Arte Terapia Potenciadores Artisticos
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS ARTES
ARTE-TERAPIA E AS POTENCIALIDADES
SIMBLICAS E CRIATIVAS
DOS MEDIADORES ARTSTICOS
Daniela de Carvalho e Souza Martins
MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA
2012
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS ARTES
ARTE-TERAPIA E AS POTENCIALIDADES
SIMBLICAS E CRIATIVAS
DOS MEDIADORES ARTSTICOS
Daniela de Carvalho e Souza Martins
MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA
Dissertao orientada pelo Professor Doutor Joo Manuel Gouveia de Almeida Peneda
2012
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Esta dissertao foi redigida conforme o novo Acordo Ortogrfico. As citaes em portugus
so transcritas na ntegra, sejam portuguesas ou brasileiras.
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Ana Margarida,
ao Danilo,
e aos Ricardos da minha vida.
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Agradecimentos
Ao Professor Doutor Joo Peneda, pela orientao desta dissertao e por todo apoio
no desenvolvimento da temtica. Professora Doutora Margarida Calado, pela considerao
que sempre teve pela Arte-Terapia, o que me incentivou a investir na pesquisa desta rea no
mbito do Mestrado de Educao Artstica.
Ao meu mestre Ruy de Carvalho, por me ter ensinado tudo o que sei sobre Arte-
Terapia. Pelo incentivo para realizar este Mestrado, pelo apoio e pela amizade.
s formandas da Ps-Graduao em Arte-Terapia da Universidade da Madeira, pela
disponibilidade. Em particular Helena Azevedo por me ter cedido o material da sua
interveno institucional no contexto da formao, que serviu como amostra para esta
insvestigao.
Ao meu pai, em memria, por me ter deixado a herana do gosto e da contemplao
das artes.
Ao carinho dos meus amigos, e principalmente s queridas colegas da SPAT.
Ao amparo dirio e constante do Ricardo Grande. presena fortalecedora do
Ricardo Pequenino.
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Resumo
A Arte-Terapia um mtodo de tratamento destinado a promover a sade mental. A
sua prtica incorpora a criao artstica, ao fazer uso de diferentes mediadores artsticos.
Atravs das vrias formas expressivas das artes, a pessoa comunica e explora os seus
sentimentos. O desenvolvimento criativo leva o indivduo a romper resistncias e a
reconhecer as suas prprias capacidades, o que se traduz em sentimentos de maior autoestima
e bem-estar. O exerccio da criatividade possibilita uma viso diferenciada sobre si mesmo,
bem como favorece o encontro de pontos de vista alternativos para problemticas do foro
psquico. O objetivo o crescimento pessoal, o contacto com o seu mundo sensvel e o
desenvolvimento emocional. No processo arte-teraputico, a vivncia artstica pela criao
enriquece o imaginrio e colabora para o autoconhecimento, impulsionador da elaborao dos
contedos internos e da transformao pessoal.
Os mediadores artsticos so os meios empregados com a finalidade de criao,
expresso e comunicao no setting arte-teraputico. Constituem-se pela expresso plstica,
musical, dramtica, corporal, literria e ldica. Deles derivam os recursos tcnicos artsticos,
que so as propostas, e os materiais para a criao. fundamental em Arte-Terapia refletir
sobre os potenciais teraputicos de cada recurso, indo ao encontro das necessidades dos
indivduos. Na sua aplicao, considera-se as suas caractersticas particulares: simblicas,
expressivas e criativas.
A investigao realizada permitiu-nos concluir que as potencialidades simblicas e
criativas dos recursos tcnicos artsticos so ativadas no processo criativo desenvolvido em
Arte-Terapia. Compreendemos que esta ativao recorre simbologia associada a cada
material e que significativa mediante as necessidades expressivas e criativas do sujeito.
Cada recurso tcnico artstico facilita a expresso de determinados tipos de afetos,
sentimentos e emoes, bem como o desenvolvimento da sua criatividade.
Palavras-chave: Arte-Terapia, Mediadores Artsticos, Potencialidades, Simbologia,
Criatividade.
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Abstract
Art Therapy is a therapeutic method designed to promote mental health. Its practice
incorporates artistic creation by making use of different artistic mediators. Through various
forms of expressive arts, people can communicate and explore their feelings. Creative
development can lead people to break free from constraints and to acknowledge their own
abilities, which translate into higher Self-esteem and well-being. The exercise of creativity
enables a distinguished view upon oneself and favors the discovery of alternative solutions for
ones problems. The goal is personal growth, contact with the sensible world and emotional
development. Within the art therapy process, the creative experience enriches the artistic
imagination and contributes to Self- awareness, booster of internal content development and
personal transformation.
The art mediators are the means employed for the purpose of creation, expression and
communication in the art therapeutic setting. They are comprised by Self-expression in its
multiple ways, such as corporal, dramatic, literary, ludic, musical and visual. From them
derive the technical artistic resources, which are the proposals and the materials for creation.
It is essential in art therapy to evaluate the therapeutic potential of each resource, matching
the needs of the individuals. When they are applied, its important to consider their particular
characteristics: creative, expressive and symbolic.
The research lead us to the conclusion that symbolic and creative potentials of the
technical artistic resources are activated in the creative process developed in Art Therapy. We
understand that this activation uses the symbolism associated with each material and which is
significant by the expressive and creative needs of the subject. Every technical artistic feature
facilitates artistic expression of some kinds of affections, feelings and emotions, as well as the
development of their creativity.
Keywords: Art Therapy, Art Mediators, Potentials, Symbols, Creativity.
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ndice
Introduo
1. Justificao e relevncia temtica..2 2. Organizao do trabalho7 3. Metodologias.9
Parte 1. A Arte-Terapia
1. Definio de Arte-Terapia..16
2. O Modelo Polimrfico de Arte-Terapia O contexto portugus...20
3. Fantasia, imaginao e simbolismo. Bases da Psicanlise para a Arte-Terapia.....22
4. Arte-Terapia e a Educao Artstica...27
Parte 2. Histria da Arte-Terapia
1. A Histria da Arte-Terapia...35
2. A abertura aos sentimentos romnticos....36
3. De volta para o futuro A Arte Moderna39
4. A Arte Bruta..40
5. Arte e Psiquiatria...41
6. Pintores e poetas portugueses...43
7. Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expresso.44
8. A Psicanlise e as correntes psicoteraputicas..45
9. Os pioneiros da Arte-Terapia47
10. A Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia.48
Parte 3. A Arte na Arte-Terapia
1. A criao artstica na Arte-Terapia - Caractersticas e particularidades.52
2. A armadura, o escudo e a arte Mecanismos de defesa na criao...58
3. Arte-Terapia e criatividade..62
3.1. Intuio e espontaneidade..64
4. Dar forma s emoes Arte-Terapia e a experincia esttica..66
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Parte 4. Mediadores artsticos
1. Os mediadores artsticos..70
2. A relao com o material mediador.74
3. Criar e construir - o fazer com o material....77
4. A matria, o imaginrio e os seus smbolos....80
5. Potencialidades simblicas e criativas dos mediadores artsticos...83
6. Particularidades do mediador artstico: expresso plstica.88
6.1. Desenho88 6.2. Pintura...91 6.3. Colagem....96 6.4. Modelagem em barro....99
Parte 5. Anlise de estudo de caso. Aplicao do mediador artstico
1. Desenho.106
2. Pintura....109
3. Colagem.113
4. Modelagem em barro.117
5. Discusso dos resultados.......121
Concluso...124
Limitaes do estudo e recomendaes para futuros estudos ..126
Bibliografia....128
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ndice de Figuras
Figura 1: Desenho..106
Figura 2: Pintura Imagem A...109
Figura 3: Pintura Imagem B...109
Figura 4: Colagem.113
Figura 5: Modelagem em barro Imagem A....117
Figura 6: Modelagem em barro Imagem B.....117
Figura 7: Modelagem em barro Imagem C.....117
Figura 8: Modelagem em barro Imagem D....117
Figura 9: Modelagem em barro Imagem E.117
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Lista de Abreviaturas
AATA - American Art Therapy Association
APECV Associao de Professores de Expresso e Comunicao Visual
BAAT - British Association of Art Therapists
DGERT Direo-Geral do Emprego e das Relaes de Trabalho
NIAT Ncleo de Investigao em Arte-Terapia
SIPE Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expresso
SIPEAT - Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expresso e Arte-Terapia
SPAT Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia
UBAAT Unio Brasileira de Associaes de Arteterapia
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(A obra) s lhe revelada ao longo do caminho, atravs do caminho que o seu, cujo rumo o individuo tambm no conhece. O caminho no se compe de pensamentos, conceitos, teorias, nem de emoes embora resultado de tudo isso. Engloba, antes, uma srie de experimentaes e de vivncias onde tudo se mistura e se integra e onde a cada deciso e cada passo, a cada configurao que se delineia na mente ou no fazer, o indivduo, ao questionar-se, se afirma e recolhe novamente das profundezas de seu ser. O caminho um caminho de crescimento. Seu caminho, cada um o ter que descobrir. Descobrir, caminhando. Contudo, jamais seu caminhar ser aleatrio. Cada um parte de dados reais; apenas, o caminho h-de ensinar como os poder colocar e com eles ir lidar. Caminhando, saber. Andando, o indivduo configura o seu caminhar. Cria formas, dentro de si e em redor de si. E assim como na arte o artista se procura nas formas da imagem criada, cada indivduo se procura nas formas do seu fazer, nas formas do seu viver. Chegar a seu destino. Encontrando, saber o que buscou.
Fayga Ostrower
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1 Ostrower, 2008: 74-75
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Introduo
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1. Justificao e relevncia temtica
A presente dissertao versa genericamente sobre o tema da Arte-Terapia. Abordamos
especificamente os mediadores artsticos utilizados nos processos arte-teraputicos e as suas
potencialidades criativas e simblicas. Propomos este tema por vrios motivos, primeiro a
nossa rea de atuao profissional, por isso um assunto muito familiar, para ns uma rea de
estudo constante. Segundo, uma temtica considerada nova em Portugal, pouco abordada na
rea acadmica e cientfica. Nas nossas pesquisas encontramos apenas dissertaes ou teses
que abordam a Arte-Terapia de maneira indireta, sem ser um objeto de estudo especfico. Na
Faculdade de Belas Artes de Lisboa no existe registo de nenhuma investigao sobre o
assunto. Alm disso, o que vemos pelas bibliotecas, em geral, so trabalhos que apenas
referem assuntos semelhantes Arte-Terapia. Encontramos referncia s terapias
expressivas, musicoterapia, psicodrama, a arte como promotora de determinados estados
emocionais/psicolgicos, e outros termos que podem sugerir o trabalho arte-teraputico mas
que no se debruam na investigao da teoria e da prtica da Arte-Terapia propriamente dita,
ou simplesmente, o assunto citado mas no desenvolvido.
Pretendemos no nosso trabalho apresentar a Arte-Terapia atravs dos seus
componentes tericos e tcnicos. Dissertar sobre a linha terica pela qual a Arte-Terapia se
desenvolve, bem como apresentar os aspetos tcnicos inerentes prtica arte-teraputica.
Referimos vrios autores e algumas perspetivas ao longo da investigao, mas o nosso foco de
trabalho baseia-se no mbito em que nos encontramos, que nos parece de relevncia bvia, do
contexto portugus, preconizado pela Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia.
Sobre a temtica especfica da dissertao, as potencialidades dos mediadores
artsticos, ou seja, dos recursos tcnicos artsticos, so de importncia tcnica indispensvel.
Destacamos as potencialidades criativas e as potencialidades simblicas dos materiais
aplicados em Arte-Terapia. A criao artstica ativa o sistema simblico da pessoa e abre
canais de acesso imaginao. Determinados mediadores so mais facilitadores da
criatividade para certas pessoas do que para outras, e nesse sentido devem ser analisados (e
experimentados) para uma aplicao eficiente.
A Arte-Terapia feita de criatividade que por sua vez requer naturalmente materiais
artsticos. Estes so os recursos tcnicos artsticos, ou de uma maneira conceitual, os
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mediadores artsticos. So aqueles que medeiam a comunicao, os que concretizam a
expressividade. Toda a interveno arte-teraputica pressupe execuo criativa, e esta no
pode ser aleatria, simplesmente a fazer-se. Espontaneidade no sinnimo de aleatoriedade.
H ostensivamente que se delinear objetivos direcionados s necessidades da populao
intervinda. Por isso, uma srie de aspetos so levados em considerao no planeamento dos
recursos artsticos aplicados, para que sejam realmente adequados s caractersticas dos
sujeitos. As peculiaridades dos recursos artsticos espelham os aspetos caractersticos pessoais
e a facilitao expressiva decorre a partir de um processo de identificao. A escolha de um
mediador no algo aleatrio ou por acaso. Pensa-se em fatores como o meio social do
indivduo, patologias, traos de personalidade evidentes, vontades expressivas, ou o assunto
emergente do paciente. A relevncia de se levantar estas questes imediatamente detetada
no desenrolar desse estudo, uma vez que h um nmero irrisrio de publicaes que abordam
este assunto especfico, pelo menos de maneira aprofundada. Partimos, portanto, dos
conceitos desenvolvidos por Ruy de Carvalho, que desenvolve o Modelo Polimrfico de Arte-
Terapia e fundador da SPAT.
Por conseguinte, entendemos que a observao das potencialidades criativas e
simblicas dos recursos tcnicos artsticos pode ser de tima aplicao em Educao Artstica.
Anunciamos que os princpios de execuo artstica aplicados em Arte-Terapia podem ser
muito bem aproveitados na rea educacional. Apesar de no desenvolvermos concretamente a
investigao da aplicao dos recursos artsticos visando as suas potencialidades em Educao
Artstica, comparamos os dois campos de atuao, apresentando as suas diferenas e
afinidades em termos metodolgicos, demonstrando o que cada rea pode usufruir da relao
entre as duas matrias.
E por que falar sobre Arte-Terapia no mbito da Educao Artstica? Pretendemos
ressaltar o ponto de vista artstico e educacional da Arte-Terapia apesar das evidncias
histricas que a fazem estar ligada ao meio clnico, como um tratamento psicoteraputico, de
utilizao da arte apenas como um meio facilitador. Historicamente a Arte-Terapia cunhada
a partir do trabalho efetuado dentro dos hospitais. Contribuiu para o seu estabelecimento a
valorizao do trabalho artstico realizado por doentes mentais, num movimento iniciado no
sculo XIX. Boa parte da teoria da Arte-Terapia composta por pressupostos psicolgicos e
psiquitricos. Alm de tudo, a Arte-Terapia uma proposta de tratamento do foro psquico,
visando o desenvolvimento pessoal e a mudana de aspetos menos adaptados do indivduo
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para que este venha sentir um bem-estar maior e ter uma vida mais produtiva e significativa.
Contudo, a prtica da Arte-Terapia fundamentada no meio educacional por profissionais que
investiram esforos numa metodologia vocacionada para o desenvolvimento do potencial
criativo.
As primeiras intervenes arte-teraputicas, seja em Inglaterra, nos Estados Unidos ou
na Frana2, estabelecem fortes ligaes com a Educao Artstica, sendo de grande influncia
as teorias contemporneas da Educao Artstica. Autores como Herbert Read, Viktor
Lowenfeld, John Dewey, e mais tarde Howard Gardner, entre outros, so referncias tericas
para aplicao da Arte-Terapia crianas. nesse momento que a interveno arte-
teraputica sai dos crculos hospitalares e instala-se nas escolas, quando dada uma
importncia diferenciada para o desenvolvimento integral infantil. No momento em que a arte
vista como um dos principais meios promovedores de crescimento e desenvolvimento
emocional da criana. O brincar passa a ser observado por psicanalistas e educadores. Freud
d importncia s brincadeiras das crianas, apresentando-as como atos sintomticos, ou
seja, como uma atividade em que a criana elabora a sua realidade e d voz s suas fantasias.
Dessa maneira o brincar passa a ser uma coisa sria, digna de estudos e observaes por
pedagogos, psiclogos, educadores, mdicos e demais profissionais interessados no
desenvolvimento infantil. O brincar, portanto, no mais apenas recreao, distrao e
divertimento.
A anttese de brincar no o que srio, mas o que real. Apesar de toda a emoo com que a criana catexiza seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus objetos e situaes imaginados s coisas visveis e tangveis do mundo real. Essa conexo tudo o que diferencia o brincar infantil do fantasiar (Freud, 1906: 79).
Dessa maneira, no meio educacional, a arte deixa de ser vista apenas pelo seu carter
ldico, e, por outro lado, para alm do aspeto tcnico e instrutivo do desenho e das artes em geral,
passa a ser promovida a expressividade pessoal, a espontaneidade gestual e a liberdade criativa. A
Arte-Terapia comea a ser aplicada em instituies diversas, em crianas com traumas, doenas,
dificuldades e limitaes diversas comprometedoras do desenvolvimento psquico.
2 Pases que demonstram terem maior tradio nesta rea e que so referncias para o estudo da Arte-Terapia, bem como apresentam maior nmero de publicaes a abordar um vasto investimento no desenvolvimento das intervenes, seja por parte dos meios institucionais, seja pelo investimento na formao de arte-terapeutas. Inclusivamente, nesses pases, os arte-terapeutas tm maior reconhecimento profissional. Em Inglaterra j uma profisso estabelecida desde os anos 80, sendo a Arte-Terapia uma prtica integrada no Sistema Nacional de Sade Britnico.
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A arte em Arte-Terapia, no tem apenas um papel acessrio e sim uma condio
essencial, que fundamenta o estmulo criatividade para se atingir nveis mais elevados de
bem-estar e a resoluo de conflitos internos. Na criao artstica opera-se funes mentais
fundamentais para o equilbrio pessoal. O pensamento divergente dos processos criativos
integra fatores de simbolizao, abstrao e uma cognio especfica para uma aprendizagem
que inclui o sistema sensorial e emocional. um contraponto do pensamento lgico, mas as
experincias quando integradas favorecem um desenvolvimento ampliado e
fundamentalmente mais adaptado realidade do indivduo, que tendo uma postura mais
criativa perante a vida pode responder com mais preciso s suas necessidades.
A expresso artstica, apesar de ser um meio em Arte-Terapia e de no requerer ou
objetivar a tcnica tradicional, possui caractersticas de execuo e de relao esttica. A
produo em Arte-Terapia no arte com A maisculo (assim como referida pelos que
mantm uma viso, mais do que ultrapassada, de arte pela arte). No visa os processos
tcnicos de desenvolvimento da habilidade dos artistas. Um arte-terapeuta no tem a
competncia dos professores de arte. No ensina arte, mas sim promove o exerccio da atividade
criativa pelos veculos artsticos, seja pelas artes plsticas, pela expresso corporal, pela
expresso musical ou pela expresso dramtica. Estimula a comunicao dos afetos por meio da
expresso artstica, de maneira a mobilizar a capacidade criativa do indivduo considerada como
inerente.
A Arte-Terapia praticada h vrias dcadas, e atualmente encontramos intervenes
em praticamente todos os pases. No XIX Congresso Internacional da SIPE, realizado em
conjunto com o X Congresso Portugus de Arte-Terapia, em 2009, em Lisboa, que reuniu
profissionais da Coreia, Japo, Hungria, Estados Unidos, Canad, Brasil, Chile, Rssia,
Inglaterra, Frana e Itlia. Igualmente em toda a Europa h exemplos de atuao arte-
teraputica, bem como nos demais continentes. A formao de arte-terapeutas efetivada para
que no haja mais equvocos como os iniciais, nos primrdios da Arte-Terapia, em que o
papel do arte-terapeuta era difuso, confundindo-se com o dos outros profissionais, como
psiclogos que se utilizam da arte, artistas investigadores de teorias psicolgicas, arte-
educadores, terapeutas ocupacionais, etc. No momento atual o movimento de afirmao da
Arte-Terapia patente, o que passa por diferenciar o arte-terapeuta dos demais profissionais,
atravs de uma formao bem consolidada.
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A relevncia da abordagem sobre Arte-Terapia no meio acadmico torna-se necessria
pela pouca divulgao dos estudos desenvolvidos em Portugal. Este tambm um dos focos
do trabalho da SPAT, em levar a comunidade e as instituies a conhecerem este mtodo de
desenvolvimento pessoal. Mesmo os profissionais mais prximos da rea arte-teraputica e
abertos s novas abordagens desconhecem os verdadeiros objetivos da Arte-Terapia, sendo
desenvolvidas vises errneas e limitativas, associando-a, por exemplo, criao feita nos
hospitais psiquitricos, conhecida genericamente como arte bruta, ou mesmo arte-
psicopatolgica, aos ateliers de artes plsticas, Terapia Ocupacional, aos mtodos
interpretativos do desenho e da imagem. Ainda de maneira quase caricata, a Arte-Terapia
ingenuamente associada a um mtodo de cura pelo desenho, ou de ocupao de tempos
livres, bem como linhagem esotrica, ligando a Arte-Terapia prtica de ioga, meditao e
s demais terapias alternativas popularmente conhecidas. Os profissionais das reas clnicas
pouco conhecem os seus benefcios teraputicos, e na rea da Educao desconhecem como
pode ser integrada, visando o desenvolvimento criativo e emocional do indivduo. Por estes
motivos, sendo a Arte-Terapia um campo de investigao estruturado teoricamente e com
particularidades tcnicas prprias e especficas, urgente a distino e reconhecimento
cientfico enquanto prtica teraputica.
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2. Organizao do trabalho
Na primeira Parte da dissertao desenvolvemos os conceitos que definem a Arte-
Terapia. Apresentamo-la no contexto portugus ao introduzirmos a fundamentao do Modelo
Polimrfico de Arte-Terapia. Definimos Arte-Terapia e Arte-Psicoterapia ao estabelecer as
suas diferenas, em termos de aplicao e objetivos. Apesar dessas diferenas constiturem os
dois tipos de interveno, utilizamos para nos referir genericamente ao assunto, o termo Arte-
Terapia. utilizado Arte-Psicoterapia nesta dissertao quando tratamos da interveno
especfica psicoteraputica. A seguir, apresentamos as teorias da Psicanlise que contribuem
para esclarecer o funcionamento psquico relativo ao processo artstico. Ainda, surge nesse
domnio de definio, a comparao entre Arte-Terapia e Educao Artstica.
Na Parte 2, investigamos a Histria da Arte-Terapia, importante para a compreenso
do seu aparecimento e o entendimento desta matria como uma prtica que visa a sade e o
equilbrio, a desfazer determinadas lendas que associam a Arte-Terapia arte dos loucos.
Clarificamos que a Histria da Arte-Terapia uma histria da sade, onde expomos como a
arte foi utilizada para promover o desenvolvimento pessoal, e no a reforar o desequilbrio
mental como suposto impulsionador da criatividade artstica. Demonstramos o desenrolar da
sua aplicao a partir do sculo XIX. So apresentadas as principais influncias histricas,
sociais e culturais.
A Parte 3 apresenta os fatores inerentes ao papel da arte na Arte-Terapia. Descrevemos
o seu funcionamento como recurso teraputico, suas caractersticas e particularidades, uma
vez aplicada com finalidade de representao simblica pessoal. Apresentamos os estudos
relevantes sobre as imagens criadas no setting arte-teraputico desenvolvidos pelos arte-
psicoterapeutas Joy Shaverian (1987) e John Birtchnnell (1984). Aspetos do processo criativo
no mbito da Arte-Terapia so referidos, como os mecanismos de defesa utilizados na criao
artstica e o conceito de criatividade aplicados ao contexto.
A Parte 4 desta dissertao dedicada aos mediadores artsticos, onde propomos
analisar a natureza do material e os aspetos inerentes sua utilizao. Recorremos filosofia
da arte, s teorias da criatividade, psicologia para entend-los como recursos simblicos e,
naturalmente, ao relato da prtica dos arte-terapeutas. Da mesma forma, referimos aspetos da
nossa prtica arte-teraputica, desde 2002, quando iniciamos um grupo de Arte-Terapia no
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Hospital Miguel Bombarda3, at o momento atual, que se pauta na prtica da Arte-
Psicoterapia, em acompanhamentos individuais, incluindo a formao de arte-terapeutas e a
superviso dos formandos em contexto institucional. Apresentamos e descrevemos as funes
teraputicas da arte, definidas por Ruy de Carvalho, que emergem atravs dos mediadores
artsticos. So as seguintes funes: Criao; Expresso; Significao; Suprimento; Nutrio e
Integrao. Refletimos sobre a relao desenvolvida entre o sujeito e o material manipulado,
apresentando os constrangimentos e os benefcios do fazer artstico. As condies propcias,
ambientais e psquicas, so fatores que os arte-terapeutas do especial nfase para facilitar a
abertura experincia criativa. Verificamos, ainda, a relao entre o imaginrio, o sistema
simblico e a matria, que se constitui como a base do processo criativo em Arte-Terapia. Por
fim, apresentamos as potencialidades criativas e simblicas dos mediadores artsticos,
relativamente a quatro recursos tcnicos especficos das artes plsticas.
Na Parte 5, a nossa investigao direciona-se anlise de estudos de casos que
demonstram a aplicao dos recursos tcnicos artsticos. Utilizamos exemplos oriundos dos
settings de Arte-Terapia e de Arte-Psicoterapia. Analisamos as criaes e apresentamos os
resultados.
3 O grupo de Arte-Terapia referido foi realizado de 2002 a 2004 com internos da 8 Enfermaria da Psiquiatria Forense do Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa.
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3. Metodologias
Esta dissertao recorreu a trs metodologias: terico-conceitual, histrica e a estudo
de caso.
O objetivo da investigao terica definir a Arte-Terapia, por isso apresentamos as
suas bases histricas e os seus fundamentos tericos. De maneira especfica, delimitamos o
objeto do nosso estudo aos mediadores artsticos aplicados em Arte-Terapia. Propomos
investigar as potencialidades simblicas e criativas dos recursos tcnicos artsticos, que so os
materiais derivados dos mediadores. Portanto, os mediadores artsticos definem a forma de
expresso utilizada em Arte-Terapia, e os recursos tcnicos definem os materiais. A seguir
temos as variantes que so constitudas por diferentes formas de aplicao do material, ou
pelas suas variadas tcnicas. Por exemplo, a pintura um dos recursos tcnicos artsticos do
mediador das artes plsticas, pela qual podemos utilizar a pintura de tipo aguarela como
variante do recurso. que so derivadas dos recursos tcnicos artsticos.
Pretendemos verificar como a aplicao de um determinado mediador artstico mais
facilitador do que outros. Analisamos como atua um recurso tcnico artstico a promover a
expresso simblica e o desenvolvimento criativo do paciente em Arte-Terapia. Dessa
maneira, defendemos a afirmao de que a aplicao dos mediadores artsticos no pode ser
aleatria por parte do arte-terapeuta. As necessidades expressivas e criativas do paciente em
Arte-Terapia devem determinar o planeamento do recurso a ser aplicado. Igualmente, a
escolha por parte do paciente no ao acaso. Ele seleciona o material considerando as suas
habilidades ou dificuldades. Utiliza o meio que mais se sente vontade, e por qual melhor flui
a sua criatividade. Demonstramos que este um processo de facilitao pelas suas
capacidades do paciente, e nunca de confrontao do que lhe dificulta a expressividade.
A Arte-Terapia conhecida pela sua transdisciplinariedade (Philippini, 2005: 33). A
sua prtica consolida-se em referenciais de diversas reas como a psicologia, a psiquiatria, a
educao, as teorias artsticas, criativas, e de cincias sociais. A amplitude da aplicabilidade
da Arte-Terapia faz com que as suas bases tericas sejam numerosas, principalmente no que
toca a adequao da interveno. Por esses motivos, delimitamos os estudos tericos com
finalidades objetivas de definio e aplicao prtica da Arte-Terapia.
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Quando nos referimos aos mediadores artsticos situamo-nos no campo da aplicao
tcnica da Arte-Terapia, portanto a interveno propriamente dita. O mtodo de interveno
que utilizamos o preconizado pela SPAT, o Modelo Polimrfico de Arte-Terapia, por isso, a
nossa pesquisa compreende os aspetos que fundamentam tal modelo interventivo. O Modelo
Polimrfico de Arte-Terapia possui bases tericas variadas para abraar mltiplas
possibilidades de atuao. Assim, recorre s linhas psicolgicas humanistas,
desenvolvimentalistas e comportamentais, s diversas teorias sobre criatividade e at s bases
psicanalticas que contribuem para a Arte-Terapia, bem como aos argumentos de diversos
autores que seguem a teoria da Psicanlise. Assim sendo, para que sejamos objetivos
cingimos-nos apresentao dos conceitos essenciais da Psicanlise que suportam o uso da
arte como um meio teraputico. So enunciados os princpios de Sigmund Freud sobre o
funcionamento psquico relativamente criao artstica, tomando este autor como referncia
primordial para o desenvolvimento das demais correntes e abordagens psicolgicas. Servimo-
nos tambm de afirmaes de arte-terapeutas diversos, ingleses, brasileiros, americanos,
autores de publicaes e referncias da prtica arte-teraputica, que, apesar de seguirem linhas
tericas especficas, possuem mtodos de trabalho semelhantes ao preconizado pela SPAT e,
por isso, contribuem para a nossa investigao.
O estudo sobre os mediadores e as potencialidades simblicas e criativas dos recursos
tcnicos artsticos em Arte-Terapia baseia-se nos conceitos desenvolvidos por Ruy de
Carvalho, criador do Modelo Polimrfico de Arte-Terapia. A maior parte das fontes de
referncia do autor so os manuais de formao da SPAT. Carvalho tem um livro editado e
vrios artigos publicados, entre outras tantas conferncias apresentadas em congressos. Esta
a nossa principal referncia para definir a Arte-Terapia, no sentido terico e tcnico.
A nossa investigao em Arte-Terapia, como j foi colocado na Justificativa, debrua-
se sobre o ponto de vista artstico. Pretende estudar os aspetos inerentes arte na Arte-
Terapia, onde a criao artstica basilar, sendo promovidas, no exerccio da criatividade, as
condies de encontro dos ncleos saudveis do indivduo. Apresentamos o conceito de arte
catalizadora definido por Carvalho. Assim como os exemplos das intervenes primordiais
como as de Margareth Naumburg e Edite Kramer. A perspetiva tambm utilizada pela SPAT,
das artes integradas em Arte-Terapia, desenvolvida por Jennifer Mackewn e Petruska
Clarkson. E, ainda, os pioneiros da Arte-Terapia aplicada no contexto educacional, portanto
fora dos hospitais, ao utilizarmo-nos dos conceitos de Herbert Read e Viktor Lowenfeld. As
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consideraes do arte-psicoterapeuta ingls John Birtchnnell sobre o mbito da Arte-Terapia,
contribuem para o entendimento do fenmeno artstico neste contexto. A perspetiva de Joy
Shaverian sobre a imagem criada em Arte-Terapia tambm demonstrada.
Sobre a criatividade enfatizamos as ideias da Professora e artista plstica brasileira
Fayga Ostrower. De origem polaca, uma referncia importante na rea da Arte-Educao.
Como so variadssimas as fontes sobre criatividade, elegemos esta autora como referncia
terica sobre este assunto, pelo imenso contributo que serve s duas reas, a da Educao
Artstica e da Arte-Terapia. As ideias de Ostrower, sobre a criatividade e os processos de
criao, contribuem para a compreenso dos vrios aspetos envolvidos na criao em Arte-
Terapia. Inclusive sobre o conceito de materialidade na criao, o papel da relao que se
desenvolve com o material no processo, o que toca especificamente a nossa investigao
sobre os mediadores artsticos. Para explicar a experincia esttica em Arte-Terapia citamos
as concees de autores como Luigi Pareyson, Bjarne Fuch e Dmitry Leontiev.
De acordo com Hauser (1995: 727), a finalidade da pesquisa histrica a compreenso
do presente. E nesse intuito que desenvolvemos a Histria da Arte-Terapia. Poderamos
comear de perodos bem anteriores, uma vez que h registo da expresso artstica
espontnea, executada como forma de compreenso do mundo que rodeia o indivduo, desde a
pr-histria. Apesar disso, delimitamos o incio no sculo XIX, a partir do momento em que
valorizado a expresso pessoal do artista. A investigao realizada, principalmente, no
mbito dos pioneiros da Arte-Terapia, portanto entre ingleses, franceses e americanos.
Entretanto no deixamos de referir o movimento portugus, entre os psiquiatras, de
valorizao da produo artstica realizada nos hospitais. A histria da SPAT apresentada,
para que, portanto, o presente da Arte-Terapia, em Portugal, seja compreendido.
Como praticamente no existem referncias tericas sobre os mediadores artsticos, a
nossa investigao percorre caminhos variados para fundament-los. Partimos do
questionamento de como so ativadas as potencialidades simblicas e criativas dos recursos
tcnicos artsticos. O que implica tais potencialidades? Como se desenvolve e o que
compreende a relao com o material? Carvalho define os mediadores artsticos e
conceitualiza-os de acordo com a sua aplicao. Os fatores que pautam a relao com o
material mediador so sublinhados por arte-terapeutas como Angela Philippini, Cathy
Malchiodi e Sara Pain. Ressaltamos o fazer, a construo e a execuo criativa, e para isso
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buscamos os argumentos de Pareyson, Lowenfeld, bem como os de Freud. Estes conceitos so
iluminados pela filosofia da matria de Gaston Bachelard. O acesso imaginao e ao
sistema simblico surgem como essenciais para o desenvolvimento criativo, pelo que Hanna
Segal oferece valioso contributo para esta reflexo, baseando-se principalmente em Ernest
Jones e Melaine Klein.
Ao chegarmos ao cerne da questo, apesar de trabalharmos com a integrao das artes,
delimitamos a nossa pesquisa ao mediador artstico mais requisitado no setting arte-
teraputico: as artes plsticas. Apontamos quatro recursos tcnicos artsticos especficos: o
desenho, a pintura, a colagem e a modelagem em barro, de onde obtemos maior quantidade de
material para anlise. Pretendemos apresentar as particularidades especficas de alguns dos
recursos artsticos em Arte-Terapia: caractersticas gerais, suas variantes tcnicas, a populao
mais indicada, as potencialidades simblicas e as potencialidades criativas que auxiliam os
pacientes a atingirem os objetivos arte-teraputicos. Demonstramos como este um trabalho
que se mantm em aberto, uma vez que o imaginrio de cada pessoa indica um sistema
simblico prprio, e possui necessidades criativas particulares. A descrio de cada recurso
tcnico artstico feita da maneira mais abrangente possvel neste momento, mas, no melhor
sentido de que cada caso um caso, torna-se evidente que esta uma pesquisa ininterrupta.
uma investigao emprica, atravs da experincia prpria como arte-terapeuta, na observao
direta do trabalho criativo executado pelos pacientes. Da mesma forma, apoia-nos a
experincia e as observaes de outros arte-terapeutas, que temos acesso em publicaes
diversas sobre o assunto. As ideias so consolidadas pela correspondncia desenvolvida por
Lowenfeld entre cada idade da criana e as caractersticas do processo criativo, e aos
materiais que facilitam a sua expresso. No obstante, referimos tambm as caractersticas da
utilizao de cada recurso nas vrias faixas etrias.
No estudo da aplicao do mediador artstico, a metodologia de investigao que
aplicamos consiste em estudos de casos, de forma a descrever, explorar e demonstrar o
funcionamento das potencialidades simblicas e criativas dos recursos tcnicos artsticos
aplicados aos pacientes em Arte-Terapia e em Arte-Psicoterapia. O objetivo descrever e
analisar o resultado criativo e teraputico expresso nas criaes artsticas apresentadas,
executadas a partir da relao desenvolvida com os mediadores artsticos.
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Demonstramos a aplicao do mediador artstico no setting arte-teraputico e arte-
psicoteraputico e como decorre a explorao das potencialidades simblicas e criativas dos
recursos tcnicos artsticos. Os dois settings apresentados, o de Arte-Terapia e o de Arte-
Psicoterapia, no influenciam os resultados, constituindo-se unicamente de espaos diferentes
relativos aos casos exemplificados, no contribuindo para diferenciao nos resultados
obtidos pela anlise das criaes.
A prtica da Arte-Terapia, de acordo com o Modelo Polimrfico, pode ter o foco na
criao ou na expresso, segundo os modos de interveno Vivencial ou Temtico. Por sua
vez, as aplicaes no setting arte-psicoteraputico tm objetivos especficos mediante o
funcionamento psquico da pessoa que se submete. So evidenciados neste processo o
conhecimento, a reflexo, a anlise, o insight e a elaborao, cingindo-se mudana
adaptativa do indivduo. Neste caso referimos-nos Arte-Psicoterapia Integrativa.
Apresentamos trs casos de pacientes nossos em Arte-Psicoterapia e um estudo de caso de um
Grupo de Arte-Terapia que seguimos como supervisora no contexto da formao de arte-
terapeutas realizada pela SPAT. Cada caso acompanhado da imagem da criao artstica
realizada com o recurso tcnico especfico.
Em ambos os espaos, as intervenes arte-teraputicas tm como propsito, alm de
aspetos referentes atividade artstica, o trabalho emocional mediante a problemtica
apresentada pela pessoa. Contudo, evidenciamos os resultados relativos expressividade e o
desenvolvimento criativo dos pacientes, em detrimento da apresentao da situao psquica
do indivduo e sua evoluo mediante o tratamento em Arte-Terapia. Alm destes fatores no
serem o objetivo nesta investigao, salvaguarda os pacientes de serem expostos no que diz
respeito sua condio mental. So apresentados elementos mnimos pessoais de maneira a
contextualiz-los relativamente s particularidades das criaes realizadas. Relatamos apenas
o que fundamental para a compreenso da explorao da imagem. Referimos a faixa etria
com o intuito de se perceber a fase de desenvolvimento psicolgico em que se encontra, assim
como o seu estado emocional no momento do executar da criao.
Dessa maneira, as criaes so isoladas do processo da pessoa, sendo analisadas
separadamente do contnuo que h entre as sesses arte-teraputicas. Descrevemos o seu
contedo de maneira fenomenolgica, a partir da temtica emergida na sesso ou da proposta
criativa apresentada. considerada a expresso verbal do paciente relativamente sua
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criao, isto , a descrio que o criador faz de sua obra. No caso do grupo de Arte-Terapia
demonstrado genericamente o contexto social de desenvolvimento da interveno.
A anlise desenvolve-se a partir da explorao do contedo das amostras extradas dos
contextos arte-teraputicos. Destacamos os resultados relativos expressividade e ao
desenvolvimento criativo dos pacientes. esta a estrutura da anlise de cada criao artstica:
Recurso tcnico artstico:
Imagem (criao artstica):
Paciente:
Variante do recurso artstico:
Setting:
Descrio do contexto:
Descrio da criao e expresso/dilogo verbal:
Anlise das imagens:
- Explorao das potencialidades criativas
- Explorao das potencialidades simblicas
Os resultados so apresentados considerando a qualidade criativa e simblica da
expresso artstica promovida pela potencialidade do recurso tcnico artstico utilizado.
Sublinhamos as particularidades do processo criativo patentes na criao especfica e como o
paciente beneficia de tais potencialidades para se exprimir com mais clareza, trazendo para si
um melhor entendimento do fenmeno emocional. Como no poderia deixar de ser, os
resultados coordenam-se com a pesquisa terica realizada para este estudo.
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Parte 1
A Arte-Terapia
Eu no nasci para brincar com a figura, fazer berloques, enfeitar o mundo.
Eu pinto porque a vida di.
Iber Camargo4
4 Camargo, 1988: 97
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1. Definio de Arte-Terapia
A Arte-Terapia definida pela Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia (SPAT) como
um mtodo de tratamento teraputico para o desenvolvimento pessoal, que faz uso e integra
diferentes mediadores artsticos. A relao teraputica estabelecida atravs da interao
entre o paciente, considerado o criador, o objeto de arte, que a criao executada no
setting, e o arte-terapeuta, utilizando recursos como a imaginao, o simbolismo e as
metforas. Este contexto facilita a comunicao, a reorganizao dos contdos internos, a
expresso emocional significativa e o aprofundar do conhecimento interno, libertando a
capacidade de pensar e a criatividade (Carvalho, 2001).
Por conseguinte, compreendemos que a Arte-Terapia pressupe relao, cuja dinmica
triangular: entre o paciente, a criao e o terapeuta. O ato de criao no se d por si s, mas
sob o estabelecimento de um vnculo de confiana proporcionada pela aliana teraputica,
numa relao dialgica.
Apesar de se centrar na comunicao atravs de formas de expresso artsticas, por
vezes a Arte-Terapia incorretamente rotulada como uma terapia no verbal. Conforme o
ponto de vista da arte-terapeuta americana Cathi Malchiodi (2005: 4), a Arte-Terapia utiliza-
se dos dois tipos de comunicao: verbal e no-verbal. Isto porque a expresso verbal de
pensamentos e sentimentos tambm faz parte do processo na maioria das situaes. Por essa
razo, a auto-expresso em Arte-Terapia geralmente envolve tambm a reflexo verbal, a fim
de ajudar os indivduos a encontrarem sentido nas suas experincias, sentimentos e percees.
O que acontece que a Arte-Terapia bem usufruda focando-se unicamente na expresso
no-verbal, por crianas com uma linguagem limitada por exemplo, ou por uma pessoa idosa
que perdeu a capacidade de falar por causa de um acidente vascular cerebral ou demncia, ou
ainda uma vtima de um trauma, que pode ser incapaz de colocar suas ideias verbalmente. A
comunicao verbal faz parte da elaborao do contedo expresso artisticamente, mas esta
no essencial, ou seja, no fundamental para o desenvolvimento de um processo arte-
teraputico. Atravs das artes, da msica, do movimento corporal ou do jogo ldico, pode-se
transmitir profundos sentimentos, sem palavras, sendo nesse momento a principal forma de
comunicao em terapia.
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Os arte-terapeutas espalhados por todo mundo geram muitas definies de Arte-
Terapia, mas a maioria, observa Malchiodi (2005: 256), parece que se divide em duas
categorias gerais. A primeira baseada na afirmao de que o processo criativo pode ser
tambm um processo teraputico, definido-a como arte como terapia. O fazer artstico
visto como uma experincia que oferece a oportunidade de se expressar com imaginao,
autenticamente e espontaneamente. Um processo que, ao longo do tempo, leva realizao
pessoal, reparao emocional e transformao a nvel psquico.
Uma viso holstica e extensiva do ser humano empregada na Arte-Terapia, sendo
uma prtica teraputica que objetiva resgatar, no s a dimenso integral do sujeito, mas
tambm os seus processos de autoconhecimento e de transformao pessoal. objetivo ainda,
atravs da criao artstica, resgatar a produo de imagens, a autonomia criativa, o
desenvolvimento da comunicao, a valorizao da subjetividade, a liberdade de expresso, o
reconciliar de problemas emocionais e a sua funo catrtica (Valladares, 2005: 15). A Arte-
Terapia sobressai pela sua transdisciplinaridade e pela sua vasta aplicao, tendo pouca ou
nenhuma contraindicao.
Angela Philippini, uma das pioneiras da Arte-Terapia no Brasil, diretora da Clnica
Pomar no Rio de Janeiro, argumenta que o processo arte-teraputico permite que
simbolicamente, e de forma perene, atravs das atividades expressivas, sejam retratadas com
preciso as sutis transformaes que marcam o desenrolar da existncia, documentando seus
contnuos movimentos do vir a ser, que se configuram e materializam conflitos e afetos.
Nesse contexto, o fazer teraputico expressa a singularidade e identidade criativa de cada
um. A descoberta gradual, de eventos psquicos cujo significado antes era obscuro, amplia
possibilidades de estruturao da personalidade, ativa potencialidades e contribui para a
construo de modos mais harmnicos de comunicao, interao, e de estar no mundo
(Philippini, 2004: 15).
Com tradio de algumas ddacas nesta rea, o Brasil um pas que conta com dezenas
de associaes de Arte-Terapia5. A arte-terapeuta Selma Ciornai, com um trabalho de relevo
em So Paulo, define-a como um campo de interface com especialidade prpria, pois no se
trata de simples juno de conhecimentos de Arte e Psicologia. Isso significa que no basta
ser psiclogo e gostar de arte, ou, ser artista/arte-educador e gostar de trabalhar com pessoas
5 No Brasil usa-se a grafia Arteterapia, sem o hfen. Da mesma forma, arteterapeuta ao invs de arte-terapeuta como se utiliza em Portugal. Ao longo da dissertao, ser sempre utilizada a grafia portuguesa, fazendo uso do hfen, exceto quando se tratar de citaes dos autores, onde se manter a grafia do original.
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com dificuldade especiais para tornar-se arteterapeuta (Ciornai, 2004: 7). Esse ponto de vista
partilhado por todos os arte-terapeutas com formao especfica. Esta profisso
frequentemente desvalorizada, submetendo-se a uma viso de pouco crdito por parte de
outros profissionais, por causa da falta de recursos tericos e tcnicos de pessoas que se
autointitulam arte-terapeutas.
A Associao Britnica de Arte-Terapia (BAAT) define-a como uma forma de
psicoterapia que utiliza os meios da arte como seu principal modo de comunicao, onde o
paciente no precisa ter experincia anterior ou habilidade na arte e o arte-terapeuta no se
preocupa em fazer avaliao esttica ou de diagnstico da criao do paciente. O objetivo
global da Arte-Terapia permitir que a pessoa efetue mudanas, e promover o seu
crescimento pessoal atravs do uso de materiais artsticos, num ambiente seguro e de
facilitao. Tambm coloca enfase na relao entre o terapeuta e o paciente, sendo esta de
importncia central, mas aponta que a Arte-Terapia difere de outras terapias psicolgicas em
que este um processo de trs vias entre o paciente, o terapeuta e a criao. Assim, oferece a
oportunidade de expresso e comunicao. particularmente til para pessoas que tm
dificuldade em expressar seus pensamentos e sentimentos verbalmente.6
A Associao Americana de Arte-Terapia (AATA) converge com uma definio bem
semelhante s citadas anteriormente, definindo-a como uma profisso da rea de sade mental
que utiliza o processo criativo em arte para melhorar e aprimorar o fsico, mental e emocional
bem-estar dos indivduos de todas as idades. Confirma a AATA que o processo criativo
envolvido na expresso artstica ajuda as pessoas a tornarem-se fisicamente, mentalmente e
emocionalmente mais saudveis e funcionais, a resolverem conflitos e problemas,
desenvolverem habilidades interpessoais, gerenciarem o comportamento, reduzirem o
estresse, lidarem com ajustes de vida e alcanarem insight.7
Apesar de ter cerca de 70 anos de prtica, sendo encontrada em praticamente todos os
pases, j podemos encontrar definies de Arte-Terapia semelhantes, mas mtodos de
aplicao completamente dspares, por consequncia da falta de reconhecimento legal
enquanto profisso de arte-terapeuta. Podemos confirmar que somente em Inglaterra
reconhecida como profisso com legislao prpria. Isso origina a falta de uniformizao na
prtica da Arte-Terapia, e tambm uma grande ignorncia sobre o assunto pela sociedade em
6 http://www.baat.org/art_therapy.html 7 http://www.arttherapy.org/aata-aboutus.html
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geral, levando o arte-terapeuta a ser confundido com um arte-educador, um terapeuta
ocupacional, um animador cultural, ou mesmo um psiclogo que recorre s artes e um artista
com bases de psicologia.
Tal origina, em todo mundo, muitas formas de aplicao da Arte-Terapia, com diversas
bases tericas e com vrias abordagens. Alm de Inglaterra, no temos conhecimento de um
curso universitrio em Arte-Terapia, como uma licenciatura, sendo na maioria dos pases uma
formao de especializao (ou ps-graduao). Selma Ciornai comenta que normalmente
cada profissional insere a Arte-Terapia na sua rea de atuao profissional (normalmente de
reas clnicas, sociais ou educacionais). Isso interfere no mtodo que cada um pratica, mas, no
entanto, no se pode perder de vista que a Arte-Terapia enquanto mtodo de tratamento
teraputico possui caractersticas e fatores que a definem de maneira muito precisa, partilhada
por todos os profissionais com uma formao slida e com vasto conhecimento terico e
metodolgico da abordagem (Ciornai, 2004: 8).
Numa tentativa de organizar e unificar a sua prtica, nos vrios pases onde se pratica a
Arte-Terapia, so institudas informalmente, ou seja, sem reconhecimento governamental,
associaes profissionais que promovem a formao de arte-terapeutas ou ps-graduaes em
Arte-Terapia, regem as regras de atuao dos arte-terapeutas e promovem-lhes habilitaes.
Este tambm o caso de Portugal que tem a prtica da Arte-Terapia estabelecida pela SPAT.
necessrio afirmar que a Arte-Terapia possui parmetros tcnicos prprios,
construdos a partir de uma experincia clnica de mais de meio sculo e outros comuns a
outras psicoterapias, mas contextualizados integrao das artes na relao teraputica
(Carvalho, 2005). Por conta desse fator, Ruy de Carvalho desenvolve o Modelo Polimrfico
de Arte-Terapia, que descrevemos com detalhes a seguir. Este uma sistematizao dos
vrios tipos de intervenes, com vrias bases tericas de modo a serem aplicadas em
diversos contextos e em vrias populaes.
A Arte-Terapia aplicada a pessoas de todas as idades, portadoras de diversas
problemticas do foro psquico. As intervenes so realizadas em grupo ou individualmente,
em setting privado, ou em instituies diversas, como escolas, hospitais, casas de
acolhimento, lares, centros de dia, etc. Praticamente no h contraindicaes e, por isso, a
interveno deve ser planificada de maneira a atender especificamente as necessidades da
populao em questo.
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2. O Modelo Polimrfico de Arte-Terapia O contexto portugus
No contexto portugus, a SPAT possui um modelo prprio de interveno que
chamado Modelo Polimrfico de Arte-Terapia. Apresenta quatro modos interventivos em
Arte-Terapia compreendendo: Arte-Terapia Vivencial, Arte-Terapia Temtica, Arte-
Psicoterapia Integrativa e Arte-Psicoterapia Analtica. Cada um destes modos tem
caractersticas especficas mediante a populao e o setting de aplicao, bem como os
objetivos a serem atingidos pelos indivduos em processo.
O Modelo Polimrfico de Arte-Terapia foi conceitualizado por Ruy de Carvalho, Vice-
Presidente e fundador da SPAT. Mdico e arte-psicoterapeuta didata, o Dr. Ruy de Carvalho
possui mais de 15 anos de experincia na rea tendo realizado a sua formao em Inglaterra,
no incio dos anos 90. Foi o pioneiro em Portugal a aplicar a Arte-Terapia no Hospital Miguel
Bombarda, desenvolvendo primeiramente um ncleo de estudos em Arte-Terapia (NIATE) e
a seguir a SPAT, a nica entidade em Portugal que oferece a formao de arte-terapeutas,
rene-os e congrega-os, e habilitando-os prtica da Arte-Terapia.
A diversidade de perspectivas tcnicas e tericas relativas Arte-Terapia parecem-me de acordo com a abrangncia implcita criao artstica. No me parece possvel que uma s corrente de psicologia possa explicar um fenmeno to polifacetado como a arte. No entanto incorre-se no risco de ao pretender seguir esta ou aquela perspectiva, perder a noo de outras complementares, ou at mais apropriadas a certos contextos e populaes. Assim numa tentativa de organizao da adequao dos modos criei uma grelha de trabalho a que chamei Modelo Polimrfico de Arte-Terapia [grifo nosso] (Carvalho, 2005). O Modelo Polimrfico compreende dois subtipos major de interveno (Carvalho
2005):
- Arte-Terapia - em que a tnica da interveno colocada na criao, expresso
artstica e aprendizagem pelas artes.
- Arte-Psicoterapia neste modelo a relao psicoteraputica ganha relevncia, sendo
a criao um veculo para o insight, perlaborao e transformao, ou mesmo para a catarse.
A partir desses dois contextos derivam-se os quatro modos de interveno em Arte-
Terapia (Carvalho, 2001):
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Arte-Terapia Vivencial: Neste tipo de interveno privilegia-se a expresso
criativa pelas artes, facilitando-se a descoberta interior atravs do imaginrio e o
desenvolvimento da criatividade. particularmente indicado para trabalho em
instituies, com pacientes de evoluo prolongada e com patologias severas,
nomeadamente psicoses. Tem o foco na criao e na potencialidade dos recursos
artsticos.
Arte-Terapia Temtica: uma abordagem semidiretiva ou diretiva, em que o arte-
terapeuta estabelece um plano de trabalho a desenvolver em comunidades
teraputicas, centros de reabilitao, escolas, entre outros. O foco aqui est na
expresso de afetos especficos a serem trabalhados.
Arte-Psicoterapia Integrativa: Corresponde a uma abordagem no diretiva,
podendo ser integrados os diferentes mediadores: pintura, desenho, modelagem,
escultura, colagens, drama e jogos dramticos, marionetas, jogo de areia,
expresso corporal, msica, canto, poesia, escrita livre criativa e contos.
aplicvel a pacientes para os quais possa ser potencialmente limitante a restrio a
mediadores especficos. facilitador do insight (compreenso interna dos
processos psquicos).
Arte-Psicoterapia Analtica-Expressiva: Neste modo de interveno adota-se uma
perspetiva intersubjetiva. O processo decorre como em qualquer outro analtico,
servindo o objeto de arte como suporte para o aprofundar da compreenso interna
e elaborao. Exige do arte-psicoterapeuta uma postura analtica e um eficaz
manejo das teorias psicanalticas e/ou grupanalticas. designado tambm este
modo como Psicoterapia Analtica Mediada.
Segundo o autor, a interveno em Arte-Terapia deve basear-se num ato reflexivo,
fundamentado na prtica pessoal e na experincia compartilhada e colhida atravs das
publicaes sobre o assunto. A abrangncia da Arte-Terapia, em termos de reas de aplicao
na atualidade extremamente ampla, no sendo, de todo, um mero instrumento de animao
ou ocupacional. A eficcia das intervenes grandemente propiciada pela mirade de
possibilidades tcnicas que esto ao dispor do arte-terapeuta e que dever saber apropri-las
adequadamente, isso sem detrimento da iniciativa criativa e autodeterminao dos pacientes
(Carvalho, 2008).
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3. Fantasia, imaginao e simbolismo. Bases da Psicanlise para a Arte-
Terapia.
No processo arte-teraputico promovido o acesso aos elementos psquicos como a
fantasia, o mundo imaginativo e a capacidade de simbolizao. Por isso, estes aspetos
desenvolvem um papel fulcral para desenvolver a criatividade.
O processo de criao artstica composto por uma srie de atitudes que so
inquestionavelmente conscientes, como o manejamento do material, a construo formal da
imagem e at a relao esttica experimentada. Portanto, o fazer arte uma operao
consciente e pressupe o posicionamento do indivduo no aqui-e-agora. Isto quer dizer que
h necessidade de um afastamento das represses internas e das censuras, que podem
bloquear a criatividade, e uma concentrao dos esforos e da vontade nos passos de
construo, no momento em que se est a criar, levando a um envolvimento com o material.
Para isso o ambiente confortvel do espao de Arte-Terapia, facilitador da criao, favorece o
direcionamento da energia criadora para a atividade de execuo de um objeto plstico.
Entretanto, o impulso criativo, a motivao, e a elaborao imaginria, tal como a
aquisio de uma significao simblica fazem parte do mundo inconsciente do criador,
apesar dos fatores prticos de realizao artstica requererem a disposio consciente
necessria criao. Podemos sinalizar ento, uma posio consciente do indivduo para se
conectar com a sua fantasia e a sua imaginao (mundo inconsciente), que o leva criao.
neste sentido que Freud (1916) afirma que existe uma passagem que une a fantasia
realidade o caminho, esse a arte (p. 89), pois a atividade criadora um dos meios que a
vida da fantasia obtm expresso no mundo concreto. A arte para Freud um canal
privilegiado para o direcionamento de necessidades pulsionais demasiado intensas. Conforme
o desenvolvimento psquico do sujeito e a sua adaptao realidade, ele reprime e recalca
pulses, vindo a formar a neurose. O investimento energtico criativo da pessoa, ou nas
palavras de Freud, o investimento libidinal, que visa responder s suas insatisfaes
inconscientes, promove a motivao para construo artstica, libertando da opresso
interiorizada dos seus desejos.
Um homem que um verdadeiro artista tem mais coisas sua disposio. Em primeiro lugar, sabe como dar forma aos seus devaneios de modo tal que estes perdem aquilo que neles excessivamente pessoal e que afasta as demais pessoas, possibilitando que os outros
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compartilhem do prazer obtido nesses devaneios. Tambm sabe como abrand-los de modo que no traiam sua origem em fontes proscritas. Ademais, possui o misterioso poder de moldar determinado material at que se torne imagem fiel de sua fantasia; e sabe, principalmente, pr em conexo uma to vasta produo de prazer com essa representao de sua fantasia inconsciente, que, pelo menos no momento considerado, as represses so sobrepujadas e suspensas (p.89). H uma vasta contribuio da teoria freudiana para a arte e para o processo criativo.
Igualmente temos o desenvolvimento da teoria psicanaltica por outros autores, que a
aplicaram diretamente arte ou utilizam a arte como meio de apoio nos processos
psicoteraputicos Jung, Melaine Klein, Donald Winnicott, Marion Milner, entre outros.
Freud (1900) fala-nos de um sistema psquico primrio que no suporta o desprazer
das experincias ou da represso. Ligado a este, h o desejo que definido como uma
corrente que visa diretamente o prazer. O desejo, portanto, o que provoca a motilidade do
aparelho psquico primrio, sendo regido pela sua satisfao ou insatisfao (p.171). O
sistema psquico primrio no pode fazer nada seno desejar (p. 173). Freud, portanto,
define o processo primrio de pensamento, que est associado ao sistema inconsciente e s
descargas pulsionais que so estabilizadas promovendo adaptao pelo princpio do prazer.
O contraponto do processo primrio, que leva a uma inibio da descarga de excitao
(p.173), o princpio da realidade. Assim teremos os processos primrio e secundrio, em
que o primeiro est associado linguagem dos sonhos, da fantasia e consequentemente ao que
motiva a criao artstica, sendo um processo de pensamento inconsciente. Os processos
irracionais que ocorrem no aparelho psquico so os processos primrios (p. 174). O
processo secundrio apresenta-se como o pensamento racional e consciente, motivado pelo
recalcamento dos desejos.
Proponho descrever o processo psquico admitido exclusivamente pelo primeiro sistema como processo primrio, e o processo que resulta da inibio imposta pelo segundo sistema, como processo secundrio (Freud, 1900: 173).
Da mesma forma, a definio de primrio e secundrio obtida de acordo com o
momento de vida em que surge, conforme o desenvolvimento do aparelho psquico. O
processo primrio faz parte do sistema anmico desde o incio da vida, enquanto o processo
secundrio se impe posteriormente, sobrepondo-se ao primrio, levando o indivduo ao
amadurecimento e adaptao dos seus instintos. Sobre as ideias de Freud, Carvalho (2009)
coloca que, de um ponto de vista dinmico, a actividade artstica pode ser encarada como
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uma forma de expresso espontnea, dando acesso a material do inconsciente, tal como
sonho (p. 14).
Diferente do funcionamento inconsciente dos sonhos, o devaneio descrito por
Freud (1908) como os desejos conscientes, organizados e aceites pela conscincia. Os
devaneios, na conceo de Freud podem ser vistos como o extrato da criao artstica, sendo
esta faculdade fundamental para o criador. Freud aponta que o escritor criativo, na
generalidade os artistas, podem ser comparados a um sonhador em plena luz do dia (p. 82).
O devaneio comparado ao brincar da criana que expressa a sua realidade atravs dos seus
brinquedos e jogos, consciente que o mundo criado na brincadeira no o real, mas uma
representao desejada. A atividade imaginativa do brincar substituda na fase adulta pelo
devaneio. Tal como a criana, o artista cria um mundo de fantasia, carregado de investimento
emocional, onde pode reorganizar os elementos da sua mente inconsciente, mas que mantm a
distino entre a fantasia (inconsciente) e a realidade. O brincar e a arte servem como ponte
de ligao entre a fantasia e a realidade. O artista, ao criar a partir dos seus devaneios satisfaz
os seus desejos inconscientes (Segal, 1993: 87), e pretende resolver os seus conflitos atravs
da criao. O fantasiar, de acordo com Freud (1911), apresenta-se como uma tendncia geral
do aparelho mental, que, com a introduo do princpio da realidade separada e encontra
expresso como forma de devaneio mas que, entretanto, j comea no brincar das crianas
(p.137). Segal (1993), ao explicar o funcionamento da fantasia segundo Freud, coloca que esta
consiste na satisfao de um desejo inconsciente de maneira imaginria no momento em que a
realidade externa falha na resposta (p. 31). Nas palavras de Segal: O artista, tal como o
devaneador, cria um mundo de fantasia no qual pode satisfazer seus desejos inconscientes (p.
87). A atividade criadora tem, assim, uma funo essencial de promoo do equilbrio
psquico, ao conter a frustrao pulsional, obtendo-se atravs da obra, o sentido de reparao,
preenchimento e significao interna.
H outro conceito fundamental preconizado por Freud (1910) para o entendimento da
motivao interna na criao artstica: a sublimao. definida como uma defesa psquica
madura, que oferece um desvio bem-sucedido a instintos que no tm resposta sua
satisfao. Essa satisfao conseguida por meio da sublimao pulsional, que pode ser vista
como uma substituio, ou mais propriamente como uma simbolizao da satisfao de tais
pulses.
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No seu artigo Leonardo Da Vinci e uma lembrana da sua infncia (1910), Freud
comenta o quanto a obra de Leonardo uma sublimao da vida sexual do artista, definida
pelo autor como atrofiada (associando-a ao homossexualidade): Conseguiu sublimar a
maior parte da sua libido em seu intenso investimento em pesquisasConvertendo a sua
paixo em nsia de conhecimento (pp. 45-48). Associa o fato deste artista com frequncia
deixar as suas obras inacabadas intensidade colocada no trabalho de investigao. Na sua
suposta inconstncia, Leonardo no se preocupava com o fim das suas obras. Mas, na
verdade, como refere Freud, h bigrafos que alegam que o artista j os dava por terminados.
O interessante para ele seria o problema apresentado pela pintura, e aps o primeiro via
inmeros outros problemas que surgiam, como costumava acontecer com suas interminveis e
infatigveis investigaes sobre a natureza (p. 46). Consequentemente parece que a obra de
arte era um espao limitado para que Leonardo pudesse exprimir tudo o que tinha em seu
pensamento. A sublimao realizava-se quando a satisfao sexual era substituda
simbolicamente pela intensa atividade intelectual e criativa das suas pesquisas e invenes.
A transformao da fora psquica instintiva em vrias formas de atividade, da mesma maneira que a transformao das foras fsicas, no poderia ser realizada sem prejuzo. O exemplo de Leonardo mostra-nos quantas outras coisas precisam ser consideradas com relao a estes processos. O adiamento do amor at o seu pleno conhecimento constitui um processo artificial que se transforma em uma substituio (p. 45).
Atravs do conceito de sublimao, percebemos que a criao artstica executada a
partir de um investimento libidinal que a princpio foi deslocado, encontrando uma sada mais
elevada para a sua satisfao. O indivduo responde tal necessidade pulsional,
simbolicamente, atravs da arte. Atravs do smbolo criado pela sublimao compensadora,
consegue-se a restaurao de elementos psquicos que possam ter um destino de frustrao.
Segal (p.99) cita Proust [s.d.] que afirma que s se pode criar aquilo a que se renunciou,
correlacionando com a conceo de sublimao onde se torna necessrio a renncia e a
inibio do fim pulsional.
A sublimao da pulso constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; ela que torna possvel s atividades psquicas superiores, cientficas, artsticas ou ideolgicas, o desempenho de um papel to importante na vida civilizada. Se nos rendssemos a uma primeira impresso, diramos que a sublimao constitui uma vicissitude que foi imposta s pulses de forma total pela civilizao. Seria prudente refletir um pouco mais sobre isso (Freud, 1927: 62).
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A questo do simbolismo, na teoria psicanaltica, est diretamente ligada
sublimao, j que a resposta trazida por esse mecanismo apresenta-se na forma de um
smbolo inconsciente compensador. A funo reparadora da arte serve-se deste conceito, de
que a atividade reparadora composta por elementos simblicos que se prestam a representar
o nascimento de algo novo, substitutivo do que foi anteriormente destrudo. A construo de
um smbolo processa-se como uma reconstruo reparadora ou como a restaurao do
mundo interno (Segal, p. 104). importante referir que tal atividade psquica, onde h a
oportunidade de externalizar contedos internos, dando-lhes vida no mundo externo,
esclarecedora para o indivduo ao diferenciar o que externo do que interno de si mesmo.
Assim, ele no deixa coincidir o sentido de criatividade com o delrio. Salvaguarda-se uma
posio de sade mental do sujeito criador.
A simbolizao est presente nas imagens criadas atravs da arte e do brincar. Nas
duas situaes a imaginao ativada. enriquecida e facilitada pela mobilizao de
conflitos psquicos que possam limitar os processos criativos. Segal argumenta que um
smbolo no usado para negar a perda, mas para super-la (p. 55), e esta afirmao indica
que o caminho para a restaurao do contedo interior fragmentado, produtor de sofrimento
psquico, passa necessariamente pela imaginao, proporcionando a criao de novos
smbolos significativos e integrados. Obtendo-se significados, os smbolos comunicam com o
mundo externo e tambm servem de ligao com a vida inconsciente.
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4. Arte-Terapia e a Educao Artstica
Alguns autores referem que a Arte-Terapia tem as suas razes na Educao Artstica.
o pensamento moderno das teorias da Educao Artstica que introduz uma forma de trabalho,
muito prxima da Arte-Terapia, visando a arte como um meio de desenvolvimento sensorial,
intelectual e sensitivo, bem como a criatividade global do indivduo (Waller, 1984: 1).
Autores como Herbert Read, em Educao pela Arte, de 1943, e Viktor Lowenfeld, em O
Desenvolvimento da Capacidade Criadora, de 1947, trazem uma nova proposta educativa
focalizada na liberdade criativa das crianas e numa relao diferenciada entre professores e
alunos.
Diane Waller, arte-terapeuta inglesa, refere que durante a dcada de 1940, em
Inglaterra, a Arte-Terapia como ns a conhecemos ainda no existia, mas seguindo o
pensamento de Read, a arte orientada como vital no desenvolvimento da personalidade
como um todo. O papel do professor estimular o desenvolvimento por propostas, no
influenciando a expresso pessoal, providenciar materiais adequados e estimular o
envolvimento na criao. Isso muito semelhante proposta da Arte-Terapia (p.4). Nessa
poca j h artistas e professores de arte a trabalhar em hospitais, mas no meio clnico so
considerados como terapeutas ocupacionais. Nas escolas os professores que seguem essas
novas teorias so apenas professores progressistas.
A fim de clarificar o papel do arte-terapeuta e do professor de arte, em 1967, foi
formada a BAAT, que se aliou a Unio Nacional de Professores, obrigando os seus membros
a terem qualificaes de ensino. Cada vez mais a necessidade de uma especializao impe-
se, uma vez que artistas e professores de artes rejeitam o papel de simples provedores de
materiais artsticos. Utilizando-se da arte, querem estar completamente envolvidos no
tratamento de pacientes. Na altura, a falta de formao especfica para o trabalho de Arte-
Terapia faz com que esses profissionais se voltem para as teorias da Educao Artstica,
considerando o modelo mais prximo a ser utilizado. Waller relata que at 1980, o
Departamento de Sade e Segurana Social ingls enxerga a Arte-Terapia como algo
submetido terapia ocupacional, sendo a arte utilizada nos hospitais meramente como um
hobby, ou como forma de relaxamento ou recreao, alm da viso mais antiga de apoio em
diagnsticos de sndromes psicolgicas. Ainda nessa poca, apesar da Arte-Terapia j estar
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teoricamente definida, a Educao Artstica, a Arte-Terapia e a Terapia Ocupacional so
prticas confundidas nas instituies, seja pela falta de formao especfica para cada
profissional, ou pela falta de espao prprio para a interveno de cada uma nas instituies.
Com o estabelecimento da teoria e da prtica da Arte-Terapia, cada vez mais prximas
e desenvolvidas em direo s correntes de psicoterapia, tornam-se maiores as diferenas
entre os arte-terapeutas e os professores de artes. Passa a ser evidente que o trabalho arte-
teraputico tem perspetivas diferentes do ensino da arte. Desde o espao onde so
desenvolvidas as sesses, o nmero de indivduos, a relao estabelecida entre o arte-
terapeuta e paciente, que leva em considerao aspetos diferenciados e que em educao no
se utilizam, como transferncia, contra-transferncia, defesas psquicas diversas, as dinmicas
grupais, entre outras. Alm da criao propriamente dita, que estimulada sem nenhuma
expectativa por parte do arte-terapeuta, seja em termos de valor esttico ou de utilizao de
aspetos formais. No interessa o que faz ou como se faz, o paciente tem total liberdade para
criar. O arte-terapeuta encoraja e facilita a criao artstica sem julgamento, crtica, ou
valorizao esttica.
Frequentemente, tanto crianas, como jovens e adultos tm inicialmente dificuldade
em lidar com muita liberdade criativa, no melhor sentido faa o que lhe vier a cabea, pois,
apesar da teoria moderna e progressista da Educao Artstica, o professor de arte submete-se
aos programas e currculos das escolas. Ainda no propriamente fcil libertar-se das ideias
da boa arte ou da Arte com A maisculo. Condicionar ou classificar os trabalhos dos
alunos em categorias de valor tcnico completamente usual. So bem definidos uma direo
tcnica e um valor esttico aplicados na criao artstica em sala de aula.
Em Educao Artstica Para qu? Louis Porcher (1982) lista algumas das
finalidades fundamentais da Educao Artstica, e entre elas est a criao nos indivduos de
uma conscincia exigente e ativa em relao ao meio ambiente, entendendo isso como uma
sensibilizao qualidade do que os rodeia e os valores sensveis do panorama da vida. No
s desenvolver aptides artsticas especficas, mas sobretudo um desenvolvimento global da
personalidade, atravs de atividades expressivas, criativas e sensibilizadoras. A produo de
uma alfabetizao esttica, atravs de mtodos pedaggicos especficos e progressivos, de
maneira a que a expresso no permanea impotente e sem significado (p. 25).
Porcher enaltece, a sensibilizao a estmulos significantes, o estabelecimento de
pontos de vista mais criteriosos, o desenvolvimento da personalidade, a criatividade e a
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perceo esttica, a formao da sensibilidade e ainda competncias artsticas, sendo estes
objetivos muito aproximados dos propsitos da Arte-Terapia. Temos modos e tcnicas
especficas, que demonstram que ambas as atividades tm caminhos muito prprios, mas
parece que os fins mantm fortes semelhanas. Mesmo que os propsitos da Arte-Terapia
estejam ligados a tratamento, e a Educao Artstica ao ensino/aprendizagem (p.27).
De toda forma, quando se trata algum a nvel psicolgico, atua-se com processos de
aprendizagem, direcionados ao despertar das qualidades naturais do indivduo e resoluo
de conflitos. E o ensino da arte, como diz Porcher, no s favorece aspetos intelectuais, como
representa um fator altamente favorvel para o desenvolvimento da personalidade, bem como
a descoberta de si mesmo (p. 30). Este autor tambm associa Arte-Terapia, os processos
de desenvolvimento pessoal atravs das artes:
A utilizao metdica da funo estimulante da atividade artstica, ajuda, no plano motor, intelectual ou de carcter, a conquista de um melhor domnio corporal e intelectual, um melhor equilbrio psicolgico, uma capacidade de expresso e comunicao mais satisfatria, uma integrao mais dinmica, uma relao mais enriquecedora com os outros, uma assimilao mais flexvel das significaes constitutivas do meio ambiente (p.30-31).
Read anuncia a importncia da relao entre professor e aluno como condio
fundamental para a aprendizagem. Ao basear-se, por exemplo, na abordagem dialgica, de
Martin Buber, valoriza a interao genuna entre as pessoas, onde se deve olhar o outro como
ele realmente , consciente das suas diferenas e singularidades, numa atitude de respeito,
mutualidade, presena e sem preconceitos ou interesses (Hycner, 1995: 28-29). Aplicado ao
contexto educacional, Buber chama de relao de confiana: A concepo de Buber acerca
do professor-guia, e da funo selectiva, transporta-nos para a construo da ternura como
uma agncia activa em vez dum estado emocional passivo (Read,1982: 352). O professor
aquele que une o indivduo e o seu meio, onde se guia pelos seus prprios caminhos. Esta
relao entre aluno e professor aproxima-se da relao teraputica, como uma relao
emptica, que possibilita o professor alcanar aspetos da individualidade do aluno: seus
sentimentos e sua sensibilidade, tendncias e aptides, suas necessidades, traos de
personalidade, assim como as relaes interpessoais e as dinmicas dos grupos. Por que no,
em Educao, os professores olharem para as necessidades especficas dos seus alunos? Por
que o grupo de alunos tem que ser visto de maneira to homognea como de costume? Todo
grupo tem a sua homogeneidade, aspetos partilhados e em comum, mas o cuidado com o que
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especfico de cada um torna-se fundamental para a relao emptica. Waller (1984: 11)
reconhece que apesar de ser importante a relao no ensino, no crucial como em Arte-
Terapia ou como em qualquer processo psicoteraputico. Entretanto, um profissional em sala
de aula, mais consciente e ao mesmo tempo intuitivo, ou mais sensvel com os processos
individuais dos alunos possibilita um melhor despertar dos processos criativos e uma relao
com o meio ambiente de forma mais genuna.
Lowenfeld (1970) argumenta que quanto maior a oportunidade para desenvolver uma
crescente sensibilidade e maior a conscientizao de todos os sentidos, maior ser tambm a
oportunidade de aprendizagem (p. 18). Isto quer dizer que uma educao eficiente no pode
ser dissociada do bem-estar geral do indivduo e da viso da totalidade do ser, visando todos
os seus atributos e necessidades, bem como as diferenas entre eles, culturais, raciais ou
religiosos, imprescindvel para uma relao interpessoal construtiva e de aceitao mtua.
Desviar o olhar das necessidades emocionais dos indivduos educ-los de maneira rgida e
estandardizada, como se todos tivessem o mesmo funcionamento mental. Lowenfeld alerta
para o fracasso da educao, onde em determinados campos, como a cincia e a tecnologia,
tm muito desenvolvido sendo sinnimo de prosperidade, mas no que toca o ser total, em
pensamento, sentimento e perceo, a fim de desabrochar toda sua capacidade criadora em
potencial (p. 18), com frequncia nota-se alguma negligncia.
Sabemos muito bem que a aprendizagem e a memorizao dos fatos, a menos que sejam exercidas por um esprito livre e flexvel, no beneficiaro o indivduo nem a sociedade. () A educao artstica, como parte essencial do processo educativo, pode significar muito a diferena entre um indivduo criador e flexvel e um outro que no tenha a capacidade para aplicar o que aprendeu, carente de recursos ntimos e com dificuldades no estabelecimento de relaes com seu meio (p. 18).
A Educao Artstica como rea de conhecimento, que privilegia o desenvolvimento
de experincias sensoriais, estimulando a perceo e objetivando a sensibilidade criadora,
direciona-se autoexpresso, e na experincia de construo e integrao, uma disciplina
singular e com fortes potencialidades em relao ao crescimento integral da pessoa. Mas a
expressividade pessoal e criativa no se promove de imediato, algo a aprender e a se
construir. No h expresso artstica possvel sem autoidentificao, diz Lowenfeld (p. 28),
e a forma de expresso de acordo com as experincias pessoais do criador. Fatores como o
autoconhecimento, e portanto, a autoidentificao, so importantes para a autntica
expresso do eu. Afinal, se o indivduo no se conhece minimamente, e no identifica partes
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do Si Mesmo8 no meio em que o rodeia, ter o qu para expressar? Ao deparar-se com o
vazio interno, por norma, a atitude habitual de fechamento em si prprio, ou ir ao encontro
de compensaes que tm a iluso de preenchimento, mas dificilmente encontra o qu e como
se expressar, ou criar, ou construir
A busca de identidade um propsito bsico do ser humano, e esse processo
desenrola-se nos mais diversos aspetos da vida. So condies de definio de identidade a
relao parental, o envolvimento e influncia exercida pelo ambiente social, bem como
fatores biolgicos ou psicolgicos.
Segundo Grinberg e Grinberg (1998) a formao da identidade um processo que
surge da assimilao bem sucedida de todas as identificaes fragmentrias da infncia e
pressupe uma incluso com xito do que se apreende e do que se internaliza das relaes
precoces. Complementa ainda com o ponto de vista de Edith Jacobson, de 1920, que diz que
a captao do Self se d como uma entidade organizada e diferenciada, separada e distinta do
ambiente que a rodeia, que tem continuidade e capacidade para continuar a ser a mesma ao
longo de sucessivas mudanas, constituindo a base da experincia emocional da identidade
(p.20). Portanto, sendo um processo progressivo complexo, porm fundamental, a educao
tem sua participao ativa. Analogamente, veremos que Lowenfeld coloca que os processos
artsticos/expressivos como desenhar, pintar ou construir renem diversos elementos da
experincia individual, para formar um novo e significativo todo:
No processo de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criana proporciona mais do que um quadro ou uma escultura, proporciona parte de si prpria: como pensa, como sente e como v. Para ela, a arte atividade dinmica e unificadora (p.13).
So constantes na atividade criativa, mecanismos de assimilao e projeo por
requerer em um envolvimento global do indivduo: absorver atravs dos sentidos, uma vasta
soma de informaes, integr-las no Eu psicolgico, e dar uma nova forma aos elementos que
parecem ajustar-se s necessidades estticas do artista nesse momento (p.16).
Encontrar significados tambm uma necessidade, para que no se represente
somente coisas, mas para que se possa expressar o seu Eu, tudo o que o identifica como
sujeito individual, com caractersticas e particularidades prprias, diferentes de todo o resto. 8 O Si mesmo corresponde a noo de Self. So termos que definem a conscincia que se tem sobre si prprio. Pode ser considerado como um Eu profundo, diretamente ligado noo de autoimagem e autoestima. como o sujeito se v e se reconhece. Traduz o quanto de conhecimento tem sobre si e o sentimento de identidade eu sou eu (Grinberg & Grinberg, 1998: 19-30).
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Para se destacar preciso unificar-se. Isto quer dizer que quanto mais integrada uma pessoa ,
mais da sua identidade pode definir, e quanto mais individualidade possa ter, mais
possibilidades de relaes interpessoais construtivas pode estabelecer9. O sentimento de
autoconfiana que se adquire atravs desse processo pressupe ser uma forte base para a
criatividade gerada em todas as reas da vida.
A arte atravs da auto-expresso, pode desenvolver o Eu como importante ingrediente da experincia. Como quase todos os distrbios emocionais ou mentais esto vinculados falta de autoconfiana, fcil perceber como a estimulao adequada da capacidade criadora da criana pode fornecer salvaguarda contra tais distrbios (p. 30).
A falta de identificao torna-se um problema quando o que rodeia o indivduo no
tem significado, no reflete nada do Si Mesmo, no se sente como parte integrante da sua vida
e portanto no encontra sentido criativo. Literalmente dizendo, no encontra um sentido ou
um caminho a seguir nos seus processos criativos.
Seguindo uma proposta semelhante para o ensino das artes, Howard Gardner (1997)
defende o proporcionar de uma condio psicolgica tima e um ambiente de liberdade
criativa e experimentao para o desenvolvimento de habilidades artsticas. Tal ambiente
requer o favorecimento da segurana e do conforto, para a projeo simblica de aspetos
inerentes ao indivduo que podem partir dos mais simples e fceis at os mais perturbadores
que carecem de compreenso. Expressar o que muito louco, o catico, o incompreensvel,
brincar e regressar a um estdio infantil abre caminhos para aspetos inerentes criatividade
como a espontaneidade e a flexibilidade.
() o desenvolvimento artstico envolve a educao dos sistemas de fazer, perceber e sentir; o indivduo se torna capaz de participar do processo artstico, de manipular, compreender e relacionar-se com os meios simblicos de maneiras especficas (p 286). Gardner observa como a sade mental est ligada capacidade de participar
espontaneamente e integralmente num processo artstico. Aponta a importncia do fator da
comunicao no criador, que pode ser comprometido por psicopatologias. Sobre o processo
desenvolvimental, Gardner coloca que a arte aparece estreitamente ligada e que, qualquer
prejuzo no desenvolvimento apresenta ramificaes imediatas nas atividades artsticas:
99 Baseado em Gerry McNeilly (2002), criador da Arte-Terapia Grupanaltica, que refere: Quanto mais uma pessoa pode fazer parte de um grupo, mais individual se torna. Igualmente quanto mais um indivduo pode ser si prprio, mais ele est apto para criar e integrar o grupo a que pertence.
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Restabelecer os aspetos humanos da comunicao e do uso de smbolos aparece como um
pr-requisito para que o desenvolvimento normal e a participao no processo artstico
possam ser retomados (p 345).
() as artes podem ser consideradas como um processo de resoluo de problemas em qual a execuo enfatizada; o desenvolvimento artstico envolve o domnio de um meio simblico e a educao esttica envolve a orientao dos trs sistemas desenvolventes (fazer, perceber e sentir) at o domnio abrangente dos meios simblicos. A resoluo artstica de problemas requer a capacidade de capturar vrios modos, afetos e insights subjetivos de um meio simblico () (p. 294).
A ativao dos contedos da imaginao e o estmulo produo simblica so
imprescindveis criatividade. A criao do Eu depende das suas representaes
simblicas, refere a Professora Maria Teresa Ea (2004: 13).
Compreendemos, portanto, o quanto a Educao Artstica e