Arte e Política em Joseph Beuys o Homem como obra de arte.pdf

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www.cetiqt.senai.br/redige 1Arte e Política em Joseph Beuys: o Homem como obra de arte Art and Politics in Joseph Beuys: Man as work of art Camila Nogueira Barbosa Alves dos Reis Bacharel em Artes – Figurino e Indumentária pelo SENAI CETIQT. Paloma Carvalho Santos Doutora em História Social da Cultura, PUC-Rio. Professora do SENAI CETIQT. Manoel Silvestre Friques Mestre em Artes Cênicas, UNIRIO. Professor do SENAI CETIQT. Resumo O artigo procura abordar as relações entre arte e política presente na obra de Joseph Beuys. A hipótese para a análise baseia-se no fato de a obra do artista alemão não poder ser reduzida a mero discurso político. Pois, no momento do diálogo, de interação com o público, Beuys acredita que ambos estão esculpindo; “todo homem é um artista”. Seja na forma de cartazes, múltiplos, vídeos, performances, ou “conversas”, o espectador não só é levado a transformar a sociedade em que vive (ação política), mas também a transformar-se, a construir uma nova estrutura pessoal, aberta e, portanto, plena de significados – poética. Restringimo-nos às duas obras “Não conseguiremos sem a rosa” e “Uma rosa pela Democracia Direta” – cartaz e múltiplo, uma vez que esses dois trabalhos nos permitem refletir sobre algumas questões da produção beuysiana. Palavras- chave: Joseph Beuys; Arte e Política; Arte Contemporânea. Abstract The article seeks to address the relationship between art and politics present in the work of Joseph Beuys. The hypothesis for the analysis is based on the fact that the work of the German artist can not be reduced to mere political discourse. At the moment of dialogue, interaction with the public, Beuys believed both are carving, so "every man is an artist." Whether in the form of posters, multiples, videos, performances, or "conversations", the viewer is led to not only transform the society in which he lives (political action), but also to become, to build a new staff structure, open and therefore full meanings - poetry. Restrict ourselves to the two works "will not succeed without a rose" and "A Rose for Direct Democracy" - poster and multiple, since these two works allow us to reflect on some production issues present in the work of Beuys. Keywords: Joseph Beuys. Art and Politics. Contemporary Art.

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    Arte e Poltica em Joseph Beuys: o Homem como obra de arte Art and Politics in Joseph Beuys: Man as work of art

    Camila Nogueira Barbosa Alves dos Reis Bacharel em Artes Figurino e Indumentria pelo SENAI CETIQT.

    Paloma Carvalho Santos Doutora em Histria Social da Cultura, PUC-Rio. Professora do SENAI CETIQT.

    Manoel Silvestre Friques Mestre em Artes Cnicas, UNIRIO. Professor do SENAI CETIQT.

    Resumo O artigo procura abordar as relaes entre arte e poltica presente na obra de Joseph Beuys. A hiptese para a anlise baseia-se no fato de a obra do artista alemo no poder ser reduzida a mero discurso poltico. Pois, no momento do dilogo, de interao com o pblico, Beuys acredita que ambos esto esculpindo; todo homem um artista. Seja na forma de cartazes, mltiplos, vdeos, performances, ou conversas, o espectador no s levado a transformar a sociedade em que vive (ao poltica), mas tambm a transformar-se, a construir uma nova estrutura pessoal, aberta e, portanto, plena de significados potica. Restringimo-nos s duas obras No conseguiremos sem a rosa e Uma rosa pela Democracia Direta cartaz e mltiplo, uma vez que esses dois trabalhos nos permitem refletir sobre algumas questes da produo beuysiana. Palavras- chave: Joseph Beuys; Arte e Poltica; Arte Contempornea.

    Abstract The article seeks to address the relationship between art and politics present in the work of Joseph Beuys. The hypothesis for the analysis is based on the fact that the work of the German artist can not be reduced to mere political discourse. At the moment of dialogue, interaction with the public, Beuys believed both are carving, so "every man is an artist." Whether in the form of posters, multiples, videos, performances, or "conversations", the viewer is led to not only transform the society in which he lives (political action), but also to become, to build a new staff structure, open and therefore full meanings - poetry. Restrict ourselves to the two works "will not succeed without a rose" and "A Rose for Direct Democracy" - poster and multiple, since these two works allow us to reflect on some production issues present in the work of Beuys. Keywords: Joseph Beuys. Art and Politics. Contemporary Art.

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    INTRODUO Adotamos como estratgia historiogrfica concentrar toda a pesquisa sobre Beuys anlise das duas obras No conseguiremos sem a rosa e Uma rosa pela Democracia Direta cartaz e mltiplo. Esses dois trabalhos tocam questes da obra de Beuys como um todo, destacadas acima. Incorporamos, assim, duas faces da potica beuysiana as relaes entre arte e poltica e a Escultura Social.

    O Cartaz No conseguiremos sem a rosa e o Mltiplo Uma rosa pela Democracia Direta

    Figura 1 No conseguiremos sem a rosa. Fonte: Beuys, 1972.

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    Figura 2 Uma rosa pela democracia direta. Fonte: Beuys, 1973.

    O mltiplo Uma rosa pela Democracia Direta de 1973 derivado do cartaz No conseguiremos sem a rosa, realizado um ano antes por Joseph Beuys a partir da sua participao na Documenta V de Kassel. Observamos uma imagem do prprio artista, que aparentemente se encontra sentado, com a feio de quem est dialogando. De costas, vemos um homem (desfocado) tambm sentado, com quem o artista conversa. O cartaz apenas nos permite ver a parte superior dos corpos das duas pessoas, acima do trax. Beuys est usando seu famoso chapu de feltro e seu colete de pescador. O homem, vestindo um palet azul e o que parece ser um par de culos tpico da dcada de 1970, parece um homem comum um tpico cidado alemo.

    Uma rosa vermelha, que podemos notar em primeiro plano entre os dois, tem, contudo, uma posio de destaque: ela prepondera na composio, enquanto eles se encontram perifericamente esquerda. A rosa, muito longa, nos d a impresso

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    de ser muito maior do que sabemos que ela . Vermelho e delicado, o boto da rosa est entreaberto. Est colocado dentro de um recipiente de vidro com gua, que parece ser um copo. interessante atentarmos para o fato de a comprida rosa vermelha estar como ponto de destaque do cartaz. Do ngulo em que a foto foi tirada, a rosa ocupa 2/3 do quadro, enquanto os outros dois ocupam 1/3. Para finalizar, temos a assinatura do artista comeando exatamente no boto da rosa.

    Neste momento, j podemos perceber que a fora do cartaz se encontra na rosa. Quando nos deparamos com o ttulo do mesmo No conseguiremos sem a rosa obtemos esta certeza. Torna-se de extrema importncia o conhecimento e a contextualizao no qual a obra foi produzida: para a quinta Documenta da cidade de Kassel.

    Segundo o site oficial da Documenta, durante a reconstruo cvica alem no incio dos anos 1950, a Documenta foi concebida como uma resposta direta s polticas do terceiro Reich em torno da arte degenerada. Ao longo dos anos, a exposio veio a significar, no contexto da Europa Oriental, um espao onde a liberdade de expresso poderia ser alcanada. Os mais importantes artistas da poca expunham l, e Beuys utilizava essa ambincia como um elemento de sua prpria potica.

    Em sua contribuio para o evento, Beuys passou 100 dias conversando com as pessoas que visitavam a Documenta, de manh at ao anoitecer; ele dialogava sobre diversos assuntos visto que sua inteno era entrar em contato com o pblico. Da interao com os visitantes, o artista produziu alguns objetos, dentre eles, o cartaz No conseguiremos sem a rosa, e um livro Cada Homem um Artista, que rene as conversas de um final de semana. As falas registradas em livro e a imagem descrita anteriormente ressaltam, antes de tudo, Joseph Beuys como um articulador e um idealizador. Atravs destas e de outras obras, o artista consegue mostrar ao mundo uma nica ideia: o princpio de que a arte antes de tudo uma ao pblica, uma articulao do pensamento.1

    1 Informaes retiradas da palestra Joseph Beuys: Arte, Filosofia e Ativismo Social, ministrada por Antonio

    DAvossa em 16 de setembro de 2010 no SESC Pompia.

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    Com isso, o artista quer provocar no espectador uma mudana de postura e de comportamento, que se configura em uma atitude poltica. Poltica no sentido grego da palavra, na maneira como nos colocamos na plis. Essa maneira do indivduo se colocar, se apresentar o configura em um determinado tempo, lugar ou espao; o insere ou o desvincula a um determinado grupo, caracteriza-o como sendo de tal ou qual maneira, enfim o contextualiza.

    Contudo, a obra de Beuys no pode ser reduzida a um mero discurso poltico. As suas crenas transbordam para o seu fazer artstico, seja na forma de cartazes, mltiplos, vdeos, performances, ou conversas (como as do gabinete). Nas duas obras analisadas, o espectador no s levado a transformar o seu entorno, mas, sobretudo, a si mesmo. neste sentido que encontramos o conceito de Escultura Social: no momento do dilogo, da interao com o pblico, Beuys est esculpindo ele acredita. No se trata, com isso, da noo clssica ou tradicional de escultura, entendida como a representao de imagens plsticas em relevo sobre um determinado material. No caso de Beuys, a escultura imaterial, mas nem por isso deixa de ser concreta. Pois, a escultura s se torna possvel a partir da troca. Todo homem um artista, segundo o prprio Beuys. Uma melhor compreenso de sua potica deve, necessariamente, passar pelo contexto de sua produo, exposto a seguir.

    1 O PODER SIMBLICO NA OBRA DE ARTE A produo artstica de Joseph Beuys subsequente transferncia do eixo econmico e cultural da Europa para os EUA, onde todos os significados so, em certa medida, planificados sob uma abordagem mais emprica, com base na experimentao e tentando liberar-se da tradio europeia.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, a crise europeia chega ao seu pice, no apenas no sentido econmico e estrutural dos pases destrudos, mas principalmente uma crise de identidade. Como era possvel uma cultura que possui como alicerce a cincia e a razo poder aceitar os horrores da guerra? Neste sentido, inevitvel que no campo das artes esta crise se d atravs do congelamento, do bloqueio com relao produo artstica:

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    A dificuldade da relao entre arte e sociedade, que despertara a cadente dialtica das correntes aps a Primeira Guerra Mundial, agravara-se depois da Segunda Guerra a ponto de levar a crer que a morte da arte era inevitvel, iminente e talvez j tivesse ocorrido. Na origem, h uma revolta moral: numa sociedade que aceita o genocdio, os campos de extermnio, a bomba atmica, no possvel que, simultaneamente, produzam-se atos criativos. (ARGAN, 2006, p. 508)

    Nesse sentido, a arte americana vem como um impulso, segundo Giulio Argan (2006), a criao imediata de fatos estticos. Uma arte que se apresenta a partir de uma potncia; como uma fora desafiadora do ser humano:

    O que na Europa traz o signo de uma deduo final e constitui o documento desesperador de uma civilizao em crise, nos Estados Unidos descoberta, inveno, mpeto criativo. No que a imagem existencial apresentada pela arte americana seja mais otimista do que na Europa, mas justamente por isso ela , em termos objetivos, mais vital.(ARGAN, 2006, p. 507)

    Entretanto, essa arte imediata e vital, repleta de mpeto criativo, sustentada por uma sociedade de consumo, voltada ao trabalho e acumulao de capital: Afinal, a arte a no inibio num mundo onde a inflexvel regularidade da vida social, inteiramente empenhada no esforo produtivo e na acumulao capitalista, cria uma condio geral de inibio e neurose (Id, Ibid, p.508). Desse modo, a arte americana surge como uma arte que se permite dialogar com os moldes do American Way of Life. Ela vem como um sopro de criatividade dentro de uma sociedade planejada e fundada, ao menos idealmente, na democracia:

    Assim se explicam a action painting e a arte pop, que a sociedade americana aceita alegremente como sua contrapartida: na realidade, porm, a sade esfuziante que parece caracterizar a arte americana, comparada arte europeia, era ilusria, assim como ilusria era a imagem de uma Amrica democrtica, sempre pronta a correr em auxlio dos oprimidos. (Id)

    Inversamente, Beuys retoma fortemente imagens tradicionais da cultura europeia, confrontando o desencantamento do mundo operado pelo consumismo. O artista alemo coloca essas questes no cerne de seu trabalho artstico e provoca uma tenso caracterstica dos anos 1960, quando, por exemplo, Andy Warhol e Claes Oldenburg esto aproveitando o esvaziamento simblico dos objetos, das formas da indstria cultural. Beuys ter na Europa a dimenso de um contemporneo norte-americano como Warhol, operando de maneira inversa com a indstria de massa.

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    Uma de suas estratgias a escolha atenta de cada elemento, que ganha biografias, narrativas e relevncia ao ser reutilizado em diversas peas, numa profundidade xamnica, at mesmo ritualstica. A relao dialtica ao discordar da indstria de massa utilizando recursos da mesma e, portanto, didtica dessa operao est em no sublimar o pensamento discordante (no caso, o estilo de vida norte-americano), mas entrar em confronto, em contato direto, o que ele faz literalmente, por exemplo, com uma luva de boxe.

    o que percebemos num primeiro momento, com o cartaz e o ttulo da obra No conseguiremos sem a rosa, que remetem-nos histrica imagem da Revoluo dos Cravos2. Os cravos vermelhos dispostos nos canos das armas dos militares dialogam paradoxalmente: a beleza das flores e a frieza e a rigidez das armas. importante ressaltar que a revoluo posterior origem do cartaz e mltiplo apenas em um ano , mas que, de certa maneira, possuem um dilogo comum, frutos de um mesmo contexto: as conquistas sociais da dcada de 1970.

    Essa comparao d-se primordialmente no mbito de seu discurso, da sua mensagem. H uma ligao no que diz respeito ao potencial imagtico desses dois. De certo modo, a incorporao da rosa no cartaz de Beuys o que Roland Barthes, em seu livro Cmara Clara (1984, p.46), chama de punctum: o punctum de uma fotografia esse acaso que, nela, me punge (mas tambm me mortifica, me fere), aquilo que salta aos olhos assim que nos deparamos com a imagem. O mesmo ocorre quando vemos os cravos nos canos das armas: ali no terreno frtil para que nasa um flor. A rosa promove uma mudana de atitude: na Documenta, seduz o espectador a participar; na revoluo, a humanizar os guardas, numa ao pacfica, mas no menos participativa ou eficiente.

    2 Movimento ocorrido em Portugal, que derrubou o regime ditatorial de Antnio Oliveira de Salazar no ano

    1974. Com o golpe militar em 1926, Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades de reunio, de organizao e de expresso foram suprimidas com uma nova constituio em 1933.

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    Figura 03 A Revoluo dos cravos. Fonte: http://old.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=1094

    Esses elementos equivalentes (rosa e cravo) se destacam, e nos fazem pensar o porqu de suas escolhas. Est claro que possuem uma importncia. Obviamente, a obra No conseguiremos sem a rosa, remete figura histrica da militante revolucionria da Social Democracia Rosa Luxemburgo. Efetivamente, a rosa vermelha foi escolhida como smbolo da Social Democracia,3 cujos defensores acreditavam ser possvel uma transformao social a partir da luta no armada, sem o uso da fora. Quando Beuys diz no conseguiremos sem a rosa, ele enfatiza a mudana de mentalidade e de comportamento: em como vemos o mundo e nos comportamos nele. No ato de dar uma rosa a algum, ou colocar um cravo numa arma, estamos realizando um gesto terno e pacfico. As flores no se configuram apenas em fora esttica, mas tambm em fora de representao simblica, ou seja, ganham uma conotao ampla, cultural, e at mesmo mtica, como sugere tambm a sua narrativa biogrfica.

    Dentre os muitos elementos existentes nesse sentido na potica de Beuys, pondera-se porque, afinal, tanto se discute e considera para a sua potica a narrativa sobre seu resgate na Crimeia se esta verdica ou no? grande a polmica. Benjamin Buchloh acredita que a operao de Beuys toda falsa; que Beuys nega o passado alemo, querendo apag-lo, esquec-lo: 3 Ideologia poltica de esquerda surgida no final do sculo XIX por partidrios do marxismo. Esta ideologia que

    acreditava que a transio para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revoluo, mas por meio de uma evoluo democrtica.

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    The public myth of Beuys life and work, by now having achieved proportions that make any attempt to question it or to put into historic perspective an almost impossible critical task, is a result of these conditions, just as it tries to perpetuate them by obscuring historical facticity. (BUCHLOH, 2001. p.200)

    Buchloh continua sua linha de pensamento afirmando que atravs do mito sobre a figura de Beuys e de seu trabalho artstico a Alemanha do ps-guerra encontra lugar para retirar prematuramente a culpa e a responsabilidade dos fatos que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial:

    In the work and public myth of Beuys the new German spirit of the postwar period finds its new identity by pardoning and reconciling itself prematurely with its own reminiscences of a responsibility for one of the most cruel and devastating forms of collective political madness that history has known. (Id, Ibid. p.203)

    De fato, Beuys elabora uma narrativa biogrfica complexa, difcil de ser verificada:

    Had it not been for the Tartars I would not be alive today. They were the nomads of the Crimea, in what was then no mans land between the Russian and Germany fronts, and favored neither side. I had already struck up a good relationship with them, and often wandered off to sit with them. Du nix njemcky they would say, du Tartar and try to persuade me to join their clan. Their nomadic ways attracted me (...). Yet it was they who discovered me in the snow after the crash, when the German search parties had given up. I was still unconscious then and only came round completely after twelve days or so, and by then I was back in a German field hospital. So the memories I have of that time are images that penetrated my consciousness. The last thing I remember was that it was too late to jump, too late for the parachutes to open. That must have been a couple of seconds before hitting the ground. Luckily I was not strapped in (...) My friend was strapped in and he was atomized on impact there was almost nothing to be found of him afterwards. But I must have shot through the widescreen as it flew back at the same speed as the plane hit the ground and that saved me, though I had bad skull and jaw injuries. Then the tail flipped over and I was completely buried in the snow. Thats how the Tartars found me days later. I remember voices saying Voda (Water), then the felt of their tents, and the dense pungent smell of cheese, fat and milk. They covered my body on fat to help it regenerate warmth and wrapped it in felt as an insulator to keep warmth in. (BEUYS apud BEUYS; GOMES, 2010, p.14)

    Como piloto da Fora Area Alem, Beuys teve seu avio abatido na regio da Crimeia. Muitas questes so ambguas, entretanto. Afinal, que tipo de relao o artista poderia ter desenvolvido com essa populao a ponto de, efetivamente, ter sido convidado a participar do cl? Difcil dizer. O mais importante so os elementos queijo, leite e, principalmente, feltro e gordura que Beuys incorpora em toda sua potica, dentro dessa imagem romantizada de seu salvamento.

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    Dentro dessa considerao no biogrfica, mas potica, da forma como o criador alemo lida com a Histria, Jlio do Carmo Gomes no livro Cada Homem um Artista (2010) entende que essa operao um recurso que produz uma verdade artstica autnoma, independente dos fatos; independente dele esquecer, ou pior, falsificar o passado histrico alemo dentro de sua obra:

    [...] a crtica a um Beuys mitificador parece ter metido no mesmo saco a verossmil tentativa de o artista alemo procurar com essa narrao legitimar parcialmente o seu trabalho artstico (nomeadamente, o uso de matrias como o feltro e a gordura, e a produo de um discurso evocativo do nascimento do sujeito)... (BEUYS; GOMES, 2010, p.15)

    Mais frente, o autor comenta a posio de Buchloh sobre a persona de Beuys:

    O historiador de arte Benjamim Buchloh no ensaio: The Twilight of the idol denuncia a verve ficcionista de Beuys na elaborao da sua biografia e considera a retrica do artista alemo um sintoma de uma tendncia cultural para evitar o confronto com um passado traumtico e subterfgio para fugir ao envolvimento com o nazismo, o holocausto e as suas implicaes. (Id, Ibid, p.16)

    Contrrio a Buchloh, Gomes ratifica sua opinio com relao ao compromisso com a verdade dentro do fazer artstico:

    O que o crtico norte-americano parece ignorar que o mito funda-se (e funda) numa autoridade relativa, mas relativa num sentido radical. Nem verdadeiro nem falso, e onde nenhum predicado racionalmente pertinente para colabor-lo ou neg-lo (Id)

    Ou seja, para o autor, importa a Beuys levantar discusses, promover debates democrticos, sem que sua atuao derive numa concluso unnime. O que Buchloh parece no compreender que o mito sobre a persona de Beuys legitima o conjunto de sua obra artstica. Portanto, a partir desse olhar, podemos compreender que a arte no possui compromisso com uma verdade absoluta, mas sim com sua prpria verdade.

    2 O NDICE E A OBRA ABERTA NA POTICA BEUYSIANA Para Jean-Philippe Antoine, Beuys cria ndices, no smbolos. Sob essa tica, a relao entre a potica de Beuys e a Histria seria algo operado, na realidade, pelo espectador. Assim, o artista apenas sugere certas interpretaes ao colocar objetos em contextos especficos, que j carregam em si uma potncia de

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    significao, numa operao contrria a de Duchamp. Beuys joga com elementos de grande potencial simblico, mas no fecha um significado narrativo. No ensaio A Dialogue on Blood & Iron: Matthew Barney and Arthur C. Danto on Joseph Beuys, publicado na revista Modern Painters, Barney e Danto tambm dialogam sobre essa narrativa aberta existente nas obras de Beuys, e a comparam com a narrativa que Barney prope em suas obras. Segundo Matthew Barney:

    [] Its narrative is more a proposal, and has an intentionally open-ended structure that invites the audience to complete the story. And as the primary objective of this system is to generate sculpture, the narrative remains abstract a way to leave space for more specific distillation in the form of sculpture. I believe these ideas are sympathetic with those of Beuys. (BARNEY; DANTO, 2006, p.62)

    Seguindo essa linha, os elementos das obras so figurativos, mas no so conectados a outros de forma a fazer um sentido lgico, ou seja, narrativo, sinttico. uma colagem aberta. Retornando ao pensamento de Antoine, a ateno de Beuys toda voltada para a ativao do espectador:

    Os trabalhos de Joseph Beuys definem um corpus cuja compreenso abandona o espectador inadvertido no desamparo, sem recurso imediato: objetos residuais, detritos usados de um cotidiano essencialmente biogrfico, pesados pedaos disjuntos de maquinrio ou suas reprodues fragmentares, blocos de gordura, feltro, salsichas ressecadas, lascas de unhas, nada disso reivindica pertencimento arte [...]

    Esse fio condutor encontra sua expresso no papel de muleta ou de acessrio para lembrana (Erinnerungsttze) destinado produo beuysiana, no mbito de um vasto projeto social e poltico: superar o trauma causado pela Segunda Guerra Mundial e pelo nazismo na Alemanha, mas tambm, de modo amplo na Europa, e, por meio do duro labor da rememorao, exibir os sintomas da doena da cultura que tornou possvel tal catstrofe, a fim de, uma vez identificados, curar o corpo social.

    Exibir os sintomas do mal, dando-os experimentar, efetivamente, tornar possvel uma tomada de conscincia que orienta o retorno sade, ou seja, ao equilbrio dinmico de foras. (ANTOINE, 2009, p. 169-170)

    Para uma melhor compreenso, pegaremos como apoio a semitica4 e a definio dos trs tipos de signos. Comearemos pelo cone que possui qualidade de primeiridade (sentimento, imediaticidade) com o seu interpretante: [...] se o signo aparece como simples qualidade, na sua relao com o seu objeto, ele s pode ser

    4 Cincia fundamentada por C.S. Peirce que estuda as linguagens verbal e no verbal.

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    um cone, isto porque qualidades no representam nada. Elas se apresentam. (SANTAELLA, 2004, p.63). Entendemos ento que os cones so poros abertos simples e despojada possibilidade qualitativa das coisas. (Id). Como signo que possui qualidade de secundidade (experincia, factualidade do existir), temos o ndice: O ndice, como seu prprio nome diz [...] indica uma outra coisa com a qual ele est factualmente ligado. H, entre ambos, uma conexo de fato. (SANTAELLA, 2004 p.66). Ligando-o ao fazer artstico: Qualquer produto do fazer humano um ndice mais ou menos explcito do modo como foi produzido. (Id). Para uma maior compreenso da obra de Beuys: Enfim, o ndice como real, concreto, singular sempre um ponto que irradia para mltiplas direes. (Id). Contudo, observamos que o ndice necessita que haja, por parte do interpretante, essa leitura: Mas s funciona como signo quando uma mente interpretadora estabelece a conexo em uma dessas direes. Nessa medida, o ndice sempre dual; ligao de uma coisa com outra. (Id) Por fim temos o smbolo, ligao de terceiridade (anlise pronta), que possui uma definio extremamente direta: Sendo uma lei, em relao ao seu objeto o signo um smbolo. (Id, Ibid, p.67). Dessa maneira: [...] extrai o seu poder de representao porque portador de uma lei que, por conveno ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto. (Id.) Podemos compreender assim o porqu do uso de ndices em Beuys: esta categoria peierciana proporciona ao espectador infinitas interpretaes. Nesse sentido, parece haver na obra de Beuys a supremacia do ndice sobre o smbolo, definindo, por sua vez, uma crena do artista que perpassa toda sua obra, talvez mesmo um ideal poltico:

    Uma interpretao prematura destri o impacto de uma imagem. Devemos, antes de mais nada, viv-la, uma primeira, uma segunda, uma terceira vez. S depois a interpretao se tornar interessante. (BEUYS apud ANTOINE, 2009, p.169)

    Ligando os materiais usados por Beuys, mencionados por Antoine, obtemos uma interpretao interessante contida no livro O que Semitica sobre os ndices: Rastros, pegadas, resduos, remanncias so todos ndices de alguma coisa que por l passou deixando suas marcas (SANTAELLA, 2004, p.66).

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    No caso da rosa vermelha, observa-se que este elemento possui um significado determinado e inconfundvel enquanto smbolo internacionalmente reconhecido da Social Democracia. Por sua beleza e delicadeza, a rosa representa a histria da defesa da luta no armada. No cartaz e no mltiplo aqui analisados, podemos entender que a rosa remete a esta significao. Porm, o espectador sabe que essa ligao indireta, sugerida pelo artista, apenas indicativa. Aquele smbolo, deslocado de seu contexto original, e colocado numa situao onde o significado do todo no definido, permite a dimenso potica e aberta da significao mltipla. Dessa maneira, tem-se a rosa como signo indicativo: [...] o mais proeminente o seu carter fsico-existencial, apontando para uma outra coisa (seu objeto) de que ele parte. (SANTAELLA, 2004, p.67). Assim, Beuys, apesar de trabalhar com objetos que tm significados fortes e precisos, capaz de abri-los, permitindo assim uma construo sutil que no pode restringir-se a uma mera comunicao narrativa.

    De maneira comparvel, Andy Warhol e Claes Oldenburg descontextualizam objetos cujas funes so definidas pela indstria de massa. Ao estetiz-los, esses objetos so esvaziados de suas funes. Na imagem abaixo, temos uma das obras da srie As Flores de Andy Warhol. Podemos observar nessa obra a planificao das flores. Com a tcnica de silkscreen, o artista cria flores chapadas, sem volume e com pouca definio quanto sua forma no podendo ser identificadas quanto sua espcie. So constitudas apenas por uma cor, como se fossem grandes borres de tinta. Ao contrrio de Beuys, As Flores de Warhol no possuem valor potico ou simblico quanto sua origem. Elas possuem significados como objetos de desejo dentro da indstria de massa, dentro do universo da moda, por exemplo.

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    Figura 04 Flores. Fonte: Warhol, 1967.

    Como outro termo de comparao, podemos analisar a famosa frase de Warhol, todos teremos 15 minutos de fama, a todo homem um artista de Beuys. Nestas duas frases podemos perceber semelhanas, ao se referirem ao fazer artstico, porm em linhas contrrias de significao. Warhol esvazia o valor do fazer artstico, a ponto deste ser to frgil, que sua relevncia duraria apenas 15 minutos. Desta forma, mostra-nos uma sociedade onde a fama e o sucesso podem ser momentos efmeros. J Beuys eleva o potencial humano, diz que todos possuem potencial criativo. Seramos todos artistas, entretanto, no artistas reconhecidos, mas sim no momento em que podemos empregar o potencial criativo em nossas vidas.

    A partir da mesma operao, s que em direes contrrias, Beuys e Warhol ressignificam os smbolos em suas obras. Enquanto Beuys apropria-se de formas que possuem forte significao histrica, causando um estranhamento quando no definidas em um discurso slido, Warhol apresenta uma imagem que j consumida, tratada como resduo de seu original seu valor puramente esttico.

    Voltando ao pblico, essa ambio de convidar o espectador a participar da obra caracterstica dos movimentos artsticos da dcada de 1960, dentro da rubrica arte-vida: [...] para numerosos artistas desse perodo (1960), a fora subversiva da arte residia em seu carter efmero, aberto e reprodutvel []. Portanto:

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    [] a instabilidade da representao desencadeada pelo deslocamento do espectador. O que apaga a fronteira entre a obra e o espao do espectador, e antecipa j virtualmente a interao entre eles. A partir desse fato, modifica-se a atitude do espectador em relao arte, cessa da por diante de ser esttica, separada das condies espao-temporais, e inscreve-se em uma situao dada que deve ser considerada. (HOHLFELDT, 2004, p.84)

    Podemos, ento, entender que Beuys buscava rever o espao institucional da obra de arte e, dessa forma, a sua capacidade simblica. Era necessrio ir contra esse espao tradicional, era necessrio desloc-lo ou subvert-lo. A partir desse deslocamento, o espectador convidado a participar das obras, sendo de uma maneira corporalmente ativa comum aos movimentos artsticos da dcada de 1960 ou mentalmente, como podemos observar em Beuys. Em ambos os casos, o pblico convidado a sair do lugar da mera contemplao esttico-visual da arte para fazer parte dela, viv-la. neste contexto que podemos compreender a escultura social proposta por Beuys.

    3 A ESCULTURA SOCIAL DE JOSEPH BEUYS

    A escultura social se encontra no mbito da linguagem e do pensamento. Pensar esculpir, j dizia Beuys: Para mim, a formao do pensamento j escultura. E, bem entendido, a linguagem escultura. Eu mexo minha laringe, eu fao mexer minha boca, e o som uma forma elementar de escultura (BEUYS, apud ANTOINE, 2009, p. 176). A linguagem pode ser entendida como um meio de se fazer arte de uma maneira abrangente. Essa escultura comea a ser modelada a partir de uma ideia ou de um pensamento, a linguagem a sua massa modeladora e que esculpida no momento da fala, atravs da lngua e da boca. Faz uso de um material intrnseco e inerente a todo ser humano, fazendo de todos ns possveis escultores. Como conclui Antoine: Modelagem plstica do ar pela boca e laringe a palavra fabrica uma impresso na matria sem a qual o acontecimento do sentido no ocorreria. (ANTOINE, 2009, p.176). Podemos entender melhor a inteno de Beuys na criao do mltiplo e do cartaz No conseguiremos sem a rosa e Uma rosa pela Democracia Direta. O ato de

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    dar a rosa algum transmite a inteno sugerida por Beuys, quando o artista diz que a partir da rosa poderemos mudar algo: propag-la ratificaria o pensamento do artista. Essa ao incitaria ao pensamento e, nesse momento, estaramos esculpindo junto a ele. O cartaz indica o caminho, e o mltiplo transforma a sua ideia em ao. o multiplicar do mltiplo. Logo, a escultura social no est preocupada com suas caractersticas puramente estticas, e sim com a forma potica com que um contedo ser elaborado coletivamente pelas pessoas:

    Meus objetos tm sido estimulados para a transformao da ideia de escultura ou da arte em geral. Eles devem provocar reflexes sobre o que a escultura pode ser e sobre como o conceito de escultura pode ser expandido para materiais invisveis usados por todos. Como podemos moldar nossos pensamentos ou, como podemos formar nossos pensamentos em palavras ou, como ns moldamos e damos forma s palavras nas quais ns vivemos: a escultura como um processo evolucionrio; todos como artistas. Isto porque a natureza da minha escultura no fixa e nem finita. O processo continua na maioria delas: com reaes qumicas, fermentaes, mudanas de cor, decadncia, ressecamento. Tudo em estado de mudana. (BEUYS apud PORTUGAL, 2006, p. 49).

    Como podemos observar na citao acima, em Beuys tudo se encontra em estado de mudana, at mesmo as suas obras palpveis, por assim dizer. A transformao das coisas e, mais especificamente, do homem a obra de arte mais importante, e ela pode ser feita atravs da escultura social. a arte feita do homem para o homem.

    Apesar dessa transformao, podemos notar que a noo de escultura social do artista est intimamente ligada lgica do monumento que pautou as produes escultricas at o sculo XIX:

    A categoria escultura, assim como qualquer outro tipo de conveno, tem sua prpria lgica interna, seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam ser aplicadas a uma variedade de situaes, no esto em si prprias abertas a uma modificao extensa. Parece que a lgica da escultura inseparvel da lgica do monumento. Graas a esta lgica, uma escultura uma representao comemorativa se situa em determinado local e fala de forma simblica sobre o significado ou uso deste local. (KRAUSS, 1984, p.131)

    Dentro dessa lgica, percebemos como a escultura social faz uso de caractersticas fundamentais escultura assim como as de monumento. Essa

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    escultura que social (e que precisa da interao entre indivduos) e que tem no homem sua massa modeladora e seu escultor, se encontra representada no prprio indivduo que a constri a partir do dilogo com o outro. Logo, este homem possui, ao mesmo tempo, tanto o local a que esta escultura pertence quanto o seu significado:

    As esculturas funcionam portanto em relao lgica de sua representao e de seu papel como marco; da serem normalmente figurativas e verticais e seus pedestais importantes por fazerem a mediao entre o local onde se situam e o signo que representam. Nada existe de muito misterioso sobre esta lgica; compreendida e utilizada, foi fonte de enorme produo escultrica durante sculos de arte ocidental. (Id, Ibid, p.136)

    Assim, a linguagem, para Beuys o melhor meio de comunicao e o mais eficaz o melhor veculo para transmitir suas ideias, logo a sua arte. Podemos perceber que, na arte de Beuys, ela se torna to presente, pois sua arte investe no campo da transformao social, o foco da sua obra fazer o espectador sentir, pensar e refletir.

    Esse novo tipo de escultura feito atravs da verbalizao, do uso de pensamentos, que, entretanto, s se materializam no momento que so divididos com o outro, quando so passados adiante. A sim, a escultura social se concretiza:

    Meu caminho passava pela palavra; por mais que parea estranho, no provinha do chamado talento artstico. Quando percebi que a palavra seria tambm uma via nica, ento decidi-me pela arte (...). A arte me levou ao conceito de uma escultura que comea na palavra e no pensamento; que aprende a construir ideias com a palavra, e a transferir, para as formas, o sentir e o querer. Se o pensamento no falhar nessa tarefa, se prosseguir inabalvel, aparecero as imagens que espelham o futuro. As ideias tomaro forma. (BEUYS apud DAVOSSA; In: FARKAS, 2010, p. 14).

    A escultura social defende que todos somos artistas e que podemos desenvolver o nosso potencial criativo. Entretanto, esse potencial criativo precisa ser compartilhado. O artista (incluindo todos ns) no faz uma obra de arte sozinho; faz-se necessria a colaborao do outro, a participao do espectador; uma maneira de todos serem colaboradores e coautores.

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    CONCLUSO Para alm de sua ocupao como artista, Joseph Beuys foi professor na faculdade de Belas Artes de Dusseldorf. Dedicava-se totalmente a esta funo, onde possua muito carisma entre os alunos. Suas aulas logo se tornaram polmicas, pois lecionava a maioria delas apenas palestrando do lado de fora da faculdade. Beuys acreditava no puro poder da palavra, enquanto comunicadora de conceitos.

    Para o artista, a sua funo de professor ultrapassava os limites da sala de aula, diferindo do mero ensino de tcnicas do fazer artstico. Joseph Beuys era um pedagogo, estava preocupado em mostrar o caminho para uma nova percepo da vida humana, logo, para uma nova viso de arte. Uma arte preocupada com a criatividade ampliada, renovadora e, principalmente, libertadora no simplesmente esttica.

    Enquanto professor, Beuys tinha uma vida pblica diria. O seu compromisso pedaggico uma prova irrefutvel da reflexo global que fez constantemente sobre o presente e o futuro e o papel que pode caber ao ser-aluno de resistir aniquilao do humano naquilo que nele capacidade criadora e potncia para a autonomia risco a que se submete o indivduo-aluno face aos valores dominantes da sociedade burguesa. (GOMES apud BEUYS; GOMES, 2010, p.44)

    Dessa maneira, os ensinamentos do professor seguiam seu curso e corroboravam sua teoria. Como um pedagogo, um condutor em referncia aos Fond (BEUYS, op. cit., loc. cit.), onde o material cobre usado como o fio condutor de ideais , Beuys transmite ideias aos seus alunos, propaga o plen rumo ao processo da mudana pessoal e social.

    A partir do estudo de duas obras de Joseph Beuys, No conseguiremos sem a rosa e Uma rosa pela Democracia Direta podemos perceber, atravs da anlise dos fatos histricos e mticos relacionados vida do artista, como esses influenciaram a sua potica. A arte de Beuys deve ser compreendida para alm da mera exposio do fazer artstico. O artista retira o espectador da pura contemplao e o recoloca no papel de participantes pensantes de suas obras. Assim suprime a primazia do individualismo no complexo coletivo social. Com o uso de materiais como a gordura, sangue, alimentos, cobre e feltro que possuem o dever de transmitir tais conceitos, (BORER, 2001, p.20) assim o nomeia como o condutor de almas.

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    Pelo exposto acima, observa-se, portanto, a relao entre arte e poltica e a Escultura Social existentes na potica de Beuys. possvel notar que, apesar das incertezas referentes sua biografia, o que importa na obra deste artista a sua verdade artstica, fundamentada no mito. A partir de sua figura, Beuys trabalha com importantes elementos de seu passado, que, de uma forma no narrativa, possibilita ao pblico inmeras formas de leitura. Assim, verificamos que, ao explorar a fora individual desses elementos, ao descontextualiz-los, o artista trabalha com ndices e no smbolos. possvel notarmos essa operao em obras como o cartaz e o mltiplo, onde a rosa que pode ser lida como um forte smbolo da Social Democracia aparece como um ndice, que sugere uma mudana na nossa maneira de pensar e agir, seja no ato de darmos uma rosa a algum ou ao contempl-la. Dessa forma, Beuys quer romper com as hierarquias dominantes das esferas sociais e culturais. Segundo o artista, a humanidade se encontra corrompida e doente, individualista e mesquinha; guerras e crises econmicas levaram a sociedade moderna ao seu limite material e espiritual, sendo agora necessria uma mudana radical. Desse modo:

    Beuys perturba o mundo da arte e dos seus poderes (e da estabilidade desses poderes) assumindo o papel do dissidente, no s contra a linguagem da arte, mas contra a linguagem do poder, e ainda mais inusitadamente contra o exerccio desses poderes, transcendendo a crtica hermenutica da poltica de arte para fundar uma prtica crtica de arte poltica. (GOMES apud BEUYS; GOMES, 2010, p.42)

    Isto faz pensar que, para uma mudana acontecer, necessria uma mudana de postura, uma nova forma de nos colocarmos no mundo em que vivemos. Todavia, preciso se libertar dos antigos padres e isto uma forma de se fazer arte e principalmente uma maneira de se fazer poltica. preciso injetar nosso capital de criatividade, rumo liberdade de escolhas e pensamento.

    Quando Beuys falava sobre arte (de momento, eu j no perteno arte) falava sobre a sociedade e o ser humano. Nesse sentido predispe-se ao campo poltico, ao na polis, porque acredita que o objeto da poltica a liberdade. (GOMES apud BEUYS, 2010, p.42).

    Sendo assim, ao pensar a coletividade da ao artstica, esta se torna poltica. Esta relao entre arte e poltica est colocada na obra de Beuys no sentido defendido por Jacques Rancire, como forma operativa, e no por seu contedo:

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    [...] a arte no poltica antes de tudo pelas mensagens que ela transmite nem pela maneira como representa as estruturas sociais, os conflitos polticos ou as identidades sociais, tnicas ou sexuais. Ela poltica antes de mais nada pela maneira como configura um sensorium espao temporal que determina maneiras do estar junto ou separado, fora ou dentro, face a ou no meio de... Ela poltica enquanto recorta um determinado espao ou um determinado tempo, enquanto os objetos com os quais ela povoa este espao ou o ritmo que ela confere a esse tempo determinam uma forma de experincia especfica, em conformidade ou em ruptura com outras: uma forma especfica de visibilidade, uma modificao das relaes entre formas sensveis e regimes de significao, velocidades especficas, mas tambm e antes de mais nada formas de reunio ou de solido. (RANCIRE, 2010, p. 45)

    Dessa maneira, a escultura social ocorre no mbito individual, mas depende da interao com o outro. Em vrias palestras, Beuys indica: esta troca a escultura social. Logo, educao e tambm poltica. Ele no comunica s contedos e tambm no resulta numa formao isolada. Para Beuys, muito importante essa ao coletiva, esse crescimento conjunto. O que importa ao artista que a sua arte levante discusses, promova questionamentos, provoque estranhamento em seu pblico. O que importa ao artista o Homem como espcie modelado atravs da arte. No entanto, este Homem deve ser esculpido socialmente por meio do pensamento livre de cada indivduo.

    REFERNCIAS: ANTOINE, Jean-Philippe. "Eu no trabalho com smbolos." Joseph Beuys, A experincia e a construo da lembrana. In: Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: Revista do Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais - EBA /UFRJ, ano XVII, n. 19, p. 168-181, 2009.

    ARGAN, Giulio. Arte Moderna. 2 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.

    BARNEY, Matthew; DANTO, Arthur C. A Dialogue on Blood & Iron: Matthew Barney and Arthur C. Danto on Joseph Beuys. In: Modern Painters. Nova York: Setembro, 2006.

    BARTHES, R. A cmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

    BEUYS, Joseph; GOMES, Jlio de Carmo (trad) Cada Homem um Artista. Porto: 7 Ns, 2010.

    BORER, Alain. Joseph Beuys. So Paulo: Cosac & Naif, 2001.

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    BUCHLOH, Benjamim. Beuys: The Twilight of the Idol. In: Gene Ray (ed.) Joseph Beuys, Mapping the Legacy. Nova York: D.A.P, 2001.

    FARKAS, Solange Oliveira. Joseph Beuys: A Revoluo Somos Ns. Catlogo de exposio. So Paulo: Sesc Pompeia, 2010 .

    HOHLFELDT, Marion. Sub specie ludi Funo e estrutura de uma "arte ldica". In: Arte & Ensaios. Rio de Janeiro: Revista do Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais EBA/ UFRJ, ano XI, n. 11, p. 81-89, 2004.

    KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. In: Gvea. Rio de Janeiro: Revista semestral do Curso de Especializao em Histria da Arte e Arquitetura no Brasil - PUC-RJ, n. 1, 1984.

    PORTUGAL, Ana Catarina Marques da Cunha Martins. O pensamento de Joseph Beuys e seus aspectos rituais em ao. 2006. 111 f. Dissertao de Mestrado, Departamento de Histria. Rio de Janeiro: PUC-RIO, Rio de Janeiro, 2006.

    RANCIRE, Jacques. Poltica da Arte. In: Urdimento. Florianpolis: Revista de Estudos em Artes Cnicas do Programa de Ps-Graduao em Teatro CEART/ UDESC, vol.1, n.15, p. 45-59, 2010.

    SANTAELLA, Lcia. O que Semitica. So Paulo: Brasiliense, 2004.

    Currculo Resumido do(s) Autor(es)

    Camila Nogueira Barbosa Alves dos Reis Estudante de ps-graduao Lato Sensu em Museologia, Colecionismo e Curadoria do Centro Universitrio Belas Artes de So Paulo. Possui bacharelado em Artes Figurino e Indumentria pelo SENAI CETIQT. Email: [email protected]

    Paloma Carvalho Santos Mestre e doutora em Histria Social da Cultura pela PUC - Rio de Janeiro Linha de pesquisa: Histria da Arte. Bacharel em Comunicao Social pela UFRJ. Professora dos Cursos de Artes das Faculdades Senai Cetiqt desde 2008, e do curso de Cinema da Universidade Gama Filho de 2000 a 2008. Assistente de cmera e diretora de fotografia. Email: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/4150417300695515

    Manoel Silvestre Friques Manoel Silvestre Friques editor de contedo do TEMPO-FESTIVAL das Artes (TEMPO-CONTNUO/site), Mestre em Teatro pela UNIRIO e professor dos cursos de graduao Design de Moda e Artes Figurino & Indumentria no SENAI Cetiqt. Engenheiro de Produo (UFRJ) e Terico do Teatro (UNIRIO), atualmente doutorando em Histria Social da Cultura pela PUC-Rio. Email: [email protected] Lattes: http://lattes.cnpq.br/6977735142712423