Arqueologia, Etnologia e Etno-história em Iberoamérica - Rodrigo Luiz Simas de Aguiar

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    Arqueologia, Etnologia

    e Etno-h istria em

    Iberoamrica

    Fronteiras Cosmologia Antropologia em Aplicao

    Rodrigo Luiz Simas de AguiarJorge Eremites de Oliveira

    Levi Marqu es Pereira(Organizadores)

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    UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS

    Reitor: Damio Duqu e de FariasVice-reitor: Wedson Desidrio Fernandes

    EDITORADA UFGDCoordenad or Editorial: Edvaldo Cesar Moretti

    Tcnico de Ap oio: Givaldo Ramos d a Silva Filho

    Conselh o Editorial da UFGD

    Adu to de Oliveira SouzaEdvaldo Cesar MorettiLisandra Pereira Lamoso

    Reinaldo d os SantosRita de Cssia Pacheco Limber ti

    Wedson Desidrio Fernand esFbio Edir dos Santos Costa

    Capa e diagramao: Rodrigo Aguiar

    301.2 Arqueologia, etnologia e etno-histria em Iberoamrica : fronteiras,

    A772

    cosmologia, antropologia em aplicao / Rodrigo Luiz Simas de

    Aguiar, Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Pereira,

    organizadores. Dourados, MS

    :

    Editora da UFGD,

    2010.351

    p.

    ISBN 978-85-61228-74-3

    1. Antropologia social. 2. Arqueologia. 3. Etnologia. 4.

    Antropologia cultural. I. Aguiar, Rodrigo Luiz Simas de. II.

    Oliveira, Jorge Eremites de. III. Pereira, Levi Marques.

    Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidad e Federal da Grand e Dourados

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    SumrioApresentao, 05

    1. Como as pessoas e as coisas se fazem entend er, 11Klaus Hilbert

    2. Penitncia e flagelao no sculo XXI: Cariri cearense e picaos

    riojanos, 41Mrio Hlio Gom es de Lima

    3. Carnaval-semana santa: rituales ibricos e iberoam ericanos, 49Angel Baldom ero Espin a Barrio

    4. Paisagem, sociedad es trad icionais agropastoris e patrimn io cultural:um a anlise comp arativa entre os ganad eros das d ehesas salman tinas eos boiadeiros sul-mato-grossenses, 75Rodrigo Luiz Simas de Agu iar, Levi Marq ues Pereira,Angel Baldomero Espina Barrio, Alfonso G omez H ernand ez

    5. Apontam entos para uma etno-histria da Ilha d e Santa Catar ina, 97Rodrigo Luiz Simas d e Aguiar

    6. Mitologa y saber trad icional en la franja norte d e la PennsulaIbrica, 125Mercedes Cano-Herrera

    7. La territorializacin de las redes de pertenencia social: un caso dereligiosidad popular en Nativitas, Tlaxcala, 143Hernan Salas Qu intanal

    8. Cultura m aterial e identidade tnica Guarani, 159Rodrigo Luiz Simas d e Aguiar, Aline M aria M ller

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    9. Reconhecimento d e territrios indgenas e qu ilombolas em MatoGrosso do Sul: desafios para a an tropologia social e a arqu eologia emambientes colonialistas, 185Jorge Eremites d e O liveira, Levi Marqu es Pereira

    10. Cemitrios oitocentistas: nas fronteiras entre Antropologia eHistria, 209Antonio Motta

    11.Isabelle Comb s

    12. Aproximaciones arqu eologicas a la violencia, 257Jose Maria Lopez M azz

    13. Aplicaciones d e la Etnoarqu eologa para interpretar el registroarqu eologico de los cazadores-recolectores del pasad o. Tres ejemp los deAmerica del Sur, 275Gu stavo Gabriel Politis

    14. Fragm entao da informao arqu eolgica no Estado da Paraba:situao atual e perspectivas, 319Carlos Xavier de Azeved o N etto

    El Cand ire de Condori. El Saypur inca y la tierra sin m al, 233

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    ApresentaoBrasil dos d ias de hoje vivencia um importante m omento p ara o

    desenvolvimento cientfico e tecnolgico do pas, com polticas deO investimento em infraestrutura fsica, equipamentos, recursoshumanos, produo e socializao de novos conhecimentos para asuniversidades federais distribudas por todo o territrio nacional. Estasituao decorre de um conjun to de fatores, dentre os quais o propsito dogoverno central em assegurar o acesso de instituies universitrias at

    pouco consideradas perifricas ao cenrio acadmico nacional einternacional. Aes desse tipo tm sido fundamentais para reverter acond io de reprodutoras do conhecimento em que se encontravam mu itasinstituies brasileiras d e ensino su perior, especialmente n as regies Norte,Nordeste e Centro-Oeste. Atualmente, elas esto cada vez mais inseridas nocenr io competitivo da produo e divulgao d o conhecimento cientficoproduzido no Brasil e mu nd o afora, e tm d ado significa contribuio para odesenvolvimento econmico e social do p as.

    No caso da UFGD (Universidade Federal da Grand e Dourad os),trata-se de um a nova instituio federal de ensino superior, criada em 2005 eimplantada em 2006, que nasceu com a proposta de superar estadesigualdade acadmica e democratizar o acesso ao ensino superiorpblico, gratu ito e de qualidade no interior do Brasil. Assim como ou trasuniversidad es federais criadas na dcada de 2000, ela tambm surgiu paraser uma instituio estratgica para o d esenvolvimento econmico e socialda regio ond e est inserida, o Cone Sul do estado de Mato Grosso do Sul, eat mesmo do pas. No campo especfico da antropologia sociocultural, por

    exemplo, inicialmente a rea apresentava grandes desvantagens secomp arada a ou tras instituies de ensino superior sediadas nos grandescentros u rbanos nacionais. Tratava-se de u m p arad oxo: Mato Grosso do Sul,inclusive por conta de sua caracterstica multicultural, epicentro deimportantes estudos antrop olgicos desde fins do sculo XIX e a primeirametade do XX e, portanto, at hoje em d ia atrai a ateno de pesqu isadoresde vrios pontos do Brasil e do mundo. Por outro lado, as aes deirradiao do conhecimento cientfico produzido no estado, a partir de

    pesquisas e aes junto s popu laes aqui rad icadas, como as indgenas,

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    sobretudo, normalmente partiam de instituies sediadas em outrasun idades da Federao.

    Neste sentido, com a inteno de contribuir para a superao dessasituao, um grupo de pesquisadores do ETNOLAB (Laboratrio deArqu eologia, Etnologia e Etno-histria), rgo da Faculdade d e CinciasHumanas da UFGD, deu incio ao projeto que objetivava realizar emDourados um evento internacional de grande porte para as reas dearqueologia, etnologia e etno-histria. Em maio de 2009, o gru po encabeouas atividades de planejamento e captao de recursos sob a coordenao dedois de seus mem bros. Exatamente u m ano d epois, de 11 a 14 de maio de

    2010, Dourados sediou o I CIAEE Congresso Iberoamericano deArqu eologia, Etnologia e Etno-histria, que contou com a p articipao depesquisadores de oito pases do contexto iberoamericano: Argentina,Bolvia, Brasil, Espanha, Mxico, Paraguai, Portugal e Uru guai. O esforoda equipe, juntamente com o apoio do CNPq (Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) e da UFGD, possibilitou queum fecundo ambiente de dilogo acadmico fosse instaurado emDourados. Desta forma, foram cumpridas as metas iniciais depesquisadores do ETNOLAB em converter esta cidade e a universidadefederal nela instalada em plo de irrad iao de conhecimentos acadm icospara a arqueologia, etnologia e etno-histria, e seus camposinterdisciplinares.

    O evento tambm representou um marco acadmico de grandeimportncia para a antropologia sociocultural e a arqueologia praticada emMato Grosso do Sul, no mbito de um a tendncia nacional de aproximaodos campos clssicos da antropologia geral. Permitiu a divulgao deestud os dos pesquisadores locais, bem como o intercmbio com colegas de

    instituies de pesquisa de vrias regies do Brasil, de pases sul-americanos e de outros continentes. Isso tudo indica um caminho maisprofcuo para esses campos d o conhecimento em Mato Grosso do Sul, emdilogo com a produo feita em outras regies do pas e do contextoiberoamericano.

    O primeiro efeito concreto constatado foi a elaborao eencaminhamento CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoalde Nvel Superior) de uma proposta institucional de implantao doProgram a de Ps-Grad uao em Antropologia (PPGAnt) da UFGD, o qual

    RODRIGO L. S. AGUIAR, LEVI M. PEREIRAJORGE EREMITESDE OLIVEIRA,06

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    foi concebido p ara ter rea d e concentrao em Antrop ologia Socioculturale trs linhas de pesquisa, a saber: 1) Etnologia, Educao Indgena eInterculturalidade; 2) Etnicidade, Diversidade e Fronteiras; e 3)Arqueologia, Etno-histria e Patrimnio Cultural. A partir do PPGAnt,mltiplas frentes de pesquisa contribuiro para o desenvolvimento daantropologia praticada em nvel nacional, inclusive com a formao derecursos hu manos para a rea. Com isso haver a transposio d a condiode total dependncia, especialmente no que se refere formao deantroplogos em nvel de ps-graduao stricto sensu, em relao a centrosacadmicos situados em outros estados brasileiros, com destaque para as

    regies Sudeste e Sul do p as.O segundo efeito observado foi o fortalecimento da linha depesquisa Histria Indgena do Programa de Ps-Graduao em Histria(PPGH) da UFGD, da qual muitos pesquisadores do ETNOLAB fazem partee nele tm desenvolvido relevantes trabalhos desde sua implantao, em1999.

    Alm d isso, o I CIAEE tambm possibilitou a articulao inicial deuma rede de pesquisadores a envolver antroplogos socioculturais,arquelogos e etno-historiadores dos oito pases anteriormentemencionados. O dilogo cientfico instaurado por esses pesquisadoresdesencadeou outras iniciativas para o d esenvolvimento d e atividad es demtua cooperao, como o caso das articulaes para a realizao depesquisas etnoarqueolgicas na regio do Chaco Paraguaio. Entre essasatividades consta ainda a publicao deste livro, o qual contm textos deconferncias e pesqu isas desenvolvidas por profissionais que par ticiparamdeste imp ortante momento para a arqu eologia, a etnologia e a etno-histriaem Mato Grosso do Sul, seja nas frentes d e trabalho p ara a execuo do I

    CIAEE, seja para a elaborao e subm isso da proposta do PPGAnt. Muitosdos autores dos textos que integram esta obra p articiparam, na cond io d econferencistas, da primeira edio do Congresso Iberoamericano deArqu eologia, Etnologia e Etno-histria. Eles no abandonaram o desejo d eseguir com a agigantad a e nad a fcil tarefa de consolidar uma rede depesquisadores em nvel iberoamericano, na qual Dourados ser umimportante centro basilar.

    As temticas abordadas neste livro tiveram os tpicos decosmologia, territorialidad e e antropologia em aplicao como elementos

    APRESENTAO 07

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    norteadores. Os estudos sobre fronteira e territorialidade tambm semostraram imprescindveis d iante da elevada d emand a pela regularizaode territrios trad icionais de comu nidades ind genas e quilombolas, bemcomo face construo de relaes de fronteiras e de identidadestransnacionais, especialmente entre os Estados brasileiro, boliviano eparaguaio. A cosmologia, por sua vez, um elemento relevante para aformao de unidade tnica e cultural de povos e comunidadestradicionais. Por isso ela frequentemente abordada na identificao edelimitao d e espaos tradicionais, pois nela que se garante, tambm, acoeso dos gru pos tnicos e se sustenta as amarras da vida social.

    Por outro lado, a antropologia sociocultural um campo dascincias sociais que se renova a partir de apurad o censo crtico, a exemplodo que se verifica com os estu dos ps-coloniais. Isso faz com ele se atualizee renove seus objetos, mtodos, teorias e persp ectivas para o futu ro. Comoresultado, no contexto iberoamericano h uma ampliao do leque deatuao do profissional de antrop ologia. Exemplos disso so as crescentesdemandas para a elaborao de laudos voltados para assegurar direitostnicos no Brasil, e a transposio de tcnicas, mtodos e teorias destecamp o d o conhecimento para o m eio emp resarial, como ocorre na Espanhae em Portugal. A estas tendncias, muitos atribuem a denominao deantropologia aplicada, no sem uma pesada crtica epistemolgica eetimolgica, motivo pelo qual outros p referem fazer o u so (estratgico) dotermo an tropologia em ap licao.

    Assentado nos campos da antropologia sociocultural e daarqu eologia, o livro ap resenta textos cientficos que discutem d os laud osantropolgicos s festividades populares. Klaus Hilbert, em Como aspessoas e as coisas se fazem entend er, trata a semitica a partir d e leituras

    dos elementos de identidade e representao social, adotand o os Charru acomo estu do de caso. O texto Penitncia e flagelao no sculo XXI: cariricearense e 'picaos' riojanos, de autoria de Mrio Hlio Gomes d e Lima,aborda este aspecto extremo d a religiosidade pop ular u tilizand o-se de u maanlise comparativa entre os flagelantes da Rioja espanhola e os donord este brasileiro. As festividades populares so marcos fund amentais deciclos produtivos e religiosos, e intercalam simbolicamente perodos depu jana e conteno, tema discutido p or Angel Baldom ero Espina Brrioem seu cativante ensaio intitulado Carnaval-Semana Santa: rituales

    ibericos e Iberoamericanos. Mercedes Cano-Herrera retrata as lendas

    08 RODRIGO L. S. AGUIAR, LEVI M. PEREIRAJORGE EREMITESDE OLIVEIRA,

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    espanholas a partir de entes mitolgicos em Mitologa y saber trad icionalem la franja norte de la Pennsu la Ibrica. Jorge Eremites de Oliveira e LeviMarques Pereira ocupam-se em rediscutir a antropologia aplicada aosprocessos de reivindicao d e territrios trad icionais em Reconhecimentode territrios indgenas e quilombolas em Mato Grosso d o Sul: desafios paraa an tropologia social e a arqu eologia em ambientes colonialistas.

    Traando uma ponte entre arqueologia, antropologia e histria,Rodrigo Simas Aguiar trata da temtica indgena em Ap ontamentos p araum a etno-histria d a Ilha de Santa Catarina. Tambm no campo d a etno-histria, o texto de Isabele Combs apresenta um estudo sobre a presena

    inca na Cord ilheira Chiriguan a da Bolvia em El Cand ire de Condori. ElSaypuru inca y La tierra si mal.

    As redes de reciprocidade at reladas a sent imentos depertencimento so abordadas por Hernan Salas Quintanal a partir darelao com a religiosidade popu lar no Mxico em La territorializacin delas redes de pertenencia social: un caso de religiosidad pop ular en Natvitas,Tlaxcala. J Antn io Motta estabelece uma interessante reflexo acerca doscemitrios oitocentistas enquanto espaos de memria e de significaosimblica em seu ensaio Cemitrios oitocentistas: nas fronteiras entreantrop ologia e histria.

    No campo da arqueologia, tem-se o resultado de pesquisasdesenvolvidas em diversos pontos da Amrica do Sul. Aproximacionesarqueologicas a la violencia, de Jos Maria Lopez Mazz, versa sobre aspesquisas arqueolgicas desenvolvidas pelo autor no campo da violnciapoltica no Uruguai. Gustavo Gabriel Politis debate suas pesquisas no

    campo da etnoarqueologia, desenvolvidas em zonas de floresta tropical daAmrica d o Sul, em Aplicaciones de la Etnoarqu eologa para interpretar elregistro arqueolgico de cazadores-recolectores del pasado. Por fim, notexto Fragmentao da informao arqueolgica no Estado da Paraba:situao atua l e perspectivas, Carlos Xavier de Azevedo Netto oferece umquadro contextual das pesquisas arqueolgicas empreendidas naquelaregio do N ordeste do Brasil.

    Esperamos que as pginas que seguem p ossam proporcionar a vocleitor agradveis mom entos, bem como contribuir de alguma forma em su as

    Discutir as relaes entre cultura m aterial eidentidade tnica o objetivo de Rodrigo Aguiar e Aline Mller em umestudo de caso sobre os Guarani.

    APRESENTAO 09

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    pesquisas com novos aportes de conhecimentos cientficos prod uzidos naacademia. Outrossim, que as iniciativas por uma antropologia dequalidade e de abrangncia internacional sigam nas pau tas das instituiesque ora se elevam em cooperao com o ETNOLAB e com a UFGD para apublicao d este livro.

    Dourad os, outubro de 2010.

    Rodrigo Luiz Simas de Aguiar

    Jorge Eremites de OliveiraLevi M arques Pereira

    10 RODRIGO L. S. AGUIAR, LEVI M. PEREIRAJORGE EREMITESDE OLIVEIRA,

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    Como as pessoas e ascoisas se fazem entender1Klaus Hilbert

    niciar uma apresentao com u ma pergunta u ma prtica antiga, almde constituir u ma boa ttica para no precisar respond -la de imed iato,sabendo, no fundo, que isso ser impossvel. Toda uma categoria

    I2

    literria foi denominad a conforme essa ttica. Ubi sunt so poemas queiniciam com perguntas. Dictes moy ou, n'en quel pays est Flora la belleRommaine?, pergu nta Franois Villon; Wo sind d ie Trnen von gesternabend , wo ist der Schnee vom vergangenem Jahr?, frases que encontram osem Bertold Brecht e Kurt Weil em N annas Lied; Where now the horse andthe rider? Where is the horn that was blowing?, reclama o povo de Rohan(The Lord of the Rings); Where have all the flowers gone?, lamentaMarlene Dietrich; How many roads must a man walk down?, canta BobDylan.

    Trata-se de perguntas que evocam sentimentos nostlgicos, soperguntas que se referem ao passado. Quem pode respond-las? Osarqu elogos so, sem sombra de d vida, especialistas nas coisas do passad ohuman o e d as suas m emrias. Por esse motivo, deveria sentir-me capaz deresponder tambm a perguntas que meus alunos, s vezes, me fazem:Como os arquelogos acham as coisas do passado?, ou, como osarquelogos sabem que essas coisas foram realmente feitas peloshumanos?.

    Sou professor h qu ase vinte anos, e no comeo respond ia a essesquestionamentos, apesar d e meio irritado p or sua ap arente obviedad e, deforma natural e com boa vontade em todos os detalhes. Um dia, me deiconta, quan do estava falando sobre tecnologia ltica d o Paleoltico Superior,que os alunos no s estavam d esatentos, coisa norm al e cotidiana em salade au la, mas reagindo s minhas p alavras de forma d iferente. Ao segurar na

    1. Program a d e Ps-Grad uao em Histria da Pontifcia Universidade Catlica do Rio

    Grande d o Sul (PUCRS), hilbert@pu crs.br2. Ubi sunt qui ante nos fuerunt?

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    mo esquerda um ncleo de quartzito, apontando com o dedo da modireita e explicando as caractersticas do ponto d e impacto, e do bu lbo,percebi um m urm rio estranho entre a garotada. As meninas comearam aensaiar umas risadinhas e a cochichar quando pronunciava as palavrasestrias, lbio ou plataforma, ao referir-me aos atributos tecno-tipolgicos das lascas. Ao invs de ficarem srios, quietos e respeitaremminh a autoridad e, os alunos riam, ficaram inquietos e distrados, como seestivessem pensando em outras coisas. Foi quando percebi que tnhamossrios problemas de comunicao. Foi quando desisti de responder sperguntas como os arquelogos sabem que as ped ras foram feitas pelos

    human os?, usando expresses do meu arqu eologus. Percebi tambm aimportncia das palavras na Arqueologia e suas relaes com as coisas.Para poder-me comunicar novamente com os alunos, criamos juntos, nasprximas aulas, um vocabulrio em que constavam palavras que faziamsentido para eles, como: ped rita, aerlitos, brita , bloco, coisinh ado tipo assim... , dar uma pancada e t ligado?. Porm, einfelizmente, o assunto no estava resolvido. O problema da falta decomunicao voltou no outro semestre. Nosso dicionrio de litiqus daturm a 149, to cuidadosamente elaborado, no servia para a nova turma.Ento, qual seria a soluo para esse problema d o mal-entendimento daspalavras? A resposta era simp les: no falar mais!

    Essa deciso parece ser absurda e inadequada no mundoacadmico, no entanto, encontrei apoio e referncia para essa atitude numepisdio narrado nas viagens de Gulliver. Jonathan Swift conta que, naterceira viagem, Gulliver presenciou no pas Laputa, uma ilha flutuante, oresultado de um projeto acadm ico da Universidad e de Lagado. Os sbiosmais ilustres do pas estavam em penhados na abolio das palavras. Eles

    argum entaram qu e, como as palavras eram ap enas nomes para as coisas,seria m uito mais conveniente para todos trazer cada qu al consigo todas ascoisas de que quisesse tratar. Nessa ocasio, Gulliver relata que: I haveoften beheld two of those sages almost sinking un der the Weight of theirPacks, like Pedlars among u s, Who w hen they met in the streets, would laydown their loads, open their Sacks, and hold Conversation for an Hourtogether; then p ut up their Implements, help each other to resume theirBurthens, an d take their Leave (Swift, 1947, p. 158).

    A grande vantagem desse sistema comu nicativo era, afirmaram os

    sbios da academia de Lagado, que todas as naes poderiam facilmente

    KLAUS H ILBERT12

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    compreender-se, pois no se perderia muito tempo em aprender lnguasestrangeiras e estranhas.

    Sobre p alavras e coisas

    At o final da dcada de 1980, arquelogos, como, por exemplo,Lewis Binford (1989, p . 3) aind a afirmavam , categoricamente, que: We donot stud y hu man behavior (...), we d o not stud y symbolic codes, we d o notstudy social systems, we do not stud y ancient cultures, we do n ot studyancient settlements, nor d o we study the past. We stud y artifacts.

    Essa definio reducionista da Arqueologia, que percebe culturamaterial apenas como fonte, como dado, como algo dad o, limita, de formadramtica, a rea de atuao do profissional. Desconsidera a grandevariedade de aes e de relaes que a cultura material tem sobre nossasvidas. Arquelogos fazem m uito mais que estudar artefatos. Arquelogosdescobrem, resgatam, acham, evidenciam, objetos, coisas,cultura material, artefatos, produtos, tralhas, peas, troos,trambolhos, bugigangas na terra, no solo, em sedimentos emcamadas, depsitos em estratigrafias; fazem prospeces,

    pesquisas, investigaes, eles campeiam, fazem escavaes,trincheiras, sond agens, cortes, perfis; depois analisa, avalia,estuda, med e, classifica as coisas, escreve, digitaliza, publica,avalia, critica textos.

    Arquelogos, ento, lidam com coisas, separam coisas, selecionamcultura material das coisas, transformam cultura material em p alavras, emlinguagem, emendam palavras, criam textos, e transformam textos emnarrativas. Arquelogos so versteis, e, para falar melhor sobre uma coisa

    to d ifcil quanto as coisas, arquelogos, bem como todos ns, inventam oslinguagens, criamos metforas, re-nomeamos coisas, contamos histrias,cultivam os lembranas, apagamos memrias, alm de escrever sobre outrosarquelogos. Entretanto, no temos o monoplio dessa lida. No final dascontas, todos ns lidamos com coisas, com substncias e com palavras. Mas,a Arqu eologia mais do qu e um exerccio de uma metodologia cientfica decolecionar e interpretar cultura m aterial em forma d e dados. A lida com ascoisas d o arqu elogo est relacionad a com a histria, com as pessoas, comsuas p rprias e com memrias dos ou tros. Arqueologia uma man eira de

    tornar a histria local relevante para grupos excludos da histria oficial

    COMOASPESSOASEASCOISASSEFAZEMENTENDER 13

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    (Shackel, 2004, p . 2). Neste texto qu ero falar sobre a relao entre culturamaterial e palavras, uma relao que precisa ser contextualizada eentend ida h istoricamente, culturalmente, socialmente e funcionalmente.

    Perceber estes contextos como uma rede dinmica de inter-relaes, me ajudar a estabelecer conexes mais p recisas e p articipativascom os d emais membros da sociedade.

    Minha forma de comunicao percebe cultura material (coisa)como texto.

    Que so coisas?Coisas tm lados, se escondem, aparecem, tm tendncias, tm

    histria. Cultura material um sistema de smbolos parecido com outrossistemas, como por exemp lo: escrita, imagens, sons e gestos. A matria fazparte d o nosso mu nd o e registra a interao do corpo com a natureza. Oartefato mostra, atravs do design, o padro mental do seu criador,incorpora inteno.

    Prefiro a palavra coisa por ter um sentido mais abrangente(Soentgen, 1996; 1998). Conforme o d icionr io Aurlio: Coisa aqu ilo queexiste ou p ode existir. A cultura material um a coisa, objeto, artefato, entremu itas outras coisas, tambm so coisas. Entre muitas outras vantagens dapalavra coisa que a gente pode falar coisa com coisa, ou, se for o caso, atentend er coisa nenhu ma. Inclusive, podemos coisar coisas. Coisa pode sertud o aquilo sobre que no sabemos a resposta, sem contar com a ajud a de

    3Huston .Para mim ficou evidente, pela experincia em sala de aula, que

    arqu elogos transformam coisas em palavras, do nomes s coisas, usand opalavras, e, atravs dessas palavras, fazem arqueologia. Arquelogos damesma gerao e da mesma rea d e pesquisa, geralmente, falam a m esma

    lngua, pois, muitas vezes, fazem parte do mesmo projeto acadmico. Omeio de comunicao corriqueiro restringe-se, como vimos n esse exemp lo, troca dessas palavras.

    Evidentemente, existem outras formas de comunicaes, maiscalmas e retradas. So os monlogos, ou tambm cham ados de anlise emlaboratrio, que envolvem longos e extensos d ilogos silenciosos entre oarqu elogo e as coisas.

    KLAUS H ILBERT14

    3. Hu ston! We have a problem!, exclamava o comand ante d a Ap ollo 13.

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    Em diversas outras ocasies, principalmente em congressos, jobservei colegas seguindo o exemplo dos sbios da academia de Lagado,conversando, ao mostrarem um ao outro, pedras, cacos de cermica e d eloua. s vezes, esse gesto, executad o trad icionalmente em silncio e comtoda seriedade que este momento exige, interrompido por algumaspalavras. Essas poucas palavras, pronunciadas nesses momentos solenes,ganham em consistncia, em magia, em poder, e tem como finalidadefortalecer, ainda mais, a importncia do objeto ou de um determinadodetalhe nele observad o (Weiner , 1983). Essas ocasies de troca de coisas e depalavras revelam a vantagem d e ser arquelogo. Podemos conversar sobre

    as coisas, com coisas e atravs das coisas. Coisamos coisas com, e sobrecolegas d e p rofisso.Mas, quais so as possibilidad es e as limitaes no u so de objetos e

    palavras como linguagem? Posso ler cultura material como se fosse umtexto?

    Recentemente, pesquisas sobre cultura m aterial valorizam m ais osignificado das coisas e partem da idia de que podem ser vistos comosignos qu e auxiliam seus d onos e u surios na comu nicao entre as p essoas,alm de expressar suas identidades. Essas duas qualidades da culturamaterial, a comunicativa e a expressiva, representam dois conceitosdistintos, mas relacionados. Decisivo para esses conceitos comu nicativos eexpressivos da cultura material sua contextualizao. Objetos, percebidoscomo signos, formam seus significados muito menos por suas qualidadesmateriais e ind ividuais, do qu e pelos contextos, pelas situaes sociais nasquais esto inseridas e em qu ais foram usadas (Woodward , 2007).

    As coisas contextua lizad as e transformadas em textos interligad osformam um a espcie de rede. A sociedade, como u m tod o, forma u ma red e

    de significados e de representaes que p ode ser interpretada atravs dosconceitos tericos da semitica (Hahn , 2003). O princpio bsico para essaabordagem semitica que as coisas so signos, referindo-se a algodiferente deles, mesmo qu e estejam n o lugar de outra coisa. Um signo podedizer a verdade, tambm pode mentir. Ou, como formula Jean Aitchison(1996, p. 7), a coisa su rpreend ente sobre a lngu a no tan to qu e ela nospermite representar a realidade como ela , mas que ela nos oferece ahabilidade de falar convincentemente sobre algo completamente fictcio,sem um apoio, nem sequer circunstancial, de evidncias.

    Para Ferd inand de Saussure (1989), existem dois princpios bsicos

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    em torno do qual a lingstica estrutural est organizada. Primeiro: noexistem termos positivos, apenas referncias. Esse carter referencial ed iferencial das iden tidad es ling sticas significa qu e lngu a constitui umsistema em qu e nenhum elemento pode ser definido ind epend entementedo outro. Signos adquirem seus significados por suas diferenas dos outrossignos. Segundo: lngua forma, no substncia. Cada elemento dosistema lingstico definido exclusivamente atravs das regras decombinao e substituio com outros elementos (Laclau, 1993, p. 433).

    Percebend o cultura material como signos, esses tambm adquiremseus significados por serem d iferente dos outros signos, dos outros objetos.

    Alm disso, no somente diferente e presente, mas a prpria ausnciamaterial adquire, em u ma seq ncia narrativa, caractersticas de u m signo.Porm, esses signos, que servem como referncia e atravs dos quais sediferenciam, podem tambm mudar, conforme o contexto em que sousados. O contexto tambm no pode ser considerado como apenas umpano de fund o, contextos tambm mu dam, como as turm as em sala de au lamudam, da mesma maneira como os signos, e as coisas. Isso torna oprocesso de compreenso desses signos materiais e de seus significadosextremamente dinmicos. Tanto o signo, quanto seus signos referenciaisesto su jeitos a constantes resignificaes.

    O carter comunicativo e expressivo dos objetos aproxima culturamaterial linguagem, sem ter exatamente as mesmas caractersticas. Ametfora da cultura material como lingu agem imp ortante para destacaras propriedades simblicas dos artefatos, mas, como alerta McCracken(2003, p. 83), no p odemos esqu ecer que a cultura material um sistema decomunicao comp letamente d iferente. Objetos, vistos como sistemas d ecomunicao ou como linguagens so estruturadas em padres, ou

    discursos. Como existem vrios padres ou discursos, os significadosmudam conforme os diversos d iscursos pelas prticas discursivas. Por essemotivo, o acesso a essa realidade material se d atravs da lingu agem. Coma linguagem, criam-se representaes da realidade, que no so apenascpias preexistentes, mas que contribuem na construo da realidade. Issono significa qu e a realidade no existe! Significados e representaes soreais e os objetos tambm existem, mas ganham significados apenas atravsdo d iscurso (Phillips; Jrgensen , 2002, p. 8).

    Discurso pod e ser visto como um a forma especfica de entend er e

    de falar sobre o mund o, ou sobre algun s aspectos do mundo. As formas de

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    falar sobre esses aspectos do mundo no so neutras ou reproduesidnticas desse mu nd o, das identidad es ou das relaes sociais. O discursotem um pap el ativo na criao desse mu ndo e com u m grande poder detransform-lo.

    Entre m aterialidades, palavras e identid ades

    Monumentos, bandeiras, cores, artefatos, documentos, lugares emuitas outras coisas formam uma complexa rede de significados quesustentam identidades nacionais e culturais (And ermann , 2007). Esta rede

    no ap enas constituda p or objetos, mas tambm p or pessoas. So estes osgrandes heris, imaginr ios ou concretos, os principais agentes que formamelementos significativos dessa red e dinmica. Os Charruas, por exemplo,sem dvida, integram este conjunto de smbolos e imaginrios. Elesrepresentam em primeiro lugar p ara os uru guaios, e para m uitos gachos, oesprito de liberdade, resistncia contra opressores e luta pelaind epend ncia (Hilbert, 2001).

    Entendemos que essa imagem dos Charruas foi cuidadosamenteconstruda e composta por uma vasta gama d e comp onentes selecionad os

    das fontes escritas, iconogrficas, orais e dos inmeros fragmentos deobjetos encontrad os em stios arqueolgicos. Devido grand e diversidad edas fontes que do sustentao aos mais variados discursos sobre osCharruas, no existe uniformidade e muito menos unanimidade sobrequem eram os Charruas e qual seu papel na formao da identidadenacional e cultural dos uru guaios e dos Gachos. Num a viso mais ampla,observamos que as explicaes sobre quem eram ou atualmente so osCharruas, oscilam entre narrativas opostas. Por um lado observamos

    propostas de uma completa ruptura cultural, histrica e gentica, e poroutro lado temos opinies que defendem uma continuidade em todos osaspectos entre os antigos povoad ores da regio do Prata e alguns d os seushabitantes atuais. A grande maioria dos discursos defende umacontinuidade apenas parcial de elementos culturais, mas uma rupturacompleta das relaes de parentesco entre os chamados selvagensamericanos e os descendentes dos europeus civilizados. Esse andar deequilibrista entre continuidade cultural parcial e ruptura gentica definitivacaracteriza bem esse imaginrio do imigrante europeu. Na releitura de

    alguns elementos culturais nativos e na manuteno das trad ies de suas

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    origens, o imigrante cria sua prpria identidade hbrida, diferenciando-odos que permaneceram na antiga ptria e daqu eles que foram conquistados(Oliven, 2006; Vidal, 2009). A cond io d e conqu istador combinada com achance de um novo comeo significa ser um vencedor em terras estranhas.Ele inventa seus prp rios heris da v itria, fortalecend o dessa maneira suanova auto-estima. Os vencidos, muitas vezes os antigos aliados na luta,sobrevivem apenas na m emria coletiva (Acosta y Lara, 1981; Bracco, 2004).

    Vestind o o heri com p alavras

    As fontes escritas revelam p ara o p erodo de contato, no incio dosculo XVI, poucos dados especficos sobre os costumes da populaonativa da regio Platina, e limitam-se em geral a nomes e reas depovoam ento. Informaes sobre armas, quan tidade de homens guerreiros,ttica de ataques e principalmente alimentos so fundamentais para osucesso da conqu ista territorial. Os relatos, ao tratarem dos Charru as, sobastante escassos e fragmentados, o que torna o comeo da histria dosCharru as aind a mais complicado (Hugarte, 1993).

    As mais antigas fontes escritas, como os relatos de Diego de

    Moguer, de 1527, e o dirio de bordo de Pero Lopes de Souza, de 1530descrevem dos Charruas como pescadores e caadores nmad es do litoral assim, Diego de Moguer em seu d epoimento lacnico e sumrio, que deixaa impresso de que Mogu er nu nca os tenha visto. En tod a esta costa noparece indio ni alderredor del cabo; mas de luego ah adelante hay unageneracin qu e se llaman los Chaurru as, questos no comen carne humana;mantienense d e pescado caza; de otra cosa no comen (Moguer, 1908, p .240). Igualmen te sintt ica a descrio do soldado alemo Ulrich Schmidel,

    que p articipou d a grand e exped io em 1534 ao rio da Prata, comandadapor Pedro d e Mendoza. Ulrich Schmidel permaneceu na regio platina porvinte anos, e aparentemente muito mais interessado em recolher comida,acumu lar riqueza, atacar e se defender dos nativos do que em elaborar umrelato minucioso das populaes indgenas e de seus costumes. Asinformaes repassadas por Schmidel referem-se geralmente a quantidadede inimigos, tticas militares, armas, recursos natu rais e perigos em geral.

    Mais detalhad as, vivas e au tnticas so as anotaes de Pero Lopesde Souza, que realmente valem ser citadas. Ele relata um primeiro encontro

    com esses caadores e pescadores do litoral da seguinte forma:

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    "Saram d a terra a m im 4 almad ias com m uita gente:(...) remavam -se tanto, que p arecia qu e voavam. Foram logo

    comigo todos; traziam arcos e flechas e azagaias de pautostado, e eles com muito penachos todos pintados de milcores;(...) a fala sua no entendamos; nem era como a doBrasil; falavam do p apo como m ouros; as suas almad ias eramde 10, 12 braas de comprido e meia braa de largo; o paudelas era cedro, mu ito bem lavradas: remavam-nas com umasps muito comp ridas; no cabo das p s penachos de borlas depenas; e remavam cada almadia 40 homens todos em p : (...)deram nos muito pescado; e eu mandei lhes dar muitoschocalhos e cristalinas e contas: ficaram to contentes emostravam tamanho prazer, que queriam sair fora de si: e

    assim m e desped i deles (Sousa, 1861, p. 47).

    Uma transformao drstica da imagem d o primeiro Charru a, donativo hospitaleiro, alegre, do pescador-caador nmade do litoral e dasterras baixas dos pn tanos e das margens d os rios que inclusive aband onasua aldeia em situao de perigo, para o Charrua temido, rebelde eguerreiro acontece na escrita de Martn del Barco Centenera. O padre veioacompanhar a expedio de Juan Ortiz de Zrate, em 1573. Tentou fund ar

    um povoado na margem esquerda do rio da Prata, chamad o de Zaratina d eSan Salvador, mas teve de abandon-lo por causa dos constantes ataquesdos nativos. Anos depois, em 1606, Centenera d escreve os acontecimentosdaquela poca nu m poema histrico intitulado La Argentina o la Conqu istadel Ro de La Plata. Os versos que d escrevem e tratam d os Charru as revelamum retrato de um indgena cruel, traidor, belicoso, mas com muitahabilidad e e fora fsica.

    Outra fonte interessante usada para formar uma identidadeCharrua contemp ornea e para d elimitar e justificar os territrios nacionais

    atuais so as ilustraes e os mapas qu e acomp anham alguns relatos dosconquistadores e viajantes. Uma das primeiras imagens dos antigoshabitantes da regio do rio d a Prata encontra-se nas edies do relato de u mcomerciante holand s. As aventu ras de Hendrick Ottsen na Am rica sodivulgadas pela primeira vez em Amsterd, em 1603, por Cornelis Claesz,em forma de dirio, com u m map a e um a ilustrao gravada na oficina d eTheodor (Dietrich) de Bry e filhos. Logo d epois, em 1604, Gotthart Arthusvon Danzig publica, em Frankfurt, uma verso alem, com pequ enas massignificativas alteraes nas ilustraes.

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    Os primeiros ilustradores do relato de Hendrick Ottsen anexam aotexto du as imagens: um a mostra um map a do esturio do rio da Prata (semfiguras human as), e a segund a representa du as figuras humanas inseridasnu ma paisagem que lembra a um parqu e, terreno ondulado, pasto cortado,com palmeiras, rvores no identificveis e montanhas rochosas nohorizonte. A figura esquerda, est nua e segura duas bolas de boleadeiras.A outra est enrolada nu m cobertor d e peles, vestimenta tpica usada pelosnativos da regio d o Prata d uran te os meses de inverno. A ilustrao estacomp anhada pelo seguinte texto:

    Estes selvagens, dois copiados do natural, quemostram os ao amigo leitor, eram de cor vermelha, tinham ocabelo enredad o em trs tranas e o rosto muito desfiguradocom vrias perfuraes nos seus queixos, nas quais tinhamatravessados ossos redondos em forma de taco ou cavilha.Tinham tambm perfuraes no meio do nariz, de tal formaque no se diferenciavam as narinas, igualmente nas orelhasond e eles metiam den tes de cerdos, mu ito estranho d e olhar.So de p oucas palavras; andam comp letamente nu s du ranteo vero, mas n o inverno eles tm u m traje feito com as p elescruas d e animais selvagens, 5 ou 6 costuradas jun tas. Eles so

    canibais, os animais eles comem com todas as vsceras. Emquan to sua religio, na verdad e nos no conhecida, mas provvel que eles vivem como os animais selvagens. Suaarma a funda que usam primeiro para logo lanar suaspedras, e ficam em seguida novamente completamente sem

    4defesa ou sem armas (Ottsen, 1603, p. 37) .

    Acredito que o texto e a imagem se complementam. O artistarepresentou n um nico quadro d iferentes situaes descritas no texto. Ele

    juntou alguns dos principais atributos: a vestimenta d o inverno, o costumedos ind genas de andar sem roupa no vero, as bolas de boleadeira, usadacomo arma de caa, e a forma estranha de enrolar os cabelos, tambm

    5descrita por Rui Diz de Guzmn . O artista ignora comp letamente asescarificaes e os adornos corporais de osso e dentes.

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    4. Tradu o do autor.5. Ruy Daz de Guzmn descreve as populaes da lago dos Patos da seguinte forma: estnpoblados m s de 20.000 ind ios guaran es, que los de aqu ella tierra llaman Arechanes, no p orque enlas costumbres y lenguajes se diferenciasen d e los dems de esta nacin, sino porque traen el cabellorevuelto y encrespado para ar riba (Guzm an, 1986, p.45).

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    Outros imp ortantes depoimentos a respeito das popu laes nativasda regio do Prata que precisamos mencionar so Felix de Azara (1896,1943) e de Alcide DOrbigny (1839). Os livros, relatos e documentoselaborados p or Felix de Azara, apesar de mu ito criticado por alguns, so aprincipal fonte de inspirao para arquelogos, historiadores e outrosestudiosos na composio do imaginrio Charru a.

    Muitos historiadores uruguaios contriburam d e forma ativa p araessa imagem do Charrua como heri ancestral, enquanto outros defendemuma histria do povoamento da regio do Prata e de uma identidadecultural exclusivamente de origem ibrica. Alberto zum Felde, por

    exemp lo, publicou em 1920 o Proceso Histrico del Uruguay. Esquema de unasociologa nacional. Para ele, a histria do Uruguai inicia com seudescobrimento p elos espan his e com o choqu e entre duas foras: entre aspopulaes nativas e os conquistadores. Seu discurso a favor de umaidentidade nacional de origem ibrica, dito castelhana, derruba porcompleto o mito dos Charruas como grand es heris da nao. Felde afirmaque no existiam grandes diferenas culturais entre as diversas etnias quepovoavam o territrio oriental do rio Uruguai e que todas, sem exceo, seperdiam na sombra annima do selvagerismo primitivo, sem civilizao esem histria. Os povos indgenas podem ser considerados elementosintegrantes do territrio, como sua orografia, como se fossem rios oumontanhas. Esse autor rejeita qualquer ligao cultural e principalmenteancestral entre os u rugu aios de origem espanhola e os selvagens Charruas,estes ms sombros y guerreros, desaparecen casi sin mezclarse con loscolonizad ores (Felde, 1920, p. 12).

    Tud o que caracteriza a vida ru ral du rante o p erodo colonial veio defora, argumenta Alberto zum Felde, era de origem espanhola: como o

    cavalo, o faco, a bota d e couro, a guitarra, nem o churrasco era criao d osCharruas. At mesmo as boleadeiras, armas consideradas tipicamentecharruas, na verdade so artefatos usados por todas as tribos do sul, doParagu ai at a Patagn ia, e no especificamente d os Charruas (idem, 1920,p. 13). Alberto zum Felde tambm retira o Charrua da gentica do gacho. Araiz do homem do campo para ele o colono espanhol, que encontravasubsistncia fcil e condies de liberdade pessoal, desenvolvendo assim ascaractersticas individualistas e rebeldes do gacho. O pampa (la pampa)era para o colono smbolo de sua liberdad e, da abund ncia e da aventura,

    enqu anto a cidad e era a monotonia, a sujeio e a necessidad e. A escassez de

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    mulheres obrigou esses colonizadores a buscarem suas parceiras entre osndios civilizad os, principalmente entre os Guaranis missioneiros. Dessamistura d e raas surge o tipo nacional do ga cho. Livre do trabalho, pelaabundncia natural, senhor de si mesmo, pela completa ausncia dequalquer au toridade, o gacho fruto d as cond ies nas quais se formousua v ida (ibidem, 1920, p. 29).

    J a verso do historiador Pablo Blanco Acevedo sobre opovoamento d a regio platina bem diferente. Ele ressalta no seu livro Elgobierno colonial en el Uruguay y los orgenes de la nacionalidad, publicadoinicialmen te em 1929, as qualidades dos Charru as como um p ovo forte, com

    caractersticas inconfundveis, que no decorrer do tempo afirmaram aformao de uma nacionalidade. Foram os Charruas os primeiroshabitantes do Uruguai. Se no territrio existiam outras populaesindgenas, nenhum a tinha um carter to destacado quan to os Charruas,uma nao no numerosa, mas de contextura forte, alta, veloz e de extremaflexibilidad e (Acevedo, 1944, p . 1). O au tor ap onta para u ma coincidnciaentre o mapa das fronteiras nacionais do Brasil e do Uruguai, com a regiohabitada por um lado pelos povos Guaran is e os Charru as do ou tro lado. Aoapontar para esta estranha coincidncia (idem), Acevedo faz umaprojeo direta entre os Charruas e o povo u rugu aio, e manda um recado aseus vizinhos argentinos e principalmente brasileiros com o seguinteconted o imaginrio: ns somos poucos, mas somos valentes e guerreirose dispostos a defender o nosso territrio contra qualquer tentativa deinvaso (Hilbert, 2001, p. 115).

    Quarenta anos mais tarde, o jornalista Serafin Cordero retoma eaprofunda este mesmo argumento, ao publicar, em 1960, Los Charras.Sntesis etnogrfica y arqueolgica de Uruguay. Nesse livro, o autor tambm

    elimina qu alquer relao de parentesco da popu lao atual do Uruguai comas populaes nativas. Antigamente, sim existia uma grande nao dosCharruas no territrio, afirma, mas eles foram totalmente extintos, ficand ocomo nicos testemunhos de sua existncia os restos sseos, fragmentoslticos e cermicos que constituem os elementos fundamentais parareconstruir sua v ida e sua histria. Penetrar no passado remoto d o nossopas mergulhar num mundo maravilhoso nos permite determinar aprocedncia racial e as formas de vida d os primitivos habitantes (Cordero,1960, p. 9).

    Cordeiro pretende com sua obra, alm de determinar a origem

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    racial dos Charruas e confirm-los como autores dos artefatos pr-histricos, defend-los das acusaes de canibalismo e, atravs dedocum entos, comp rovar que os responsveis pela morte de Juan Diaz d eSols, descobridor d o Rio da Prata, foram os Gu aranis. A respeito da origemdos Charruas e d e sua h istria, Cordeiro assegura qu e esses formaram avanguarda entre os povos expansionistas. Eram os mais esplndidosrepresentantes da raa Chnik da Patagnia, altos e fortes, habituados asup ortar as mais duras condies do temp o - da sua constituio fsica e seucarter indomvel - caractersticas dos povos d as regies frias.

    Esse povo encontrou na regio do Prata um clima benigno e ideal,

    derrotaram as tribos que ali estiveram, procedentes das terras tropicais equentes que eram d e pou ca estatura, fora muscular e baixa resistncia.Mais tarde, uma nova invaso de raa tropical, constituda pelos

    Guaranis, atingiu a regio do Prata. Essa nova p opu lao, caracterizada p orsua ferocidade e seu canibalismo, penetrou no territrio do Uruguai,encontrou-se com uma nao valente e invencvel, os Charruas, que osderrotaram. Os Guaranis somente povoaram as partes do territriouruguaio que foram abandonados pelos Charruas, depois da chegada dacivilizao espanhola. Uma avalanche Guarani expandiu-se como umanu vem sobre o cu d a nao Charrua, impondo sua lngu a e seus costum es.J em pleno domnio da Repblica, os restos dos ltimos Charruas,misturad os com ou tras raas, constituram u m grave problema, pois, comoeles no se adaptaram u ma vida civilizada, o governo viu-se obrigado apersegui-los e extermin-los. Assim terminou aquela nao valente eguerreira. Sua vida se desenvolveu d urante vrios sculos em territrio hojechamad o de Uru guai (Cord eiro 1960, p. 166-167).

    Essa histria do povoamento da regio do Prata elaborada por

    Cordero tem tambm uma forte mensagem poltica, evidentementedirecionada aos vizinhos brasileiros. O autor relaciona cultura materialarqueolgica a u ma sup er-raa ancestral que ocupa um territrio dentro dosmesmos limites atuais dos estados nacionais. A mensagem p oltica tambm clara: qualquer tentativa de invaso do nosso solo ser combatida com amesma determinao com que os antigos Charruas expulsaram osGuaranis. Os Charru as foram extintos, mas a raa e a vontade permanecema mesma.

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    Vestind o o heri com coisas

    O arquelogo Rodolfo Maruca Sosa nos oferece em La NacinCharra, publicado em 1957, outra viso dos Charruas. Os diferentescaptulos desse livro foram or iginalmente pu blicados como sup lemento daedio dominical do jornal El Dia. O autor aproveitou esses encartespop ulares e importantes formadores d e opinio, para relacionar os achad osarqu eolgicos d iretamente com a etnia Charru a. Dessa maneira, os achad osarqu eolgicos ganham vida e ou tro valor simblico, alm de materializar ocotidiano dos Charruas, que por sua vez ganha novo sentido, fora dosrelatos histricos. Ele seleciona cuidad osamente objetos d a cultura material

    arqu eolgica d e d iversas pocas p r-histricas e p rocura relacion-los comimagens, mapas e relatos dos cronistas e viajantes, igualmente de d iversaspocas, criand o assim uma nova realidade histrica. Sosa ilustra seus textoscom d esenhos simples de prprio pu nho, que mostram essa nova realidade.Ignorand o os contextos histrico-culturais elaborados pelos arqu elogos,que para o grande pblico muitas vezes so apenas abstraesincompreensveis, ele compe uma srie de painis que representamconjuntos que misturam, por exemplo, zoolitos dos sambaquis litorneoscom pontas lticas bifaciais dos gru pos de caadores-coletores, lminas d e

    machad os polidos com placas gravadas do baixo rio Uruguai. O indgena,de olhar srio, perfil com nariz curvad o, musculoso e de p no lado d ireitodo desenho, veste uma tanga de pele de gato selvagem, conforme adescrio de Felix de Azara, e segura com o brao direito estendido, umzoolito em forma de ave e, no outro, o famoso zoolito antropomrficoencontrado no municpio de Mercedes. Descontextualizando a culturamaterial arqu eolgica de seus p armetros temporais, espaciais e culturais,Sosa comete, para a maioria dos estudiosos da rea, um grave pecado

    metodolgico, mas ao faz-lo, ele concede outro cenrio e uma nova relaotnica aos objetos pr-histricos e valoriza assim, indiretamente, essepatrimnio histrico e cultural. Os objetos materiais, lminas d e machadosde ped ra polida, lascas, cacos de cermica, pingentes e ossos, zoolitos etc.,no so mais apenas fragmentos que antes pertenciam a uma fase outrad io arqu eolgica, mas agora so atribudos aos heris nacionais, aosCharruas, e estes fazem parte da identidad e de Los Orientales. Objetos,antes sem valor tornam-se quase relquias nacionais, que so guardadosnos mu seus do Estado como send o remanescentes da antiga grand e nao

    Charrua.

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    Com a introduo do cavalo e do gado bovino na regio do Prata,durante o sculo XVII, deu-se incio a um a transformao na vida culturaldos Charruas. Nos relatos dos viajantes, pr incipa lmente d o sculo XVIII, osCharruas so representados montados a cavalo, atacando as fazendas,roubando os animais e vendend o a carne e o couro. Antoine Joseph Pernetty(1770) e Luis Antoine d e Bougainville (1957) deixaram relatos interessantessobre alguns breves encontros com os habitantes das redondezas deMontevidu. As descries de Bougainville so mais genricas. Ele fazmeno s populaes da regio do Prata sem diferenci-los por etnias. Eledescreve nd ios de pele bronzeada e oleosa qu e no tienen otro vestido que

    un gran m anto d e piel de corzo que les cubre hasta los talones, y en el que seenvuelven. Las pieles de que est compuesto estn muy bien curtidas;ponen el pelo para d entro y el exterior est pintado de diversos colores. Eld istintivo de los caciques es un a banda de cuero con qu e se cien la frente;est recortada en forma de corona y adornada con placas de cobre(Bougainville, 1957, p. 687; Hilbert, 1986, p. 89). Bougainville mencionatambm que usam arcos e flechas, e bolas de boleadeiras como armas. Semmorad ia fixa, eles passam su a vida a cavalo. O francs relata em curtas, masdrsticas palavras outra conseqncia do contato com os europeus, oalcoolismo, doena at ento completamente ignorada pelos cronistas eviajantes; algunas veces vienen con sus mujeres para comp rar agu ard iente,y no dejan de beber hasta que la embriaguez los deja completamente sinmovimien to (Bougaiville, 1957, p. 687).

    O contato de Antoine Joseph Pernetty (entre 1763-64) com apop ulao indgena montevideana demonstra mais envolvimento pessoal eobservaes mais detalhadas. Um dia, quando Pernetty e Bougainvilleestiveram no p alcio do Governad or, quatro indgenas se aproximaram e

    imediatamente o governador mandou fechar as portas do seu aposento.Perguntado pelos motivos desta atitude drstica, o governador explicouque os nativos usavam um leo para se proteger dos insetos que tinha umodor m uito ruim e qu e contaminaria por vrios dias o ambiente. Como asportas do palcio estavam fechadas, os ndios se aproximavam daautoridad e pela janela. Um deles tirou d e um a bolsa de couro d e tigre umdocumento, escrito em espanhol, que certificava o p ortador como chefe datribo. O cacique pedia ao governador, por sinais, j que no falava nenhumapalavra em espanhol, que substitusse este documento p or outro igual, por

    estar rasgado. Pernetty descreve a vestimen ta do cacique da seguinte forma:

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    Le ct de la peau qui touchoit la chair, toit blanc, e peint en rouge e enbleu gris, par quarrs, lozan ges e triangles (Pernetty, 1770, v. 11, n. 11, p.296). Bougainville adqu ire dos nativos um a bolsa de pele de ona. Com odinheiro da venda, Pernetty conta que todos os ndios partiram paracomprar vinho ou aguardente na venda mais prxima. No map a d o portode Montevidu, que acompan ha os relatos de Pernetty, um dos nativos comseu traje tpico representado e identificado como Sauvage deMontevideo. Nota-se com m ais detalhes nesta ilustrao os desenhos nomanto de peles (Quillapi) usado tambm pelos povos patagnios.

    O confronto en tre os heris

    Segund o Felix de Azara, no comeo os Charruas tiveram su cessono combate contra os invasores. (1896, 1943). Foram estes que destru ram asprimeiras fortificaes e aldeias na margem do rio Urugu ai. Mas pouco apou co, e a muitas custas, espanhis e portugueses expu lsaram os Charru asde seu territrio original ao longo da costa setentrional do rio da Prata. Aguerra d os Charruas n o era apenas contra os invasores. Eles tambm soresponsabilizados por Azara pela extino das naes indgenas Yaros e

    Bohanes. Enfraquecidos e fragmentados em diversos grupos, Charruas e6Minu anos un iram-se na luta contra os espanh is. Na poca em que Azara

    trabalhava na regio do Prata e no Chaco paraguaio, uma parte dosCharruas e Minuanos, forados pelos espanhis, incorporaram-se aospovos mais centrais das misses do rio Urugu ai e um a outra reduo deCaiasta. O terceiro grupo vive livre em territrio fronteirio, ond e combatetanto os espan his quanto os portugueses.

    Azara descreve exaustivamente as armas dos Charruas, seu

    comp ortamento nos ataques s fazendas, suas estratgias em combate e noroubo de gado. Tem-se a impresso de que Azara agrega s suasobservaes depoimentos de outros autores, como, por exemplo, BarcoCentenera (1836) e Pedro Lozano (1874).

    O relato de Jean Baptiste Debret (1949, p. 47) sobre os Charruas

    KLAUS H ILBERT26

    6. Samuel Kirkland Lothrop (1932, p. 110) argumenta que os Minuanos no aparecem nospr imeiros relatos e so apenas mencionad os nos docum entos dos missionrios. Por esta razo,Lothrop trata os Charruas e Minuanos como um grupo s, seguindo a sugesto de Alcide

    D'Orbigny (1839). Diego Bracco (2004), entretanto, esclarece que Minuanos e Guenoas soapenas d iferentes nomes p ara a mesma etnia.

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    contribui para uma desorientao parcial dos paradigmas observadosprincipalmente a respeito das origens, morad ia, costum es e comportamentodesta etnia. Ele descreve e retrata dois grupos de Charruas, umcompletamente selvagem e o outro civilizado. Ambos tm em comumapenas o manejo d e cavalos como principal caracterstica.

    O pequeno grupo de Charruas selvagens ocupa as matas e reaspan tanosas nas margens d o rio Urugu ai, cercado de manadas de cavalos.Alimentam-se preferencialmente desses cavalos selvagens e vivem emcondies miserveis, praticamente deitados na lama. Vestem apenas umpequeno calo curto e pintam seus rostos com uma pasta de barro

    vermelho misturado com a banha de cavalos. Essa viso dos Charruasmarginalizados, vivend o na su jeira, escond end o-se nas reas alagadias dorio Uruguai, evidentemente d esagrada maioria d os historiadores, por noconfirmar a imagem do Charrua valente, independente, lutando por seusdireitos e pela liberdad e.

    O grupo civilizado, que representa a grand e maioria dos Charruas,vive, conforme Debret, somente nas p rovncias de So Pau lo e do EspritoSanto. Alm d e vestir os trad icionais abrigos feitos de pedaos de couro, elesusam traje hispano-americano, and am sempre arm ados com grand es facespresos na cintura ou enfiado na bota . Vivem d o comrcio e do contraband ode couro, gad o bovino, mulas e cavalos. So inigualveis cavaleiros, lad resde gado, valentes caadores d e onas, cujas peles vendem aos interessados.Tambm so freqentad ores das tavernas, onde fum am, bebem cachaa,

    jogam cartas e brigam. Mas, sobretudo, so de uma fidelidade lendriaquando contratados como pees. Foi provavelmente nessa condio depeo e de guia de viagem que Jean Baptiste Debret conheceu e desenhouesses Charruas civilizados. Aguerrido e indispensvel, protegendo o

    viajante dos perigos no caminho, estes pees valem um p or dez (Debret,1949 p. 48) e alm d e sondar o melhor caminho para a caravana, preocupam-se com a alimentao. Laam um boi, matam-no, cortam um pedao damelhor carne, assando-o sobre a brasa no prprio couro do animal,aband onand o o resto no campo. Dessa m aneira, a carne conserva seu sabor,sup erando os melhores assados da Europ a.

    Com certeza, essa descrio do seu carter, costumes ecomportamento j vo mais ao encontro do conceito tradicional do Charruae, por extenso, do gacho. Como evidente engano p or parte do autor vista

    sua declarao de que os Charruas freqentariam principalmente as

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    provncias d e So Pau lo e Esprito Santo. Acredito que essa afirmao deve-se ao fato de que os Charruas, descritos e retratados por Debret, estavamenvolvidos nas atividad es de tropeiros e em constante deslocamento entreos Pamp as e So Paulo.

    A morte do heri

    No incio do sculo XIX, dentro d o contexto poltico de fixao d asfronteiras nacionais na regio platina, os Charruas participaramativamente nos conflitos ao lado do general Jos Artigas. Aps os conflitos,

    os Charruas so acusados nos relatrios oficiais da poca de seremelementos selvagens e indomveis, que perturbam a paz e retardam oprogresso do pas. Em emboscada m ontad a pelo general Fructuoso Rivera,em 1831, a maioria d os Charruas foi executad a.

    A verso oficial do destino dos ltimos Charruas comovente,trgica, mas ao mesmo tempo conveniente e confortvel. Encerra-se umcaptulo da histria do Estado-nao uruguaio e comea outro, com aesperana de ser mais civilizad o, com mais ordem, pacificado e livre d oselementos chamad os selvagens. O general Rivera justifica esta ao: El

    desenfreno criminal de las hordas salvajes y degradadas, sus recientes yhorr ibles crmenes, no haban d ejado al Gobierno mas alternativas que la deatacarlas y d estru irlas (apud Acosta y Lara, 1969, p . 3).

    Mas a histria dos ltimos Charruas no termina por a. H maisum adendo trgico que fecha para alguns, definitivamente, esse captulo.Para outros, entretanto, abre-se uma perspectiva de continuidade. Osltimos Charruas, trs homens e uma mulher, Vaimaca-Per, Senaqu,Tacuab e Gu yunu sa, foram levados, em 1833, pelo comerciante Franois

    de Curel para Paris para serem mostrados numa exposio sobre aHistria Natural do Gnero Human o nos Camp os Elseos. Usand o suasroupas trad icionais, carregand o suas arm as, lanas, arco e flecha, e outrospoucos utenslios, como bolas de boleadeiras, bomba e cuia de chimarro,os quatro Charruas viviam cercados nu m toldo feito de palha jun to comalgumas emas. Pouco depois, Senaqu adoece e em seguida morre. Doismeses depois, nasce a filha d e Guyu nu sa. Os parisienses assistem ao partocom grande interesse. No final do ano de 1833, falece o cacique Vaimaca-Per, soldado de Artigas e heri de guerra. Os Charruas restantes so

    vendidos a um circo, onde promovem espetculos ridculos de guerra e

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    ond e so exibidos junto com os animais do circo. Os trs ind genas sofremmau s-tratos e em m eados do ano de 1834 Guyu nusa morre de tuberculose,nu m hospital de Lyon. No sabemos o que aconteceu com Tacuab e su afilha. A pista dos dois se perde no mesmo ano no sul da Frana (Vidart,1996).

    O retorno do h eri e o mito da Garra Charra.

    Em seguida, pretendemos averiguar quais so os elementos quecomp em essa imagem do Charrua valente e ind omad o, quais so as fontes

    que fornecem sempre novos argumentos para realimentar e reafirmarconstantemente essa identidad e Charrua. O pap el do h istoriador mu itoimportante nesse processo. Eric Hobsbawn su gere que se no h nenh umpassad o satisfatrio, sempre possvel invent-lo (...) o passad o legitima. Opassado fornece um pano de fund o mais glorioso a um presente que notem muito o que comemorar (2001, p. 17).

    Quem d os torcedores brasileiros no se lembra do dia 16 de julho de1950, do n ovo Maracan, sup er-lotado, do ltimo jogo da copa d o mun docontra a seleo uru guaia? Naquele d ia, a seleo brasileira no s perdeu o

    jogo por 1x2, mas tambm a copa d o mu nd o, em p leno Maracan!O Brasil, que precisava ap enas d e um emp ate, sai na frente, logo no

    incio do segundo tempo, com gol de Friaca. Somos campees, agita amultido. O capito uruguaio Obdulio Varela reage, toma a iniciativa eorganiza seu ataque conta o gol brasileiro, e Schiaffino empata o jogo. Aos 34

    7minutos, Varela, el Negro Jefe, lana o ponta-direita Ghiggia , que d riblaBigode, Juvenal aind a tenta fazer a cobertura, indo ao encontro d o atacanteuruguaio, o goleiro brasileiro avana, e Ghiggia chu ta a bola com o peito do

    p. O chu te sai mascado, a bola bate na gram a, sobe, desce, e neste instante o8goleiro Barbosa d um p asso lateral e salta para a esquerda com tod o o

    COMOASPESSOASEASCOISASSEFAZEMENTENDER 29

    7. Edegardo Alcides Ghiggia nasceu em 22 de dezembro d e 1926, em Montevidu. Jogador doPearol de 1948 a 1953, transferiu-se para a Itlia, ond e defendeu a Roma de 1953 a 1961 e oMilan de 1961 a 1962. Voltou ao Urugua i, em 1962, ao Dan bio, ond e encerrou a carreira em1968. Jogou 12 vezes p ela Seleo Uru guaia e cinco pela Seleo Italiana. Marcou qua tro golspela Seleo Uruguaia e um gol pela Seleo Italiana.8. Moacir Barbosa Nascimen to, nascido em 27 de maro de 1921 em Cam pinas, goleiro do

    Vasco, clube do corao, onde permaneceu durante a maior parte do tempo de sua carreira.Faleceu em abril de 2000.

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    impulso... Quando sente o estdio em silncio, toma coragem, olha p ara trse v a bola de couro m arrom no fun do da rede. Essa bola, que achou umespao entre o poste e o goleiro, decretou a maior tragdia da histria dofutebol brasileiro (Souto, 2002). Essa seleo de 1950, e pr incipalmente ogoleiro Barbosa, carregou at os ltimos dias de sua vida o estigma dofracasso, uma cicatriz tragicamente eterna.

    E a partir da nasceu a garra Charr a? Ghiggia, em entrevista auma rdio, garante que no: La Garra Charra viene de antes, de losCampeonatos Olmpicos de 1924, 28 y del Mundial de 1930. A GarraCharra es el no qu erer perder nu nca. Es correr y m atarse en la cancha,

    9

    entregarse por entero. Meter y meter . Ghiggia afirma um a continu idademitolgica com os heris da pr-histria do futebol uruguaio. Ghiggiaassume pap el de historiador que comp e histrias que agregam as pessoas,melhoram seus relacionamentos, fornecendo-lhes uma cosmologiacompartilhad a. Ele reorganiza o passad o, contand o os feitos dos heris deoutros tempos e de espaos remotos.

    At hoje, quando a seleo brasileira, pentacampe mundial,primeira do ranking da FIFA, com todos os seus super-astros enfrenta aseleo celeste, a imp rensa u ruguaia evoca o inesqu ecvel maracanazo,apelando para a imortal garra Charra. E no que s vezes essaestratgia extra-campo d certo? Cria-se todo um clima d e nervosismo emtorno de um a partida de futebol, como se fosse a final da copa d o mu nd o.No qu alquer u ma, mas aqu ela de 1950... Alguns jogad ores brasileiros seirritam, uns fingem indiferena, outros d esclassificam o futebol uru guaio,chamando-o de decadente, irritando ainda mais os jornalistas locais.Jogad ores da poca de ouro da seleo celeste so entrevistados, o que setorna cada vez mais difcil, pela avanada idade dos heris, para reviver os

    dias de glria, reinventando a final no Maracan. Esse clima comp etitivo projetado para dentro do campo, e como sempre, e apesar da supostasup erioridade tcnica dos jogad ores mu ltimilionr ios brasileiros, a partidatorna-se equilibrada e a famosa garra Charra parece tomar conta detodos os atores no gramad o castigado.

    Na verd ade, desde 1950, os jogos entre Brasil e Uruguai nunca maisforam ap enas um a partida d e futebol que comea e termina com o ap ito dorbitro. A expectativa do p rximo jogo alimenta a esperan a de um a outra

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    9. http:/ / www .urunu estro.com/ reportajeaghiggia.html

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    vitria histrica e herica. A memria d o maracanazo constantementerenovada e redefinida pelos uruguaios. Junto com a garra Charra, omaracanazo forma um conjunto de significados que j transpassou asquatro linhas do campo de futebol do estdio do Maracan. Maracanazovirou sinnimo de uma vitria inesperada, d ispu tada e, no final, merecida.Tornou-se smbolo do pas chiquitito contra un gigante, a luta do Davicontra Golias, que foi transferida para outros contextos fora da copa domu nd o de 1950.

    O Charrua como produtoOs campos de significados do signo Charrua ampliaram-se e

    ganharam novos espaos. O nome Charrua foi comercializado,transformou-se em logomarca de produtos de consumo, smbolo deempresas de prestao de servio, clubes de esportes, emissora de rdio,posto de gasolina, restaurantes, hotis, marca de veculo blindado e demu nicpio do Estado d o Rio Grande do Sul. As tradicionais representaesdo esprito de liberdade, a resistncia contra opressores e a luta pelaindependncia foram deslocadas para a periferia, mas, mesmo assim, fazem

    parte d o contexto do imaginrio (Barthes, 2003). Representam agora lutas econquistas pessoais e econmicas, significam o esprito de liberdade nocamp o esportivo, anunciam a independ ncia de um m unicpio, a de umardio ou a fora de um veculo blindado do exrcito brasileiro ou de umtouro reprod utor d a raa nelore.

    O esprito Charrua que expressa a resistncia e a tradio foitrad uzido e virou nom e de CTG (Centro de Trad io Gacha), por exemp lo,em Osrio, Joinville ou n o Paran, longe da querncia para d ivulgar a to

    bela tradio gacha, esta que com o decorrer dos anos, foi transmitida d egeraes em geraes e hoje ocupa um lugar especial no corao daqu elesque desde pequ enos aprenderam a sentir um grand e amor pelas coisas do

    10pago .Remetendo a uma identidade sulista, gacha, pampeira, a Rdio

    Charrua de Uruguaiana surgiu na d cada de 1930, com o principal objetivode atender s necessidades e ao gosto musical das populaes rurais da

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    10. http:/ / ww w.ctgcharrua.rg3.net/

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    regio da fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina. Fundada pelofunileiro argentino Juan Izidro Cobelli, a Rdio Charrua transformou-se deum simp les sistema d e alto-falantes espalhad os pela cidad e numa emissora

    11de grande aceitao regional .Com igualmente fortes relaes sulistas, Elvd io Eckert, fund ador

    da d istribuidora d e combu stveis: Grup o Charrua, mantm uma trad ioque remonta a sua fundao: valorizao de valores e sinais que so

    12imp ortantes para as comun idad es que integram o Sul do pas .Enfatizando a trajetria de uma simples distribuidora local para umconjun to de 5 empresas, o Grup o Charrua atua p rincipalmente n o interior

    do estado do Rio Grande do Sul, nos setores de distribuio ecomercializao de combustveis, na d istribuio d e gs, de p etrleo e narevenda de pneus e lubrificantes. A histria de uma empresa muitosemelhante a trajetria de seu criador. Assim como o homem torna-se aimagem daquilo que constri, uma empresa ganha identidade e marcaatravs do que produz (idem). Aqui o nome Charrua ganhou mais umsentido. Alm da valorizao da tradio regionalista, j observada emoutros contextos, Charrua tornou-se sinnimo de um ideal capitalista: ariqueza e resultado d e um trabalho d uro, mas sem esquecer suas origenshumildes.

    A logomarca da empresa Charrua mostra um indgena armadocom uma lana, montado num cavalo empinado e projetado sobre ocontorno do Estado do Rio Grande do Sul, delineado com as cores daband eira. Com o objetivo de tornar a comunicao da emp resa mais alegree simptica, sempre de olho na qualidade dos produtos e transmitindomensagens que tenham finalidade educativa (ibidem), foi criado opersonagem do indiozinho Chau. Inspirado nos ndios Charruas, essa

    figura, desenhada no estilo d e uma charge, mostra um a criana sorrind o,descala, sem camisa, de cala marrom, de cabelo liso, preto, preso por umatesteira e enfeitada por u ma pena nas cores do estado. Na mo esquerda, oindiozinho Chau est seguran do trs bolas de boleadeiras, a outra estestend ida nu m gesto de boas-vindas.

    A luta, a resistncia encontrou u ma releitura n o nome do Charrua13Rugby Clube, fun dado em 2001, na capital gacha . O escud o do clube

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    11. http:/ / www .radiocharrua.com.br/ dados.htm

    12. http:/ / www .charrua.com.br/13. http:/ / ww w.charruarugby.com/

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    representa a cabea de um hom em d e perfil, olhar srio, as faces cavadas,cabelo negro, longo at a nuca, nariz grande e curvad o e com u m leno nacabea. Esse logo remete figura trad icional do gacho, misturad o com oindgena norte-americano estereotipado nos filmes de Hollywood dasdcadas d e 1940-50.

    A d estreza dos Charruas como m ateiros, seu conhecimento da vidanatu ral e sua habilidade de sobrevivncia em campo, deve ter servido d einspirao ao nome de um grupo de escoteiros chamados de Galera

    14Charruas, que existe em Porto Alegre h 85 anos .A aquarela publicada por Jean Baptiste Debret, que mostra um

    grup o de guerreiros Guaicuru , foi emp restada e retrabalhad a por d iversosdesigners e artistas contemporneos. A imagem desses famosos ehabilidosos cavaleiros aparece como logomarca de uma distribuidora de

    15refrigerantes e gua m ineral, alm d e hotis e restauran tes .

    O heri ressuscitado

    Hoje em dia, h pessoas que se identificam como Charruas oudescendentes dos mesmos, reforando assim uma continuidade tnica,buscando nos seus ancestrais, remanescentes dos chamados ltimosCharruas. Algun s, como anteriormente exposto, romp em comp letamentecom um passado gentico e cultural indgena. Outros entendem osCharruas como mega-smbolo nacional, que sustenta uma identidadecomp osta por fragmentos do passado, tanto ind gena quan to europ eu, massem uma ligao direta de parentesco, j que os ltimos Charruas, comomuitas outras etnias sofreram genocdio.

    Aproximad amente d esde o incio da dcada de noventa do sculo

    passado, as pesquisas sobre os Charruas ganharam novos argumentos,principalmente em funo de novas fontes. Anlises do DNA empopulaes uruguaias e gachas revelam um porcentual variado, massignificativo de descendncia indgena, desmistificando assim a origemquase exclusivamente ibrica da p opulao u ruguaia (Sans, (s. d .); Sans, etal., 1997). Com o retorno d os restos mortais do cacique Charrua VaimacaPer para o Urugu ai em 2002, que estavam no Museu d o Hom em em Paris

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    14. http:/ / ww w.gecharru as.ubbi.com.br/15. http:/ / ww w.charruahotel.com.br/

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    desde sua morte em 1833, o ltimo Charrua d esencadeou um a srie deacalorados debates sobre a identidade Charru a. Pessoas que se identificamcomo descendentes de Charru as, ou que simp atizam com esta idia, estose agrupando em estruturas tribais como, por exemplo, a ComunidadCharra Basquad Inchal ou a aldeia Polidoro Povo Charrua emViamo. Os novos Charruas criticam as pesquisas arqueolgicas eantropolgicas no nordeste uruguaio, na regio da Laguna Mirin, comosendo desconexas da etnia Charrua. No artigo de Mnica MichelenaUruguay: Tierra charra desde la prehistoria hasta nuestros das,pu blicado nu m site da internet, a autora qu estiona essa maneira de fazer

    histria contestand o que los arqu elogos no relacionan esta cultura con lade los indgenas que encontr el espaol en el mom ento de su llegada aestas tierras, a pesar que los testimonios arqueolgicos encontrad os (pun tasde flecha, boleadoras y m orteros de p iedra, trozos de cermica) son igualesa los utilizados p or los pueblos de la Macroetnia Charra (chans, yaros,

    16minuanes, charras propiamente dichos entre otros) .Conforme pesqu isas recentes da geneticista Maria Ctira Bortolini

    et al. (2003) o DNA d e alguns segmentos das pop ulaes no sul do estado d oRio Grand e do Sul podem fornecer novos dad os para entend er os Charruas,parcialidades sup ostamente extintas no comeo d o sculo XIX.

    Concluindo

    Estas diferentes interpretaes da histria do povoamento daregio platina tm em comum que seus contedos so constantementereorganizados, conforme a vontade dos narrad ores. De forma cuidadosa eseletiva, historiadores e arquelogos escolhem, da vasta quantidade de

    indcios disponveis, determinados acontecimentos, selecionam e criampersonagens, ignoram outros, organizam todos esses elementos e dados,com a principal finalidade de reunir, agregar pessoas. Essas narrativassintonizam e alimentam as relaes sociais e formam u ma base imp ortantede um sentimento d e cultura e de uma histria comp artilhada. O temp o manipulado, acelerado ou esticado, mitos so contados, herishomenageados, para consolar as p essoas que necessitam de comp reenso epara ajud-los a entend er suas tragd ias, seus sofrimentos, suas derrotas e,

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    16. http:/ / ww w.servindi.org/ sp/ opinion/ Op_Uru_1.htm

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    porque no, suas vitrias.No processo de construo da memria, qual a importncia da

    Arqu eologia? Cacos de cermica, fragmentos lticos, loua, vidro, ped aosde metal enferrujado, enfim, o lixo de pessoas que morreram h muitosanos, o que tudo isso tem a ver com identidade e qual o papel doarqu elogo? A Arqueologia contribui com a manu teno dessa histria. Elamarca, atravs do seu conhecimento da cultura material e da cronologia,territrios e preenche esse espao com gente, com naes, culturas,trad ies, fases, raas, sociedades e etnias (Hilbert, 2007, 2009).

    Unidades tnicas, como tribos e povos, criam seu p rprio sentido

    de identidade atravs de um conjunto especifico de comportamentocoletivo, que pode manifestar-se tambm em objetos materiais. Emperodos pr-histricos, tais unidades tnicas, suas origens, seudesenvolvimento e desaparecimento, somente podem tornar-se acessveisatravs d e fontes arqu eolgicas, sem que se tenha certeza da existncia d euma relao entre esses grupos arqueologicamente detectveis e taisunidades tnicas. A Arqu eologia fornece testemu nhos, objetos do passadoque, ao inverso d as crnicas histricas e das lendas, so palpveis, e por isso,aparentem ente, objetivos. Foi justamente essa aparente objetividade qu e fezcom qu e a Arqu eologia tenha sido, desde o incio, uma cincia com fortestend ncias ideolgicas.

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    Penitncia e flagelao nosculo XXI: Cariri cearense e

    picaos riojanos1Mario Helio Gomes de Lima

    tema d a penitncia d emasiado amplo, e est conectado a outros

    ainda mais extensos e universais, como a dor, a prova, a culpa e

    O suas simbolizaes. Neste artigo, a abordagem se limitarintroduzir dois exemp los de cerimnias de flagelao pblica praticadas noCear (Nordeste, Brasil) e em San Vicente d e la Sonsierra (Rioja, Espanha).Para o exame de rituais assim pode ser til empregar um pouco

    2daquela suspenso deliberada d a descrena a qu e se referiu Coleridge . Eum a atitude emp tica e ativamente interessada, como sugerida por Gilberto

    3Freyre . A capacidade que se espera de quem se aproxima d os mitos e

    smbolos para compreend-los no difere muito daquela desejvel no4estudo d os ritos inslitos e que parecem deslocados no tempo e no espao .

    1. Coordenad or-geral da Editora Massangana/ Fund ao Joaquim N abuco (MEC).2. O poeta romntico ingles comen ta isto em sua Biographia Literaria: In th is idea or iginatedthe p lan of the 'Lyrical Ballads'; in wh ich it was agreed that m y end eavours sh ould be directedto persons and characters supernatural, or at least romantic; yet so as to transfer from ourinward nature a human interest, and a semblance of truth sufficient to procure for theseshadows of imagination that w illing su spension of disbelief for the m oment, w hich constitutespoetic faith.

    3. Gilberto Freyre trata d a empatia, para o fim que n os interessa, no livro Problemas brasileirosde an tropologia, exemplificand o o seu u so por escritores como Proust e antrop logos comoMargaret Mead , mas alerta: a emp atia de uso p erigoso na cincia e na histria que pretendeser cientfica, justam ente p or ser um pod er p otico, fcil de alongar-se em fantasia ou capr ichopessoal. Quan do, porm, o personalismo para que resvala