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a rte f ato Jornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília ano 12, número 2 maio de 2011 Um albergue pelo olho da fechadura Equipe do Artefato passa 24 horas no espaço Conviver, no Areal, e faz relato minucioso de como é depender dos serviços oferecidos pelo governo a quem mora nas ruas A reforma política que não é pensada no Parlamento Páginas 15 e 16 Governos cegos à realidade da QN 16 do Riacho Fundo II Páginas 4 e5 O alto custo da falta de cuidados com os livros de bibliotecas Páginas 18 e 19

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Jornal laboratório da Universidade Católica de Brasília

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artefatoJornal-laboratório da Universidade Católica de Brasília ano 12, número 2 maio de 2011

Um albergue pelo olho da fechadura

Equipe do Artefato passa 24 horas no espaço Conviver, no Areal, e faz relato minucioso

de como é depender dos serviços oferecidos pelo governo a quem mora nas ruas

A reforma política

que não é pensada no Parlamento

Páginas 15 e 16

Governos cegos à

realidade da QN 16 do

Riacho Fundo II

Páginas 4 e5

O alto custo da falta de

cuidados com os livros de bibliotecas

Páginas 18 e 19

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ExpedienteArtefato

Jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade Católica de BrasíliaAno 12, nº 2, maio de 2011

Reitor: Pe. José Romualdo Degasperi

Direção do Curso de Comunicação Social: Prof. André Luís Carvalho

Disciplina: Produção e Edição de Impressos

Editoras-chefe: Narlla Sales e Renata Bittes

Repórteres: Amandda Souza, André de Castro, Gabriela Lobato, Haiany Melo, Maíra Pinheiro, Péricles Lugos e Thiago Baracho

Fotógrafos: Iasmin Costa, Kellen Karina, Rick Astley, Taísa Lima, Tuane Dias

Editor de fotografia: Gilmar Satão

Editores de texto: Cleicilene Lobato e Augusto Dauster

Professores responsáveis: Gustavo Cunha e Karina Gomes Barbosa

Orientação gráfica: Profs. Amaro Jr. e Thiago Sabino

Orientação de fotografia: Prof. Thiago Sabino

Estágio docente: Vânia Gurgel

Tiragem: 2 mil exemplaresImpressão: F Câmara Gráfica

Universidade Católica de BrasíliaEPCT QS 07 lote 1 Águas Claras - DFCEP: 71966-700Telefone: 3356-9337

[email protected]

Na segunda edição do ano do Artefato, a preocupação com o tex-to, assim como com a parte gráfica,

continuaram. Dessa vez, parte de nossa equipe foi além na apuração. A manchete é o retrato de uma incursão quase antropoló-gica para viver a experiência de dormir no Albergue Conviver, no Areal.

Nossos repórteres relatam de forma de-talhada e objetiva a precariedade de ser-viços e de infraestrutura do lugar, que já havia sido visitado e comentado em edição anterior do Artefato. Isento de sensaciona-lismo, o texto procura mostrar o que é pas-

Renata Bittes

Editorial

por uma discussão acerca de um sério proble-ma enfrentado pelo DF: a violência entre os jovens. Diariamente, acompanhamos histó-rias de famílias destruídas pela droga e perda dos filhos assassinados. Dura e triste realida-de que não pode ser explicitada só por estatís-ticas. A abordagem dos repórteres conseguiu cumprir seu papel sem apelação.

Tão pertinentes quanto a capa também foram as matérias sobre a visita de Michelle Obama e a desigualdade da posição das mu-lheres na política. O assunto é importante, visto que o Brasil elegeu como chefe maior do Estado uma mulher.

A reportagem dos apagões trouxe um ân-gulo diferente sobre a problemática. Dessa vez, a falta de energia atingiu diretamente a

Análise da edição anterior do Artefato

Se a intenção da nova equipe do Artefato era fazer um jornal com con-teúdo e diagramação leve, foi com êxito

que cumpriu a tarefa. A versão publicada está com mais jeito de impresso. Soube encaixar assuntos de repercussão na sociedade e uti-lidade pública com matérias descontraídas, proporcionando equilíbrio ao conjunto.

E por falar em reportagens, destaque para a capa. Contrariando as opiniões de corredor que a intitularam como sensacionalista, digo que foi bastante madura e corajosa em pro-

OmbudskvinnaNathália Coelho

Por dentro do alberguesar uma noite lá.

E devido à liberdade quanto a escolha de pautas, o jornal oferece mais uma vez um le-que de assuntos distintos, mas de interesse e importância social. A reportagem Patrimô-nio Mutilado ressalta a importância do cui-dado com os livros e o enorme investimento necessário para restaurar e recuperar obras.

Ainda nessa edição, as Academias da Terceira Idade (ATI) estão em pauta. Nessa reportagem, pode-se encontrar quais apare-lhos e onde as ATIs são e estão disponíveis. Há também o perfil de José Dantas, conhe-cido como Índio. O personagem conta como

é dividir seu tempo entre guardar carros e cantar forró.

Na reportagem sobre reforma política, o leitor tem a oportunidade de entender e se inteirar sobre o poder do povo e a opinião de especialistas e políticos sobre o tema.

Ainda no universo dos “representantes do povo”, fizemos uma incursão à história de uma quadra no Riacho Fundo II que vive de promessas não cumpridas de criação de um espaço de moradia e convivência para pessoas com deficiência. A acessibilidade e as condições mínimas de respeito passam longe dali.

vida de uma pessoa. Simples e direto, o info-gráfico da EPTG mostrou com clareza as pre-cariedades de uma das mais movimentadas vias do DF.

Por trazer uma realidade mais segmentada ao público de maior poder aquisitivo, a ma-téria ‘Vida de intercambista’ foi o elemento destoante do conjunto, claramente voltado à comunidade. Ademais, a matéria sobre as no-menclaturas dos bairros e RAs ficou um pou-co confusa. Já a reportagem sobre a menina Núbia Nathália fechou com chave de ouro a primeira edição.

Parabéns à equipe que começou com o pé direto, mostrando, em sua maioria, maturi-dade na escolha e concretização das pautas.

Bom trabalho e boa sorte!

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Igreja, vestido branco, aliança, marcha nup-cial. Tudo como manda a tradição. Quer di-zer, mandava. As cerimônias de casamento

estão sendo inovadas cada vez mais. Ainda que o sonho do casamento religioso seja comum entre meninas e mulheres, a caminhada para o “feliz para sempre” pode ser realizada de vá-rias maneiras.

Na opinião do sociólogo Adão Aparecido de Oliveira, os diferentes modos de se casar estão ligados às mudanças na sociedade e também ao conceito de casamento, que mudou ao longo do tempo. “A tendência hoje é não casar”, afirma. Mas, de acordo com ele, ainda há muita gente que segue aquele modelo da cultura européia re-ligiosa e tradicional, em que a mulher é colocada como esposa e mãe. Mas Adão avisa: “Não pode-mos ignorar que os tempos são outros e que esse velho cenário está perdendo espaço.”

Uma das novidades diz respeito à data do casó-rio. A diretora de uma empresa de cerimonial em Brasília, Ellen Dias, rechaça o mito de que maio é o mês das noivas: “Maio continua com o status de mês das noivas, mas a procura tem crescido mui-to em setembro, por causa da primavera.” O casal Thaís Neves e Rafael Penha decidiu que era hora de trocar as alianças há pouco mais de um ano. A intenção era marcar a data para o início da prima-vera. “Quando vi que não havia mais vagas e os fornecedores sequer me passavam orçamentos, fomos obrigados a rever a data. Foi aí que desco-bri que setembro era o segundo mês das noivas.”

Sem a opção original disponível, o casal es-colheu o dia 13 de agosto para celebrar o dia tão esperado. E eles não se importam com crenças populares que apontam o mês de agosto como o “mês do desgosto”. “Nós somos católicos e não temos superstições. A nossa data foi escolhida para entrar na rotina dos nossos familiares e amigos. E ainda vamos economizar com isso!”

Os dados do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística confirmam a descoberta de Thaís e Rafael. No Brasil, em 2009, a maioria dos casais preferiu dezembro – mês do 13o e de férias. Maio está em 6° lugar nos meses mais procurados pelos pombinhos. O que também acontece no DF. Enquanto mais de 1,6 mil ca-sais escolheram outubro para trocar alianças, 1,3 mil preferiu maio.

Altar improvisadoA jornalista e publicitária Waléria Fortes, ao

decidir se casar, priorizou outras coisas, para ela mais importantes, e não gastou com certos itens de um casamento tradicional. “Me casei aos 28 anos e, como toda mulher, tinha so-nhos.” O mais original na escolha da noiva foi o local: a garagem da casa de uma amiga. “Foi uma loucura, correria pura. Foi muito emocio-nante”, lembra.

Quem trabalha em casamentos conhece bem essas inovações. O cinegrafista Joel Dias, que realiza produções de casamentos há 15 anos, conta que já viu de tudo. “Já filmei todo tipo de

casamento, do tradicional ao engraçado, do cré-dulo ao super religioso”, confessa. Muita gente entra no clima, mas Joel também já presenciou rejeições às idéias novas. “Uma vez filmei um casamento evangélico em que o cara queria inovar e entrou de all-star”. Algum tempo de-pois, a moda parecia ter “pegado”. “Vi a cena se repetir. Só que dessa vez a noiva se recusou a prosseguir com a cerimônia enquanto o noivo não tirasse o tênis. Ela alegava que era falta de respeito”.

Novos sonhosAdão de Oliveira acredita que, hoje, muitas

pessoas preferem casar apenas no civil. Ele atri-bui essa mudança ao número de divórcios no país. De acordo com o IBGE, de cada quatro casamen-tos, um acaba em divórcio. Já o volume de casa-mentos oficiais no país caiu. Foram 2,3% menos casamentos registrados em 2009 que em 2008. O sonho do “até que a vida os separe” também parece mais distante. O instituto aponta que têm aumentado as uniões em que um dos dois já foi casado ou viúvo.

A aposentada Heloísa Alves, um dia, imaginou que iria realizar o sonho do casamento. “Meu desejo era casar como minha mãe, na igreja. Acreditava que se fizesse tudo certo como pe-dia a igreja, seria feliz.” O casamento durou oito anos. Depois do divórcio, a visão dela mudou. “Passamos séculos com uniões arranjadas e de submissão total da mulher em relação ao marido e aos filhos. Hoje a mulher tem papel e um con-trole diferente na vida”, pondera. Heloísa defen-de que essa nova postura de mudar é um passo “para mudar até o seu estilo de casar”. Os novos tempos permitem até novas questões diante da união: “Por que entrar na igreja só de branco? E quem disse que eu quero casar na igreja?”

Colaborou Narlla Sales

Novidades de uma tradiçãoEm Brasília, pombinhos inovam na hora de casar

Gabriela Lobato

Waléria Fortes entrou de branco. A diferença era o altar, montado numa garagem

Arquivo pessoal

Um casal norte-americano ficou famoso ao inovar na entrada do casa-mento. Ao som de “Forever”, de Chris Brown, os padrinhos entraram dan-

çando e usando óculos escuros, com coreografias das mais loucas. Os convidados riam. A noiva manteve a tradição de entrar por último na igreja, mas não parou o show e entrou dançando também. O vídeo foi coloca-do no YouTube, virou hit da internet e já teve mais de 65 milhões de acessos. Acesse: http://migre.me/4r0f0

Hit na internet

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Era para ser fácil chegar ao ponto de ônibus. Era para ser uma região de exemplo de respeito às diferenças.

Era, enfi m, para ser acessível. A reali-dade de quem vive na QN 16 do Riacho Fundo II, contudo, passa longe de tudo isso. Em 1996, o Governo do DF, duran-te a gestão do governador Cristovam Bu-arque, anunciou que faria a distribuição de 77 lotes para defi cientes na região. A iniciativa era parte de um plano habi-tacional que dava prioridade à inclusão social. O mesmo programa foi feito em Santa Maria, Samambaia e Ceilândia.

Só dez anos depois, em 2006, já na gestão de Joaquim Roriz, os defi cien-

tes, muitos deles integrantes da Asso-ciação Brasileira de Defi cientes Visuais (ABDV), começaram a receber os lotes no Riacho Fundo II. Lotes que vieram sem qualquer investimento em con-ceitos básicos para esse público, como acessibilidade.

Os moradores sentem falta de placas em Braille, convivem com calçadas ir-regulares e faixas de pedestres sonoras inexistentes. As paradas de ônibus são distantes e, para chegar até lá, há um descampado com mato e buracos. O serviço incompleto continuou na ges-tão de José Roberto Arruda e segue como desafi o para o atual governador, Agnelo Queiroz.

Os obstáculos são tantos que há

vários relatos de acidentes. Em um deles, em novembro de 2010, Walla-ce Gonçalves, que se locomove com o auxílio de uma bengala, caiu em um bueiro destampado. Ficou 20 minu-tos esperando alguém que o ajudasse. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegou 40 minutos depois. Wallace feriu o pé direito e o joelho esquerdo. Acionou a Justiça e, em abril, ganhou o direito de receber indenização de R$ 20 mil da Caesb.

“Estamos ao Deus dará. À espera de uma acessibilidade que nunca vem. Para ir ao mercado, preciso atravessar duas pistas sem faixas. Algumas calça-das são cheias de árvores e galhos, o que difi culta a passagem”, diz Wallace.

Haiany Melo (texto e fotos)

Os órfãos da acessibilidade

Criada para receber defi cientes visuais em 1996, quadra do Riacho Fundo II vive de promessas não cumpridas

Campo minado: lixo, buraco e terreno irregular para chegar ao ponto de

ônibus na BR. Armadilhas diárias para defi cientes visuais

cotid

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Em meados de 2009, o go-verno local esboçou se mo-vimentar em torno do tema. A Secretaria de Desenvolvi-mento Urbano (Seduma), o Fundo de Desenvolvimento Urbano do DF (Fundurb) e a Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) fizeram um projeto denominado Ca-minho Fácil. A proposta pre-via R$ 695 mil para resolver problemas de acessibilidade na QN 16 do Riacho Fundo II, conforme o documento nº 390-000.655/2010 da Sedu-ma. Até hoje, contudo, trato-res, obras ou trabalho de jar-dinagem não foram vistos na região. Segundo fontes da Se-cretaria de Obras, o processo foi arquivado.

Este ano, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Sedhab) repassou para a Secretaria de Obras R$ 1,4 milhão referentes a obras de acessibilidade em

vários pontos do DF. Na QN 16 do Riacho Fundo II, co-nhecida popularmente como Vila dos Cegos, estão previs-tos a implantação de passeios com percursos até as paradas de ônibus, rotas acessíveis, travessias de pedestres, qua-lificação das condições de pavimentação, além de sina-lização adaptada e uma praça sensorial. Por enquanto, con-tudo, nada de real ocorreu.

ImpasseJustino Bastos, presidente

da Associação Brasileira dos Deficientes Visuais (ABDV), que mora na QN 16, resume a sensação dos moradores. “Fica nesse impasse e nada é feito. É um jogo entre as secretarias e a Administração Regional. Aqui falta tudo. Nada está ao alcance das nossas necessida-des”, afirma. Segundo a esposa de Bastos, Kátia, há obstáculos para chegar a qualquer lugar.

“Nada é adequado. Muitos passam por constrangimen-tos. Nas paradas de ônibus, muitos motoristas não param para eles ou largam fora da pa-rada. Já vi vários tentando en-contrar lugares para passar”, comentou.

O professor de xadrez Fernando Rodrigues, outro dos deficientes visuais da quadra, ressalta ainda a au-sência de olhar público em questões como segurança e coleta de lixo. “Há uma fal-ta de consciência dos outros moradores, que deixam o lixo na porta de casa. Como o caminhão de coleta só pas-sa três vezes por semana, os sacos ficam jogados e dificul-tam nossa passagem”.

A reportagem do Artefato tentou contato com a Admi-nistração Regional do Riacho Fundo II, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Construções conturbadas

Outro problema enfrentado pelos defi-cientes que receberam os lotes foi a cons-trução das casas. Na época, segundo Justino Barros, presidente da ABDV, havia um pra-zo de 120 dias para que os terrenos fossem cercados ou tivessem as obras iniciadas. “Muitos desistiram por falta de dinheiro e pelo prazo”, afirmou. Algumas empreiteiras chegaram a propor linhas de crédito para construir casas de dois quartos, sala, cozi-nha e banheiro no valor de R$ 36 mil. Os moradores acabaram não aceitando.

Em outra frente, um grupo apoiado pela professora Marta Romero, da Universida-de de Brasília (UnB), ofereceu aos morado-res da QN 16, em 2008, uma assessoria do escritório-modelo do Centro de Ação Social em Arquitetura e Urbanismo (Casas). Os es-tudantes auxiliam associações de moradores, sindicatos e ONGs para desenvolver projetos habitacionais e urbanísticos. Para a quadra, foi pensado um modelo de casas adaptadas à rotina de pessoas com deficiência.

Poucos, no entanto, esperaram o resulta-do final e resolveram construir por iniciativa própria. “Muitos gostaram da proposta, mas nem todos esperaram o projeto ficar pronto e ser organizado. Apenas quatro casas foram feitas nesse modelo”, disse uma aluna que integra o projeto Casas.

Descaminho, a regra em todas as gestões

R$ 1,4 milhãoValor reservado pelo GDF para aplicar em projetos

de acessbilidade na capital em 2011

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Número de lotes distribuídos a deficientes

visuais na QN 16 do Riacho Fundo II

“Fica nesse impasse e nada é feito. É um jogo entre as secretarias e a Administração Regional. Aqui falta tudo. Nada está ao alcance das nossas necessidades”Justino Bastos, presidente da ABDV e morador da QN 16

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CARIDADEci

dada

nia

Do lado de fora pessoas pediam dinhei-ro e não escondiam a finalidade da es-mola. “É pra comprar cachaça”, dizia

Paulo Gomes, um rapaz de quase dois metros de altura, loiro, cabelo raspado e olhos azuis. Usava camiseta de mangas curtas, bermuda, chinelos tipo havaianas. Um dos dedos do pé direito estava machucado. Paulo foi expulso do Albergue Conviver na madrugada do dia 9 de abril. Confessou ter sido pego com bebida alcoólica dentro do estabelecimento.

O mesmo lugar que expulsou Paulo estava prestes a nos receber. Às 9h10 do mesmo dia, um guarda fardado, equipado com revólver e cassetete, revistava nossa bolsa. No bolso grande, calção branco, agasalho de crochê, boné e caderno. No bolso pequeno, cigarros, caixa de fósforos, duas canetas, duas escovas e uma pasta de dentes. Essa era nossa baga-

gem. Somente o bolso grande foi aberto. Na parede da recepção uma frase com erros

de pontuação dizia: “Tenha paciência.. não é no seu tempo e sim no tempo de Deus..... Você vê até um limite. Deus ultrapassa esse limite e vê muito mais além do que enxergamos. Deus te abençoe e tenha um bom dia”. Um senhor segurava um comprimido na mão, desmaiou na recepção e bateu a cabeça no portão, pró-ximo ao detector de metais. A boca espumava e tremia. Duas loiras que trabalham na recep-ção e três guardas correram para ver o que era. Entre os seguranças, uma mulher tomou a frente: “Alguém tem uma colher aí?”. Que-ria verificar se a língua dele estava enrolada.

Ninguém tinha, e por isso o velho ficou no chão até que alguém teve a idéia de ligar para o Samu. Confundiram o nome dele duas, três vezes. “Seu Antônio”, “seu Zé”, “seu Pedro”. O

velho acordou meio tonto e foi levado para as cadeiras da recepção, onde ficou deitado até que resolveu ir para o alojamento descansar. “Estou bem”, disse, e saiu a cambalear pátio afora. A coordenação do AlberCon afirma que não há serviço de saúde lá dentro. Quan-do acontece um incidente, os bombeiros e o Samu são “imediatamente” acionados.

Uma das albergadas conduzia um senhor de 80 anos que estava perdido dentro do alber-gue. Camiseta floral em tons de cinza, chapéu panamá, calça tergal e tênis. Nas mãos uma passagem. O destino era São Paulo. Os alber-gados que desejam voltar para as cidades de origem recebem passagens gratuitamente por meio do Conviver. “Não se trata de limpeza social, e sim restabelecimento do vínculo fa-miliar”, afirma Alison Pereira, coordenador da instituição. As passagens são financiadas pela Secretaria de Estado de Desenvolvimen-to Social e Transferência de Renda (Sedest), instituição da qual o albergue é parte.

Para quem não sabe lerRecebemos uma ficha quando chegamos.

Era o controle de albergamento para refei-ções e atendimentos. Nome completo do albergado, onde está alojado, número de dependentes, solicitação de passagens e so-licitação de atendimento. Mais tarde, verifi-camos que esse campo estava marcado sem que tivéssemos pedido qualquer tipo de aten-dimento. Era uma reunião de grupo para o dia seguinte, que acabou não acontecendo. A reunião, segundo um albergado, “é de rotina e todos que chegam têm que passar por ela”. Serve para apresentar as normas do albergue. As normas estavam escritas na porta de cada alojamento, mas “tem pessoas aqui que não sabem ler”.

Os colchões, apesar de muito finos, apro-ximadamente 5 cm, aparentavam ser novos e estavam limpos. O cobertor tinha um cheiro estranho, talvez por estar guardado há algum tempo, mas também estava limpo. O coorde-nador da instituição informou que as pessoas

André de CastroArthur Scotti*

Acolhidos por CARIDADE

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Passamos 24h no Albergue Conviver, no Areal.

Comemos no chão, e daí? A janta era estrogonofe

6Lá é proibido qualquer bebida alcoólica e drogas, mas alguns albergados não obedecem as regras

Fotos: Rick Astley

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albergadas têm direito a receber um kit de hi-giene com sabão em barra, sabonete, creme dental, escova de dente, barbeador lençol e roupas. Nós só recebemos o colchão e o co-bertor.

Uma equipe realiza a segurança dentro do albergue. Os guardas, de uma empresa tercei-rizada, são divididos em 10 seguranças por turno, afirma o coordenador. Uma motocicle-ta também é usada para fazer a ronda dentro das instalações. Os dormitórios são estrutu-rados em 12 pavilhões, do “A” ao “L”. São 16 quartos em cada pavilhão, seis de cada lado. No centro, um galpão comporta os banheiros. Do lado direito fica o banheiro masculino e do esquerdo, o feminino. Nas laterais do galpão ficam as pias para lavagem de roupa. Na ver-dade, se limpa de tudo nessas pias. Enquan-to mulheres lavam roupas, crianças brincam próximas a elas.

Em frente ao pavilhão “L”, Lúcio lia um livro, sentado em uma cadeira de praia. Da hora em que chegamos até escurecer, ele pa-rou a leitura poucas vezes. Lia sobre mitolo-gia grega, como afirmou mais tarde. Falava com propriedade sobre a origem dos signos do zodíaco, dizimação do povo inca, o Coli-seu e a inquisição. “Eu gosto de leitura e de cinema, mas gosto de filmes que tenham uma mensagem construtiva.” Se declarou porta-dor de doença mental. E esclareceu: “Existe uma diferença entre o deficiente e o doente mental. O doente tem crises, o deficiente tem o problema constante”.

Lúcio freqüenta o estabelecimento desde 2008. Apesar de um dia antes “a polícia ter atendido uma ocorrência de esfaqueamento

dentro do albergue”, como afirmou, ele conta que a convivência no local melhorou. “Você precisava ver como era em 2008. Brigas, dro-gas, era um pessoal muito estranho.” O coor-denador da instituição nega o esfaqueamento narrado por Lúcio. “A última ocorrência no albergue foi há 13 meses”.

Fomos alojados no quarto 12 do bloco “K”. O espaço de uns dez metros quadrados com-porta cinco camas – dois beliches e uma cama única do outro lado, tudo em estrutura de concreto. Nas paredes existem ganchos com capacidade para três redes. O alojamento não tem laje nem janelas. Entre as paredes, de aproximadamente três metros, e o teto, existe um vão de quase um metro de comprimen-to. Para a ventilação dos quartos, segundo a instituição. As portas do lado direito são de compensado, sem dobradiças, sustentadas apenas por um arame. Não há fechaduras. Nos alojamentos do lado esquerdo, algumas portas são de ferro.

O hóspede do quarto 5, o Vuvuzela, chegou da rua pouco antes do almoço e fez o convite: “Vamos tomar um uísque, eu pago”. Estava bêbado e fez questão de mostrar seu quarto. Não tinha nada de diferente.

Cardápio variadoO refeitório fica em um galpão ao lado es-

querdo do portão de entrada, atrás da admi-nistração. Uma linha de servir é definida por tela de ferro. As 16 mesas não comportam todos os albergados. Alguns comem no chão. Seguimos em fila, pouco demorada, e passa-mos por uma roleta que não registrara nada. O almoço e o jantar foram servidos em mar-

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Fotos: Rick AstleyAo lado, clientes

tomam a calçada. Acima, um dos points

de Águas Claras, lotado

mitex de alumínio. As marmitas são retiradas de caixas térmi-

cas. A alimentação é confeccionada fora do albergue por uma empresa terceirizada con-tratada pela Sedest. Os talheres são descartá-veis. A salada e o suco também são servidos em copos descartáveis. No almoço havia ar-roz, feijão (ressecado), peixe e dois pedaços de batata cozida. O cardápio era variado. Em algumas marmitas, no lugar de peixe, havia empanado de frango.

Um homem reclama da comida: “Rango bom mesmo é o que a gente faz no barraco da gente”. Dizia isso para uma mulher que devo-rava sua marmita sem dar bola para ele. As sete pessoas à mesa observavam um negro de cabelos sujos e enrolados, poucos dentes na boca, roupas sujas e humor extraordinário. “Não tenho dentes, mas nem me preocupo

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Cerca de 600 pessoas são hospedadas diariamente no Albergue Conviver, em média. A entrada é permitida a partir das 7h

O alojamento não tem laje nem janelas. Entre as paredes e o teto existe um vão de quase um metro. As portas são de

compensado. Não há fechaduras.

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com espinhos. Mando tudo pra dentro e o estô-mago que se vire.” Riram. Ele acreditava comer peixe, quando o prato era frango.

Enquanto alguns lavavam roupas, após o almoço, São Pedro, o velho de barba grande, calvo e com fi sionomia que lembra o primeiro Bispo de Roma, naquele dia, lavava as partes íntimas na pia. Na frente de todo mundo. En-quanto o “santo, guardião das chaves do céu” tomava um “banho de gato”, um rapaz de apro-ximadamente 23 anos passava em nossa frente fumando um cigarro de maconha. Os seguran-ças não viram.

Por volta das 15h um homem, com uns 27 anos, sem camisa, toalha no ombro, o corpo ainda meio molhado, sabão de barra e bucha na mão gritou irritado: “Esses guardas estão pior do que polícia, toda hora um bacoleijo”. No alo-jamento 14 do bloco “L” um homem era revis-tado por três guardas, um de moto e dois a pé, todos equipados com cassetete de plástico e re-vólver. O quarto do homem era revirado, e com ele foram encontrados dois vidros de conhaque Presidente. Como não é permitido bebidas e drogas no albergue, imediatamente os guardas pediram para que recolhesse todas as suas coi-sas e o acompanharam até a portaria.

No chão do banheiro, pedaços de jornais, usados no lugar de papel higiênico. São doze privadas. A descarga funciona em três. Pelas 16h era possível sentir o mau cheiro do lado de fora. Algumas privadas estavam entupidas. No banheiro masculino existe apenas uma ducha com água quente, no box adaptado para defi -cientes. Os outros albergados têm que tomar banho nos outros boxes. Sem duchas, contam apenas com um buraco na parede, de onde sai água fria. O coordenador do Albergue Convi-ver diz que a manutenção do banheiro é feita por uma empresa terceirizada, contratada pelo GDF, porém atribui as péssimas condições à falta de educação dos usuários.

Sebastião, 52 anos, saiu do Maranhão há três meses para trabalhar. Primeiro trabalhou em uma lavoura de algodão em Goiás. “Os produ-tos utilizados na lavoura me intoxicaram. Fi-quei muito doente.” De cama por alguns dias, “o patrão não mandava nem comida”. A diária era média de R$60. Resolveu pedir as contas e, como o “João de Santo Cristo” do Faroeste Ca-boclo de Renato Russo, veio para Brasília.

Chegou doente, procurou o serviço social do governo e foi encaminhado para o albergue. A principal difi culdade que Sebastião vem en-frentando é conseguir trabalho com carteira assinada e alugar uma casa. “Quando falo que estou no albergue não me dão o emprego.” Mas garante que não irá desistir. “A passagem de volta eu não quero, se fosse pra voltar do jeito que vim, com as mãos abanando, tinha fi cado por lá mesmo.” Empreiteiras passam todos os dias de manhã no albergue, selecionando pes-soas para trabalharem nas obras. “Pagam uma mixaria, média de R$35 a R$40, acho um abu-so”, reclama.

Outro homem submetido à realidade dos al-bergados é Lázaro. Envolveu-se em uma briga no centro de Taguatinga e acabou matando um homem. Cumpriu parte da pena em regime fe-chado e agora está em prisão domiciliar. Saiu da Papuda no dia 1º de maio. Como não tem residência na capital foi obrigado a se albergar, pois é necessária a referência domiciliar. É um dos que trabalha nas obras e recebe os cerca de R$40 por dia. “Na cadeia não é muito diferente daqui”, afi rma. “A única diferença é que aqui a comida é boa e não precisamos dormir no chão, mas o banheiro e a estrutura...”.

Sábado à noiteHora do jantar. Estrogonofe de frango. Ou

perto disso, já que quase não se via frango no prato. O refeitório parecia mais cheio que no almoço. Tivemos que comer no chão. A van com a comida chegou 17h10, mas o jantar só foi servido às 18h. Quando saíamos do refeitório, cerca de 50 pessoas esperavam para repetir a refeição.

À noite a sala de TV fi cou lotada. Os alberga-dos assistiam à novela em uma televisão de 27 polegadas. Quando o mocinho beija a mocinha os olhos de um homem se encheram de lágri-mas. Uns assistiam pela janela, do lado de fora.

Os albergados que saem na rua só podem voltar até às 22h. Como era sábado, muitos não voltaram. Durante a madrugada as luzes do lado de fora dos dormitórios fi cam ligadas. Aquela noite foi tranquila. Uma mulher disse que no outro dia viria um ônibus para levá-los à igreja. “Após o culto haverá distribuição de rou-pas e uma galinhada.”

Na manhã de domingo, Antônio Carlos, 23

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anos, e Atanael Santos, 19, circulavam entre os pavilhões a convidar os albergados a irem pres-tar suas homenagens à divindade. Dois ônibus estacionados no pátio, um iria para o Guará, o outro para Ceilândia. Ambos eram da Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo Atanael, o almoço é fi nanciado pelos próprios fi eis da igreja. As roupas também são colhidas entre eles.

24 horas depois de entrarmos, era hora de sair do albergue. O desalbergamento é um pro-cesso menos demorado do que a entrada. Nada de revista pessoal ou constrangimentos. “Está indo pra onde?” é o máximo de burocracia na saída. Basta se dirigir à recepção com o colchão e o cobertor e pedir a saída. Um funcionário dis-se que os colchões são repassados para outras pessoas que se albergam.

Alison Pereira revela: quem fi ca nas imedia-ções do Conviver “não são albergados”. Segundo ele, “a região próxima é fruto de uma invasão” e essas pessoas estão em situação de “vulnera-bilidade”. O coordenador explica que algumas pessoas podem fi car até 90 dias no albergue, e dependendo do caso, um pouco mais. “Cada caso é analisado separadamente”, afi rma.

Do lado de fora do albergue, no Areal, pes-soas continuavam a pedir esmolas. Do lado de dentro, a esperança em arrumar trabalho, mo-radia, retornar para casa, ter uma vida melhor.

Muitos não conseguem. E como Paulo Go-mes, acabam indo viver do lado de fora.

*Quinto semestre de jornalismo da UCB, especial para o Artefato

“Na cadeia não é muito diferente daqui. A única

diferença é que aqui a comida é boa e não precisamos dormir no chão.”

Lázaro, albergado

artefato

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Mem

ória

Na edição de março de 2010, o Artefato já mostrava que o Albergue Conviver é fonte de polêmica. Repor-tagem ouviu os comerciantes e mora-dores próximos à instituição. Eles se sentem incomodados e pedem a reti-rada do albergue para outra localida-de. Até abaixo-assinados foram feitos para tentar removê-lo do Areal.

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Maíra Pinheiro

A 20 quilômetros do centro de Brasília, Águas Claras é uma cidade de concreto. Projetada pelo arquiteto e urbanista Paulo Zimbres, começou a ser construída na década de 1990

e tornou-se a 20a região administrativa do DF em 2003. Hoje, com cerca de 145 mil habitantes, a satélite é o maior canteiro de obras da América Latina. Com uma população jovem, a tendência de Águas Claras é crescer cada vez mais. Segundo a Codeplan, a cidade tem uma taxa de crescimento anual de 20,8%, muito acima da média do Distrito Federal.

Esse crescimento excessivo tem causado vários problemas. Um deles é a falta de estacionamentos públicos. O caos é notório e foi conferido pela equipe do Artefato. Depois de muitas tentativas de informações com departamentos de trânsito e órgãos oficiais sobre o número de vagas em relação ao de carros, a reportagem fez um trabalho independente de apuração, para ter conhecimento do tamanho do problema.

Confira!

Cadê as vagas? Carros demais e estacionamento de menos obrigam os moradores de Águas Claras a improvisarem. Mas “jeitinho” pode custar caro

Avenidas das Araucárias e CastanheirasVagas residencias: em media 6 vagas por entrequadrasAproximadamente 1030 vagasVagas comerciais: em média 53 vagas por comerncialAproximadamente 265 vagas comerciais

Shopping QuêEstacionamento privado: 160 vagasR$ 2,00 as 3 primeiras horas + R$ 2,00 as horas adicinais

Metrô Estação Aguas ClarasEstacionamento público: 75 vagas

Águas Claras Shopping Estacionamento: 70 vagasAs vagas, que deveriam ser rotativas, são usadas pelos funcionários, que as ocupam o dia inteiro. Sem ter como estacionar, os clientes param em fila dupla

Preços: de R$ 2,00 a R$ 5,00O Valet Park fica na terra, mas custa R$ 4,00

Em esquinas e em cima de linhas transversais: infração média. Multa de R$85,13 e 4 pontos na carteira

Afastado mais de um metro da guia do meio-fio: infração grave. Multa de R$ 127,69 e 5 pontos na carteira. Remoção de veículo

Em subida ou descida, sem freio devido ou calço de segurança, no caso de veículos que pesam mais de 3,5 mil kg: infração grave. Multa de R$127,69 e 5 pontos na carteira

No acostamento: infração leve. Multa de R$53,20 e 3 pontos na carteira

Em locais e horários proibidos especificamente pela placa de Proibido Estacionar: infração média. Multa de R$85,13 e 4 pontos na carteira

Em área de cruzamentos de vias, prejudicando a circulação de veículos e pedestres: infração grave. Multa de R$127,69 e 5 pontos na carteira

Em fila dupla: infração grave. Multa de R$ 127,69 e 5 pontos na carteira

Junto ou sobre hidrantes de incêndio, registro de água ou tampas de poços de visita de galerias subterrâneas: infração média. Multa: R$85,75 e 4 pontos na carteira

Em viadutos, pontes e túneis: infração grave. Multa de R$127,69 e 5 pontos na

Na contramão: infração média. Multa de R$ 85,13 e 4 pontos na carteira

Trancando outro carro: infração média. Multa de R$ 85,13 e 4 pontos na carteira

Bloco 1: 2 vagas por apartamento56 apartamentos, todos de 4 quartos112 vagas de garagem

Bloco 2: 2 vagas por apartamento94 apartamentos, todos de 4 quartos188 vagas de garagem

info

gráfi

co

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Tuane Dias

infográfico

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Estacionar na calçada, sobre faixa de pedestre, ciclovia, balão, ao lado ou sobre canteiros centrais, gramados ou jardim público pode ser leve:só 5 pontinhos na carteira e multa de R$ 127,69

Parar onde houver placas de estacionacionamento regulamentado, como as vagas para idosos e deficientes, é uma infração leve, sujeita a multa de R$53,20 com 3 pontos na carteira. Isso além da falta de respeito...

Se não há mesmo onde estacionar, melhor pensar bem antes de parar onde os veículos trafegam: estradas, rodovias, vias de trânsito rápido e com acostamento. A paradinha pode render 7 pontos, multa de R$191,54 e o carro guinchado.

Não basta deixar o carro em local permitido. Tem que parar certo. Estacionar o carro afastado da calçada, de cinqüenta centímetros a um metro, é infração leve, que pode render multa de R$53,20 e 3 pontos na carteira.

A falta de vagas pode mexer

com o seu bolso

Aproximadamente 26 mil veículos circulam por

Águas Claras diariamenteEm um quarteirão há, em média, 70 vagas públicas

Cada quateirão tem 4 blocos. Veja um quarteirão típico:

Em locais e horários de estacionamento e parada proibidos pela placa Proibido Parar e Estacionar: infração grave. Multa de R$127,69 e 5 pontos na carteira

Nas paradas de ônibus ou, onde não há ponto, no intervalo entre dez metros antes e depois do marco do ponto: infração média. Multa de R$ 85,13 e 4 pontos na carteira

Impedindo os outros carros de trafegarem: infração média. Multa de R$ 85,13 e 4 pontos na carteira

Em meio-fio rebaixado: infração média. Multa de R$ 85,13 e 4 pontos na carteira

Bloco 1: 2 vagas por apartamento56 apartamentos, todos de 4 quartos112 vagas de garagem

Bloco 2: 2 vagas por apartamento94 apartamentos, todos de 4 quartos188 vagas de garagem

Bloco 3: 1 vaga por apartamento288 apartamentos, de 2 e 3 quartos288 vagas de garagem

Bloco 4: 1 vaga por apartamento82 apartamentos, de 2 e 3 quartos 82 vagas de garagem

Fotos: Iasmin Costa e Tuane Dias

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Juliana Campêlo*

BRASÍLIA segundo Sylvia Plath

Brasília é uma cidade nova de gênese pe-culiar e ar cosmopolita. As características sugerem interpretações diversas e contra-

ditórias, responsáveis por construir a imagem da capital do Brasil. Utopia de JK; a cidade sem esquinas; expoente do modernismo curvilíneo de Niemeyer; ponto convergente cultural do país; ilha da fantasia; centro do poder político; fonte de corrupção; patrimônio da humanidade; capital do rock... Essas são algumas das versões difundidas.

Mas há outra tradução pouco conhecida da cidade. “Brasília” é nome de um dos últimos po-emas de Sylvia Plath e retrata o período de edifi-cação do Planalto Central. Concebida em 1962, cerca de dois meses antes de a artista norte-ame-ricana se suicidar, a obra mescla os sentimen-tos da poetisa com a aura de esperança em que estava envolvido o nascimento da capital. A lua indiferente, os ossos e a redoma são elementos do poema e também comuns aos escritos dela.

Ao cometer suicídio em 1963, aos 30 anos, a escritora deixou o projeto original de seu livro “Ariel” e também uma série de poemas soltos, dentre os quais estava “Brasília”. Após a morte de Sylvia, Ted Hughes, marido de Plath e tam-bém poeta, foi responsável por encaminhar a publicação das obras da mulher. Só o livro “The Collected Poems”, de 1981, revelou ao público to-dos os poemas redigidos nos últimos sete anos de vida de Sylvia Plath. Por ter sido escrito em dezembro de 1962, “Brasília” é parte dessa obra que a tornou a primeira poeta a ganhar o prêmio Pulitzer póstumo da história.

Não se sabe ao certo como aconteceu o contato de Sylvia Plath com a cidade que surgia. Brasília já ganhara fama mundo afora desde as primeiras ações de Juscelino Kubitschek em favor da nova

capital. Em “Brasília”, Plath une o evento históri-co e a própria emoção, assim como faz no poema “Holocausto” e “Febre 40º”.

“Poética do suicídio”A psicanalista e autora do livro “A poética do

suicídio em Sylvia Plath”, Ana Cecília Carvalho, aponta o cuidado essencial para ler a obra de Plath. Segundo a psicanalista, ao tomar conheci-mento do suicídio de algum escritor é comum as pessoas buscarem no texto pistas sobre a razão do ato mortal. “Parafraseando Freud, costumo dizer que, nesses casos, ‘a sombra do suicídio do autor cai sobre o texto’, e torna-se difícil achar um ponto de equilíbrio entre o dado biográfico e a construção textual”.

Ana Cecília buscou investigar a possível rela-ção entre o processo criativo e o auto-extermínio da escritora. “Minha pesquisa apenas mostra a existência de limites no processo criativo. Se a escrita é remédio, para alguns ela pode ser tam-bém veneno - ‘pharmakon’, como diziam os gre-gos -, mostrando que há um aspecto funcional e outro disfuncional nesse processo”, disse.

No artigo “Limites da sublimação na criação literária”, Ana Cecília aponta as falhas da lingua-gem para manifestar os sofrimentos psíquicos. “Talvez possamos ver no suicídio de Plath uma tentativa desesperada para conter, em ato, o transbordamento dos elementos dolorosos que a escrita durante algum tempo tinha conseguido conter e organizar”, explica.

Sobre o poema “Brasília”, a escritora confessa nunca o ter visto antes, mas percebe a presença sombria da melancolia. “Como acontece nos úl-timos poemas de Plath, o ‘eu lírico’ evoca a mor-te e a desesperança. Alguns críticos incluem esse poema no que chamam de ‘poemas de morte’ da autora, em que a linguagem parece ter perdido

sua função de ordenação de sentido (como se pode ler no poema ’Words’, por exemplo)”, es-creve por email a psicanalista.

Para Ana Cecília, “a escrita de Plath ressoa única, atraindo e repelindo qualquer interpre-tação que se tente sobre ela”. Ela prefere não insistir em uma tradução correta e final. “Como psicanalista, acostumei-me a trabalhar com a inexatidão, com a incerteza e com o fato de que não existe um ‘gabarito’ de correção das nossas interpretações.”

TraduçõesTraduzir uma obra para outra língua não é ta-

refa fácil e não depende somente do domínio da linguagem. “A tradução ao pé da letra não monta por si só metáforas em português”, afirma Rogé-rio da Silva Sales, professor do curso de Letras da Universidade Católica de Brasília (UCB). “Há uma perda da mensagem original, além da pre-sença do discurso próprio do tradutor inerente ao processo”, justifica.

Deste modo, em um exercício de tradução li-vre, sem o compromisso de fechar significados, Rogério aventura-se na interpretação do poema “Brasília”. Segundo ele, no verso da 3ª estro-fe, “And my baby a nail / Driven in, driven in. / He shrieks in his grease”, a filha seria Brasília,

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BRASÍLIAWill they occur,These people with torsos of steelWinged elbows and eyeholes

Awaiting massesOf cloud give them expression,These super-people!-

And my baby a nailDriven, drive in.He shrieks in his grease

Bones nosing for distances.And I, nearly extinct,His three teeth cutting

Themselves on my thumb -

And the star,The old story.

In the lane I meet shep and wagons,Red earth, motherly blood.O You who eat

People like light rays, leaveThis oneMirror safe, unredeemed

By the dove’s annihilation,The gloryThe power, the glory.

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uma cidade que nasce suja do barro vermelho, deslocada no Planalto Central. E “By the dove’s annihilation, / The glory, / The power, the glory” representaria a capital como símbolo de espe-rança, poder e glória, “e ao mesmo tempo um pe-dido para que se liberte de tudo isso e seja apenas uma cidade”, explana Rogério.

Seguindo a proposta de percepção livre, os professores de inglês do Centro Interescolar de Línguas de Ceilândia (CILC) Jerson de Moura e Rejane Vieira propõem outra versão sobre “Bra-sília”. “O assunto realmente é a construção da ci-dade. Creio que a autora faz uma analogia entre o bebê, primeiro estágio da vida humana, e o prego, matéria-prima de uma construção. ‘He shieks in his grease’ pode ser referente ao prego que entra e se encolhe devido às marteladas”, diz Jerson.

Rejane Vieira deduz a alusão de Sylvia Plath aos três riscos feitos na planície durante a demarcação do Plano Piloto no verso ‘His three teeth cutting’. “Há também certa espiritualidade quando Plath escreve ‘O You who eat’ e ‘By the dove’s annihila-tion’, que também pode se dirigir ao espírito santo desenhado por Athos Bulcão”, conta a professora.

A professora de letras da UCB Georgina Maria Campos preparou uma tradução mais literal do poema, especialmente para o Artefato. Confira a versão inédita acima.

Visão estrangeiraEm uma rápida pesquisa eletrônica com as pa-

lavras-chave “Sylvia Plath” e “Brasília”, é possível ainda encontrar uma analogia entre o poema e a capital do Brasil feita pelo escritor e pesquisador do Gay Men’s Health Crisis in New York (GMHC) John Guidry. No blog de sua autoria (truthandro-cketscience.wordpress.com), John publicou em 2009 quatro postagens reflexivas sobre obras lite-rárias e musicais e sua relação com Brasília, entre elas o poema de Plath.“São histórias do meu co-ração e profundamente ligadas a minhas próprias paixões”, escreve John no texto de abertura.

No início da década de 90, enquanto realiza-va as pesquisas do doutorado em ciências po-líticas, John Guidry frequentemente visitava o aeroporto de Brasília. Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Amazonas, Brasília e Belém foram as cidades por ele visitadas, sen-do a última fonte principal no desenvolvimento de seu estudo. Em Brasília, porém, só conheceu o aeroporto Juscelino Kubitschek. “Para mim, que gastei horas e horas no aeroporto de Bra-sília ano após ano (para ir a Belém é preciso fazer escala), ‘Brasília’ foi um poema perfeito”, comentou o escritor por email.

Para Guidry, em “Brasília”, Sylvia Plath apli-ca no poema o conceito de futuro, a arquitetura e a mitologia nacionalista existente como plano de fundo durante a construção da cidade. “Esta mo-dernidade modelada por Brasília era o mundo em que a poetisa se encontrava ao escrever a obra, e in-corpora tanto a cidade que estava sendo construída quanto o nascimento de seu filho”, interpreta John.

Segundo o blogueiro, as duas primeiras estro-fes do poema se referem à escultura de Bruno Giorgi “Os Guerreiros”, mais conhecida como “Os Candangos”, erguida em 1959. John desta-ca em sua página on-line o discurso nacional da

Poema da autora norte-americana remete à formação da capital

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BRASÍLIAOcorrerãoEstas pessoas com peito/torso/busto de açoCotovelos e olhos alados

Povo na expectativaDe uma nuvem que dê a eles expressãoEstas super-pessoas!

E meu bebê um pregoAdentro, adentroEle grita/ri em seu unto

Ossos procurando por distânciaE eu, quase extinto,Seus três mordazes dentes

Eles no meu polegar

E a estrela,A velha estória

Na passagem/vereda/caminho eu encontro ovelhas e [carroças/vagõesTerra vermelha, sangue maternalOh Você que come/se alimenta

Pessoas como raios de sol, deixamEsteSalvos do/pelo espelho, não resgatados/redimidos

Pela aniquilação da pomba/também símbolo de pazA glóriaO poder, a glória.

época, de transformar os camponeses pobres, símbolos do passado colonial e agrário do Bra-sil, nos novos pioneiros a descobrir e ocupar o interior vazio do país. “Ao contrário dos escra-vos norte-americanos que construíram a Casa Branca e os edifícios E.U. Capitol, os candangos foram celebradas como parte integrante da visão futurista de Brasília.”

Ao ler o poema, o pesquisador e admirador de Plath afirma sentir “humildade”. “Todos os nos-sos sonhos grandiosos ficam à deriva das nossas intenções em algum ponto, tornam-se próprios. Brasília em si nunca chegou a ser a modernidade que pretendia. O lugar real em que vivem os bra-silienses não é nada parecido com os símbolos e imagens da Plath - tornou-se lugar de ‘Faroeste Caboclo’, a música de Renato Russo”.

A voz de Ted HughesTrinta e cinco anos após a morte de Sylvia Pla-

th, Ted Hughes escreve o livro “Birthday Letters” (“Cartas de Aniversário”), espécie de auto-defesa dos acontecimentos passados em que é considera-do culpado por muitos pelo suicídio da esposa. No total, 88 poemas compõem o livro, sendo 86 diri-gidos à ex-esposa, e um deles também se chama “Brasília”. Contudo, ao invés de sugerir uma cidade simbólica unida à emoção, a “Brasília” de Hughes oferece um recorte sobre a separação do casal.

Obras da autora: The Colossus and Other poems (1960), coletânea de poemas; The Bell Jar (1963), romance; Ariel (1965), publicado por Ted Hughes; Crossing the water (1971); Johnny Pannic and the Bible of Dreams (1977), contos e prosa; The Collected Poems (1981); Ariel (2004), publicado pela filha de Sylvia Plath, Frieda Hu-ghes, seguindo o projeto inicial da autora.

*Quinto semestre de jornalismo da UCB, especial para o Artefato

Fotos: Thiago Sabino

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Um debate sobre gastos públicos tem mo-bilizado os parlamentares do Distrito Fe-deral. A discussão é até que ponto os be-

nefícios dados aos deputados são utilizados com retorno à população, tornando-se então inves-timento, ou se essas vantagens estão sendo mal utilizadas, trazendo prejuízo aos cofres públicos.

A responsabilidade com a “coisa pública” não depende de sigla partidária nem de ideolo-gia política. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, cinco deputados abriram mão de dois salários extras no ano: Cláudio Abrantes (PPS), Israel Batista (PDT), Cabo Patrício (PT), Raad Massouh (DEM) e Chico Leite (PT).

Chico Leite não quis receber os 14° e 15° por acreditar que é incoerente receber mais dois salários quando o povo, que ele representa na Casa, recebe 13 salários ao ano. E ainda defende que ocupantes de cargos eletivos nem recebam remuneração. “Sou contra a figura do ‘profissio-nal da política’. No meu caso, desde que assumi o primeiro mandato, em 2003, abri mão do 14º e 15º e da remuneração por convocações extra-ordinárias. Continuo recebendo pelo cargo que

conquistei por concurso público há mais de 20 anos”, afirma ele, que é promotor de Justiça.

O deputado Raad Massouh, do Democratas, abriu mão dos “extras” desde quando era su-plente na CLDF e tem um projeto de lei, que será votado ainda neste semestre, para cance-lar este beneficio dos parlamentares. “Durante os três meses de campanha, em 2010, abri mão da verba indenizatória. Em janeiro, por ser um mês de recesso, também não quis receber essa verba. Não achei justo ganhar quando o traba-lho era mais interno, de gabinete”, explica.

Como os ganhos com atitudes como essas extrapolam os valores monetários, fica difícil mensurar o real lucro dessas iniciativas. Chico Leite acredita que se todos os colegas aderissem à medida, “é indubitável que a Câmara Legisla-tiva seria mais valorizada e a população se apro-ximaria mais dos seus representantes parla-mentares - para cobrar, fiscalizar, denunciar ou sugerir. Com isso, sem dúvida, a gestão pública melhoraria significativamente, aproximando--se cada vez mais do que a sociedade espera do Estado e de seus poderes”.

Se todos os deputados distritais deixassem de receber os salários extras, a economia para os

cofres públicos seria de R$ 1 milhão nos quatro anos de legislatura. E essa é apenas uma atitude para deixar de investir mal o dinheiro público.

Outras atitudes mais simples, porém não menos importantes, também diminuem o des-perdício de dinheiro. Entre elas, adotar medi-das de redução no consumo de energia, água e telefone; reduzir o número de cargos comissio-nados e ampliar a participação dos servidores de carreira na ocupação deles.

Com o novo reajuste, aprovado pelos próprios distritais, agora eles recebem por mês a bagatela de R$ 20.025,00, aumento de 61% que começou a valer a partir do dia 1° de feve-reiro. Além do salário mensal existe uma verba indenizatória que os deputados podem gastar, de até R$ 11.250,00/mês para manter o gabine-te, pagar gasolina e outras despesas. O que não for utilizado no mês é acumulado para o mês seguinte, com limite de 90 dias.

Em teoria, esses gastos podem ser acompa-nhados pelos eleitores na internet. Porém, o es-paço destinado na área “Transparência” do site da Câmara Legislativa tem apenas informações da legislatura passada. Dos 14 listados, apenas cinco são desta legislatura e quatro ainda não disponibilizam suas contas, comprovantes e notas fiscais no portal. A alternativa é acompa-nhar o que é gasto no Diário Oficial da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

E a maioria?Na outra ponta do debate estão os deputa-

dos que apoiam a existência de tais benefícios e eles são maioria na Casa. O deputado Chico Leite não tem medo de ser vítima do preconcei-to de seus pares na CLDF pelas atitudes de re-

dução de gastos. “Não tenho nenhum receio de ser perseguido por adotar princípios éti-cos. Cada parlamen-tar tem autonomia para gerenciar seu ga-binete da forma que

bem entender. O papel de fiscalização e julga-mento, nesse caso, cabe à sociedade”, garante.

Espera-se que a política esquematize di-retrizes que visem o bem de toda sociedade, considerando que esse bem, em sua síntese, dependa de uma política onde se prioriza a melhoria social, a diminuição da desigualdade de classes, a oferta de um serviço satisfatório de educação, saúde, geração de empregos, sa-neamento básico, promovendo debates, levan-do sempre em consideração a diversidade de opiniões e de posicionamentos ideológicos. Mas principalmente respeitando a probidade administrativa. Só assim o custo-benefício de um parlamentar se justifica.

Thiago Baracho

Apenas cinco dos 24 deputados distritais preferiram não receber os dois salários extras

Minoria contra a farra do 14° e 15°

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@Você acompanha os gastos dos

deputados distritais neste endereço: http://www.cl.df.gov.br/cldf/transparencia

Chico Leite é um dos integrantes da CLDF que abriu mão dos extras

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política

A Constituição Federal de 1988 define no artigo 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de repre-

sentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Com essa simples frase, ficam garantidas a democracia representati-va, na qual a sociedade elege vereadores, de-putados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes para governá-la, e a democracia direta, por meio de mecanismos como plebis-cito e referendo, onde o cidadão participa dire-tamente nas decisões políticas.

No entanto, muitas vezes os representantes eleitos se mostram incapazes de legislar e agir conforme a vontade soberana da população. Ao enxergarem um estado assolado pela cor-rupção, impunidade e má utilização da verba pública, setores da sociedade resolveram en-tão exercer pressão para que haja uma mu-dança na forma de se fazer política no Brasil. José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos socioeconômicos (Inesc), questiona a falta de incentivo aos mecanismos de decisão popular. “No sistema brasileiro, nós temos uma super-valorização da representação, com poder ilimi-tado e quase nada de democracia direta.”

A mais recente dessas iniciativas foi o relan-çamento, em março, da Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Po-pular, da qual participam diversas entidades,

entre elas o Inesc, na Câmara dos Deputados. Composta por parlamentares e também pela sociedade civil organizada, o principal objetivo da frente é ampliar ainda mais o debate sobre a reforma política, incluindo a população nas esferas decisórias do Estado. A reforma polí-tica é assunto recorrente nos debates do país. Este ano, no Congresso Nacional, foram ins-tituídas duas comissões especiais para discu-tir a modificação do sistema político nacional. Câmara e Senado têm visões distintas sobre as mudanças nessa área. Para a frente, nenhuma das duas propostas é abrangente o bastante.

Segundo o cientista político Leonardo Bar-reto, as propostas apresentadas pelo Congres-so, até o momento, não podem ser definidas como uma reforma política. “Todas as medi-das estão relacionadas ao sistema eleitoral e há outros aspectos do sistema político que pode-riam ser discutidos, como a relação Legislativo X Executivo e o modelo do Orçamento”.

Tendo em vista essa fragilidade no proces-so iniciado pelo Parlamento e a importância da participação da sociedade na discussão, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), re-presentante do movimento no Congresso, é ta-xativo sobre o alcance das mudanças. “Nós só teremos uma profunda reforma política, que radicalize a democracia, que amplie os instru-mentos de democracia direta e participativa, se tivermos o envolvimento da população”.

Segundo os integrantes da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, o principal impedimento para a apro-vação de uma reforma ampla são os próprios políticos, que temem perder o poder que pos-suem. “Quem está com privilégios não quer perdê-los e esse grupo privilegiado é maioria no Congresso Nacional”, afirma Carmem Silva, que contesta também a baixa representatividade de mulheres, negros, indígenas, homossexuais e outras minorias no Legislativo. Já o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), também repre-sentante da frente, defende que, “se não houver participação popular e se não inundarmos as ruas com mobilizações, a reforma política pode até piorar o nosso sistema”.

Longa espera“Há muito tempo que a sociedade espera

por uma verdadeira reforma política, mas ela tem ficado só no âmbito do Congresso”, defen-de a deputada federal Luiza Erundina (PSB--SP). Para ela, “a reforma política pela qual lu-tamos e que a sociedade espera é a que garanta o estabelecido pela Constituição: a democracia direta e a democracia participativa”.

A ex-prefeita de São Paulo também reclama da participação feminina. “Nós, mulheres, so-mos menos de 9% na Câmara, pouco mais de 10% no Senado. Já o negro é menos ainda e os índios são inexistentes na Casa. É preciso corrigir essa distorção.”

Erundina acredita ainda que este momento da reforma é apenas o início de uma profunda rediscussão da política brasileira. “Temos que repensar o Estado. O pacto federativo, a distri-buição de poder entre as três esferas: município, estado e União. Há uma enorme concentração de poder na União, muito menos nos estados e um esvaziamento total nos municípios”.

Congresso x movimentos sociaisApesar de dissonâncias entre as propostas

do Congresso e as dos movimentos sociais, existem também similaridades no que diz res-peito ao processo eleitoral, como a votação

Reforma política: anseio do povo, dever de todosCansada de esperar o Legislativo, população resolveu assumir as rédeas do processoAugusto Dauster

“Quem está com privilégios não quer

perdê-los e esse grupo privilegiado

é maioria no Congresso.”

Carmem Silva

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A deputada federal Luiza Erundina quer mais mulheres no Parlamento

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polít

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em lista fechada, intercalada entre homens e mulheres. Segundo essa proposta, a popula-ção votaria em uma lista pré-definida pelos partidos. O total de votos da legenda definiria o número de eleitos a partir da lista. O finan-ciamento público de campanha é outro ponto em comum. Para Leonardo Barreto, é possível que as propostas sejam desenvolvidas parale-lamente, porém em algum momento terá que ser feita uma opção entre as duas. “Por isso, é importante para os movimentos sociais apoia-rem fortemente os pontos de convergência entre as suas propostas e as do Senado para garantir um ganho, pelo menos, parcial”, de-fende o especialista.

Mesmo havendo propostas similares entre o Congresso e a plataforma, existe um déficit nas proposições parlamentares com relação ao sis-tema partidário. Os movimentos sociais defen-dem que haja prévias eleitorais dentro dos par-tidos para definir quem disputará as eleições. Já o Congresso não contempla essa questão.

Para Barreto, esse é um ponto polêmico, pois “os partidos são instituições de direito privado e, a priori, podem escolher os méto-dos para a tomada de decisões internas, como a composição de uma lista, por exemplo”. Mas, segundo o analista, “sem mecanismos de de-mocracia interna, os partidos tendem a se tor-nar oligarquias”. Diante desse perigo, Barreto considera importante que cidadãos pudessem se candidatar às posições na lista em primárias com a participação de todos os filiados.

Fim das coligaçõesComo mecanismo que leve ao fim das coli-

gações partidárias, a frente defende que, em vez de coligações, os partidos que desejem se unir para uma eleição se tornem uma federa-ção. Para que seja aceita, a federação deverá se unir ao menos quatro meses antes da eleição e durar por pelo menos três anos após. Durante esse período, os partidos federados deixariam de funcionar isoladamente e atuariam como um partido único.

“A federação permi-te que os partidos com maior afinidade ideo-lógica e programática unam-se para atuar com uniformidade em todo o país”, define a carta proposta dos movimentos sociais. Já Leonardo Barreto, mesmo considerando essencial o fim das co-ligações, para que haja um “saneamento do sistema partidário”,

se posiciona contra o mecanismo. “Não posso aprovar as federações, um subterfúgio inventa-do para que a associação eleitoral entre partidos pudesse continuar em vigor.”

Democracia diretaUm dos principais eixos defendidos pelos

movimentos sociais é a democracia direta, ca-paz de gerar ferramentas por meio das quais a população participa ativamente no processo de decisão. A grande crítica é a inviabilidade de o Estado lidar com uma gama ampla de consul-tas. Questionado sobre essa possibilidade, Bar-reto defende a aplicabilidade da proposta: “É possível que esse tipo de medida prospere, sim. Uma forma de diminuir os custos seria casar os referendos e plebiscitos com as eleições regula-res, como é feito nos Estados Unidos”.

O cientista político ainda considera possí-vel que estados e municípios façam também consultas populares, por considerar a medida como educação política. “É um ponto muito importante porque as consultas populares, além do aspecto decisório, possuem uma forte característica pedagógica, estimulando as pes-soas a pensarem sobre assuntos substantivos e ligados à vida da sociedade”.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, defendeu, no dia 14 de abril, que o TSE está preparado para lidar com ferramentas de participação popu-lar, como referendos e plebiscitos, desde que haja alguns meses para organizá-la. “Com o progresso da informática aplicado ao processo eleitoral, podemos aplicar essas ferramentas de forma mais constante”, explicou o ministro.

Na legislação atual, para se levar um projeto de iniciativa popular para votação no Congresso é necessária a obtenção de assinaturas referen-tes a 1% do eleitorado nacional. Para a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), é necessário en-contrar uma forma de facilitar o uso da iniciativa popular. “Instrumentos como plebiscito e refe-rendo têm que ser desburocratizados.” Kokay vai além: “Projeto de iniciativa popular tem que ter

prioridade e tem que, inclusive, trancar a pauta se não for avaliado em determinado período”.

Outra proposta que merece destaque é o “veto popular”. O conceito é que a ferramenta exista para o caso de a população discordar de alguma lei que seja aprovada pelo Parlamento. O fun-cionamento seria o mesmo das leis de iniciativa popular. Atingindo-se o número necessário de assinaturas, a lei em questão seria, automatica-mente, submetida a referendo popular. “A ideia é vetar assuntos que firam os direitos funda-mentais e que o povo possa barrar assuntos que sejam contrários a ele”, explica o integrante da plataforma Daniel Monteiro Lima. Para o Le-onardo Barreto a medida pode ser adotada, “a partir da criação de um novo dispositivo consti-tucional prevendo esse instituto”.

Além das iniciativas citadas, os movimentos sociais possuem também propostas como: o fim da imunidade parlamentar, das votações secretas nos legislativos e do foro privilegiado, exceto em casos em que a apuração refira-se ao estrito exercício do mandato ou do cargo.

Câmara ouve sociedadeAo contrário do que vem acontecendo no

Senado, a Comissão Especial para a Reforma Política da Câmara tem se mostrado mais dis-posta a escutar a sociedade quanto ao assun-to. Mesmo não possuindo propostas definidas ainda, a Casa agendou uma série de audiências públicas no primeiro semestre de 2011 para debater o tema. A primeira audiência ocorreu no dia 29 de abril em Goiânia. Confira as pró-ximas datas no quadro.

LOCAL DATAAracaju (SE) 13/5

João Pessoa (AL) 16/5Florianópolis (SC) 19/5

Belo Horizonte (MG) 23/5Curitiba (PR) 27/5Salvador (BA) 30/5

Rio de Janeiro (RJ) 3/6São Paulo (SP) 10/6

Próximos passosNo dia 25 de abril chegou ao fim o período

de contribuições da população para a criação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular para a Reforma do Sistema Político. Daí em diante, a proposta será finalizada, apresentada à socie-dade e passará pela coleta de assinaturas para que possa ser levada à votação no Legislativo. Já a Comissão da Reforma Política do Con-gresso terá até o dia 20 de maio para transfor-mar as propostas apresentadas em projeto.

Para saber mais e acompanhar as propostas para a Reforma do Sistema Político, acesse:

Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Político www.reformapolitica.org.br

Congresso Nacionalwww.senado.gov.br/noticias/especiais/reformapolitica/

Câmara Federalwww2.camara.gov.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/reforma-politica

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O casal de aposentados Políbio e Mariana testa um dos

aparelhos em Taguatinga Sul. Abaixo, placa explicativa destruída:

manutenção fica na conta das administrações regionais

A distância e o preço não são mais desculpas para os sedentários do DF

não praticarem exercícios. Em 35 locais da capital, tais justifi-cativas deixaram de ter valida-de desde que foram implanta-das as Academias da Terceira Idade (ATIs). Embora alguns já apresentem sinais de pichação e vandalismo, os equipamentos de musculação ao ar livre, pre-sentes nos Pontos de Encontro Comunitário (PEC), passaram a fazer parte da rotina dos bra-silienses e ainda conquistam adeptos.

Num domingo de sol em Ta-guatinga Sul, o casal de aposen-tados Políbio Alves, 73 anos, e Mariana Gomes, 70, estreava nos aparelhos, por volta das 9h. “É a primeira vez que viemos”, conta o ex-técnico judiciário.

“Vamos vir uma ou duas vezes por semana agora”, emendou Mariana, ex-professora que op-tou por testar os equipamentos mesmo de chinelos e com rou-pas não adequadas.

Feitos de metal dobrado e pintados em duas cores (em ge-ral branca e azul ou amarela e verde), os módulos ganharam o nome de ATI porque não têm pesos, o que facilita o uso por pessoas de qualquer idade. Em cada aparelho há uma explica-ção dos músculos trabalhados e da maneira correta de fazer os exercícios.

A implantação atende de-mandas das administrações regionais, que também são as responsáveis por separar recursos para manutenção e recuperação dos aparelhos. Assim, parte do trabalho de zelar pelos equipamentos cabe aos usuários. As academias

são compostas por um kit de aparelhos aprovados por en-tidades especializados em gi-nástica para a melhor idade. O custo de implantação é de cer-ca de R$ 30 mil e a fabricação fica por conta de uma empresa paranaense que trabalha há 15 anos no ramo.

De acordo com informações da assessoria de comunicação da Secretaria de Obras, a pri-meira PEC entregue foi a da Praça da Vitória, na Vila Cauhy, no Núcleo Bandeirante.

“Hoje são 35, em locais como Sobradinho, Itapoã, São Sebas-tião, Sudoeste, Vila Telebrasília, Gama, Riacho Fundo, Samam-baia, Ceilândia e Cruzeiro”, lis-ta a nota da assessoria.

As ATIs são compostas por vá-rios equipamentos como: alon-gador, esqui, remada sentada, rotação vertical com rotação diagonal, simulador de cami-

nhada e cavalgada, além de surf de pernas e multiexercitador.

Professores?As academias ao ar livre têm

a vantagem de serem acessíveis, mas só isso não é o suficiente, segundo especialistas consulta-dos pela reportagem.

“Os equipamentos são bons para a prática de exercícios, sim, mas a presença de um profis-sional de educação física seria importante para o indivíduo ter melhores resultados e evitar le-sões causadas pelo uso inade-quado”, afirma o professor Fran-cisco Prada, da Faculdade de Educação Física da Universidade Católica de Brasilia.

Consultado pela reportagem, o governo local informou que não o oferecimento de profissionais depende de iniciativas da própria comunidade em parceria com as administrações regionais.

Malhação ao ar livre

Academias da Terceira Idade estão em 35 regiões do DF e se firmam como opção para muitos

Péricles Lugos (texto e fotos)

Fotos: Pericles Lugo

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A ideia surgiu como ação concre-ta para combater as mutilações de livros e para tentar reduzir os

gastos nas atividades de restauração, que em 2010 chegaram a quase R$ 20 mil. Dinheiro que poderia ser revertido em novos volumes para o acervo e em melhorias para os usuários. Diante des-se cenário, responsáveis pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Católica de Brasília (UCB) resolveram lançar uma campanha como forma de reeducar e conscientizar a comunidade acadêmica.

“Queremos orientar, sensibilizar e cons-cientizar os usuários sobre a importância da conservação e do manuseio adequado das obras, além da preservação do mate-rial bibliográfico. Acredito que a biblioteca seja mais que um depósito de livros. É um centro de cultura, energia, vida. Precisa-mos ensinar isso”, conta Beatriz Veloso, responsável pela Coordenação de Desen-volvimento e Promoção da Informação (CDI) e pela organização da ação.

Beatriz e sua equipe coordenam a cam-panha intitulada “Quem cuida tem”. A UCB recebe, diariamente, quatro mil pes-soas na biblioteca, entre alunos e comuni-dade, que consultam os mais de 250 mil exemplares disponíveis. A ação seguirá até 25 de maio. A última campanha do tipo ocorreu em 2000. De acordo com ela, os usuários precisam ter uma noção melhor de responsabilidade. “Os alu-nos devem ser corretos e não só mentes pensantes. Temos na universidade um perfil de jovens de 16 a 24 anos, em fase de reeducação, e também é nosso papel

ensiná-los”, acredita.A equipe da CDI conta com 53 funcio-

nários e foi a responsável pelo material impresso com orientações para o uso cor-reto dos livros. O projeto foi criado em parceria com os músicos Marcos MC e Marcos Aborígine, e contou com a produ-ção de um videoclipe pelo Centro de Rádio e Televisão, CRTV, com cenas da má utili-zação dos livros. “O intuito foi dar um tom de exagero para que ficasse engraçado, mas muitos alunos se identificarão com as cenas”, disse Beatriz.

Além disso, foi criado um concurso de ilustrações que retrata o mau uso dos li-vros pelos usuários. As imagens eleitas ge-raram vários produtos, como folders, mar-cador de texto, banners e cartazes, para a divulgação da ideia.

Cachaça?Também há uma exposição com o

nome “Os Mutilados” no hall da bi-blioteca, com o intuito de apresentar os livros danificados e fotos de mate-riais bibliográficos com problemas. Histórias de publicações maltratadas, rabiscadas, rasgadas, estragadas por umidade ou ressecamento excessivos, com cheiro de cachaça, molhadas, su-jas com café ou coca-cola e até batiza-das com xixi de cachorro e mofo estão sendo contadas. “Precisamos chocar para que todos tenham consciência de como os livros têm sido maltratados”, relata a coordenadora.

Quanto à restauração, Beatriz explica que há um setor responsável pelos pe-quenos reparos. “Casos como colagem de lombada, de folhas soltas, de capa e reposição de folhas arrancadas são tra-tados aqui. Mas a biblioteca não dispõe de infraestrutura adequada para gran-des restaurações. Esse serviço é feito em empresas especializadas, o que aumenta o custo”, esclarece.

Amandda Souza (texto e foto)

Patrimônio mutilado

Beatriz Veloso examina um exemplar de livro estragado:

R$ 20 mil em restaurações em 2010

Biblioteca promove campanha para conscientizar usuários a conservarem as obras

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De acordo com relatórios da equipe do CDI, nos três últimos anos o número de livros recu-perados cresceu. Houve gastos de aproximadamente R$ 77 mil, que poderiam ser reverti-dos em novas obras.

“É um absurdo saber que os livros estão chegando as-sim. Isso é falta de consciên-cia. Atrapalha a todos. O certo é estudarmos pelo livro, para sermos bons profissionais, mas para isso precisamos deles em bom estado”, diz Yasmine de Oliveira Vieira, 20 anos, aluna do segundo semestre de Medi-cina da UCB. “Sempre tenho cuidado. Quando preciso grifá--los para estudar, uso um lápis, e, depois, apago quando vou devolvê-lo”, afirma.

Thiago de Matos Gurgel, 22, estudante do 5º semestre de Farmácia, acredita que a bi-blioteca deveria ser mais radi-cal. “O livro é o foco dos nossos estudos. Para mim, quem não cuida do patrimônio deveria ser proibido de usar os livros. É importante ter zelo, mas acho que a campanha é relativa. Pode conscientizar uns, mas sempre tem aqueles que não estão nem aí, por isso acho que deveria ha-ver mais rigor”.

Você sabia? > A restauração de um livro com até 50 páginas demora pelo menos 2 dias, tempo em que ele fica indisponível para o empréstimo

> Um livro muito danificado, com a capa descolada e folhas internas soltas, fica distante do usuário por pelo menos 4 dias

> No ano de 2010 foram restauradas 1.962 obras que sofreram desgaste natural e mutilação. E foram gastos R$18.018 só com encadernação

Mandamentos dos livrosProlongue a vida útil do acervo com cuidados preventivos

Ao retirar o livro da estante, não o pegue pela parte superior da lombada, e sim pelo meio.

Utilize marcadores de páginas. Evite dobrar ou identificar com objetos como clipes, lápis, canetas e outros

Evite comer e beber perto das obras, pois o alimento e o líquido causam danos irreversíveis

Lembre-se de que a exposição dos livros à luz solar, à chuva ou ao calor prejudicam a conservação do papel

Não sublinhe o texto dos livros com marca-texto, caneta ou lápis. Faça anotações no seu caderno

Evite passar o dedo na língua para virar a página, pois a saliva é ácida e deteriora o papel

Evite rasgar ou recortar folhas, para não prejudicar a informação que é insubstituível

Ilustrações: Olávia Bonfim

O alto custo do descaso

250 milEstimativa do número

de exemplares da Biblioteca da UCB

Fonte: Biblioteca da UCB

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Nascido em 1954, brasiliense por opção e potiguar por naturalidade. Pele mo-rena com tons avermelhados devido ao

sol.Nem alto nem baixo, corpo robusto. Pai de 15 filhos – dez homens e cinco mulheres, de mães diferentes. Dono de vocabulário sagaz e muito educado, ativo como um adolescente e carismático como uma criança, praticante do bem e amante do forró. Conhecido pelos cole-gas como Índio, por causa da origem na tribo poti (os bisavós biológicos eram indígenas), José Dantas é exemplo de perseverança.

Índio, que anseia por descobertas, não teve medo das mudanças quando aqui chegou há 20 anos. Ele já sabia da realidade que iria en-frentar e das poucas oportunidades de traba-lho. Aos 38 anos, recém-chegado à capital, começou trabalhando como carroceiro, depois na limpeza e manutenção de prédios, e agora labuta de sol a sol como flanelinha na praça do antigo terminal rodoviário norte de Taguatin-ga, atual Taguacenter. De lá, tira parte do sus-tento e espalha felicidade.

O complemento da renda é retirado de um outro ofício, que ele considera mais prazeroso: cantar. Ele revela o talento logo que é indaga-do sobre seu estado civil. A resposta vem no tom de cordel, uma música de sua composição chamada Vida de solteiro é Bom. A letra diz:

“Quero casar, mas tenho medo. Não vou falar com o vigário nem gastar o meu salário com bambolê de otário para enfiar no meu dedo. Solteiro eu chego às quatro da madrugada, pois não se im-porta com nada. Eita que vida legal. Mas o casado quando chega atrasado a mu-lher diz: Ei, seu safado, e começa o que-

bra-pau. Homem casado quando ele tem dinheiro a mulher mata de cheiro, com tudo faz uma festa, mas quando alisa já começa com a fofoca, se brincar ela colo-ca um par de chifres em sua testa...”

Como se precisasse de mais explicações, ele conta, com o sorriso no rosto, que não nasceu para casar, pois tem medo.

Desde os nove anos José Dantas solta a voz para animar as festas. Tem orgulho de falar de sua banda de forró estilo pé de serra, a Cangaço de Fortaleza. Só depois de muita luta, receben-do R$ 30, R$ 40 e até R$ 45 por dia de traba-lho como guardador, é que conseguiu juntar, no ano passado, dinheiro suficiente para ir até sua terra natal, Mossoró, a 277 Km de Natal (RN). Aos 57 anos, com o apoio de Dezim Go-veia, dono da gravadora GPE, consegiu enfim gravar seu primeiro CD. Gostou tanto do tra-balho que no início deste ano voltou e gravou o segundo. Como teve dificuldades em gravar o álbum no DF, foi para o Rio Grande do Norte. Lá, usou uma banda local, já que a sua, de Sa-mambaia, não pode ir.

Dantas ressalta que o trabalho como flane-linha dá a ele a oportunidade de divulgar seu trabalho com a música, passar os contatos para shows e principalmente vender seus CDs.

Histórias do cotidianoIndío se considera bem humorado, respei-

tador e honesto. Paciente, mesmo se sentindo discriminado com a profissão de flanelinha. Ele afirma que trabalhar com ser humano “é difícil”, mas acredita que o carinho é a base para conquistar a confiança das pessoas que estacionam no local. “Já me deparei com pes-

soas ingnorantes, que eu sobe me relacionar e que, com um certo tempo, se tornaram pesso-as legais”, relata.

Como flanelinha cadastrado, se revolta ao ver outros vigilantes, principalmente os do Plano Piloto, utilizando de forma errada o colete de identificação para praticar crimes. Também não concorda com a pressão feita por “certos” flanelinhas para receber a gorjeta pela “olhada”. “Se meu cliente não me der nada eu digo, ‘Deus o acompanhe’. É por isso que te-nho muitos clientes e sou feliz em trabalhar aqui”, conta.

Ele diz que já flagrou muitas pessoas tentan-do roubar e que sua grande salvação é um ce-lular velhinho, que tem na agenda os contatos dos policiais. Por isso, nunca viu um carro que viagiava ser levado.

Trabalhando como flanelinha, já salvou até um rapaz de ser demitido. O jovem foi fazer o pagamento do mês dos funcionário da empre-sa onde trabalhava em um banco próximo ao estacionamento que Índio toma conta. Chegou com pressa, trancou o carro e se esqueceu de pegar o pacote de R$ 100 mil, que deixou em cima do capô do carro. Índio “deu fé” do paco-te logo depois que o rapaz saiu. Desesperado pelo sumiço do pacote, o desatento voltou e o flanelinha entregou o pacote, sem nem saber o que havia dentro. Ele recebeu R$ 300 de re-compensa pela a atitude. Adotado, recebeu do pai a lição de ser honesto. “Ele me ensinou a ser o homem que sou hoje”, afirma.

SERVIÇO: Quem quiser contratar o show de forró pé de serra da banda Cangaço de Fortaleza pode ligar para o telefone do Índio: 8633.7489

Cleicilene Lobato Índio recebe até R$ 45 por dia vigiando carros. Mas sua paixão é cantar

Flanelinha pé-de-serraCD gravado, 15 filhos e moedas no bolso. Esse é José Dantas

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