ARTETERAPIA
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UnP - UNIVERSIDADE POTIGUAR
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO LATO SENSU
ALQUIMY ART
CURSO DE ESPECIALIZAO EM ARTETERAPIA
O MOVIMENTO NA ARTETERAPIA: UM CAMINHO DE
NOVAS POSSIBILIDADES
RAFAELLA VITALE MONTREZOL NEVES
SO PAULO
2005
-
RAFAELLA VITALE MONTREZOL NEVES
O MOVIMENTO NA ARTETERAPIA: UM CAMINHO DE NOVAS POSSIBILIDADES
Monografia apresentada Universidade Potiguar,
RN e ao Alquimy Art, de So Paulo como parte dos
requisitos para a obteno do ttulo de Especialista
em Arteterapia
Orientadora: Profa. MsC. Maria Beatriz Ribolla
SO PAULO
2005
-
NEVES, Rafaella Vitale Montrezol
O movimento da Arteterapia: um caminho de novas
possibilidades/ Rafaella Vitale Montrezol Neves. So Paulo; [s.n.], 2005.
p.122
Monografia (Especializao em Arteterapia)
Universidade Potiguar. Pr-Reitoria de Educao e Profissional. Alquimy
Art.
1. Arteterapia 2. Possibilidades
SP/ BGSF CDV.51
-
UnP Universidade Potiguar
Alquimy Art
Pr-Reitoria de Educao Profissional
O MOVIMENTO NA ARTETERAPIA: UM CAMINHO DE NOVAS POSSIBILIDADES
Monografia apresentada pela aluna Rafaella Vitale Montrezol Neves ao curso de
Especializao em Arteterapia em 16/04/05 e recebendo a avaliao da Banca
Examinadora constituda pelos professores:
_________________________________________
Profa. MsC. Maria Beatriz Ribolla, Orientadora
__________________________________________
Profa. MsC. Deolinda Florim Fabietti, Coordenadora da Especializao
__________________________________________
Profo Dr. Liomar Quinto de Andrade, Leitor Crtico
-
Minha me e minha av,
pelos caminhos que segui,
Michel,
por me acompanhar neste caminho,
Renata,
companheira de grande aprendizado,
Crianas,
smbolos de alegria e
amor
-
Agradecimentos
Agradeo a Deus por ter chegado at aqui;
Profa. Orientadora Maria Beatriz Ribolla, que muito me auxiliou a direcionar este
trabalho;
Psicloga e Profa. Irene Arcuri, que me auxiliou na escolha do curso e
acompanhou meu desenvolvimento;
s crianas e responsveis pelo abrigo Casa da Criana Nossa Senhora Auxiliadora;
Ao Profo. Norival C. Ramos da Escola da Famlia EE Reinaldo Ribeiro, pela
disponibilidade em nos auxiliar em nosso trabalho;
A todos os colegas e professores do Alquimy Art por terem compartilhado
experincias e crescimento;
s amigas:
urea Torres que me presenteou com a mensagem:
Que voc tenha de tudo um pouco...,
Izabel Cristina Buscariolli e Elisangela Reis que muito me auxiliaram na confeco
das borboletas para apresentao desta monografia;
Em especial amiga Renata Manho, pelas descobertas juntas, pelo aprendizado e
pela parceria nos trabalhos de Arteterapia
-
Que voc tenha... De tudo... Um pouco
Sensibilidade Para no ficar indiferente diante das belezas da vida.
Coragem Para colocar a timidez de lado e poder realizar o que tem vontade.
Solidariedade Para no ficar neutro diante do sofrimento da humanidade.
Bondade Para no desviar os olhos de quem te pede uma ajuda.
Tranqilidade Para quando chegar ao fim do dia, poder deitar e dormir o sono dos
anjos.
Alegria Para voc distribu-la, colocando um sorriso no rosto de algum.
Humildade Para voc reconhecer aquilo que voc no .
Amor prprio Para voc perceber suas qualidades e gostar do que v por dentro.
F Para te guiar, te sustentar e te manter em p.
Sinceridade Para voc ser verdadeiro, gostar de voc mesmo e viver melhor.
Felicidade Para voc descobri-la dentro de voc e do-la a quem precisar.
Amizade Para voc descobrir que, quem tem um amigo, tem um tesouro.
Esperana Para fazer voc acreditar na vida e se sentir uma eterna criana.
Sabedoria Para entender que o bem e o mal existem.
Desejos Para alimentar o seu corpo, dando prazer ao seu esprito.
Sonhos - Para poder, todos os dias, alimentar a sua alma.
Amor...
Para voc ter algum para amar e sentir-se amado.
Para voc desejar tocar uma estrela, sorrir para a lua.
Sentir que a vida bela, andando pela rua.
Para voc descobrir que existe um sol dentro de voc.
Para voc se sentir feliz a cada amanhecer e saber que o Amor a razo
maior... para viver;.
Mas se voc no tiver um amor, nunca deixe morrer em voc,
A procura... O desejo de encontrar.
Tenha de tudo, um pouco ... E seja feliz!
(autor desconhecido)
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RESUMO
NEVES, Rafaella Vitale Montrezol. O movimento da Arteterapia: um caminho de
novas possibilidades. 2005. Monografia (Ps-Graduao Latu Sensu) UnP -
Universidade Potiguar, RN e Alquimy Art.de So Paulo, 2005.
O presente trabalho tem como objetivo relacionar conceitos tericos com a
experincia prtica de Arteterapia vivenciada em um curso de ps-graduao. Para
isso, foram utilizadas as abordagens tericas da Arteterapia Gestltica, o Continuum
das Terapias Expressivas (ETC) e alguns autores que falam sobre criatividade/
processos criativos, como Fayga Ostrower, Rollo May e Nachmanovicht.
A experincia prtica transita pelo aprendizado em sala de aula, estgio vivenciado
em um abrigo com crianas carentes, participao em congresso, experincias com
arte que ocorreram em outros lugares no relacionados diretamente Arteterapia e
descobertas com familiares.
Por meio desta pesquisa, foi possvel evidenciar as mudanas significativas que
ocorreram. A arte tem um impacto de forma sistmica na vida das pessoas
transformando suas relaes com as outras pessoas e sua forma de enxergar o
mundo.
A experincia do estgio levou-me a uma reflexo sobre como lidar com nossa
criana interior e como a arte impacta e possibilita esta relao.
O desenvolvimento de processos criativos e a improvisao surgem pelos
caminhos da arte, o que facilita o contato com o eu - interior. Tudo isto foi percebido
durante as experincias descritas.
Neste trabalho, voc encontrar um novo olhar para o mundo, por meio dos
movimentos que a Arteterapia me permitiu um caminho para novas possibilidades...
Boa leitura!
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ABSTRACT
NEVES, Rafaella Vitale Montrezol. The Arteterapy moviment: one way to news
possibilities. So Paulo. 2005. Monografy (Post Graduated Certificate) UnP -
Potiguar University, RN and Alquimy Art Learning Research Center in So Paulo,
2005.
The actual work has as objective to connect doctrinaires concepts with as experience
practice of Arteterapy experience in a course post graduated. For these, I use the
boardings theoreticians of Gestltica Arteterapy, The Expressive Therapies
Continuum (ETC) and some authors that say about creativity/ creatives processes,
as Fayga Ostrower, Rollo May e Nachmanovicht.
The practical experience it transits for learning in classroom, period of training
experience in shelter with devoid children, participation in congress, experiences with
art that occurred in others places not related directly as Arteterapy and discoveries
with familiar.
Through of this research, it was possible to evidence the changes significant had
occurred. The art has impact of systemic form in life the people transforming ours
relations with others people and your form of see the world, it was this that happened
with me.
The experience of period of training took me to a reflection on as to deal with our
interior child and as the art impact and makes possible this relation.
The development of creative processes and the improvisation appear through the art,
what it facilitates the contact with the I-interior. Everything this was perceived during
the described experiences.
In this work, you it will find a new to look at for the world, through the movements that
the Arteterapy allowed me, a way for new possibilities
Good reading!
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Lista de Ilustraes
Foto 1 Desenvolvimento do meu processo criativo 31
Foto 2 Meu lbum pessoal 36
Foto 3 Processos Criativos no desenvolvimento da conscincia 37
Foto 4 O desenvolvimento do grafismo 39
Foto 5 O poder do gesto e da palavra 40
Foto 6 O barro criativo 42
Foto 7 Oficina do corpo 43
Foto 8 Oficinas Criativas 45
Foto 9 Contribuies da Arteterapia para Instituio 47
Foto 10 Mtodos e Tcnicas em Arteterapia 50
Foto 11 Pintura e Comunicao Visual 52
Foto 12 Construo do lbum pessoal 54
Foto 13 Superviso 55
Foto 14 Desenvolvimento Humano 57
Foto 15 Desvelando a Persona Mscara 59
Foto 16 Desvelando a Persona Parafina 59
Fotos 17 e 18 Desvelando a Persona - Pintando a parafina 60
Foto 19 Som e silncio 62
Foto 20 Personagens e Histria de Vida - Bonecas construdas em grupo 63
Foto 21 Personagens e Histria de Vida - Minha boneca 64
Foto 22 Personagens e Histria de Vida 64
Foto 23 Orientao Profissional, Vocacional e Ocupacional 67
Foto 24 Tapete colorido 78
Foto 25 Ambiente com som 78
Fotos 26 e 27 - Kit arte 78
Foto 28 Atividade ao ar livre 79
Foto 29 Abrigo 79
Foto 30 Parque do Ibirapuera 79
Foto 31 Escola Famlia 79
Fotos 32 e 33 Atividade com iogurte 80
Foto 34 Areia Colorida 80
-
Foto 35 Argila 80
Foto 36 Cola Colorida 80
Fotos 37 e 38 Congresso de Arteterapia 82
Foto 39 A experincia de ser um Clown 85
Foto 40 Mitologia nos contos de Fadas 89
Foto 41 Casa encantada 89
Fotos 42 e 43 Trabalho com l - traando caminhos profissionais 95
Foto 44 Trabalho com l - traando caminhos profissionais 96
Foto 45 Trabalho com argila trabalhando as mudanas 96
Foto 46 Trabalho com argila trabalhando as mudanas 97
Foto 47 Atividade no Parque da gua Branca 97
Foto 48 Encontrando caminhos 101
Foto 49 e 50 Arteterapia em famlia 104
Foto 51 Mandalas de vidro 107
Fotos 52 e 53 Mandalas em CD com miangas 107
Fotos 54 e 55 A construo do painel 112
Foto 56 As borboletas 113
Foto 57 O painel 113
Fotos 58 e 59 Cenrio da apresentao 114
Figura 60 Slide 1 apresentao 115
Figura 61 Slide 2 apresentao 115
Figura 62 Slide 3 apresentao 116
Figura 63 Slide 4 apresentao 116
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SUMRIO
1. Introduo 12
2. Construo Terica
2.1 Entendendo a Arteterapia 15
2.2 ETC 18
2.3 Arteterapia Gestltica 21
2.4 Como ocorre o processo criativo 25
2.5 A criana interior 32
3. A descoberta do Ser Terapeuta 35
3.1 Releitura dos mdulos 36
3.2 Aprendendo com as crianas vivncia no estgio 68
3.3 Experincias Significativas
3.3.1 Congresso de Arteterapia 81
3.3.2 Clown trabalhando o seu palhao interior 83
3.3.3 A Arte da Possibilidade 86
3.3.4 Mitologia Pessoal 87
3.3.5 Efeito Borboleta Pequenos gestos, grandes alteraes 90
3.4 Experincia com arte dentro da empresa 92
4. Relaes Sistmicas: A magia da arte
4.1 Como a arte interferiu na minha vida profissional 98
4.2 Arteterapia em famlia 102
4.3 Conhecendo as Mandalas 105
5. Concluso - Construo da Monografia Um novo olhar gestltico: mudanas
da relao figura e fundo, um processo de transformao 108
6. Anexo
6.1 Texto A criana 117
7. Referncias Bibliogrficas 119
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12
1. Introduo
Existe uma vitalidade, uma fora vital, uma energia, uma vivacidade que
traduzida em ao por seu intermdio, e como em todos os tempos s existiu
uma pessoa como voc, essa expresso nica. Se voc a bloquear, ela
jamais voltar a se manifestar por intermdio de qualquer outra pessoa, e se
perder.
Martha Graham (apud Nachmanovicht, 1993)
A arte sempre fez parte da minha vida. Comecei a tocar piano aos 5 anos e me
formei no Conservatrio Musical paulistano aos 21 anos. Desde ento, sempre
gostei de arte. Devido aos estudos no conservatrio eu assistia a concertos,
orquestras, peras e comecei a me interessar por dana e teatro. O ballet em
especial era algo que me fascinava, porm ouvia dizer que para ser bailarina
precisaria praticar desde pequena. Ento este desejo ficou apenas no sonho at o
dia em que descobri uma escola de ballet para adultos. Finalmente um de meus
sonhos estava se tornando realidade! Hoje fao aulas de ballet nesta escola e sinto-
me realizada.
Paralelo a isto, eu gostaria de ter feito uma faculdade de Msica, porm minha me
orientou-me a no fazer e ento resolvi fazer Psicologia. Ainda no curso,
interessava-me muito pelas disciplinas que tinham uma interface com arte em geral,
msica ou pintura. Quando terminei o curso, resolvi que eu faria um curso de
especializao que tivesse algo relacionado msica. Pensei em musicoterapia. Foi
ento que tive conhecimento do curso de Arteterapia. Percebi que era um curso
mais amplo do que a musicoterapia, pois a arte tambm envolvia a msica.
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13
No decorrer do curso, surpreendi-me com as descobertas e com as possibilidades
que a arte trouxe para minha vida.
Este trabalho me fez refletir sobre toda esta trajetria da arte da minha vida. Quando
decidi falar sobre o meu processo no curso, foi porque minhas descobertas foram
interessantes, as transformaes evidentes e senti a necessidade de compartilhar
isto com quem quisesse conhecer como ocorre o processo de Arteterapia. Ouvir as
pessoas falarem bem diferente de voc vivenciar as transformaes. E eu j havia
lido, ouvido falar muito sobre o efeito da arte, porm no havia vivenciado o que me
fez enxergar o mundo de uma outra forma.
por isso que resolvi compartilhar toda a minha experincia por meio desta
monografia. Do mesmo jeito que senti o efeito da Arteterapia na minha vida, quero
proporcionar isto nos trabalhos que eu desenvolver.
Transcorri nos captulos sobre cada mdulo experimentado durante o curso de
Arteterapia, sobre cada experincia realmente relevante e transformadora com a
arte, seja em processos teraputicos, seja em casa, eu mesma aplicando a
Arteterapia, seja com as crianas do abrigo ou por aprendizados em workshops e
congressos.
Este primeiro captulo uma apresentao deste trabalho e de como a arte surgiu
na minha vida. No segundo captulo, explico sobre a conceituao terica.
Relacionei conceitos de arteterapia gestltica com o processo criativo e o ETC. Senti
necessidade de buscar outros autores para falar sobre criatividade e conceituar a
-
14
relao da criana interna com a arte. O mais interessante , alm de comprovar as
vivncias, conseguir entender teoricamente o que foi passado no curso e conhecer
as diversas abordagens que explicam a Arteterapia.
No terceiro captulo, mostro a trajetria da descoberta do meu Ser terapeuta. Esta
trajetria comea no curso de ps-graduao, por isso detalhei cada experincia
vivenciada durante o curso, coloquei minhas descobertas e as fotos dos trabalhos
realizados. Esta trajetria continua por meio da descrio da experincia no estgio
com as crianas e das experincias extracurriculares que tive como o congresso de
arteterapia 2004 e cursos realizados fora da instituio como, por exemplo, o curso
de Clown. Ainda falando do Ser terapeuta, destaco um captulo para relatar a
experincia que tive com arteterapia dentro de uma empresa.
No quarto captulo, particularizo a relao sistmica que a arte me possibilitou,
influenciando minha vida profissional e a relao com minha famlia. Relatei algumas
experincias interessantes realizadas com meus familiares. Este trabalho significa
um marco de mudanas na minha vida pessoal e profissional. J havia estudado a
teoria sistmica, porm no havia vivenciado-a. E agora vejo que impossvel, fazer
uma pequena mudana sem mexer no todo.
Enfim, no quinto e ltimo captulos, concluo minha monografia contando como foi a
construo dela e como este ciclo se fechou, abrindo um novo ciclo que est por vir.
Espero que este trabalho o ajude em sua busca/ interesse em conhecer mais sobre
a Arteterapia e que voc se divirta compartilhando das minhas descobertas.
-
15
2. Construo terica
2.1 Entendendo a Arteterapia
Aquele que se prende alegria, destri as asas do viver; mas aquele
que beija a alegria durante o vo vive um eterno amanhecer.
William Blake (1989)
Arteterapia um processo que utiliza a arte como instrumento de expresso por
meio de recursos verbais ou no verbais (msica, dana, dramatizao, artes
plsticas) o que permite descobertas e transformaes, possibilitando um auto-
conhecimento.
Segundo Chiesa (2004, p. 31),
... em qualquer manifestao artstica como msica, pintura, ou teatro,
o artista expressa simbolicamente suas sensaes, os sentimentos e
as imagens do seu mundo interior e proporciona ao pblico
participante, de certa forma, o contato com essas emoes.
O artista, empregando recursos de sua linguagem (teatro, msica, dana,
cinema, entre outros), expressa seus sentimentos e suas emoes contagiando e
envolvendo o pblico na sua trama criadora.
Segundo a Associao Americana de Arteterapia, a arteterapia: (in CHIESA,
2004, p. 38)
Est baseada na crena de que o processo criativo envolvido no fazer
arte curativo aumentando a qualidade de vida. Criar arte e comunic-
la um processo que quando realizado junto com um arteterapeuta,
-
16
permite a qualquer pessoa uma ampliao de sua conscincia. E,
assim, ela enfrenta seus sintomas, seu estresse e suas experincias
traumticas com habilidades cognitivas reforadas, para ento,
desfrutar os prazeres da vida que se confirma, artisticamente, criativa
(AATA, 2003).
A Arteterapia baseia-se na crena de que o processo criativo envolvido na
atividade artstica teraputico e enriquecedor na qualidade de vida das
pessoas. Arteterapia a cura atravs da arte. Cura esta que est dentro de voc
mesmo, conforme se expressa, no importa com que material, entra em contato
com seus contedos internos e a partir da, toma conscincia deles. Tudo o que
expressa est dentro de voc, conforme Nachmanovicht (1993, p. 17) cita a
teoria de Michelangelo
a esttua j est contida na pedra, sempre esteve na pedra
desde o princpio dos tempos, e o trabalho do escultor v-la e
libert-la, retirando cuidadosamente o excesso de material.
Durante o processo de Arteterapia, o indivduo expressa seus contedos internos
por intermdio de atividades artsticas. Ao observar suas imagens, o indivduo
pode ter algum insight que o ajudar a dar significado para aquela experincia. O
arteterapeuta deve auxili-lo a perceber e descobrir o significado delas e no
interpret-las. Segundo Andrade (2000, p. 75),
... o arteterapeuta no explica o trabalho do paciente, mas tenta
ajud-lo, reflexivamente, a procurar provveis significados interiores
-
17
representados no desenho, e portanto, representados a ele. Por
intermdio deste artifcio tcnico, o cliente pode colocar-se de forma
receptiva para captar significados de aspectos de sua vida psquica
inconsciente exibidos pelo desenho ao perceber, sentir, pensar e
comentar a respeito de seu trabalho.
O processo de Arteterapia pode ser desenvolvido em um atelier teraputico ou
em instituies, tais como escolas, empresas e hospitais. Neste caso,
importante que o arteterapeuta esteja atento aos objetivos do trabalho em cada
local e a predisposio dos envolvidos durante o processo.
No atelier teraputico, o arteterapeuta oferece os materiais e a tcnica de acordo
com a necessidade da pessoa. Conforme Sanviani (apud Chiesa, 2004, p. 39)
O atelier teraputico integra a linguagem, a histria da arte, o
material, a tcnica, os instrumentos, o processo e o produto. O foco
est no desenvolvimento criativo na arte fazendo ponte para o criativo
na vida do indivduo.
Dentro da Arteterapia, existem algumas abordagens tericas. Destacarei o ETC
(Continuum das Terapias Expressivas), um mtodo que utiliza quatro nveis para
demonstrar a interao com os materiais, baseado na teoria do desenvolvimento
humano de Piaget: o nvel cinestsico sensorial (motor), perceptual afetivo,
cognitivo simblico e criativo e a Arteterapia Gestltica, um mtodo baseado na
gestalt-terapia, terapia da gestalt e fenomenologia.
-
18
2.2 ETC
O (ETC) Continuum das Terapias Expressivas um modelo conceitual, composto
por quatro nveis, que representam as modalidades de interao com materiais
expressivos, sendo eles: cinestsico sensorial (motor), perceptual afetivo,
cognitivo simblico e criativo.
O nvel cinestsico sensorial (motor) enfatiza as qualidades sensoriais do
material e os movimentos motores. a etapa em que o indivduo explora o
material por meio de movimentos dinmicos ou contato com o corpo, como o
tato, toque, presso, ou atirando, pingando, manchando espaos em branco ou
misturando cores. Este nvel permite o surgimento de energia e a liberao da
mesma, diminuindo possveis nveis de tenso, alm de ser facilitador da
resposta motora.
O nvel perceptual afetivo lida com as percepes e emoes geradas no nvel
cinestsico por meio de experincias visuais e hpticas (tteis). Este nvel faz
com que o indivduo entre em contato com suas emoes internas e as expresse
de maneira diferente no contato com o material. Por exemplo, ao amassar o
barro, a pessoa percebe e controla comportamentos motores atuando de outra
forma. um nvel que facilita a expresso do afeto e a internalizao da
estrutura.
O nvel cognitivo simblico exige o envolvimento do pensamento abstrato, pois
considera-se que j existe a internalizao das formas e aes. Os componentes
-
19
cognitivos e simblicos propiciam a liberao do presente imediato e permite
processar informaes em nveis cada vez mais complexos. Neste nvel, deve-se
estar atento qualidade do material, categorizao, reconhecimento de relaes
e seqenciamento temporal. A explorao do material possibilita a internalizao
de suas propriedades e a habilidade de manipul-lo.
O nvel criativo permeia todos os outros nveis e o responsvel pela sensao
de fechamento, trmino, prazer ou satisfao do indivduo. Este nvel facilita o
dilogo interno com o externo do indivduo. Ele pode ocorrer em qualquer um dos
nveis.
Distncia reflexiva a distncia cognitiva entre a experincia artstica e a reflexo
do indivduo sobre a experincia. Esta distncia propiciar a orientao s
experincias motoras e afetivas. Quanto maior a distncia reflexiva, maior as
possibilidades de interao da pessoa com o material e maior o entendimento do
significado da experincia, que percebida por intermdio da descrio da
mesma.
O ETC um modelo conceitual muito importante e que facilita o trabalho do
arteterapeuta, pois orienta quanto utilizao de alguns materiais e o manejo
dos mesmos.
O arteterapeuta deve estar atento s variveis (direcionamento que dado), s
potencialidades do material (como deve utiliz-lo), quantidade disponibilizada,
forma como apresentado, utilizao de mediador ou no conforme o processo
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20
da pessoa e a distncia reflexiva. Muitas vezes importante o uso de
mediadores como, por exemplo, o pincel, pois inibe o contato tctil direto com o
material, porm s vezes necessrio ter este contato, pois ele que faz com
que a pessoa consiga significar e diferenciar a experincia.
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21
2.3 Arteterapia gestltica
Arteterapia gestltica a Arteterapia baseada nos fundamentos da Gestalt-
terapia. Nesta abordagem, o arteterapeuta sugere experimentos que possam
auxiliar as pessoas s auto-descobertas de suas potencialidades e traar novos
caminhos enriquecendo suas vidas.
Um dos alicerces bsicos que fundamentam a Arteterapia gestltica o conceito
de experimento, ou seja, voc aprende cognitivamente por meio da experincia
vivida, transformar o falar em fazer. Experimento no sentido de experienciar,
vivenciar o presente, o aqui e agora, abrindo possibilidades e novas perspectivas,
como Ciornai cita em seu livro Percursos em Arteterapia:
...epistemologia da direta experincia sensorial, ou seja, o
entendimento de que a informao, conhecimento e sabedoria no so
sinnimos, e que o verdadeiro saber tem de ser apreendido
organismicamente e experiencialmente. ...nfase no valor da vivncia,
na apreenso dos sentidos... (CIORNAI, 2004, p. 50)
Outro conceito importante o contato, contato do indivduo com ele mesmo, com
os outros e com o mundo, ou seja, as funes de contato: ver, escutar, tocar...
Contato refere-se tambm a fronteira entre eu e o outro, saber o limite entre o
que so contedos meus e o que o outro.
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22
A experincia do fazer artstico facilita o surgimento de insight, conceito tambm
importante nesta abordagem terica. Insight trazer para conscincia algo que
no estava claro, que estava obscuro, por meio da experincia vivenciada.
Tornamo-nos aware atravs dos nossos sentidos, percebemos em
ao e obtemos insights sobre a natureza do mundo e de nosso lugar
nele, contatando diretamente o l fora com o nosso sistema
perceptual organsmico, bsico e inato. (Rhyne apud Ciornai, 2004, p.
50)
Awareness um outro conceito fundamental na teoria da gestalt e por
conseqncia, na arteterapia gestltica, uma conscincia mais ampliada da
figura, conscincia emocionada, que sentimos quando surge um insight. Est
diretamente relacionada ao conceito de experincia. Segundo Ciornai, (2004,
p.36),
Awareness uma forma de experienciar. o processo de estar em
contato vigilante com os eventos mais importantes do campo
indivduo-meio, com total suporte sensrio-motor, emocional e
energtico.
Alm destes conceitos, existe um que deriva do prprio nome gestalt (forma), que
a Teoria da forma, a relao figura e fundo. Figura tudo aquilo que se revela
que est ntido, emerge do fundo e se conclui se fecha e faz sentido. S se pode
revelar se estiver concluda, ou ento a gestalt continuar aberta, se repetindo
at buscar seu fechamento. Fundo o contexto em que a figura faz parte, porm
no ele que emerge. Segundo Ciornai, 2004,
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23
Teoria da Forma a noo de que a percepo de uma figura (seja
esta forma abstrata, uma pessoa, um elemento da natureza, um
objeto) vai inevitavelmente variar de acordo com o fundo ou contexto
em que esteja inserta.
A Arteterapia Gestltica caracteriza-se como uma terapia experiencial que tem
como objetivo a expanso da awareness. E uma forma de expandir a awareness
por intermdio de insights.
O experimento a pedra fundamental da aprendizagem experiencial.
Transforma o falar em fazer, o recordar incuo e o teorizar em um
tornar-se totalmente presente com imaginao, energia e excitao.
(CIORNAI, 2004 p. 52)
Fundamental, para que tudo isto ocorra, a disponibilidade do arteterapeuta para
com a pessoa, ou seja, o encontro de duas pessoas inteiras, totalmente
disponveis uma para com a outra. Uma destas condies a presena do
arteterapeuta,
... que implica um comprometimento existencial mais profundo do que
compreendido como empatia, de realmente penetrar na
fenomenologia da existncia do outro sem perder seu prprio
referencial... (CIORNEI, 2004, p.46)
Este modelo baseia-se na Gestalt-terapia, conforme Cionai cita Yontef (Ciornai,
2004, p. 46), esta uma relao dialgica, na qual o encontro de duas pessoas
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24
impactado uma pela outra em sua totalidade, permitindo que uma relao se
estabelea.
Nachmanovitch (1993) tambm fala da importncia da presena para trabalhar
com arte. Fala que de nada adianta a competncia tcnica, o conhecimento
terico, se a pessoa no estiver inteira com o outro e viver o presente.
Todo este processo de experimento, contato, awareness, figura e fundo facilita a
formao e fechamento de gestalts. Quando conclumos algum processo e
entendemos o que ocorreu, fechamos a gestalt, ou seja, transformamo-la em
passado.
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25
2.4 Como ocorre o processo criativo
Deixe a sua mente e chegue aos seus sentidos,
Chegue aos seus sentidos para chegar a sua mente
Fritz (apud Ciornai, 2004)
Parece ironia, mas para que o processo criativo ocorra, necessrio deixar a
mente, pois o pensar inibe as idias e no nos deixa organiz-las.
A chave para o processo criativo aquietar a mente. O processo criativo
simplesmente acontece se esperarmos ganhar ou perder algo com ele, no
acontece, pois ele mesmo o resultado.
Nachmanovicht, em seu livro O ser criativo, cita que a inspirao surge por
intermdio de uma Musa, a Musa da inspirao, nada mais do que ouvirmos a
voz da nossa intuio, o chamado da alma. Este momento quando surge o
insight, um momento em que nos libertamos do medo e de qualquer coisa que
possa impedir o fluir das asas da imaginao.
Na nsia de escrever, nada se escreve,
Na nsia de ler, nada se l,
Aquieta tua mente e teu corao te guia.
Acabei de criar esta frase, pois assim que sinto neste momento. Para eu
conseguir escrever, preciso baixar a ansiedade, pois sua presena faz com que o
pensamento acelere e bloqueie as idias.
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26
isto que acontece quando fazemos arte, no a mente que comanda e sim o
corao. Por mais que voc pense que est controlando o que quer fazer,
dificilmente conseguir. um ... fazer sem se preocupar com o resultado,
porque o fazer em si mesmo o resultado. NACHMANOVICHT (1993, p. 28)
Para que ocorra o processo criativo necessrio que acontea um encontro.
Encontro este que ...pode implicar esforo voluntrio, isto , fora de vontade, ou
no. (Rollo May, 2000, p. 40). O mais importante neste processo o grau de
absoro, intensidade e envolvimento. Artistas vivem o que imaginam... ntido o
grau de envolvimento e engajamento em sua arte, seja ela qual for. Rollo May
em seu livro A coragem de criar (2000, p. 79), cita que a criatividade ocorre
num ato de encontro, e deve ser compreendida como tendo por centro este
encontro.
Para comear a escrever esta parte do meu trabalho, estava com uma enorme
dificuldade. Tinha vrias idias em mente, porm no conseguia coloc-las no
papel. Ento, a Renata (colega do curso que me acompanhou nesta trajetria),
sugeriu que eu pintasse uma mandala e foi o que fiz. Afinal estou falando do
processo criativo, da Arteterapia, da cura por meio da arte. No poderia deixar de
passar mais uma vez pelo processo. Aliviou, mas ainda estava difcil, ento
resolvi olhar para o meu trabalho e fazer um relaxamento. Procurar aquietar
minha mente e deixar que as imagens aparecessem. E elas vieram. Percebi em
meus desenhos um caos completo, at aparecer uma organizao e duas
imagens fortes: eu completamente amarrada e as cenas do filme Efeito
Borboleta... Engraado, quando citei o filme na minha monografia, no quis falar
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27
muito da Teoria do Caos, pois achei que no tivesse relao com o meu trabalho,
mas hoje enxergo exatamente a teoria.
Primeiro, precisei entrar no caos completo, sentir-me angustiada, perdida para
conseguir sair e as idias emergirem e segundo, perceber as pequenas
mudanas nas partes que afetam o todo. Alm de recordar-me do filme, lembrei-
me do personagem principal que sempre tentava fazer uma mudana com a
inteno de ajudar as pessoas, acabava atrapalhando e muitas vezes se
prejudicando.
Uma vez, minha psicloga disse para eu deixar a Arteterapia fazer parte da
minha vida e eu concordei, mas racionalmente, no havia entendido o significado
disso. Lendo este livro de Nachmanovicht (1993, p. 29), ele cita:
Mantenha os olhos e ouvidos bem abertos e deixe-se guiar por seus
gostos e averses, seus desejos e irritaes conscientes e
inconscientes, seus palpites irracionais, cada vez que for preciso virar
direita ou esquerda. Voc estar abrindo uma trilha s sua, que o
colocar frente a frente com surpresas destinadas exclusivamente
voc. Encontrar amigos, pessoas interessantes. Viajando desta
maneira, estar livre; no existem deveres e obrigaes.
Agora entendo o significado disto, deixar tudo fluir naturalmente. As situaes
simplesmente acontecem, assim como a criatividade. Segundo Ostrower (1999,
p.4):
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28
As pessoas no so passivas frente aos estmulos e no qualquer
estmulo que poder tornar-se acaso ou inspirao. As pessoas
esto receptivas; receptivas a partir de algo que j existe nelas em
forma potencial e que encontra no acaso como que uma oportunidade
concreta de se manifestar.
A chave para a criatividade a improvisao. Improvisar no fazer as coisas de
qualquer jeito, sem planejar, mas deixar fluir o ... impulso intuitivo e espontneo
do inconsciente... (NACHMANOVICHT, 1993, p. 21) sem que a ansiedade a
impea. Improvisar deixar fluir a energia que existe dentro de ns, sem maiores
preocupaes.
Nosso maior trabalho no fazer com que a criatividade aparea, mas sim
desbloquear os obstculos que possam vir a impedi-la como, por exemplo, o
excesso de pensamento, a ansiedade e a preocupao. ... Na luta da expresso
do ser, muitos seres podem ser expressos... (NACHMANOVICHT, 1993, p. 22).
As pessoas so diferentes, tm personalidades diferentes, por isso precisam
encontrar seu estilo pessoal de criar, para desenvolver seu processo criativo.
um veculo transpessoal. ... o estilo o veculo da sua grande paixo, no
apenas pessoal, mas transpessoal. (NACHMANOVICHT, 1993, p. 36)
A arte possibilita um encontro com a alma, com o divino. No a toa que nos
sentimos preenchidos ao olharmos uma obra que acabamos de fazer. Lla uma
palavra em snscrito que significa brincadeira divina. ... o jogo da criao,
destruio e recriao, o dobrar e desdobrar e o prazer do momento presente e a
brincadeira de Deus. (NACHAMINOVICH, 1993 p. 13)
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A arte possibilita o contato com a lla, ou melhor, a lla deve estar o tempo todo
presente nas nossas vidas, pois se perdermos a alegria, nosso trabalho se torna
formal. Se abandonarmos o sagrado, nosso trabalho perde o contato com a terra em que
vivemos. (NACHAMINOVICH, 1993 p. 23)
O processo criativo um caminho espiritual, pois um processo que fala do
nosso eu - interior mais profundo. Segundo Arcuri (2004, p.30):
A arte pode ser uma fora capaz de levar o homem alm do vazio.
uma linguagem capaz de estabelecer uma conexo com a alma e a
nica capaz de compreend-la. A arte desenvolve a liberdade alma
aprisionada pelo vazio, pelo medo ou ainda pelos sentimentos que no
tm nome. E ela leva concretizao dos anseios da necessidade
interior do ser humano.
Nachmanovicht (1993, p. 57) exemplifica em seu livro a verdadeira entrega por
meio de algumas citaes como, por exemplo, quando Hakuin escreveu: ...
quando se esquece de si mesmo, voc se torna o universo. O Ser desaparece e
ento surge a Musa...
Segundo Nachmanovicht (1993), Michelangelo dizia-se guiado por uma
faculdade que ele chamava de intelleto. Intelleto significa inteligncia, mas no a
inteligncia racional e sim uma inteligncia visionria, uma viso dos padres
ocultos sob as aparncias.
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... algo que ainda est por nascer, algo nunca visto
nem ouvido antes, a no ser pelo olho interior, pelo
ouvido interior. Ele no est apenas removendo
superfcies aparentes de um objeto externo, est
removendo superfcies aparentes do Ser, revelando sua
natureza original. (p. 39)
Trabalhar com arte, desenvolver a criatividade e deixar o potencial criativo se
libertar, implica em entrar no vazio e aceitar riscos. Este o campo da entrega
verdadeira, do ... cultivar uma atitude de no saber, nutrir-se do mistrio contido
em cada momento, que certamente surpreendente e sempre novo...
(NACHMANOVICHT, 1993 p. 30). Desta maneira, viver o presente e junto com
ele todas as situaes surpreendentes que possam vir a aparecer.
O campo da entrega pode propiciar a sensao de liberdade, de prazer, de
contentamento, entusiasmo e o aparecimento de grandes insights, porm
tambm pode proporcionar uma sensao de insegurana, de medo e fracasso.
Cabe a cada um de ns, saber lidar com todos estes sentimentos, pois o mundo
no sempre cor-de-rosa. O que seria do dia sem a noite, das rosas sem os
espinhos, da alegria sem a tristeza? Viveramos em um mundo tedioso, sem
saber qual a sensao de alegria e entusiasmo.
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Foto 1 Desenvolvimento do meu processo criativo
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2.5 A criana interior
A criana a voz do nosso conhecimento interior e a
linguagem primordial desse conhecimento o prazer
Nachmanovicht, 1993
A criana pura, inocente e criativa. Ela deixa as coisas flurem, pois no tem
preocupaes. Todos ns temos esta criana interior despreocupada, porm
conforme o passar dos anos, nos tornamos adultos chatos e preocupados. A
arte possibilita esta soltura, esta despreocupao e esta leveza, no momento em
que libertamos nossa criana interior despreocupada. Trabalhar ou brincar com
crianas tambm nos permite o mesmo, como se a criana brincasse com a
nossa criana e faz com que por alguns minutos realmente nos tornemos
crianas novamente. Nachmanovicht diz que onde h diverso no h
preocupao e ainda que:
Brincar libertar-se de restries arbitrrias e expandir o prprio
campo de ao. A brincadeira possibilita maior riqueza de aes e
melhora nossa capacidade de adaptao. Brincar ter o esprito livre
para explorar, ser e fazer por puro prazer. (NACHMANOVICHT, 1993,
p.50)
O divertimento facilita a criatividade e todo trabalho parece mais fcil, porque, na
verdade, muda a maneira de voc enxergar aquele trabalho. uma questo de
ponto de vista e de como lidar com as diversas situaes. A brincadeira nos torna
mais flexveis medida que temos de nos adaptar aos acontecimentos. De nada
adianta ficar estressado, pois no resolver coisa alguma, mas se voc ficar
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alegre, com certeza resolver, j que uma lista de possibilidades poder surgir
em sua mente, pois ela est trabalhando criativamente. Lembre-se da lla, que
um jogo divino. A criatividade est presente na busca e no na conquista. O
divertimento permite que voc seja quem voc , seja espontneo e faz com que
o medo e a vergonha, que perseguem os adultos, desapaream. Nachmanovicht
(1993, p. 53) diz que:
A musa mais poderosa a nossa criana interior. O msico, o poeta,
o artista vivem toda a vida em contato com essa criana, a parte do
ser que sabe brincar.
Neste sentido, a energia que a brincadeira e a produo artstica transmitem, traz
um sentimento pleno de satisfao, de entusiasmo. A palavra entusiasmo,
provm de uma palavra grega que significa cheio de theos, ou seja, preenchido
por Deus. (NACHMANOVICHT, 1993, p. 55) Mais uma vez, a arte nos coloca em
contato com nossa alma e com o divino...
Tudo o que fazemos tem de ter uma integrao do fazer e do sentir, s assim a
fala vem do corao e no da mente. E a arte nos coloca em contato com o
nosso ser mais profundo, fazendo surgir s vezes expresses que no
imaginvamos que havia dentro de ns.
Quando fazemos aquilo de que gostamos, concentramo-nos tanto que voc e o
que estiver fazendo, tornam-se um s. Por exemplo, j me peguei algumas vezes
tocando piano e, de repente, olhava para minhas mos e elas seguiam
automaticamente, como se o piano fosse uma extenso do meu corpo.
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Podemos nos tornar aquilo que estamos fazendo; esses momentos
ocorrem quando o indivduo se anula e tudo o que existe o trabalho.
(NACHMANOVICHT, 1993, p. 57)
A criana espontnea e vive o presente. neste presente que existe a
possibilidade de existir, amar-se, acolher-se, olhar-se, alegrar-se com o que
capaz naquele momento. Quando entramos em contato com nossa criana
interior, esta possibilidade se abre e nos tornamos espontneos tambm e nos
permitimos ouvir a voz do corao. A arte poderosa neste sentido, pois um
momento nico em que estamos em contato com nossa criana interior.
Muitas vezes, abrimos mo de nossa infncia para respondermos s
expectativas de nossos pais, professores e hoje repetimos o mesmo processo
esperando aprovao de outras pessoas importantes na nossa vida, tais como
me, chefe, amigos... Isto nos leva a impossibilidade de ser, estar e existir.
Viviani (2001, p. 26), em seu livro Si Brinca diz que:
Na sala de brincar a verdade ser criana, a regra o humor, a
inveno... imitar, contar, viver ou reviver histrias. Poder bordar
lindos tecidos de imaginao, queimar papis e bonecas, apreciar a
fogueira do velho. Construir cachoeiras de tristezas e rir, porque tudo
que se transforma incrivelmente prazeroso!
isso que nos abre a possibilidade de ser, estar e existir como pessoas criativas.
Liberarmos nossa criana interior e seguirmos suas regras!
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3. A descoberta do ser terapeuta...
A criao do novo no conquista do intelecto, mas do
instinto de prazer agindo por uma necessidade interior. A
mente criativa brinca com os objetos que ama.
Carl Jung ((apud Nachmanovicht, 1993)
A Arteterapia apareceu na minha vida como uma proposta para o desenvolvimento
de novos trabalhos em minha atividade profissional. Na poca, eu trabalhava na
fbrica de SP da Sadia com o desenvolvimento de competncias dos funcionrios e
poderia aprimorar meu trabalho com as tcnicas da Arteterapia. No me via como
uma arte-terapeuta e sim como uma facilitadora de algumas vivncias. Aos poucos
percebi que estava despertando para o ser terapeuta...
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3.1 Releitura dos mdulos no curso de Arteterapia...
Pinte como quiser e morra feliz.
Henry Miller (apud Nachmanovicht, 1993)
Para comear a releitura destes mdulos, precisei pegar novamente meu lbum
pessoal. Ele ainda no havia sido terminado, faltava esta monografia para
finaliz-lo.
Foto 2 Meu lbum pessoal
Desabrochar...
No incio do curso eu era uma pessoa reservada e tmida, eu no me soltava,
percebia que ficava um pouco tensa e no me colocava muito. Em uma das
atividades at escrevi que estava fazendo os exerccios para aprender a ajudar
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os outros e no para o meu desenvolvimento. Parecia meu hemisfrio esquerdo
falando, como se isto fosse possvel!
Com o decorrer dos trabalhos nos processos criativos no desenvolvimento da
conscincia, percebi-me como uma rosa desabrochando e abrindo-me para a
vida. Finalmente, meu hemisfrio direito comeou a se manifestar...
Foto 3 Processos Criativos no desenvolvimento da conscincia
Experimentar...
Por meio do desenvolvimento do grafismo, experimentei materiais que no
conhecia e aprendi a lidar com a frustrao, pois dependendo do material,
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perdemos o controle, ou melhor, no temos controle. No incio, isto para mim foi
difcil.
Aquela percepo de que eu era fechada e travada, foi ficando mais clara
medida que experimentei novos materiais.
Adorei trabalhar com giz pastel seco, foi difcil, mas o resultado final foi
espetacular! A aquarela tambm foi difcil no comeo. Soltar as mos, os braos
e os dedos era algo que eu no conseguia fazer. Mas foi importante eu perceber
tudo isso para, a partir da, mudar.
Outra experincia interessante foi dividir o mesmo trabalho com outras colegas e
lidar com esta interferncia.
Estas experincias lembraram-me do tema da minha monografia da faculdade
Como lidar com o no saber, pois por vrias vezes lidei com o no saber na
arte de outras formas.
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Foto 4 O desenvolvimento do grafismo
Curiosidade...
O poder do gesto e da palavra permitiu um toque especial de imaginao e
fantasia. Foi muito bom relembrar minha infncia, as histrias de que eu gostava
e que eram contatas para mim.
Realmente, agora percebo a grande importncia do contar histrias para as
crianas e deste trabalho na vida adulta. um toque mgico que realmente
atinge o corao de todos.
E foi o que aconteceu comigo. Quando percebi, estava totalmente envolvida nas
histrias de Sherazade, do Prncipe Adil e Nasrudim, passeando pelo mundo do
faz de conta.
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Senti muita vontade em utilizar esta tcnica na minha rea profissional, mas
ainda no consegui. Aprendi a lidar com o improviso e foi muito interessante. A
exposio em pblico no foi to fcil, mas foi bem divertido.
O poder do gesto e da palavra aguou minha vontade em conhecer sobre
histrias, contos, aprender a trabalhar com elas como ferramenta de trabalho.
Foto 5 O poder do gesto e da palavra
Descobertas...
O Barro criativo causou uma sensao estranha, um vazio, parecia que faltava
alguma coisa. E a relacionei com o pouco tempo definido para o mdulo, porm
hoje estou vendo o quanto o barro mexe com nossas emoes e sentimentos.
Talvez naquele momento eu no estivesse preparada para perceber o que vi
hoje. Ser por isso tanto incmodo?
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Desde o incio, tracei meu caminho (um dos trabalhos com argila) e disse que era
para o interior e que era frgil. E ele realmente quebrou depois de pronto. Por
que ser que fiquei to incomodada com isso? Ser que este caminho no
deveria ter sido com mais estrutura para evitar que quebrasse? Quem o
responsvel por isso? Estas so as perguntas que fao revendo estes
trabalhos...
O Barro criativo permite sentir o toque na argila. Senti-la em contato com o corpo,
percebendo sua textura e temperatura. Outra coisa que percebi me incomodar foi
a falta de controle. Voc no consegue dar exatamente a forma que deseja, pois
ela no fica perfeita. E eu a queria perfeita!
Tivemos uma atividade que era criar nosso mundo e depois destru-lo.
Desmanchar meu mundo foi terrvel! Ele estava em minhas mos, eu estava com
poder e de repente, tudo mudou. Isto sinnimo da dinmica da vida!
Nem tudo sempre confortvel! S fiquei realmente animada quando fiz algo que
queria e no destru. Em meus trabalhos demonstro ser mais fechada, retrada,
porm fao uma escada de acesso, para quem quiser entrar. Ser que mais
fcil?
Por que eu que no saio? Quem quiser que entre? Assim a troca fica difcil... O
caminho quebrado! Sempre tem algum mediador antes de chegar perto...
Quantas descobertas!
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Foto 6 O barro criativo
Estrutura Corporal...
Os nossos mais refinados pensamentos e as nossas melhores aes, as nossas maiores
alegrias e as nossas mais profundas mgoas usam o corpo como instrumento de aferio.
Antonio R. Damsio (apud Arcuri, 2004)
Fantstico! Meu encontro com o meu corpo foi fantstico! Oficina do Corpo
permitiu uma experincia incrvel! A de esculpir meu prprio corpo!
Fizemos duas esculturas. Uma na 1 aula e outra na ltima, depois de todos os
trabalhos corporais. E a diferena entre uma e outra foi absurdamente incrvel!
Gostei muito!
O corpo para mim sempre foi um tabu. Na verdade, nunca tive vontade de ter
muito contato com ele, porm meu sonho era ser bailarina. Sempre tive vontade,
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mas vergonha de danar. E isto comeou em agosto de 2002. Meu sonho estava
se tornando realidade. Aos poucos, alm do bal, fui fazer dana do ventre.
Quando cheguei a este mdulo, estava trabalhando meu corpo por meio da arte.
E este, acredito ter sido o ponto fundamental para a conscincia disso.
A 1 escultura era fragmentada, infantil e seu corao (separado do corpo)
estava no estmago. A 2 j se ergueu. Estava sentada com uma postura de
bailarina e seu corpo inteiro tinha uma continuidade, porm no centro de seu
corpo, onde seria o corao, havia um buraco.
Esta escultura era mais firme, segura, madura. A Oficina do Corpo ensinou-me
que o envolvimento com nosso corpo fundamental para qualquer trabalho.
Sentir os ps no cho, respirar, sentir o movimento do seu corpo, centrar-se para
depois trocar com o outro. Foi muito bom!
Foto 7 Oficina do corpo
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Contato...
Oficinas Criativas foi um marco da minha transformao. At ento, eu estava
percebendo levemente meu desenvolvimento, algumas transformaes, mas sem
me soltar ou me envolver com o grupo.
E em um dos trabalhos, um dia que eu estava explodindo, chorei e permiti
demonstrar minha fraqueza. Foi muito difcil, mas depois me senti aliviada, pois o
grupo me acolheu e a partir da quebrei uma barreira entre eu e o grupo.
Foi a primeira vez tambm que fiz uma mandala sabendo que era mandala. Ela
ficou linda! Com muita energia e brilho se expandindo. Oficinas Criativas foi um
mdulo com base junguiana, no qual estudamos as tipologias de Jung e os
arqutipos. Materializamos estes conceitos dando-lhes uma forma. Foi um
trabalho em grupo bem interessante e diferente.
Outro trabalho importante foi a construo da rvore. Faltei neste dia, mas senti
necessidade de faz-lo agora antes de continuar minhas reflexes. Olhando para
a rvore que acabei de fazer, gostei muito dela. Rabisquei. Meus traos no
foram delicados e sim agressivos. Na verdade, expressivos e expansivos. Fiz
rpido e pensei em desenhar uma rvore da qual eu sempre gostei com um
tronco forte e muitos frutos. A copa grande e verde. Um desenho vivo, muito
colorido. Usei lpis aquarelvel que deu um toque especial de cor e vida.
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Minha rvore forte, esbelta, tem razes firmes no cho. Ela gosta de frutos,
flores e animais. Parece um brao aberto pronta para receber quem quiser se
aproximar. Interessante, mas racionalmente entendi seu significado.
Foto 8 Oficinas Criativas
Conhecimento...
Terapias Expressivas, diferente dos outros, fez-me pensar teoricamente.
Instigou minha vontade de estudar filosofia, mitologia grega, psicodrama e
conhecer, ler mais sobre artes e psicologias.
Foi muito bom e importante porque a teoria base para todo o trabalho,
principalmente da monografia.
Este mdulo fez-me refletir muito sobre tudo o que sei, relembrando e
repensando o que no sei e ainda vou aprender.
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Como o prprio professor disse, uma sopa de letrinhas. Foi interessante este
percurso, pois j estvamos acostumadas com aulas prticas, vivncias e, de
repente, tivemos uma aula inteira, ou melhor, um mdulo inteiro totalmente
terico.
No primeiro momento foi desconfortvel e um pouco assustador, pois era muita
informao, mas depois enxerguei a necessidade e importncia deste mdulo.
O livro do professor Terapias Expressivas, Arte educao e Arteterapia
(Andrade, 2000), decorre mostrando as diferenas conceituais e o histrico de
cada uma no Brasil e no mundo. Um pouco difcil de ler no comeo, mas
fundamental para a formao como arteterapeuta.
Posturas e possibilidades...
Passados dois anos e relembrando minhas experincias profissionais e do
estgio, Contribuies da Arteterapia para Instituies fez-me enxergar a
importncia da presena de um arteterapeuta dentro de uma instituio.
As escolas so carentes de pessoas que tenham um olhar diferente. Se ela tiver
uma abertura para um trabalho de Arteterapia com certeza todos se beneficiaro.
J na empresa, vejo por experincia prpria que aos poucos esto se abrindo
para possibilidades antes vistas como impossveis. Na empresa em que trabalho,
fui solicitada para fazer um trabalho de Arteterapia com mandalas.
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Com as solicitaes e projetos desenvolvidos na Sadia, mesmo que em trabalhos
especficos e no prolongados, pode-se comprovar que as empresas esto
abrindo suas portas aos arteterapeutas.
Em hospitais este expediente fundamental, pois os pacientes esto em um
ambiente de crenas e muitas vezes de morte, em que no conseguem enxergar
nem o que eles mesmos tm de bom. E o arteterapeuta pode fazer este resgate.
Foi muito bom rever este mdulo e relembrar o aprendizado, o poder dos
mantras, da dana, da msica, do olhar, da percepo do arteterapeuta com a
pessoa ou grupo com que ir trabalhar.
Em qualquer destas instituies, o arteterapeuta deve estar atento a sua postura
diante da problemtica e estar aberto a ouvir o que a instituio tem a lhe dizer,
pois assim ter credibilidade e maior facilidade para desenvolver seu trabalho.
Foto 9 Contribuies da Arteterapia para Instituio
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Encontro Duplo...
So necessrios dois para se conhecer a unidade.
Gregory Bateson (apud Nachmanovicht, 1993)
Mtodos e Tcnicas em Arteterapia transitaram entre a teoria e as vivncias
em Arteterapia. O processo comeou a nortear como deveria ser feito o projeto
de estgio e nos fez refletir com quem gostaramos de trabalhar. Ele possibilitou
delimitar tanto com quem formaria dupla, quanto quem seria o pblico alvo de
meu trabalho.
Fiz descobertas interessantes e muito reflexivas. Existe um embasamento terico
para Arteterapia que permeia o ETC, teoria junguiana, Piaget, Goswani...
Tambm entramos em contato com a teoria das oficinas criativas e do ateli
teraputico.
Passamos a pensar e perceber o impacto dos materiais, ou melhor, estudar seus
efeitos relacionados ao ETC.
Alm disso, percebi dois momentos fundamentais neste mdulo. O primeiro foi o
encontro com quem eu desenvolveria o projeto. Fizemos separadamente um
desenho e definimos o pblico com o qual gostaramos de trabalhar e nos
encontramos pela semelhana do desenho e do pblico alvo. Foi assim meu
encontro com a Renata Manho.
Acredito, neste momento, poder dividir o curso em dois momentos: um individual
voltado para o meu interior e outro com ela, no qual passamos por vrios
momentos juntas, nos acolhemos, trocamos experincias, enfim um momento de
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muito crescimento em dupla. A Renata no era uma pessoa com quem eu
achava que teria tanta afinidade como temos hoje.
Havamos feito alguns trabalhos juntas, porm a achava muito diferente de mim.
E ela mesmo, porm percebemos que a relao de pessoas diferentes fica
mais rica, pois aprendemos mais uma com a outra. Foi o incio de uma grande
amizade e parceria de trabalho.
Mesmo depois do estgio, continuaremos o trabalho com as crianas e
trabalharemos juntas em consultrio com oficinas de Arteterapia.
O segundo momento foi o trabalho dos cinco desenhos, de Valter Trinca.
Revendo meus desenhos, relendo seus escritos e relacionando com o significado
de cada um, novamente uma surpresa. Percebi algumas semelhanas de
descobertas atuais, porm relembrando os momentos, percebo que aos poucos
fui me abrindo para as possibilidades e medida que voc se abre, elas
aparecem mais. um ciclo vicioso. Percebi um momento de auge e depois uma
queda. E isto tambm cclico. sinal de crescimento, aprendizagem e auto-
conhecimento. Acredito ter sido o momento de descobrir minhas potencialidades
internas.
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Foto 10 Mtodos e Tcnicas em Arteterapia
Percepo...
Pintura e Comunicao Visual permitiu vivenciarmos os cinco sentidos e os
nveis do ETC. Alis, correlacionando os dois.
Foram divertidas e interessantes estas descobertas. Na poca eu no havia
entendido muito o sentido deste mdulo, pois um dos professores falou em
relao histria da arte, a respeito de alguns artistas e o trabalho final foi sobre
uma obra de arte, porm agora, relendo meu material e olhando meus trabalhos,
percebo a importncia deste mdulo! impressionante como entendemos
algumas coisas depois que elas acontecem!
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O resgate, no final, feito por outra professora, foi muito importante para este
insight. Alis, percebi-me fazendo isto agora em minha monografia.
Ela pediu para olharmos os trabalhos e falarmos das sensaes, pois quando
olhamos e elaboramos, tornamos consciente algo que era inconsciente,
passamos do nvel simblico para o cognitivo. E no momento em que fizemos o
trabalho era o nvel cinestsico. Resumidamente:
1) Fazer nvel cinestsico
2) Olhar nvel perceptivo
3) Olhar para o que voc fez nvel perceptual
4) Criativo permeia todos
Acredito estar no momento do nvel criativo, pois muitos insights esto
acontecendo neste processo! Gostei muito dos trabalhos que fiz neste mdulo.
Experimentei materiais diferentes com os quais eu no havia trabalhado como,
por exemplo, a gelatina. E adorei! Fiz uma flor ao centro e um sol radiando ao
seu redor. Trabalhei com guache, glter e gelatina.
Um outro trabalho de que gostei muito tambm foi com guache mais seco. Fiz um
redemoinho, uma mandala com movimento para o interior.
Repensando as ltimas perguntas do mdulo:
- onde estou no desenho?
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- onde gostaria de estar?
- onde no gostaria de estar?
Na flor, estou nos raios do sol, irradiando luz, energia. Gostaria de estar
caminhando entre os raios e a flor, na parte uva do desenho. No gostaria de
estar fora do desenho.
Na mandala, estou bem no centro azul. Gostaria de estar correndo por toda
mandala. No gostaria de estar fora dela.
Percebo um predomnio de formas arredondadas em meus trabalhos, lembrando
bastante as mandalas. interessante rever estes trabalhos e perceber formas e
cores predominantes.
Foto 11 Pintura e Comunicao Visual
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Construo...
Na Construo do lbum pessoal, a proposta era fazer exatamente o que
estou fazendo agora. Alis, estava com dificuldade em comear minha
monografia e resolvi resgatar meu lbum pessoal para facilitar minha construo.
Quando fizemos este mdulo, comecei a construo do meu lbum, mas no
consegui termin-lo at agora. Sentia que faltava alguma coisa, mas no sabia o
que era e acredito ter descoberto neste momento. Precisava terminar tudo para
poder rever. Acho que eu no estava preparada para todos estes insights. Meu
lbum estava comeando, mas eu no via conexes com nada. Agora sim, tudo
faz sentido.
Foi importante neste mdulo descobrir meu caminho, entender que em qualquer
situao o importante ser eu mesma e perceber meu processo de
transformao.
Relembrar meu jardim criativo e conhecer outras potencialidades que possuo,
tambm foi importante.
Agora, que cheguei ao final deste processo, meu lbum pessoal est pronto, pois
foi construdo passo a passo e fez parte desta monografia.
Um ponto significativo que em meu jardim h uma rvore muito parecida com a
que desenhei no mdulo de oficinas criativas, com a diferena de que a atual
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parece estar mais firme, forte, enraizada na terra e mais presente. Muito
interessante a sutil diferena, porm muito significativa neste momento.
Foto 12 Construo do lbum pessoal
Caminhos...
Durante a Superviso, trilhamos os caminhos do guerreiro, curador, visionrio e
mestre, porm acho que no me envolvi no me percebi neste processo. Li o
livro O caminho Qudruplo (Arrien, 1997), que fala sobre esta teoria e gostei
muito, mas estou sentindo necessidade de vivenciar novamente estas quatro
etapas.
No desenho de meu guerreiro, novamente fiz meu jardim, mas a rvore estava
enfraquecida e o animal que encontrei foi um bambi. O trabalho com velas no
identifiquei com o visionrio. O trabalho do mestre foi o que gostei mais. Fiz dois
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trabalhos (tcnica da cola colorida de grudar os trabalhos e ter impresso).
Percebi algo como parceria, doao, porm o primeiro trabalho ficou danificado.
Este foi o momento do incio do estgio. Depois terei um captulo s para falar
dele, mas quero ressaltar neste mdulo a importncia de trocar experincias com
outras duplas, experimentar o material, passar pelo processo antes de oferec-lo
a algum e a importncia de vivenciar o ser criana para com elas trabalhar.
Foto 13 Superviso
Ao final deste mdulo, fizemos uma meditao com o baralhinho das crianas,
um jogo de cartas e tiramos uma mandala, tambm para meditao, de um jogo
de mandalas.
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Baralhinho das crianas
Carta do Trabalho
quando dividimos com as outras pessoas uma coisa que o Universo dividiu
conosco. Quando se tem coragem para fazer isso, o trabalho fica agradvel e
trabalhamos com mais alegria.
Expresse em seu trabalho os dons que voc recebeu.
Mandala da Sorte
Esta mandala, como uma colorida e luminosa roda da vida, emana energia de
expresso, crescimento e renovao. Aprendo que ter sorte estar em sintonia
com a dana csmica da vida...
... acreditar na vida, no amor e na luz.
.. acreditar que:
preciso vontade para mudar,
preciso coragem para seguir em frente,
preciso confiana para viver o fluxo da vida,
preciso amor para se libertar,
preciso acreditar que a sorte existe e est ao meu alcance.
Conhecimento
Desenvolvimento Humano foi um mdulo bastante terico para falar a respeito
do desenvolvimento humano.
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Iniciou apresentando o desenvolvimento da criana por meio das teorias de
Winnicott. Depois passou pelo desenvolvimento da adolescente, vida adulta, at
chegar na 3 idade. Foi um mdulo para refletir e entender teoricamente o
processo de desenvolvimento.
Fizemos alguns trabalhos sobre cada fase e o que mais me marcou foi o da 3
idade porque lembrei da minha av.
Iniciei este trabalho com a fase acima, pois no importa em que fase da vida
estiver, deve lembrar que a criao s vem quando somos ns mesmos.
Criamos sempre que podemos ser o que somos...
Foto 14 Desenvolvimento Humano
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Desafio...
Metodologia Cientfica nos deu orientaes de como fazer a monografia. Foi
muito importante.
Desde o incio eu queria fazer a monografia relacionada ao estgio, pois eu
achava mais fcil e muito mais interessante.
Pretendia discorrer sobre o estgio na monografia, porm mudei o foco. O
estgio era o tema principal e agora passou a fazer parte do todo. Concluirei este
trabalho descrevendo como foi a construo desta monografia, pois foi de
fundamental importncia este processo.
Deste mdulo, fica um desafio: libertar-se para agir como um autor e no como
um aluno.
Olhar...
Desvelando a persona foi um mdulo totalmente vivencial e com tcnicas por
mim desconhecidas. Trabalhamos muito com velas de vrias formas: trabalhos
com vela no papel, pingando velas na gua formando um amuleto colorido e com
a parafina fervendo.
Experimentei pintar meus trabalhos com giz derretido na velas e com o p
xadrez. Foi interessante e divertido, porm percebi que no tenho muita
habilidade para trabalhar com velas. Queimei as mos vrias vezes.
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O trabalho mais interessante e de que eu gostei e me envolvi, foi fazer a
mscara. Ao terminar, no achei que ela parecia comigo. Custou-me a
adaptao, pois ela estava sria. Olhando para a mscara, pintei-a de laranja,
mas ela ficou com uma parte escura, que por sinal toda a regio da testa e dos
olhos, exatamente onde sinto dores de cabea.
Acabei de coloc-la novamente em meu rosto, olhei no espelho, na luz, e a vi
brilhando, mesmo a parte escura onde apliquei o gliter... e eu a vi sorrindo.
tudo uma questo de como voc olha para ela. Foi muito interessante!
Foto 15 Desvelando a Persona - Mscara Foto 16 Desvelando a Persona - Parafina
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Fotos 17 e 18 Desvelando a Persona - Pintando a parafina
Magia...
Som e silncio foi um mdulo fantstico! Mgico! Como a msica .
Iniciamos o mdulo formando uma roda, a professora tocando uma msica ao
piano e todas ns danando no ritmo da msica. Foi muito divertido. Ela nos deu
uma explicao sobre ritmos, compasso e alguns elementos musicais.
Depois trabalhamos a diferena dos elementos fazendo um trabalho com msica
e bolinhas, em grupo. Duas pessoas marcavam o ritmo e duas pessoas
marcavam o compasso. Em seguida, fomos para os instrumentos musicais.
Exploramos tudo o que podamos. Parecamos crianas explorando os
instrumentos. Neste exerccio, um grupo ficava com os instrumentos, enquanto
outro grupo danava, explorando o espao da sala conforme o ritmo dado. Foi
muito divertido! Sentimos a msica no corpo.
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Fizemos tambm um exerccio de fechar os olhos enquanto a professora
colocava uma msica. Ela colocou trs tipos diferentes e ns tnhamos de
perceber que sensao nos causava cada msica. A msica de que mais gostei
foi uma composio clssica, de Vivaldi.
Outro exerccio foi representar em silncio uma situao, tambm em grupo.
Neste momento, voltamos a ser crianas e montamos uma cabana de ndio feita
de canga e com bichos de pelcia que eram nossos refns. Depois tnhamos que
montar isso com sucata. Este foi um trabalho de fechamento muito bom!
Conseguimos reproduzir nossa cabana com argila e a fogueira com fsforo de
verdade!
Enfim, este mdulo fez com que me sentisse empolgada a estudar mais
profundamente a msica e enxerg-la de forma diferente na Arteterapia. Sa com
uma sensao boa de leveza e liberdade da minha criana interior.
A msica contagia e tem o poder de alterar nosso estado emocional e a nossa
energia. Eu j conhecia esta importncia, porm, pude experiment-la na
arteterapia.
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Foto 19 Som e silncio
Insight...
Personagens e Histria de vida proporcionou muitas descobertas e funcionou
como um espelho para mim. Nas duas atividades mais importantes, eu faltei e
tive que fazer tanto o boneco, quanto a caixa fora da sala de aula. E mesmo
assim, me envolvi profundamente nos dois processos.
A construo da boneca foi em Vitria, pois eu fui participar do 6 Congresso de
Arteterapia. Meu processo de sensibilizao foi em uma loja do shopping, local
onde vi vrias bonecas e estimulei minha criatividade para pensar como seria a
minha boneca. Depois, fui outra loja comprar os acessrios para constru-la. O
que mais gostei foi construir seus cabelos longos e suas tranas, por sinal seu
cabelo ficou muito parecido com o meu quando eu era pequena. E o que menos
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gostei foi de sua cor, porque ela ficou mulata e eu sou branca, porm tenho
razes indgenas.
No primeiro momento, eu a enxerguei como uma criana, porm depois percebi
que ela j era uma adolescente. Foi muito importante a construo desta boneca
para mim. Vejo-me nela em vrias situaes. Ela mostra o meu lado mais
feminino e um pouco infantil.
Com a construo da caixa aconteceu o mesmo. Eu faltei aula e a constru em
casa. Trouxe para o concreto meu jardim interno. O mesmo do meu pensamento
e do trabalho no mdulo do lbum pessoal. Vivenciei este processo como se eu
estivesse dentro da caixa. Este mdulo mexeu muito comigo, pois me fez pensar
em algumas facetas que no eram conscientes.
Foto 20 Personagens e Histria de Vida - Bonecas construdas em grupo
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Foto 21 Personagens e Histria de Vida - Minha boneca
Foto 22 Personagens e Histria de Vida
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Identidade, transformao...
Orientao Vocacional, profissional e Ocupacional foi um mdulo para fechar
o curso! Fez-me repensar toda a minha vida profissional! Causou uma
turbulncia!
Eu estava incomodada, sem saber o que fazer e o que resolver da minha vida
profissional. Por meio dos trabalhos deste mdulo, auto-retrato, linha do tempo,
resgate da minha infncia, adolescncia e idade adulta, eu sabia que como
estava no poderia continuar. Havia uma pedra no meu sapato.
Refleti que tinha de trabalhar com algo que me desse prazer, que integrasse o
CHA (conhecimento, habilidade e atitude competncias) pensar, sentir, fazer
e para identificar isso, fiz uma retrospectiva em toda a minha vida. Foi
impressionante!
Descobri que a arte sempre fez parte da minha vida e com ela eu tenho de
trabalhar.
Resolvi atender em consultrio e trabalhar com grupos por meio de oficinas e
depois iniciar um trabalho individual. Organizei-me para isso, quando de repente
aconteceu uma catstrofe em meu trabalho. Por um momento, todos os meus
sonhos foram por gua abaixo. Parece que o que eu queria fazer, mas no tive
coragem, fizeram por mim.
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Analisando agora, o que aconteceu por incrvel que parea, esta afirmao
certa: O universo conspira a seu favor. Eu j havia decidido que no queria
continuar na rea em que eu estava, mas conscientemente no tomei uma
atitude, porm inconscientemente sim. Atualmente estou me dedicando para
integrar o CHA e ter um trabalho mais prazeroso e saudvel.
Percebi que posso trabalhar com arte mesmo dentro da empresa e o que vou
fazer integrar. Tenho vrios conhecimentos, s falta integr-los minha vida.
Alguns pontos importantes que devem ser ressaltados deste mdulo:
1) Ouvir mais minha intuio, as pessoas e meu corao
2) Dar e receber
3) Transcender nos colocar a servio do outro
4) O que procuro est dentro de mim e no fora
5) A arte ampliou minha viso, dobrou as possibilidades
6) Descobri minha identidade:
a. Identidade Profissional pianista, bailarina, psicloga e arteterapeuta,
enxergo o mundo desta forma.
b. Identidade Ocupacional sou analista, trabalho em empresa, trazendo
a arte para o meu dia a dia.
c. Identidade Vocacional meu papel no analisar pessoas, mas
auxili-las em suas descobertas!
7) Liberar a criana que existe dentro de ns
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8) Aluno sem luz/ Professor portador da luz. Estive em conflito o tempo todo
entre o papel de aluna e o de professora. Agora acho que me encontrei.
Nem acredito que acabei de descobrir minha identidade!
Foto 23 Orientao Profissional, Vocacional e Ocupacional
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3.2 Aprendendo com as crianas...
As descobertas das crianas atravs da arte vivncia do estgio
A mente criativa brinca com os objetos que ama. O pintor brinca com a cor e
o espao. O msico brinca com o som e o silncio. Eros brinca com os
amantes. Os deuses brincam com o universo. As crianas brincam com
qualquer coisa em que possam pr as mos.
Nachmanovith(1993)
Uma parte deste curso de ps-graduao em Arteterapia era o estgio
supervisionado. No incio, fiquei um pouco preocupada como faria este estgio,
pois trabalho o dia todo e no teria disponibilidade para sair mais cedo. Ele seria
realizado em dupla e ento encontrei mais um problema, pois precisava que
minha companheira de aceitasse minha disponibilidade.
Em um dos mdulos, tivemos a definio da dupla, conforme preferncia de
pblico a ser atendido. Eu resolvi trabalhar com crianas, pois no optei por isso
durante a faculdade e pensei que seria interessante aproveitar este estgio.
Eu havia me programado para sair um dia mais cedo do trabalho e resolvemos
procurar a instituio. Houve uma mudana de planos, pois eu tive que viajar
durante trs meses a trabalho e no teria como fazer o estgio durante a semana
e fiz uma proposta a minha colega: que trabalhssemos aos sbados. Corria um
risco de ela no aceitar e eu ter que realizar o estgio sozinha, mas no tinha
opo. Ela aceitou, disse que no teria problemas e que faria o estgio comigo.
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Na verdade, criamos um vnculo antes do estgio, pois resolvemos montar um
grupo de estudo e ele ocorria aos sbados. Aos sbados, nos reunamos para
estudar algum tema dos mdulos propostos e quando resolvemos que faramos o
estgio juntas e com crianas, comeamos a estudar sobre o desenvolvimento
infantil de crianas de 4 a 6 anos.
Nossa idia era trabalhar em escolas, no projeto escola famlia da prefeitura,
porm estvamos preocupadas como seria fazer o estgio aos sbados. No
encontramos nenhuma escola e uma pessoa nos sugeriu um abrigo perto do
local onde trabalho.
Entramos em contato com a instituio e fomos apresentar nosso projeto de
estgio. O nome da instituio Abrigo Casa da Criana Nossa Senhora
Auxiliadora. uma instituio que abriga 20 crianas de 0 a 18 anos. Crianas
que vieram da vara da Infncia por terem sofrido maus tratos, abuso ou algum
tipo de agresso. Estas crianas permanecem no abrigo, recebendo todos os
cuidados necessrios (escola, mdico, dentista, terapia...) at que o juiz as libere
para reintegrao na prpria famlia, caso a mesma tenha condies de receb-
las de volta, ou as encaminha para adoo. A instituio uma ONG mantida por
uma igreja e pela prefeitura. Nosso pblico alvo nesta instituio foram crianas
de 4 a 6 anos, que sofreram maus tratos.
O grupo com o qual iniciamos o trabalho em maro de 2004 foi composto por 6
crianas de 4 a 6 anos, sendo 3 meninas e 3 meninos. Destes, havia duas
meninas irms, um casal de irmos e dois meninos irmos. No final de maio, o
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casal de irmos foi adotado e passamos a trabalhar com quatro crianas. Em
seguida, entrou um menino com 6 anos que acabara de chegar ao abrigo. At
setembro trabalhamos com cinco crianas. Em meados de setembro, chegou
mais um casal de irmos, uma menina de 4 anos e um menino que at ento no
sabamos a idade. Este foi o grupo constitudo para trabalharmos e foi
caracterizado por crianas que foram destitudas da famlia, desde 1 ms de
idade, portadoras do vrus HIV, que viviam nas ruas, pedindo esmola e roubando,
sofreram agresses fsicas, com pais presos e alcolatras.
No primeiro encontro com a assistente social, momento em que ela nos
apresentou o abrigo e as crianas, ela comentou que havia crianas com HIV. No
incio foi um choque, pois no sabamos como lidar com esta situao. Ficamos
um pouco preocupadas e comeamos a ler a respeito da doena. Nos primeiros
contatos com as crianas, ficvamos um pouco apreensivas.
Aos poucos, nos envolvemos com as crianas, ao ponto de no lembrarmos da
doena e cuidarmos de sua higiene tambm, por exemplo, no inverno, elas
estavam com o nariz escorrendo e ns a ajudvamos a limp-lo.
Este estgio foi um marco da minha mudana como pessoa. Conhecer a
realidade daquelas crianas e saber que poderamos ajud-las. Notando a
alegria delas quando chegvamos, fez-me repensar e valorizar outras coisas na
minha vida.
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O estgio passou a ser um trabalho voluntrio que fazamos com prazer e no
por obrigao.
A cada encontro com aquelas crianas, uma surpresa. A maneira como se
encantavam com os materiais de arte, como se envolviam nas atividades e como
demonstravam carinho.
No decorrer de todo o estgio, passamos por muitas mudanas, chegamos at a
no ter sala no prprio abrigo, mas nada disso nos fez desistir de trabalhar com
elas. Coincidentemente, eles nos ofereceram para trabalharmos na escola que
havia l perto e onde nos finais de semana funcionava o projeto escola famlia.
Conhecemos a escola e o professor que nos atendeu e apreciou o nosso projeto,
inclusive pediu para atendermos outras crianas alm das do abrigo.
Foi muito interessante o desenvolvimento deste estgio, pois embora fssemos
diferentes, as terapeutas, nos complementamos para atender as crianas. Minha
colega j trabalha com criana, trabalhou em escola e tem experincia, j eu, s
tenho a experincia dos meus priminhos, mas nunca havia trabalhado com
crianas nesta faixa etria. Houve momentos em que eu no sabia o que fazer,
precisvamos ser um pouco mais enrgicas com elas e minha colega sabia como
agir, assim como em outros momentos eu no estava mais preocupada com a
minha falta de experincia e tambm sabia como agir.
Estvamos abertas e dispostas a nos envolver naquele trabalho; isto facilitou
lidarmos tranqilamente com todas as dificuldades que encontramos, pois no as
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enxergamos como impedimentos. Sentimos necessidade de criar um ambiente
acolhedor, um setting teraputico, ou seja, um espao para aquelas crianas, que
fosse delas, como uma identidade do trabalho com aquele grupo e resolvemos
montar um tapete colorido com folha de EVA. Foi uma idia fantstica! As
crianas adoraram e se identificaram com aquele tapete, que passou a ter grande
importncia para o nosso trabalho. Para todo lugar ele era levado. Alm do
tapete, montamos uma caixa com kit arte, com todos os materiais com os quais
trabalhvamos. Tambm achamos importante colocarmos um aromatizador;
escolhamos a essncia, conforme a sensibilidade das crianas. Elas tambm
gostaram da essncia e sempre pediam para ver a velhinha acesa e sentirem o
cheirinho gostoso. Outra percepo importante foi a de nos prepararmos para
receb-los, centrando-nos um pouco antes delas chegarem. E o que no poderia
deixar de faltar neste ambiente, era o aparelho de som, embora muitas vezes ele
no funcionasse.
A partir daquele momento, construmos um novo local de trabalho. Na verdade,
este setting teraputico era transportado para onde realizvamos as atividades. E
foram vrios os locais, no tnhamos um lugar fixo. Ora estvamos no abrigo, ora
estvamos na escola. Estivemos no parque Ibirapuera e numa festa de rua, na
qual fizemos uma atividade ao ar livre.
Com o tempo, o vnculo era fortalecido e as atividades mais dirigidas conforme a
necessidade de cada criana. Ns transitamos entre observar, fotografar as
atividades e participar junto com elas. Havia uma necessidade grande de
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interao, tanto que algumas crianas s queriam participar da atividade se uma
de ns estivesse junto.
Nosso estgio durou 8 meses e foram todos bastante intensos. Desde o incio, eu
e minha colega nos reunamos depois do estgio para experimentarmos algumas
atividades que gostaramos de propor para a semana seguinte. Estudvamos o
que estava acontecendo no grupo e observvamos a evoluo dos trabalhos das
crianas. Verificamos a grande importncia de experimentarmos os materiais
para perceber como as crianas trabalhariam com eles. Embora as crianas
sejam imprevisveis, tnhamos uma noo dos efeitos do material sobre elas,
assim poderamos incrementar ou no.
A metodologia utilizada neste projeto, baseada no ETC (Continuum de Terapias
Expressivas), foi por intermdio de Atividades ldicas e Oficinas de Artes.
1) Atividades ldicas jogos e brincadeiras que resgataram o verdadeiro sentido
do brincar.
2) Oficinas de Artes atividades dirigidas com recursos artsticos e materiais
expressivos que proporcionaram o seu desenvolvimento
Dentre as atividades propostas, algumas tiveram destaque:
-Atividades ldicas: Bexigas, Bolinhas de sabo, Danar Vamo pul , Bambol
-Oficinas de Arte: Cola colorida, Massinha colorida, Pintura com iogurte, argila e
areia colorida.
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Estas atividades por vezes foram repetidas, pois as crianas se encantaram e
queriam repeti-las. Elas nunca haviam brincado com bolinhas de sabo e nos ver
pulando junto com elas e nos divertindo, achavam o mximo. Alis, o tempo todo,
elas perguntavam se o que estvamos propondo para elas, ns tambm
fazamos em casa, como por exemplo, guardar e lavar o material.
Durante o perodo de estgio, estudamos o ETC (Continuum de Terapias
Expressivas) para observarmos na prtica os efeitos dos materiais. No incio, o
grupo se manifestava e interagia com o meio ambiente por intermdio do nvel
cinestsico / sensorial (K-S) do ETC, pois expressavam a formao e o
processamento de imagens por meio da ao e do movimento. Neste nvel
trabalhamos o contato direto com materiais. Segundo Kramer (1971, p. 20), na
explorao dos materiais com crianas pequenas importante manusear
fisicamente objetos e materiais para internalizar imagens.
Propiciamos s crianas experimentarem e vivenciarem o nvel na fase em que
estavam, onde o nvel perceptual hptico* (est ligado ao sentir/ contato do
indivduo com o material via tato) captava informaes do meio pelo corpo, tato,
toque e presso e as sensaes experimentadas por meio deste nvel e no
apresentavam envolvimento com seu afetivo.
Com o decorrer do trabalho foi possvel observar uma evoluo nos meios
expressivos, onde passaram a ter uma preocupao com a esttica do trabalho.
Um exemplo disso era quando as crianas no gostavam do desenho feito,
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viravam a folha e faziam outro. No incio, as crianas tinham apenas a
preocupao em sentir, experimentar. A esttica no importava.
O trabalho pde mostrar que o potencial de ao do material liberava energia
psquica e que no comeo no era possvel diferenciar o individuo do material.
Envolviam-se tanto que a experincia e eles eram um s, como exemplo as
crianas pintavam o corpo quando usavam tinta. Aos poucos comearam a ter
certa distncia reflexiva. Isto ficou em evidncia na atividade do contorno do seu
corpo quando ao contornarem seu prprio corpo, passaram a dar uma forma. Foi
possvel notar que a quantidade do material disponvel possibilitava amplitude da
experincia.
Cada material tem seu potencial que pode possibilitar experincias diferentes
para as crianas, cabe ao terapeuta, perceber estas potencialidades e explor-
las ao mximo. Percebemos isto com a pintura a dedo, quando levamos a tinta
creme. Algumas crianas sentiram necessidade de ter contato direto com o
material, sem o uso do pincel, como mediador que um limite para diferenciar a
experincia. Assim como outras, sentiam necessidade de ter um mediador para
num passo seguinte liberar a energia. A quantidade e a forma do material
tambm so determinantes e podem ser mediadas ou no, o terapeuta deve
estar atento a isso.
Tivemos uma seqncia de trabalhos que foi de grande importncia para
elaborao interna das crianas, cada uma em seu tempo: experimentar tinta
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creme, guache, areia colorida, desenho da pessoa, argila motor (socar).
importante respeitarmos o ritmo de cada criana, onde ela prpria organiza o
estmulo em seqncias repetidas no tempo e no espao. onde ela cria sua
ao coordenada. Este ritmo se torna uma experincia curadora, medida que a
energia psquica presente estruturada e expressa pelo corpo. A integrao do
sensrio ocorre por meio dos ritmos que se estabelecem e permitem o
aparecimento de gestalts.
Em alguns trabalhos finais, as crianas comearam a ver formas, pois utilizamos
materiais facilitadores, como por exemplo, sucata, massinha, areia colorida e
argila, j demonstrando um passo para o nvel perceptual. Por interveno do
ritmo, descoberta de formas, percepo, resposta afetiva estimulao sensria,
percebemos um curativo teraputico.
Ao final do trabalho, foi ntido o crescimento do grupo, como grupo e o
crescimento individual de cada criana. Fizemos uma releitura de como cada
uma chegou e como estavam quando finalizamos o trabalho e o comportamento
foi muito diferente. Cada uma no seu tempo, experienciou atividades que lhe
proporcionaram reviver algumas etapas de sua vida, muitas vezes passadas
despercebidas.
Percebemos este crescimento individual por meio de desenhos mais
estruturados, cada um encontrando e estabelecendo seu espao, construo de
formas, necessidade de experimentar materiais. E o desenvolvimento do grupo
apareceu na melhora na relao intra e interpessoal propiciando uma estrutura
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bsica para o seu desenvolvimento cognitivo, sensrio-motor, percepto-afetivo e
criativo, melhora na auto-estima das crianas, maior equilbrio de forma centrada,
pois aprenderam a dividir os materiais, os irmos passaram a se defender e
houve maior integrao social das crianas.