Arte e literatura: diálogos possíveis

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Arte e Literatura diálogos possíveis Dra. Renata Bomfim Artista plástica e escritora

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Palestra realizada pela artista plástica e escritora capixaba Renata Bomfim, no I Circuito ArtES. A palestra em questão faz um passeio pela história das artes plásticas e literárias buscando compreender seus vínculos com a filosofia, cinema, política, entre outras tramas.

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Arte e

Literatura diálogos possíveis

Dra. Renata Bomfim Artista plástica e escritora

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A arte como expressão do humano

Cueva de las manos (homo sapiens- homo faber) (Vale do rio Pintura, Patagônia/ Argentina. 9.000 anos)

(Gruta de Gargas, 30.000 a. C.)

Gruta de Lascaux (foram 15 milênios) Entre 14000- 13.500 a.C.

Bizão: Gruta de Altamira/Espanha. 14.000- 9.500 a.C.

Serra da Capivara/ Piauí/ Brasil (50.000 anos/ vestígios mais antigos da América)

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“Criar é basicamente formar. É poder dar forma a algo novo” (homo faber)

*

“Em cada ato nosso, no exercê-lo, no compreende-lo e no compreender-nos dentro dele, transparece a projeção de

nossa ordem interior, [...] sempre em busca de significados”

• *

“O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; ele

só pode crescer enquanto ser humano, coerentemente, dando forma, criando”

“Os atos estéticos são configurações da experiência comum que ensejam novos modos de sentir, induzindo a novas formas de subjetividade política”

*

“Identificar os sintomas de uma época, sociedade ou civilização nos detalhes ínfimos da vida ordinária, explicar a superfície pelas camadas subterrâneas e reconstruir mundos a partir de seus vestígios, é um programa literário/artístico, antes de ser científico”

*

“Os enunciados políticos e artísticos fazem efeito no real”

RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo, EXO Experimental, 2005.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

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Dialogismo e Polifonia Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895- 1975)

“A linguagem é um fenômeno que só acontece na relação do sujeito com o outro, ela é também um fator ideológico que não ocorre de forma isolada ou desprovida de intenção.” “o mundo interior do sujeito é composto por um “auditório social” próprio e bem estabelecido, e será a partir desse auditório e das vozes que tecem o discurso que o sujeito “construirá suas deduções, motivações, apreciações, etc. “cada elemento de uma obra nos é dado na resposta que o autor lhe dá”

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (coleção biblioteca universal).

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Sob o signo do hibridismo (imagem - palavra)

Escrita Cuneiforme (3.500 a.C.)

Hieroglifo (hieros= sagrado ; glyphein= grafia)

Códices indígenas pré-colombianos (3000 a.C. )e ideogramas

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Idade Média

Códice Purpúreo. , de Rossano Calabro. Comunhão dos santos

Metalinguagem: Livro falando sobre livros

“Inventada para designar uma dezena de séculos que ninguém conseguia situar entre duas épocas excelentes, uma dava orgulho e outra se tornara motivo de nostalgia” (Umberto Eco)

William Blake-

(Londres, 1752-1827)

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Idade Média

Dom Quixote. Gustav Doré

Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616).

A dama e o unicórnio (Conjunto de tapeçarias- 1490/ França.

Gutemberg inventa a prensa móvel em 1439 Qual foi o primeiro livro impresso?

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Renascimento: a nova Era Marte e Vênus unidos pelo amor (1576- 1584)

Homem Vetruviano (1490)

Leonardo da Vinci

“Não devemos misturar Deus às nossas ações a não ser com reverência e atenção plena de dignidade e respeito. Proponho meus pensamentos humanos como simples pensamentos humanos, e considerados separadamente: não como decretados e regulados por mandamento divino, incapaz de dúvida e controvérsia. Matéria de opinião, não matéria de fé. O que penso segundo eu mesmo, não o que creio segundo Deus, e de um modo laico, não clerical, mas sempre muito religioso.”

(Os ensaios/ Montaine)

Navegações

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As armas e os barões assinalados,

Que da ocidental praia lusitana,

Por mares nunca navegados,

Passaram muito além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram.

E também as memórias gloriosas

Daqueles reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as trevas viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando

- Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio grego e do troiano

As navegações grandes que fizeram;

Cale-se de Alexandre e de Trajano,

As famas das vitórias que tiveram;

Que eu canto o peito ilustre lusitano,

A quem Netuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo que a musa antiga canta,

Que outro valor mais alto se levanta.

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Epistolografia “As mulheres, fatigadas pelo trabalho, evitavam conceber e parir para, se engravidassem, não terem trabalho sobre trabalho; mas muitas estando grávidas tomaram coisas para abortar e abortaram as criaturas, e outras, depois de parir, mataram com as próprias mãos os próprios filhos, para não deixá-los viver em tão dura escravidão; e para não magoar Vossa Alteza, digo-lhe ainda que nunca soube nem encontrei nação alguma, nem mesmo de fiéis, que tenham causado tantos males e feito tantas crueldades contra seus inimigos com o estilo e a maneira com que os cristãos trataram essas tristes criaturas que foram suas amigas e colaboradoras em sua própria terra; que entre tudo o que se sabe e muito mais coisa que se possa saber, destruíram e desterraram a geração natural dessa pobre gente que nem gera e nem se multiplica e nem terá posteridade, o que é algo muito doloroso” (carta escrita por Frei Pedro de Córdoba)

“A carta, por definição, é uma partilha. Tem diversas faces:

é um objeto (que se troca), um ato (que coloca em cena o ‘eu’,

o ‘ele’ e os outros), um texto (que se pode publicar)...”.

(Philippe Lejeune)

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Barroco

Bernini (A transverberação de Santa Teresa)

A vós correndo vou, braços sagrados Nessa cruz sacrossanta descobertos; Que para receber-me estais abertos, E por não castigar-me estais cravados.

(Gregório de Matos 1636- 1693)

Nesse momento de exaltada felicidade deveria ter chamado a razão ao meu auxílio, para que moderasse o excesso funesto das minhas delícias e me anunciasse tudo o que sofro presentemente. Mas eu toda me dava a vós, e não estava em estado de pensar no que poderia envenenar-me a alegria e impedir-me de gozar plenamente as ardentes demonstrações da vossa paixão

(Mariana Alcorforado (1640-1719)/ carta para o oficial Noël de Chamilly)

Andrea Pozzo

“E nunca o encontrei!... Prince Charmant... / Como audaz cavaleiro em velhas lendas / Virá, talvez, nas névoas da manhã. // ― Nunca se encontra aquele

que se espera...” (Florbela Espanca in Livro de Sóror Saudade)

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Neoclassicismo

Os agradáveis perigos do balanço/ Jean-honoré Fragonard (1732- 1806)

Lira I Eu, Marília, não algum vaqueiro Que viva de guardar alheio gado De tosco trato, de expressões grosseiro, Dos frios gelos e dos sóis queimado. Tenho próprio casal e nele assisto Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; E mais as finas lãs de que me visto. Graças Marília bela, Graças a minha estrela! (Tomás Antônio Gonzaga)

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Romantismo

A balsa da Medusa

(Gericault- 1791-1824)

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso, Que te elevas da noite na orvalhada? Tens a face nas sombras mergulhada... Sobre as névoas te libras vaporoso ... Baixas do céu num vôo harmonioso!... Quem és tu, bela e branca desposada? Da laranjeira em flor a flor nevada Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ... Onde nos vimos nós? És doutra esfera ? És o ser que eu busquei do sul ao norte. . . Por quem meu peito em sonhos desespera? Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte! És talvez o ideal que est'alma espera! És a glória talvez! Talvez a morte! Último fantasma/ Castro Alves

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Simbolismo

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.................................................................... Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser Há de ser luz do sol em tardes quentes; Nos olhos de água clara há de trazer As fúlgidas pupilas dos videntes! Há de ser seiva no botão repleto, Voz no murmúrio do pequeno inseto, Vento que insufla as velas sobre os mastros!... Há de ser Outro e Outro num momento! Força viva, brutal, em movimento, Astro arrastando catadupas de astros! (ESPANCA, 1999, p. 290, grifo nosso). Eu não sou de ninguém (Florbela Espanca)

Estude a geografia, Leia alguma boa história,

Mas, não se atire à poesia. Porque mulher, que se faz

poeta, Põe o marido pateta. (Padre Lopes Gama)

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RJ, 1907

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Modernismo Hispano-americano (1888)

A Colón”, declara: ¡Desgraciado almirante! Tu pobre América, Tu india virgen y hermosa de sangre cálida, La perla de sus sueños, es una histérica De convulsivos nervios y frente pálida. Un desastroso espirito posee tu tierra: Donde la tribu unida blandió sus mazas, Hoy se enciende entre hermanos perpetua guerra, Se hieren y destrozan las mismas razas. […] Las ambiciones pérfidas no tienen diques, Soñadas libertades yacen deshechas. ¡Eso no hicieron nunca nuestros Caciques, A quienes las montañas daban las flechas. Ellos eran soberbios, leales y francos, Ceñidas las cabezas de raras plumas; ¡Ojalá hubieran sido los hombres blancos Como los Atahuapas y Montezumas (DARÍO, 2011, 450, grifo nosso).

Rubén Darío (1867-1916)

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Modernidade: Vanguardas européias

Um pássaro a pino sobre as rochas,

Um pássaro jamais visto

Um pássaro apenas pássaro

Um pequeno pássaro enorme

Fascinante

Gelado

Um pequeno pássaro vivo.

(Mário Cesariny de Vasconcelos

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Modernismo Português (Revista Orpheu- 1915)

Datilografia

Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, Firmo o projeto, aqui isolado, Remoto até de quem eu sou. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tic-tac estalado das máquinas de escrever, Que náusea da vida! Que abjeção essa regularidade! Que sono este ser assim! Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros (Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância) Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho, Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve, Eram grandes palmares do Sul, opulentos e verdes. Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro, O tic-tac estalado das máquinas de escrever,

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Modernismo Brasileiro I quartel do século XX

Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Antônio Gomide, Ismael Neri, Cicero Dias, Vila Lobos, entre outros...

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Poética (Manuel Bandeira)

Estou farto do lirismo comedido, Do lirismo bem comportado, Do lirismo funcionário público com livro de ponto, expediente,

protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismo Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político, Raquítico, Sifilítico De todo lirismo que captura o que quer que seja fora de si mesmo. Quero antes o lirismo dos loucos, O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bebados O lirismo dos Clawns de Shakespeare -Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

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Arte contemporânea Guimarães Rosa: “O sertão está em toda a parte”

a gente ouviu miados. – “Sape! O gato está lá...” – algum gritou. Ah, era o gato, que sim. Saiu,

soltado, surripiadamente, foi tornar a se ocultar debaixo dum catre, noutro cômodo. Carecia de se oferecer a ele de comer, que quem bem-trata gato consegue boa-sorte.

“ Fui e não fui, sou e não sou, estou e não estou. Não serei, não estarei. Que Deus seja e esteja. Eu, o aberto

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Bispo do Rosário (1909)

(inventariando o mundo)

Makota Valdina / escritora e educadora baiana

“Não sou descendente de escravos, Sou descendentes de seres humanos

Que foram escravizados”

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“A saúde como literatura (arte), como escrita, está em inventar um povo que falta.

Compete a função fabuladora inventar um povo”

“Escrever (criar) é também tornar-se outra coisa

que não escritor”

(Crítica e clínica/ Gilles Deleuze)

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Obrigada!

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Tel.: (27) 995.7474.10 Renata Bomfim