Artigo - A Ação Revisional

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ARTIGO - A AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO *Maraísa Santana No mês passado (abril/2014) escrevi artigo (AÇÃO REVISIONAL DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS É GARANTIDA POR LEI), que foi publicado pelos mais importantes BLOGs da região, abordando aspectos legais desse tipo de contrato, garantidos pela Lei 8.078/1990, a popular Lei de Defesa do Consumidor ou Código de Defesa do Consumidor, obtendo ampla repercussão entre os milhares de leitores que tiveram acesso ao referido texto, porque esclareceu pontos importantes sobre esse tipo de ação. Agora, em maio, o site MeuAdvogado trouxe na sua edição do dia 12, artigo escrito pela advogada Joice Raddatz, intitulado A ação revisional de contratos, esclarecendo algumas dúvidas sobre esse tipo de ação, o que me motivou a tratar do tema, situando o assunto no direito brasileiro da atualidade, explicando em linguagem simples e acessível ao leitor leigo, o que é uma ação revisional, qual o seu objetivo, como funciona, como estão sendo julgadas as ações revisionais, as alterações jurisprudenciais profundas ocorridas recentemente, de modo especial, as relativas as taxas de juros, a capitalização mensal, a comissão de permanência, os juros de mora, a multa moratória, a correção monetária e a inscrição/manutenção em cadastros de inadimplentes. Vejamos, pois, cada aspecto abordado a seguir: O QUE É AÇÃO REVISIONAL? É a ação judicial pela qual o autor propõe revisar contratos de financiamentos ou de empréstimos feitos para uso pessoal ou para compra de imóveis, veículos, equipamentos (sejam industriais ou agrícolas), com instituições financeiras autorizadas a funcionar legalmente, com ou sem alienação fiduciária (o tomador do financiamento fica na posse imediata do bem financiado, mas só obtém a sua propriedade após o cumprimento da obrigação assumida). QUAL É O OBJETIVO? O autor desse tipo de ação procura reduzir a prestação mensal paga ou reduzir o total do débito que lhe está sendo cobrado. COMO FUNCIONA? O devedor ingressa na justiça com a ação pleiteando a revisão de cláusulas contratuais preestabelecidas e requer decisão liminar (decisão imediata, antes de julgar o mérito da questão) que o autorize a depositar em juízo os valores que entende devidos, isso na hipótese de ainda ter parcelas a pagar. Ao analisar a causa, o juiz poderá conceder a liminar, garantindo ao autor da ação o direito de suspender o pagamento das parcelas devidas diretamente à financeira ou banco, passando a depositar o valor que entende

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  • ARTIGO - A AO REVISIONAL DE CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO

    *Marasa Santana

    No ms passado (abril/2014) escrevi artigo (AO REVISIONAL DE FINANCIAMENTO DE

    VECULOS GARANTIDA POR LEI), que foi publicado pelos mais importantes BLOGs da

    regio, abordando aspectos legais desse tipo de contrato, garantidos pela Lei

    8.078/1990, a popular Lei de Defesa do Consumidor ou Cdigo de Defesa do

    Consumidor, obtendo ampla repercusso entre os milhares de leitores que tiveram

    acesso ao referido texto, porque esclareceu pontos importantes sobre esse tipo de

    ao.

    Agora, em maio, o site MeuAdvogado trouxe na sua edio do dia 12, artigo escrito

    pela advogada Joice Raddatz, intitulado A ao revisional de contratos, esclarecendo

    algumas dvidas sobre esse tipo de ao, o que me motivou a tratar do tema, situando

    o assunto no direito brasileiro da atualidade, explicando em linguagem simples e

    acessvel ao leitor leigo, o que uma ao revisional, qual o seu objetivo, como

    funciona, como esto sendo julgadas as aes revisionais, as alteraes

    jurisprudenciais profundas ocorridas recentemente, de modo especial, as relativas as

    taxas de juros, a capitalizao mensal, a comisso de permanncia, os juros de mora, a

    multa moratria, a correo monetria e a inscrio/manuteno em cadastros de

    inadimplentes. Vejamos, pois, cada aspecto abordado a seguir:

    O QUE AO REVISIONAL?

    a ao judicial pela qual o autor prope revisar contratos de financiamentos ou de

    emprstimos feitos para uso pessoal ou para compra de imveis, veculos,

    equipamentos (sejam industriais ou agrcolas), com instituies financeiras autorizadas

    a funcionar legalmente, com ou sem alienao fiduciria (o tomador do financiamento

    fica na posse imediata do bem financiado, mas s obtm a sua propriedade aps o

    cumprimento da obrigao assumida).

    QUAL O OBJETIVO?

    O autor desse tipo de ao procura reduzir a prestao mensal paga ou reduzir o total

    do dbito que lhe est sendo cobrado.

    COMO FUNCIONA?

    O devedor ingressa na justia com a ao pleiteando a reviso de clusulas contratuais

    preestabelecidas e requer deciso liminar (deciso imediata, antes de julgar o mrito

    da questo) que o autorize a depositar em juzo os valores que entende devidos, isso

    na hiptese de ainda ter parcelas a pagar. Ao analisar a causa, o juiz poder conceder a

    liminar, garantindo ao autor da ao o direito de suspender o pagamento das parcelas

    devidas diretamente financeira ou banco, passando a depositar o valor que entende

  • ser o valor justo em juzo. Na hiptese da financeira ou banco ter apontado o nome do

    contratante nos rgos de proteo ao crdito (em geral, SPC e SERASA), o juiz, ao

    conceder a liminar poder determinar o cancelamento imediato desse apontamento,

    ou proibir a financeira ou banco de promover o apontamento, se ainda no o fez.

    Tambm, pode o juiz impedir que a financeira ou banco promova ao de busca e

    apreenso do objeto financiado, em caso de inadimplncia, o que ocorre, em geral,

    quando o cliente deixa de pagar trs parcelas do financiamento ou emprstimo.

    Quando a ao revisional estritamente bancria, o autor poder pedir ao juiz que

    determine a reduo de taxas de juros que ficou estipulada em percentuais muito mais

    alto do que a mdia praticada no mercado, podendo, ainda, pedir ao juiz que coba a

    acumulao de diversos encargos que disfaram a aplicao de uma taxa de juros

    diferente da taxa contratada, acumulao que muito comum pela cobrana de

    comisso de permanncia, junto com correo monetria e juros de mora em valor

    superior ao limite permitido pelo CDC (Cdigo de Defesa do Consumidor), alm de

    outros abusos que somente sero percebidos por um profissional habilitado no

    assunto.

    Convm observar que cada tipo de contrato de emprstimo, seja cheque especial

    (com estipulao de limite para saque sem proviso de fundos), capital de giro (para

    uso de suprimento de mercadorias na empresa ou negcio), leasing (pagamento em

    forma de aluguel do bem, com prioridade de sua aquisio ao final do contrato), CDC

    (crdito direto ao consumidor para usar o dinheiro como quiser), crdito imobilirio

    (destinado a compra de imveis), entre outros, todos tm caractersticas prprias e

    clusulas que devem ser analisadas com cuidado para que se verifique a possibilidade

    de ingresso de uma Ao Revisional e se esta valer realmente a pena para o cliente,

    como adverte a advogada Joice Raddatz, no artigo citado.

    COMO ESTO SENDO JULGADAS AS AES REVISIONAIS (AS ALTERAES

    JURISPRUDENCIAIS MAIS RECENTES)?

    Recentemente registram-se alteraes bastante profundas nas decises dos tribunais

    (decises jurisprudenciais) nas aes Revisionais de Contratos Bancrios, com

    destaque para os seguintes aspectos:

    As taxas de juros - O STJ (Superior Tribunal de Justia), em decises recentes

    estabeleceu que a limitao dos juros a 12% a.a. (ao ano), que est prevista na Lei da

    Usura no se aplica as instituies financeiras, mas tambm tem decidido que

    abusiva a taxa de juros quando o seu percentual fixado superior a Taxa Mdia do

    Mercado, fazendo recair nas decises sobre casos dessa natureza, a Smula 7, do

    prprio STJ.

    No site do Banco Central do Brasil encontramos as taxas de juros que correspondem

    mdia das taxas praticadas nas diversas operaes realizadas pelas instituies

  • financeiras, em cada modalidade, valendo lembrar que o autor da Ao Revisional

    deve, com o pedido feito justia, juntar o demonstrativo da taxa mdia praticada

    pelo Banco Central do Brasil, poca da assinatura do contrato.

    A capitalizao mensal Ocorre quando o banco ou instituio financeira, alm da

    taxa de juros anual nominal, aplica a taxa de juros efetiva, que maior. Essa taxa

    efetiva esconde a capitalizao de juros, o que faz com que o saldo devedor aumente

    ao final do prazo contratual. Explico: o cliente contrata R$ 30 mil e paga esse valor

    acrescido de juros e correo monetria, atingindo o valor final de R$ 45 mil, e ao final

    do contrato est devendo muito mais do que esse valor, pela incidncia dos chamados

    juros efetivos.

    Para os especialistas em Defesa do Consumidor a capitalizao mensal de juros

    vedada nos contratos de financiamento, emprstimos e outros, contudo, essa questo

    virou uma polmica no poder judicirio, porque, apesar de existir uma smula do STF

    (Supremo Tribunal Federal) proibindo essa cobrana, existe em contraposio uma

    Medida Provisria (MP) que permite essa cobrana. Alis, essa MP est submetida a

    uma ADI (Ao Direta de Inconstitucionalidade), que ainda aguarda deciso final, mas

    j tem voto de alguns ministros que entendem que a cobrana legal, desde que

    esteja explicito no contrato.

    J o presidente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor do Sistema Financeiro,

    Donizet Piton, defende que os atuais contratos bancrios que adotam essa modalidade

    de capitalizao esto na contramo dos direitos do consumidor, lembrando que

    alguns juzes mais velhos, experientes e que no esto cansados, ainda do ganho

    de causa para o consumidor

    V-se, portanto, que o assunto ainda vai render muito, at que o STF julgue a ADI em

    tramitao naquela Corte de Justia.

    Diante dessa situao, atualmente, prevalece a seguinte situao: Caso no haja

    previso contratual expressa permitindo a capitalizao mensal esta cobrana ser

    abusiva e por consequncia ser afastada, como ressalta a advogada Joice Raddatz,

    no artigo citado, seguindo posio do STJ que definiu em recente julgamento do

    Agravo Regimental n 358.457, do Mato Grosso do Sul, relatado pelo Ministro MARCO

    BUZZI, da Quarta Turma, julgado em 06/02/2014 e publicado no Dirio da Justia de

    17/02/2014) que A capitalizao de juros, independentemente do regime legal

    aplicvel (anterior ou posterior MP 1.963/2000), somente pode ser admitida

    quando haja expressa pactuao (acordo) entre as partes.

    A Comisso de permanncia Quando cobrada cumulada com correo monetria

    tambm no admitida pelo STJ e a maioria dos tribunais, porque, segundo o

    entendimento dessas decises, o contrato deve prever ou um ou ou outro, sendo a

    cobrana cumulada considerada abusiva.

  • Os juros de mora O Cdigo de Defesa do Consumidor limita os juros de mora a taxa

    de 1% a.m. (ao ms), valendo ressaltar que o STJ, h muito tempo, j decidiu que

    podem ser pactuados at o limite de 12% ao ano, conforme previsto na Lei de Usura

    (na verdade, o Decreto n 22.626/1933), lembrando que se houver incidncia de

    comisso de permanncia os juros moratrios sero afastados.

    A multa moratria O entendimento que prevalece no STJ e nos demais tribunais do

    pas o de que a alquota de 10% (dez por cento) s poder ser mantida para

    contratos firmados antes da vigncia da Lei 9.298/96, que alterou o Cdigo de Defesa

    do Consumidor. Vale observar que nos contratos firmados aps esta lei a multa estar

    limitada a 2% (dois por cento) incidindo uma nica vez. Alias, bom lembrar que , a

    jurisprudncia prevalente nesse sentido a de que A reduo da multa contratual de

    10% (dez por cento) para 2% (dois por cento) somente se aplica aos contratos

    bancrios celebrados em data posterior vigncia da Lei n 9.298/1996 (conforme

    Agravo Regimental n 135.185/RS, relator Ministro RICARDO VILALAS BOAS CUEVA,

    Terceira Turma, julgado em 04/04/2013, publicado no Dirio da Justia de

    10/04/2013).

    A correo monetria o assunto de grande discusso nos meios jurdicos do pas,

    na atualidade, havendo controvrsias sobre o ndice a ser utilizado nas diversas

    situaes em que se exige a correo monetria. Est em destaque, atualmente, a

    correo monetria sobre depsitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de

    Servio), a partir da vigncia da Lei que instituiu a TR (Taxa Referencial), enquanto o

    correo de dvidas da Unio, dos Estados e dos Municpios, por deciso provisria do

    STF devem ser corrigidas pelo IPCA (Indice Preos ao Consumidor Ampliado). Sendo o

    percentual da TR menor do que o percentual do IPCA, a corrida de titulares de contas

    do FGTS justia tem sido muito grande (j alcana a casa das 100 mil aes),

    querendo que a correo de suas contas se d tambm pelo IPCA e no pela TR.

    Nos contratos bancrios o STJ admite a cobrana da TR como fator de correo

    monetria desde que pactuada pelo mesmo ndice aplicvel caderneta de poupana,

    como se pode ver na seguinte deciso: possvel a adoo da taxa referencial (TR)

    como ndice de correo monetria para os contratos que prevejam a atualizao

    monetria dos depsitos de poupana como fator de correo monetria do saldo

    devedor 9Agravo Regimental no Recurso Especial n 120.169/DF, tendo como relatora

    a Ministra NANCY ANDRIGHI, da Terceira Turma, em 20/09/2012 e publicado no Dirio

    da Justia de 26/09/2012).

    A inscrio/manuteno em cadastro de inadimplentes O STJ tem decidido que a

    absteno da inscrio e/ou manuteno de nome de pessoas em cadastros de

    inadimplentes, especialmente, SPC e SERASA, quando requerida em antecipao de

    tutela e/ou medida cautelar, somente ser deferida se ocorrer, cumulativamente, as

    seguintes situaes: 1-se a ao estiver sustentada em questionamento integral ou

  • parcial do dbito; 2-se houver demonstrao de que a cobrana indevida est

    baseada na aparncia do bom direito (fumus boni iure) e em jurisprudncia

    consolidada do STF ou STJ; 3-se houver depsito da parcela incontroversa ou for

    prestada a cauo fixada conforme o prudente arbtrio do juiz. Tambm o STJ tem

    firmado que a inscrio/manuteno do nome do devedor em cadastros de

    inadimplentes decidida em sentena ou no acrdo observar o que for decidido no

    mrito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrio/manuteno.

    (Recurso Especial n 1061530/RS, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seo,

    julgado em 22/10/2008 e publicada no Dirio da Justia em 10/03/2009).

    Conclui-se, portanto, que estas posies do STJ esto sendo acolhidas pela maioria dos

    juzes de Primeira e Segunda Instncias (Foros e Tribunais Estaduais), lembrando a

    advogada Joice Raddatz que apesar de a jurisprudncia ser bastante favorvel aos

    Bancos, ainda h muitos abusos cometidos e o Poder Judicirio vem impondo limites

    em relao a estes aspectos.

    Observa-se que a ao revisional vem tendo grande importncia quando se trata da

    negociao do saldo devedor, caso o banco aceite negociar ou inicie as negociaes, o

    que significa, na prtica, que possvel obter a concesso de mais prazo para o

    pagamento e/ou um bom desconto em relao ao saldo devedor.

    Por fim, como observa Joice Raddatz, muito importante que se faa o clculo antes

    de propor qualquer ao revisional, pois s assim se poder ter uma idia mais

    concreta acerca do valor efetivamente devido e se h ou no abusividade na

    contratao.

    *Marasa Santana advogada com larga experincia

    em Defesa do Consumidor, integrante do Escritrio

    SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do

    Bonfim (Ba) e Salvador (Ba).