Arte Brasileira No Séc XX - Migliaccio

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Arte Brasileira no Século XX (Textos Selecionados) FONTE: JOSÉ ROBERTO TEIXEIRA LEITE. Arte no Brasil, Vol. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1979. A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 A Semana de Arte Moderna A 29 de janeiro de 1922, uma nota estampada no Correio Paulistano anunciava a realização, entre 11 e 18 de fevereiro, de uma Semana de Arte no Teatro Municipal de São Paulo, com a participação de escritores, músicos, artistas e arquitetos de São Paulo e do Rio de Janeiro. De acordo com a notícia, a Semana, organizada por inte- lectuais das duas cidades, Graça Aranha à frente, tinha por objetivo dar ao público de São Paulo "a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arqui- tetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual". Do comitê patrocinador faziam parte, entre outros, Paulo Prado, Alfredo Pujol, René Thiollier e José Carlos Macedo Soares; e entre os participantes de presença anunciada figuravam músicos, como Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernâni Braga e Frutuoso Viana; escritores, como Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado; artistas plásticos, como Vítor Brecheret, Haarberg, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Osvaldo Goeldi, Regina Graz e John Graz e os arquitetos Antônio Moya e Georg Przyrembel. Como diversos participantes da Semana ocupavam cargos de destaque na redação de prestigiosos jornais da época, o evento teve desde o início grande divulgação, embora também não faltasse quem se opusesse à sua concretização.

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A Semana de Arte Moderna

Arte Brasileira no Sculo XX

(Textos Selecionados)

FONTE: JOS ROBERTO TEIXEIRA LEITE. Arte no Brasil, Vol. 2. So Paulo: Abril Cultural, 1979.

A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922A Semana de Arte Moderna

A 29 de janeiro de 1922, uma nota estampada no Correio Paulistano anunciava a realizao, entre 11 e 18 de fevereiro, de uma Semana de Arte no Teatro Municipal de So Paulo, com a participao de escritores, msicos, artistas e arquitetos de So Paulo e do Rio de Janeiro. De acordo com a notcia, a Semana, organizada por intelectuais das duas cidades, Graa Aranha frente, tinha por objetivo dar ao pblico de So Paulo "a perfeita demonstrao do que h em nosso meio em escultura, arquitetura, msica e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual". Do comit patrocinador faziam parte, entre outros, Paulo Prado, Alfredo Pujol, Ren Thiollier e Jos Carlos Macedo Soares; e entre os participantes de presena anunciada figuravam msicos, como Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernni Braga e Frutuoso Viana; escritores, como Mrio de Andrade, Ronald de Carvalho, lvaro Moreira, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Srgio Milliet, Guilherme de Almeida e Plnio Salgado; artistas plsticos, como Vtor Brecheret, Haarberg, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Osvaldo Goeldi, Regina Graz e John Graz e os arquitetos Antnio Moya e Georg Przyrembel. Como diversos participantes da Semana ocupavam cargos de destaque na redao de prestigiosos jornais da poca, o evento teve desde o incio grande divulgao, embora tambm no faltasse quem se opusesse sua concretizao.

Na notcia do Correio Paulistano, Graa Aranha era apontado como autor da iniciativa; mais provvel, porm, que essa prioridade se deva a Di Cavalcanti, acatando uma sugesto de Marinette Prado, esposa de Paulo Prado, que se referira possibilidade de se fazer em So Paulo alguma coisa similar aos festivais culturais de Deauville. Em Viagem de Minha Vida, Di Cavalcanti chamou a si a paternidade da Semana, dizendo: "Falamos naquela noite, e em outros encontros, da Semana de Deauville e outras semanas de elegncia europia. Eu sugeri a Paulo Prado a nossa semana, que seria uma semana de escndalos literrios e artsticos".

Seja quem for o autor da idia, o objetivo da Semana era renovar o estagnado ambiente artstico e cultural de So Paulo e do pas e descobrir o Brasil, repensando-o de modo a desvincul-lo, esteticamente, das amarras que ainda o prendiam Europa. verdade que os jovens participantes da revoluo esttica de 1922 ainda se sentiam fracos sem a proteo benvola de Graa Aranha espcie de avalista de sua seriedade, ou de carro-chefe capaz de impor respeito a setores menos abertos modernidade. verdade tambm que a Semana descambou para um "tom festivo irreconcilivel talvez com o sentido de transformao social que para mim deveria estar no fundo de nossa revoluo artstica e literria", como escreveu o prprio Di Cavalcanti. Contudo, no menos verdadeiro o fato de que, tudo somado e medido, a Semana foi um acontecimento cultural da maior significao, e abriu para o pas perspectivas que, extrapolando do campo puramente cultural, teriam repercusses inclusive na rea poltica.

A exposio de fevereiro

Enquanto nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro ocorriam, no interior do Teatro Municipal, conferncias e concertos, no saguo expunham os artistas e arquitetos "modernistas". No eram, porm, todos os que haviam sido anunciados na nota do Correio Paulistano, pois Regina Graz no participou; nem eram apenas os elencados no catlogo da mostra, como esclareceu Anita Malfatti em depoimento prestado a Aracy Amaral. De presena comprovada, de acordo com o mesmo catlogo, foram: os arquitetos Antnio Moya e Georg Przyrembel; os escultores Vtor Brecheret e Wilhelm Haarberg; e os pintores e desenhistas Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, Joo Fernando (Yan) de Almeida Prado, Igncio da Costa Ferreira (Ferrignac) e Vicente do Rego Monteiro. O discutvel modernismo das obras expostas, e a confuso estilstica em que se debatiam seus autores traduzem-se nos ttulos equivocados de certas pinturas e desenhos, tais como Impresso Divisionista (Malfatti), Impresses (Zina Aita), Natureza Dadasta (Ferrignac) ou Cubismo (Vicente do Rego Monteiro).

Estilisticamente, alis, os "futuristas" de 1922 (como o pblico, equivocado, insistia em cham-los) praticavam de tudo um pouco, do Pontilhismo ao Expressionismo, menos Futurismo. O essencial era escapar ao Academismo ou quilo que eles, um pouco apressadamente, assim denominavam. Injustias foram praticadas, certas omisses chegaram a ser gritantes a de Hlios Seelinger, por exemplo, talvez a de Visconti ou a de Belmiro de Almeida, ou ainda a de Artur Timteo da Costa (que, alis, faleceu no ano seguinte).

Os frutos da SemanaA maioria dos crticos considerou imensa a repercusso obtida pela Semana; alguns, por outro lado, negaram ao fato qualquer retumbncia: foi o caso de Carlos Drummond de Andrade, que se achava ento em Belo Horizonte, e de Rodrigo Melo Franco de Andrade, no Rio de Janeiro. A deduzir pelos jornais da poca, a Semana teve mais inimigos do que adeptos e inimigos inteligentes e terrveis, como o que, sob a enigmtica assinatura Pauci Vero Electo, escreveu nas pginas de A Gazeta, de 22 de fevereiro: "O estrondoso barulho que os corifeus deste movimento fazem com estas trs palavras (Independncia, Originalidade, Personalidade), afirmando-se em altos berros os nicos originais, os nicos independentes, os nicos pessoais em meio a uma recua de imitadores, no passa de um msero estratagema, com que tentam encobrir o mais perigoso dos numerosos pontos vulnerveis da sua couraa de cabotinismo impenitente".

Mais recentemente, em 1972, um antigo partcipe da Semana, Yan de Almeida Prado, arrasou o evento de 22: "A Semana de Arte Moderna pouca ou nenhuma ao desenvolveu no mundo das artes e da literatura. Nem com extrema boa vontade pode ser comparada Vila Kyrial, de que pouco se fala. Veio depois dos esforos de Freitas Vale a favor das artes entre ns, sem o brilho nem o alcance da Vila, rapidamente desvanecidos os sete dias hoje famosos, no fosse o interesse dos Andrades em mant-los na lembrana do respeitvel publico. Os seus reais valores, conhecidos antes de 1922, como por exemplo Villa-Lobos e Brecheret, ausentavam-se logo depois por longo espao no exterior. O mesmo sucedeu com Anita Malfatti, Zina Aita e outros, de sorte a dificultar qualquer influncia no meio onde a Vila Kyrial representava o grande incentivo a principiantes e cenculo a consagrados. A nossa atual situao nas letras e nas artes, no muito desvanecedora em meio desanimadoramen-te subdesenvolvido, onde faltam crticos (com exceo de Nogueira Moutinho), para guiar a opinio pblica, professores para educar a mocidade, expoentes que possam combater a desagregadora faina de foles altamente nocivos, a misturar subverso com arte e literatura, nada deve Semana, a qual no deveria ultrapassar, caso ocorresse em ambiente superior ao nosso, apenas certa cedia curiosidade, to-s til a autores de escasso valor. Pensar-se de modo diverso, crer que a Semana descobriu gnios e influiu na evoluo das artes e letras da Paulicia e do Brasil, imaginao de ingnuos, ou clculo de espertinhos espera de que as loas por eles dedicadas ao tal prodigioso acontecimento possam favorec-los como sucedeu a outros beneficirios de blefes semelhantes aos do jogo de pquer, mirificamente dadivosos para os que sabem aplic-los".

Quanto exposio de arte, propriamente dita, parece no ter originado nenhum comentrio crtico na imprensa, onde s alguns dos participantes como Graa Aranha, Menotti del Picchia ou Mrio de Andrade publicaram suas notas. Muito mais eco obtiveram as idias disseminadas pelos conferencistas justamente Graa Aranha, Menotti del Picchia e Mrio de Andrade. Isso no impediu, contudo, que as obras mostradas no saguo do Teatro Municipal de So Paulo tivessem suscitado maioria do pblico sentimentos oscilantes entre o divertimento e a indignao. Principalmente os trabalhos de Malfatti e de Brecheret tiveram o dom de escandalizar os visitantes. Se a inteno dos organizadores era essa, sem dvida a concretizaram, sacudindo o marasmo artstico e cultural da provinciana So Paulo de incios da dcada de 20.

A importncia da Semana

Embora hoje o tipo de Modernismo exposto pela Semana parea, talvez, pouco moderno, e as idias estticas de seus principais corifeus sejam confusas, no se pode negar que a Semana representou, para a evoluo artstica brasileira, um verdadeiro divisor de guas. Menotti del Picchia assim a definiu: "A Semana foi apenas uma data, como o 7 de setembro; a ecloso de um movimento de independncia nacional que vinha de longe". Realmente, no prprio ano do Centenrio da Independncia do Brasil, a Semana difundia idias de renovao que, embora j tivessem ocorrido anteriormente, de maneira isolada, nunca se haviam consolidado num movimento organizado. Como escreveria Paulo Mendes de Almeida, cinqenta anos mais tarde, "j no era um gesto isolado de rebeldia o que presencivamos, mas um clamor em coro, um movimento de grupo, em que se integravam importantes personalidades, e que deu, positivamente, um safano naquele adormecido em bero esplndido Brasil das letras, das artes e do pensamento".

A PRIMEIRA GERAO MODERNA

Livres da poeira do ufanismo, os herdeiros da Semana 22 comeam a desvendar as varias faces de um Brasil real e sofridoA Semana de Arte Moderna de 22 sem dvida levantou uma bandeira e muito conseguiu agit-la, mas seu campo de ao foi limitado, atingindo apenas um pequeno grupo de artistas e intelectuais. Entre estes, contudo, encontravam-se alguns dos vultos mais srios e vigorosos do pas, como Mrio de Andrade, Oswald de Andrade, Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti. Alm disso, o acontecimento lanou um brado de revolta, que ecoou na acanhada vida cultural da poca e confirmou a insatisfao de muitos.

Aos poucos uma nova mentalidade foi abrindo caminho e desenvolveu-se uma nova linguagem; formava-se assim uma gerao de artistas a primeira gerao moderna que no mais seguia os ditames acadmicos.

Todos os artistas dessa gerao revelam influncia da arte europia contempornea. Temas como o ndio, a valorizao da tradio nacional ou a procura do esprito do povo so conseqncias do pensamento modernista europeu. Na obra desses artistas, elementos cubistas e expressionistas, por exemplo, denotam a sntese, geralmente inconsciente, de alguns importantes movimentos artsticos do Velho Mundo. Outro trao comum primeira gerao moderna seu maior interesse pela tcnica, relegada a ltimo plano durante a Semana. Dessa gerao fazem parte figuras importantes como Cndido Portinari, Guignard, Ismael Nri, Ccero Dias e Bruno Giorgi.

MOVIMENTOS PAULISTAS

Na efervescente capital do caf, multiplicam-se agremiaes artsticas, difundindo idias, atraindo pblico, tentando demolir as torres de marfim

A dcada de 30 presenciou em So Paulo o surgimento de diversos movimentos e tendncias artsticas vinculados, direta ou indiretamente, ao Modernismo de 1922, seja como continuao natural, seja como reao, consciente ou no. Tal como no Rio de Janeiro onde em 1931 nasceu o Ncleo Bernardelli , os artistas de So Paulo tambm se uniram em grupos, dentro dos quais poderiam mais facilmente resistir a um meio ainda intolerante em relao a tudo que no se pautasse pelas normas do Academismo j moribundo, mas ainda influente. Tais grupos, no raro antagnicos, paradoxalmente no exigiam exclusividade de seus adeptos o que explica a facilidade com que muitos borboletearam, sem nenhum constrangimento, de uma agremiao para outra.

A Sociedade Pr-Arte ModernaA 23 de novembro de 1932, em casa do arquiteto Gregori Warchavchik, um grupo de artistas e intelectuais reunia-se para fundar a Sociedade Pr-Arte Moderna de So Paulo a SPAM, como se tornaria conhecida. Paulo Rossi Osir, Lasar Segall, John Graz, Vittorio Gobbis, Wasth Rodri-gues, Arnaldo Barbosa, Antnio Gomide, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Regina Graz Gomide eram alguns dos artistas presentes, juntando-se-lhes, em reunies posteriores, Brecheret, Hugo Adami e Moussia Pinto Alves, entre outros.

Com a finalidade de angariar fundos para os cofres da Sociedade, organizou-se no carnaval de 1933 um grande baile "Carnaval na Cidade de SPAM" , em recinto decorado por uma equipe de artistas sob a direo de Segall. A "Cidade" possua suas prprias autoridades, hino (o "Hino Spamtritico", com msica de Camargo Guarnieri), moeda prpria (o spamote, dividido em spamins) e mesmo um jornal, A Vida de Spam, dirigido por Mrio de Andrade, Antnio de Alcntara Machado e Srgio Milliet. Centenas de metros quadrados foram pintados, constituindo-se numa gigantesca obra de arte coletiva de alguns dos mais importantes pintores da poca.

Com a quantia angariada, alugou-se sede prpria e organizou-se, pouco depois, a primeira Exposio de Arte Moderna da SPAM, aberta ao pblico a 28 de abril de 1933 e mostrando, alm de obras dos prprios associados, originais de grandes artistas estrangeiros pertencentes a colees particulares paulistanas. Desse modo foram expostos, pela primeira vez no Brasil, Picasso, Lger, Brancusi, Dufy, Juan Gris, De Chirico e muitos outros, at ento conhecidos somente por estampas de livros. O sucesso da mostra repetiu-se na segunda Exposio de Arte Moderna da SPAM, realizada em fins de 1933, e tendo como novidade a participao de diversos artistas cariocas ou radicados no Rio de Janeiro, como Portinari, Di Cavalcanti, Cardosinho e Guignard.

Novo baile carnavalesco, intitulado "Expedio s Matas Virgens da Spamolndia", foi organizado em 1934, como sempre sob a superviso de Segall; na decorao colaboraram, entre outros, Anita Malfatti, Rossi Osir, Gasto Worms, Balloni, Arnaldo Barbosa e Jenny Klabin Segall. Mas comearam, na imprensa, os ataques indignados Sociedade, cujos "fins secretos", segundo um articulista do Dirio Popular, de 21 de fevereiro daquele ano, seriam "a dissoluo dos costumes". Por outro lado, no prprio seio da SPAM comearam a surgir desavenas, que motivaram a sada de Segall e Warchavchik; sem Segall, alma da SPAM, o grupo definhou, para logo em seguida morrer, deixando, porm, saldo altamente positivo.

(...)O Clube dos Artistas Modernos

Um dia aps a fundao da SPAM surgia, a 24 de novembro de 1932, o CAM Clube dos Artistas Modernos , iniciativa de Flvio de Carvalho, Di Cavalcanti, Carlos Prado e Antnio Gomide. Ocupando um salo espaoso do mesmo prdio da SPAM, prximo ao Viaduto Santa Helena, onde seus fundadores mantinham ateli, o CAM organizou exposies pioneiras (como a de desenhos de crianas e de doentes mentais), concertos, debates e conferncias como a de Tarsila do Amaral sobre "Arte Proletria" e a do pintor mexicano Siqueiros.

No andar trreo, Flvio de Carvalho instalou seu "Teatro da Experincia", onde fez representar Bailado do Deus Morto, estranha pea falada, cantada e danada, em que os atores usavam mscaras de alumnio e longas camisolas brancas, que reverberavam fantasticamente sob a luz dos refletores. Ao cabo de trs encenaes, o Teatro da Experincia foi fechado pela polcia, sob a alegao de ofensa ao pudor pblico. Alvo e vtima da suspeio policial, o CAM, pouco depois, cerrou as portas. Como escreveu um dos seus antigos participantes e historiador, Paulo Mendes de Almeida, assim terminou "um grande e vibrante movimento de arte e de inteligncia, que dificilmente se repetir". Contudo, a polcia ainda no estava satisfeita: mais uma vez pretextando ofensa ao decoro, cerrou em junho de 1934 uma exposio de Flvio de Carvalho, apreendendo cinco dos quadros "imorais" e colocando guardas porta da sala.Flvio de Carvalho

Pioneiro da arquitetura moderna brasileira, pintor, desenhista, escritor, Flvio de Rezende Carvalho estudou na Inglaterra e sempre se distinguiu pelo arrojo e pelo ineditismo de sua atuao. Foi um inovador, acostumado, desde o princpio, a nunca pisar caminhos j sulcados. Sua originalidade revelou-se, por exemplo, no Bailado do Deus Morto, quando realizou cenrios luminosos para uma sinfonia coreogrfica de seu amigo Camargo Guarnieri. Ou ainda em sua ridicularizada tentativa de impor, aos brasileiros, um traje mais adequado ao clima do pas, desfilando com um saiote pelas ruas de So Paulo.

Grande pintor e desenhista ligado ao Expressionismo, teve na figura humana seu tema favorito, sendo famosos os retratos que fez de personalidades da vida cultural brasileira, como Mrio de Andrade e Jos Lins do Rego. Mas foi nos desenhos da Srie Trgica, realizados junto ao leito de morte de sua me, em 1947, que Flvio de Carvalho atingiu o auge de sua arte. Sobre esses trabalhos, escreveu Almeida Sales: "No sabendo expressar-se mais profundamente do que por intermdio da sua gagueira de traos acumulados sobre a folha alva, ousou transformar o quarto da me morrendo em ateli de registro do estranho fato. Saiu da alcova trgica como um deus que tivesse detido o processo inexorvel da morte. Debaixo do brao, folhas riscadas com carvo guardavam, indelevelmente, a mais extraordinria fotografia de todos os tempos: os ltimos estertores da vida de uma anci entrando na morte, fixados pelo homem nascido de suas entranhas".

O Grupo Santa Helena

Em meados da dcada de 30 os pintores de parede costumavam fazer ponto na Praa da S e em suas imediaes. Um desses pintores, Rebolo Gonzales, recm-sado do futebol profissional, abriu seu escritrio na sala 231 do Palacete Santa Helena, Pra-a da S, 43. Logo depois outro arteso, Mrio Zanini, imitou-lhe o gesto, instalando-se na sala 233. Um e outro eram, nas horas vagas, artistas amadores, e como tais freqentavam noite um curso livre de desenho na Escola Paulista de Belas-Artes. No curso, orientado por Lopes de Leo, conheceram outros artesos-artistas, como Volpi, Graciano e Manuel Martins. Em breve, esses pintores e alguns outros passaram a reunir-se periodicamente no Palacete Santa Helena, para desenhar ou trocar idias sobre arte. Nasceu assim o chamado Grupo Santa Helena, constitudo por Rebolo Gonzales, seu iniciador, Mrio Zanini, Flvio Pennacchi, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Humberto Rosa, Clvis Graciano, Manuel Martins e Alfredo Rullo Rizzotti. O prprio Rebolo explicaria, anos mais tarde, as origens do Grupo: "O Santa Helena no comeou como um movimento: foi transformado em movimento pelos intelectuais. ramos meia dzia de amigos, cujo trao comum era no gostar dos acadmicos e querer a pintura verdadeira, que no fosse anedtica ou narrativa. A pintura pela pintura".

Todos, com exceo de Rizzotti, Mrio Zanini e Bonadei, eram autodidatas, embora alguns j tivessem se apresentado em coletivas como o Salo Paulista de Belas-Artes. Ouviam, por vezes, os conselhos de artistas mais experientes, como Rossi Osir e Vittorio Gobbis, e aos domingos saam pelos arredores de So Paulo, cuja paisagem fixavam. Enfurnados, sem reconhecimento crtico, ignoravam as manifestaes vanguardsticas que os membros da SPAM e do CAM tinham promovido entre 1932 e 1934. Possuam, contudo, autntica vocao de artistas, e eram guiados por um certeiro instinto criador que os conduzia afinal profissionalizao e, em poca mais recente, consagrao definitiva. Nunca chegaram a expor coletivamente: proletrios e filhos de imigrantes ou mesmo imigrantes quase todos, exercendo profisses braais Volpi, Rebolo e Zanini eram pintores de parede; Rizzotti, torneiro; Bonadei, bordador; Pennacchi, aougueiro; Graciano, ex-ferrovirio e ex-ferreiro; Manuel Martins, aprendiz de ourives , os membros do Grupo Santa Helena eram considerados acadmicos pelos modernistas, e futuristas pelos acadmicos. Tiveram, porm, o mrito de contribuir para o amadurecimento de um tipo de expresso artstica mais preocupado com os aspectos puramente tcnicos, um pouco esquecidos pelos pintores mais avanados. Ou como escreveu Srgio Milliet a sua atuao representou "uma reao da pintura de matizes e atmosfera contra as correntes mais avanadas mas menos artesanais".

Rebolo Gonzales"Antes da pintura, o futebol j tinha marcado minha vida. Como no futebol, acho que na arte deve-se fazer coisas espontneas, com a marca do amor e entusiasmo, para poder se emocionar e emocionar outras pessoas" palavras do pintor Francisco Rebolo Gonzales, antigo campeo pelo Corinthians (1922). A paisagem, a natureza morta, a figura humana, tratadas com extrema suavidade cromtica, so os motivos predominantes na obra deste artista totalmente desinteressado de aprofundamentos intelectuais que no condizem com sua personalidade. Sempre observando a natureza com olhos maravilhados, Rebolo chegou a uma sntese que eqivale a uma marca registrada, um estilo pessoal, quase beirando o montono, persistentemente igual a si mesmo. Cena de Jogo num Bar (1938), Rua do Carmo (1936), Natureza Morta de Flores representam momentos tpicos na produo de Rebolo, cujas afinidades com outros grandes romnticos da pintura brasileira como Pancetti e Guignard so claras.Mrio ZaniniDe origem proletria, como os demais componentes do Grupo Santa Helena, Mrio Zanini teve instruo primria, e em 1924 trabalhava como letrista da Companhia Antarctica Paulista. Emrito paisagista, interpretou com singeleza e emoo a natureza da periferia de So Paulo, mas tambm cultivou a natureza morta, a figura e, num dado instante de sua evoluo, a composio quase abstrata, um pouco sob a influncia de Czanne. O que o distingue o colorido, intenso, quase fauve: Zanini foi, na verdade, um dos melhores coloristas da moderna pintura brasileira. Realizou tambm azulejos, por sugesto de Rossi Osir, e teve no desenho e na gravura meios expressivos que cultivou com inteligncia e sensibilidade.

Flvio Pennacchi

Descendente de uma velha famlia de artistas toscanos que se destacaram desde a Alta Renascena, Flvio Pennacchi nasceu em Villa Collemandina, na Itlia, em 1905. Aos 22 anos de idade concluiu o curso na Academia Real de Lucca, e dois anos mais tarde chegou ao Brasil, estabelecendo-se em So Paulo, onde a princpio desempenhou os mais variados ofcios para sobreviver. Trabalhando durante o dia como aougueiro, noite pintava quadros religiosos, tendo em Cristo e ; So Francisco seus temas prediletos.

Nessa ocasio, Pennacchi conheceu o escultor Gaetano Emendabili, que o contratou como seu ajudante e em seguida arranjou-lhe emprego como professor de Desenho no Colgio Dante Alighieri. Pouco a pouco, o antigo aluno do clebre Pio Semeghini na Academia de Lucca, o pobre aougueiro, que desenhava s escondidas nos papis de embrulho, comeou a se tornar conhecido, pela pureza e sensibilidade de sua pintura de boa tcnica europia: "No Brasil, desde os primeiros dias notei as aldeias pobres e seus habitantes, e de tal maneira estas cenas gravaram em mim que a qualquer hora me possvel formar cenas e tipos do nosso interior".

Essas humildes cenas populares do interior de So Paulo constituem, entretanto, apenas um ngulo da produo de Pennacchi, talvez mais importante como pintor religioso, como ceramista e muralista especialista em afresco , ligado tradio renascentista italiana.

Afastado da atividade artstica durante muitos anos, por circunstncias vrias, Pennacchi retornou aos pincis depois de 1962, afirmando-se, pouco a pouco, como um dos mais puros e sinceros intrpretes da natureza e do homem brasileiros o que ficou evidente na retrospectiva que efetuou, em 1973, no Museu de Arte de So Paulo.Clvis Graciano

Paulista de Araras, nascido em 1907, Clvis Graciano estudou com Waldemar da Costa durante trs anos em 1935/37 e, como aluno livre, freqentou o curso de Desenho da Escola Paulista de Belas-Artes (1936/38).

Adepto de um figurativismo expressionista do qual nunca se afastou, sofreu sucessivas influncias, de Portinari ao Cubismo e dos muralistas mexicanos aos pintores renascentistas italianos. Certa tendncia a expressar o movimento, evidente em temas como o de seus danarinos e meninos passarinheiros, por exemplo; uma nota s vezes dramtica, como no Auto-Retrato, que lhe daria o prmio de viagem ao estrangeiro no Salo de 1948, e uma tendncia linearidade so marcas caractersticas do estilo de Clvis Graciano estilo que por vezes transbordou dos exguos limites do quadro de cavalete para as dimenses mais vastas do mural, em que se notabilizou.Aldo Bonadei

Paulista, nascido em 1906, Aldo Bonadei comeou seus estudos com o mestre das naturezas mortas, Pedro Alexandrino, de quem foi aluno por cinco anos, entre 1923 e 1928. Aperfeioou-se depois em Florena com Felice Carena (1930/32) e retornando a So Paulo entrou em contato com Amedeo Scavone. Integrante do Grupo Santa Helena, da Famlia Artstica Paulista e do Sindicato dos Artistas Plsticos, em 1962 e 1969 efetuou novas viagens Europa; quando faleceu, em 1974, sua fama apenas comeava a crescer.

Sua evoluo artstica partiu das interpretaes realistas de naturezas mortas, de atmosfera afim de Pedro Alexandrino, aos esquemas abstratos, pelos quais enveredou em princpios da dcada de 50. Sucessivos despojamentos formais e cromticos levaram-no ento a considerar as formas naturais como meros pretextos para a consecuo de seus ideais pictricos. Casarios, composies com vegetais ou garrafas, mesmo a paisagem e a figura humana so resolvidos em planos simplificados, que evocam a lio do Cubismo, possuindo, todavia, certo lirismo e certa sensibilidade quase romnticos. Nos ltimos anos retornou com freqncia a temas e procedimentos anteriores, deixando sugestivas interpretaes da paisagem, naturezas mortas e fachadas urbanas, retratos e figuras que impressionam pela expressividade e pela organizao formal.Alfredo Volpi

Nascido em 1896 em Lucca, na Itlia, Volpi chegou a So Paulo aos 18 meses, e nunca se naturalizou brasileiro. Antes de se tornar pintor, exerceu vrias profisses: foi entalhador, carpinteiro, encadernador e pintor de paredes. Tinha 18 anos quando fez seu primeiro quadro, uma paisagem, e a partir desse momento consagrou todas as suas folgas pintura de cavalete. Entretanto, s depois de 1951 pde dedicar-se integralmente arte. Participando de coletivas desde 1925, foi na dcada de 30 que se ligou a outros artistas, como Rebolo, Bruno Giorgi e De Fiori que o marcaria por volta de 1936.

Em 1944, fez sua primeira individual, numa loja alugada de So Paulo. No mesmo ano, seguiu para Minas Gerais, cuja atmosfera barroca o seduziu. Em 1950, viajou Europa, com Zanini e Rossi Osir: seis meses na Itlia, dez dias em Paris. Quando esteve em Veneza, foi dezoito vezes vizinha Pdua, s para ver os afrescos de Giotto. Na II Bienal de So Paulo (1953) recebeu, ex-aequo com Di Cavalcanti, o prmio de Melhor Pintor Nacional. Poucos anos depois participou, a convite, das exposies nacionais de arte concreta (1956/57), embora no se considere filiado ao movimento: "Esse negcio de me colocarem entre os concretistas est errado, afinal eles esto procura da forma e eu apenas da cor".

Os primeiros quadros de Volpi paisagens, interiores, figuras misturam detalhes naturalistas a recursos impressionistas, por vezes com elementos expressionistas. Na dcada de 30, o pintor desenvolve seus meios expressivos, e seu colorido torna-se mais solto e mais puro, enquanto a textura chega perto do imaterial. Suas marinhas, efetuadas em 1939 em Itanham, revelam j um artista maduro, senhor do prprio estilo. Para Srgio Milliet, tais marinhas so "as melhores da nossa pintura, com as do bomio genial Castagneto e as do atormentado Pancetti". Sucessivas viagens a Minas, Canania e Bahia, nos anos 40, aprimoram-lhe a viso, depuram-lhe a cor e levam-no a uma simplificao crescente, que transforma todos os seus esquemas composicionais em despojados arcabouos de arte pura.

A partir de 1950 Volpi realiza suas obras mais significativas, dominadas por agudo senso de construo. Fachadas e casario abstratizado (1950/55), esquemas "concretistas" (1955/60), bandeirinhas, mastros com fitas e construes cromticas, executados cada vez mais com auxlio da tmpera e menos com o do leo, transformam o pintor num dos maiores coloristas do sculo.

(...)Ernesto De Fiori

Nascido em Roma em 1884, o escultor e pintor Ernesto De Fiori principiara seus estudos em Munique, como aluno de Otto Greiner, que, alis, o desencorajou. Em 1904, ao contato com as obras do grande pintor suo Ferdinand Hodler, De Fiori tornou-se verdadeiramente pintor. Mais tarde, em Paris, tomado de desespero ante a inexcedvel perfeio da obra de Czanne, decidiu abandonar a pintura; meses mais tarde, reencetou a carreira artstica, dessa vez como escultor, aps ter tido por algum tempo a orientao tcnica de Hermann Haller. De Fiori tinha ento 27 anos, e trabalhava sob a influncia de Maillol e Degas.

Em 1914, achava-se em Berlim. Naturalizado cidado alemo, alistou-se no exrcito e seguiu para o fronte na Frana. Em 1916, conseguiu ser removido, e transferiu-se para a Sua, onde de novo se entregou escultura. O perodo imediatamente posterior ao trmino da I Guerra Mundial encontrou-o em Berlim, onde seu prestgio crescia, a ponto de em breve torn-lo um dos melhores escultores vivos da Europa. At 1932, pelo seu ateli berlinense desfilaram personalidades como Greta Garbo, Beniamino Gigli e o prprio Hindenburg. Com a ascenso de Hitler, em 1934, De Fiori resolveu abandonar a Alemanha, dirigindo-se ao Brasil: de incio viveu algum tempo no Rio, e depois radicou-se em So Paulo, onde faleceu em 1945.

Trabalhando no Brasil, De Fiori dedicou-se tanto pintura que havia abandonado nos incios da carreira como escultura. Sua temtica comporta trs assuntos principais: as cenas de batalhas, as regatas e a figura humana. Surgidas no comeo da II Guerra Mundial, em 1939, as cenas de batalha correspondem, talvez, ao lado mais profundo da personalidade do artista, que sobre elas assim se expressou: "Eu devo fazer guerreiros, de quando em quando, e imagino comigo mesmo que eles combatem pela liberdade, pela honestidade, pela civilidade, pela dignidade humana. E estes sentimentos, que do mais vida e impulso e, portanto, mais verdade minha pintura, no foram despertados em mim por temas mais normalmente pictricos. De fato, parece que estou mais prximo da natureza em certas batalhas do que em algumas paisagens, ou naturezas mortas".

Iatista emrito, campeo de vela na Europa e no Brasil, era natural que De Fiori tivesse nas regatas, nas cenas em que uma superfcie aquosa aparece pontilhada de velas de barcos, geralmente observadas na Represa de Santo Amaro, um tema de importncia: as telas desse tipo, produzidas no Brasil, contam-se, com efeito, entre o que de melhor nos legou. Finalmente, personagens em conversa ou em atitude coloquial constituem uma terceira srie de obras, resolvidas em vigorosas e econmicas pinceladas, como se o artista quisesse desenhar com o pincel.

Como escultor, De Fiori posta-se a meio caminho entre a gerao que ainda obedecia aos postulados do estilo monumental de Hildebrandt e aquela que abraaria o Abstracionismo: longe das evocaes clssicas, e tambm buscando evitar uma postura naturalista, De Fiori pretendeu impor aos seus nus e retratos de personalidades vivas uma fora expressiva toda pessoal, preocupado sempre em captar, atravs do gesto contido, a essncia ntima de seus modelos. Sua escultura pictrica, no sentido de que o bronze e a terracota de que feita nunca so polidos.

(...)O GRUPO DOS 19

Uma nica mostra coletiva, e os dezenove expressionistas de 1947 chegam perto de gerar um movimentoEm abril de 1947, nas salas da Unio Cultural Brasil-Estados Unidos, em So Paulo, um grupo de jovens artistas realizava sua primeira e nica exposio coletiva. Partira de Maria Eugnia Franco a idia da mostra; a Rosa Rosenthal Zuccolotto coube a organizao. O crtico Geraldo Ferraz assinava o texto de apresentao, no catlogo que ostentava na capa o nome dos expositores: "Grupo dos 19". O evento compreendia ainda uma srie de palestras sobre arte moderna, proferidas pelos crticos Lus Martins, Lourival Gomes Machado e Srgio Milliet, e uma premiao, a cargo de um jri de pintores: Lasar Segall, Anita Malfatti e Di Cavalcanti.

De tal modo a imprensa paulistana ocupou-se do assunto que a exposio, aparentemente corriqueira, transformou-se num acontecimento cultural de importncia. E embora os 19 nunca mais expusessem juntos, essa nica mostra e os comentrios e desdobramentos que motivou equivaleram quase a um movimento.

Aldemir Martins, Antnio Augusto Marx, Cludio Abramo, Lothar Charoux, Enrico Camerini, Eva Lieblich, Flvio Shir, Huguette Israel, Jorge Mori, Lena (Maria Helena Milliet F. Rodrigues), Lus Andreatini, Marcelo Grassmann, Maria Leontina, Mrio Gruber, Otvio Arajo, Odetto Guersoni, Raul Mller Pereira da Costa, Lus Sacilotto e Wanda Godi Moreira eram os expositores. Mrio Gruber, Maria Leontina, Aldemir Martins e Flvio Shir foram premiados em pintura, tocando a Cludio Abramo a nica distino em desenho.

Como movimento, o Grupo dos 19 revelou-se efmero: os que o integravam possuam entre si marcantes diferenas, que os anos acentuariam. Uma exposio rememorativa, organizada em 1978 no Museu de Arte Moderna de So Paulo, sublinhou essas diferenas, colocando lado a lado os primrdios de cada artista carregados do Expressionismo tpico do aps-guerra brasileiro e a sua produo atual deixando de lado os que, como Cludio Abramo, abandonaram a profisso artstica.

Mas, se como grupamento os 19 pouco atuaram, individualmente vrios de seus integrantes evoluram, at se transformarem em artistas de destaque no panorama atual de nossas artes plsticas.

Linhas vibrteis

Nascido em Viena, em 1912, Lothar Charoux chegou em 1928 ao Brasil, fixando-se em So Paulo, cujo Liceu de Artes e Ofcios freqentou por algum tempo. Em 1940 passou a estudar com Waldemar da Costa, e logo tomou parte nos sales organizados pelo Sindicato dos Artistas Plsticos de So Paulo. Tinha j 35 anos e uma experincia considervel quando exps com o Grupo dos 19: praticava, ento, uma arte figurativa tipicamente expressionista, e suas paisagens, figuras e naturezas mortas destacavam-se pela intensidade cromtica e pela deformao do desenho. Afastando-se gradativamente da representao das formas e cores naturais, adotou afinal a linguagem abstracionista geomtrica, de conotao concreta e ptica. Em 1956, participou da I Exposio Nacional de Arte Concreta, em So Paulo. Sua arte despojada caracteriza-se por extraordinria sensibilidade, traduzida em delicados efeitos pticos, obtidos com linhas que parecem vibrar aos olhos do espectador.

(...)

A GRAVURA CONTEMPORNEADe simples tcnica de reproduo a notvel processo criativo, a trajetria da arte de gravarA gravura brasileira teve seus primrdios no sculo XIX, na obra de uma srie de artistas europeus, litgrafos em sua maior parte, que trabalharam sobretudo no Rio de Janeiro, transpondo para o novo processo originais de pintura, com vistas sua maior difuso. Entretanto, gravura de arte isto , no a mera reproduo, mas a gravura de criao, tratada como processo em si mesma apareceu entre ns somente no sculo XX, graas a pioneiros como Henrique Alvim Correia, Pe dro Weingrtner, Carlos Oswald, Lasar Segall, Osvaldo Goeldi, Raimundo Cela e uns poucos mais. Na gravura contempornea, destaca-se principalmente Lvio Abra-mo, que representa a permanncia dessa fase herica nos dias atuais, funcionando tambm como elemento de ligao entre a gerao antiga e as mais novas.

Nascido em Araraquara em 1903, descendente de nobres e de camponeses, Lvio Abramo herdou muitas caractersticas do Expressionismo alemo, atravs de influncias recebidas de Segall e de Goeldi, no comeo de sua carreira. Executou seus primeiros desenhos por volta de 1923, e comeou a gravar, como autodidata, em 1926, tendo produzido relativamente pouco; ele mesmo costuma definir-se como "artista meio bissexto", explicando que seu trabalho j sofreu longas interrupes, devidas necessidade de sobrevivncia. Durante a II Guerra Mundial, por exemplo, atuou como jornalista de assuntos polticos ("Quantos de meus desenhos foram feitos entre um telegrama e outro !").

Estilisticamente, a trajetria de Lvio Abramo principia pelos desenhos e gravuras altamente tensos das sries Operrios e Espanha (1933/38), e passa pelos trabalhos gradativamente mais geomtricos das sries Festa, Rio e Macumba (1952/54), para chegar s numerosas estampas da srie Paraguai, iniciada em 1957. Desde 1962, o artista reside em Assuno, onde chefia a Misso Cultural Brasileira; apaixonado pelo pas vizinho, criou nova srie, Las Lluvias, e orientou toda uma escola de jovens gravadores paraguaios.

Em 1976, a Bienal Nacional de So Paulo reuniu, pela primeira vez, uma quantidade considervel de obras de Lvio Abramo: quase trs centenas de desenhos e gravuras, feitos entre 1923 e 1975. Nesses trabalhos, o artista procurou resolver os problemas plsticos e formais "de modo cada vez menos apaixonado, e esteticamente mais vlido", segundo suas prprias palavras. Para isso teve de superar os esquemas emocionais dos primeiros tempos, substituindo-os por uma expresso regida pelas preocupaes formais. Mesmo quando focalizava os temas sociais e polticos da dcada de 30 e de 40, a nfase no protesto social ou no engajamento poltico nunca soterrou a qualidade artstica; e a prova disso que hoje, despidas de sua circunstncia, tais obras resistem graas fora interior que as anima, e que os anos somente acentuaram.

Dentre os discpulos de Lvio Abramo destaca-se Maria Bonomi, que com ele e Joo Lus Chaves fundaram, em 1960, o Estdio Gravura, em So Paulo. Cultivando a xilogravura como meio expressivo, Bonomi faz uma arte que se situa entre o Figurativismo e o Abstracionismo. Suas xilogravuras, que Murilo Mendes comparou a cenrios, tendem ao monumental, resolvendo-se em grandes blocos de massas que se opem e se completam.

(...)MUSEUS E BIENAIS

Terminada a II Guerra, surgem os museus modernos, cria-se a Bienal, abre-se caminho as vanguardas internacionais

At a fundao do Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1929, as instituies dedicadas conservao e exposio de obras de arte mantinham, em geral, atitude hostil em relao ao novo, proibido de constar em seu acervo. Com a criao da Galeria de Arte Moderna, em Roma, no fim do sculo XIX, comeou a abrir-se uma brecha para o "moderno", que, porm, ainda era entendido no sentido de contemporneo, abrangendo, assim, obras francamente acadmicas.O Museu de Arte Moderna de Nova York surgiu com o propsito de apresentar a arte livre e renovada de sua poca, organizando, alm das colees permanentes, exposies temporrias e atividades didticas, culturais e sociais, sempre em funo da arte moderna. Suas intenes certamente eram positivas, porm no deixaram de gerar srios equvocos, como o de transformar em categoria o conceito de "moderno" simples caracterstica relativa de classificao e o de, repetindo em sentido oposto a posio intransigente dos museus, rejeitar a arte do passado, por julg-la acadmica e morta. De qualquer maneira a idia vingou e depois da II Guerra Mundial nasceu o Museu de Arte Moderna de Paris, seguido, em 1948, dos Museus de Arte Moderna do Rio e de So Paulo.No Brasil dos anos 40, o Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, e a Pinacoteca do Estado, em So Paulo, permaneciam hostis arte moderna, ao mesmo tempo que mantinham a concepo esttica do papel do museu, limitando-se a expor suas colees permanentes e a realizar mostras espordicas. O primeiro museu brasileiro que incorporou o moderno a seu acervo e revolucionou a idia de museu foi o MASP, Museu de Arte de So Paulo, aberto ao pblico em outubro de 1947.O Museu de Arte de So PauloComo escreveu em 1963, na introduo ao catlogo do Museu de Arte de So Paulo, desde 1927, auxiliado por Frederico Barata, Assis Chateaubriand pensava em reunir um acervo com vistas a "uma casa de pintura e escultura, para formar o interesse de nossa gente pelas artes plsticas". Aliando-se aos dois pioneiros, Eliseu Visconti no mesmo ano doou quatro de suas telas para a futura pinacoteca. A preocupao bsica no se limitava ao simples problema da conservao de um acervo artstico, mas implicava tambm a criao de um centro propulsor de artes.

O MASP, contudo, s foi fundado vinte anos depois, e no sem lutas: como explicou Pietro Maria Bardi (convidado por Assis Chateaubriand para concretizar a instituio, da qual se tornou diretor), "devamos enfrentar, na microssociedade artstica, dois tipos conflitantes: o ciumento conservador das antigas supersties acadmicas, e o inovador das antecipaes visionrias com fundos futursticos. O primeiro, opinando que a cidade j tinha sua pinacoteca, por vantagem estadual; o segundo, desfraldando as antigas reclamaes de Marinetti contra os museus, ou seja, pela sua destruio".

Instalado num espao de 1 000 m2 de um andar do edifcio dos Dirios Associados, em So Paulo, o MASP deu incio s suas atividades culturais em 1947. Ao mesmo tempo, beneficiando-se das condies excepcionais de oferta vigentes no mercado de arte europeu do ps-guerra, tratava de formar um acervo. Para isso foi de fundamental importncia a posio de Assis Chateaubriand, diretor-proprietrio de uma cadeia de jornais, revistas e rdios, que na poca era a maior do Brasil. Acabara ele de promover, com sucesso absoluto, uma campanha nacional com o objetivo de dotar os aeroclubes brasileiros de avies de treinamento: mil aparelhos tinham sido doados por industriais e empresrios, num prazo relativamente curto. Em face desse xito, "o arguto Chateaubriand inventou um sistema para abastecer a pinacoteca: pediu recursos para educar a juventude, e simultaneamente retribua aos mecenas com eventuais apoios promocionais da imprensa", como explica Pietro Maria Bardi. Assim, antes de ser incorporada coleo, cada obra adquirida era apresentada aos brasileiros em meio a recepes fartamente fotografadas e publicadas nos peridicos de Chateaubriand. Surgiram mecenas e madrinhas, culminando as recepes com a apresentao de O Escolar, de Van Gogh, no Campo Grande, em Salvador, perante milhares de escolares baianos.

Assim foram para o Museu grandes obras da arte ocidental pinturas, em sua maioria adquiridas aos mais famosos marchands europeus ou norte-americanos, como Wildenstein e Knoedler, Marlborough e Daber. Graas a Georges Wildenstein, de modo especial, a pinacoteca expandiu-se em nmero e qualidade, sobretudo em 1953, quando o acervo j era de tal modo importante que governos europeus solicitavam sua apresentao no Velho Continente.

No faltou quem considerasse ridcula ou arriscada a idia de levar para a Europa pinturas recm-adquiridas na prpria Europa; houve crticos que externaram sua convico de que eram falsos os Rafael e os Goya, os Ticiano e outros, comprados pelos milionrios paulistanos aos negociantes europeus. No deixou por isso de constituir surpresa para muitos o triunfo da tourne europia de cem obras do Museu de Arte de So Paulo. Iniciada no Museu de l'Orangerie, de Paris, a tourne passou pelo Palcio de Belas-Artes, de Bruxelas, Museu Central, de Utrecht, Museu de Arte, de Berna, Galeria Tate, de Londres, Museu de Arte, de Dsseldorf, e Palcio Real, de Milo. Antes de voltar ao Brasil, encerrando-se no Museu Nacional de Belas-Artes, do Rio de Janeiro, em fins de 1954, esteve tambm no Museu Metropolitano, de Nova York, e no Museu de Belas-Artes, de Toledo, Estados Unidos.

Prosseguia, no entretempo, a ao cultural do MASP: exposies didticas de Histria da Arte, cursos de arte (a cargo de notveis personalidades da vida artstica brasileira, como o pintor Segall, o escultor Zamoisky, a arquiteta Lina Bo Bardi, o cineasta Alberto Cavalcanti), exposies temporrias (Le Corbusier, Max Bill, Calder, Saul Steinberg, "A Escola de Paris", "O Retrato Francs", "O Cartaz", etc), a formao de uma orquestra sinfnica juvenil e de dois corpos de baile, dos quais um infantil, encenaes de peras (Histria de um Soldado, de Stravinsky) e mesmo desfiles de moda e concursos de beleza.

Em breve, para atender a todas essas atividades, a sede do Museu (acrescida de mais dois andares do edifcio) tornara-se pequena. Aps curto intervalo, em que o Museu funcionou no edifcio sede da Fundao lvares Penteado, foi construda sua nova sede, na avenida Paulista. O edifcio, cujo projeto fora iniciado em 1957 pela arquiteta Lina Bo Bardi, foi concludo somente em 1968, quando o inaugurou Elisabete II, rainha da Inglaterra, ento de visita oficial ao Brasil. Trata-se de imensa caixa, distribuda em trs pavimentos, sustentada dos dois lados por quatro vigas protendidas, que amparam um vo livre de 74 metros. No segundo pavimento situa-se a pinacoteca, na qual as pinturas se acham expostas em placas de vidro temperado, fixadas sobre base de concreto sistema que atraiu no poucas crticas aos organizadores.

Aps a morte de seu fundador, o Museu passou a denominar-se Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand; ao mesmo tempo, sua sala de exposies recebia o nome de Georges Wildenstein, conforme testamento de Chateaubriand.

Desde sua fundao, o MASP dirigido por Pietro Maria Bardi, italiano de La Spezia, onde nasceu em 1900. Irreverente, pouco ortodoxo, combatido e por vezes negado, Bardi de qualquer modo a prpria alma do Museu, ao qual tem feito importantes doaes, como sua biblioteca e notvel coleo de cermica. Trabalhador infatigvel, tem promovido anualmente exposies de gabarito, contando-se entre as de maior repercusso: "A Mo do Povo Brasileiro" (1968) e "Cinco Sculos de Arte no Brasil" (1979). Prossegue, paralelamente, a intensa atividade musical e cinematogrfica, com espetculos e projees quase dirias; funciona ainda no Museu um curso de ps-graduao em Museologia. mantido pela Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo.

Quanto ao acervo, a maior coleo de pintura ocidental conservada na Amrica Latina, com nfase na arte francesa dos sculos XIX e XX. Compem-no originais de pintores italianos, como Bellini, Mantegna, Piero di Cosimo, Rafael, Ticiano, Tintoretto; de artistas franceses, ou radicados na Frana, como Ingres, Delacroix, Courbet, Manet, Degas (inclusive seus 73 bronzes), Czanne, Renoir, Gauguin, Van Gogh, Lautrec, Utrillo, Matisse, Picasso, Modigliani e outros integrantes da Escola de Paris. H tambm espanhis, como El Greco, Velsquez e Goya; flamengos, holandeses e alemes, como Memling, Holbein, Bosch, Granach, Rembrandt, Frans Hals, Van Dyck; ingleses, como Reynolds, Gainsborough, Constable e Turner; e um grupo de brasileiros ou de estrangeiros que trabalharam no Brasil, entre eles Post, Eckhout, Debret, Taunay, Pedro Amrico, Almeida Jnior, Vtor Meireles, Visconti, e os mais recentes, Segall, Di Cavalcanti, Portinari e De Fiori, sem falar nos contemporneos de Wesley Duke Lee e Nlson Leirner a Gasto Manoel Henrique e a Humberto Espndola.

O Museu de Arte Moderna de So PauloDecepcionados por no verem junto ao nome do MASP a palavra "moderna", frmula mgica que tudo devia mudar, vrios crticos e artistas de So Paulo resolveram criar o Museu de Arte Moderna (MAM), fundado por escritura pblica em 15 de julho de 1948, sob o patrocnio de Francisco (Ciccillo) Matarazzo Sobrinho.

Em 8 de maro de 1949, o MAM abriu sua sede social, em locais adaptados pelo arquiteto Vilanova Artigas, no prdio dos Dirios Associados onde funcionava tambm o MASP. A exposio inaugural chamava-se "Do Figurativismo ao Abstracionismo", mostrando a orientao para esta ltima tendncia, que, de modo mais ou menos velado, os museus de arte moderna sempre protegeram. inaugurao estiveram presentes, entre outros, Aldo Calvo, Antnio Cndido, Tarsila do Amaral, Warchavchik, Lourival Gomes Machado, Oswald de Andrade, Srgio Milliet e Brecheret.O acervo era limitado e provinha, na quase totalidade, de doaes de Francisco Matarazzo Sobrinho. Alm de alguns estrangeiros, como Picasso, Kandinsky, Chagall e Miro, havia notveis representantes da arte nacional Volpi, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Mrio Zanini, Clvis Graciano, Bonadei, Jos Antnio da Silva.

Em 1950, assumia o cargo de diretor artstico Lourival Gomes Machado. Pouco depois o Museu organizou, a sua custa e a seu critrio, a representao brasileira na Bienal de Veneza, primeira de uma srie de participaes de artistas brasileiros em certames no exterior. Foram enviados trabalhos de Di Cavalcanti, Flvio de Carvalho, Pancetti, Burle Marx, Portinari, Volpi, Milton Dacosta, Brecheret, Bruno Giorgi, Goeldi e Lvio Abramo. A escolha era bem mais ampla do que o acervo inicial e, alm de incluir artistas do Rio, no se limitava pintura.

Da primeira participao na Bienal de Veneza nasceu a idia da Bienal paulista, que o MAM organizou de 1951 at 1961. E essa foi, sem dvida, sua maior realizao. No podem ser esquecidos, porm, o paulatino acrscimo do acervo, as exposies peridicas e a escola anexa, que, com vria sorte, atuou at 1959 no Pavilho Armando Arruda Pereira, no Ibirapuera, onde a Bienal funcionava desde 1955 e o Museu, a partir de 1958.

Em 1962 foi criada a Fundao Bienal de So Paulo e em 1963 o acervo do MAM foi doado Universidade de So Paulo, sendo criado o Museu de Arte Contempornea. Inconformados, vrios artistas resolveram, nesse mesmo ano, reestruturar o Museu, que, entretanto, s pde inaugurar sua sede em 1969, no Ibirapuera.O Museu de Arte Moderna do RioSob a liderana de Raymundo Ottoni de Castro Maya, o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro tambm foi fundado em 1948, funcionando precariamente em algumas salas do Banco Boa Vista. Em 1951 Niomar Muniz Sodr assumiu a diretoria executiva e, com a ajuda do jornal Correio da Manh, de Paulo Bitencourt, seu marido, passou a ativar a instituio. Conseguiu do ento ministro da Educao Simes Filho autorizao para utilizar parte da rea entre os pilotis do salo de exposies do atual Palcio da Cultura. A provisria instalao, erguida conforme projeto de Niemeyer, foi inaugurada no dia 15 de janeiro de 1952, com uma exposio do acervo do qual constavam poucos artistas brasileiros, todos consagrados: Di Cavalcanti, Guignard, Portinari, Segall e dos premiados da I Bienal. A apresentao, feita por Mrio Barata, fixava os pontos principais do programa, enfatizando as exposies temporrias de obras recentes.

O presidente da entidade era ainda Raymundo Ottoni de Castro Maya, que, mais tarde, se desentendeu com a diretoria e, em 1964, fundou o Museu da Tijuca, especializado em obras do sculo XIX.

Em abril de 1952, o MAM organizou sua primeira mostra realmente importante de artistas brasileiros, reunindo cerca de duzentos trabalhos, de quase todos os nomes expressivos da poca. Um marco, talvez, no conhecimento da arte moderna brasileira, foi como que um balano dos trinta anos que sucederam a Semana de 1922 embora no tivesse tal inteno.

Em dezembro de 1954 foi lanada a pedra fundamental da sede definitiva do MAM, segundo projeto de Afonso Eduardo Reidy. Um folheto distribudo na ocasio explicava a diferena "capital" entre museu de arte e museu de arte moderna: "O primeiro rene obras consagradas, testemunho de vrias pocas, sobre que o esprito do pblico se debrua num propsito de conhecimento, de classificao e de penetrao em outras dimenses do esprito humano, ainda presentes ou desaparecidas. O Museu de Arte Moderna rene elementos de uma experincia em curso, de um processo criador em atividade, abre um caminho para o futuro examinando e criticando os seus prprios resultados. um centro vivo de criao artstica".

Em setembro de 1958, com a presena do presidente Juscelino Kubitschek e demais autoridades, foi inaugurado o primeiro bloco da nova sede, no qual funcionariam os atelis de aprendizagem; em 1967, abriu-se o bloco de exposies, com trs pavimentos e uma rea total de 14 000 m2. Um terceiro bloco seria destinado a teatro, palestras e congressos.

A divulgao da arte moderna era a preocupao fundamental do MAM, que, apesar das limitaes de seu programa e de um certo mundanismo em suas realizaes, foi durante anos um dos principais centros da vida cultural do pas. Na madrugada de 8 de julho de 1978, um incndio destruiu 80% de seu acervo, no abalando totalmente, porm, a estrutura do belo edifcio criado por Afonso Reidy.

A BienalAtividade do Museu de Arte Moderna de So Paulo, e depois instituio autnoma, a Bienal tambm desempenhou importante papel no amadurecimento artstico brasileiro, embora tenha tido alguns aspectos negativos, devidos parcialmente a sua estrutura e principalmente insegurana cultural dos nossos artistas. A idia de sua criao surgiu da representao brasileira na Bienal de Veneza, em 1950.

Centro artstico considervel, ao longo do sculo XIX Veneza viu-se afastada da renovao criadora. Nos anos 40, um grupo de venezianos procurou reanimar sua cultura, reunindo a cada dois anos a produo artstica mais recente do perodo para submet-la a um balano crtico e divulg-la. A organizao da mostra por pases e a evoluo para a obteno do prmio, se estimularam a participao de maior nmero de concorrentes, acabaram transformando a mostra em mera competio internacional. Com o tempo tornou-se claro que a produo dos ltimos dois anos apenas no seria suficiente para um balano crtico mais profundo; surgiram ento as mostras retrospectivas e as salas individuais, abrangendo toda a obra de um artista.

Foi esse o modelo que So Paulo importou para criar a sua Bienal. A primeira mostra realizou-se no Trianon, em outubro de 1951, comandada por Lourival Gomes Machado e Srgio Milliet. Dela participaram artistas de dezenove pases, com 1 800 obras de pintura, escultura, desenho e gravura. Obras de Picasso, Lger, Morandi, Ben Nicholson, Calder, entre outras, foram expostas, mas os prmios internacionais foram para Roger Chastel (pintura), Max Bill (escultura), Viviani (gravura) e Vespignani (desenho). No setor nacional, foram premiados Danilo Di Preti (pintura), Brecheret (escultura), Goeldi (gravura) e Aldemir Martins (desenho). Maria Leontina, Tarsila do Amaral, Heitor dos Prazeres, Ivan Serpa, Geraldo de Barros, Marcelo Grassmann, Bruno Giorgi e Mrio Cravo Jnior tambm foram agraciados. Segall, Portinari, Di Cavalcanti, Goeldi, Brecheret, Bruno Giorgi e Lvio Abramo tiveram salas especiais.

A II Bienal foi aberta em dezembro de 1953, na atual sede da Prefeitura, no Parque Ibirapuera, e permaneceu at fevereiro do ano seguinte, em que se comemorava o quarto centenrio de So Paulo. Quarenta pases participaram da mostra que inclua dezesseis salas especiais de artistas como Klee, Munch, Ensor, Kokochka e Picasso. No pavilho dos Estados, no Ibirapuera, Rodrigo Melo Franco de Andrade montou a sala especial de Visconti e "A Paisagem Brasileira At 1900". Entre os agraciados, Cacipor Torres, Abraham Pa-latnik e Rissone foram as principais revelaes. Os prmios de melhor pintor, escultor, gravador e desenhista nacional foram dados respectivamente a Volpi e Di Cavalcanti (ex-aequo), Bruno Giorgi, Lvio Abra-mo e Pedroso d'Horta. A instituio da Bienal j estava consolidada a partir do terceiro certame (1955), no Pavilho Armando Arruda Pereira, no Ibirapuera.

Em seus primeiros dez anos de existncia, a Bienal desempenhou importante papel, divulgando grandes artistas nacionais e estrangeiros, consagrando novos artistas, estimulando a criao. Contudo, teve tambm efeitos negativos, levando suposio de que tudo que nela era premiado ou exposto constitua o modelo a ser seguido.

A galeria das "Folhas"

Ao contrrio dos sales, as bienais no fornecem certificado especial para quem premiado pela segunda ou terceira vez, autorizando-o a participar das mostras futuras; em cada Bienal necessrio passar pelo jri do setor, a menos que o artista tenha recebido convite especial. A partir da III Bienal, tanto os critrios de seleo como os de premiao provocaram reaes de desagrado; destas a mais fecunda foi IV Bienal, que fez surgir uma galeria no saguo do edifcio das Folhas, em dezembro de 1957. Inaugurada a 12 de maro de 1958, com uma retrospectiva de Lasar Segall, a galeria das Folhas passou a distribuir o Prmio Leirner, outorgado em 1957 a expositores de quaisquer museus ou galerias da cidade de So Paulo.

Segundo o regulamento, podiam expor e concorrer, em mostras individuais e simultneas, tanto artistas convidados quanto candidatos aprovados por um jri. De cada expositor eram escolhidos trs trabalhos, que, no final do ano, concorriam aos prmios, numa grande exposio coletiva. Tal como a Bienal, a galeria das Folhas tambm divulgou grandes nomes da arte brasileira e revelou artistas como talo Cencini, Luigi Zannotto e Sheila Brannigan.

OS CONTEMPORNEOS

Da figura abstrao, das linhas geomtricas s manchas informais, do ateli ao happening: tendncias da arte do nosso tempoAo longo dos anos 50, fez sua irrupo no cenrio das artes plsticas brasileiras a terceira gerao moderna, cujas caractersticas se consolidaram no final dessa dcada e princpios da seguinte. Sua poca, preparada pela atuao das duas geraes que a precederam respectivamente nos anos 30 e 40 , distingue-se pela participao ativa do pblico e pelo intenso inter-cmbio internacional. As correntes europias so amplamente veiculadas e discutidas, contando todas as principais tendncias s vezes rebatizadas ou alteradas com representantes entre ns. Obras do mundo inteiro chegam ao Brasil, sobretudo graas Bienal de So Paulo, e criaes dos nossos artistas comparecem, com maior freqncia, aos grandes centros internacionais. Surgem as galerias, que expem em e comerciam no sistema de consignao. Os maiores jornais do pas dedicam espao a uma seo sobre artes plsticas, Maior parcela da populao interessa-se pelas atividades do setor, comparece s mostras, conhece maior nmero de artistas. 0 Realismo Social chega s ltimas manifestaes, enquanto a arte abstrata ganha terreno, culminando com o movimento concreto, a partir de 1955, e o informal, desde 1958. Alguns artistas, porm, ainda seguem poticas menos aglutinantes, s vezes fundindo elementos de vrias correntes, e raramente estabelecendo polmica com as tendncias em voga.

Dessa terceira gerao moderna, que emerge paralelamente ao desenvolvimento industrial do pas e implantao da fabricao de automveis, fazem parte ainda o comunicador visual e o projetista industrial, ou designer, que nessa poca se profissionalizam, alcanando ambos, no raro, considervel nvel artstico.

(...)

O Realismo Mgico

Na dcada de 20, os expressionistas alemes cunharam o termo "realismo mgico" para com ele designar realizaes artsticas fantasiosas, cuja soluo formal no se afastava dos padres de seu movimento. Em 1963, a expresso foi usada pela primeira vez no Brasil para caracterizar a obra de Wesley Duke Lee, Maria Ceclia e outros artistas que, embora tendo afinidades com os surrealistas, procuravam apresentar uma realidade logicamente construda, resultando o aspecto mgico da ligao de elementos reais por meio de relaes intuitivas e inesperadas.

Inventor convicto de formas novas e ambguas, Wesley Duke Lee lana-se com toda a alma narrao de uma srie de histrias, que, no fundo, so como a Comdia Humana, de Balzac, ou como um seriado de televiso, com o mocinho mascarado como Zorro, ou disfarado em piloto no helicptero de Leonardo da Vinci.

Depois de ter estudado na Escola do Museu de Arte de So Paulo, Wesley fez um curso de artes grficas na escola Parson's, de Nova York, freqentou o ateli de Karl Plattner em So Paulo, e estudou com Friedlaender em Paris. Dono de uma formao ampla e variada e de um trao original, iniciado nos segredos da tmpera, partiu conquista do mundo, executando com Plattner, em 1958, murais para o teatro do Festival de Salzburg, na ustria. Mas o pincel logo j no lhe bastava, e o artista passou a incluir em suas criaes, que englobam todos os materiais, a terceira dimenso e o movimento.

Antes do advento da Pop Art, formou, em 1963, o movimento Realismo Mgico, junto com o fotgrafo Otto Stupakoff, o escritor Carlos Saldanha, a pintora Maria Ceclia e o crtico Pedro Manuel, expressando claramente o direito de apoiar-se numa potica e numa realidade subjetivas. Pouco depois, no mesmo ano, promoveu, no extinto Joo Sebastio Bar, em So Paulo, o primeiro happening do Brasil, intitulado Atrao da Ambigidade.

Em 1967, criou, com Nelson Leirner, Baravelli, Fajardo e outros, o Grupo Rex. A partir dessa poca elaborou Comentrios sobre Assis Chateaubriand, Helicptero e outras estruturas enormes. Em 1976, voltou pintura bidimensional, mas, como mostrou na exposio "As Sombra Aes", no perdeu o gosto pelo ambguo nem pela narrativa, realizando os dois com meios plsticos de primeira ordem. Em cada quadro h a sombra de um instrumento de trabalho que se projeta na tela, interferindo na ao. At certo ponto o reverso dos objetos e das mquinas. Com estes a metfora se expande e conquista o espao real, enquanto a realidade do ateli se projeta no espao metafrico. Trata-se de mais uma maneira ambgua de contar o que h no ateli, de como Wesley faz um quadro, mostrando sua inventividade, que nem sempre se esconde atrs das cores hedonsticas e sensuais de seus quadros.

Maria Ceclia comeou a estudar pintura nos anos 40 com Carlos Chambelland e Caterina Baratelli. Mais tarde aprendeu gravura com Goeldi, Darei e Grassmann. Em meados da dcada de 50, sua arte comeou a assumir cada vez mais aspectos equvocos, passando uma forma a adquirir vrias realidades, como uma melancia ser lua e navio ao mesmo tempo; a cor tornou-se cada vez mais elaborada e tanto na pintura quanto no desenho comearam a predominar a textura e a valorizao da superfcie.

Os vrios prmios recebidos no comeo dos anos 60 caracterizam a aceitao de seu trabalho e a compreenso desse mundo interior de infinitas opes, mostrado em composies sempre mais movimentadas e complexas, realizadas com rara percia tcnica. A partir de 1965, Maria Ceclia permaneceu fiel ambigidade representativa, recriando o mundo com dramaticidade, escondendo seu veio narrativo na complacncia das formas inventadas.

Entre os artistas ligados ao Realismo Mgico, resta mencionar Bernardo Cid, que, partindo do Expressionismo, passou por um perodo informal, e chegou figurao mgica por volta de 1966. Modulando o quadro sem grandes variaes cromticas, utiliza pouco pigmento, para criar uma viso ora enevoada, ora mais ntida. Suas figuras por vezes transformam-se em engrenagens, resignadas s macroestruturas que as oprimem.Metfora e espao real

Outro aspecto do Realismo Mgico a metfora, que anula a diferena entre o que est dentro e o que est fora da moldura, entre o palco e a platia no teatro, entre o autor e o pblico, abrindo caminho para a Arte Ambiental e a obra aberta. Todos os artistas ligados magia do real de Cencini a Berti, de Odriozola a Maria Ceclia, sem falar em Wesley experimentaram sadas para o prosaico tridimensional cotidiano, mas nem sempre realizaram assim o melhor de sua obra. Donato Ferrari, Farnese de Andrade, Gasto Manuel Henrique foram alguns dos artistas que, trilhando esse caminho, obtiveram a plenitude de sua expresso.

O mais agressivo de tal grupo Donato Ferrari, que, vindo da Itlia, chegou ao Brasil em 1960, trazendo uma pintura abstrata madura, de cores brilhantes e agradveis. No mesmo ano exps individualmente no Rio de Janeiro, na Piccola Galleria, recebendo o prmio de artista revelao. Alguns anos depois comeava a penetrar na terceira dimenso, e em 1965, na Galeria Seta, apresentou, ao lado de pinturas de intensa dramaticidade, composies com objetos domsticos, dentre os quais se destacavam uma tampa de sanitrio e uma mangueira, ambas pintadas de vermelho. Seu trabalho posterior tornou-o sempre mais conceituado e angariou-lhe prmios, culminando com a ocupao de um espao com o Caracol, no Museu de Arte Contempornea, em 1971. O caminho concntrico, limitado por paredes de plstico, levava o espectador ao recinto central, onde, numa caixinha, havia um espelho e excremento humano.

Como diretor da Faculdade de Artes Plsticas da Fundao Armando lvares Penteado, cargo que assumiu em 1968, Ferrari dedicou-se descoberta de novos cdigos, prejudicando talvez sua criao individual, mas contribuindo de maneira definitiva para a cultura artstica.

Apurado desenhista, Farnese de Andrade Neto encontrou sua mais alta expresso nas "caixas", onde rene objetos encontrados ao acaso, de diferente origem; do conjunto nasce um esprito crtico, mas tambm religioso, que revela, sob o desencanto, uma persistente esperana, denunciada tanto pelo fazer em si quanto pela vida nova que cada elemento adquire por meio do relacionamento criado pelo artista.

Quanto a Gasto Manuel Henrique, partiu de um aprendizado acadmico, mas bem cedo se preocupou com o suporte da pintura, que desde 1963 era to importante quanto as cores. Em 1967/69, dedicou-se aos objetos conversveis, abrindo perspectiva de participao ao espectador, e criao de objetos-esculturas. Na dcada de 70, porm, voltou s obras em que o suporte e a cor so igualmente significativos, passando por atenta elaborao e funcionando como valorizao recproca, impregnada de evocao do passado e de mstica religiosidade.

A figura como emblema

No quadro das expresses atingidas pela procura de um caminho individual, restam ainda dois artistas representativos da terceira gerao moderna: Thomaz Iannelli e Montez Magno, que tm em comum apenas o fato de usarem basicamente a figura como emblema ou como smbolo.

Thomaz, como se assina, procura os seus smbolos na ingenuidade das crianas, permanecendo em suas pinturas um esprito ldico, salientado pela textura propositalmente desordenada e pelas cores claras.

Pernambucano, Montez Magno inspirou-se na flora nordestina, transformada em brases escuros e misteriosos, de textura homognea; a partir de 1965, passou ao tridimensional, utilizando vrios materiais, dos quais surgem composies ambguas de bem-humorada crtica.

A vertente no-figurativista

Logo aps o trmino da II Guerra Mundial, firmou-se vitoriosa na Europa e nos Estados Unidos a arte no-fgurativista, tambm chamada no-representativa ou abstrata, transformando-se em voga o que at ento era linguagem de exceo. Nos anos do conflito haviam surgido novos artistas, que se afastavam da reproduo ou da cpia, mesmo deformada, da natureza, como a confirmar a tese de Wilhelm Worringer de que a linguagem abstracionista a dos povos em crise, horrorizados com a prpria imagem e buscando uma arte liberta das formas e das cores naturais.

Dos grandes mestres da arte moderna ainda ativos na segunda metade da dcada de 40, muitos j estavam demasiado idosos para poder contribuir com qualquer outra inovao; novos mestres surgiam e sua mensagem que repercutiu nas geraes mais jovens. Em 1945 a Galeria Drouin, de Paris, organizou a primeira exposio de arte concreta, reunindo obras de no-fgurativistas de tendncias opostas, como Kandinsky e Csar Domella, Magnelli e Pevsner, Piet Mondrian e Robert Delaunay. A voga abstracionista tambm chegou ao Brasil, at ento dominado pelo Realismo, pelo Expressionismo e tambm pelo Surrealismo, e onde artistas como Portinari, Di Cavalcanti, Segall, Tarsila, Goeldi, Guignard e outros entregavam-se pesquisa de um nativismo pictrico que o crtico argentino Jorge Romero Brest dizia ser derivado no somente de motivaes estticas, mas tambm e sobretudo de srio envolvimento poltico-social.O nacionalismo esttico de que davam testemunho os artistas brasileiros em meados da dcada de 40 logo cederia lugar a uma voga internacional e internacionalizante, de que foram marcos pioneiros o Museu de Arte Moderna de So Paulo e o do Rio de Janeiro um e outro repetindo, com maior ou menor imaginao, o Museu de Arte Moderna de Nova York, criado em 1929. Foi desses baluartes da arte internacional do ps-guerra, bem como da Bienal de So Paulo, que o No-Figurativismo se difundiu por todo o pas.

Trs pioneiros

Se as primeiras experincias com arte no-figurativista no Brasil recuam aos tempos da I Guerra Mundial, tendo sido realizadas pelo pintor amazonense Manuel Santiago, coube a Ccero Dias, em 1948, executar, em Recife, o primeiro mural abstrato da Amrica do Sul. Radicado em Paris em 1937, desde 1945 Dias se aproximara gradativamente do Abstracionismo, deixando de lado as aluses ingnuas infncia entre os canaviais, mas no abrindo mo da cor tropical. O fato de haver retornado, mais tarde, aos temas e motivos de sua primeira fase no lhe tira a prioridade da pesquisa no-figurativista entre ns.

Mais decidida e definitivamente no-figurativista foi a contribuio do cearense Antnio Bandeira, que, aps comeos expressionistas em Fortaleza, transferiu-se com bolsa de estudo para Paris, ligando-se aos pintores Camille Bryen e Wolfgang Wols para, em 1949, fundar o Grupo Banbryols, logo desfeito pelo suicdio de Wols, em 1951. De fins da dcada de 40 at sua prematura morte em 1965, Bandeira permaneceu fiel aos postulados no-figurativistas: em sua obra, pouco extensa, domina extrema sensibilidade cromtica e textural, contrapondo-se ao jogo de formas ditado por uma imaginao rica e delicada, que no raro busca apoio nos arcabouos das grandes cidades luminosas, entrevistas noite, ao longe, de dentro de um trem ou do alto de um aeroplano. Pintor tipicamente intimista, que soube expressar-se talvez de modo superior nos guaches do que nos leos, Antnio Bandeira tem tido sua produo artstica a cada dia mais valorizada, porque, como bem percebeu o crtico Roberto Pontual, soube assumir "com pioneirismo e atualidade, entre ns, uma linguagem tpica do perodo que viveu, dando-lhe interpretao suficientemente pessoal".

A terceira figura de pintor pioneiro no campo do Abstracionismo, no Brasil, o romeno Samson Flexor, radicado em So Paulo, em 1946, aps longa permanncia em Paris, onde participara da criao e da direo do Salon des Surindpendants (1929/38). Os incios de sua carreira mostram influncias expressionistas e neocubistas, em interpretaes dramticas da Paixo de Cristo, da II Guerra Mundial ou de temas brasileiros.

Por volta de 1948 Flexor adotou a linguagem no-figurativista, influenciado pelo crtico francs Lon Dgand, que dirigia o recm-criado Museu de Arte Moderna de So Paulo. O abstracionismo geomtrico de Flexor no se revelaria, contudo, to importante quanto sua ao didtica frente do Ateli Abstrao, no qual ensinou desenho e pintura a numerosos discpulos.

Os iniciadores da arte cintica

A atuao terica de Mrio Pedrosa, no Rio de Janeiro, e a criao da Bienal de So Paulo foram fatores decisivos para que, em fins da dcada de 40 e comeos da seguinte, diversos artistas brasileiros adotassem o No-Figurativismo geomtrico ou construtivo. Pedrosa, que j em 1948 defendera tese de conotao gestaltiana na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (Teoria da Afetividade da Forma), impressionou profundamente artistas como Almir Mavignier e Ivan Serpa. Abandonando de vez o rumo naturalista que vinha at ento imprimindo ao seu trabalho, tais artistas adotaram a posio de Pedrosa, seguros de que como afirmou Mavignier anos mais tarde, numa entrevista "o contedo de uma forma no se encontra na sua associao com as formas da natureza, mas no carter prprio da forma".

Na I Bienal de So Paulo, enquanto Max Bill recebia o prmio internacional de escultura (com sua ento contestada Unidade Tripartida), o carioca Ivan Serpa era laureado como melhor artista jovem, com uma pintura, j concreta, a que intitulara simplesmente Formas; no mesmo certame, outro brasileiro, recm-chegado de Israel, recebia meno especial por um estranho aparelho cintico-cromtico: tratava-se de Abraham Palatnik, cujas primeiras pesquisas no campo da luz e do movimento remontam a 1949.

Aluno de Axl von Leskoschek, Ivan Serpa comeou a expor seus trabalhos, ainda figurativos, em 1947. Sob a influncia de Mrio Pedrosa, afastou-se deliberadamente da arte figurativista, aderindo ao Concretismo. Membro do Grupo Frente, professor de arte no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e restaurador de papis da Biblioteca Nacional (o que talvez explique a importncia que em sua produo comeam a ter as colagens com papel, aps 1953), manteve-se construtivista at incios da dcada de 60; a partir dessa poca, retornou gradualmente ao Expressionismo (fase negra, 1963; fase ertica, 1964). Mais tarde, voltou no-figurao geomtrica, abandonando inclusive suportes e materiais tradicionais como pintura em tela e optando por pesquisas ptico-espaciais base de ripas de madeira, espelhos e barbantes.

Quanto a Abraham Palatnik, saiu ainda criana do Rio Grande do Norte, e foi com a famlia para Israel, onde estudou arte e mecnica. Em 1948 estava de volta ao Brasil, radicando-se no Rio de Janeiro, onde recebeu orientao de Mrio Pedrosa. Desde 1949 pesquisa no campo da arte cintico-cromtica, e em 1951 recebeu na I Bienal de So Paulo meno especial pela originalidade de sua contribuio.

Pioneiro mundial da arte cintica, membro do Grupo Frente, autor de diversas invenes industriais e ldicas de uma mquina de quebrar coco babau a um jogo a meio caminho entre a dama e o xadrez, quadrado perfeito , Palatnik foi dos primeiros a perceber a potencialidade da tecnologia contempornea aplicada experincia esttica.

No mesmo ano da I Bienal, em que Serpa e Palatnik despontavam, partiam para a Europa Almir Mavignier e Mary Vieira. Aluno de Leskoschek em meados da dcada de 40, Mavignier foi dos primeiros brasileiros a entender a natureza da arte concreta, e a pratic-la. Depois de estabelecer contato com os concretistas argentinos Maldonado e Lidy Prati, e com os de So Paulo, como Geraldo de Barros, fez um estgio no Hospital Psiquitrico de Engenho de Dentro, a fim de observar e estudar a arte dos doentes mentais. Confirmadas suas inclinaes no sentido da arte concreta de tipo suo, que vira na I Bienal de So Paulo, entrou em contato com Max Bill e com os concretistas de Zurique, para em seguida radicar-se na Alemanha, tendo estudado, de 1953 a 1959, em Ulm. Em 1954, elaborou seu primeiro trabalho de pintura com partculas de tinta, dentro j do estilo ptico-concreto, que o caracterizaria. Artista visual, programador e professor (lecionou por algum tempo na Escola de Arte de Hamburgo), esteve no Brasil em 1974, expondo individualmente na Galeria Bonino. Sua arte, a meio caminho entre o Op e o Concretismo, traduz-se no tanto em pinturas, como em cartazes e serigrafias: so permutaes de cores e de formas que se sucedem e se alternam, suscitando o interesse do espectador com estranhos efeitos cinticos.

Tambm pioneira no campo da arte ptico-cintica, Mary Vieira iniciou-se artisticamente na Escolinha de Guignard, em Belo Horizonte, cedo inclinando-se para um tipo de arte at ento indito no pas: sua primeira escultura cintico-visual data de 1948 (Formas Eltrico-Rotatrias, Espirlicas Perfurao Virtual), e seus primeiros multivolumes, nos quais exige a participao sensorial do espectador, surgiram em 1949. Em 1951, fixou-se na Sua, onde tem desenvolvido seus polivolumes obras cujas superfcies podem ser exploradas a partir de sees essenciais, de plano retangular, triangular, quadrado, circular ou semicircular. Um desses polivolumes adorna o Palcio dos Arcos, em Braslia; em 1979, foi inaugurado na Praa Pedro de Toledo, em So Paulo, o Polivolume-Conexo Livre.Grupos de So Paulo e RioCom a partida de Mavignier e Mary Vieira, restavam como elementos aglutinadores das novas tendncias estticas Palatnik e Ivan Serpa, no Rio, e Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros, em So Paulo. Ao seu redor concentraram-se, nos anos seguintes, aqueles que constituiriam a nata do No-Figurativismo geomtrico ou construtivo no Brasil.

Em 1952, surgia em So Paulo o Grupo Ruptura, reunindo Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar, Lus Sacilotto e Anatol Wladislaw. Nesse mesmo ano, criava-se no Rio de Janeiro o Grupo Frente, com Ivan Serpa, Dcio Vieira, Alosio Carvo, Joo Jos da Costa, Lygia Pape, Csar e Hlio Oiticica.

No Manifesto em que justificavam sua exposio no Museu de Arte Moderna de So Paulo, os artistas do Grupo Ruptura declaravam-se contra "todas as variedades e hibridaes do naturalismo" e, do mesmo modo, contra a "mera negao do naturalismo", misturando o naturalismo "errado" das crianas, dos loucos e dos "primitivos" ao dos expressionistas e dos surrealistas. Declaravam-se ainda totalmente contrrios ao "no-figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitao do prazer ou do desprazer", e manifestavam-se favorveis a "todas as experincias que tendam renovao dos valores essenciais da arte visual (espao-tempo, movimento e matria)". Ao mesmo tempo negavam a intuio, proclamando a arte como um tipo de conhecimento deduzvel de conceitos, acima da mera opinio, e que necessita, para seu juzo, de conhecimento prvio.

Tanto o Grupo Ruptura como o Grupo Frente declaravam-se no s contra a arte voltada para a simples cpia ou recriao da natureza, mas tambm circunstncia significativa contra o No-Figurativismo lrico, expressionista romntico, que comeava a irromper no Brasil.

O Grupo Ruptura realizou uma nica exposio, em 1952, enquanto o Grupo Frente, em seguida sua mostra inaugural em 1953, apresentou-se, ainda, em 1955 e 1956, quando se dispersou. Ao contrrio da agremiao de So Paulo, o Grupo Frente no comportava uma ortodoxia rgida, mesmo porque o integravam, em sua fase final, artistas que pouco ou nada tinham a ver com o No-Figurativismo geomtrico, como o abstracionista lrico Vincent Ibberson e at a ingnua Elisa Martins da Silveira.Os criadores do Ruptura

Principal terico do Concretismo paulista, Waldemar Cordeiro nasceu em Roma e chegou a So Paulo em 1946, para logo depois fundar o Art Club, destinado ao intercmbio artstico com o exterior. Aps participar da criao do Grupo Ruptura, passou, em 1964, a orientar suas pesquisas no sentido de um produto artstico que conciliasse, no dizer de Max Bense, "coisas de consumo prtico e de consumo terico".

Surgiu assim o Popcreto, simbiose de Pop Arte e de Arte Concreta. Pesquisador terico e organizador infatigvel, participou em 1967, no Rio de Janeiro, do movimento da Nova Objetividade; em 1968, fez as primeiras tentativas bem-sucedidas de arte com computadores, no Brasil (trabalhando frente de uma equipe de matemticos e engenheiros); em 1971, organizou, na Fundao Armando lvares Penteado, em So Paulo, a exposio de Artenica, com participao internacional de artistas da computao. Polemista ardoroso, crtico de arte sagaz, manteve com Ferreira Gullar disputas renhidas quanto natureza da arte concreta brasileira, defendendo uma ortodoxia que seu colega do Rio de Janeiro nunca aceitou.

Geraldo de Barros teve aprendizagem tradicional, e em 1947 comeou suas pesquisas com gravura e fotografia. Suas primeiras fotoformas, de 1950, seriam seguidas por uma viagem Europa e um contato pessoal com Max Bill, em Ulm. Logo depois desenvolveu os primeiros quadros projetados, isto , concebidos e controlados com vistas s possibilidades de produo. Em fins da dcada de 50 aproximou-se cada vez mais do desenho industrial, chegando a fundar em 1959 a Form-Inform, e em 1964 a Hobjeto; no ano seguinte retomou sua atividade como pintor, agora obediente esttica Pop, por achar esgotada a experincia no-figurativista.

O hngaro Kazmer Fejer chegou ao Brasil em 1949, j tendo participado de exposies de arte no-figurativa na Europa. Na I Bienal de So Paulo participou com obras abstratas; mais tarde fez parte do Grupo Ruptura e das exposies nacionais de arte concreta efetuadas em So Paulo e no Rio de Janeiro. Rgidos princpios matemticos determinam suas esculturas em plexiglass, cristal e outros materiais. Fejer regressou Europa em 1970, estabelecendo-se em Paris como qumico industrial.

A Exposio Nacional de Arte Abstrata

Em fevereiro de 1953 o Hotel Quitandinha, em Petrpolis, era palco da primeira Exposio Nacional de Arte Abstrata, da qual participaram, com 53 obras, 23 artistas de diversas idades, tendncias e estilos. Entre eles figuravam Antnio Bandeira, Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Carvo, Palatnik, Lygia Clark (recm-chegada da Frana, onde estudara com Lger, Szenes e Dobrinsky, aps ter sido aluna de Burle Marx, no Rio de Janeiro), Lygia Pape e Dcio Vieira. Predominava o Abstracionismo geomtrico, mas no necessariamente concretista, embora alguns exemplos de arte concreta pudessem ser percebidos. A coletiva, alm de preparar o caminho para a irrupo do movimento concretista propriamente dito, era significativa no momento artstico que o pas atravessava: a arte no-figurativa, onipresente, influenciava at artistas tradicionalmente figurativistas, como Portinari e Pancetti, e obrigava o jri da II Bienal de So Paulo, efetuada no mesmo ano, a repartir, entre Di Cavalcanti e Volpi o Volpi das primeiras Fachadas, j quase alienadas da realidade visvel , o prmio destinado ao melhor pintor nacional. Mais ou menos pela mesma poca, dois pintores de ndole e gerao distanciadas Milton Dacosta, no Sul, e Rubem Valentim, na Bahia aproximavam-se mais do No-Figurativismo, embora sem deixar ainda a abordagem das formas e cores naturais.Alguns participantes da mostraAlosio Carvo comeou sua carreira em 1946 como pintor de conotaes impressionistas; no ano seguinte, transferiu-se do Amap, onde nascera, para o Rio de Janeiro, passando a freqentar um curso de especializao em desenho e, depois, o curso do Museu de Arte Moderna. Membro sucessivamente do Grupo Frente e dos movimentos concreto e neoconcreto (de cujas exposies participou entre 1955 e 1960), Carvo aderiu em seguida Nova Objetividade, tomando parte dessa coletiva de 1966 no MAM do Rio de Janeiro. Em 1976, numa individual, mostrou trabalhos recentes, base de tampinhas de cerveja e barbante. Membro do Grupo Frente de 1953 a 1955, participante das exposies nacionais de arte concreta em 1956 e 1957 e do movimento neoconcreto em 1959/60, Lygia Pape comeou como xilogravadora, expres-sando-se em rgidos esquemas geomtricos. Mais tarde abandonou o plano para praticar a escultura; mas logo voltou-se para novos rumos experimentais, como os livros-poemas e o Bal Concreto (a partir de um poema de Reinaldo Jardim, Olho e Alvo), ao qual se seguiu Bal Neoconcreto, tambm baseado em texto de Reinaldo Jardim. Lygia Pape fez ainda o roteiro de um filme neoconcreto, Braslia (no realizado), no qual encontrou maiores possibilidades de trabalhar com a luz. Em 1967 aderiu ao movimento da Nova Objetividade Brasileira, expondo no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro suas caixas-poemas, com insetos vivos, e o objeto sensorial Ovo.O escultor e diagramador Amlcar de Castro estudou com Guignard e aps 1948 realizou trabalhos abstratos e figurativos. A partir de 1952, j no Rio de Janeiro, passou a realizar experincias com lminas de ferro e alumnio dobradas ou seccionadas, criando esses cortes e vincos o desdobramento de um plano em volume. Como diagramador, reformulou a imagem grfica do Jornal do Brasil em 1959/60, e realizou trabalhos do gnero para outros rgos da imprensa brasileira.

Dcio Vieira estudou inicialmente com Leskoschek, seguindo o priplo normal de seus companheiros de gerao no Rio de Janeiro, passando do Grupo Frente ao Concretismo e depois ao Neoconcretismo. Entre 1954/62, alternou a pintura, concreta e neoconcreta, com a criao txtil, em estdio com a gravadora Faya Ostrower; mais tarde retornou figurao.

O surto concretista

Em dezembro de 1956, realizou-se no Museu de Arte Moderna de So Paulo a I Exposio Nacional de Arte Concreta, com a presena de artistas plsticos e escritores do Rio de Janeiro e de So Paulo. Transportada em comeos de 1957 para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a mostra era complementada por um ciclo de palestras e conferncias, a cargo de crticos, artistas, poetas e tericos, como Mrio Pedrosa, Alfredo Volpi, Dcio Pignatari, Ferreira Gullar, Waldemar Cordeiro, Oliveira Bastos e Alexandre Wollner.

Apoiados pelo Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (surgido em junho de 1956), os concretistas realizaram novas exposies no Cear, em 1957 (Antnio Giro Barroso, Alcides Pinto, Goebel Weine e outros), e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1960 (Waldemar Cordeiro, Kazmer Fejer, Judith Lauand, Maurcio Nogueira Lima e Lus Sacilotto), esvaindo-se o movimento nesse mesmo ano. Desde a primeira exposio surgiram divergncias entre o grupo paulista e o carioca, o que motivou o rompimento de Ferreira Gullar, um dos principais tericos do Concretismo no Rio, com seus companheiros de So Paulo, liderados por Dcio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos. Proclamavam os aulistas a autonomia da forma em detrimento da expresso e de qualquer inteno simblica, ao passo que os cariocas estavam mais prximos do conceito tradicional de arte como expresso.

Tais divergncias determinaram, em 1959, a fragmentao do movimento concretista, com o aparecimento do Neoconcretismo, encabeado por Ferreira Gullar, Reinaldo Jardim, Theon Spanudis, Lygia Clark, Lygia Pape, Franz Josef Weissmann e Amlcar de Castro. No manifesto de sua exposio de maro daquele ano, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, assim explicavam eles sua posio em prol da retomada da arte como expresso: "O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plstica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repe o problema da expresso, incorporando as novas dimenses 'verbais' criadas pela arte no-figurativa construtiva".A I Exposio Nacional de Arte Neoconcreta efetuou-se no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1959; no ano seguinte o Palcio da Cultura abrigava a segunda mostra, realizando-se a terceira, em 1961, no Museu de Arte Moderna de So Paulo. Exposies e eventos neoconcretos diversos ocorreram ainda em Salvador (1959), mas sobretudo no Rio, palco, entre 1959 e 1960, de manifestaes como o Bal Neoconcreto de Lygia Pape e Reinaldo Jardim, no Teatro da Praa, a mostra de livros-poemas na sede do Jornal do Brasil reunindo originais de Ferreira Gullar, Lygia Pape, Reinaldo Jardim, Theon Spanudis e Willys de Castro, e as "prosas neoconcretas" de Reinaldo Jardim.

Os bichos, de Lygia Clark esculturas metlicas que exigiam manipulao direta do espectador, a cujo toque assumiam posies as mais variadas , e principalmente a Teoria do No-Objeto, de Ferreira Gullar, sedimentaram, em 1960, a posio do grupo carioca. A este aderiram uns poucos elementos de So Paulo, como Spanudis, Willys de Castro e Hrcules Barsotti, e alguns antigos membros do primitivo grupo concretista carioca, como Carvo e Dcio Vieira, alm dos convertidos de ltima hora, como Roberto Pontual e Osmar Dillon.

Tanto o Concretismo quanto o Neoconcretismo tinham, porm, cumprido j o seu ciclo vital: desde 1959, quando fizera sua apario triunfal na V Bienal de So Paulo, o Abstracionismo informal impusera-se como tendncia esttica dominante, revigorando uma corrente no-figurativa no-geomtrica que, com sorte varivel, vinha acompanhando desde fins da dcada de 40 a evoluo da arte construtiva em nosso pas.

"Bichos" e "parangols"

Mineira de Belo Horizonte, Lygia Clark comeou seus estudos no Rio de Janeiro, em 1947, como aluna de Burle Marx. De 1950 a 1952 residiu em Paris, onde estudou com Lger. A partir de 1953, expressando-se numa linguagem geomtrica de total despojamento, denota com preocupao virtual a ruptura do espao do quadro e a conquista do espao exterior. Membro do Grupo Frente de 1954 a 1956, nesse ltimo ano integrou a Exposio Nacional de Arte Concreta em So Paulo. Seus trabalhos aproximavam-se j ento da natureza da arquitetura e da escultura, desenvolvendo-se num espao real, e no somente no campo ptico da pintura. Aos contra-relevos de 1960 superfcies moduladas em figuras geomtricas justapostas sucederam-se os no-objetos e os bichos, formas manipulveis formadas por planos de metal articulados. Seguiram-se as sries Caminhando (1963), Abrigos Arquitetnicos (1963), A Casa o Corpo (1968) etc.

Em 1969, a artista voltou-se para as experincias tteis, sensoriais. Entre os anos de 1970 e 1976, ministrou aulas na Sorbonne, a meio caminho entre a expresso corporal e a Body Art. base de redes, tubos de caa submarina, plsticos cheios de gua, pedras ou bolinhas de pingue-pongue, Lygia Clark motiva seus alunos a "fragmentar" o corpo, num trabalho de implicaes mais psicolgicas do que artsticas. Ela prpria, alis, aps sua volta ao Brasil, em 1976, autodenomina-se "no-artista", considerando superada a fase de sua criatividade esttica.

Aluno de Serpa em 1954, Hlio Oiticica integrou o Grupo Frente (1954/56), participando depois sucessivamente dos movimentos concreto e neoconcreto. Preocupado com a cor, idealizou, por volta de 1959, os Penetrveis, tneis em que as cores aparecem de acordo com um esquema predeterminado. Sempre na direo do espao real, criou em 1961 jardins construdos base de areia e cor, e em 1964 os parangols, um tipo de arte ambiental em que capas revestem e complementam corpos.Os concretistas de So Paulo

Willys de Castro, mineiro de Uberlndia, comeou a fazer desenhos no-figurativos de conotao geomtrica ainda em 1950, e em 1953 realizou suas primeiras pinturas francamente concretas. Em 1958, atenuou o rigor de seus esquemas formais e cromticos de meados da dcada de 50, e passou a fazer uma pintura mais expressiva. A adeso ao grupo concreto do Rio de Janeiro e depois ao Neoconcretismo, em 1959, foram os prximos passos desse artista, cuja contribuio mais vlida tendncia parecem ter sido as "partituras de oralizao" para poemas concreto-visuais, realizadas entre 1954 e 1957.

Hrcules Barsotti pinta desde 1940, embora datem de comeos dos anos 50 suas primeiras pinturas geomtricas, e de 1954 suas mais tpicas obras concretas. Adepto de uma arte mais prxima do orgnico, terminou rompendo com o grupo co