Artes e Tecnologias

5
MUSEU DE ARTE CONTEMPORANEA-USP 2 a 9 de setembro de 1985 ORG.: ARLlNDO MACHADO - JULIO PLAZA

description

Artes e Tecnologias

Transcript of Artes e Tecnologias

  • MUSEU DE ARTE CONTEMPORANEA-USP2a9 de setembro de 1985

    ORG.: ARLlNDO MACHADO - JULIO PLAZA

  • "Ser contra a tecnologia ser contra o Universoe rabanetes sabidos"

    o universo das ferramentas fsicas e o universo das ferramentas"invisveis", tais como as linguagens e sistemas de signos em geral, soampliaes dos processos mentais do homem e suportes de seupensamento e de sua sensibilidade. Basicamente, o homem constritecnologias para multiplicar a sua competncia para a expresso.Da porque se diz que as ferramentas U moles" (software), como o casodas linguagens e processos simblicos, tm tudo a ver com asferramentas U duras U (hardware).As ferramentas das atividades primrias eram utilizadas por um shomem, enquanto no uso das ferramentas industriais cooperavam vriosgrupos. Na sociedade ps-industrial, porm, os sistemas funcionam com Oesforo integrado de muitos homens ao mesmo tempo, a ponto deconstituir, como nota Fuller, sistemas integrais mais do que sistemas locais.Tais sistemas funcionam com uma eficcia tanto maior quanto maisorganizados eles esto em redes vastas e universais. Fuller pareceflagrar a o que poderia ser o germe de uma teoria da intermdia.McLuhan dizia que U a hibridizao dos agentes oferece oportunidadeespecialmente favorvel para a observao de seus componentes epropriedades estruturais u. preciso observar, contudo, que cada meiofunciona de maneira dupla: possui qualidades e traos que lhe soprprios e, ao mesmo tempo, os seus recursos so o resultado da somade outros meios ou um elemento de inter-relao com eles. Temos,portanto, duas possibilidades de fazer dialogar os meios. Num primeirocaso, a montagem de vrios meios pode fazer surgir um outro, que asoma qualitativa daqueles que o constituem. Neste caso, a hibridizaoproduz um dado inusitado, que a criao de um meio novo e antesinexistente. O videotexto, por exemplo, o produto qualitativo daassociao do computador com o telefone e o vdeo domstico,funcionando portanto como novo meio e tambm como intermdia.Uma segunda possibilidade superpor diversas tecnologias, sem que asoma, entretanto, resolva o conflito. Neste caso, os mltiplos meiosno chegam a realizar uma sntese qualitativa, resultando uma espcie decolagem que se conhece como multimdia.

    As formas artsticas mais antigas e os produtos do artesanato estoligados cultura do nico. J as artes industriais ligam-se cultura doreprodutvel, enquanto as artes eletrnicas se relacionam culturado disponvel (memrias). Um museu do primeiro tipo guarda objetosraros ou relquias materiais, ao passo que um museu do segundo tipoexplode as quatro paredes e multiplica ao infinito os objetos culturais.

  • Se fosse possvel imaginar um museu das artes eletrnicas ele noteria nenhum objeto para cultuar, pois os seus produtos no existiriamseno sob a forma virtual do suporte que armazena os seus dados:fitas cassete, disquetes, microfichas, etc. No contexto contemporneo,todas essas vrias formas de produo da cultura ocorremsincronicamente e formam um verdadeiro complexo multimidial.As vrias formas de produo artstica (ligadas s culturas do nico,do reprodutvel e do disponvel) encontram-se hoje interpenetradas.Os caracteres individuais ou "autogrficos" e os coletivos ou"alogrficos" (nada a ver com "annimos ") comunicam-se entre si.Se nas artes artesanais a produo individual, nas artes industriaise eletrnicas a produo coletiva, colocando em crise a mstica dacriao e a noo de autor. Pelo menos, o artista j no pode maiscriar sem a ajuda do engenheiro, do matemtico ou do programador dedados. A criao hoje o resultado da interao dessas prticas,como forma de energia ou insight. O que no quer dizer que j no sejamais possvel instaurar um estilo: ele hoje a marca invariante queestabelece a diferena transgressora em quaisquer dos suportesutilizados. O dilogo entre o singular-individual (ego) e o coletivo(super-ego) uma das caractersticas da prtica tecnolgica.

    Por outro lado, os meios tecnolgicos absorvem e incorporam os maisdiferentes sistemas de signos, traduzindo as diferentes linguagenshistricas para o novo suporte. Essas linguagens transcodificadasefetivam a colaborao entre os diversos sentidos do homem,possibilitando o trnsito entre o visual, o verbal, o acstico e o ttil.Todos esses sentidos dialogam em ritmo intervisual, intertextual eintersensorial com os vrios cdigos da informao, abrindo margem paraa criao. Temos a uma verdadeira sinesttica.

    o Oriente est nos meiosA lgica ocidental permite organizar os meios em sistemas e redesuniversais que so utilizados como suportes de re-produo de linguagens,ou seja, como veculos de comunicao, inteligibilidade, representaosimblica e memria. A analgica oriental, entretanto, permite atransgresso desses caracteres e a criao de objetos prprios. a produo de "contracomunicao", o lado sensvel da prticatecnolgica. A comunicao permite que" os fins justifiquem os meios",enquanto a arte permite que" os meios justifiquem os fins".O que faz o artista tecnolgico no mais que deter o movimentoprogressivo-centrfugo da comunicao simblica para substitu-Io pelomovimento centrpeto: o cone.

    A despeito das vises orwelliano-maniquestas e a despeito dos usossemnticos (de referncia e de registro do real) e pragmticos (dere-presentao, de memria e comunicao) dos meios tecnolgcos,eles so capazes todavia de nos fornecer os caracteres e as estruturas

  • necessrios para a concretizao de objetos estticos. Todos os meiostecnolgicos conhecidos at agora trazem a possibilidade de criar aprprio tal idade (qualidade), que aparece na textura desses objetos.Do ponto de vista semitico, sabe-se que todos os meios apresentamtrs referncias: 1) seu carter material, que empresta suasingularidade o carter de iconicidade como mera semelhana comalgo (o sensvel, a transparncia do meio); 2) seu carter referencial eindicial, como registro de algo que est fora dele; 3) seu carterconvencional-simblico, para fins de representao, comunicao eproduo de sentido (o inteligvel, a opacidade do meio). Esses caracteresicnicos, indiciais e simblicos, quando ostentados no primeiro plano,podem extrair todas as con.seqncias dos meios.

    o olho do artista tecnolgico torna dominante a dimenso ICOnfCa,num movimento que vai do centrfugo (meio que quer comunicar umamensagem na sua dimenso simblica) ao centrpeto (a caractersticamaterial, imagtica e icnica, tudo o que "contracomunicao").Ele se relaciona com os meios tecnolgicos muito alm ou aqum desua realidade como veculos produtores de sentido e comunicao.No seu desejo de presentificar, tornar concreto o objeto que pretendecomunicar, o artista exacerba ou torna proeminentes os caracteres do meioque utiliza, tornando-o auto-referencial. Essa passagem-tenso entremeios que querem comunicar mas que acabam se auto-referenciandotoca no que h de mais transgressor e mais sensvel na linguagem dossuportes, ou seja, na sua prpria material idade como elementodetonador de seu sentido como pura semelhana.As estruturas que chamamos de "artsticas" ou "poticas" caracterizam-sepelas aparncias que elas mesmas criam e encarnam, como merasaptides para a semelhana. O que elas produzem so imagens"virtuais" de algo que pode vir a ser, mas no o por muito tempo,e que se desprendem das qualidades materiais do suporte no qualesto incorporadas. A diferena entre as diversas artes exatamenteo seu grau de qualidade de aparncia, que por sua vez se resolve ese confunde com as qualidades do objeto que se encontra representado(tal idade) e com a substncia (suporte) de que a obra de arte constituda. Entretanto, se as qualidades substanciais e materiaisda forma incidem sobre a aparncia, no a determinam na sua totalidade,pos a aparncia, como qualidade do signo, mero sentimento desimilaridade em isomorfia com a idia (insight) e a substncia que lheserve de suporte. Desta forma, a unicidade da aparncia do objetoesttico em quaisquer meios, ao mesmo tempo que depende deuma concretizao num suporte material, depende tambm de umarelao ressonante entre sujeito e objeto. a ressonncia desseefeito que podemos chamar de eternidade ou efmero-eternidade(a impossibilidade de retorno) na arte, precisamente por seu carter deatemporalidade.

  • Aqum do aqum, Oriente do Oriente ou territrio da criao (matrizde todas as artes ocidentais e ps-ocidentais), o "eterno" da arte no seconfunde com o museu e muito menos com a durabilidade material daarte, mas com sua verdade constitutiva ou princpio de criao:chi ou "princpio vital" para os chineses taoistas; cone ou insight paraos semiticos; tathata para os indus; epifania para Joyce e outrasformas de denominar o princpio criativo, esse princpio que pode serincorporado nos meios tecnolgicos como jogo (asobi) ldico com asregras. Inclui-se a o carter espontneo dos meios (waza) comocontemporaneidade entre pensamento e ao, acaso e imprevisibilidade.A sobriedade dos meios, vazio, simplicidade, ausncia (sabi);a naturalidade, serenidade, o essencial (wabi); o inacabado eimperfeito, a realizao prtica (shibumi), a ressonncia e sincronia dostempos (aware); a atitude de interrogao, surpresa diante da coisatecnolgica como algo enigmtico, remoto, efmero e misterioso(yugen) que configura o nosso imaginrio, tudo isso so outros tantosconceitos zen a serem levados em conta na relao produtiva entreo sensvel e o inteligvel, entre a opacidade e a transparncia dos meioseletrnicos.

    Aqui-agora, nesta exposlao, apresentamos manifestaes e processosde linguagem que reclamam uma reflexo intersemitica. Entre eles:intermdia ou o uso concomitante de diversos meios; videoperformanceou o uso teatral do vdeo; vdeo-instalao ou o uso do vdeo noambiente; vdeo-arte ou o vdeo como registro-ao-montagem;fotografia e suas tcnicas alternativas; xerox e sua reprodutibilidade;holografia para a criao de holopoemas; microfilmagem como recursoartstico; arte por computador colocada ao servio das artes grficas,da msica, da dana e da linguagem verbal.