Arquitetura Da Felicidade

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7/27/2019 Arquitetura Da Felicidade http://slidepdf.com/reader/full/arquitetura-da-felicidade 1/1  Brasil, 12 de Agosto de 2007 Principal Política Economia Brasil Mundo Minas Esportes Cinema Cultura Classificados Classificados Notícia Plural Info.com Programinha Brasília Domingo Turismo Veículos Sabor Eu acredito  Colunistas Fale conosco Como anunciar Assinaturas Clube de assinantes Expediente Medicina e Saúde Prof. Helinho Roteiro Cultural Lazer Obituário OAB Empregos Dia : 01 Mês : Jan Ano : 2007  Ir  DÓLAR Comercial Compra: 1,9490 Venda: 1,9510 Paralelo Compra: 1,9900 Venda: 2,0900 Turismo Compra: 1,9300 Venda: 2,0800 [email protected]  Arquitetura da felicidade Fernando Pinho Meses atrás, me irritei profundamente ao ouvir, pela enésima vez, o que todos certamente já ouviram: «Gosto não se discute!». Depois de visitar um imóvel comercial que havia projetado há anos, me deparei com mudanças «estéticas» feitas pelo próprio gerente do estabelecimento sob a alegação de que era necessária uma revitalização estética do espaço. E, alegando ter autoridade suficiente, decretou o que deveria ser feito e ponto final. Saí de lá com grande sensação de impotência, pois meu discurso acadêmico certamente não encontraria eco diante de tão pragmaticamente consolidada. Mas posso afirmar: gosto se discute sim! O mais recente livro de Alain de Botton, suíço radicado em Londres, adepto da «Nova Filosofia», fala exatamente disso. A «Arquitetura da Felicidade» (Rocco) está em 10º lugar (não-ficção) no ranking brasileiro dos livros mais vendidos. O fato me parece alvissareiro, pois trata-se de assunto de interesse, até então, restrito aos «iniciados». A literatura, de maneira geral, trata arquitetura como se fosse matéria muito distante das necessidades e compreensão do cidadão. Não sei se por ignorância ou egocentrismo, nós, arquitetos contemporâneos, não fomos capazes de desenvolver um discurso palpável e claro capaz de esclarecer aos leigos conceitos básicos sobre a «boa arquitetura» (e do bom design e arte). Pois Botton, surpreendentemente claro e fundamentado, analisa e dá argumentos para possibilitar esse julgamento, sem pretender estabelecer normas simplistas e superficiais. Analisando aspectos da filosofia, psicologia e história da arquitetura, traça parâmetros para o debate (considerado inútil por muitos arquitetos e teóricos) acerca da beleza arquitetônica e do que isso representou e representa para o homem civilizado: «A premissa para se acreditar na importância da arquitetura é a noção de que somos, queiramos ou não, pessoas diferentes em lugares diferentes - e a convicção de que cabe à arquitetura deixar bem claro para nós quem poderíamos idealmente ser». Por outro lado, «repetindo a atitude dos filósofos estóicos, talvez nos vejamos argumentando que, em última instância, não importa muito a aparência dos prédios, o que está no teto ou como a parede é tratada - confissões de desapego que se originam não tanto de uma insensibilidade ao que é belo quanto do desejo de afastar a tristeza que teríamos de enfrentar ficando expostos às muitas ausências de beleza». Interessante notar que por mais de mil anos descontínuos da história ocidental, um prédio bonito era sinônimo de construção clássica. Os gregos deram origem ao estilo, os romanos o copiaram e desenvolveram e, depois de um intervalo de uns mil anos, as classes educadas da Itália renascentista o redescobriram. No Renascimento, a ambição codificadora atingiu o apogeu com a publicação do «The Four Books of Arqhitecture» (1570) por Andrea Palladio, talvez a tentativa ocidental mais influente de expor de forma sistemática os segredos dos prédios bem-sucedidos. Veio a revolução industrial com novas tecnologias e materiais e a idéia de que a beleza estava nas soluções técnicas, na busca de cumprir bem as funções de abrigar e resolver as necessidades do homem. O Modernismo, principalmente com Le Corbusier, procurou levar essa idéia às últimas conseqüências. «Apesar de suas pretensões a uma abordagem puramente científica e racional, a relação dos arquitetos modernistas com seu trabalho continuava sendo em essência romântica: eles procuravam sustentar com a arquitetura um estilo de vida que lhes agradava. Seus prédios domésticos eram concebidos como palcos para atores num drama idealizado sobre a existência contemporânea». Uma das passagens mais divertidas do livro é quando Botton conta que em setembro de 1936, seis anos depois do término oficial da construção da Villa Savoye, um dos mais marcantes projetos de Corbusier, Madame Savoye resumia os seus sentimentos sobre o desempenho da cobertura plana numa carta: «Está chovendo no hall, está chovendo na rampa e a parede da garagem está totalmente encharcada. E o que é pior: continua chovendo no meu banheiro, que inunda com o mau tempo, pois a água passa através da clarabóia». Talvez o conceito mais importante do livro é que a arquitetura pode não ser suficiente para nos transformar em pessoas melhores e virtuosas, porém, ela tem a capacidade de nos emocionar exatamente quando expressa conceitos pelos quais gostaríamos de ser reconhecidos. E para concluir: «Podemos aprender a defender ou atacar um conceito de beleza do mesmo modo que podemos defender ou atacar uma posição legal ou atitude ética... A noção de que as construções falam nos ajuda a colocar no centro das nossas charadas arquitetônicas a questão dos valores segundo os quais queremos viver - e não meramente como queremos que as coisas pareçam». Aos interessados, recomendo: leiam! Fernando Guimarães Campos de Pinho é arquiteto. E-mail: [email protected] < Outras notícias do caderno > - Coluna de Cristiane Cardoso - Coluna de Danilo Gomes - Coluna de Valério Neder - Coluna de Cibele Ruas - Coluna de Aristóteles Drummond Imprima esta notícia Página anterior  Sugira uma matéria. Clique aqui  Cadastre-se aqui para acessar o conteúdo Esqueci minha senha Editorial Charges Artigos Leia Envie a sua  Tratamento diferenciado (foro privilegiado) para autoridades. Você é... A favor Contra Resultados Votar Principal Fale conosco Como anunciar Assinaturas Clube de assinantes Expediente @copyright 2006. Todos direitos reservados para Hoje em dia. 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Meses atrás, me irritei profundamente ao ouvir, pela enésima vez, o que todoscertamente já ouviram: «Gosto não se discute!». Depois de visitar um imóvelcomercial que havia projetado há anos, me deparei com mudanças «estéticas» feitaspelo próprio gerente do estabelecimento sob a alegação de que era necessária umarevitalização estética do espaço. E, alegando ter autoridade suficiente, decretou o quedeveria ser feito e ponto final. Saí de lá com grande sensação de impotência, poismeu discurso acadêmico certamente não encontraria eco diante de tãopragmaticamente consolidada. Mas posso afirmar: gosto se discute sim! O maisrecente livro de Alain de Botton, suíço radicado em Londres, adepto da «NovaFilosofia», fala exatamente disso.A «Arquitetura da Felicidade» (Rocco) está em 10º lugar (não-ficção) no rankingbrasileiro dos livros mais vendidos. O fato me parece alvissareiro, pois trata-se deassunto de interesse, até então, restrito aos «iniciados». A literatura, de maneirageral, trata arquitetura como se fosse matéria muito distante das necessidades ecompreensão do cidadão. Não sei se por ignorância ou egocentrismo, nós, arquitetoscontemporâneos, não fomos capazes de desenvolver um discurso palpável e clarocapaz de esclarecer aos leigos conceitos básicos sobre a «boa arquitetura» (e dobom design e arte).

Pois Botton, surpreendentemente claro e fundamentado, analisa e dá argumentospara possibilitar esse julgamento, sem pretender estabelecer normas simplistas esuperficiais. Analisando aspectos da filosofia, psicologia e história da arquitetura,traça parâmetros para o debate (considerado inútil por muitos arquitetos e teóricos)acerca da beleza arquitetônica e do que isso representou e representa para o homemcivilizado: «A premissa para se acreditar na importância da arquitetura é a noção deque somos, queiramos ou não, pessoas diferentes em lugares diferentes - e aconvicção de que cabe à arquitetura deixar bem claro para nós quem poderíamosidealmente ser».Por outro lado, «repetindo a atitude dos filósofos estóicos, talvez nos vejamosargumentando que, em última instância, não importa muito a aparência dos prédios, oque está no teto ou como a parede é tratada - confissões de desapego que seoriginam não tanto de uma insensibilidade ao que é belo quanto do desejo de afastara tristeza que teríamos de enfrentar ficando expostos às muitas ausências debeleza».Interessante notar que por mais de mil anos descontínuos da história ocidental, umprédio bonito era sinônimo de construção clássica. Os gregos deram origem ao estilo,os romanos o copiaram e desenvolveram e, depois de um intervalo de uns mil anos,as classes educadas da Itália renascentista o redescobriram. No Renascimento, aambição codificadora atingiu o apogeu com a publicação do «The Four Books ofArqhitecture» (1570) por Andrea Palladio, talvez a tentativa ocidental mais influente

de expor de forma sistemática os segredos dos prédios bem-sucedidos.Veio a revolução industrial com novas tecnologias e materiais e a idéia de que abeleza estava nas soluções técnicas, na busca de cumprir bem as funções de abrigare resolver as necessidades do homem. O Modernismo, principalmente com LeCorbusier, procurou levar essa idéia às últimas conseqüências. «Apesar de suaspretensões a uma abordagem puramente científica e racional, a relação dosarquitetos modernistas com seu trabalho continuava sendo em essência romântica:eles procuravam sustentar com a arquitetura um estilo de vida que lhes agradava.Seus prédios domésticos eram concebidos como palcos para atores num dramaidealizado sobre a existência contemporânea».Uma das passagens mais divertidas do livro é quando Botton conta que em setembrode 1936, seis anos depois do término oficial da construção da Villa Savoye, um dosmais marcantes projetos de Corbusier, Madame Savoye resumia os seus sentimentossobre o desempenho da cobertura plana numa carta: «Está chovendo no hall, estáchovendo na rampa e a parede da garagem está totalmente encharcada. E o que épior: continua chovendo no meu banheiro, que inunda com o mau tempo, pois a águapassa através da clarabóia».Talvez o conceito mais importante do livro é que a arquitetura pode não ser suficientepara nos transformar em pessoas melhores e virtuosas, porém, ela tem a capacidadede nos emocionar exatamente quando expressa conceitos pelos quais gostaríamosde ser reconhecidos. E para concluir: «Podemos aprender a defender ou atacar umconceito de beleza do mesmo modo que podemos defender ou atacar uma posiçãolegal ou atitude ética... A noção de que as construções falam nos ajuda a colocar nocentro das nossas charadas arquitetônicas a questão dos valores segundo os quaisqueremos viver - e não meramente como queremos que as coisas pareçam».Aos interessados, recomendo: leiam!

Fernando Guimarães Campos de Pinho é arquiteto.E-mail: [email protected]

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