Arte, ecologia e redes. Considerações a cerca de Fritz Müller

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Arte, ecologia e redes. Considerações a cerca de Fritz Müller Yara Guasque UDESC/PPGAV Resumo Arte, ecologia e redes pressupõe uma pesquisa interdisciplinar relacionada às questões do meio ambiente e à teia de colaborações, como é o caso de Mar Memorial Dinâmico - sistema embarcado de sensoriamento. Tratei destas redes, que Bruno Latour chamou de redes de transformação, mais detalhadamente no artigo a ser apresentado no ISEA 2011 “Colonização e redes de ciência entre as periferias e o centro: o caso do naturalista Fritz Müller”. Estas redes de colaboração legitimam a coleta e a experimentação que se dá longe dos centros— na periferia com seus ecossistemas — como investigação artística, ou conhecimento científico, a exemplo da correspondência e a troca de espécimes, entre Fritz Müller (1822-1897) e Charles Darwin (1809-1882). Palavras-chave: arte; ecologia; redes; interdisciplinar; Mar Memorial Dinâmico - sistema embarcado de sensoriamento; Fritz Müller. Abstract Art, ecology and networks implies to an interdisciplinary research that is related to the environment and to the web of collaborations, as is the case of Dynamic Memorial Sea – embedded system. I focused these networks, which Bruno Latour called transformation networks, with more details in the article to be presented at ISEA2011 “Colonization and science networks between peripheries and the center: the case of the naturalist Fritz Müller”. These net of collaboration legitimize the collection and the experimentation which occurs far away from the centers — within the periphery with its ecosystems — as artistic investigation, scientific knowledge, as the example of the correspondence and the exchange of specimens between Fritz Müller (1822-1897) and Charles Darwin (1809-1882). Keywords: Art; ecology; networks; interdisciplinary; Dynamic Memorial Sea – embedded system; Fritz Müller. A trajetória da produção científica de Fritz Müller, um estrangeiro entre nós, que tem recebido destaque desde as comemorações do centenário de nascimento de Charles Darwin em 2009, expõe muitos aspectos que encontraremos em uma produção de arte, ciência e tecnologia. Em 2010 foi aberto o edital REFLORA para catalogação e repatriamento das espécies nativas brasileiras dos séculos XVIII, XIX e XX depositadas em dois herbários internacionais. Esta iniciativa fortaleceu e incentivou a criação de redes de pesquisadores trabalhando com o inventário dos espécimes da flora de Santa Catarina. Minha intenção era pensar a relação entre a colônia do Dr. Blumenau e o círculo de cientistas na Alemanha, mapeando a rede de colaboradores na qual Fritz Müller se inseriu e levantar os

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arte; ecologia; redes; interdisciplinar; Mar Memorial Dinâmico -sistema embarcado de sensoriamento; Fritz Müller.

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  • Arte, ecologia e redes. Consideraes a cerca de Fritz Mller

    Yara Guasque UDESC/PPGAV

    Resumo

    Arte, ecologia e redes pressupe uma pesquisa interdisciplinar relacionada s questes do meio ambiente e teia de colaboraes, como o caso de Mar Memorial Dinmico - sistema embarcado de sensoriamento. Tratei destas redes, que Bruno Latour chamou de redes de transformao, mais detalhadamente no artigo a ser apresentado no ISEA 2011 Colonizao e redes de cincia entre as periferias e o centro: o caso do naturalista Fritz Mller. Estas redes de colaborao legitimam a coleta e a experimentao que se d longe dos centros na periferia com seus ecossistemas como investigao artstica, ou conhecimento cientfico, a exemplo da correspondncia e a troca de espcimes, entre Fritz Mller (1822-1897) e Charles Darwin (1809-1882).

    Palavras-chave: arte; ecologia; redes; interdisciplinar; Mar Memorial Dinmico - sistema embarcado de sensoriamento; Fritz Mller.

    Abstract

    Art, ecology and networks implies to an interdisciplinary research that is related to the environment and to the web of collaborations, as is the case of Dynamic Memorial Sea embedded system. I focused these networks, which Bruno Latour called transformation networks, with more details in the article to be presented at ISEA2011 Colonization and science networks between peripheries and the center: the case of the naturalist Fritz Mller. These net of collaboration legitimize the collection and the experimentation which occurs far away from the centers within the periphery with its ecosystems as artistic investigation, scientific knowledge, as the example of the correspondence and the exchange of specimens between Fritz Mller (1822-1897) and Charles Darwin (1809-1882).

    Keywords: Art; ecology; networks; interdisciplinary; Dynamic Memorial Sea embedded system; Fritz Mller.

    A trajetria da produo cientfica de Fritz Mller, um estrangeiro entre ns, que

    tem recebido destaque desde as comemoraes do centenrio de nascimento de

    Charles Darwin em 2009, expe muitos aspectos que encontraremos em uma

    produo de arte, cincia e tecnologia. Em 2010 foi aberto o edital REFLORA

    para catalogao e repatriamento das espcies nativas brasileiras dos sculos

    XVIII, XIX e XX depositadas em dois herbrios internacionais. Esta iniciativa

    fortaleceu e incentivou a criao de redes de pesquisadores trabalhando com o

    inventrio dos espcimes da flora de Santa Catarina. Minha inteno era pensar a

    relao entre a colnia do Dr. Blumenau e o crculo de cientistas na Alemanha,

    mapeando a rede de colaboradores na qual Fritz Mller se inseriu e levantar os

  • espcimes do jardim de sua casa, considerando seu jardim, o inventrio vivo,

    fruto de sua correspondncia, como proposio artstica. Outras instituies

    catarinenses como o Inventrio Florstico Florestal de Remanescentes Florestais

    do Estado de Santa Catarina, IFFSC, pretendem mapear as espcies depositadas

    no herbrio de Kew na Inglaterra e tambm atualizar a lista das espcies

    ameaadas de extino. sabido que dentre as espcies catalogadas de Kew

    algumas foram coletadas por Fritz Mller no sculo XIX. Das espcies plantadas

    no jardim de Fritz Mller, fruto de sua investigao e correspondncia com

    outros cientistas estrangeiros, nada se sabe.

    As consideraes que formulamos em Parmetros para o entendimento das

    mdias emergentes e a formao de um pblico especializado no Brasil

    (Guasque, Guadagnini e Fachinello, 2007) apontavam para as condies

    materiais de produo das novas mdias e para o aparelhamento das instituies

    que geram conhecimento, responsveis pelos banco de dados e divulgao. Estas

    coincidem com as da produo cientfica no pais. Mesmo se hoje temos maior

    agilidade de comunicao do que na poca de Fritz Mller, quando a media usada

    era a carta, que era enviada de barco da colnia `a Europa, podemos ainda

    destacar da trajetria de Fritz Mller certos fatores que tambm incidem na

    produo de arte, cincia e tecnologia: a efetividade das redes de colaborao

    entre a periferia e o centro, que podemos relacion-las com as redes de

    transformao que possibilitam ao centro a representao dos fenmenos fora

    de seu alcance; a institucionalizao das redes de cincia no Brasil; a formao

    cientfica que instrumenta conceitualmente o observador; a adaptao e

    reformulao do currculo da educao formal para disseminar este

    instrumental; as metodologias da produo de conhecimento cientfico; a

    observao do fenmeno in loco; a documentao e a publicao; as formas de

    comunicao e interlocuo; o domnio da lngua estrangeira; a colaborao e o

    consenso sobre as questes de autoria. Outros detalhes so no legado de Fritz

    Mller mais especificamente relacionados `a vida da colnia: como a questo na

    colnia da oposio entre mata e roa.

    Rede de colaboradores entre a periferia e o centro de clculo

  • O fato de estarmos conectados pelo telgrafo ao continente europeu, somente a

    partir de 1874, no impediu que Fritz Mller se correspondesse com seus

    colegas internacionais e estabelecesse com eles uma rede de colaborao. A

    correspondncia por cartas e a troca de espcimes, entre Fritz Mller e Charles

    Darwin, caracteriza o que Bruno Latour chamou de redes de transformao. Fritz

    Mller pertenceu ao primeiro grupo de assentamento da colnia do Dr.

    Blumenau no vale do Itaja Alto do Itajahy. Em suas peregrinaes solitrias

    no litoral e, no planalto, acompanhado do engenheiro de estradas Dr.

    Oderbrecht, a servio do Dr. Blumenau, encontrou (1852) a natureza quase

    intocada.

    Formao cientfica e o currculo da educao formal

    Como professor do Liceu Provincial de Santa Catarina, em Desterro, de

    matemtica (1857-1864), entre outras disciplinas que props lecionar como

    qumica e fsica, e alemo, esteve em contacto ininterrupto com todos os ramos

    das cincias naturais e da literatura, e este contacto foi muito mais estreito que o

    que poderia manter nos anos posteriores de sua vida (Ernst Haeckel, 1980).

    Paralelamente docncia pesquisou em seu tempo livre na orla de Desterro,

    atual Florianpolis, as medusas, os briozorios, os plipos, e os crustceos que

    resultou em seu nico livro, Fr Darwin.

    Institucionalizao das redes de cincia no Brasil

    Entre 1807 e 1815, na passagem do Brasil colnia ao Brasil imperial, foram

    institudos por D. Joo VI o Museu Nacional, o Jardim Botnico, a Biblioteca

    Nacional, a Academia de Belas Artes, a Imprensa Rgia, o Banco do Brasil. O

    herbrio do Museu Nacional foi fundado em 1831 pelo botnico Ludwig Riedel,

    que integrou a expedio cientfica de von Langsdorff de 1825 a 1829.

    Entretanto o do Jardim Botnico do Rio de Janeiro s foi formado em 1890 com a

    doao da coleo de plantas desidratadas que pertencia a D. Pedro II. O cargo de

    Naturalista Viajante desempenhado por Fritz Mller no Museu Nacional do Rio

    de Janeiro, entre os anos de 1876 a 1891, coincide com os avanos das

    instituies criadas no Imprio em consolidao e a passagem para uma nova

    administrao do Brasil, j republicano.

  • Metodologias da produo do conhecimento cientfico

    O que determinou que sua observao se transformasse em investigao

    cientfica? Fritz Mller, o cientista consolidado, tinha a floresta como livro

    predileto dentre os volumes de sua reduzidssima biblioteca. A prtica

    experimental da observao na floresta, dos fenmenos em sua complexidade,

    diferia da realizada nos laboratrios das academias. O jardim, o inventrio vivo

    de sua correspondncia com cientistas europeus, possibilitava o

    acompanhamento, em diferentes horrios e estaes do ano, do giro das hastes

    das trepadeiras ou do movimento das folhas sob a chuva, e a transposio mais

    confortvel e gil destes dados para sua mesa de trabalho onde os registrava

    com ndices e formatos mais confiveis cincia.

    Formas de interlocuo e comunicao

    Suas anotaes sobreviveram ao ambiente acanhado da ento Desterro e

    Blumenau, e tambm se lanaram para alm da rede nacional de pesquisadores

    que se formava em torno do Museu Nacional, do Rio de Janeiro, ou do Museu

    Paulista. A amizade que cultivou com cientistas europeus, Ernst Krause, Charles

    Darwin e Ernst Haeckel entre outros, permitiu-lhe publicar artigos curtos na

    Kosmos, nas Notcias Entomolgicas, e em outros peridicos zoolgicos, como por

    exemplo na Relaes da Sociedade Botnica Alem.

    Durante seu exlio no Brasil produziu 237 dos 248 artigos que escreveu em toda

    sua vida, sendo que muitos extrados dos manuscritos contextualizados com

    ilustraes detalhadas que compartilhara com seus correspondentes europeus

    foram publicados no exterior como sendo de autoria dos destinatrios de suas

    cartas. A legitimao e o cunho cientfico de seu trabalho dependiam da rede

    internacional de colaborao, mas, tambm, da aculturao e formao das

    instituies brasileiras de pesquisa, responsveis pelos crculos cientficos que se

    criavam em seu entorno.

    A questo na colnia da oposio entre roa e mata

    Entre a floresta, a roa e o jardim h diferentes graus de dominao da natureza,

    que diminuem a complexidade das relaes e que mostram o avano da

  • colonizao. O campo, com a derrubada da mata e a clareira aberta na floresta,

    servia s necessidades crescentes de segurana e de comunicao dos habitantes

    da colnia que se transformava em cidade. Hoenhe queria homenagear Fritz

    Mller de maneira singular, atribuindo seu nome a uma das picadas do Instituto

    de Botnica, ao invs de lhe dedicar o nome de uma rua, ou praa urbana, em

    que a natureza completamente banida no mais consegue estabelecer a relao

    entre o homenageado e o motivo da homenagem (Frederico Carlos Hoenhe

    Apud Fontes; Lopes, 2008).

    Fritz Mller viveu entre a ento Desterro e a colnia do Dr. Blumenau no Alto do

    Itajahy, onde trabalhou a terra como outros colonos de faco. O abatimento

    psquico seja pelo clima ou por falta de estmulo intelectual, e as precrias

    condies de anotao de suas observaes so expressas nestas linhas por Fritz

    Mller:

    Living a full quarter-century in the land of the sloth, one gradually assumes

    something of the qualities of that creature, whether as a result of example

    or climate, or perhaps chiefly of a lack of intellectual stimulation. Add to this that I can get access only to the scantiest fragments of the literature

    and am therefore falling far behind the rapid onrush of science and may scarcely dare say anything. In addition, I will hardly be able to make any

    progress in a larger coherent project; I shall probably seldom be at home for

    any length of time, but will be occupied instead in expeditions around our

    province. Detailed investigations are out of the question on such trips into

    the country, because one often has to give up table and chair, bed and

    house, for weeks at a time, and ones scientific apparatus consists only a

    magnifying glass, a pocket knife and a pencil. F M para Ernst Krause, 1877. In West, 2003, p. 196.

    Ciberesturio manguezais

    Ciberesturio Manguezais, uma plataforma multiusurio que promove a

    participao aberta, a continuidade do projeto de pesquisa Visualizao do

    manguezal para a Plataforma Multiusurio Estao Carijs. Coordenado por Yara

    Guasque (2007/2010) o projeto foi pensado para ser realizado em partes, e teve

    como desdobramentos: a plataforma multiusurio Ciberesturio Manguezais

    (2010, http://ciberestuariomanguezais.ning.com), a Web art (de 2008, http://

  • WWW.tecnologiadormente.com/carijos, exposto no FILE de 2009) e as

    instalaes Mar Memorial Dinmico apresentada na exposio da Galeria da

    Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Rio Grande do Sul (2009,

    http://tecnofagiagptaipi.blogspot.com/2009/11/arquivos-da-instalacao-mar-

    memorial.html) e na Galeria Municipal de Arte Victor Kursansew, de Joinville

    e Mar Memorial Dinmico - Surroundings apresentada na exposio

    Pneumatforos na Fundao BADESC, Florianpolis, Santa Catarina (2010,

    http://tecnofagiagptaipi.blogspot.com/2011/02/mar-memorial-dinamico-

    surrounding.html), e agora Mar Memorial Dinmico sistema de sensoriamento.

    Por contar em 2010 com a estrutura da plataforma multiusurio, Ciberesturio

    Manguezais permitiu a participao mais dinmica da comunidade com a

    chamada para a coleta multimdia no Manguezal Itacorubi. As instalaes Mar

    Memorial Dinmico e Mar Memorial Dinmico Surroundings propiciaram a

    interao do pblico e uma nova forma de visualizao do manguezal. A

    chamada aberta a participao com incurses no espao fsico do manguezal e o

    convite a ocupao da plataforma multiusurio se deu pelo enfoque da ao

    como um jogo pervasivo, por este gnero permitir diferentes nveis de

    participao e pelo apelo s aes off-line como estratgias ldicas interessantes

    de engajamento e crtica.

    A importncia da participao da comunidade no uma retrica de publicidade

    vazia. Como sabemos Fritz Mller e Henry Walter Bates foram pioneiros quanto

    a investigao da mimese entre as borboletas palatveis e no palatveis. Mas

    apenas Fritz Mller continuou a viver entre os fenmenos que ele observou.

    Neste sentido pode ter uma reflexo mais precisa da razo das borboletas se

    auto imitar. Consideraes relevantes so descritas por vezes nos relatos da

    comunidade, por esta poder acompanhar um fenmeno, num tempo alargado, e

    observar os vrios desdobramentos e implicaes que ultrapassam a agenda e o

    escrutnio dos pesquisadores. Entretanto difcil garimpar quais informaes

    so pertinentes. A criao da plataforma multiusurio buscava ser um

    repositrio de diferentes nveis de narrativas e observaes, e facilitar o acesso

    s informaes que nem sempre se d de forma confortvel.

  • Na chamada de 28 de abril de 2010 e as de julho e agosto do mesmo ano de

    Ciberesturio Manguezais o manguezal focado foi o do Itacorubi, que se situa

    no bairro onde a Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, foi

    construda. Foram antes necessrios quase trs meses de espera para que o

    rgo ambiental responsvel por aquele manguezal, a Floran, desse a permisso

    para coletarmos apenas dados multimdia. J em 2008 para a elaborao da Web

    art quando da construo do mapa do Manguezal Ratones, que foi o primeiro

    a ser percorrido, mesmo antes do projeto abrir a chamada participao,

    (HTTP://www.tecnologiadormente.com/carijos) tnhamos sentido o embate

    com os rgos municipais, estaduais, e federais, nas vrias consultas aos rgos

    competentes, Ibama e Ipuf, para verificar a possibilidade de permisso de

    adentrarmos o manguezal Ratones, e pesquisar a existncia de mapas antigos e

    atuais da regio.

    A significao das informaes sobre o stio fsico postadas numa mesma

    plataforma poderia ser coletiva. A diversidade, e complexidade dos dados

    coletados da regio, dependeria desse agenciamento coletivo que improvisaria a

    capacidade de interpretao. Mesmo que a discusso tenha sido suscitada e a

    ateno tenha sido criada, no foi o que aconteceu. Tivemos poucos

    participantes realmente ativos e dispostos a construir um debate na plataforma.

    Nem mesmo a exposio Pneumatforos, de novembro de 2010 na Fundao

    Cultural Badesc, em Florianpolis, que teve tima visitao de estudantes da

    rede pblica e privada, e que abriu ainda mais a participao, conquistou novos

    membros adeptos a compartilhar seus arquivos.

    Mar Memorial dinmico - sistema embarcado de sensoriamento

    Independente da inexistncia na poca do sistema embarcado e do chamariz da

    procura dos mdulos-letra, a plataforma multiusurio e a chamada aberta a

    participao, as instalaes e exposies levantaram alguns pontos importantes:

    a acessibilidade dos dados levantados pela comunidade cientfica; a importncia

    da participao ativa, e ao longo dos anos, da populao civil; o alcance

    questionvel dos projetos artsticos para fazer mudanas concretas.

  • Como obra artstica o sistema embarcado de Mar Memorial dinmico - sistema

    embarcado de sensoriamento que agora toma impulso, d continuidade s

    realizaes das instalaes interativas. O sistema embarcado, previsto desde o

    incio do projeto, consistia nas letras da frase Mar Mermorial Dinmico

    modeladas em material ecologicamente aprovado, que encapsulam micro

    controladores. Dezenove unidades de mdulos-letra compem a frase Mar

    Memorial Dinmico (M-A-R- M-E-M-O-R-I-A-L-D-I-N--M-I-C-O ). Dentre estas

    seis possuem clula solar, para garantir a auto-suficincia do abastecimento de

    energia, e encapsulam micro controladores associados a sensores e a

    dispositivos de comunicao por rdio. Os restantes no possuem micro

    controladores e apenas coletaro as bactrias. Estes mdulos-letra sero

    dispersos no mar para coletar dados do meio ambiente.

    Desde o incio do projeto admitamos que o sistema embarcado fosse hospedado

    em outra regio que no a do manguezal, e realizado em outro pas. Seguindo o

    exemplo da rede de colaborao que permitiu ao naturalista viajante Fritz

    Mller, em Santa Catarina no sculo XIX, atualizar sua pesquisa graas a sua

    interlocuo com cientistas internacionais, hoje imprescindvel a cooperao

    das redes de colaborao na realizao de trabalhos em arte, cincia e tecnologia.

    Mar Memorial dinmico - sistema embarcado de sensoriamento participou no ms

    de junho de 2011 do programa de Residncia Artstica em Arte, Cincia e

    Tecnologia, M.A.R.I.N. Media Art Research Interdisciplinary Network,

    http://marin.cc/residency/cfp/, coordenado por Tapio Mkel, que aconteceu

    no arquiplago finlands do mar bltico. O programa oportunizou o melhor

    entendimento de projetos similares e impulsionou parcialmente o delineamento

    da comunicao do sistema embarcado, entre os mdulos-letra e os sensores de

    deteco de dados do meio ambiente. A pesquisa focou neste momento a

    comunicao entre os micro controlodadores, a escolha dos sensores e o

    material de encapsulamento, para que este alm de no agridir o meio-ambiente,

    e no ser nocivo aos animais, impermeabilize os componentes eletrnicos sem

    interferir na comunicao de dados via rdio freqncia.

  • Com o sistema embarcado o projeto alcanar a autonomia pretendida das

    coletas, recuperando algumas premissas do projeto original, como a

    aproximao com a poesia e a literatura, que estavam nos primeiros insights do

    projeto, destacando novamente os fenmenos da natureza como co-autores e

    obtendo como resultado Escrituras bacterianas da gua. A base potica e

    conceitual de Visualizao do manguezal para a Plataforma Multiusurio Estao

    Carijs provinha das experimentaes com o mar como um suporte dinmico de

    escrita, capaz de embaralhar objetos dspares, que resultou na performance Mar

    como Morte de 1998. Na performance as letras esculpidas em material flutuante

    foram espalhadas na Lagoa da Conceio. As letras formavam a frase Mar como

    Morte e eram embaralhadas pela correnteza e pelo vento. Semanas depois estas

    foram fotografadas e capturadas por moradores da regio. Revendo a

    performance digitalizada em vdeo me dei conta, na poca, de que um sistema de

    monitoramento dos ventos e das correntes da gua teria enriquecido muito o

    projeto.

    A performance foi melhor elaborada conceitualmente no projeto Mar como

    sistema de escrita dinmica, de 2005, que enfatizava os sistemas no-lineares

    como suporte da escrita e a ao dos fenmenos naturais como processo de co-

    autoria.

    Dentre as perguntas que Tapio Mkel se coloca destacamos algumas: como as

    prticas e dados levantados por artistas diferem tecnologicamente,

    conceitualmente e cientificamente dos levantados pela comunidade cientfica?

    Podem estes dados ser considerados indexicais, j que apontam para fatores

    importantes, apesar de no serem relevados como base e material de pesquisa

    cientfica? Consideraramos estes projetos dentro do guarda-chuva da Arte e

    Cincia ou da Arte Revestida de Cincia?

    Respondendo se os parmetros fsicos e qumicos, que queremos levantar com o

    sistema embarcado, auxiliaro de fato as pesquisas ambientais, me deparo para o

    enorme movimento que o projeto causou em mim. Todo o conhecimento

    adquirido em relao aos manguezais e mares modificou como me situo hoje no

  • ambiente que vivo. Acredito que esta transformao ocorreu tambm para os

    demais participantes.

    Achar solues ou criar estratgias?

    A residncia nos arquiplagos filandeses do mar bltico seria para desenvolver

    Mar Memorial Dinmico sistema embarcado de sensoriamento agora com os

    participantes: Ina Oestroem, Oriel Frigo, Igor Rocha e eu, Yara Guasque. O

    esquema de comunicao entre os mdulos-letra, desenvolvido por Oriel, era

    apenas um comeo para pensarmos os equipamentos e suas lgicas. Partimos de

    carro no domingo, 19 de junho de 2011, com Tapio Mkel e o tambm artista,

    Tuomo Tammenp, outro moderador da residncia, rumo a ilha onde o

    programa aconteceria.

    Num pas que mistura apropriaes pr-industriais combinadas s ps

    industriais a residncia acabou por trazer tona a questo no s da

    preservao dos biomas em sua complexidade, mas tambm a possibilidade de

    propiciar a variedade e a multiplicidade de invenes de resistncias, e de auto

    invenes e subjetividades no contexto da economia global.

    Lazzaratto em As revolues do capitalismo se detm no conceito de mnadas de

    Leibniz. Sob o vis da interpretao de Gabriel Tarde, Lazzaratto descreve as

    mnadas como invenes de mundos. Este conceito nos auxiliou a entendermos

    melhor a importncia da deriva e da autonomia dos mdulos-letra de Mar

    Memorial Dinmico, sistema embarcado de sensoriamento. No procurvamos

    situaes nas quais os mdulos-letra navegariam com estabilidade, nem a

    segurana de no os ver perdidos num mar memorial de informao, pois no

    queramos como resultado uma comunicao informacional codificada. Nem

    almejvamos obter parmetros legitimizadores de um discurso cientfico.

    Tambm no os vamos como um enxame de vespas sendo comandadas a

    distncia. Gostaramos de evitar um sistema embarcado onde alguns mdulos-

    letra agissem como server e outros apenas como slaves. O que estava em questo

    no era a eficincia da comunicao entre os mdulos-letra com GSM/GPRS e os

    outros com Xbee e sensores, mas a capacidade destes mdulos-letra em

    conversao de criar uma linguagem, mesmo que catica.

  • Referncias: ARAUJO, Yara Rondon Guasque. Ciberestuario Manguezais: articulaes extra mangue. Achar solues ou criar estratgias de eventos acontecimentos? Texto aguardando publicao no V Colquio de Poticas do Urbano. ANTONACCI, Clia Maria Ramos (Org.).

    GUASQUE, Yara; GUADAGNINI, Silvia Regina; FACHINELLO, Sandra Albuquerque Reis. Parmetros para o entendimento das mdias emergentes e a formao de um pblico especializado no Brasil, in VENTURELLI, Suzete. (Org.). #6. ART. Arte e tecnologia. Intersees entre arte e pesquisas tecno-cientficas, Braslia: Instituto das Artes da Universidade de Braslia, 2007.

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