Arte Contemporânea, mas o que é isso?
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Arte Contemporânea, mas o que é isso?
"A arte, que exprime a vida, é tão misteriosa quanto ela" Élie Faure
Se a arte tem algo que lhe é próprio é o fato de ser uma intensificação da vida, de trazer
algo diretamente da fonte da vida, por isso ela é sempre produção de uma realidade,
invenção de novos mundos, expressão dos fluxos que constituem o universo e das
forças em confronto num campo social. O confronto da arte é sempre com o senso
comum, com os clichês, é contra isso que ela se levanta. No mais, tudo é inconstância e
variação contínua. Dessa maneira ao abordar uma obra de arte é importante reconstituir
a realidade que ela traz, sem tentar convertê-la em outra linguagem, neste caso em
escrita, mas buscar a partir da própria obra o que dela emana, qual sua potência, qual a
vontade que passa por ela, o que quer suscitar, o que o artista através da obra quer
produzir no espectador.
Quando se pensa em Arte Contemporânea, uma questão logo se impõe: o que justifica a
mudança de termos para designar a arte que tem sido produzida na história recente? Em
que sentido ela deixou de ser moderna e passou a ser contemporânea? O que de fato
mudou? Algo começa a se delinear quando se percebe como, de uma forma extrema, a
arte contemporânea coloca o problema da impostura, em que uma arbitrariedade passa a
fazer parte da própria obra. Daí a dificuldade de se pensar algo que não tem definição,
que não segue nenhum modelo, que extrapola os limites, que está sempre forçando as
fronteiras, que não para de escapar, ainda mais que a arte moderna, de uma tradição
aceita e esperada, porque sempre em dissonância.
Nos anos 60 algo se rompeu no processo que estava se desenrolando há várias décadas,
fazendo com que uma outra maneira de produzir, de apresentar e de entender a arte
aparecesse, chegando ao ponto de estar excasseando atualmente a produção artística nos
termos do que foi a moderna. Algumas mudanças que, naquela década, começaram a se
propagar estão relacionadas a dois acontecimentos que deram novas direções ao fazer
artístico e que podem ser considerados como fatores fundamentais para o surgimento de
uma nova arte.
Um foi a prática que se difundiu rapidamente entre muitos artistas de utilizar novos
tipos materiais, considerados não nobres, e de apropriar imagens produzidas ao longo da
história da arte ou tiradas dos meios de comunicação de massa, além de incorporar
objetos prontos tirados do cotidiano, coisa que hoje para nós já se tornou fato
extremamente comum, mas então teve um papel central nessas modificações que
estavam ocorrendo, a ponto de ser a principal responsável nessa passagem do moderno
ao contemporâneo. O outro acontecimento foi a ampliação das possibilidades de criação
que se deu com diversas experimentações em todos os campos, impulsionando a
invenção de novas linguagens, como a prática da Performance, de Intervenções urbanas
e de paisagem e de um novo modo de ocupar o espaço com Instalações, considerando
também o fato de a fotografia ter se tornado um meio artístico muito valorizado como
algo essencial nessas mudanças.
Isso tudo acabou por transformar o próprio conceito de arte. A partir disso, não há mais
uma separação necessária entre as linguagens, um artista nem sempre produz apenas
pintura ou escultura, mas objetos dúbios, andrógenos que tanto podem ser uma coisa
como outra, bem como pode não haver objeto algum como resultado de sua atividade, é
o que se chamou de desmaterialização da arte, a arte em si passando a ser a própria
ideia, ou ainda, o processo enquanto uma ação que se desenrola ao vivo ou que é
registrada em fotografia ou vídeo, que se torna então, o próprio trabalho. Há quem diga
atualmente que a arte tornou-se essencialmente conceitual.
Essa mistura de meios configurou o que foi chamado de "campo expandido". Esse
conceito nos possibilita ter um entendimento dos desdobramentos da arte nas últimas
décadas, quando ela se associou à ciência, à tecnologia, à filosofia, à indústria, ao
artesanato, colocando lado a lado num mesmo trabalho escrita, imagem, objetos, sons
em que a obra se torna um agregado de coisas e de imagens formando assemblagens e
instalações. Uma arte multissensorial. Nesse sentido fala-se em escultura expandida,
pintura expandida, cinema expandido, fotografia expandida... Num único trabalho uma
variedade de meios interatuando.
O artista tornou-se uma espécie de colecionador, aquele que sai à cata de objetos e
imagens, ou mesmo apenas ideias, para integrar a sua coleção particular, a partir da qual
irá compor sua obra, que pode ser ready-made ou handmade. Dessa forma, a destreza
manual e técnica deixa de ser atributo indispensável do artista que, ao se apropriar de
objetos, de imagens ou tratar apenas do planejamento da obra e deixar a execução a uma
equipe ou outros profissionais, funciona como um agenciador de diferentes ações. A
poética contemporânea voltou-se fundamentalmente para os procedimentos, estes
passaram a fazer parte da obra em si que, muitas vezes perde o sentido quando não se
explicita o processo, o qual se dá de maneira rizomática, numa linha de errância que se
constitui à medida que é traçada, feita ao bocados, aberta a desvios e acasos, também
caracterizada algumas vezes por um inacabamento. É num mesmo gesto que o artista
conjuga elementos cotidianos na obra e a projeta no fluxo comum do dia-a-dia.
Incorpora o mundo e se expande no mundo.
Assim, muitas vezes o espaço expositivo passa a fazer também parte da obra ou ainda
esta extrapolando a moldura, a galeria, ganha a arquitetura, a cidade, a natureza, o
mundo e também o corpo. Qualquer coisa se torna espaço ou suporte para a arte. A
efemeridade também foi valorizada nessa ênfase dada ao processo, pois a obra, às
vezes, acontece e se dissipa no momento em que é produzida. Dessa maneira, espera-se
uma nova postura do público, convidado a ir além da apreciação contemplativa, a dar
um sentido diferente ao trabalho, interferindo, tornando-se peça constituinte da obra.
Vivemos num campo social que pôs em movimento uma alucinante máquina de
produção em massa de tudo e qualquer coisa. Mundo de artifícios. É com esta matéria
que o artista contemporâneo se confronta, é esta sua matéria-prima, apodera-se dela para
produzir um simulacro, subtraindo toda utilidade, revertendo as cópias e o original,
transvasa uma diferença na repetição, pondo à mostra as redes de poder das quais faz
parte, o desejo que as instâncias de poder incitam em nós, a direção inferior que deram à
vida, um modo de viver inteiramente mercantilizado, em que tudo se resume em
consumo, nos lançando num vazio. Enfim, a arte aponta a maneira como a sociedade
percebe o mundo, a precariedade dos hábitos, seus valores, seus medos.
Hoje nos vemos diante de uma incrível diversidade de trabalhos, o que é bem instigante,
uma abertura como nunca houve antes na história, possibilitando a produção da mais
variada gama de criações, mas também, corre-se um risco bem maior de cair em
repetições sem sentido, em impasses.
A arte em si é desterritorializante, sempre escapando, tornando-se outra coisa, qualquer
coisa, numa expansão descentrada e descentralizante. Não há limite do que pode vir a
ser uma obra de arte contemporânea, ela é, por excelência, pluralista e indefinida. Não
há, portanto, parâmetros os quais possibilitem fazer classificações à maneira cartesiana,
só podemos traçar alguns mapas transitórios. Não é possível chegar a nenhum consenso,
ela é por excelência discrepante.