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ARTE, DESIGN E VIDA COTIDIANA Angela Maria dos Santos Mestranda em Design: Comunicação e Cognição Linha de Pesquisa: Dinâmicas Estético e Sócio – Cognitivas Orientadora: Pfa. Dra. Priscila Arantes Centro Universitário SENAC – SP Bolsista CAPES Resumo Na análise de quatro obras de artistas contemporâneos verifica-se a transversalidade da arte e do design expressa em temáticas relacionadas à vida cotidiana, como as questões ecológicas e ambientais e na percepção da natureza enquanto fenômeno sócio-cultural. Palavras chave: ecologia, arte, design, transversalidade, vida cotidiana Abstract Trough the analyses of four works from contemporary artists we verify the transversality of art and design expressed on concerns related to everyday life, such as ecological and environment questions and at the perception of a nature as a socio- cultural phenomenon. Key-words: ecology, art, design, transversality, daily life 1

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ARTE, DESIGN E VIDA COTIDIANA

Angela Maria dos Santos

Mestranda em Design: Comunicação e Cognição

Linha de Pesquisa: Dinâmicas Estético e Sócio – Cognitivas

Orientadora: Pfa. Dra. Priscila Arantes

Centro Universitário SENAC – SP

Bolsista CAPES

Resumo

Na análise de quatro obras de artistas contemporâneos verifica-se a transversalidade

da arte e do design expressa em temáticas relacionadas à vida cotidiana, como as

questões ecológicas e ambientais e na percepção da natureza enquanto fenômeno

sócio-cultural.

Palavras chave: ecologia, arte, design, transversalidade, vida cotidiana

Abstract

Trough the analyses of four works from contemporary artists we verify the

transversality of art and design expressed on concerns related to everyday life, such as

ecological and environment questions and at the perception of a nature as a socio-

cultural phenomenon.

Key-words: ecology, art, design, transversality, daily life

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Análise de praticas artísticas dos artistas Alan Sonfist, Angela Santos, Jane

Prophet e o coletivo SUPERFLEX

A atuação desses quatro artistas nas obras selecionadas abrange os temas

pesquisados a saber: a relação íntima com a natureza e suas questões ambientais, a

estreita relação com o design (na questão conceitual de elaboração dos projetos, na

realização envolvendo práticas que em sua maioria são atribuídas à designers, no

trabalho interdisciplinar), o caráter social e político, pois muitas dessas ações

decorrem de um olhar crítico quanto a forma como atuamos e vivemos, a busca de

saídas para uma geopolítica de imposição econômico/financeira, e principalmente a

estreita relação com a vida.

Abrangendo um período que parte dos anos 1960 até os dias atuais, traça um

recorte na história da arte contemporânea, apontando mudanças significativas na

atuação artística que apontam para uma atuação mais abrangente quanto ao seu raio

de ação e ao “estar no mundo”. Esses trabalhos atuam em graus diferenciados com

os temas pesquisados, sendo, portanto, um leque relevante para o projeto justamente

pela sua diversidade e transversalidade de atuação.

Alan Sonfist (1946, New York City, NY)

Obra: Time Landscape: 1965/1978 até o presente

LandArt urbana, New York City, New York

Descrição: em um terreno baldio entre as ruas Houston com La Guardia Place, o

artista plantou, no período de 1965 a 1978, uma floresta de plantas nativas,

enriquecendo o solo empobrecido e recriando as formações rochosas preexistentes à

chegada dos primeiros ocidentais. Ele transplantou espécies vivas como faia, carvalho

e ácer e mais de 200 espécies diferentes de plantas nativas de New York

selecionadas por serem do período pré-colonial.

Time Landscape, Greenwich Village, New York, 1965

Cortesia do artista e Paul Rodgers 9W Gallery

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Implantação de Time Landscape,

Lower Manhattan, New York, 1978

Em uma ação considerada Land art, o artista americano Alan Sonfist explica sua

motivação para a realização desse trabalho dizendo da importância de se cultivar

plantas nativas a fim de que a cidade não se esqueça de suas origens. (KASTNER e

WALLIS. 1998:150)

Essa frase indica o tipo de ação que Alan Sonfist tem feito desde os anos 1960

enquanto artista ligado ao movimento artístico LandArt. Diferentemente de outros

artistas do mesmo movimento cujas ações interferem na terra, geralmente em lugares

distantes, a fim de criar sítios artísticos, suas intervenções são, em sua maioria,

urbanas e ocorrem dentro das cidades. Suas ações se propõem a reconstruir ou

apontar problemas ambientais gerados por um desenvolvimento econômico/industrial

predatório; ao fazê-lo, o artista devolve ao publico um espaço de fruição, mas

principalmente de conscientização sobre nossa maneira de estar no mundo.

A motivação para as criações de Sonfist tem sua origem nos anos 1950. O Rio

Bronx, localizado no bairro onde ele vivia, conservava uma área de floresta nativa. Em

entrevista a John Grande ele diz: “A floresta era meu santuário quando criança. A violência

humana não entrava na floresta – era minha catedral mágica. Eu faltava na escola a fim de passar todo o

tempo que eu pudesse nessa floresta e renovar minha energia, minha vida. A floresta tornou-se minha

vida e minha arte”. (Grande, John K. (www.grandescritique.com), trecho de Art Nature

Dialogues:Interviews with Environmental Artists (www.sunypress.edu).

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Time Landscape, New York City, 1965-1978 até o presente

Em Time Landscape o artista trabalhou de maneira colaborativa e democrática

consultando os moradores da vizinhança onde o trabalho foi desenvolvido, e dessa

forma, envolvendo seus usuários. Ao propor a restauração de um terreno abandonado

em pleno espaço urbano da cidade de New York, o artista alia práticas que seriam

esperados de um arquiteto urbanista ou designer paisagista. Seu projeto revela uma

ação de design quanto ao planejamento, logística, implantação e conservação.

O titulo “Paisagem no Tempo” traz em si a idéia de um tempo que busca no

passado sua continuidade no futuro. Desperta nos usuários a memória de tempos

anteriores à chegada dos ocidentais, possibilitando a experiência de paisagens

possivelmente não vivenciadas anteriormente. Propõe também o sentido de

pertencimento e participação, pois enquanto obra viva e em constante mutação,

necessita de atenção e cuidados pertinentes à sua conservação. Ou seja, esse

“tempo” criado por Sonfist é o tempo de existência da obra e do quanto nos

empenhamos na manutenção de sua vida. Essa manutenção provavelmente ocorre

por conta da municipalidade, mas certamente envolve também os cidadãos usuários.

Nesse trabalho artístico a intenção é a de despertar nas pessoas a atenção para com

a natureza, na esperança de que se tornem mais conscientes da sua fragilidade

perante as ameaças ambientais numa relação direta entre arte e vida, memória e vida.

Uma paisagem cultural visto que estreitamente relacionada a Norte America, à forma

como a colonização foi realizada e à maneira como os bens naturais como a flora

foram depredados em função de uma política econômica capitalista cujo objetivo

principal é o lucro em detrimento da história, da memória, do bem estar humano.

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Angela Santos (1954, Jaboticabal, SP)

Obra: Jardins Urbanos, 2001

Instalação interativa realizada nas oficinas do SESC Pompéia, São Paulo, nos finais

de semana de março de 2001.

Descrição: A instalação consiste no envolvimento do publico para a criação de

jardins. Primeiramente, através de breves projetos desenhados e então, a

implementação dos mesmos. Disponibilizou-se para tanto, vasos de plantas de

espécies variadas, bolachas de madeira, seixos de rio e sfagno.

Jardins Urbanos visa à criação de jardins através de duas ações: a primeira mais

conceitual e idealizada, propõe o desenho de um projeto de jardim; a segunda propõe

a realização desses projetos. Para tanto, a artista montou um espaço que consistia em

um tablado de madeira e um painel ao fundo. Em dois grandes bancos de madeira

colocados ao lado desse espaço, a artista colocou à disposição do publico vários

vasos com plantas de diferentes alturas, texturas e cores, algumas com flores, além de

bolachas de madeira, seixos de rio e sfagno (espécie de raízes finas, encontradas em

árvores) e que, quando secas, servem muito bem para forração de vasos e

ornamentação. Em outro canto da instalação, disponibilizou-se uma mesa com cópias

sulfite da planta baixa do espaço (previamente feita pela artista) e vários lápis,

borracha e lápis de cor.

Menino fazendo seu jardim – Jardins Urbanos - SESC Pompéia 2001

Outras duas proposições da artista são a questão do tempo e a questão da

desconstrução e que estão interligadas, pois a efemeridade da criação fica evidente.

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O publico era numeroso e diversificado, tanto social quanto em relação à faixa

etária. Em sua maioria, chegava atraído pelas plantas e muitos acreditavam ser uma

feira das mesmas.

Uma vez explicado o trabalho, eles partiam para o desenho de seus projetos de

jardim. Finalizado, partiam para a realização. Alguns optavam por fazê-lo em

pequenos grupos e outros individualmente. Nesse intervalo entre a finalização do

projeto e a realização, aguardavam, observando a realização ou finalização do jardim

do outro. Ao partirem para a feitura do seu próprio jardim, podiam conservar partes do

anterior ou destruí-lo completamente.

A proposta busca proporcionar um campo para a criatividade através da vivencia

de um jardim enquanto objeto vivo e tridimensional, despertar a relação das pessoas

com a natureza assim como ampliar as questões do meio ambiente urbano; trabalhar

com a memória e os afetos; e a dinâmica de criação de jardins um após o outro, lida

com a desconstrução e o tempo.

Artista realizando seu jardim – Jardins Urbanos, SESC Pompéia, 2001

A resposta a essa ação interativa foi surpreendente pela qualidade do

envolvimento e pelas questões geradas por ela. A criatividade do publico ficou

evidente assim como a atração pela natureza. Uma palavra muito recorrente foi

“terapia”. Foram levantadas também questões sociais, da efemeridade do tempo

contemporâneo, do trabalho colaborativo, do desprendimento e da posse na criação,

de questões espaciais e estéticas, de plantas e do meio ambiente, entre outras. Mas

principalmente foi uma ação marcante para o publico e para a própria artista enquanto

experiência.

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A artista entrevistando uma participante de Jardins Urbanos, SESC Pompéia, 2001

Conceitualmente, esse projeto apresenta vários desdobramentos. O primeiro

está vinculado à relação arte, design e vida. Essa proposta contemporânea de atuação

artística permite ao publico uma relação direta com a vida dessas pessoas e para além

da experiência em si.

O design encontra-se presente em vários momentos: na construção mental de

viabilização da ação; na configuração do espaço; na escolha das plantas e flores e

demais materiais para a implantação dos jardins, decorrentes da atuação da artista

enquanto paisagista em um determinado período de sua vida profissional.

Outro desdobramento traz a questão social por estar trabalhando com pessoas

as mais diversas possíveis em termos de classe social e faixa etária e não diretamente

ligadas ao circuito da arte.

As questões estéticas são trabalhadas com as noções de espaço, composição,

cor, texturas.

Jardins Urbanos trabalha também com o conceito de uma natureza cultural e de

forma sutil, as questões ambientais.

E trabalha ainda com o corpo, pois a realização dos jardins exigia um razoável

deslocamento, movimento e força, utilizando-se de um exercício físico involuntário,

Jane Prophet (1964, Birmingham, UK)

Obra: Decoy ( Engodo) 2001

Descrição: Consiste em uma série de curtas animações digitais apresentadas em

telas de plasma. Cada uma das seqüências mostra uma fotografia de uma paisagem

idílica da Inglaterra que sucumbe a efeitos digitais. Trabalhando de forma colaborativa,

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o software de animação foi especificamente desenvolvido para esse trabalho.

Apresentada em vários museus e galerias, a obra adquire versões variadas segundo o

espaço em que é mostrada.

Mestra em Electronic Graphics, Jane Prophet tem nas estruturas dos objetos o

foco principal de sua pesquisa. Vários de seus trabalhos estão voltados para questões

ambientais e culturais e a artista frequentemente trabalha de forma colaborativa com

outros profissionais.

Especificamente em Decoy, o tema está voltado para a construção

ideologicamente instalada na sociedade inglesa sobre a natureza e a paisagem. Ao

pesquisar fotos de paisagem nos arquivos do National Trust, uma organização sem

fins lucrativos pela conservação do patrimônio histórico que protege edifícios, jardins e

paisagens de interesse especial na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, a

artista deparou-se com uma grande quantidade de paisagens extremamente

semelhantes. Para a sociedade inglesa essas paisagens rurais se constituem no que

eles consideram típicas e nativas das terras inglesas.

Entretanto, essas paisagens, provenientes de famosas propriedades rurais

inglesas, foram, em sua maioria, cuidadosamente desenhadas e implementadas por

dois paisagistas: Humphry Repton e Lancelot “Capability” Brown.

Hugo Segawa, referindo-se aos jardins desse período dirá:

Ocorre na Inglaterra no século 17, um avanço das fronteiras agrícolas

onde as “terras incultas” (pastos, charcos e montanhas) são utilizadas

para maior exploração lucrativa da terra, pois a indústria naval

demandava uma administração racional das matas. Da preservação

das florestas ao plantio de árvores foi um passo: a silvicultura

transformava-se numa forma de valorização das propriedades. Ao

mesmo tempo, o cultivo de árvores satisfazia aos interesses

econômicos e atendia aos anseios estéticos da mitificação da vida no

campo (...). Nessa ocupação territorial, convivem o trabalho e o

deleite em margens opostas. A preparação de vistas pressupunha

oferecer ao espectador a distinção entre as paisagens “práticas” – de

caráter técnico, produtivo, racionalizador – das “estéticas” – de feição

contemplativa, mística, do qual se exigia principalmente o

escamoteamento das duras condições do campo mediante o manejo

de um horizonte que suprime as referências produtivas (e

desagradáveis) do olhar dos proprietários da terra. (SEGAWA.

1996:29)

Eminentemente destinada às classes aristocráticas e burguesas em ascensão,

essas imensas propriedades rurais tiveram sua natureza devastada e reconstruída

segundo moldes idealizados de observação e baseados, em sua maioria, nas pinturas

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de paisagem de artistas francesas como Claude Lorrain e Nicolas Poussin.

Diferentemente dos jardins simétricos de Versailles, esses projetos paisagísticos

promoviam a organização de plantas e árvores, montanhas, lagos e pontes que

privilegiassem uma “certa naturalidade” e acima de tudo, a vista a partir da casa.

Jane trabalha então com uma dupla simulação, sobrepondo sobre essas fotos de

paisagem, outras estruturas, como gramados, neblinas e árvores que invadem as

cenas lentamente, como intrusas, reconfigurando, de forma aparente, essas

paisagens.

Na sequência de stills abaixo, as únicas duas árvores deixadas pelo paisagista

“Capability” Brown serviu de guia para a reconstrução da alameda anteriormente

existente à intervenção. As arvores deixadas na paisagem, são como rastros que

permitem recriar o que não existe mais. Como em um vídeo game onde criamos

ambientes existentes em nossa mente, mas guiados por um programa previamente

existente.

Decoy (2001)- alameda de carvalhos criada por animação digital, sobre foto de paisagem do século 17. A

recriação teve como ponte de origem os dois únicos carvalhos deixados na terra pelo paisagista

Capability Brown.

O programa de animação baseia-se na estrutura das arvores e através de regras computacionais, mostra

como elas crescem. (www.janeprophet.com)

A grande questão de Jane Prophet nesse trabalho artístico resume-se na

pergunta: o quão real e natural é a paisagem que vivemos e conhecemos? O próprio

titulo do trabalho indica a questão: decoy significa aquilo que aparenta ser, mas não é.

Esse trabalho exigiu da artista uma grande pesquisa na National Trust,

resultando na descoberta dos principais paisagistas que elaboraram essas paisagens

e na colaboração de software designers para a criação do programa que viesse de

encontro à realização da sua obra.

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Embutida em sua ação, encontramos a questão que Jane deseja colocar ao

publico a fim de provocar a consciência do ambiente em que vivem e o

questionamento de suas crenças em relação a ele.

Decoy foi apresentado em lugares emblemáticos como o Blickling Hall, magnífica

mansão tradicional do século 17, cercada por jardins e paisagens e recentemente

transformada em museu e outras opções de lazer como “a day out – ou desfrutar o dia

junto à natureza”.

Na mostra Life is Beautiful realizada na Galeria The Laing que possui uma

coleção de pinturas dos séculos 18 e 19, Jane coloca as duas telas de plasma ao lado

de paisagens em aquarela da coleção permanente da galeria em uma alusão direta às

fontes de inspiração para a paisagem que os ingleses consideram atualmente como

suas e originais.

Decoy instalado na Galeria The Laing (www.janeprophet.com)

Com esse trabalho Jane Prophet atua na transversalidade que estamos

investigando: na relação arte e design presente na idealização da proposta através da

pesquisa da paisagem e na descoberta de sua criação pelos landscape desingers do

século 17; no trabalho interdisciplinar para o desenvolvimento de softwares de

animação digital especiais para a concretização do trabalho de forma que as

estruturas fiquem aparentes; no planejamento nos espaços das mostras em que a

obra foi apresentada transformando-os em art in situ; pelas questões social e

político/econômica implícitas no tema da paisagem enquanto fenômeno cultural; por

tratar também e predominantemente, da relação entre arte e vida cotidiana.

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SUPERFLEX – coletivo dinamarquês formado por Bjørnstjerne Christiansen (1969,

Copenhagen), Jakob Fenger (1969, Copenhagen) e Rasmus Nielsen (1968,

Copenhagen).

Obra - Superflex Bioga: desde 1996 o coletivo vem desenvolvendo aplicações de uso

para o projeto de duas câmaras de biogás portáteis que convertem dejetos humanos,

esterco e dejetos da agricultura em energia (biogás) e fertilizante (lodo). Esse gás é

então utilizado como fonte de energia por famílias pobres para o cozimento dos

alimentos e para iluminar a casa através de uma lâmpada.

Descrição: Trabalhando em um processo colaborativo com engenheiros africanos e

dinamarqueses, o coletivo Superflex desenvolveu uma unidade portátil de biogás

simples. Esse processo de biogás consiste no depósito de materiais orgânicos em um

tanque lacrado a 20-40º C. Uma digestão anaeróbica acontece e bactérias convertem

o produto orgânico em biogás combustível (metano, dióxido de carbono) e fertilizante

(amônia).

Uma vez desenvolvido, o Superflex testou o projeto pela primeira vez em agosto

de 1997 em uma pequena fazenda na área central da Tanzânia, na África. Em uma

parceria com a organização africana SURUDE (Sustainable Rural Development) o

projeto coletou diariamente o esterco de duas a três vacas produzindo 3m cúbicos de

gás por dia, suficientes para produzir energia para acender uma lâmpada à noite e

garantir gás de cozinha para alimentar diariamente uma família de oito a dez pessoas.

Imagens da implantação do projeto na Tanzânia, África. Site: www.superflex.net

Trabalhando na fronteira estreita entre arte e design, esses artistas vêem

possibilidades de todas as coisas serem utilizadas em níveis diferentes –

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esteticamente, teoricamente e economicamente. Vários desses projetos questionam

criticamente o sistema econômico/capitalista e promovem o desenvolvimento de

projetos sociais e de sustentabilidade.

Em Bioga, criaram um sistema barato, que não depende de nenhuma fonte de

energia para o seu funcionamento a não ser os dejetos orgânicos. O sistema funciona

unicamente através da energia solar. Para a mistura do substrato e o controle do

reator, o sistema pneumático/hidráulico usado é acionado através do nível de pressão

do biogás. A cada 5h o gás é liberado e percorrendo os canos, instala-se no reator.

Quando acionado para o consumo, produz o gás usado diariamente pela família na

Tanzânia. Ecologicamente limpo, cada metro cúbico do biogás corresponde ao uso de

6 litros de combustível diesel. O engenheiro dinamarquês John Mallan, envolvido no

desenvolvimento do projeto de biogás aponta outras vantagens do seu uso:

Sistemas desse tipo contribuem de varias maneiras para a

manutenção do equilíbrio ecológico. Evita-se o

desflorestamento praticado pelo uso da madeira e a poluição

dos cursos de água com dejetos orgânicos. Os substratos

(amônia) gerados pelo sistema de biogás são considerados os

mais adequados fertilizantes para a agricultura. Especialmente

instalados nessas áreas, o árduo trabalho diário de coleta de

madeira em áreas distantes cessará e o padrão de higiene

aumentará consideravelmente uma vez que os dejetos animais

serão rapidamente coletados, reduzindo dessa forma o numero

de moscas e trazendo uma grande limpeza ao local.

(www.superflex.net)

Testes vêem sendo realizados em outros lugares: no Cambodja em colaboração

com a UTA – Universidade de Agricultura Tropical; em The Land, Cheing Mai, na

Tailândia onde estão testando uma nova versão do biogás com o intuito de coletar

mais documentação sobre os benefícios do sistema de biogás. O sistema implantado

no Cambodja utilizou materiais locais e o preço ficou em US$50. Apesar do interesse

considerável de organizações e indivíduos que trabalham em ajuda humanitária,

nenhum canal de vendas puramente comercial foi ainda estabelecido.

Questionados sobre se sua atuação corresponde ao universo da arte eles

afirmam:

“Basicamente é uma questão sobre o que a arte é capaz de

fazer. A arte é capaz de focar em vários tópicos e discursos e

nossa maneira de fazê-la é a de ir além da mera

problematização. Nós queremos que nossa arte tenha uma

relevância social clara e nós assumimos total responsabilidade

pelas conseqüências. Estamos engajados em uma operação

que esperamos ser concretamente relevante para um indivíduo

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ou um grupo de pessoas. O projeto Bioga trata precisamente

disto”. (Superflex. Interview with Asa Nacking//1998 In COLES.

2007:127)

Perguntados por Asa Nacking em que maneira eles se diferenciam de um designer

de produto eles respondem:

“A diferença não é grande. Nós também estamos

interessados no valor estético – algo que raramente está

associado a esse tipo de produto. Seria teoricamente possível

para um designer desenvolver um projeto como esse, mas a

diferença está no fato de que nós podemos e estamos

interessados em colocar questões – coisas que não estão

normalmente associadas com as intenções do designer”.

Ibid., p.130

Em um exemplo de quebra de fronteiras entre arte e design, o trabalho Bioga foi

majoritariamente financiado na sua primeira implantação na Tanzânia pelo Louisiana

Museum of Modern Art, Humlebæk, Denmark e exposto em 1997.

O trabalho foi exposto em museus na Alemanha, Portugal e Estados Unidos.

Analisando, portanto a obra Bioga do coletivo Superflex verificamos a existência

de uma grande ação que permeia vários campos de intersecção: o desenvolvimento

do design de um produto artístico de maneira estritamente colaborativa junto a

engenheiros locais e africanos; o envolvimento de um museu subvencionando a

primeira implantação do projeto na Tanzânia; a participação efetiva da SURUDE

(Desenvolvimento Rural Sustentável) da Tanzânia na sua primeira experiência de

implantação; o objeto de o projeto destinar-se a um publico alvo menos favorecido,

proveniente de áreas subdesenvolvidas e dependente de energias sujas e caras; o

intuito de transformar esse meio energético em uma possibilidade viável e barata para

essas populações além da preocupação sustentável e ecológica com o planeta; a

veiculação da ação através de mostras em museus e no site do coletivo; o fato de a

obra ser um work in progress, sendo levada para outros países, se adaptando às

condições locais e se desenvolvendo no tempo.

Através, portanto da análise das quatro obras apresentadas, verificamos a

transversalidade das ações nelas encontradas. Com o pressuposto comum da

ecologia, natureza e meio ambiente, todas elas, em graus diferenciados, apresentam

um comprometimento com temas decorrentes da vida cotidiana e da nossa forma de

estar no mundo. As quatro obras buscam o olhar, a vivencia, a conscientização do

publico sobre os temas abordados e através delas, as soluções possíveis. A arte em

função da vida.

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Referências Bibliográficas

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ngela Santos – (Jaboticabal, SP). Vive e trabalha em São Paulo ciatura Plena em

ABacharel em Artes Visuais pelo Algonquin College, Canadá; Licen

Artes pela FAAP, São Paulo. Assessora para os projetos internacionais do MIS- SP e

Paço das Artes, SP. Exposições: NORD/SUD, instalação Canadá- 2007, NINHO,

instalação, Bragança Paulista- 2004, DEZEMBRO, vídeo, Galeria Vermelho-2006.