Arrumador de contêiner

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ABRIL / 2012 88 REVISTA PROTEÇÃO ERGONOMIA Análise ergonômica da atividade sugere adaptação do ambiente e processos Arrumador de contêiner Estima-se que existam hoje no Brasil cerca de três milhões de trabalhadores a- vulsos fora da zona portuária, contra 1,2 milhão na zona portuária do Estado de São Paulo. Deste montante 1.500 estão asso- ciados ao Sintrammar (Sindicato dos Tra- balhadores na Movimentação de Merca- dorias em Geral e dos Arrumadores) e 3.500 trabalham de forma informal no município de Santos/SP. Apesar de sua relevância no âmbito portuário e fora dele, a atividade portuária ainda é motivo de polêmica no quesito condições humanas de trabalho. À medida em que o comércio e os siste- mas de transporte de mercadorias se de- senvolveram modificaram-se também as relações custo-benefício. Com o aumento da exportação e a oscilação do dólar, pro- dutores passaram a exigir uma quantida- de cada vez maior de produtos dentro dos contêineres, dando mais trabalho aos ar- rumadores, o que acaba por repercutir em sua saúde e em aumento dos acidentes. Com o tempo, a Norma Regulamenta- dora Nº 11 (Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais) estabelecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, acabou ficando desatualizada diante das mudanças nas formas de trans- porte impulsionadas pelo crescimento e- conômico mundial. A tarefa de estufagem de contêiner, por exemplo, não é contem- plada na NR 11. A necessidade de adequa- ção vem ao encontro da evolução históri- ca bem como ao alto índice de acidentes e más condições de trabalho verificados na categoria. Tendo em vista esta realidade, o Sin- trammar solicitou a realização de uma AET (Análise Ergonômica do Trabalho) dos arrumadores na estufagem de sacas de café e açúcar. O sindicato tinha como objetivo entrar com pedido de alteração da norma junto ao MTE, procurando limi- tar a quantidade de sacas exigidas em cada contêiner. A falta de uma regulamen- tação faz com que muitas empresas deter- Maisa Isabel D’Elia - Terapeuta ocupacional com especialização em Ergonomia pela Politécnica-USP. [email protected] Maisa Isabel D’Elia ARQUIVO PROTEÇÃO minem o condicionamento de mais de 330 sacas de café e 540 sacas de açúcar nos contêineres, tornando a operação ainda mais complexa e colocando em risco a saúde psico-fisiológica dos arrumadores. Além disso, a atividade apresenta sazo- nalidade, sendo que nos períodos de alta dos produtos exige intensificação do tra- balho dos arrumadores e, consequente- mente, ocorre aumento no índice de aci- dentes. ATIVIDADE TIVIDADE TIVIDADE TIVIDADE TIVIDADE Os arrumadores de contêineres que par- ticiparam do estudo possuem larga expe- riência na atividade (acima de 15 anos). Vários deles esperam se aposentar quan- do possível, mas muitos se mantêm na

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ERGONOMIA

Análise ergonômica da atividade sugere adaptação do ambiente e processos

Arrumador de contêiner

Estima-se que existam hoje no Brasilcerca de três milhões de trabalhadores a-vulsos fora da zona portuária, contra 1,2milhão na zona portuária do Estado de SãoPaulo. Deste montante 1.500 estão asso-ciados ao Sintrammar (Sindicato dos Tra-balhadores na Movimentação de Merca-dorias em Geral e dos Arrumadores) e3.500 trabalham de forma informal nomunicípio de Santos/SP. Apesar de suarelevância no âmbito portuário e fora dele,a atividade portuária ainda é motivo depolêmica no quesito condições humanasde trabalho.

À medida em que o comércio e os siste-mas de transporte de mercadorias se de-senvolveram modificaram-se também asrelações custo-benefício. Com o aumentoda exportação e a oscilação do dólar, pro-dutores passaram a exigir uma quantida-de cada vez maior de produtos dentro doscontêineres, dando mais trabalho aos ar-rumadores, o que acaba por repercutir emsua saúde e em aumento dos acidentes.

Com o tempo, a Norma Regulamenta-dora Nº 11 (Transporte, Movimentação,Armazenagem e Manuseio de Materiais)estabelecida pelo Ministério do Trabalhoe Emprego, acabou ficando desatualizadadiante das mudanças nas formas de trans-porte impulsionadas pelo crescimento e-conômico mundial. A tarefa de estufagemde contêiner, por exemplo, não é contem-plada na NR 11. A necessidade de adequa-ção vem ao encontro da evolução históri-ca bem como ao alto índice de acidentese más condições de trabalho verificadosna categoria.

Tendo em vista esta realidade, o Sin-trammar solicitou a realização de umaAET (Análise Ergonômica do Trabalho)dos arrumadores na estufagem de sacasde café e açúcar. O sindicato tinha comoobjetivo entrar com pedido de alteraçãoda norma junto ao MTE, procurando limi-tar a quantidade de sacas exigidas emcada contêiner. A falta de uma regulamen-tação faz com que muitas empresas deter-

Maisa Isabel D’Elia - Terapeuta ocupacional comespecialização em Ergonomia pela Polité[email protected]

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minem o condicionamento de mais de 330sacas de café e 540 sacas de açúcar noscontêineres, tornando a operação aindamais complexa e colocando em risco asaúde psico-fisiológica dos arrumadores.Além disso, a atividade apresenta sazo-nalidade, sendo que nos períodos de altados produtos exige intensificação do tra-balho dos arrumadores e, consequente-

mente, ocorre aumento no índice de aci-dentes.

AAAAATIVIDADETIVIDADETIVIDADETIVIDADETIVIDADEOs arrumadores de contêineres que par-

ticiparam do estudo possuem larga expe-riência na atividade (acima de 15 anos).Vários deles esperam se aposentar quan-do possível, mas muitos se mantêm na

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ativa por causa de sua condição socioe-conômica. Apenas os trabalhadores con-tratados pelas empresas de café têm vín-culo empregatício, o restante são tra-balhadores avulsos, sem nenhum víncu-lo empregatício. O sindicato é responsá-vel por gerenciar os contratos de traba-lho.

Anteriormente, toda a movimentaçãoda mercadoria era feita pelos arrumado-res nos armazéns, independentemente dademanda da exportação. Cerca de 80% dobeneficiamento de café era realizado naBaixada Santista, que contava com 33 ar-mazéns. Atualmente há apenas cinco ar-mazéns beneficiando para este fim, o res-tante já vem em contêineres do interiorde São Paulo, com até 350 sacas. Essa mu-dança gerou uma diminuição de um ter-

ço na demanda de trabalho para os arru-madores na entressafra. Onde anterior-mente trabalhavam 2.000 homens, hojeatuam 600. Em Santos, o trabalho com oaçúcar é realizado just in time, vem dire-to do produtor para a estufagem de con-têiner. Assim, ganham apenas uma movi-mentação ou vão diretamente para o em-barque no navio.

Os contratos de serviços são feitos pormeio de negociação com as empresas,considerando a convenção do sindicato.As tabelas de preço variam conforme aatividade e o produto. O trabalho dos arru-madores varia em item, valor e categoriza-ção do serviço. Raramente a atividade dearmazenagem de café tem apenas um oudois itens, sendo que o trabalhador ga-nha duas ou três vezes a mais pelas tare-

fas executadas. No açúcar, na farinha eno fertilizante é apenas um item, mas ovalor é diferenciado. Na estufagem deaçúcar e café, ganha-se por contêiner fe-chado.

Apesar de não existir uma meta con-tratual, o trabalho é intensificado pelo ar-rumador, pois como este não tem um salá-rio estabelecido, cada saca a mais na altada safra acresce o valor do salário men-sal. No entanto, representa, muitas vezes,menos saúde para o profissional. Para aempresa, essa atitude é vantajosa, pois ge-ra aumento da produção. No fim do diasão apurados o número de sacas movi-mentadas e de tarefas e subtarefas execu-tadas. Os valores das taxas são somadose divididos pelo número de arrumadores.São taxas distintas, mas todos os traba-lhadores recebem igualmente.

NÚMEROSNÚMEROSNÚMEROSNÚMEROSNÚMEROSPor meio de levantamento de dados no

período de 2000 a 2004, observou-se queo aumento da produção refletiu em ummaior índice de acidentes, como é possívelverificar no Gráfico 1, Dados de produção,e no Gráfico 2, Acidentes com arrumadores.

Os números revelam que a produção deaçúcar vem registrando maior número de

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acidentes, devido ao risco de queda dosblocos, já que as sacas não emitem ne-nhum sinal a não ser a sensibilidade e apercepção tátil dos pés descalços dos tra-balhadores. Esses acidentes também es-tão relacionados à sazonalidade.

Apesar de não haver um índice signifi-cativo de doenças ocupacionais, obser-vou-se nos dados de produtividade que aatividade de cada arrumador na armaze-nagem, desarmazenagem ou estufagem éexaustiva. A carga levantada por arruma-dor pode chegar a 45 toneladas por ter-no, conforme exposto na Tabela 1, Carre-gamento e descarregamento, e na Tabela2, Estufagem de contêiner.

Dos dados observáveis da produção,constata-se que a demanda do Sintrammarestá ligada principalmente ao crescente au-mento da quantidade de sacas por contêi-ner, aumento de acidentes de trabalho,desconforto físico e sofrimento psíquicodos trabalhores, planejamento da opera-ção não condizente com a realidade dotrabalho, layout inadequado dos arma-zéns, e relação conflituosa entre setoresadministrativos e operação, que somadoao cansaço e à desorganização da opera-ção gera, muitas vezes, abandono do tra-balho.

OPERAÇÃOOPERAÇÃOOPERAÇÃOOPERAÇÃOOPERAÇÃOO planejamento operacional sempre é

feito pela empresa contratante, que di-mensiona o pessoal conforme a demandade seus clientes. A partir da escala, os ar-rumadores se dirigem ao local de traba-lho. Lá a equipe que compõe o terno defi-ne qual será a função de cada arrumador(ajudante ou empilhador) e o local especí-fico em que este trabalhará. A escolha éum processo natural, em que cada um sa-be sua função, porém sempre se revezamnas atividades.

A quantidade de equipamentos e ferra-mentas para a operação é dimensionadapelos arrumadores. Na movimentação decarga, eles usam o que quiserem e a em-presa deve ter os equipamentos e ferra-mentas necessárias. A operação pode serfeita em armazéns, terminais fora da zonaportuária e terminais ferroviários. Nos ter-minais ferroviários, no entanto, não hámaquinários adequados e a movimenta-ção dos arrumadores dentro dos termi-nais é difícil, pois o espaço dos trilhos éutilizado para montar os blocos de açú-

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car.Os trabalhadores referem que a descar-

ga de vagão é um trabalho perigoso, comrelação à disposição das dalas (esteirasrolantes) no local e a necessidade de ali-nhar o vagão no trilho em frente ao termi-nal. Os arrumadores fazem uma alavancapara movimentar o vagão sobre o trilho,no local determinado.

Para a arrumação do contêiner, é neces-sário realizar um processo anterior queconsiste em confeccionar os blocos nosarmazéns, que precisam ser bem planeja-dos e organizados para garantir seguran-ça operacional e produtividade satisfató-ria. Os arrumadores reúnem cinco sacas,uma em cima da outra, o que facilita nahora de retirá-las. Se as sacas forem tran-çadas desde embaixo, o processo de des-manche é mais difícil. A trança deve come-çar da quinta saca para cima até o final,sustentando o bloco. Se as sacas foremvelhas, é necessário colocar capas paradar estabilidade ao bloco. O tamanho dosblocos varia de acordo com a quantidadede café ou açúcar.

Quando o arrumador coloca a saca nobloco de café, este balança, dando certezade que o bloco está seguro. Se não balan-çar, os arrumadores param, pois há riscode o bloco cair. Caso o bloco caia, os ar-rumadores o refazem e recebem por essetrabalho se tiverem colocado as capas. Senão as colocaram, e o bloco cair antes de24 horas, o trabalho extra não terá remu-neração. Já na confecção dos blocos deaçúcar, estes não podem balançar e seulastro é muito maior do que o do café. Osarrumadores fazem uma base de 20 por20 sacas. No café, o maior lastro chega a14 por 14 sacas e o menor, 5 por 5 sacas.

DIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADESPor meio dos dados levantados junto ao

Sintrammar, com os trabalhadores e pormeio da observação, pode-se verificar que:

a) Há exigência de grande esforço físicopara realizar a tarefa;

b) A atividade é repetitiva e requer ex-celente capacidade aeróbica por causa dodesgaste energético;

c) A fuligem do café causa problemasrespiratórios e o melado do açúcar elevao risco da ocorrência de quedas;

d) Em dias de temperatura elevada, ocalor é intenso no trabalho exercido forados armazéns, nas ferrovias e nos própri-os contêineres. Já em dias chuvosos, ape-sar dos toldos fornecidos pela empresa pa-ra cobrir o espaço de carregamento e des-carregamento, há maior risco de quedaspelo piso molhado;

e) A falta de treinamento dos novosarrumadores dificulta a tarefa da estufa-gem, ocasionando retrabalho e dificultan-do o fechamento do contêiner;

f) Quando o trabalho é executado comdalas, o ruído é constante e há dificulda-de de movimentá-las dentro do armazém;

g) Na colocação máxima de 540 sacasde açúcar, só é possível finalizar a tarefacom auxílio de uma madeira. No caso denão caberem as 540 sacas ou se houver er-ro na contagem, o retrabalho é inevitável,muitas vezes sem que haja ganho para isso;

h) Os arrumadores não fazem a conta-gem, e sim o supervisor da empresa con-tratante. Segundo eles seria impossívelque fizessem a contagem pois estão “coma cabeça voltada para o trabalho”;

i) Os arrumadores utilizam a sensibilida-de tátil, auditiva, visual e proprioceptivapara realização do trabalho e, por esse mo-tivo, não há Equipamentos de ProteçãoIndividual. Eles alegam que deixariam deperceber o movimento dos blocos e queisso impediria a antecipação do acidente,se estivessem usando calçados de segu-rança ou protetores auriculares. Nemmesmo calçados são utilizados, pois se-gundo os trabalhadores, os grãos de caféentram nos calçados ocasionando feri-mentos nos pés.

Considerados estes aspectos, percebe-se que há grande risco de acidentes e deadoecimento na atividade.

FFFFFAAAAATORESTORESTORESTORESTORESO levantamento excessivo de carga que

causa desgaste físico somado à repetiçãoda tarefa, à intensificação do trabalho, àsdificuldades do ambiente físico levam àdiminuição da concentração do trabalha-dor e aumentam as chances de acidentesde trabalho. Além disso, a condição econô-mica dos arrumadores faz com que a sujei-ção às tarefas de riscos eminentes e preju-diciais à saúde seja uma dura realidade,levando também ao sofrimento psíquico.

Em suma, pode-se afirmar que os prin-cipais fatores que contribuem para a mácondição de trabalho e a ocorrência deacidentes na atividade de arrumador decontêiner são: a forma de remuneração, aintensificação do trabalho, a organizaçãodo trabalho (número cada vez maior desacas), a sazonalidade das safras (princi-palmente do açúcar), o ambiente de tra-balho (pó da saca de café, melaço do açú-car) e as condições meteorológicas.

A atividade física dos arrumadores ul-trapassa os limites de força muscular eamplitude articular, além de exigir postu-ras inadequadas. Também requer do tra-balhador percepção sensório-motora,muita atenção, concentração, podendo le-var ao sofrimento psíquico. A falta de em-pregos leva o trabalhador à submissão, ea sazonalidade da profissão prejudica aestabilidade econômica dos arrumado-res.

Como anteriormente destacado, o pla-nejamento da tarefa prescrita da estufa-gem não condiz com a tarefa real, dificul-tando a colocação da última fiada (filei-ra)e fechamento de contêiner. Há aindarisco constante de quedas e acidentes. Noambiente físico são problemas perceptí-veis: o ruído, a fuligem, o melaço, a ilumi-nação e a ventilação.

Pode-se observar, na atividade, variá-veis na operação que interferem no tra-balho e na produtividade. Por exemplo, acondição socioeconômica dos arrumadorese a organização informal e pouco estrutu-rada da escala.

Os acidentes e doenças ocupacionaislevantados podem ser provenientes donúmero de horas trabalhadas, multiplica-das pela quantidade de sacas carregadase pelo peso das mesmas; da intensifica-ção do trabalho pela sazonalidade e pelobaixo salário recebido por item executa-do nas tarefas, e dos limites estabelecidosrelativos aos números de fiadas nos con-têineres.

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Por meio do estudo, foram realizadasentrevistas com trabalhadores quando ob-servou-se o momento em que é feita a es-cala, além dos postos de trabalho: de estu-fagem de açúcar realizada no terminal ede estufagem de café realizada no arma-zém. Cada operação possui situações dis-tintas, variando conforme volume, peso,tipo de carga, situação no local, tipos deequipes, relações entre colegas, conferen-tes, supervisores.

Os arrumadores chegam ao local doponto a partir das 6 horas da manhã e a-guardam as informações sobre o trabalhoe a escala organizada. Na primeira con-vocação, o diretor do sindicato chama onúmero do fiscal que se encontra no qua-dro negro e pede sete arrumadores paraum armazém. O fiscal apresenta-se, ostrabalhadores se aproximam com asmãos levantadas e o fiscal inicia a escolhada equipe, cujos membros expressamsatisfação e alívio por terem sido escolhi-dos.

Foi perguntado ao fiscal como é feita aescolha, de modo que ele respondeu: “Le-vo os companheiros de trabalho. Os queeu levar hoje, amanhã sobem aí e me le-vam. Os que nunca me levaram, eu tam-bém deixo de levar. O trabalho aqui é co-mo na estiva, é tudo no grito”. Apesar daênfase do discurso do fiscal, os trabalha-dores afirmam que não há uma “competi-ção” entre eles. “Todos acomodam, poisos que não saírem hoje, sairão amanhã”.“Eu vim porque era pra ser fiscal, mas elenão veio hoje, aí pula para o número se-guinte. Se ele vem, eu estou empregado.A gente é uma equipe, se o fiscal não vem,a viagem e o dinheiro da condução sãoperdidos”.

Observação sistemáticaLevantamento e manuseio de sacas excede capacidade humana

HUMILHANTEHUMILHANTEHUMILHANTEHUMILHANTEHUMILHANTEDos 100 homens presentes neste dia,

apenas 40% foram escalados para o ser-viço. Segundo os arrumadores, em épocade safra alta podem ser escolhidos até 500homens e ainda assim “sobra trabalho”.Por outro lado, quando a safra é fraca, oarrumador só consegue trabalhar 15 diaspor mês, se for associado. Já os novatosdizem que cinco dias é muito.“Na safrado açúcar tem pra todo mundo, até faltatrabalhador. É a época que fica todo mun-do sorrindo, alegre, até nossas esposas efilhos. É um mês com Deus, outro com oDiabo”, revelou um dos trabalhadores.

Existem ainda fatores intrínsecos à or-ganização da escala, como a sujeição dostrabalhadores diante do dilema social, anão valorização do trabalho, a sazonali-dade das safras e a falta de normatizaçãona escala. Levando-se em consideraçãoestes aspectos e o funcionamento da es-cala, é possível verificar certo constran-gimento nos gestos dos arrumadores,quando levantam suas mãos e chamampelo fiscal. Os próprios relatam ser umaforma humilhante de escala “A gente ficaaqui desprezado”. “O empresário hoje nãoprecisa de nós, nós é que precisamosdele”. O fiscal pode ficar entre os traba-lhadores que serão escolhidos, mesmo seseu número for o próximo. Porém se forescolhido, quando chegar o seu númeroserá pulado e só retornará quando passarpor toda a sequência novamente.

CARREGAMENTOCARREGAMENTOCARREGAMENTOCARREGAMENTOCARREGAMENTOA observação da estufagem de açúcar

foi feita no terminal. A atividade iniciouàs 7 horas e terminou às 16 horas comdireito a uma hora de almoço. Foram car-

regados 12 contêineres, com 540 sacas ca-da um, por dois ternos compostos de doisarrumadores sobre o caminhão e cinco ar-rumadores estufando o contêiner.

A estufagem de café foi observada emum armazém para estufagem de cincocontêineres de café, com 320 sacas cadaum, utilizando-se apenas um terno de 8arrumadores e 2 diaristas para a forraçãodos contêineres. A média do tempo deestufagem foi de 27 minutos. A atividadeiniciou às 7 horas e os contêineres estu-fados foram feitos sobre os caminhões.

Durante a observação, quando diziamque esse tipo de trabalho não é para qual-quer um, fica claro que o arrumador rea-liza esforço excessivo, gerando cansaço,fadiga muscular, dores e, consequente-mente, abandona o trabalho.

A partir dos dados do Índice de Levan-tamento/NIOSH 1994, calculou-se o pesomáximo recomendado na manipulaçãomanual das cargas e concluiu-se que prin-cipalmente nas últimas fileiras das fiadas,a relação exacerbada de tempo com fre-quência e peso não é adequada. A execu-ção da atividade está muito acima dos ín-dices estabelecidos pelo NIOSH, como épossível observar no Gráfico 3, Diferencia-ção entre valores do NIOSH e levantamen-to de sacas e no Gráfico 4, Diferenciaçãoentre valores do NIOSH e desmanche desacas.

As posturas adotadas são dinâmicas,exigindo precisão do sistema osteo-neuro-muscular. Há flexões e rotações de tronco,assim como pressões nos discos interver-tebrais que ultrapassam os limites da ca-pacidade, quando colocam as sacas sobrea cabeça ou quando as puxam no desman-che dos blocos. Para colocação das sacasnas últimas fileiras das fiadas, o arrumadorprecisa adquirir uma elevação de braçosem um ângulo superior a 90º chegando a180º, o que somente é possível com umatríplice flexão: coxofemoral, joelhos e tor-nozelos, para dar o impulso de sustenta-ção das sacas. Isto associado ao peso, àgravidade e à distância percorrida faz comque essas articulações sofram microlesõespela carga sustentada.

A atividade biomecânica de manipula-ção e levantamento de cargas pode seruma das principais causas de lombalgiase problemas nos membros superiores poresforço excessivo ou como resultado deesforços repetitivos entre os arrumadores.Estas tarefas de levantamento repetitivopodem facilmente exceder a capacidade

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aeróbica dos trabalhadores, levando auma diminuição prematura da resistên-cia e ao aumento da probabilidade de le-são e acidentes pelo cansaço.

DEPOIMENTOSDEPOIMENTOSDEPOIMENTOSDEPOIMENTOSDEPOIMENTOSDurante a Análise Egonômica do Tra-

balho realizada, obteve-se informações devários atores envolvidos na arrumação decontêiner e foi possível compreender co-mo a atividade é afanosa, por meio da ob-servação sistemática e do discurso dostrabalhadores. Sabe-se que, em nível psí-quico, o trabalho possui papel importan-te na estruturação do sujeito, pois repre-senta a segunda chance de obter ou con-solidar sua identidade e adquirir autocon-fiança por meio do reconhecimento.

O sofrimento mental torna-se, muitasvezes, uma estratégia de defesa do arru-mador em relação ao seu trabalho. Obser-vando o arrumador em cima de um blocoa 23m de altura, foi perguntado a ele senão tinha medo de ficar ali em cima, aoque ele respondeu: “Não, o medo é de sairde casa e não saber o que vai acontecer.Quando a gente está precisando, se obri-ga. Se você chegar em casa e seu filhopedir um café e um pão e você não tiverpra dar, aí você desmonta”, revelou umdos entrevistados durante a pesquisa.

Quando o arrumador fala desta forma,ele está se referindo à possibilidade de serescolhido na escala, de ter trabalho no diae até aos riscos que a atividade impõe.“Certo dia, no armazém, um trabalhadorse machucou. Chamei o resgate e faleicom o cara da perua sobre o colega ma-chucado, e ele perguntou: “Vocês vão do-

brar?” Ele se preocupou se íamos dobrare não se o cara estava machucado. “A gen-te abandona, porque a gente não aguen-ta. É muita pressão, humilhação e can-saço”, disse outro trabalhador.

“Eles não dão valor nenhum pra gente,são desorganizados. Quando o cara ficavelho, tem que trabalhar com 60, 70 anos,mesmo aposentado. Gato é trabalhar e re-ceber sem vínculo empregatício nenhum.Você é um zé ninguém”.

Sendo o reconhecimento uma forma deestruturação do sujeito, fica explícito nafala deles o seu sofrimento, pela árdua ta-refa e pela irrelevância com que são tra-tados ao executá-la. O cansaço também éobservado na execução da atividade, bemcomo no discurso do arrumador: “É muitacoisa para o trabalhador colocar: 11 a 14sacas de altura. É humilhante, pesado enão é reconhecido. Chego em casa, tomobanho e vou dormir. Estou tão cansado,que nem janto. Às vezes trabalha um diae no outro nem vem”, complementa.

NOVO PROJETONOVO PROJETONOVO PROJETONOVO PROJETONOVO PROJETONos procedimentos de colocação de sa-

cas nas últimas fiadas, o trabalho é extre-mamente prejudicial à saúde do arruma-dor, pois a manutenção dos braços eleva-dos acima da cabeça, pode ocasionar le-sões irreversíveis de ombros e de colunavertebral. Assim, sugere-se que a estufa-gem de contêiner de café seja feita da se-guinte forma: 9 fiadas por 3 colunas, por10 de alto e uma fiada por 3 colunas, por8 de alto, em um total de 294 sacas porcontêiner.

Na colocação de sacas nas últimas fia-

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das, além da manutenção da elevação demembros superiores causar lesões aosarrumadores, há três itens que dificultama tarefa: a falta de deslizamento das sacaspelo material acondicionado, o melaço doaçúcar que permanece nas sacas e a es-trutura ondulada do contêiner. Sugere-seque a estufagem de açúcar seja de 8 fia-das a 12 de alto, em um total de 480 sacasestufadas por contêiner.

Observando a forma como a escala éorganizada e o sofrimento dos arrumado-res diante desta organização, conclui-seque é necessário reestruturá-la com crité-rios e normas estabelecidos. O Sintrammarjá possui um novo projeto de escala combase em sistema de rodízio, que tornariaa escala mais justa dando condições paratodos os trabalhadores serem escolhidos.

Com o novo projeto de escala, na esco-lha dos arrumadores, 75% seriam os ati-vos, 24% os senhas e 1% os inativos. Casoo arrumador não queira levar o inativo,ele tem de levar mais um senha. A garan-tia de ter sempre senhas nas equipes épara que não percam vínculo com o sindi-cato e para que possam se tornar ativosno futuro. Na sequência da escala, os arru-madores só seriam escolhidos depois queos demais passassem pelo mesmo pro-cesso ou na falta dos mesmos.

Nos períodos em que a safra do açúcaré alta, os arrumadores afirmam que atésobra trabalho. No entanto, observou-seque a sazonalidade faz com que os arru-madores intensifiquem seu trabalho naentressafra exigindo mais de sua condi-ção física, o que implica no risco de fadigae na maior possibilidade de ocorrerem fa-lhas, podendo gerar lesões osteo-muscula-res e acidentes.

SUGESTÕESSUGESTÕESSUGESTÕESSUGESTÕESSUGESTÕESSugere-se que a escala para o trabalho

não ultrapasse oito horas diárias, manten-do uma folga semanal, e que não se ultra-passe a quantidade de estufagem de con-têiner suportada pelos trabalhadores.Dessa forma, haveria tempo suficiente pa-ra recuperação física e preparação para apróxima jornada. Haveria também possi-bilidade de escalar novo terno para conti-nuação, proporcionando trabalho diáriopara todos.

Devido à dificuldade das posturas esta-belecidas no desmanche dos blocos, é ne-cessário que os arrumadores façam rodí-zio nas funções da operação, visto que apostura de flexão de tronco, coxo-femo-

ral, extensão de ombros somada ao pesoda carga a ser puxada e ao número de ho-ras trabalhadas por dia, não são fatoresfavoráveis, com pressão intravertebral de-masiada. A manutenção desta postura po-de acarretar consequências físicas aos ar-rumadores, além de proporcionar fadiga.

Tendo em vista a atividade extenuanteexercida pelos arrumadores, sugere-seque eles iniciem a atividade gradativamen-te. Deveriam passar por uma orientaçãodo sindicato com palestras abordando or-ganização do trabalho, tipos de tarefas,noções de Segurança do Trabalho, primei-ros socorros e informações sobre preven-ção de saúde. Deveriam iniciar na funçãode observadores de terno e em seguidacomo coajudantes dos arrumadores. De-veriam participar de escalas semanais al-ternadas para depois, então, tornarem-searrumadores.

Por ser uma atividade repetitiva e de es-forço físico intenso é necessário que hajaum controle profilático das suas condiçõesfísicas, desde a prevenção até os trata-mentos agudos e crônicos principalmentedo sistema ósteomuscular e respiratório.

A tarefa do arrumador é descrita de for-ma simplista, mas a tarefa possui, na ver-dade, muitas variáveis e detalhes, obser-vados somente durante o acompanha-mento da operação. Percebeu-se que aatenção e a concentração do arrumadorsão indispensáveis para a manutenção dasegurança operacional, assim como a an-tecipação das ações. Dessa forma, os pro-cedimentos existentes deveriam incluir i-tens que contenham uma melhor descri-ção e abrangência das tarefas, das referên-

cias legais e das condições necessáriaspara sua execução.

PERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVPERSPECTIVASASASASASO acondicionamento de açúcar em sa-

cas de material sintético, segundo os arru-madores, é o que causa maior número deacidentes. Sem levar em conta a dificulda-de de pega, a movimentação das mesmase a dificuldade na estufagem de contêiner.Entrevistando vários arrumadores, estesinformaram que o acondicionamento emsacas de algodão ou juta (tecido) que erafeito antigamente proporcionava maiorSegurança no Trabalho, além de facilitarna movimentação. Sugere-se um estudosobre a viabilidade do açúcar sem acondi-cionado no sistema antigo.

Segundo os arrumadores, o trabalhocom café é dificultado pela quantidade degrãos que caem no chão, tornando-se es-corregadio, com risco de queda, sendopossível apenas trabalhar descalço ou dechinelo, pois o chinelo tem um solado queadere ao chão e não escorrega. Utilizar cal-çado aberto faz com que os grãos não fi-quem presos entre os pés dos arrumado-res, porém, não lhe dá segurança contraobjetos que possam cair sobre eles. Parao arrumador trabalhar com segurança naretirada e colocação das laterais dos ca-minhões ou dos vagões, foi solicitado es-tudo de um calçado que tivesse o soladosemelhante aos chinelos, que fosse fecha-do de uma forma que os grãos não entras-sem em seu interior e que tivessem umabiqueira de proteção para os dedos.

Além disso, o layout dos terminais fer-roviários foi construído para a movimenta-ção dos vagões, com plataformas paraembarque e desembarque de mercadori-as. Mas em alguns dos terminais esse es-paço é utilizado para armazenagem de sa-cas, sendo inapropriado para a movimen-tação de arrumadores e dalas no local. Oslocais deveriam também ser analisadoscom maior precisão para a melhor adap-tação para os trabalhadores.

Esta análise foi protocolada na sub-delegacia do Ministério do Trabalho e Em-prego de Santos pelo Sintrammar, e apósanálise dos auditores fiscais do MTE, foidesignado que os contêineres estufadosno Estado de São Paulo tenham os limi-tes estabelecidos por esta análise ergonô-mica.

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