos como «Acto da Primavera» (1963), «A Caça» (1964) ou «Viagem ao Princípio do Mundo» (1997). Oliveira é, afinal, um genuíno experimentador que não pára de questionar as fronteiras materiais e expressivas do próprio cinema. É isso que lhe confere também a sua modernidade.

© João LopesDiário de Notícias, 12.01.2008

Ciclo Nós por cá ’08 | 09_DeZ ‘08

oliVeiRA entre ficção e docuMentário CRIsTóvãO COLOmBO, O ENIGmAde Manoel de oliveira / portugal, frança, 75’, 2007

curta-pré-filme

coRReNte de rodrigo areias / portugal, 2008, 15’ cópia em 35mm, p&b

NA sessão estARão PReseNtes o ReAliZADoR e A ActRiZ iNês mARiANA moitAs

Corrente é um projecto de curta-metragem experimen-tal sobre uma relação de amor impossível e a força que a natureza exerce sobre essa relação. É a história de um homem e de uma mulher que vivem numa aldeia mineira, onde ele todos os dias entra no ventre da montanha e apesar de tentar fugir, se vê impe-dido pela sua força. Ela trabalha na taberna onde todos as noites os mineiros se encontram, comendo e beben-do. Um dia ela repara nele e, em conjunto, a natureza permite que eles flutuem rio fora.Rodrigo Areias acabou de terminar a sua primeira longa-metragem, Tebas. Tem desenvolvido trabalhos criati-vos na área de cinema de autor, alternando com outros trabalhos em domínios de video-arte e vídeo clips para alguns dos melhores nomes da cena rock nacional (The Legendary Tiger Man, Wray Gunn, D3o, etc.) e diversos outros projectos.

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TODOS OS FILMES TÊM UMA HISTÓRIA.O CINE CLUBE E AS SALAS DE CINEMA DE VISEU TAMBÉM.

Uma obra documental sobre as salas de cinema e de espectáculo por onde foram passando os filmes ao longo das 5 décadas de história do Cine Clube de Viseu: Cine Rossio, Casa-Museu de Almeida Moreira, Auditório Mirita Casimiro, Auditório da Feira, Auditório do Instituto Português da Juventude, Clube de Viseu…

CINE CIDADE _o livroAs sAlAs de CIneMA, os PRotAgonIstAs e os FIlMes do CIne ClUbe de VIseU 1955/2007, de FeRnAndo gIestAs.

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PROTAGONISTAS

CINE CIDADE constitui um documento de extrema relevância para a história do CCV, e um contributo inestimável para a história cultural e social da cidade de Viseu na segunda metade do século XX. Para a prossecução dos objectivos editoriais foram recolhidos, anali-sados e interpretados dados documentais, e foram entrevistados os principais protagonis-tas cine clubistas de Viseu e da vida cultural da cidade, o que constituirá momento único, em certos casos, para preservar testemunhos da memória viva da cidade.Testemunhos de António Ribeiro de Carva-lho, António Rocha, Armando Ferreira, Carla Augusto, César Gomes Conceição Matos, Hélio Teixeira, Humberto Liz, João Figueiredo e Silva, Joaquim Alexandre Rodrigues, José Casimiro, José Fernandes, José Perfeito Lopes, Manuel Sá-Correia e Rodrigo Francisco.

FOTOGRAFIAS

CINE CIDADE é um livro sobre os espaços de programação e fruição cultural, alguns deles extintos, ou em vias de, onde se encontra uma parte da memória e transformação dos últimos 50 anos do contexto cultural, coincidente com a presença do CCV na cidade e nos espaços em causa. A publicação de fotografias da segunda metade do século XX de Viseu, seja das salas de cinema e de espectáculos, seja dos principias filmes e ciclos de cinema do CCV, será, igualmente, oportunidade rara de reunir em obra imagens dispersas e com relevante valor documental. CINE CIDADE servirá os cinéfilos da região e os próprios viseenses que, embora mais distantes do trabalho do CCV, podem rever-se na história da cidade que o Cine Clube de Viseu também ajuda a contar.

1955 1959O (PRIMEIRO) PRINCÍPIO DO CINE CLUBE DE VISEUAPRESENTAÇÃO DO CCVA PRIMEIRA SESSÃO, OS PRIMEIROS FILMESO INÍCIO DO CCV COM O OLHAR DE AGORAO CINEMA EM VISEUO FIM DA PRIMEIRA FASE E O INTERREGNO 60-71AS DIFICULDADES INICIAISCINE ROSSIO

1978 1989O REGRESSO DEFINITIVO E O NASCIMENTO DO MODERNO CCVESTABILIZAÇÃO DIRECTIVA DO CCVA PROGRA MAÇÃO TEMÁTICA, ESPAÇO AO CINEMA PORTUGUÊS, FOTOGRA FIA E VÍDEOCINEMA NO PARQUE, FEIRA DE S.MATEUS, CASA-MUSEU DE ALMEIDA MOREIRAO CINE CLUBE PARA LÁ DO CINEMANASCE O ARGUMENTOCONOTAÇÕES POLÍTICAS

1972 1976RECOMEÇO, REVOLUÇÃO, CONVULSÃOO CINE CLUBE PELO DISTRITO DE VISEUUM PROGRA MA IDEOLÓGICO E CULTURALQUANDO O COURAÇADO POTEMKINE ATRACOU EM VISEUSEMPRE A CRISE DIRECTIVA

1990 1995NOVAS SALAS, VELHOS DESAFIOSOS ANOS MIRITAACTIVIDADE NA CMAM E CASA DA JUVENTUDECRÓNICA DE UM PRESIDENTE ANUNCIADOA RENOVAÇÃO DIRECTIVAVISEU, CIDADE CULTURA L

1996 2007OLHAR O PASSADO, PREPARAR O FUTUROOS ANOS IPJNOVAS MÁQUINAS, NOVOS CICLOSAS SALAS CADA VEZ MAIS COMERCIAIS E O CCV CADA VEZ MAIS ALTERNATIVOPROJECTOS DE FUTURO E OS 50 ANOS DE ACTIVIDADE

ORGANIZAÇÃO DO LIVRO

CINE CIDADE Autoria de FERNANDO GIESTASJornalista e Sócio do CCV nº935

Edição organizada por RODRIGO FRANCISCO

Design gráfico DPX / NUNO RODRIGUES

REVISÃO Carla Augusto / Rodrigo Francisco

1ª edição / Novembro 2008ImpressãoTIPOGRAFIA GUERRAImagensCINEMATECA PORTUGUESA \ Museu do CinemaFOTO GERMANOARQUIVO CCV

Apoio FinanceiroMINISTéRIO DA CULTURA \ Delegação Regional da Cultura do Centro

ParceriasCâMARA MUNICIPAL DE VISEUREGIÃO DE TURISMO DÃO LAFÕESJORNAL DO CENTRO

FICHA TÉCNICA

O Cine Clube de Viseu (CCV) propõe uma abordagem a uma parte importante da sua história, relacionando-a com uma não menos importante parte da história da cidade. As salas de cinema e de espectáculo por onde foram passando filmes por alguns períodos, mais ou menos prolongados, das 5 décadas de histó-ria do CCV. é propósito da edição de CINE CIDADE relatar a vivência do CCV com as salas onde foram projectados os seus filmes e o próprio contributo que esses espaços da cida-de, alguns deles já desaparecidos fisicamente, para o desempenho daquele que é hoje um dos mais dinâmicos cineclubes do país.

CINE CIDADEAs sAlAs DE CINEmA, os protAgoNIstAs E os fIlmEs Do CINE ClubE DE VIsEu 1955/2007

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22 DE NOVEMBRO | CLUBE DE VISEU | 17h00

APRESENTAÇÃO PÚBLICACORO AZUL | Participação especialDÃO DE HONRASESSÃO DE AUTÓGRAFOS

OUTRAS APRESENTAÇÕES23 de Novembro | FNAC Viseu | 17h00 Com Nuno Tudela (Realizador) e Fernando Giestas.Projecção de “Os anos loucos de Frank” de Nuno Tudela + “Grão Vasco” do colectivo Nervo e Cine Clube de Viseu

13 de Dezembro | ACERT de Tondela | 18h00 Com José Rui Martins (ACERT), Joaquim A. Rodrigues e José Fernandes (Cine Clube de Viseu).

PVP : 15,00 euros | Associados CCV : 10,00 euros À venda no Cine Clube, nas sessões, e na FNAC Viseu.Reservas : 232 432 760 | [email protected]

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Mais de uM ano depois de estar pronto, chega, finalMente, às salas o novo filMe do realizador João caniJo, “Mal nascida”, uMa tragédia grega adaptada à realidade portuguesa.

Ciclo Nós por cá ’08 | 16_DeZ ‘08

eNtReVistA A João cANiJomal NasCidade João canijo / portugal, 2008

O interesse pelos clássicos vem da sua paixão pelo teatro ou encontra real-mente semelhanças com a sociedade portuguesa de hoje? Não é na sociedade portuguesa, é no Mundo actual. Há muito tempo que des-cobri que nas tragédias gregas e no Ho-mero estão os arquétipos não só das his-tórias como das personagens de sempre da nossa tradição ocidental. O único que inventou depois alguma coisa foi Shakes-peare. Tudo o resto parte dos gregos. Ao partir desses arquétipos, tem-se uma segurança muito grande para estruturar uma narrativa e socorri-me dessa segu-rança até agora. A partir de agora, já não. Neste caso, a base foi a Electra… É um interesse particular, pessoal. É o equivalente nas meninas do complexo de Édipo nos meninos e é uma personagem que há imensos anos, desde que a des-cobri, me fascina. Um dos meus primeiros filmes “infantis”, chamado “Filha da mãe”, já era uma versão adolescente e inci-piente da Electra. E toda esta trilogia que começa na “Noite escura” e à qual falta a posta do meio foi feita única e exclusiva-mente para chegar à Electra.

Então, este filme é, assumidamente, um final de ciclo...É um final de ciclo, não só por ser um final de trilogia como por estar agarrado às tra-gédias gregas.

Então, e essa posta do meio? A posta do meio é um bocado cara. A conspiração da Climetenestra para matar o Agamemnon é feita ao mesmo tempo que dura a guerra de Tróia. Essa posta do meio era um pouco ambiciosa, porque tinha a família grega e a família troiana e passava-se no crime organizado, o equi-valente que encontrei actualmente para uma guerra de Tróia. E isso era um boca-do caro de fazer. Se, eventualmente, os meus próximos filmes tiverem um gran-de êxito e houver condições para o fazer, não está de todo posto de parte.

sente-se também que o seu cinema se está a afastar de uma certa urbanidade para chegar à província. Há algum movi-mento deliberado nesse sentido?Essa perspectiva assim tão linear não su-cedeu. Mas houve sempre uma razão não

folclórica para escolher o meio ambiente onde se passavam as histórias. No “Noite escura”, uma casa de alterne, que é um mundo de mentira e de representação, era o meio ideal para uma tragédia pas-sar desapercebida. Este tem uma história tão anormal e tão violenta que está talha-da para se passar num ambiente isolado e fechado.

No filme, quase só vemos as persona-gens, parece já não haver mais ninguém naquela aldeia.

Tentei meter gente, o problema é que não há. Só durante as férias de Verão. Fora isso, aquelas aldeias têm muito pouca gente. Praticamente todos os habitantes fixos da aldeia entram no filme.

Este é um retrato de um país que nós julgávamos já não existir ou queremos fazer de conta que não existe? Isso é propositado. Mas também já era o “Noite escura”. É o retrato de um país que, nas cidades, se julga que não existe. Que está escondido. Curiosamente, este ambiente rural de uma aldeia um bocado perdida é mais compreensível internacio-nalmente. A imagem da senhora com o lenço preto na cabeça não é só portugue-sa, é também da Sicília, dos Balcãs.

há ainda alguma esperança naquelas personagens?Acho que as aldeias estão a morrer cada vez mais. Não acho que haja assim uma grande esperança. Os jovens, que são pouquíssimos, estão lá porque ainda não conseguiram sair.

Como é que descobriu aquela aldeia? Vi centenas de aldeias. Tinha de encontrar uma que tivesse um café que servisse. É triste, mas muitas aldeias do interior já não têm café, porque não têm clientes. Acabei por ir parar a Trás-os- -Montes. Também queria uma aldeia onde se sen-tisse a diferença entre o que foi e o que é. E em muitas aldeias das Beiras, já não se consegue perceber como era.

© João AntunesJornal de Noticias, 08.10.2008

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No filme “Gomorra”, de Matteo Garrone, chamam-se Marco e Ciro, imaginavam-se personagens de “Scarface”, de Brian de Palma, e morrem juntos. No livro “Gomorra”, de Roberto Saviano (editado pela Caderno), a cena é ligeiramente diferente. Chamam-se Giuseppe e Romeo, imaginam-se personagens de qualquer bom filme da mafia, e Romeo vê o amigo morrer primeiro.

“Quando Romeo viu Giuseppe no chão”, escreve Savia-no, “estou certo - com uma certeza que nunca poderá ter qualquer tipo de confirmação - que compreendeu a exac-ta diferença entre o cinema e a realidade, entre uma cons-trução cenográfica e o cheiro do ar, entre a própria vida e uma encenação. Chegou a sua vez. Dispararam-lhe para a garganta e acabaram-no com um tiro na cabeça. Soman-do as suas idades pouco passavam dos trinta anos.”

“Gomorra” é um filme - vencedor do Grande Prémio do Júri no último Festival de Cannes - sobre a mafia napo-litana, a camorra. Mas é também um filme (tal como o livro era) sobre a força de um imaginário: o da mafia no cinema. Aqueles que deveriam ser os modelos (os ma-fiosos) acabam por perseguir a imagem, de um certo “glamour”, que o cinema criou deles próprios. É, por isso, curioso que Matteo Garrone explique assim, numa con-versa telefónica com o Ípsilon a partir de Roma, o facto de a população de Scampia, um subúrbio de Nápoles, ter concordado em participar no seu filme: “Há uma coi-sa que é fundamental para compreender porque é que consegui filmar ali: é que eles amam o cinema, formam o seu imaginário no cinema, e a possibilidade de participar num projecto cinematográfico é para eles uma abertu-ra”. As filmagens decorreram sem problemas. “Claro que vínhamos com um livro que era extremamente delicado, pelo qual o escritor tinha sido ameaçado de morte, mas o cinema é mais forte do que qualquer outra coisa.”

Foi assim, graças ao cinema, que Garrone, realizador ita-liano nascido e criado em Roma, pôde entrar num mun-do que não conhecia antes de ler o livro de Saviano. “A imagem que tinha da mafia estava também ligada a esse imaginário cinematográfico. Não imaginava que existisse em Nápoles aquela realidade, pessoas que vivem numa dimensão de guerra quotidiana, a poucos quilómetros de minha casa, em 2008, em Itália.”Leu o livro - que foi um acontecimento mediático, primei-ro em Itália e depois no resto do mundo -, logo a seguir à publicação e viu imediatamente que havia ali “grandes potencialidades”. O trunfo de Saviano, na sua opinião, é ter conseguido “contar o mundo da camorra a partir de dentro”. Garrone quis fazer o mesmo, mas em cinema.

ACTORES DE GOMORRA PRESOS

A carreira cinematográfica de Bernardino Terraccia-no, de 53 anos, não é muito longa. São apenas dois fil-mes, “L’imbalsamatore” (2002) e o premiado “Gomorra” (2008), e em ambos faz de mafioso. O papel fica-lhe bem - tão bem, aliás, que este fim-de-semana foi pre-so por suspeita de extorquir dinheiro em troca de pro-tecção e de ter ligações ao clã Casalesi, que pertence à Camorra, a mafia napolitana. Terracciano é o segundo actor de Gomorra a ser detido, e há um terceiro sob in-vestigação.O filme, realizado por Matteo Garrone, e adaptado do romance com o mesmo nome de Roberto Saviano, tem sido um sucesso em todo o mundo, venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e está candidato para a no-meação aos Óscares. Uma das opções de Garrone - e

que garantiu ao filme o seu realismo - foi a de filmar pre-cisamente num bairro mafioso dos arredores de Nápo-les, usando habitantes locais como actores, e deixando-os falar um dialecto local difícil de compreender até para italianos. Terracciano, por exemplo, faz de Tio Bernardi-no. Giovanni Venosa, preso em Julho, fazia igualmente de boss. E um terceiro actor, que Garrone também en-controu nas ruas de Nápoles, interpreta a personagem de um assassino contratado que, no início do filme, entra num solário e mata vários mafiosos que se bronzeiam. Numa recente entrevista ao Ípsilon, Garrone explica-va que conseguira filmar sem problemas no bairro de Scampia por causa do fascínio que o cinema exerce sobre as pessoas que ali vivem, e que muitas vezes têm como modelos os “padrinhos” dos filmes de Mafia. Insis-tindo na ideia de que não há ali bons nem maus e que não podemos separar os habitantes do bairro dos boss, Garrone disse que queria filmar aquele mundo “a partir de dentro”. Ao Guardian, Garrone contou que alguns dos boss lhe mostraram um assassínio que tinham filmado com os seus telemóveis e que circulava entre todos. “Disseram-me que agora passavam também a filmar o seus ata-ques”. Para quem sonha com cinema, a possibilidade de se tornar actor de um verdadeiro filme foi irresistível, mesmo sendo um filme baseado num livro que denun-cia a Mafia e cujo autor vive desde então sob protecção policial. Mas, nas últimas semanas, a realidade voltou a ser mais forte na vida dos boss de Scampia. E, se o filme ganhar um Óscar, vão ter que assistir à cerimónia atrás das grades.

© Alexandra do Prado CoelhoPúblico, 14.10.2008

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Ciclo estranha Forma de Vida | 16_DeZ ‘08

umA teRRA sem boNs Nem mAusgomorra

de Mateo garrone / itália, 2008, 137’

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Conheça a nossa BIBLIOTECA com 1500 títulos de livros e revistas, na sua maioria dedicados ao cinema e audiovisual.

No Cine Clube encontra textos críticos publicados na imprensa a propósito de 5 mil filmes. Essencial para trabalhos de investigação, ou para curiosidades cinéfilas.

Condições de acessoBasta ser associado do CCV para poder aceder a todo o arquivo da associação.Pode consultar-nos por telefone - 232 432 760, e.mail - [email protected],ou visitar a sede no Largo da Misericórdia , 24, 2º (deve marcar visita por telefone ou e.mail).

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APReNDeR em FestA

A ver filmes também se aprende! Este foi o lema do Aprender em Festa 2008, uma semana surpreendente, de 27 a 31 de Outubro, com longas e curtas metragens de animação, algumas das quais realizadas em escolas do distrito de Viseu, Workshops de pixilação e sessões de cinema. Durante 5 dias o Cine Clube de Viseu recebeu no IPJ cerca de 1200 parti-cipantes e com eles comemorou os 100 anos do aparecimento do Cinema de Animação.

Filmes No cARReGAl Do sAl e VouZelA

Até ao final de 2008 serão realizadas 2 curtas metragens de animação, uma na Escola Secundária de Vouzela, de 5 de Novembro a 10 de Dezembro, e outra no Núcleo de Animação Cultural de Oliveirinha (Carregal do Sal), durante a pausa lectiva de Natal. Este projecto pretende essencialmente divulgar o cinema de animação, as suas técnicas e as suas diversas fases de realização, ao mesmo tempo que desenvolve e explora na sala de aula temas transdiscipina-res ao currículo escolar. As escolas do 1º ciclo (de todo o distrito) interessadas em participar este projecto durante o presente ano lectivo, poderão ainda inscrever-se, entrando em contacto com o Cine Clube de Viseu.

APReNDeR em Filmes / CuRTAs mETRAGENs PARA O AmBIENTE

O Cine Clube de Viseu está a preparar a edição de um DVD com 6 curtas metragens dedicadas ao tema do ambien-te, realizadas entre 2001/2007 em seis escolas de quatro concelhos: Mangualde, S. Pedro do Sul, Sever do Vouga e Tondela. Aproveitando o potencial tecnológico que caracteriza as novas gerações, estas curtas metragens exploram o gosto e a capacidade crítica pela linguagem vídeo e cinematográfica, introduzindo nas histórias modos de agir res-ponsáveis para com o ambiente, a gestão de recursos e o equilíbrio natural do planeta.A distribuição do DVD será assegurada de forma gratuita, para Agrupamentos escolares e Instituições de Ensino Su-perior de Viseu, e a nível nacional para Mediatecas e bibliotecas públicas, Escolas Superiores de Educação, Cine Clu-bes, Institutos Públicos dos Ministérios da Cultura e Educação, Centros de recursos educativos.O trabalho desenvolvido insere-se no Projecto Cinema para as Escolas, que intervém desde 1999 em vários níveis de ensino, nas escolas de alguns dos concelhos mais desfavorecidos do Distrito de Viseu.

eNcoNtRo NAcioNAl De ciNe clubes

Decorreu na ilha do Faial, Açores, de 31 de Outubro a 02 de Novembro, o XVII Encontro Nacional de Cine Clubes, orga-nizado pelo Cine Clube da Horta e pela Federação Portuguesa de Cine Clubes. Foram discutidas várias perspectivas de intervenção dos Cine Clubes, da própria Federação, e o estado da produção e distribuição em Portugal do cinema de autor, com a presença de 21 Cine Clubes e de Paolo Minuto, da Federação Internacional de Cine Clubes. O Encontro serviu ainda para eleger os novos corpos sociais da Federação Portuguesa, com a nova Direcção eleita a ser presidida por Rita Freitas, do Cine Clube de Torres Novas. Estiveram presentes: ABC Cine Clube, CTLX (Lisboa), Ao Norte (Viana do Castelo), Amarante, Avanca, Barreiro, Beira Interior (Covilhã), Fafe, Faro, Guarda, Guimarães, Horta, Norte Alentejano (Portalegre), Olhão, Porto, Tavira, Torres No-vas, Évora, Viseu, Espalha Fitas de Abrantes, Fila K de Coimbra.

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No topo: Giana Maria CanaleAs actrizes, menos importantes num mundo de homens, eram invariavel-mente, modelos de beleza e perfídia.

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Não se pode dizer que o peplum seja um género da história; a bem dizer, nem se pode chamar um género ou dizer que a história é o seu trabalho. A história também não produziu um género, mas vários géneros ou sub-géneros: filme histórico, de propaganda, de espionagem, filme de romanos, filme bíblico, de guerra, etc. A ideia de género, ela mesmo, não é estanque: com-porta inúmeras variantes, conforme a época em que nasce e se desenvolve e as variantes que o vão informando.

Tomemos, por exemplo, o western: sendo um género nascido no contexto do cinema americano e especificamente cinemato-gráfico (não herdado, portanto, da literatura), ele encontra o seu enraízamento no imaginário popular americano, antes de ser um

género cultivado pela crítica europeia. Ajudando à constituição dum sentimento nacionalista americano, o western é um género conserva-dor, no sentido em que se esgota, enquanto temática, nos pressupostos pseudo-históricos em que se baseia – mitologia do cow-boy, exacerba-mento do individualismo, maniqueísmo das situações. A sua transplan-tação para as planícies italianas ou espanholas, nos anos 1960 e 1970 mantiveram a matriz do género, retrabalhando os seus estereótipos.Percurso diferente teve o peplum. Nascido na Itália dos anos 1910, num filme cujo argumento pertenceu a Gabrielle d’Annunzio, cabiria lançou o personagem de Maciste e a iconografia pseudo-histórica do

“género”. Este personagem mitológico, inexistente na cultura clássica greco-romana, seria uma espécie de semi-deus, como Hércules, Ulis-ses ou Sansão. Como eles, o poder está na força física e, como eles, a fraqueza está no amor ou na honra. Cultivando princípios de nobreza, eles vão ao fundo da terra, ao Amazonas, encontram-se na Mongólia, na China, na Escandinávia ou com todos os deuses e semi-deuses e humanos da mitologia clássica, sem qualquer preocupação com a ver-dade histórica ou com a transposição de séculos e culturas.Nascido num período de grande exaltação nacionalista, o peplum primi-tivo só durou o período de vida artística do seu primeiro intérprete, Bar-tolomeo Pagano (maciste alpino, maciste atleta, maciste medium, maciste polizziotto, maciste innamorato, maciste salvato delle acque, maciste in vacanza, la rivincita di maciste, maciste e il nipote d’America, maciste e il cofano cinese, maciste all’inferno, maciste nella gabbia dei leoni, il gigante delle dolomiti, maciste contro lo sceicco). A partir de então (e por isso disse antes que o pe-plum fazia o percurso inverso do western), o “género” aparece no cine-ma americano nos filmes bíblicos ou de romanos, de que DeMille (ten commandments, samson and delilah, the King of Kings) é um dos émulos. Igualmente pseudo-históricos, estes filmes têm no Antigo

Testamento a sua fonte, diluindo a história do povo hebraico nas gongó-ricas reconstituições em Hollywood, como na Cinecittà.

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O peplum reaparece, porém, no final dos anos 1950, fru-to exactamente da produção americana que se instalara em Itália para a produção dos filmes de romanos. O seu carácter de super-produção fantasiosa era o antídoto ao neo-realismo agonizante e à televisão triunfante então na Europa. E, como na primeira fase do seu aparecimento, as mitologias de consumo mantinham-se fiéis aos super-heróis musculados, defensores da ética dos humilhados, contra os poderosos tiranos. A luta de titãs merecia o afã dos argumentistas, sempre multiplicando as aventuras, os locais das cenas, os heróis e os seus arquétipos mus-culados. Porém, neste período, alguns novos artesãos se vêm juntar aos velhos tarefeiros do cinema italiano – nomes como Vittorio Cottafavi (la vendetta di ercole, ercole alla conquista di Atlantide, la rivolta dei gladia-tori) e Riccardo Freda (maciste al inferno, maciste alla corte del gran Khan, i gigante della tessaglia, spartaco, il gladiatore della tracia), no “género” como fora dele, são possuidores dum forte imaginário visual. Fora da rotina – como no western – é possível re-ter: no primeiro, um forte pendor para o tratamento ge-ométrico do espaço, favorecido pelo formato do scope, uma constante do “género”; no segundo, um tratamento obsessivo dos ambientes e dos personagens e uma ma-estria na direcção de actores, fruto do seu trabalho como realizador de segundas equipas. Sobre Cottafavi diz Do-minique Rabourdin1:A beleza dos seus melhores filmes situa-se para além da noção de género. Todos os filmes têm momentos de be-leza, momentos de paixões exacerbadas, por vezes ce-nas inteiras de enorme intensidade. Em particular, Cot-tafavi sabe mostrar a morte, situar os seus personagens face à morte de uma maneira admirável e as suas ideias de realização (não se trata de efeitos, mas de ideias) são, por vezes, do nível das de Fritz Lang.O mesmo autor, sobre Freda, diz o seguinte:Estamos perante um cineasta que trabalha por enco-menda, isto é, que aceita as histórias que lhe propôem, sem nunca sonhar em desprezar o que filma, dando a cada momento provas de eficácia, conseguindo, por ve-zes, modelos do género. (…) O que lhe interessa são as faculdades que os seus personagens têm de estarem à altura de circunstâncias excepcionais, de se ultrapassa-rem a si mesmos. Dá para pensar o que faria Freda de um grande romance de Alexandre Dumas.Outros cineastas em princípio de carreira, como Sergio Leone (il colosso di rodi, sodoma e gomorra) e Stan-ley Kubrick (spartacus), ou em fim de carreira, como Ja-cques Tourneur (la battaglia di maratona), fizeram no

“género” alguns dos seus filmes. Tendo durado mais ou menos uma década (1955-1964), este segundo fôlego do peplum coincide com o fim do modelo industrial ameri-cano, aqui transplantado para a Europa.Opondo-se determinadamente ao neo-realismo italia-no e aos seus pressupostos de verdade e naturalidade, o peplum investe na história da antiguidade clássica e em todo o seu esplendor, mitigando a pobre realidade italiana do neo-realismo e das comédias dos “telefones brancos” com estes momentos de nostalgia dos heróis divinos e sobre-humanos.

Mais virado para uma dramaturgia teatral, Cottafavi cedo abandonou o “género”. Em entrevista, confidenciava a Bertrand Tavernier2, que “a partir do melodrama, procurei algo verdadeiro, interior. Procurava filmar a alma, os sen-timentos mais secretos. (…) Por outro, o filme de capa e espada divertia-me porque me sentia criança lançando-me nesse género”.

1 in Cinéma 74, nº 190-191

2 in Positif, nº 100-101

Freda seria menos obtuso em relação ao “género”, já pelo seu pendor para a aventura cinematográfica. Para este, segundo Stefano Della Casa3, “trabalhar no cinema popu-lar implica métodos de filmagem obsessivos, paroxísticos. O cineasta considerou sempre como méritos pessoais a sua rapidez no trabalho, a sua capacidade de decidir o lu-gar da câmara antes de chegar ao local das filmagens e a sua habilidade para controlar as cenas de batalha”.

Outro dos elementos constitutivos do “género” é a gale-ria de actores que povoam os filmes. Os heróis, quase sempre másculos, saíam dos concursos de “Mister Mús-culo”. Steve Reeves e Gordon Mitchell, Ed Fury e Mark Fo-rest, Kirk Morris e Samson Burke, Gordon Scott e Reg Park encarnaram personagens mitológicos da força como Ursus, Taurus, Golias, Hércules, Maciste, Sansão, Tarzan e até Zorro. As actrizes, menos importantes num mundo de homens, eram invariavelmente, modelos de beleza e perfídia, também saídos de concursos de beleza – Anita Ekberg, Sylva Koscina, Rossana Podestà ou Giana Maria Canale – e, por vezes, casadas com os realizadores.Na galeria de realizadores, encontramos nomes como Pietro Francisci (le fatiche di ercole, ercole e la re-gina di lidia, Ercole sfida Sansone), Carmine Gallone (gli ultimi giorni di Pompei, messalina), Mario Came-rini (maciste contro lo sceicco), Mario Bava (ercole al centro della terra) ou o primitivo Giovanni Pastrone.

3 stefano Della Casa, Riccardo Freda, un homme seul.

Muitos deles provinham de géneros populares como o melodrama ou o filme de aventuras, com ingressões pelo fantástico e pela comédia. Não sendo os pais do “género”, nem os melhores aplicadores das suas características, coube a estes realizadores reintegrar no género do filme de aventura, estas novas aventuras dos romanos.

***

Abordaremos agora as questões formais do peplum. No seu conjunto, nomeadamente nos seus melhores exem-plos, o uso exclusivo do formato scope é uma opção deci-siva para o enunciado do “género”. Mais largo que alto, pri-vilegiando a abertura dos espaços na horizontal, emerge desta opção a maior exploração das movimentações de massas, elemento fundamental na economia do espectá-culo. A escolha quase obrigatória da arquitectura clássica greco-romana, ou da sua réplica em cartão prensado dos cenários, valoriza a utilização do formato largo e constitui como que uma imposição cénica. A utilização exclusiva da cor, característica também do “género”, realça o lado mais pictórico do espectáculo, com os seus brancos ma-jestosos em contraste com os vermelhos de sangue. A indumentária usada por homens e mulheres caracteri-za-se pelo erotismo dissimulado, privilegiando os tecidos coleantes que reforçam os ângulos dos corpos, favo-recendo os tons claros e quentes. O guarda-roupa e os acessórios de cena reforçam a impostura dos cerimoniais hieráticos, definida por gestos marciais e palacianos. A hierarquia social surge traduzida nos códigos de com-portamento, repetidos de filme para filme, sem preo-cupação de verdade histórica. Matizando uma ideia de tragédia oriunda duma leitura dos textos apócrifos, os de-senlaces do destino obrigam a passar pela disputa física dos territórios, poderes e esposas ou maridos.A mistura de heróis e heroicidades transporta-nos a uma releitura dos mitos clássicos, à luz de uma realidade plas-mada como arquetípica: o herói do peplum luta para ven-cer obstáculos, quer sejam humanos ou sobre-humanos. Não lhe basta esperar pelo cumprimento do destino; é preciso forçá-lo a decidir-se pela lei (do) mais forte.Para concluir, gostaria de justificar a afirmação inicial: a popularidade deste cinema deriva de dois factores fun-damentais e complementares:

– por um lado, a apertada codificação a que é sujeito o argumento, partindo, nos casos mais relevantes que aqui nos interessa, duma matriz rígida: o herói popular, de origem divina ou eleito pelo povo, que é chamado ao confronto com o tirano e donde sai vencedor, repondo a ordem do lado da lei. Os poderes de que o herói é de-tentor relevam mais da força física e o seu aniquilamento, mesmo que temporário, aguçam o engenho do herói e a sede de justiça do espectador;

– por outro lado, a prática corrente em alguns países, e também em Portugal, de exibir estes filmes em salas de cinema de bairro, manifesta um sentido apurado de ma-rketing, juntando nesta estratégia a vertente do comércio com os potenciais interessados (a população dos bairros populares, com pequeno poder de compra e grande vontade de aceder a um género facilmente descodificá-vel) e o cumprimento duma tarefa sempre presente no cinema de divertimento, a de possibilitar a transferência do mundo imaginário e simbólico do espectador para o mundo do filme.

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Este filme parte da relação entre mim e o Jardim da Fun-dação Calouste de Gulbenkian. Que formas de comuni-cação possíveis, quais os interocutores? Com um diálogo baseado nas sensações, vamos pas-seando ao longo de um ano para desta forma melhor absorver a ondulação deste Jardim perante as estações —aliás ponto de partida vital neste projecto —, depois va-mos deixando que nos guiem, procurando tornar visível a relação do espaço com os seus habitantes.© João Vladimiro

Ciclo Nós Por Cá ‘08 | 25 a 30_NoV ‘08 | 14h30 > 17h30

2 Filmes De João VlADimiRo no Museu grão vasco

CAsA ABRIGO15’, portugal, 2008

Vídeo para o espectáculo da Companhia Circolando (Novo Circo)

Jardim80’, portugal, 2007

“Jardim” foi uma encomenda da Fun-dação Gulbenkian sobre o trabalho do arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles nos jardins da instituição. A primei-ra obra de um jovem autor com grande sensibilidade para captar o mundo intei-ro dentro de um microcosmos.

Page 20: Argumento 130

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assembleia geral ordinária

do cine clube de viseu

Nos termos do art.º 15º do Regulamento Geral Interno, convoco a Assembleia Geral Ordinária do Cine Clube de Viseu para reunir no dia

03 de dezembro de 2008 (quarta-Feira), pelas 20:30 horas, na sede social do Cine Clube de Viseu, sita no Largo da Misericórdia, 24 – 2º,

em Viseu, com a seguinte Ordem de Trabalhos:

ponto único:eleição dos corpos sociais para o biénio 2009/2010.

Se à hora marcada não estiver presente o número legal de sócios (maioria dos sócios efectivos), a Assembleia reunirá em Segunda convocatória uma

hora depois, com qualquer número de sócios.

Viseu, 07 de Novembro de 2008O Presidente da Mesa da Assembleia Geral

(Dr. António Augusto Espinha Ribeiro de Carvalho)