Aristóteles - Psicologia

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3/10/2014 Aristóteles - Psicologia http://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/psicologia.html 1/5 FILOSOFIA POLÍTICA CIÊNCIA BIOGAFIA TEOLOGIA A PSICOLOGIA Objeto geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, isto é, vivente, que tem por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivo diversamente do ser inorgânico possui internamente o princípio da sua atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. A característica essencial e diferencial da vida e da planta, que tem por princípio a alma vegetativa, é a nutrição e a reprodução. A característica da vida animal, que tem por princípio a alma sensitiva, é precisamente a sensibilidade e a locomoção. Enfim, a característica da vida do homem, que tem por princípio a alma racional, é o pensamento. Todas estas três almas são objeto da psicologia aristotélica. Aqui nos limitamos à psicologia racional, que tem por objeto específico o homem, visto que a alma racional cumpre no homem também as funções da vida sensitiva e vegetativa; e, em geral, o princípio superior cumpre as funções do princípio inferior. De sorte que, segundo Aristóteles diversamente de Platão todo ser vivo tem uma só alma, ainda que haja nele funções diversas faculdades diversas porquanto se dão atos diversos. E assim, conforme Aristóteles, diversamente de Platão, o corpo humano não é obstáculo, mas instrumento da alma racional, que é a forma do corpo. O homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, em que a primeira cumpre as funções de forma em relação à matéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito. Mas a alma humana desempenha também as funções da alma sensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a alma humana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades, funções, porquanto se manifesta efetivamente com atos diversos. As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa e ativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se tiver presente que o homem é um animal racional, quer dizer, não é um espírito puro, mas um espírito que anima um corpo animal. O conhecimento sensível, a sensação, pressupões um fato

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Um testo para quem procura entender melhor a filosofia de Aristóteles e sua relação com a psicologia.

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FILOSOFIA

POLÍTICA

CIÊNCIA

BIOGAFIA

TEOLOGIA

A PSICOLOGIA

Objeto geral da psicologia aristotélica é o mundo animado, istoé, vivente, que tem por princípio a alma e se distingueessencialmente do mundo inorgânico, pois, o ser vivodiversamente do ser inorgânico possui internamente o princípioda sua atividade, que é precisamente a alma, forma do corpo. Acaracterística essencial e diferencial da vida e da planta, quetem por princípio a alma vegetativa, é a nutrição e a reprodução.A característica da vida animal, que tem por princípio a almasensitiva, é precisamente a sensibilidade e a locomoção. Enfim,a característica da vida do homem, que tem por princípio a almaracional, é o pensamento. Todas estas três almas são objeto dapsicologia aristotélica. Aqui nos limitamos à psicologia racional,que tem por objeto específico o homem, visto que a almaracional cumpre no homem também as funções da vida sensitivae vegetativa; e, em geral, o princípio superior cumpre as funçõesdo princípio inferior. De sorte que, segundo Aristótelesdiversamente de Platão todo ser vivo tem uma só alma, aindaque haja nele funções diversas faculdades diversas porquantose dão atos diversos. E assim, conforme Aristóteles,diversamente de Platão, o corpo humano não é obstáculo, masinstrumento da alma racional, que é a forma do corpo.

O homem é uma unidade substancial de alma e de corpo, emque a primeira cumpre as funções de forma em relação àmatéria, que é constituída pelo segundo. O que caracteriza aalma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento,pelo que ela é espírito.

Mas a alma humana desempenha também as funções da almasensitiva e vegetativa, sendo superior a estas. Assim, a almahumana, sendo embora uma e única, tem várias faculdades,funções, porquanto se manifesta efetivamente com atosdiversos.

As faculdades fundamentais do espírito humano são duas:

teorética e prática, cognoscitiva e operativa, contemplativa eativa. Cada uma destas, pois, se desdobra em dois graus,sensitivo e intelectivo, se se tiver presente que o homem é umanimal racional, quer dizer, não é um espírito puro, mas umespírito que anima um corpo animal.

O conhecimento sensível, a sensação, pressupões um fato

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O conhecimento sensível, a sensação, pressupões um fatofísico, a saber, a ação do objeto sensível sobre o órgão quesente, imediata ou à distância, através do movimento de ummeio. Mas o fato físico transforma-se num fato psíquico, isto é,na sensação propriamente dita, em virtude da específicafaculdade e atividade sensitivas da alma. O sentido recebe asqualidades materiais sem a matéria delas, como a cera recebea impressão do selo sem a sua matéria. A sensação emboralimitada é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao próprioobjeto; a falsidade, ou a possibilidade da falsidade, começacom a síntese, com o juízo. O sensível próprio é percebido porum só sentido, isto é, as sensações específicas são percebidas,respectivamente, pelos vários sentidos; o sensível comum, asqualidades gerais das coisas tamanho, figura, repouso,movimento, etc. são percebidas por mais sentidos. O sensocomum é uma faculdade interna, tendo a função de coordenar,unificar as várias sensações isoladas, que a ele confluem, e setornam, por isso, representações, percepções.

Acima do conhecimento sensível está o conhecimento inteligível,especificamente diverso do primeiro. Aristóteles aceita aessencial distinção platônica entre sensação e pensamento,ainda que rejeite o inatismo platônico, contrapondo-lhe aconcepção do intelecto como tabula rasa, sem idéias inatas.Objeto do sentido é o particular, o contingente, o mutável, omaterial. Objeto do intelecto é o universal, o necessário, oimutável, o imaterial, as essências, as formas das coisas e osprincípios primeiros do ser, o ser absoluto.

Por conseqüência, a alma humana, conhecendo o imaterial,deve ser espiritual e, quanto a tal, deve ser imperecível.Analogamente às atividades teoréticas, duas são as atividadespráticas da alma: apetite e vontade. O apetite é a tendênciaguiada pelo conhecimento sensível, e é próprio da alma animal.Esse apetite é concebido precisamente como sendo ummovimento finalista, dependente do sentimento, que, por sua vezdepende do conhecimento sensível. A vontade é o impulso, oapetite guiado pela razão, e é própria da alma racional. Comose vê, segundo Aristóteles, a atividade fundamental da alma éteorética, cognoscitiva, e dessa depende a prática, ativa, nograu sensível bem como no grau inteligível.

ALMA, NO SENTIDO DE INTELECTO

Uma das aplicações mais interessantes da doutrina da matéria

e da forma de Aristóteles pode encontrar-se nos seus estudosde psicologia, nomeadamente no tratado Da Alma. ParaAristóteles, os homens não são os únicos seres que possuemalma ou psique; todos os seres vivos a possuem, desde asmargaridas e moluscos aos seres mais complexos. Uma alma ésimplesmente um princípio de vida: é a fonte das actividadespróprias de cada ser vivo. Diferentes seres vivos possuemdiferentes capacidades: as plantas crescem e reproduzem-se,mas não podem mover-se nem ter sensações; os animais têmpercepção, sentem prazer e dor; alguns podem mover-se, masnão todos; alguns animais muito especiais, nomeadamente osseres humanos, conseguem também pensar e compreender. Asalmas diferem de acordo com estas diferentes actividades, pormeio das quais se exprimem. A alma é, segundo a definição

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meio das quais se exprimem. A alma é, segundo a definiçãomais geral que Aristóteles nos apresenta, a forma de um corpoorgânico.

Tal como uma forma, uma alma é um acto de um tipo particular.Neste ponto, Aristóteles introduz uma distinção entre dois tiposde acto. Uma pessoa que não saiba falar grego encontra-senum estado de pura potência no que diz respeito à utilizaçãodessa língua. Aprender grego é passar da potência ao acto.Porém, uma pessoa que tenha aprendido grego, mas que aolongo de um determinado tempo não faça uso desseconhecimento, encontra-se num estado simultâneo de acto epotência: acto em comparação com a posição de ignorânciainicial, potência em comparação com alguém que esteja a falargrego. Ao simples conhecimento do grego, Aristóteles chama«acto primeiro»; ao facto de se falar grego chama «actosegundo». Aristóteles utiliza esta distinção na sua descrição daalma: a alma é o acto primeiro de um corpo orgânico. Asoperações vitais das criaturas vivas são actos segundos.

A alma aristotélica não é, enquanto tal, um espírito. Não é, defacto, um objecto tangível; mas isso resulta do facto de ser(como todos os actos primeiros) uma potência. O conhecimentodo grego também não é um objecto tangível; mas não é, porisso, algo de fantasmagórico. Se há almas capazes, no seuconjunto ou em parte, de existirem sem um corpo — questãosobre a qual Aristóteles teve dificuldade em formar uma opinião— tal existência independente será possível não por seremsimplesmente almas, mas por serem almas de um tipo particularcom actividades vitais especialmente poderosas.

Aristóteles fornece descrições biológicas muito concretas dasactividades da nutrição, crescimento e reprodução que sãocomuns a todos os seres vivos. O tema torna-se maiscomplicado, e mais interessante, quando procura explicar apercepção sensorial (específica dos animais superiores) e opensamento intelectual (específico do ser humano).

Ao explicar a percepção sensorial, Aristóteles adapta adefinição do Teeteto de Platão segundo a qual a sensação é oresultado de um encontro entre uma faculdade sensorial (como avisão) e um objecto sensorial (como um objecto visível).Contudo, para Platão, a percepção visual de um objecto brancoe a brancura do próprio objecto são dois gémeos com origemna mesma relação; ao passo que, para Aristóteles, o ver e o servisto são uma e a mesma coisa. Este último propõe a seguintetese geral: uma faculdade sensorial em acto é idêntica a umobjecto sensorial em acto.

Esta tese aparentemente obscura é outra aplicação da teoriaaristotélica do acto e da potência. Permita-se-me ilustrar o seusignificado por meio do exemplo do paladar. A doçura de umtorrão de açúcar, algo que pode ser saboreado, é um objectosensorial, e o meu sentido do paladar, a minha capacidade parasaborear, é uma faculdade sensorial. A operação do meusentido do paladar sobre o objecto sensível é a mesma coisaque a acção do objecto sensorial sobre o meu sentido. Ou seja,o facto de o açúcar ter um sabor doce para mim é uma e amesma coisa que o facto de eu saborear a doçura do açúcar. O

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mesma coisa que o facto de eu saborear a doçura do açúcar. Oaçúcar em si é sempre doce; mas só quando o coloco na bocaa sua doçura passa de potência a acto. (Ser doce é um actoprimeiro; saber a doce, um acto segundo.)

O sentido do paladar não é mais do que o poder para saborear,por exemplo, a doçura dos objectos doces. A propriedadesensorial da doçura não é mais do que ter um sabor doce paraaquele que saboreia. Assim, Aristóteles tem razão quandoafirma que a propriedade em acção é uma e a mesma coisaque a faculdade em operação. Claro que o poder para saboreare o poder para ser saboreado são duas coisas muito diferentes,a primeira relativa àquele que saboreia, e a segunda relativa aoaçúcar.

Este tratamento da percepção sensorial é superior ao de Platãoporque nos permite afirmar que as coisas do mundo possuemde facto qualidades sensoriais, mesmo quando não sãopercepcionadas. As coisas que não estão a ser vistas sãorealmente coloridas, e o mesmo se aplica aos cheiros e aossons, que existem independentemente do facto de serem ou nãopercepcionados. Aristóteles pode afirmá-lo porque a suaanálise do acto e da potência lhe permite explicar que asqualidades sensoriais são de facto poderes de um determinadotipo.

Aristóteles serve-se também desta teoria quando lida com ascapacidades racionais e intelectuais da alma humana, fazendouma distinção entre os poderes naturais, como o poder dequeimar do fogo, e os poderes racionais, como a capacidadede falar grego. E defende que se todas as condições

necessárias para o exercício de um poder natural estiverempresentes, esse poder será necessariamente exercido. Sepusermos um pedaço de madeira, adequadamente seco, sobreuma fogueira, o fogo queimá-lo-á; não há alternativa. Contudo,tal não acontece com os poderes racionais, que podem serexercidos ou não, de acordo com a vontade do sujeito. Ummédico que possua o poder para curar pode negar-se aexercitá-lo se o seu paciente for insuficientemente rico; pode atéutilizar os seus talentos médicos para envenenar o paciente, emvez de o curar. A teoria dos poderes racionais de Aristótelesserá usada para explicar o livre-arbítrio humano por muitos dosseus sucessores.

A doutrina de Aristóteles sobre os poderes intelectuais da almaé algo inconstante. Por vezes, o intelecto é apresentado comoparte da alma; por conseguinte, e uma vez que a alma é a formado corpo, o intelecto assim concebido deverá morrer com ocorpo. Noutros pontos, Aristóteles argumenta que, sendo ointelecto capaz de apreender verdades necessárias e eternas,deverá ser em si mesmo, por afinidade, qualquer coisa deindependente e indestrutível; e a dada altura sugere que acapacidade para pensar é algo de divino e exterior ao corpo.Finalmente, numa passagem desconcertante, objecto deintermináveis discussões ao longo dos séculos que seseguiriam, Aristóteles parece dividir o intelecto em duasfaculdades, uma perecível e a outra imperecível:

O pensamento, tal como o descrevemos, é aquilo que é em

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O pensamento, tal como o descrevemos, é aquilo que é emvirtude de poder tornar-se todas as coisas; ao passo que existealgo que é o que é em virtude de poder fazer todas as coisas:trata-se de uma espécie de estado positivo como a luz; pois,num certo sentido, a luz transforma as cores em potência emcores em acto. Neste sentido, o pensamento é separável, nãopassivo e puro, sendo essencialmente acto. E quando separadoé exactamente aquilo que é, e só ele é imortal e eterno.

A característica do intelecto humano que terá por vezes levadoAristóteles a entendê-lo como separado do corpo e divino é asua capacidade para o estudo da filosofia e, especialmente, dametafísica; e por isso temos de explicar finalmente de que modoAristóteles entendia a natureza desta sublime disciplina.