ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIAS DE APRENDIZAGEM E...

14
ISSN 2176-1396 ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIAS DE APRENDIZAGEM E SUA MEDIAÇÃO VIA OBJETOS EDUCACIONAIS Nestor Cortez Saavedra Filho 1 - UTFPR Grupo de Trabalho Comunicação e Tecnologia Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) sempre são apontadas como parte da panaceia da Educação neste início de Século. Sua utilização, contudo, vem sendo articulada já há algumas décadas, o que faz por colocar em dúvida a sua eficácia real no processo educacional. Uma análise mais criteriosa é capaz de estabelecer que, apesar de estar em rumo para tornar-se pervasiva, a falta de articulação com a formação de professores nos cursos de Licenciatura, a ausência de diálogos entre agências de fomento, gestores da Educação nas diversas esferas públicas e a realidade escolar, mais próxima dos gestores, alunos e professores, termina por tornar grande parte deste esforço em vão. Em nossa análise, o cerne do problema está no próprio significado de Tecnologia, que frequentemente, nestas iniciativas, é reduzida meramente à Técnica. No tocante à formação do professor, metodologias de utilização das TIC via Objetos Educacionais necessitam estar articuladas com Teorias de Ensino e Aprendizagem, articulações estas raramente vistas nas matrizes curriculares de cursos de Licenciatura. Outro aspecto a ser desmistificado é não ser necessária uma “nova Teoria” que incorpore as TIC: a própria tríade de Gowin já as incorpora, nos materiais educativos, os que a coloca na posição de instrumentos de mediação no compartilhamento de significados. Políticas de disponibilização das TIC para professores e alunos também devem refletir estes aspectos. Diante deste pressuposto, nossa proposta é que os materiais educativos nas quais se incluem as TIC, sejam disponibilizados à comunidade na forma de Recursos Educacionais Abertos, que permitem que o professor torne-se um agente ativo tanto na concepção dos Objetos Educacionais em si, bem como de uma metodologia de ensino e aprendizagem em que a sua inclusão dialogue com realidades e contextos escolares. Palavras-chave: Objetos Educacionais. Recursos Educacionais Abertos. Repositórios de Acesso Aberto. Vídeos Educacionais. Introdução 1 Doutor em Física Universidade de São Paulo. ProfessorAdjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Curitiba. Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica (PPGFCET). E-mail: [email protected].

Transcript of ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIAS DE APRENDIZAGEM E...

ISSN 2176-1396

ARTICULAÇÕES ENTRE TEORIAS DE APRENDIZAGEM E SUA

MEDIAÇÃO VIA OBJETOS EDUCACIONAIS

Nestor Cortez Saavedra Filho1 - UTFPR

Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) sempre são apontadas como parte da

panaceia da Educação neste início de Século. Sua utilização, contudo, vem sendo articulada já

há algumas décadas, o que faz por colocar em dúvida a sua eficácia real no processo

educacional. Uma análise mais criteriosa é capaz de estabelecer que, apesar de estar em rumo

para tornar-se pervasiva, a falta de articulação com a formação de professores nos cursos de

Licenciatura, a ausência de diálogos entre agências de fomento, gestores da Educação nas

diversas esferas públicas e a realidade escolar, mais próxima dos gestores, alunos e

professores, termina por tornar grande parte deste esforço em vão. Em nossa análise, o cerne

do problema está no próprio significado de Tecnologia, que frequentemente, nestas

iniciativas, é reduzida meramente à Técnica. No tocante à formação do professor,

metodologias de utilização das TIC via Objetos Educacionais necessitam estar articuladas

com Teorias de Ensino e Aprendizagem, articulações estas raramente vistas nas matrizes

curriculares de cursos de Licenciatura. Outro aspecto a ser desmistificado é não ser necessária

uma “nova Teoria” que incorpore as TIC: a própria tríade de Gowin já as incorpora, nos

materiais educativos, os que a coloca na posição de instrumentos de mediação no

compartilhamento de significados. Políticas de disponibilização das TIC para professores e

alunos também devem refletir estes aspectos. Diante deste pressuposto, nossa proposta é que

os materiais educativos nas quais se incluem as TIC, sejam disponibilizados à comunidade na

forma de Recursos Educacionais Abertos, que permitem que o professor torne-se um agente

ativo tanto na concepção dos Objetos Educacionais em si, bem como de uma metodologia de

ensino e aprendizagem em que a sua inclusão dialogue com realidades e contextos escolares.

Palavras-chave: Objetos Educacionais. Recursos Educacionais Abertos. Repositórios de

Acesso Aberto. Vídeos Educacionais.

Introdução

1 Doutor em Física – Universidade de São Paulo. ProfessorAdjunto da Universidade Tecnológica Federal do

Paraná (UTFPR), Campus Curitiba. Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Formação Científica,

Educacional e Tecnológica (PPGFCET). E-mail: [email protected].

35944

As tecnologias de informação tem tomado parte do nosso cotidiano de forma

indelével, ao se prestar a tarefas corriqueiras, de modo que soaria estranho e pouco prático,

nos dias atuais, abrirmos mão das mesmas. Há vários novos hábitos que passamos a cultivar

por conta da introdução destas tecnologias, o que leva-nos a refletir sobre o seu papel

transformador na sociedade contemporânea.De fato, as Tecnologias de Informação

sãopervasivas em nossa sociedade, e, ao mesmo tempo que a modifica, revendo relações

sociais (LIMA FILHO; QUELUZ, 2005, p. 20), por ela também é modificada.

Como a Educação é parte indissociável das relações sociais, é natural a aplicação de

tais tecnologias no processo educativo. Contudo, em vários aspectos, a sala de aula em nossos

dias repete aquelas da primeira metade do século passado, antes da revolução digital

proporcionada pela microeletrônica após a Segunda Guerra Mundial (ALMEIDA, 2012).

Não há, de modo geral, uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), por

falta uma mediação dialógica pelos professores, o que termina por produzir a “Educação

Bancária”, à qual Paulo Freire (2005) sempre se referiu.

Iniciativas, na esfera pública, não têm faltado. Na figura 1, nem tão recente, datada do

início de 2012, ainda hoje tem ares mais de sonho do que realidade, no tocante ao seu impacto

na realidade escolar.

Figura 1: Iniciativa do MEC quanto à inclusão digital dos professores da Educação Básica.

Fonte:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17479:ministerio-distribuira-tablets-a-professores-do-ensino-medio&catid=215. Acesso em 13/08/15.

Não se pode negar a falta de empenho financeiro do Ministério da Educação no caso

relatado acima e todos os envolvidos na Escola reconhecem a importância da mediação

proporcionada pelas TIC nos processos de ensino-aprendizagem. Cabe aqui a reflexão: o que

35945

faz que o seu uso não seja amplamente difundido, implantado e que, portanto, não contribua

para mudar, de modo efetivo, a Educação brasileira? Esta pergunta é passível de resposta

desde que outras surjam pelo caminho, como por exemplo:

- Há inserções, na formação inicial ou continuada de professores, da utilização de TIC

em metodologias de ensino e aprendizagem?

- Como e por que atores são concebidos os Objetos Educacionais disponibilizados ao

professor?

- Estes Objetos Educacionais dialogam com a realidade escolar em que se insere o

processo educacional?

Diante destas reflexões tentaremos encontrar respostas tanto para estas questões

pontuais como a principal, que age como provocadora para este trabalho.

Qual o significado da Tecnologia para a Educação?

Uma perspectiva sob a qual se submete as TIC na escola é anterior às mesmas, vem do

próprio conceito de Tecnologia e Técnica. Sombreamentos entre estes dois conceitos distintos

permeiam desde as políticas públicas como as iniciativas docentes, onde frequentemente, são

utilizados como sinônimos. Cabe, então, uma reflexão sobre ambos.

Técnica é o procedimento ou conjunto de procedimentos que tem como objetivo um

determinado resultado. Está ligada às habilidades, portanto, é relacionada aos artesãos e não

aos cientistas. Segundo Vargas (2003, p. 179),“A técnica é tão antiga quanto à humanidade.

Há mesmo a ideia, entre os antropólogos, que o que distinguiria os restos fossilizados de um

homem de um homídeo, seria a presença, junto ao primeiro, dos instrumentos por ele

fabricados”.

Já a Tecnologia envolve não apenas a técnica, mas a união desta com o conhecimento

científico, que termina por modificar e gerar processos e materiais. A intersecção entre técnica

e ciência, segundo Vargas (1990), também é fruto de processos históricos:

No início do século XVII, dois fatos cooperaram para o aparecimento da tecnologia

como uma aproximação da técnica com a ciência moderna. O primeiro foi o

aparecimento, na Europa, de uma crença de que tudo que pudesse ser feito pelo

homem poderia sê-lo por intermédio de conhecimentos científicos. O segundo foi

que a ciência experimental exigia, para seus experimentos, instrumentos de medida

precisos que teriam que ser fabricados ou por cientistas com dotes artesanais ou por artesãos, informados pelas teorias científicas. Essa, sem dúvida, foi a origem da

tecnologia como utilização das teorias científicas na solução dos problemas técnicos.

(VARGAS, 1990, p. 03).

35946

Desta forma, a tecnologia, no seu sentido moderno, é definida como a união entre o

saber técnico e o saber científico. (MIRANDA, 2002).

No entanto, em uma perspectiva crítica, a ciência e a tecnologia não são processos

autônomos e neutros, que determinam as mudanças sociais e a realidade por si só. Ao

contrário, são processos sociais que refletem interesses políticos, econômicos e culturais.

Lima Filho;Queluz (2005) fazem esta relação entre o social e o técnico a partir da seguinte

reflexão:

A ciência e a tecnologia são, portanto, construções sociais complexas, forças

intelectuais e materiais do processo de produção e reprodução social. Como processo social, participam e condicionam as mediações sociais, porém não

determinam por si só a realidade, não são autônomas, nem neutras e nem somente

experimentos, técnicas, artefatos ou máquinas, constituem-se na interação ação-

reflexão-ação de práticas, saberes e conhecimentos: são, portanto, trabalho, relações

sociais objetivadas. (LIMA FILHO; QUELUZ, 2005, p. 20).

Uma visão sem esta criticidade, ao considerar a Ciência e a Tecnologia neutras,

autodeterminadas por regras próprias e que, as mudanças na sociedade são determinadas pelas

mudanças tecnológicas é chamada de Determinismo Tecnológico. A crítica a este

posicionamento determinista propõe a reflexão em que “a tese da tecnologia autônoma

defende, portanto, uma relação unidirecional entre tecnologia e sociedade. Considera-se que

os desenvolvimentos tecnológicos influenciam significativamente na ordem social, enquanto a

tecnologia se mostra impermeável à influência de fatores sociais”(AIBAR, 1996, p. 144).

Percebe-se, dentro da perspectiva “redentora” das TIC no processo de ensino-

aprendizagem, como uma visão fruto do Determinismo Tecnológico. Releva-se as

considerações de que ciência e tecnologia, por serem frutos do pensamento humano, carregam

em si os aspectos sociais, culturais, influenciados por fatores políticos e acadêmicos. Isto

termina por determinar a sua inserção na Educação sem considerar o contexto nas quais serão

apropriadas e utilizadas. Educação sem contexto é a Educação que, de forma definitiva, não

produzirá sujeitos que possam agir de forma a tornar a sociedade partícipe atuante das

decisões acerca do uso da tecnologia.

Para concluir este pensamento, é válida a reflexão do filósofo brasileiro Álvaro Vieira

Pinto, ao definir que:

O primado da tecnologia sobre o homem resume o dogma fundamental do credo tecnocrata. Elimina os problemas concretos existenciais, sociais, surgidos do exame

das relações entre o ser humano e a tecnologia, substituindo-os por estados

emocionais de vituperação ou de esperança. Já mostramos o que há de simplista e

inoperante neste modo de pensar (VIEIRA PINTO, 2005, p. 236).

35947

É com frequência que políticas públicas ignoram as componentes macro das relações

sociais, como aspectos culturais intrínsecos, ao imporem a utilização das TIC, por vezes com

pacotes de materiais educativos comprados “prontos”. Aspectos mais particulares, que

dialogam diretamente com os diferentes contextos de sala de aula em nosso país, são

subitamente ignorados. Deste modo, por não resultar de uma reflexão da sociedade e da

escola sobre quais as suas necessidades para efetividade do ensino e aprendizagem, qual a

herança cultural que perpassa a formação dos seus professores e quais os contextos sociais e

culturais dos seus alunos, tem-se como consequência a redução da Tecnologia à Técnica, ou

seja, a exploração puramente instrucional de artefatos como os tablets da iniciativa citada na

Figura 1.

A Inserção das TIC no Processo de Ensino e Aprendizagem

O questionamento da seção anterior, do porquê de, na segunda década do Século XXI

ainda estarmos questionando aspectos de pertinência ou eficácia das TIC no processo de

ensino e aprendizagem para, também, por aspectos de formação inicial ou continuada do

professor. Almeida (2012) coloca o posicionamento destes professores com premissa às

discussões acerca de tecnologia no processo educativo:

Na verdade todos aqueles que trabalham em Educação guardam uma opinião sobre

as conveniências ou sobre o absurdo político e econômico que sua implementação

traz. Alguns têm muitas dúvidas. Nem podem imaginar o que se pode fazer com o

computador dentro da escola. Entre estes há os que, contra ou a favor, pouco imaginam o que um aluno fará com este objeto de tão moderna tecnologia.

(ALMEIDA, 2012, p. 27)

A formação do professor passa também pelos referenciais teóricos de ensino e

aprendizagem, que concatenam-se ao redor das chamadas “Teorias de Aprendizagem”. Por

serem frutos da investigação científica sobre o ato de aprender, como tais, encontram-se

permeadas de fatores sociais e culturais. Deste modo, fecha-se uma argumentação: as TIC,

como tecnologias, precisam ser discutidas e apropriadas pelo grupo (professores, gestores

escolares, alunos) que dela irão fazer uso, para que os próprios aspectos culturais e sociais

deste grupo sedimentem a aplicação das mesmas. Por outro lado, a mediação do

conhecimento feita pelo professor no espaço escolar não deve ser feita de forma voluntariosa

e sim lastreadas por um referencial de ensino-aprendizagem. Logo, fazer o diálogo entre

tecnologia de informação e teorias de aprendizagem é circular ao redor das necessidades,

35948

características e aspirações do grupo social que delas irá se apropriar na escola. Souza e

colaboradores problematizam esta pertinência:

É fundamental que a utilização de dos meios tecnológicos-educativos (MTC) venha proporcionar avanços significativos no processo de ensino-aprendizagem. Esta deve

ser a base da pauta das nossas discussões como educadores. Portanto, é válido que

nos preocupemos, cada vez mais, com estratégias didáticas-metodológicas que

colaborem com o processo educacional, valorizando nosso ensino. Há consenso de

que os MTC atuais permitem ampliar nosso conceito de sala de aula, de espaço e

tempo, estabelecendo novos significados para o estar junto fisicamente e

virtualmente. Não basta ter o computador na escola. É preciso que tenhamos

propostas e critérios para a sua utilização, professores que as conheçam, interessem-

se em criar as suas e saibam o que fazer com estes meios tecnológicos. (SOUZA et

al, 2001, p. 4)

Faz-se necessário exemplificar como tal integração epistemológica pode ser feita.

Partimos do conceito de Zona Proximal de Desenvolvimento (ZDP), de Lev Vygotsky .

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado através da

solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,

determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em

colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1978, p. 86, tradução

do autor)

Deste modo, é necessária a mediação do professor ou dos pares (colegas na sala de

aula) para que o processo de ensino-aprendizagem tenha lugar em Vygotsky. É justamente

nesta mediação onde encaixam-se as TIC. Como auxiliares e complementares à metodologia

traçada pelo educador, permite que os estudantes aproximem estes dois limiares da ZDP,

fazendo com haja uma facilitação na aquisição e formação de novos conceitos por parte dos

estudantes. Desta forma, a utilização, por exemplo, de vídeos, softwares educativos,

ambientes virtuais de aprendizagem e produção colaborativa de conhecimentos (DE

BASTOS, 2012) passam a ter um papel importante na negociação de conhecimentos mediada

pelo professor. Aqui reside o caráter prepoderante da formação e apropriação das TIC pelo

professor em sua metodologia (SOUZA et al, 2001).

É importante também que não se coloque as TIC como um caso à parte no processo de

ensino-aprendizagem, já que dela, como pudemos ver, espera-se papel fundamental na

negociação e compartilhamento de significados, como pode ser visualizado na Figura 2, que

espelha a Tríade de Gowin, (MOREIRA, 2011).

35949

Figura 2: A Tríade de Gowin

Fonte:N. Studart (2014)

As TIC fazem parte do conjunto dos materiais educativos e, portanto, estão

intrinsecamente inseridas no panorama proposto por Gowin. Deste modo, faz-se necessária

uma alfabetização científica e tecnológica de alunos e professores, para que o

compartilhamento de significados e construção de conceitos seja potencializados pela

mediação das TIC.

Desta forma, quando se parte para traçar estratégias e metodologias, não deve-se

perguntar “qual é o referencial teórico para que eu faça uso das TIC”, porque simplesmente

não há o mesmo. O que temos são a inserção das TIC como facilitadoras de metodologias

derivadas de Teorias de Aprendizagem e parte integrante do processo de ensino-

aprendizagem. Deste modo, a fluência dos atores envolvidos nos processos educativos em sua

concepção, utilização e disponibilização é condição inicial para a elaboração de novas e atuais

metodologias na sala de aula.

Como Professores e Alunos podem apropriar-se das TIC?

De tudo que foi exposto até o momento, é latente a apropriação por parte da

comunidade escolar (gestores, professores e alunos) das TIC. Há dois aspectos envolvidos,

em primeira ordem. O primeiro é que, para que as TIC se articulem com metodologias

baseadas em Teorias de Aprendizagem, é necessária a sua inclusão já na formação inicial do

professor, o que termina por impor uma necessidade de atualização dos currículos das

Licenciaturas (ou dos Mestrados Profissionais em Ensino/Educação, no caso da formação

continuada), não apenas com a inclusão de uma “disciplina instrumental de informática”, mas

35950

com que grande parte das disciplinas da matriz curricular dialoguem com as TIC, seja em suas

ementas, seja em suas execuções. O segundo aspecto é que, em tendo esta alfabetização nas

TIC já em sua formação inicial, não torna o professor capaz de elaborar, por exemplo, vídeos,

softwares educacionais e simuladores digitais, dentre outros. Seria irreal exigir que o

professor também se torne um produtor de vídeos, programador, webdesigner ou outras

habilidades e competências do tipo. Por outro lado, é possível a utilização de OE já

disponibilizados pela comunidade e que, melhor, sejam passíveis de customizações ao

contexto onde professor e alunos se encontram. Estas customizações envolvem aspectos como

de licenciamento e propriedade intelectual, que devam permitir que sejam levadas a cabo. Ou

seja, estamos entrando na seara dos Recursos Educacionais Abertos (REA), que são definidos

a partir da reunião da Unesco em junho de 2012 em Paris, que teve como produto a

Declaração REA de Paris em 2012:

Os materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais

ou outros, que se situem no domínio público ou que tenham sido divulgados sob

licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por

terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas restrições. O licenciamento aberto é construído no âmbito da estrutura existente dos direitos de propriedade intelectual,

tais como se encontram definidos por convenções internacionais pertinentes, e

respeita a autoria da obra. (UNESCO, 2012, p. 1)

A figura 3 ilustra a política de uso, reuso, compartilhamento e troca de experiências na

utilização dos Recursos Educacionais Abertos. Da mesma forma que, por exemplo, o

Software Livre não é sinônimo de “grátis”, os mesmo ocorre com os REA. O “Aberto” aqui

significa estar aberto para trocas de experiências baseadas no remixes que os mesmos

permitem.

Figura 3:Política de utilização em comunidade dos REA

Fonte: WikimediaCommons.

35951

Deste modo, ao partir para a adaptação e remixagem, o professor e seus colaboradores,

podem adequar ao contexto da escola de forma definitiva, contexto este que leva em

consideração aspectos da “pedagogia social” de Vygotsky (1978). Se partirmos de uma

prática colaborativa na construção de OE bem como a sua metodologia de inserção no

processo de ensino-aprendizagem, fica muito mais fácil, sendo licenciado como REA a

adequação às Teorias de Aprendizagem que fazem parte do processo educativo.

Ince e colaboradores (2012) vão além e argumentam que, a utilização de tecnologias

digitais no processo educativo só faz sentido caso o código fonte dos programas utilizados

como suporte as TIC sejam abertos e disponibilizados à toda comunidade. Segundo eles,

sociedades científicas e departamentos de pesquisa básica e aplicada em ciências deveriam

expandir suas atividades educacionais, entre elas o provimento de programas de acesso aberto

para obtenção e tratamento de dados experimentais. Um argumento levantado por este grupo é

que, além das dificuldades educativas, a própria comunicação científica sai prejudicada, pois

as possibilidades de reprodutibilidade de resultados científicos são limitadas, já que os

programas majoritariamente utilizados para isto são proprietários, ou seja, de código fechado,

o que impede a todos os pesquisadores estarem certos dos seus dados estarem sendo tratados

sobre a mesma base comum.

Onde encontrar os REA? Já que são abertos, o que garante que eventuais remixagens o

façam em detrimento da qualidade? Para que estas questões não impeçam que o professor

inclua as TIC em formato REA nas suas estratégias de ensino, a obtenção de REA em

repositórios de acesso público é fundamental, seja pela credibilidade, seja pelo

compartilhamento que o próprio professor fará do material por ele remixado (SANTOS,

2012). Os repositórios diferenciam-se de sítios ou portais por possuírem, além de uma política

de publicação e disponibilização de REA, uma base comum de metadados, o que permite a

pesquisa cruzada em diversos repositórios pelo mesmo conjunto de termos. Em nosso país,

além dos repositórios das Universidades públicas, podemos destacar iniciativas do Ministério

da Educação como o Portal do Professor e o Banco Internacional de Objetos Educacionais.

Santos e colaboradores (2012), no Compêndio de Recursos Educacionais Abertos, elencam e

discutem uma série de repositórios de acesso aberto e iniciativas de disseminação dos REA.

Fora do Brasil, uma série de iniciativas, até mais tradicionais, vem sendo utilizadas.

No caso do Ensino de Física, o sítio Open SourcePhysics (OSP) destaca-se por ser o de maior

número de OEs disponíveis, além de todos serem licenciados de modo aberto. Na figura 4

35952

temos um aspecto deste portal, com destaque para os OEs mais procurados no período de

acesso.

Figura 4: Aspecto do site Open Source Physics

Fonte: <http://www.compadre.org/osp/> Acesso em 14/08/2015

Um dos OEs mais populares e difundidos é o software de videoanáliseTracker

(BROWN; COX, 2009), que utiliza vídeos de movimentos feitos pelos próprios alunos, em

máquinas digitais simples ou até mesmo vídeo de aparelhos de telefonia celular para estudar

características quantitativas de um movimento. A figura 5 mostra um aspecto da interface do

Tracker, onde é visto o movimento de uma miniatura de carro executando uma trajetória

parabólica. Os pontos em verde tem as suas coordenadas espaciais em cada instante de tempo

expostas no lado direito da tela. Estes dados podem ser exportados para uma planilha de

tratamento de dados, onde o professor pode, com os alunos, extrair e estudar aspectos do

movimento em questão.

35953

Figura 5: Aspecto da interface do software Tracker.

Fonte: Autor

Bezerra Jr e colaboradores (2012) descrevem em seu trabalho um tutorial passo a

passo para a utilização do Tracker em escolas do Ensino Médio, para estudar Cinemática e

também os movimentos sob a Segunda Lei de Newton. A estruturação de aulas pode ser feita

com base na Teoria de Aprendizagem que o professor julgar mais adequada ao estudo. Os

próprios movimentos e situações escolhidas também permitem que o contexto seja

intimamente levado em consideração. O envolvimento dos próprios estudantes na filmagem

de um experimento que eles mesmo participam da concepção agrega muito em motivação,

participação de todos na atividade e, ao ver a evolução das grandezas físicas e o seu

tratamento em tempo real, faz com que o estudo de um tópico intrinsecamente dinâmico (o

movimento em si) seja feito não mais de forma estática, com uma abordagem puramente

matemática em gráficos e equações.

Deste modo, as possibilidades abertas pelo compartilhamento de conhecimento e

objetos educacionais pelos REA ajuda os professores a transpor a barreira do conhecimento

técnico necessário à elaboração dos seus materiais educativos mediados pelas TIC. Por outro

lado, a customização dos REA permite a concepção e customização dos mesmos de forma a

dialogar com o contexto escolar onde estarão inseridos (EDUCAÇÃO ABERTA, 2011).

35954

Conclusões

Embora os exemplos de inserção das TIC no processo educativo sejam abundantes,

sua eficácia em promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem ainda carece das

mesma fartura de exemplos. Não se pode negar que haja investimentos públicos, mas, por

vezes, privilegia-se apenas a componente técnica destas tecnologias de informação, o que as

despe do caráter de “tecnologia”, já que esta influencia e também é influenciada pela

sociedade. Deste modo, a utilização de tecnologias, com toda a bagagem social que carrega,

na Educação, que também é outra componente fundamental dos contextos culturais, sociais e

econômicos de uma sociedade, não pode ser feita sem a superposição destes contextos e

relevância do papel dos atores da comunidade escolar, gestores, professores e estudantes.

Uma direção a ser trilhada é a alfabetização científica dos professores em sua

formação, seja inicial (licenciaturas) ou continuada (mestrados profissionais, por exemplo).

Neste caso, a concepção, desenvolvimento de metodologias de mediação do conhecimento

devem ser articuladas em diversas disciplinas da matriz curricular destes cursos e não apenas

de forma isolada do contexto geral. Outro movimento é no sentido de, no desenvolvimento de

metodologias de ensino e aprendizagem, inserir as TIC, como na tríade de Gowin, nos

Materiais Educativos e como mediadoras de significados.

Para facilitar a apropriação das TIC pelos professores, a proposta é a sua inserção na

comunidade dos Recursos Educacionais Abertos, onde a customização de objetos

educacionais ao contexto escolar e imersos em uma metodologia repleta de significados para

professores e alunos, permita o compartilhamento não do Objeto Educacional (OE) em si,

mas também das experiências desenvolvidas em sua concepção, aplicação e validação.

REFERÊNCIAS

AIBAR, E. La vida social de las máquinas: orígenes, desarrollo y perspectivas

actualesenlasociología de la tecnologia. Revista Española de Investigaciones Sociológicas,

n. 76, 1996. Disponivel em: <http://www.reis.cis.es/REIS/PDF/REIS_076_09.pdf> acesso em

23/06/2015.

ALMEIDA, F. J. Educação e Informática: os computadores na escola. São Paulo: Cortez, 2012.

BEZERRA-JR, A., OLIVEIRA, L.P., LENZ, J.A., SAAVEDRA, N. “Videoanálise com o

software livre Tracker no laboratório didático de física: movimento parabólico e Segunda Lei

35955

de Newton”. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, vol 29, número especial 1, setembro

2012.

BROWN, D; COX, A. J. Innovative uses of video analysis.The Physics Teacher, v. 47, p. 145-150, 2009.

DE BASTOS, F. da P. ; ABEGG, Ilse . ENSINO DE FÍSICA COLABORATIVO MEDIADO

PELO WIKI DO MOODLE: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE CASOS DE ESTUDOS.Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, p. 729-757, 2012.

EDUCAÇÃO ABERTA. Recursos Educacionais Abertos (REA): Um caderno para

professores. Campinas, SP: Educação Aberta, 2011. Disponível em: <http://www.educacaoaberta.org/>. Acesso em 29/06/15.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

INCE. D. C., HATTEL, L., GRAHAM-CUMMING. J. The case for open computer programs.

Nature, v. 482, pp. 485-488, 2012.

LIMA FILHO, D. L. e QUELUZ, G. L. A tecnologia e a educação tecnológica: elementos

para uma sistematização conceitual. Revista Educação e Tecnologia, Belo Horizonte, v. 10.

n.1. 19-28, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://seer.dppg.cefetmg.br/index.php/revista> acesso em: 27/06/15.

MIRANDA, A.L. Da natureza da tecnologia: Uma análise filosófica sobre as dimensões

ontológicas, epistemológicas e axiológica da tecnologia moderna. Dissertação (Mestrado em

Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2002. Disponível

em:<http://files.dirppg.ct.utfpr.edu.br/ppgte/dissertacoes/2002/ppgte_dissertacao_102_2002.pdf> Acesso em: 01/12/2014.

MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. 2ª Ed. São Paulo: EPU, 2011.

OPEN SOURCE PHYSICS. <http://www.compadre.org/osp/>Acessoem 14/08/2015

SANTOS, Andreia Inamorato dos, [org]. Compêndio - Recursos Educacionais Abertos:

Casos da América Latina e da Europa na Educação Superior. Andreia Inamorato dos Santos/ Cristóba l Cobo/ Celso Costa. – Niterói: CEAD-UFF, 2012

SOUZA, C. A.; BASTOS, F. P. ; ANGOTTI, J. A. P. As Mídias e suas Possibilidades:

desafios para o novo educador. In: José André Peres Angotti / MIkael Frank Rezende Junior.

(Org.). Prática de Ensino de Física. 1ed.Florianópolis: FAPEU, 2001, v. unico, p. 46-70.

Disponível em: <http://men5185.ced.ufsc.br//artigos/angotti_as_midias.htm> Acesso em 29 de junho de 2015.

STUDART, N. Notas de Aula. In: I Escola Brasileira de Ensino de Física. Santo André:

UFABC, 2014. Disponível em: <https://sites.google.com/site/1ebefis/material-dos-minicursos-e-palestras/conferencia-2> Acesso em 29 de junho de 2015.

35956

UNESCO: Declaração REA de Paris em 2012. Disponível em:

http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/WPFD2009/Portuguese_Declaration.html

VARGAS, M. Dupla transferência. Revista da USP. Set. à Nov. 1990. Disponível em:

<http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/55861/59259 Acesso em 10/12/2014.

VARGAS, M. Técnica, Tecnologia e Ciência. Revista Educação e Tecnologia, Curitiba, v.

1, n. 6. pp 178-183, 2003. Disponível em <http://revistas.utfpr.edu.br/pb/index.php/revedutec-

ct/article/view/1084/687> acesso em 23/06/15.

VIEIRA PINTO, A. O Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

VYGOTSKY, L. S. MindandSociety. Harvard College, 1978.