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Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=63011684032 Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Diniz, Debora;Penalva, Janaína;Faúndes, Aníbal;Rosas, Cristião A magnitude do aborto por anencefalia: um estudo com médicos Ciência e Saúde Coletiva, Vol. 14, septiembre-octubre, 2009, pp. 1619-1624 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Brasil ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista Ciência e Saúde Coletiva ISSN (Versión impresa): 1413-8123 [email protected] Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Brasil www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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RedalycSistema de Información Científica

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Diniz, Debora;Penalva, Janaína;Faúndes, Aníbal;Rosas, Cristião

A magnitude do aborto por anencefalia: um estudo com médicos

Ciência e Saúde Coletiva, Vol. 14, septiembre-octubre, 2009, pp. 1619-1624

Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Brasil

¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista

Ciência e Saúde Coletiva

ISSN (Versión impresa): 1413-8123

[email protected]

Associação Brasileira de Pós-Graduação em

Saúde Coletiva

Brasil

www.redalyc.orgProyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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1 Anis – Instituto deBioética, DireitosHumanos e Gênero. CaixaPostal 8011. 70673-970Brasília [email protected] Universidade Estadual deCampinas.3 Comissão Nacional deViolência Sexual daFederação Brasileira dasAssociações de Ginecologiae Obstetrícia (Febrasgo).

A magnitude do aborto por anencefalia: um estudo com médicos

Anencephaly: the magnitude of the judicial authorizationamong medical doctors in Brazil

Resumo Este artigo tem por objetivo descrever amagnitude da assistência médica em casos de gravi-dez de feto com anencefalia, por meio de uma pes-quisa empírica com médicos. A anencefalia é umamá-formação incompatível com a sobrevida do fetoapós o parto. O direito à interrupção da gestaçãonesse caso é tema de ação no Supremo Tribunal Fe-deral. Realizou-se uma pesquisa tipo survey com1.814 médicos, filiados à Federação Brasileira dasAssociações de Ginecologia e Obstetrícia (Febras-go), o que corresponde a 12% do total de médicos daentidade. Os resultados indicam que, em um uni-verso de 9.730 mulheres atendidas pelos médicos nosúltimos vinte anos, 85% preferiram interromper agestação nesse caso. Esse dado mostra o quanto aassistência médica a mulheres grávidas de fetos comanencefalia é uma experiência cotidiana nos servi-ços de saúde, bem como o desafio ético imposto pelailegalidade do procedimento médico de interrupçãoda gestação nesses casos.Palavras-chave Aborto, Anencefalia, Antecipaçãoterapêutica do oarto, Interrupção da gestação

Abstract This paper describes the magnitude of themedical care for pregnant women with an anen-cephalic fetus. Anencephaly is an abnormality in-compatible with life. The right to abort in this caseis under litigation at the Brazilian Supreme Court.This survey was conducted among 1,814 medicaldoctors, all of them affiliated to the Brazilian Feder-ation of Gynecology and Obstetrics (Febrasgo), cor-responding to 12% of the doctors within this feder-ation. The results show that, in a group of 9,730women cared by the physicians over the last 20 years,85% preferred to interrupt pregnancy in case ofanencephaly. This fact reveals how common the ex-perience of assist women pregnant with an anen-cephalic fetus is in health care services, as well as theethical challenge imposed by the restrictive Brazil-ian legislation on abortion.Key words Abortion, Anencephaly, TherapeuticAbortion, Interruption of Pregnancy

Debora Diniz 1

Janaína Penalva 1

Aníbal Faúndes 2

Cristião Rosas 3

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Introdução

A anencefalia é uma má-formação incompatívelcom a sobrevida do feto após o parto1. As causasda anencefalia são variadas, mas a carência de áci-do fólico durante a gestação é uma das mais co-muns2. Não há cura ou tratamento para anencefa-lia e estima-se que mais da metade dos fetos nãosobrevivem à gestação1. Os excludentes de ilicitudepara o aborto no Brasil não prevêem a situaçãoclínica da anencefalia ou de outras más-formaçõesincompatíveis com a vida do feto, o que obriga asmulheres a manter a gestação ou buscar autoriza-ção judicial para interrompê-la sem risco de puni-ção. Alguns estudos mostram que o recurso aoPoder Judiciário para a autorização do aborto emcaso de feto incompatível com a vida é um fenô-meno que teve início nos anos noventa no Brasil3.

Uma ação de anencefalia foi apresentada aoSupremo Tribunal Federal (STF) em 2004, pormeio de uma Arguição de Descumprimento de Pre-ceito Fundamental (ADPF), pela ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS),com suporte técnico da Anis – Instituto de Bioéti-ca, Direitos Humanos e Gênero4. Nesse mesmoano, uma medida liminar concedida pelo STF au-torizou que mulheres grávidas de fetos com anen-cefalia optassem pela interrupção da gestação, as-sim como protegeu os profissionais de saúde queatuassem em tal procedimento médico5. A liminarfoi cassada ainda em 2004, mas o mérito da açãonão foi julgado até o presente momento6, havendoa expectativa de que o caso seja finalizado em 2009.

Sob a compreensão de que o Código Penal nãoautoriza o aborto em caso de anencefalia no feto,hoje, as mulheres que desejam interromper a gesta-ção não podem fazê-lo, a não ser que busquem in-dividualmente autorização judicial. Porém, elas nãotêm garantias de obter a autorização, afinal, depen-dem da interpretação que o juiz ou promotor daráa cada caso. Esse quadro de exigência de autoriza-ção judicial para o procedimento médico é aindamais agudo para as mulheres usuárias do SistemaÚnico de Saúde (SUS), no qual o controle de legali-dade do procedimento é maior e, de forma concre-ta, constitui condição para o direito à assistência7.

Há uma série de desafios éticos na pesquisasobre o aborto no Brasil. O mais importante é queo cenário de criminalização dificulta a recuperaçãodos dados, pois a participação em uma pesquisapode trazer riscos à mulher que realizou um abor-to7. No caso específico da anencefalia ou de outrasmás-formações incompatíveis com a sobrevida dofeto, algumas pesquisas foram conduzidas commulheres protegidas por autorização judicial8, ao

passo que a maioria foi realizada com fontes do-cumentais, como alvarás ou despachos do Minis-tério Público9,10. Os estudos atestam a permanên-cia do recurso ao Poder Judiciário para a garantiado direito ao aborto, sob a tese de que o procedi-mento médico não deveria se configurar comoaborto tal como especificado pelo Código Penal.

A ADPF apresentada ao STF também se am-parou nesse giro argumentativo, comum às açõesde cortes locais. O objetivo não foi instituir umnovo permissivo legal no Código Penal, mas de-monstrar que a situação clínica da anencefalia nãose enquadraria na determinação penal do crime deaborto. Para que se sustente o argumento de abor-to como crime contra a vida em potencial do feto,é preciso que haja expectativa de vida extra-uteri-na, algo inexistente para o feto com anencefalia2.Por esse caminho argumentativo, a ação de anen-cefalia propôs a categoria médica e jurídica de an-tecipação terapêutica de parto para representar osprocedimentos médicos autorizados judicialmen-te havia uma década no país4. Uma vez que a reali-zação do aborto por anencefalia no feto não seenquadraria na definição jurídica de aborto segun-do o Código Penal, a ação apresentou um novoconceito médico, posteriormente reconhecido peloConselho Federal de Medicina, ao definir o fetocom anencefalia como “natimorto cerebral”11.

Este artigo verifica a magnitude do fenômenoda assistência médica à mulher grávida de feto comanencefalia, por meio de uma pesquisa empírica commédicos ginecologistas-obstetras filiados à Federa-ção Brasileira das Associações de Ginecologia e Obs-tetrícia (Febrasgo). Dada a dificuldade de recupera-ção de dados por meio de consulta aos processosjudiciais em tribunais locais de todo o país, os mé-dicos são uma fonte alternativa para a representa-ção do fenômeno da garantia judicial e da assistên-cia às mulheres grávidas de feto anencefálico.

Sujeitos e método

A pesquisa foi realizada com médicos ginecologis-tas-obstetras filiados à Febrasgo, maior entidademédica no campo da ginecologia e obstetrícia noBrasil. O levantamento de dados foi realizado porum survey eletrônico, postado em um endereçoespecífico para a pesquisa durante o mês de setem-bro de 2008. O convite à participação foi enviadopela diretoria da Febrasgo ao banco de endereçosda entidade, cujo universo de filiados era de maisde 15.000 médicos. A enquete eletrônica era com-posta de cinco perguntas, três delas com respostasfechadas do tipo “sim” ou “não” e duas delas com

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respostas abertas do tipo simples (número demulheres atendidas com gravidez de feto com anen-cefalia). O questionário foi anônimo, o que garan-tiu o sigilo das informações. Para evitar respostasduplicadas, o site no qual foi depositado o questi-onário reconhecia o endereço IP do respondente eimpedia a dupla entrada do participante.

Em 2008, a Febrasgo contava com mais de15.000 médicos associados, com representação emtodas as cidades do país. Foram enviadas 15.000mensagens com convite à participação na enqueteeletrônica. Destas, 2.500 retornaram por erro deregistro do endereço eletrônico ou por inexistênciade destinatário. Isso resultou em 12.500 médicoscomo potenciais participantes da pesquisa. Foramrecebidas 1.814 respostas, o que correspondia a14,5% do total de médicos que deveriam ter recebi-do o questionário.

Consultou-se os médicos ginecologistas-obs-tetras sobre sua experiência na assistência da mu-lher grávida de feto com anencefalia nos últimosvinte anos. O marco temporal de vinte anos deregistro da memória dos médicos se justifica, umavez que foi no início dos anos noventa que surgi-ram os primeiros indícios de autorização judicialpara a interrupção da gestação em caso de anence-falia do feto no Brasil3,9.

Há duas fragilidades na recuperação dos da-dos sobre a magnitude da autorização judicial parao aborto em caso de anencefalia por meio da me-mória dos médicos. A primeira é que o uso dalembrança como recurso de recuperação da infor-mação pode levar a variações no número de casosatendidos, em particular dado o recorte temporalde vinte anos. A segunda é que, nos serviços públi-cos de saúde, mais de um médico participa do pré-natal de uma mulher, o que pode provocar o múl-tiplo registro de um mesmo caso. Ou seja, mais deum médico pode recordar-se de ter atendido amesma mulher grávida de feto com anencefalia.

Somente médicos com experiência prévia deatendimento a mulheres grávidas participaram dapesquisa, tendo sido este um quesito de exclusão àparticipação. Evitaram-se perguntas relativas avalores ou crenças sobre o aborto, a fim de afastarvieses nas respostas. Duas perguntas procuraramdelinear a decisão das mulheres diante do diag-nóstico de anencefalia no feto: (1) nos últimos vin-te anos, você já atendeu mulheres grávidas de fetosdiagnosticados com anencefalia que desejaram in-terromper a gestação? e (2) nos últimos vinte anos,do total de mulheres grávidas de fetos diagnosti-cados com anencefalia que atendeu, quantas delasconseguiram na justiça a autorização para inter-romper a gestação? As perguntas incluíam a assis-

tência tanto na rede privada quanto na rede públi-ca de saúde.

As enquetes respondidas foram processadaseletronicamente e inseridas em um banco de dadossem eliminação prévia de registros. A partir dessesdados, foram realizadas as análises uni e bivaria-das apresentadas na seção de resultados. Não hou-ve registros inválidos ou intercorrências que pre-judicassem o processo de tabulação. A incidênciade respostas em cada etapa do fluxo que começavapelo do envio das enquetes e culminava na conta-bilização de médicos que atenderam mulheres quedesejavam interromper a gestação é apresentadana Figura 1.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comi-tê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas daUniversidade de Brasília, tendo sido aprovado emagosto de 2008. Os médicos registraram o consen-timento livre e esclarecido eletronicamente, antesde responder às perguntas da enquete.

Figura 1. Distribuição das respostas do questionário.

Questionários enviados

12.500

Respostas

1.814 (14,5%)

Não respostas

10.686 (85,5%)

Atendem gravidezes

1.804

Não atendem gravidezes

10

Atenderam gravidezes

com anencefalia

1.503 (100%)

Não atenderam

301

Atenderam mulheres

que desejavam

interromper a gestação

1.274 (84,8%)

Não atenderam

mulheres que desejavam

interromper a gestação

229 (15,2%)

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Resultados e discussão

Dos 1.814 médicos ginecologistas-obstetras queresponderam à enquete, 1.804 haviam atendidomulheres grávidas nos últimos vinte anos. A gran-de maioria desses médicos (1.503 de 1.804 ou 83,3%)tinha atendido pelo menos uma grávida de fetocom anencefalia (Figura 1). Como a pesquisa in-cluiu médicos com pouco tempo de prática obsté-trica, essa proporção pode ser ainda maior caso seconsidere apenas a experiência dos médicos commaior percurso profissional. Isso significa que aprática de assistência à mulher grávida de feto comanencefalia é compartilhada por quase todos osginecologistas-obstetras durante o seu curso de vidaprofissional. Além disso, atender uma grávida comfeto anencefálico não é algo tão excepcional, já quea média foi de 6,5 casos em até vinte anos de práti-ca, para um total de 9.730 grávidas com essa expe-riência (Figura 2).

Os dados também permitem verificar que qua-se 85% dos médicos que atenderam casos de anen-cefalia relataram que as mulheres desejavam inter-romper a gestação (Figura 1). Os resultados reve-lam que 3.602 mulheres atendidas conseguiram najustiça a autorização para interromper a gravidez.No entanto, os dados não permitem saber quantasdas 9.730 mulheres grávidas de fetos com anence-falia teriam declarado o desejo de solicitar a inter-rupção aos médicos. Como o objetivo da pesquisaera o de explorar a magnitude da assistência médi-ca às mulheres grávidas de fetos com anencefalia e,secundariamente, levantar informações sobre a

busca por autorização judicial nesses casos, nãoforam feitas perguntas que pudessem criar receiosjurídicos ou éticos, tais como o da realização doprocedimento médico sem autorização judicial.

Os dados permitem afirmar que 37% (3.602entre 9.730) das mulheres que tiveram gravidez defeto com anencefalia conseguiram autorização ju-dicial para interromper a gestação; porém, nãorevelam qual é a porcentagem das que desejavamo aborto e efetivamente obtiveram essa autoriza-ção. Caso se transfira o dado de 84,8% de médicosque atenderam mulheres que desejavam interrom-per a gestação às 9.730 mulheres grávidas de fetoscom anencefalia, chega-se a uma estimativa de8.251 mulheres que teriam desejado interromper agestação, tendo 43,7% delas (3.602 entre 8.251)obtido autorização para fazê-lo (Figura 2). Esseresultado pode ser interpretado de três maneiras.

Em uma primeira hipótese, isso poderia sugerirque mais da metade das mulheres que desejaraminterromper a gestação solicitou, mas não conse-guiu autorização judicial. Essa, no entanto, não éuma afirmação possível de se fazer nesta pesquisa enão é o resultado encontrado em estudos qualitati-vos com decisões judiciais e autorizações do Minis-tério Público, que demonstram tendência favorávelao aborto em caso de anencefalia no feto9,12.

A segunda possibilidade é que as mulheres nãobusquem a justiça para interromper a gestação apóso diagnóstico de anencefalia no feto, seja por subor-dinação à ordem penal, seja por desconhecimentodo processo judicial ou, ainda, por falta de acesso àjustiça. Esse é um caminho interpretativo que ne-cessitaria ser explorado, uma vez que grande partedos estudos empíricos brasileiros foi conduzida commulheres durante o processo judicial, ou seja, apósa tomada de decisão pelo aborto ou após sua fina-lização, no caso dos estudos documentais9,12.

A terceira possibilidade, e talvez a com maioreschances explicativas sobre o fenômeno, é que aautorização judicial não é exigida de todas as mu-lheres, havendo um grande espaço para a negocia-ção ética protegida pelo segredo médico. Se vier aser confirmada em estudos futuros, essa hipótesepoderá criar oportunidades de outras reflexões nocampo ético.

A mais importante reflexão é a que sugere ha-ver uma correlação entre classe social e submissãoao poder judicial para o aborto em caso de anence-falia no Brasil. Em serviços de saúde privados, háuma tendência de que um mesmo médico acom-panhe o pré-natal de uma mulher, o que não ocor-re em muitos serviços públicos. Essa ruptura noacompanhamento da trajetória reprodutiva difi-culta a recuperação do dado da autorização judici-

Total de grávidas com fetos

anencefálicos atendidas

9.730

Total que conseguiu na justiça

autorização para interrupção

da gravidez

3.602/9.730 (37%)

84,8% = 8.251

3.602/8.251 = 43,7%

Figura 2. Distribuição das mulheres atendidas que conseguiramautorização para interrupção da gestação.

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al por meio de enquete com médicos que traba-lham em serviço público. Além disso, deve-se con-siderar a hipótese de que, em alguns serviços pri-vados de assistência pré-natal, haja a possibilidadede um pacto de solidariedade entre equipe de saú-de e mulheres não condicionar o procedimentomédico à autorização judicial. O fato é que os estu-dos empíricos realizados com mulheres que abor-taram, especialmente em casos de má-formaçãofetal, são quase todos conduzidos em serviços pú-blicos de saúde7, em que há maior rigidez quanto àexigência de autorização judicial para o acesso àinterrupção da gestação.

A via judicial seria um fenômeno das mulheresmais pobres e usuárias dos serviços públicos desaúde, para quem a exigência da autorização judi-cial seria condição para o acesso ao aborto, em ra-zão da rigidez no controle da legalidade nesses con-textos. Em geral, os serviços públicos de saúde sãolocais onde há menor espaço para o sigilo médico ea confidencialidade dos dados, o que dificulta a ne-gociação de escolhas privadas em detrimento da lei.Vários estudos sobre as consequências da ilegalidadedo aborto no Brasil já mostraram o quanto a res-trição do direito e da assistência para essa práticaimpõe efeitos mais perversos às mulheres pobres7.

Considerações finais

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental (ADPF) deverá ser julgada pelo STF em2009. Será a primeira vez que a suprema corte bra-sileira decidirá uma questão de direito reproduti-vo, uma tendência crescente às cortes latino-ame-

ricanas, como já ocorreu na Argentina e na Co-lômbia. Por ser um tema rodeado de desafios éti-cos para a pesquisa, há uma carência de estudoscom evidências empíricas sobre o fenômeno doaborto em caso de anencefalia no Brasil. Esta pes-quisa, conduzida com médicos ginecologias-obs-tetras, sinaliza a magnitude do fenômeno médico,jurídico e ético nos últimos vinte anos.

Os resultados mostram que 83,3% dos médi-cos ginecologistas-obstetras brasileiros já atende-ram mulheres grávidas de fetos com anencefalia eque em torno de 84,8% dessas mulheres deseja-ram interromper a gestação. Esse dado indica oquanto o fenômeno da gestação de fetos incom-patíveis com a vida é uma experiência cotidiana àsequipes de saúde no Brasil. O reconhecimento dodireito ao aborto nesses casos deve ser entendidocomo uma matéria de ética privada; por isso, mu-lheres que desejarem manter a gestação ou queoptarem pelo aborto serão igualmente protegidase assistidas pelas equipes de saúde. No entanto, oacolhimento às escolhas sem interferência do Judi-ciário deve ser entendido também como uma me-dida terapêutica, pois transfere o tema da esferado crime para a das decisões éticas cotidianas àassistência em saúde.

A verdadeira magnitude da autorização judicialpara o aborto em caso de anencefalia no feto é ain-da desconhecida, pois há possibilidades de que nemtodos os casos de procedimento médico de abortotenham sido condicionados à autorização judicialprévia. A pesquisa mostra o quanto o encontro daética com a justiça e a assistência médica foi umfenômeno crescente para a mediação do desafio doaborto nos últimos vinte anos no Brasil.

Colaboradores

Todos os autores participaram da fase de elabora-ção do instrumento e revisão dos dados. D Diniz eA Faúndes foram responsáveis pela análise dosdados empíricos. D Diniz foi responsável pela re-dação do artigo e os autores, pela revisão dos ar-gumentos.

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Artigo apresentado em 17/04/2009Aprovado em 20/05/2009

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Agradecimentos

A equipe de pesquisa agradece à Federação Brasi-leira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia(Febrasgo) pela gentileza em cooperar com o estu-do, informando aos médicos sobre o survey ele-trônico, a João Neves pelo gerenciamento do sitepara o questionário eletrônico e a Márcia Camar-go, secretária da Febrasgo, pela permanente aten-ção durante a execução da pesquisa. Agradece ain-da a todos os 1.814 médicos que participaram dapesquisa. Os autores agradecem a leitura e os co-mentários de Marilena CorrêaEsta pesquisa foi financiada pela InternationalWomen’s Health Coalition e executada pela Univer-sidade de Brasília.