Art. Brossard (1)

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E agora, José, por Paulo Brossard* Não faz muito, o Tribunal de Contas da União apontou irregularidades em três obras da Petrobras, salvo engano, concluindo pela suspensão delas até a devida apuração; a imediata reação do presidente da República foi em sentido contrário, mantida a execução da obra com os recursos afins, sob a alegação de que empregos tinham sido criados nessas obras. Não foi dito, mas ficou implícito, que, havendo criação de empregos, as irregularidades ficariam absolvidas... Agora, em edição de domingo, no alto da primeira página, importante jornal de São Paulo estampa notícia sob este título: “PF vê fraude bilionária em cinco obras da Petrobras”. Não me sinto à vontade para extrair conclusões mortais acerca do fato, mas não hesito em notar que a notícia é de suma gravidade e não pode morrer no dia seguinte, como se fosse desimportante. Se a Polícia Federal foi leviana em sua revelação, deve ela ser responsabilizada de maneira exemplar, caso contrário, os autores da traficância têm de ser corretamente sancionados. Não é só. Ao que tudo indica, o processo era sigiloso e, no entanto, dados sigilosos foram divulgados pela imprensa. Por quem? A toda evidência, só quem tinha a posse do sigilo poderia dele servir-se. Aliás, os vazamentos se tornaram notórios, assim como sua autoria, o que é bastante para comprometer seriamente a administração em seu todo, cujo chefe é o presidente da República. Mudo de assunto, sem dele sair. Não se passaram muitas horas e a PF, também na primeira página de grande jornal, ainda de São Paulo, divulgou “PF vê ligação de alto funcionário do MJ com chefe da máfia chinesa”. Em sua expressão objetiva, o que seria inexcedível foi tranquilamente excedido! O Ministério da Justiça, em nota, “nega investigação” envolvendo seu funcionário, mas acrescenta que houve a publicação de “trechos de conversas do secretário com alvo da PF”, o “alvo da PF” seria um chinês, cujo cartão informa ser “assessor especial” do secretário nacional de Justiça, e nela é apontado como um

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Paulo Brossard.

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E agora, José, por Paulo Brossard*Não faz muito, o Tribunal de Contas da União apontou irregularidades em três obras

da Petrobras, salvo engano, concluindo pela suspensão delas até a devida apuração; a imediata reação do presidente da República foi em sentido contrário, mantida a execução da obra com os recursos afins, sob a alegação de que empregos tinham sido criados nessas obras. Não foi dito, mas ficou implícito, que, havendo criação de empregos, as irregularidades ficariam absolvidas... Agora, em edição de domingo, no alto da primeira página, importante jornal de São Paulo estampa notícia sob este título: “PF vê fraude bilionária em cinco obras da Petrobras”. Não me sinto à vontade para extrair conclusões mortais acerca do fato, mas não hesito em notar que a notícia é de suma gravidade e não pode morrer no dia seguinte, como se fosse desimportante. Se a Polícia Federal foi leviana em sua revelação, deve ela ser responsabilizada de maneira exemplar, caso contrário, os autores da traficância têm de ser corretamente sancionados. Não é só. Ao que tudo indica, o processo era sigiloso e, no entanto, dados sigilosos foram divulgados pela imprensa. Por quem? A toda evidência, só quem tinha a posse do sigilo poderia dele servir-se. Aliás, os vazamentos se tornaram notórios, assim como sua autoria, o que é bastante para comprometer seriamente a administração em seu todo, cujo chefe é o presidente da República.

Mudo de assunto, sem dele sair. Não se passaram muitas horas e a PF, também na primeira página de grande jornal, ainda de São Paulo, divulgou “PF vê ligação de alto funcionário do MJ com chefe da máfia chinesa”. Em sua expressão objetiva, o que seria inexcedível foi tranquilamente excedido! O Ministério da Justiça, em nota, “nega investigação” envolvendo seu funcionário, mas acrescenta que houve a publicação de “trechos de conversas do secretário com alvo da PF”, o “alvo da PF” seria um chinês, cujo cartão informa ser “assessor especial” do secretário nacional de Justiça, e nela é apontado como um dos chefes da máfia chinesa (sic). E agora, José? Afinal, quem divulgou os “trechos de conversas do secretário (do ministério) com um alvo da PF”, o chinês “assessor especial”?

Os fatos divulgados, distintos, mas aparentados, são de indisfarçável gravidade e, obviamente, têm de ser apurados, um a um, não com rigor, como prometido pelo presidente da República, mas com pontualidade, isenção e objetividade, mediante a observância dos prazos legais, assegurada a defesa, assim como a necessária pontualidade. O rigorismo pode comprometer a isenção e o equilíbrio do julgamento. A justiça não é rigorosa, é justiça, nem a lei precisa de muletas. Basta seu cumprimento leal.

Há um dado real e notório. A lei determina o recato nas investigações, por vezes, o sigilo. Ocorre que, embora rotulada de sigilosa a investigação, a qualquer momento o sigilo se evapora e é lançado no redemoinho da maior publicidade; essa prática vai se tornando rotineira, como se não tratasse de abuso de poder, e ofensa direta aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade inerentes à administração.

O presidente da República deve ver as coisas como elas são e não deixar-se flutuar como rolha na crista das águas, pois pode surpreender-se da esparrela aonde venha a cair.