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DEPARTAMENTO DE DIREITO MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS PRINCÍPIOS DE DIREITO CIVIL - A VALORIZAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA EM CONTEXTO DE CRISE SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO Artigo apresentado como exigência parcial para obtenção do Grau de Mestrado em Direito na disciplina “Direito Civil Avançado” Professora: Doutora Stela Marcos de Almeida Neves Barbas Autor: Gáudio Ribeiro de Paula Maio, 2018 Lisboa

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DEPARTAMENTO DE DIREITO

MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

PRINCÍPIOS DE DIREITO CIVIL - A VALORIZAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA

EM CONTEXTO DE CRISE SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO COMPARADO

Artigo apresentado como exigência parcial para obtenção do Grau de Mestrado em Direito na

disciplina “Direito Civil Avançado”

Professora: Doutora Stela Marcos de Almeida Neves Barbas

Autor: Gáudio Ribeiro de Paula

Maio, 2018

Lisboa

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 2

1. Autonomia privada 4

1.1. Etimologia, conceito e natureza 4

1.2. Evolução 5

1.3. Distinção – Autonomia da vontade e autonomia privada 7

2. A liberdade contratual no Direito Comparado 7

2.1. Princípios - União Européia 9

2.2. Sistema Romano-Germânico 9

2.3. Commom Law 12

2.4. Direito Chinês 14

2.5. Direito Islâmico 15

3. A autonomia privada no ordenamento luso-brasileiro 16

4. A "crise dos subprimes" e alguns de seus impactos na autonomia privada em Portugal e no

Brasil 18

5. Os desafios à autonomia privada ante o impacto das tecnologias disruptivas 22

CONCLUSÃO 25

FONTES BIBLIOGRÁFICAS 27

ANEXO - QUADRO COMPARATIVO 32

2

INTRODUÇÃO

A autonomia da vontade é o princípio único de

todas as leis morais e dos deveres que estão em

conformidade com elas (Kant).

Os princípios, como se sabe, apresentam-se na Ciência do Direito como verdades

axiomáticas fundamentais que lhe conferem coesão, organicidade e integridade, entre outros

atributos.

A teoria formulada por DWORKIN a propósito da distinção entre regras e princípios

ganhou bastante projeção em diversos sistemas jurídicos1. Entre as características distintivas

descritas pelo jusfilósofo, podem ser citadas as seguintes: a) regras - observam uma lógica

binária ("zero" ou "um"), ao estilo "tudo ou nada" ("all-or-nothing-fashion"), de modo que, em

caso de colisão internormativa, apenas uma prevalece; b) princípios - submetem-se a uma lógica

"quântica" (em que se admitem variações entre o "zero" e o "um"), em que se pode reconhecer a

existência da dimensão de peso ou importância ("dimension of weight"), razão pela qual a

colidência não seria excludente, por se admitir a sua aplicação cumulativa (concordância

prática).

No âmbito do Direito Civil, dentre as muitas semelhanças que se podem reconhecer

entre os ordenamentos jurídicos português e brasileiro, talvez as mais relevantes seriam: a) a

matriz romano-germânica; b) a identificação da lei como centro formal de gravidade; e c) a

identidade de institutos, conceitos e regras.

Entretanto, há diferenças expressivas que merecem registro no concernete ao modo

como a cada país lida com os os princípios.

Com efeito, no Brasil se constatam: a) um certo panprincipiologismo2, resultante da

fecundidade criativa na (re)produção de princípios pela jurisprudência e doutrina3; b) a

1 DWORKIN, Ronald.. Taking Rights Seriously. 2 A expressão parece ter sido cunhada por LÊNIO STRECK. Denuncia o jurista que "de há muito um fenômeno que tomou conta da operacionalidade do direito. Trata-se do pan-principiologismo, verdadeira usina de produção de princípios despidos de normatividade. Há milhares de dissertações de mestrado e teses de doutorado sustentando

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existência de decisões judiciais fundadas estritamente em princípios (os quais, embora abstratos

e sem densidade normativa, produziriam efeitos concretos, de forma a criar obrigações pessoais

específicas)4; e c) um cenário de forte ativismo judicial5. Observa-se que tais características

também parecem estar presentes, em certa medida, em países como a Itália6.

Já em Portugal, por contraste, seriam perceptíveis: a) o número pouco expressivo de

princípios; b) a maior parte do princípios seria inferida diretamente da lei ou estaria

normativada expressamente; c) uma inclinação positivista da jurisprudência e um forte

respeito à separação de poderes.

que “princípios são normas”. Pois bem. Se isso é verdadeiro – e, especialmente a partir de Habermas e Dworkin, pode-se dizer que sim, isso é correto – qual é o sentido normativo, por exemplo, do “princípio” (sic) da confiança no juiz da causa? Ou do princípio “da cooperação processual”? Ou “da afetividade”? E o que dizer dos “princípios” da “proibição do atalhamento constitucional”, da “pacificação e reconciliação nacional”, da “rotatividade”, do “deduzido e do dedutível”, da “proibição do desvio de poder constituinte”, da “parcelaridade”, da “verticalização das coligações partidárias”, da “possibilidade de anulamento” e o “subprincípio da promoção pessoal”? Já não basta a bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do direito, agora começa a fábrica de derivados e derivativos". STRECK, Lênio Luiz. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. 3 Apenas para ilustrar tal afirmação, o autor do presente artigo catalogou mais de 70 princípios formulados pela doutrina ou pela jurisprudência no âmbito do Direito Laboral originariamente ou importados de outros sistemas jurídicos, entre os quais podem ser citados, exemplificativamente: a) no Direito Individual os princípios da proteção e seus desdobramentos diretos ("in dubio pro operario", norma mais favorável, condição mais benéfica) ou indiretos (indisponibilidade, imperatividade das normas trabalhistas, continuidade, intangibilidade contratual objetiva e despersonalização da figura do empregador), além dos princípios da irredutibilidade salarial, estabilidade financeira, integridade ou intangibilidade remuneratória, forfetariedade e alteridade; b) no Direito Coletivo os princípios da nomogenese derivada, ultratividade limitada da norma coletiva, liberdade associativa e sindical, autonomia sindical, interveniência sindical na normalização coletiva, equivalência dos contratantes coletivos, lealdade e transparência nas negociações coletiva, adequação setorial negociada. Tratou-se de estudo destinado à apresentação em palestra ministrada sob o título "Panprincipiologismo no Direito do Trabalho" no II Congresso de Advogados Trabalhistas de Empresas do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. 4 O alerta foi feito, entre outro, por IVES GANDRA FILHO, para quem "corre-se um perigo real, quando se envereda pelo ativismo judiciário e se quer extrair de princípios de baixa densidade normativa obrigações concretas de conteúdo econômico". MARTINS FILHO, Ives Gandra. Os Princípios Jurídicos e sua Densidade Normativa. 5 Podem ser mencionados dois exemplos emblematícos a propósito. Em primeiro lugar, a existência da figura das "súmulas vinculantes" (introduzidas pela Emenda Constitucional 45/04) e que, aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal, são de observância obrigatória não só pelos órgãos jurisdicionais que integram o Poder Judiciário, mas também pelos órgãos administrativos que compõem o Poder Legislativo (art.º 103.º-A da Constituição Federal). Por outro lado, os números de verbetes aprovados pelos tribunais superiores são reveladores do protagonismo do Judiciário. Somente no Tribunal Superior do Trabalho (TST) foram aprovadas 463 súmulas, 709 orientações jurisprudenciais e 120 precedentes normativos (www.tst.jus.br). Note-se que a quantidade de verbetes (1.292, no total) sobre matéria laboral supera o número de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira (CLT) que conta com apenas 922 preceitos. A situação não é muito diferente de outros tribunais de superposição: no Superior Tribunal de Justiça há 615 súmulas (www.stj.jus.br) e no Supremo Tribunal Federal 736 súmulas convencionais, além de 56 vinculantes (www.stf.jus.br). 6 Ao tratar da situação do Direito Civil italiano NIVARRA aborda o protagonismo judicial no controle da autonomia privada como uma decorrência da "nova razão do mundo". Assinala que: "siamo in presenza, dunque, di un vero e proprio passaggio d’epoca, di un mutamento sistemico che pone il civilista di fronte ad un protagonismo delle corti che non può essere considerato il frutto di un incidente di percorso, di un’anomalia transitoria discendendo esso, viceversa, dalla fisionomia impressa al sistema giuridico, e al suo modo di funzionare, dalla nuova ragione del mondo".- NIVARRA, Luca. Giurisprudenza per Principi e Autonomia Privata.

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Da investigação conduzida, mostra-se razoável concluir pela homogeneidade na

identificação de princípios próprios ao Direito Civil lusitano.

Ilustrativamente, MOTA PINTO indica os que se seguem: o reconhecimento pessoa

humana e direitos personalidade; a autonomia privada; a responsabilidade civil; a boa fé; a

concessão da personalidade jurídica às pessoas colectivas; a propriedade privada; a relevância

jurídica da família; e o fenômeno sucessório7.

CARVALHO FERNANDES, por outro lado, aponta os seguintes: a personificação

jurídica do homem; o reconhecimento dos direitos de personalidade; a igualdade dos homens

perante a lei; a autonomia privada; o reconhecimento da família como instituição fundamental;

a personalidade coletiva; a responsabilidade civil; a propriedade privada; e oreconhecimento do

fenomeno sucessório8.

Por fim, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS prefere reconhecer como princípios: o

personalismo ético; a autonomia; a responsabilidade; a confiança e aparência; a boa fé; a

paridade jurídica; a equivalência; o recohecimento da propriedade e sua função; e o respeito da

família e pela sucessão9.

Como se vê, há grande similitudade entre as relações adotadas por tais autores

portugueses10.

A principal convergência talvez resida na identificação da autonomia privada como

princípio comum e verdadeiro centro de gravidade do Direito Civil e do próprio Direito Privado,

em última análise.

1. Autonomia Privada

1.1. Etimologia, Conceito e Natureza

As investigações etimológicas costumam conduzir a conclusões relevantes para a

compreensão mais plena de institutos jurídicos. 7 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil, p. 95-176. 8 FERNANDES, Luís A. Carvalho. Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pp. 60-85. 9 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral do Direito Civil. p. 15-26 10 Na doutrina brasileira, chama a atenção a circunstância de não haver entre os autores tradicionais quem se dedique a enunciar princípios específicos do Direito Civil. MIGUEL REALE cinge-se a indicar como princípios próprios do Direito Civil, os quais teriam orientado a estruturação do Código Civil de 2002: socialidade; eticidade; e operabilidade. REALE, Miguel. Visão Geral do Novo Código Civil.

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A palavra "autonomia" provém do grego antigo "αὐτονοµία", derivada, por sua vez, de

"αὐτόνοµος", junção de "αὐτο" ("auto" que se trazudiria como "de si mesmo") com "νόµος",

("nomos", ou seja "lei") da qual resultaria "aquele que estabelece suas próprias leis"11.

Já a expressão jurídica "autonomia privada" traduz o "poder de autoregular relações

jurídicas, dentro dos limites da lei" ou o "poder jurígeno outorgado aos particulares"12. O

conceito contempla duas perspectivas: a) a liberdade de configuração das relações jurídicas

entre sujeitos de direito, ensejando a produção de negócios jurídicos; e b) o exercício (ou a

abstenção) de direito sujetivo13.

No tocante à sua natureza, constata-se divergência doutrinária relativamente ao seu

caráter originário ou derivado. A esse propósito, há autores que entendem tratar-se de faculdade

intrínseca a todos em decorrência de sua condição de pessoa, uma espécie de "liberdade

originária", cujo reconhecimento pelo Estado não se apresenta como pressuposto para o seu

exercício14. Por outro lado, outros sustentam que a existência da autonomia privada supõe o seu

acolhimento explícito ou implícito por parte de ordenamento jurídico, resultante de suas

"opções sociais, políticas e economicas concretas"15.

1.2. Evolução

Pode-se afirmar, sem exagero, que a história do Direito seguiu em paralelo à trajetória

história da autonomia privada.

No Direito Romano, a expressão "voluntas" descrevia o aspecto central do instituto

associado aos elementos volitivos de natureza eminentemente subjetiva. Além disso, os romanos

erigiram a "lex privata" como forma primária de expressão do "ius civile", proveniente de

11 Informações extraídas de https://www.etimo.it/?term=autonomia e http://etimologias.dechile.net/?autonomi.a. 12 AMARAL, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica, p. 14-16. 13 JORGE MORAIS ressalta, outrossim, que a autonomia privada corresponde a uma "área de licitude - ou o espaço de liberdade - dentro da qual as pessoas ou certas categorias de pessoas dispõe da possibilidade de praticar os atos que entenderem". CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, p. 101. 14 Entre os representantes de tal corrente, CARVALHO indica PAIS DE VANCONCELOS. CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, p. 102. 15 Além dele próprio, CARVALHO cita SÉRVULO CORREIA entre os defensores de tal posição. CARVALHO, Jorge Morais. Op. cit., p. 102.

6

"declaração solene com valor de norma jurídica, baseada em um acordo entre o declarante e o

destinatário"16.

Glosadores como SAXOFERRATO transportaram a autonomia da vontade para o

terreno do Direito Internacional Privado, atribuindo aos particulares a faculdade de definir a lei

aplicável aos seus negócios jurídicos transnacionais17.

Foi, contudo, o Direito Germânico que gestou o conceito jurídico de autonomia

privada tal como se conhece hodiernamente, a partir de uma perspectiva objetivista, fundada na

proteção da "propriedade privada" e associada a uma necessidade econômica relativa à "livre

circulação dos bens"18. Resultou de uma visão liberal e individualista firmada a partir de

pressupostos filosóficos como os lançados por KANT em sua clássica formulação do

"imperativo categórico"19. A autonomia passa a ser vista como força criadora de direito e

obrigações, para empregar a clássica locução de WINDSCHEID20.

A formulação sistemática do princípio que veio a ser incorporada aos códigos civis de

variados países costuma ser atribuída a DOMAT e POTHIER e ao Código Civil francês de

180421. Sua incorporação aos ordenamentos jurídicos foi quase universal (com as exceções a

serem apresentadas adiante), sobretudo nos Estados de tradição romano-germânica.

Após alcançar seu ápice no início do século XX, especialmente nos países da Common

Law, alguns divisaram certa crise a se abater sobre a concepção liberal da autonomia privada, a

partir da segunda métade do mesmo século. O cenário de desilusão que se desenhou pós-guerra

em múltiplos âmbitos contribui para fazer derruir a visão otimista resultante dos impactos

positivos da revolução industrial. A profunda recessão economica atraiu a necessidade de alguma

intervenção estatal para conter os desiquilibrios e disfunções decorrentes da liberdade plena nas

relações privadas22.

16 AMARAL, Francisco dos Santos. Op. cit., p. 21. 17 Consoante recorda FRANSCISCO DOS SANTOS AMARAL, a autonomia privada "teria como fundamento próprio a propriedade privada e, como função, a livre circulação dos bens". Prossegue o doutrinador ressaltando que a autonomia privada "revela-se [...] como produto e como instrumento de um processo político e econômico baseado na liberdade e na igualdade formal, com positivação jurídica nos direitos subjetivos de propriedade e de liberdade de iniciativa econômica".AMARAL, Francisco dos Santos. Op. cit., p. 26. 18 AMARAL, Francisco dos Santos. Op. cit., p. 22. 19 AMARAL, Francisco dos Santos. Op. cit., p. 23. 20 TIZON, Claudia Wagner De. Limitaciones a la Autonomia de la Voluntad, p. 41. 21 TIZON, Claudia Wagner De. Op. cit., p. 36. 22 Nas palavras de TIZON: "Coadyuvaron con esta situación las crisis económicas producidas en el período, que produjeron un cambio en las ideas económicas predominantes, pasando de la concepción liberal del Estado mínimo, relegada a una mera función de policía en el campo económico, a la de un Estado que interviene en la

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STIGLITZ alinha as seguintes razões para a crise da autonomia privada: a)

desenvolvimento do direito imperativo, com o objetivo de afirmar o equilíbrio substancial entre

as partes contratantes; b) nova perspectiva das normas supletivas, com enfoque no eventual

abuso no exercício da liberade contratual; c) refração do voluntarismo e retorno gradual ao

formalismo; e d) intervenção do Estado23.

Segundo o autor, os supramencionados aspectos conduziriam à necessidade de alteração

da arquitetura normativa contratual, notadamente quanto a dois pontos: a) coexistência da

autonomia privada com os limites que lhe seriam intrínsecos, a autorizar a ingerência estatal

voltada à defesa do interesse público para obstar prejuízos decorrentes da atuação livre de uma

ou ambas as partes na relação contratual; e b) ampliação do conceito de "ordem pública", de

modo a abarcar igualmente a sua faceta econômica, como limitadora de determinadas

modalidades contratuais (e.g. contrato de trabalho) ou de certas técnicas negociais (contratos

com cláusulas gerais ou de adesão)24.

1.3. Distinção - Autonomia da vontade e autonomia privada

Distinção relevante a ser realizada é a que separa as definições de autonomia da vontade,

de um lado, e de autonomia privada de outro.

A primeira (autonomia da vontade) estaria relacionada aos seguintes aspectos: a)

autodeterminação, enquanto expressão da vontade livre; b) manifestação de liberdade

individual no âmbito do direito psicológico; e c) de matiz subjetiva (psicológica) 25.

Já a segunda (autonomia privada) remeteria: a) à autorregulamentação, ou seja,

estabelecimento de normas no interesse próprio; b) ao poder de criar normas jurídicas, nos

limites da lei (Ferri); e c) com perfil objetivo (real)26.

2. A liberdade contratual no Direito Comparado

economía que no queda ya librada a las fuerzas naturales del mercado. El Estado comienza a intervenir, planificando y regulando". TIZON, Claudia Wagner De. Op. cit., p. 41. 23 Apud TIZON, Claudia Wagner De. Op. cit., p. 43. 24 Apud TIZON, Claudia Wagner De. Op. cit., p. 44. 25 CARVALHO, Jorge Morais. Os princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, p. 102-103. 26 CARVALHO, Jorge Morais. Op. cit., p. 102-103.

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A liberdade contratual ("freedom of contract" ou "Vertragsfreiheit") apresenta-se como

um dos mais relevantes desdobramentos do princípio da autonomia privada27. Tal liberdade

compreenderia, essencialmente, duas faculdades principais: a) a de modelação contratual

(fixação ou estipulação do conteúdo contratual - a "Gestaltungsfreiheit" tedesca); e b) a de

celebração dos contratos (ou de sua conclusão, a "Abschlzissfreiheit" alemã)28.

Trata-se, em verdade, de um subprincípio ou de um princípio derivado diretamente da

autonomia privada e que figura como central não apenas no direito doméstico de diversos

Estados nacionais, mas também de modelos internacionais ou supranacionais como é o caso do

Direito Contratual Europeu29.

Tal princípio não se afigura, naturalmente, absoluto, por admitir diversas mitigações,

dentre as quais sobressai a tutela dos direitos humanos30 contemplados por instrumentos

normativos internacionais, assim como dos direitos fundamentais positivados

constitucionalmente.

Evolução digna de nota nesse contexto (ocorrida no final da década de 1990 e início dos

anos 2000) foi a que se deu com a introdução do conceito de "liberdade contratual

substantiva" ("substantive dimension of freedom of contract"), o qual se propõe conciliar

liberdade e igualdade no âmbito das relações contratuais. Em tal perspectiva, a tutela da parte

hipersuficiente teria por objetivo assegurar a real e concreta liberdade de contratar a todos os

sujeitos contratuais31.

27 MOTA PINTO destaca, nesse sentido, que: "Outra ideia fundamental do direito civil [...] reside [...] no princípio da autonomia privada, que tem a sua dimensão mais visível na liberdade contratual". PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil, p. 102. 28 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil, p. 107. 29 O Grupo de Estudos e o Grupo de Pesquisa em Direito Civil Europeu formulou três princípios diretores do direito contratual civil europeu: liberdade ("liberté contractuelle" ou "contractual freedom"), segurança ("sécurité contractuelle" ou "contractual security") e lealdade ("loyauté contractuelle" ou "contractual loyalty”). STUDY GROUP on a European Civil Code & RESEARCH GROUP on EC Private Law (Acquis Group). Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law, p. 11-12. 30 Lembram o Grupo de Estudos e de Pesquisa em Direito Civil Europeu a esse respeito a existência de princípios de superação ou "mitigadores", entre os quais situa a proteção dos direitos humanos e a promoção da solidariedade e responsabilidade social: "Into the category of “overriding principles” of a high political nature we would place the protection of human rights, the promotion of solidarity and social responsibility, the preservation of cultural and linguistic diversity, the protection and promotion of welfare and the promotion of the internal market. Freedom, security, justice and efficiency also have a role to play as overriding principles". STUDY GROUP on a European Civil Code & RESEARCH GROUP on EC Private Law (Acquis Group). Op. cit., p. 14. 31 AURELIA CIACCHI, uma das autoras do Manifesto pela Justiça Social, assim expõe essa perspectiva substantiva da liberdade contratual: "[...] some contemporary accounts in literature and case law understand freedom of contract in a substantive sense. Accordingly, achieving substantive freedom of contract involves preventing and eliminating the harm caused by an unconscionable contract to a party who was only formally, but not substantively free to conclude it. The same applies if one party is only formally, but not substantively free to terminate a contract

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2.1. Princípios - União Europeia

Na tentativa de unificação normativa no Direito Europeu, o princípio da liberdade

contratual ocupa lugar de destaque, consoante se depreende das seguintes referências32: a)

UNIDROIT33 - “As partes são livres de celebrar um contrato e de estipular o seu conteúdo”

(1.1); b) PECL34 - “As Partes são livres de celebrar um contrato e de estipular o seu conteúdo,

sem prejuízo das exigências da boa fé e das regras imperativas […]” (1.102); c) DCFR35 - “As

Partes são livres de celebrar um contrato ou outro ato jurídico e de estipular seu conteúdo, sem

prejuízo de quaisquer regras imperativas aplicáveis” (1.102); d) CESL36 - “As partes são livres

de celebrar um contrato e de estipular o seu conteúdo, sob reserva das disposições imperativas

aplicáveis” (art. 1º, n.º 1).

2.2. Sistema Romano-Germânico

whose conditions have been unilaterally changed by the other party. Precisely because party autonomy or self-determination is crucial to private law, private law has to provide remedies for contracts which are the product of a factual subjugation of the weaker party". CIACCHI, Aurelia Colombi. Party Autonomy as a Fundamental Right in the European Union, p. 303. 32 GRONDONA, Mauro. Derecho contractual europeo, autonomía privada y poderes del juez sobre el contrato, p. 140-142. Tais alusões são igualmente indicadas por DÁRIO VICENTE. VICENTE, Dário Moura. A autonomia privada e seus diferentes significados à luz do Direito Comparado, p. 278-280. 33 O Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) tem sede em Roma (Itália) e constitui "organização internacional independente cujo propósito é estudar formas de harmonizar e de coordenar o direito privado entre Estados e preparar gradualmente a adoção, pelos diversos Estados, de uma legislação de direito privado uniforme". Foi fundado como órgão auxiliar da Sociedade das Nações em 1926 e restabelecido em 1940 por meio de tratado multilateral, o Estatuto Orgânico do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado. Conta, atualmente, com 63 Estados membros, entre os quais figuram o Brasil (desde 18/06/1940) e Portugal (desde 16/05/1949). Fontes: https://www.unidroit.org/about-unidroit/overview e https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Internacional_para_a_Unifica%C3%A7%C3%A3o_do_Direito_Privado. Acesso em 06/05/18. 34 "Principles of European Contract Law" (Princípios do Direito Contratual Europeu). Formulados pela Comissão sobre Direito Contratual Europeu ("Lando Commission") em Haia, no ano de 1999. Seu inteiro teor pode ser encontrado em http://www.jus.uio.no/lm/eu.contract.principles.parts.1.to.3.2002/. Acesso em 06/05/18. 35 "Draft Common Frame of Reference" (Projeto de Quadro Comum de Referência, em tradução literal). Elaborado pelos já mencionados Grupo de Estudos e de Pesquisa em Direito Civil Europeu, encontra-se disponível em: https://sakig.pl/uploads/upfiles/moot/dfcr.pdf. Acesso em 06/05/18. 36 "Common European Sales Law" (Direito Comum Europeu da Compra e Venda). O texto pode ser lido em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex%3A52011PC0635. Acesso em 06/05/18.

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Nos ordenamentos jurídicos dos países que integram a tradição romano-germânica, a

valorização da liberdade contratual na formação da "lex privata"37 costuma encontrar-se

normatizada no próprio Código Civil. É o caso da França38, da Espanha39 e da Itália40.

Além disso, o próprio Texto Constitucional também consagra ou oferece algum amparo

a tal liberdade em vários Estados, como, ilustrativamente, a Alemanha41, Grécia42, Itália43 e

Polônia44.

Os seus limites, de outra parte, também mereceram positivação, em regra. Identificam-se

como parâmetros norteadores de suas fronteiras, entre outros: a) a aplicação da justiça

comutativa; b) o respeito à ordem pública (v.g. França45, Espanha46 e México47); c) a

37 No Direito Romano, como se recorda, a expressão remete à ideia segundo a qual o contrato seria "lei entre as partes", obrigando-as em particular (com eficácia "inter partes", apenas entre as partes) tal como a lei estatal vincularia a todos (com eficácia "erga omnes", alcançando todos os cidadãos). Fontes: http://www.oxfordreference.com/view/10.1093/acref/9780195369380.001.0001/acref-9780195369380-e-1286 e http://www.enciclopedia-juridica.biz14.com/pt/d/lex-privata/lex-privata.htm. Acesso em 06/05/18. 38 FRANÇA. Código Civil, art.º 1.134.º - “Les conventions légalement formées tiennent lieu de lois à ceux qui les ont faites”. 39 ESPANHA. Código Civil, art.º 1.091.º - “Las obligaciones que nacen de los contratos tienem fuerza de ley entre las partes contratantes [...]”. 40 ITÁLIA. Código Civil, art.º 1.372.º - “Il contratto ha forza di legge tra le parti [...]”. Art.º 1322.º - "Autonomia contrattuale. Le parti possono liberamente determinare il contenuto del contratto nei limiti imposti dalla legge". 41 O art.º 2.º da Constituição Federal alemã ("Grundgesetz") consagra como direito fundamental a liberdade no desenvolvimento da personalidade, do qual derivaria a necessidade de respeito à liberdade contratual, segundo tem defendido a doutrina (v.g. CIACCHI, Aurelia Colombi. Op. Cit., p. 305). Eis o teor do preceito: "[Personal freedoms] (1) Every person shall have the right to free development of his personality insofar as he does not violate the rights of others or offend against the constitutional order or the moral law" (ALEMANHA, Basic Law). 42 Em seu art.º 5.º, a Constituição Grega (Σύνταγµα - Syntagma), à semelhança da tedesca, alberga a liderdade de desenvolvimento da personalidade como garantia fundamental, também a servir de esteio da liberdade contratual. Lê-se no dispositivo: "All persons shall have the right to develop freely their personality and to participate in the social, economic and political life of the country, insofar as they do not infringe the rights of others or violate the Constitution and the good usages" (GRÉCIA, Constitution). 43 A Constituição Italiana faz repousar a liberdade contratual no direito de iniciativa econômica privada, conforme têm sustentato doutrinadores (entre outros RESCIGNO, citado por CIACCHI. Op. cit., p. 314). O art.º 41.º encontra-se assim redigido: "L’iniziativa economica privata e` libera. Non puo` svolgersi in contrasto con l’utilita` sociale o in modo da recare danno alla sicurezza, alla liberta`, alla dignita` umana. La legge determina i programmi e i controlli opportuni perche´ l’attivita` economica pubblica e privata possa essere indirizzata e coordinata a fini sociali" (Itália, Costituzione). 44 A Corte Constitucional polaca entendeu que, embora não explicitamente contemplada na Carta Constitucional, a liberdade contratual estaria diretamente relacionada à liberdade pessoal assegurada em seu art. 31 (Trybunal konstytucyjny, 29 April 2003, SK 24/02, (2003) 4A OTK ZU [33]). CIACCHI, Aurelia Colombi. Op. Cit., p. 317. O aludido dispositivo tem a seguinte redação: "Freedom of the person shall receive legal protection. Everyone shall respect the freedoms and rights of others. No one shall be compelled to do that which is not required by law.Any limitation upon the exercise of constitutional freedoms and rights may be imposed only by statute, and only when necessary in a democratic state for the protection of its security or public order, or to protect the natural environment, health or public morals, or the freedoms and rights of other persons. Such limitations shall not violate the essence of freedoms and rights" (POLÔNIA, Constitution). 45 Na França, em que se erigiu a locução “vision morale du contrat”, tal como salienta VICENTE, o Código Civil estabelece, em seu art.º 6.º, em claro prestígio à ordem pública: "On ne peut déroger, par des conventions particulières, aux lois qui intéressent l'ordre public et les bonnes moeurs". VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 282.

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observância da boa fé ("bona fides") em suas perspectivas subjetiva e objetiva (v.g. Brasil48,

Alemanha49 e Grécia50); d) a proteção em face da eventual assimetria concreta entre os sujeitos

contratantes (v.g. Itália51, Alemanha52 e Portugal53); e) o estabelecimento de requisitos de

46 ESPANHA. Código Civil, art.º 1.255.º - "Los contratantes pueden establecer los pactos, cláusulas y condiciones que tengan por conveniente, siempre que no sean contrarios a las leyes, a la moral ni al orden público". 47 MÉXICO. Código Civil, art.º 1.831.º - "Artículo 1831.- El fin o motivo determinante de la voluntad de los que contratan, tampoco debe ser contrario a las leyes de orden público ni a las buenas costumbres". 48 BRASIL. Código Civil, art.º 422.º - "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". 49 Eis o que afirma o Tribunal Constitucional Alemão em emblemático julgado: “A Ciência do Direito Civil converge no sentido de que o princípio da boa fé representa um limite intrínseco à liberdade de conformação dos contratos e legitima o controlo judicial do conteúdo dos mesmos” (“Bundesverfassungsgericht”, Decisão de 19 de outubro de 1993). VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 284. 50 Os arts. 178 e 188 do Código Civil grego rendem homenagem à boa fé. 51 O Direito italiano concebeu a figura das cláusulas contratuais "vessatorie" e, no art.º 1.469.º-bis de seu Código Civil afasta a aplicabilidade de suas normas às relações de consumo por seu intrínseco desequilibrio subjetivo, ao prever que: "Le disposizioni del presente titolo si applicano ai contratti del consumatore, ove non derogate dal codice del consumo o da altre disposizioni più favorevoli per il consumatore". 52 Ao prestigiar o já mencionado aspecto substantivo da liberdade contratual, a Corte Constitucional alemã assentou, em emblemático julgado: "(P)rivate autonomy is based on the principle of self-determination, and thus requires that the conditions of free self-determination be in fact actually present. If the bargaining power of one of the contracting parties is so heavily disproportionate that the contractual regulation becomes factually one-sided, this makes the contract heteronymous. Where there is an absence of approximate equality of bargaining power between the parties, then a fair balancing of their interests cannot be reached by the means of contract law alone. Even when the legislator refrains from creating mandatory contract law for certain aspects of life, that in no way means abandoning the field of contract practice to the free play of power. Rather, the general clauses of private law, which have the effect of prohibiting excessive power, first and foremost those in §§ 138, 242, 315 BGB12, are to be applied as integrative instruments. It is precisely in the elaboration and application of these general clauses that fundamental rights are to be observed. The corresponding protective mandate of the Constitution is directed here to the judge, who has to enforce the objective basic decisions of fundamental rights in cases of imbalanced contractual parity, using the means of private law" (BVerfG 7 February 1990, BVerfGE 81, 242 (,Handelsvertreter’), Juristenzeitung 1990, 691). Citado por CIACCHI. CIACCHI, Aurelia Colombi. Op. cit., p. 305. 53 Emblemáticas, a esse propósito, os "consideranda" do Decreto-Lei n.º 446/85 a respeito das cláusulas contratuais gerais (no Brasil, prefere-se a expressão "contratos de adesão"), dentre os quais se destaca o seguinte excerto: "[...] A negociação privada, assente no postulado da igualdade formal das partes, não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra, ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístico, a contratação reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar em conta. O comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adscrições que lhes advêm do tráfico jurídico. O fenómeno das cláusulas contratuais gerais fez, em suma, a sua aparição, estendendo-se aos domínios mais diversos. São elaborados, com graus de minúcia variáveis, modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo. [...] As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica, ninguém é obrigado a aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida de relações concretas. E, fazendo-o, exerce uma autonomia que o direito reconhece e tutela [...]" (PORTUGAL, Decreto-Lei 446/85).

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validade dos contratos (v.g. Portugal54, Itália55 e Brasil56); f) eficácia horizontal dos direitos

fundamentais (v.g. Alemanha57, Portugal58 e Diretiva 2000/43); g) a funcionalização do contrato

ou a atribuição de função social aos negócios jurídicos (Espanha59, Brasil60 e Portugal61); h) o

reconhecimento de novos vícios contratuais como lesão e estado de perigo (Brasil62); e, mais

recentemente, i) a chamada liberdade fática como materialização autonomia privada

("Materialisierung"), como elemento a ser considerado na interpretação do alcance de "decisões

subjacentes à contratação"63.

2.3. Common Law

54 PORTUGAL. Código Civil, art.º 280º - "1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legamente impossível, contrário à lei ou indeterminável. 2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes". 55 ITÁLIA. Codice Civile, art.º 1.325.º - "Indicazione dei requisiti. I requisiti del contratto sono: 1) l'accordo delle parti; 2) la causa; 3) l'oggetto; 4) la forma, quando risulta che è prescritta dalla legge sotto pena di nullità". 56 BRASIL. Código Civil, art.º 104.º - "A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei". 57 O célebre caso Lüth lançou os pilares da doutrina da "eficácia horizontal dos direitos fundamentais" ao permitir ao Tribunal Constitucional alemão assentar que a Constituição abriga um "sistema objetivo de valores" projetável a toda a ordem jurídica, inclusive a lei privada, a qual também não poderia escapar à incidência dos direitos fundamentais (BVerfG 15 January 1958, BVerfGE 7, p. 198). CHEREDNYCHENKO, Olha O. Fundamental rights and private law: A relationship of subordination or complementarity?, p. 4. 58 No Direito lusitano, a Constituição prevê em seu art.º 18.º, sobre a força jurídica de seus dispositivos: "1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas". 59 ESPANHA. Código Civil, art.º 7.º - "2. La Ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del mismo. Todo acto u omisión que por la intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase manifiestamente los límites normales del ejercicio de un derecho, con daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el abuso". 60 BRASIL. Código Civil, art.º 421.º - "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". 61 PORTUGAL. Código Civil, art.º 334º - "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito". 62 BRASIL. Código Civil. Art.º 156.º - " Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa". Art.º 157.º - "Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". 63 CANARIS, Claus-Wilhelm Apud VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 284.

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Em um primeiro momento, a liberdade contratual ostentava ares de prerrogativa quase

absoluta (“sanctity of contracts”64) na Common Law, sobretudo nos Estados Unidos e na

Inglaterra, a partir da premissa teórica liberal de que o "equilíbrio dos interesses" das partes

contratantes resultaria do exercício da própria autonomia privada65.

Nesse contexto, não se reconhecia, em regra, a noção de causa (como requisito de

validade contratual), a figura da lesão enorme ou mesmo da onerosidade excessiva, como

limitadores da liberdade contratual66.

Entretanto, diversos doutrinadores apontaram um certo declínio progressivo da liberdade

de contratar ao longo do século XX, sem que se tenha verificado, ainda assim, a perda da

essência liberal do direito contratual na Common Law67.

De todo modo, podem ser identificados vários institutos que atuam como barreiras de

contenção da liberdade contratual, tais como os conceitos de: a) “consideration” – aplicável

quando alguma das partes não levou em conta (em consideração) de forma devida determinados

elementos do contrato68; b) “frustration” – que faz lembrar o instituto da "alteração anormal

circunstâncias"69; e c) “undue influence” (ou "misrepresentation") – da qual resulte vício de

vontade (e.g. coação real ou presumida)70.

64 A esse propósito, GOODHART assenta como base moral do contrato a expectativa razoável formada nas partes contratantes: "[...] the moral basis of contract is that the promisor has by his promise created a reasonable expectation that it will be kept". PARRY, David Hughes, The Sanctity of Contracts in English Law. 65 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 293. 66 Id. ibid. 67 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 294. O autor cita, ilustrativamente, GRANT GILMORE que teria anunciado a “morte do contrato”, já em 1970. 68 “[…] the law of this country supplies no means nor affords any remedy to compel the performance of an agreement made without sufficient consideration […]” (Camara dos Lordes, 1778, Caso Rann Vs. Hughes, Lorde Skynner). HOLLAND, Thomas Erskine. The Elements of Jurisprudence, p. 238. 69 "[…] all facts which throw light on the nature of the contract, or which can properly be held to be extrinsic evidence relevant to assist in its construction and then, as a matter of law, to construe the contract and to determine whether the ultimate situation… is or is not within the scope of the contract so construed... appears to me that frustration depends, at least in most cases, not on adding any implied term but on the true construction of the terms which are, in the contract, read in light of the nature of the contract and of the relevant surrounding circumstances when the contract was made […]". (Camara dos Lordes, 1956, Davis Contractors Ltd v Fareham Urban District Council, Lorde Reid). DAVIS, Martin & OUGHTON. Sourcebook on Contract Law, p. 284. 70 “[…] Undue influence is one of the grounds of relief developed by the courts of equity as a court of conscience. The objective is to ensure that the influence of one person over another is not abused. In everyday life people constantly seek to influence the decisions of others. They seek to persuade those with whom they are dealing to enter into transactions, whether great or small. The law has set limits to the means properly employable for this purpose. The law will investigate the manner in which the intention to enter into the transaction was secured: If the intention was produced by an unacceptable means, the law will not permit the transaction to stand. The means used is regarded as an exercise of improper or 'undue' influence, and hence unacceptable, whenever the consent thus procured ought not fairly to be treated as the expression of a person's free will. It is impossible to be more precise or definitive. The circumstances in which one person acquires influence over another, and the manner in which

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2.4. Direito Chinês

As noções de liberdade contratual ou mesmo autonomia privada não faziam parte da

tradição jurídica da China, em virtude da incompatibilidade com a religião confucionista

predominante, assim como com o modelo de estado71.

Contudo, a partir da década de 1980 houve importante evolução legislativa, com a

aprovação de norma acerca dos Princípios Gerais de Direito Civil (PGDC - 1986). O

desenvolvimento normativo acompanhou a trajetória percorrida pelo país rumo à economia

(socialista) de mercado72.

Na prática de atos na vida civil, o art.º 4.º dos PGDC insititui a necessidade de

observância dos seguintes princípios: voluntariedade, justiça, isonomia, honestidade e

credibilidade73.

Em sua mais recente legislação sobre contratos (Lei de Contratos da República Popular

da China - LCRC, de 199974), a liberdade contratual foi objeto de expressa previsão, na qual se

veda a interferência de terceiros na celebração de negócios jurídicos contratuais75.

Além disso, o diploma legal alude aos princípios da justiça76, boa-fé77, legalidade78 e

força obrigatória79. Cumpre notar que tal principiologia alinha-se ao confucinismo, de modo

influence may be exercised, vary too widely to permit of any more specific criterion. […]” (Camara dos Lordes, 2001, RBS v Etridge, Lorde Nicholls). Disponível em: https://publications.parliament.uk/pa/ld200102/ldjudgmt/jd011011/etridg-1.htm (Acesso em 15/05/18)(). 71 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 290. 72 VICENTE, Dário Moura. Id. ibid. 73 CHINA. General Principles of the Civil Law of the People's Republic, art.º 4.º - "In civil activities, the principles of voluntariness, fairness, making compensation for equal value, honesty and credibility shall be observed". 74 A Lei foi pensada para garantir integridade à ordem social e economica chinesa, além de promover a modernização do socialismo no país. É o que se depreende de seu art.º 1.º, em que se lê: "Purpose. This Law is formulated in order to protect the lawful rights and interests of contract". parties, to safeguard social and economic order, and to promote socialist modernization. 75 CHINA. Contract Law of the People's Republic, art.º 4.º - "Right to Enter into Contract Voluntarily. A party is entitled to enter into a contract voluntarily under the law, and no entity or individual may unlawfully interfere with such right". 76 CHINA. Contract Law of the People's Republic, art.º 5.º - "Fairness. The parties shall abide by the principle of fairness in prescribing their respective rights and obligations". 77 CHINA. Contract Law of the People's Republic, art.º 6.º - "Good Faith The parties shall abide by the principle of good faith in exercising their rights and performing their obligations". 78 CHINA. Contract Law of the People's Republic, art.º 7.º - " Legality. In concluding or performing a contract, the parties shall abide by the relevant laws and administrative regulations, as well as observe social ethics, and may not disrupt social and economic order or harm the public interests".

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que, ilustrativamente, a boa-fé resulta da virtude da benevolência (“ren”) e a justiça da retidão

(“yi”)80.

A liberdade contratual cinge-se à faculdade de celebração de contratos, mas não se

estende à definição do parceiro contratual, do conteúdo e forma contratuais, da modificação ou

extinção do contrato, uma vez que tais aspectos não pertencem à autonomia privada das partes.

Antes, tais dimensões encontram-se condicionadas quase integralmente aos interesses públicos

ou estatais81.

2.5. Direito Islâmico

Como se sabe, a fonte material primária dos ordenamentos jurídicos islâmicos é a

religião.

Nesse contexto, alguns identificam na Surata 5.1 do Alcorão a principal sede normativa

da eficácia vinculante dos contratos ("pacta sunt servanda")82, a ensejar alguma sorte de

controle ético das transações jurídicas83.

Não se pode, entretanto, depreender a existência de liberdade contratual no Direito

islâmico, uma vez inconciliável com o princípio de tipicidade dos contratos (ditos "uqud",

plural de "aqd")84 defendido pelas Escolas Zahirita85 e Hanifita86.

79 CHINA. Contract Law of the People's Republic, art.º 8.º - " Binding Effect; Legal Protection. A lawfully formed contract is legally binding on the parties. The parties shall perform their respective obligations in accordance with the contract, and neither party may arbitrarily amend or terminate the contract. A lawfully formed contract is protected by law. ". 80 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 291. 81 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 290. 82 ALCORÃO, 5.ª SURATA - "Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. Ó fiéis, cumpri com as vossas obrigações (325). Foi-vos permitido alimentar-vos de reses, exceto o que vos é anunciado agora; está-vos vedada a caça, sempre que estiverdes consagrados à peregrinação. Sabei que Deus ordena o que Lhe apraz". Disponível em: http://www.ibeipr.com.br/ibei.php?path=alcorao/almaida. Acesso em 06/04/18. 83 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 292. 84 Id., ibid. 85 "Zahir" significa visível, expresso, em árabe. A escola zahirista também é conhecida como "escola do explícito, literalista" e propõe que à razão humana não incumbiria compreender os "atributos divinos expressos nas palavras", pois "a verdade humana não deveria tocar a verdade divina". Opõe-se, assim, à escola batinita ou do implícito, para a qual inexistiriam "limitações ao raciocínio e à consciência humanos". Extraído de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2003000200007. Acesso em 06/04/18. 86 "Abu Hanifa An-nu'man Ibn Thabit (em árabe:ثابت بن النعمان) (Cufa, 8 de setembro de 699 – Bagdá, 18 de junho de 767) foi um teólogo e jurista muçulmano, cujos ensinamentos deram origem a uma das quatro escolas canónicas de jurisprudência islâmica sunita, a escola hanafita, seguida hoje em dia no Egito, Turquia, Ásia Central, Paquistão e Índia.[...] A maneira de formular soluções para os problemas legais desenvolvida por Abu Hanifa foi diferente da até então usada. Anteriormente os juristas tinham desenvolvido uma doutrina que aplicavam

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De outro lado, haveria severas restrições relativamente aos bens suscetíveis de

transação, assim como fortes sanções ao enriquecimento injustificado (v.g. proibição de

juros87), condizente com a "ética de solidariedade" característica do Islão, que anatematiza

qualquer "ganho injusto à custa alheia"88.

Ante o caráter teocêntrico do sistema jurídico islâmico, referidas limitações estribam-se

na própria Xaria, oposta à valorização da cultura cristã ocidental da autodeterminação89.

3. A autonomia privada no ordenamento luso-brasileiro

Tanto em Portugal como no Brasil, a sede normativa primeira da autonomia privada

reside na própria Constituição90. Seus fundamentos constitucionais poderiam ser extraídos: a)

do reconhecimento da iniciativa privada (art.º 61º da Constituição de Portugal e arts.º 1.º, IV, e

170 da Constituição do Brasil)91; b) da propriedade privada (arts.º 62.º e 89.º da Constituição

de Portugal e arts.º 5.º, XXII, e 170, II, da Constituição do Brasil); c) da liberdade de escolha da

profissão ou gênero de trabalho (art.º 47.º da Constituição de Portugal e art.º 5.º, XIII, da

Constituição do Brasil); e d) do direito ao desenvolvimento da personalidade (art.º 26.º, n.º 1

Constituição de Portugal e arts.º 1.º, IV, e 170 da Constituição do Brasil).

Seu mais destacado consectário no ordenamento luso-brasileiro é a liberdade contratual,

na dupla dimensão já realçada: a) de contratação - que compreende conclusão dos contratos

(positiva – contratação - ou negativa – não contratação) e escolha do modelo contratual e do

sujeito contratado; e b) de modelação - que abarca a fixação ou estipulação do conteúdo

contratual, isto é, a definição de conteúdo e de forma. aos casos; Abu Hanifa trabalhava em função de casos para formular doutrinas. O seu trabalho foi divulgado por Abu Yusuf e Shaibani, tendo sido adoptado pelos califas Abássidas, pelos quais curiosamente Abu Hanifa não nutria simpatia, dado que foi perseguido por estes. A escola hanifita é hoje conhecida pelo lugar que proporciona ao juízo pessoal e ao uso da analogia (qiyas) na solução dos problemas". Extraído de https://pt.wikipedia.org/wiki/Abu_Hanifa. Acesso em 06/04/18. 87 ALCORÃO, 2.ª SURATA - “Os que praticam a usura só serão ressuscitados como aquele que foi perturbado por Satanás; isso, porque disseram que a usura é o mesmo que o comércio; no entanto, Deus consente o comércio e veda a usura. Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus. Por outro lado, aqueles que reincidirem, serão condenados ao inferno, onde permanecerão eternamente”. 88 VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 299. 89 VICENTE, Dário Moura. Id. ibid.. 90 No caso de Portugal, o próprio Supremo Tribunal de Justiça (STJ) afirma que “[…] o princípio da autonomia privada é tutelado constitucionalmente […]” (STJ – Acórdão de 9 de Julho de 1998 – Boletim do Ministério da Justiça, vol. 479, pp. 580). 91 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil, p. 102.

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No âmbito do Direito Civil, há limitações em âmbas as perspectivas.

Quanto à liberdade de contratação, ilustram restrições: o dever de contratar (v.g. seguro

obrigatório - Dec.-Lei 522/85 em Portugal e Lei n.º 6.194/74 no Brasil); a proibição de celebrar

contratos em determinada circunstâncias (v.g. venda a filhos ou netos - art.º 877º do CC de

Portugal e art.º 496º do CC do Brasil); e a sujeição do contrato à autorização de outrem (v. g.

alienção de imóveis de casal - art.º 1682.° do CC Portugal e art.º 1647º do CC do Brasil).

No tocante à liberdade de modelação, são exemplos de mitigações: a imposição de

requisitos de validade do contrato (art.º 280.° do CC de Portugal e art.º 104º do CC do Brasil); a

anulabilidade negócios usurários (art.º 282.° do CC de Portugal e art.º 591º do CC do Brasil); a

incidência do princípio da boa-fé (art.º 761°, n.° 2, do CC de Portugal e, entre outros, o art.º 113º

do CC do Brasil); e a necessidade de respeito a normas imperativas (art.º 1146.° do CC de

Portugal e art.º 122º do CC do Brasil).

Já no campo do Direito Laboral, as contenções revelam-se ainda mais expressivas.

Na definição do modelo contratual, há preferência pelo contrato de trabalho, havendo

presunção legal de existência de tal contrato em dadas circunstâncias (art.º 12.º, n.º 1, do Código

do Trabalho - CT - de Portugal) e reconhecimento de fraude na contratação autônoma travestida

(art.º 12.º, n.º 2, do CT de Portugal e arts.º 9º e 442.º-B da Consolidação das Leis do Trabalho -

CLT - do Brasil).

A liberdade de escolha do contratado encontra-se limitada ante a existência de regras a

respeito de quotas mínimas para contratação de aprendizes e deficientes, além de contratação

preferencial pessoas com responsabilidades familiares e capacidade reduzida no trabalho a

tempo parcial (art.º 152.º do CT de Portugal e arts.º 429.º da CLT do Brasil e 93.º da Lei

8.213/91 brasileira).

Na execução do contrato de trabalho, um dos tantos freios à autonomia privada concerne

à imperatividade dos contratos normativos, cujas disposições apenas poderiam ser afastadas por

contrato individual de trabalho se previr condições mais favoráveis ao trabalhador (art.º 476.° do

CT de Portugal e art.º 619.º da CLT do Brasil).

A extinção do contrato laboral pode ser vista como um direito potestativo no qual se

manifesta com bastante amplitudade a liberdade contratual, particularmente com a admissão da

figura do distrato (art. 349.º CT de Portugal e o recente art.º 484.º-A da CLT do Brasil92).

92 O dispositivo foi introduzido pela Lei 13.467/17, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista brasileira.

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Entretanto, também nessa seara constatam-se limitações em ambos os ordenamentos jurídicos,

entre as quais se pode citar: a necessidade de pagamento de verbas rescisórias (art.º 345.º do CT

de Portugal e art.º 477 da CLT do Brasil); a tutela antidiscriminatória (arts.º 25.º a 28.º do CT de

Portugal Lei n.º 9.029/95 do Brasil); algumas estabilidades ou garantias de emprego (v.g. a

gestacional prevista no Decreto-Lei n.º 133/15 de Portugal e no art.º 10.º, II, b do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias do Brasil); e claúsulas de inação (v.g. pactos de não-

concorrência e de permanência positivados no Direito português - nos arts.º 136.º a 138.º do CT -

mas não no ordenamento positivo brasileiro).

4. A "crise dos subprimes" e alguns de seus impactos na autonomia privada em Portugal e

no Brasil

Uma das mais significativas definições de crise foi a legada por GRAMSCI, segundo o

qual “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não

pode nascer”, período durante o qual "uma grande variedade de sintomas mórbidos

aparecem"93.

A imensa complexidade, caráter polifacético e a multiplicidade tipológica do fenômeno

obstam qualquer tentativa de aprofundamento da sua análise em uma investigação como a que se

pretende ora conduzir, revelando-se incompatível com seus modestos propósitos.

Por conseguinte, o recorte que se pretende fazer aqui concerne à crise econômica que se

iniciou em 2008 e cujo epicentro poderia ser localizado nos Estados Unidos. A quebra do

tradicional banco de investimentos Lehman Brothers deu início à chamada "crise dos

subprimes". Em efeito cascata, abalou outras grandes instituições financeiras, assim como, em

sua esteira, empresas de diversos ramos e de todos os portes, transpondo as fronteiras do capital

especulativo em direção ao setor produtivo e espraiando-se por todo o mundo94.

Em alguma medida, pode-se afirmar que, passados quase dez anos, os desdobramentos de

tal crise continuam a se fazer sentir em maior ou menor amplitude em diversos países. Portugal

e Brasil não ficaram incólumes.

93 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Selections of the Prison Notebooks; International Publishers, New York, 1971; págs. 275-276. Disponível em: http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=22869. Acesso em 13/05/18. 94 PAULA, Gáudio Ribeiro de. Lições de Shackleton para o Direito do Trabalho, em um contexto de Crise, p. 213.

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No caso lusitano, a crise financeira encontra-se atualmente superada, estando o país a

usufruir de ventos favoráveis95. Não se pode, infelizmente, afirmar o mesmo quanto à situação

brasileira96.

Portugal experimentou, como uma das implicações da crise financeira, a elevação da

informalidade97, o que pode ser visto como uma evidência de um "escapismo" das normas

heteronomas impositivas.

De outra parte, sobreleva observar que a jurisprudência não parece ter admitido a

invocação da crise como fundamento suficiente para resolução ou modificação de contratos por

alteração anormal das circunstâncias (art.º 437.º do Código Civil)98. Subjaz à interpretação do

Supremo Tribunal de Justiça (STJ) nesse ponto o prestígio do "pacta sunt servanda" e a tutela da

confiança como expressões da autonomia privada nas relações cíveis.

Outra evolução digna de nota nessa direção foi a aprovação da nova lei de arbitragem

voluntária, para a qual muitos divisam a decisiva intervenção da Troika e que pode ser vista

como um prestígio da autonomia privada no cenário da crise99. A Lei 63/11 entrou em vigor no

95 "A crise financeira em Portugal de 2010–2014 foi uma crise financeira que se iniciou como parte da crise financeira global de 2007–2008, desenvolvendo-se no contexto da crise da dívida pública da Zona Euro, que afetou principalmente os países europeus meridionais e a Irlanda. Durante este período, a desigualdade aumentou, houve corte de serviços básicos e o governo começou a usar recursos de cofres públicos para salvar empresas. No pico da crise, o judiciário local declarou 52 falências por dia, e houve crescimento da tributação. Os salários no setor público tiveram uma redução acentuada em consequência da fuga de capital para outros países". Extraído de https://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_financeira_em_Portugal_de_2010%E2%80%932014. Acesso em 13/05/18. 96 O país encontra-se em profundas turbulências não apenas economicas, mas políticas e sociais, consoante amplamente divulgado nos principais veículos de comunicação. 97 Entre outras, pode ser referida a matéria divulgada pela BBC em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39501022. Acesso em 13/05/18. 98"I - Embora a crise económica que afectou o nosso país seja um facto notório, não é, por si só, suficiente para que se possa recorrer, sem mais, ao instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no art. 437.º do CC, sendo antes necessário que haja uma correlação directa, que seja factualmente demonstrada, entre a crise económica geral e a actividade económica concreta de determinado agente económico. II - Para que seja possível a resolução ou, ao menos, a modificação das cláusulas do contrato fundada na alteração anormal das circunstâncias, mister se torna que: (i) a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato; (ii) essa alteração torne o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa fé; e (iii) não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. III - É próprio dos contratos de compra e venda de imóveis, com opção de recompra em determinado prazo, o risco de o vendedor não conseguir exercer o direito de opção de (re)compra quando apenas se propôs recomprar se e quando encontrasse interessado na compra do bem, por valor superior ao da recompra. [...] VI - Mesmo que se verifiquem os pressupostos da resolução, a parte que não esteja em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato (art. 432.º, n.º 2, do CC). (STJ, Processo 320/11.4TVLSB.L1.S1, Relat. JOÃO TRINDADE, 03/30/2017) 99 Eis o que afirma ARMINDO RIBEIRO MENDES: “A verdade é que os trabalhos de preparação da nova LAV se arrastaram inglória e inexplicavelmente entre Março de 2009 e Maio de 2011, mas com o ‘empurrão’ da TROIKA a Lei foi aprovada em três meses, acolhendo o Governo actual plenamente o Projecto da APA de 2009, revisto em 2010”. MENDES, Armindo Ribeiro. A Crise e os seus efeitos previsíveis no Direito, p. 16.

20

dia 14 de dezembro de 2011 e consagra expressiva liberdade na composição de conflitos sem a

intervenção estatal.

Na seara laboral, a Lei n.º 23/12 pode ser citada como uma tentativa de conferir alguma

valorização, ainda que tímida, da autonomia privada ao: a) flexibilizar o rigor formal dos

contratos de trabalho, nas hipóteses de "muito curta duração" nas quais se dispensa a forma

escrita (art.º 142.º do CT de Portugal); e b) autorizar a instituição de banco de horas por meio

de acordo individual direto entre empregado e empregador (art.º 208.º-A do CT de Portugal100).

Ainda no terreno do Direito do Trabalho, convém destacar a previsão contida no art.º

502.º (alterada pela Lei n.º 55/14), de acordo com a qual a aplicação de convenção coletiva pode

ser suspensa temporariamente "em situação de crise empresarial, por motivos de mercado,

estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado gravemente a

atividade normal da empresa".

No Brasil, um dos exemplos de ampliação da autonomia privada como meio de superação

da crise economica foi a chamada Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), a qual

promoveu uma ampla revisão da legislação trabalhista101.

Tal diploma legal introduziu o art.º 507.º-A na CLT102 por meio do qual, de forma

inédita103, a norma admitiu a utilização da arbitragem para compor dissídios individuais

trabalhistas, por meio da inclusão de cláusula compromissória no contrato individual de trabalho.

100 Na mesma direção seguiu a Lei 13.467/17 ao promover a inclusão do § 5º no art.º 59.º da CLT do Brasil, cujo teor ora se reproduz: "O banco de horas [...] poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses". 101 Vale notar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) brasileira remonta ao ano de 1943. 102 BRASIL, CLT. Art.º 507.º-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. 103 Houve tentativa de se instituir a possibilidade de submissão à arbitragem quanto a conflitos individuais relativamente a administradores ou diretores estatutários, por meio da inserção pelo Projeto de Lei 406/2013 do § 4.º no art. 4º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) cujo teor era o seguinte: “§ 4.º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição.” No entanto, tal dispositivo foi vetado pela Presidência da República, a qual entendeu que “o dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral.”

21

O legislador brasileiro seguiu aqui o exemplo do Peru que inclui disposição semelhante em sua

nova "Ley Procesal del Trabajo" em 2009104.

O dispositivo restringiu subjetivamente o seu alcance para permitir a submissão à

arbitragem apenas aos trabalhadores cujo salário for superior ao valor equivalente a duas vezes

o chamado "teto previdenciário" (maior valor recebido a título de benefício previdenciário)105.

Tais empregados passaram a ser conhecidos como "hipersuficientes", diante da

circunstância de que, em seu caso, a presunção de assimetria de forças entre empregados em

empregadores poderia ser afastada, obstando a incidência dos princípios da proteção e da

irrenunciabilidade.

Trata-se de uma ruptura significativa do paradigma que sempre orientou a

hemernêutica doutrinária e jurisprudencial predominante quanto à arbitrabilidade de conflitos

jurídicos individuais no âmbito das relações laborais.

Há uma segunda menção e ainda mais relevante à figura na CLT (com as alterações

trazidas pela Lei n.º 13.467/17). Trata-se do acréscimo do parágrafo único do art.º 444.º106. A

regra concerne à possibilidade de os trabalhadores hipersuficientes pactuarem livremente com

seus empregadores de forma direta (sem a intermediação de entidades sindicais) a flexibilização

de direitos previstos em lei quanto a determinadas matérias (v.g., jornada de trabalho, observados

os limites constitucionais; banco de horas anual; intervalo intrajornada, respeitado o limite

mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; teletrabalho, regime de

sobreaviso, e trabalho intermitente; remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas

percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; modalidade de registro

104 PERU, Lei 29.497/09 (Ley Procesal del Trabajo). DISPOSICIONES COMPLEMENTARIAS. [...] SEXTA.- "Las controversias jurídicas en materia laboral pueden ser sometidas a arbitraje, siempre y cuando el convenio arbitral se inserte a la conclusión de la relación laboral y, adicionalmente, la remuneración mensual percibida sea, o haya sido, superior a las setenta (70) Unidades de Referencia Procesal (URP)". O valor corresponde a € 7.307,00 ou R$ 30.861,00, de acordo com o câmbio de 13/04/18. 105 Corresponde ao valor de R$ 11.291,60, de acordo com os parâmetros em vigor para o ano de 2018. Informações extraídas de http://www.previdencia.gov.br/2018/01/beneficios-indice-de-reajuste-para-segurados-que-recebem-acima-do-minimo-e-de-207-em-2018/. Acesso em 1º/04/18. Cumpre ressaltar que o rendimento médio entre os trabalhadores formais no Brasil é de R$ 2.441,00 e cerca de 2% da população economicamente ativa percebem salário superior ao referido limite (R$ 11.291,60), segundo os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2016 e disponíveis em https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/rendimento-despesa-e-consumo/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=resultados (acesso em 1º/04/18). 106 BRASIL, CLT. Art. 444.º - "A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social".

22

de jornada de trabalho; troca do dia de feriado; entre ourtas). Curiosamente, para esse efeito, o

dispositivo exige ainda, como se vê, que o empregado seja portador de diploma de nível superior,

diversamente do que se dá quanto à possibilidade de utilização da via arbitral.

Tais modificações legislativas atraíram a crítica dos que possuem uma visão mais

protetiva do Direito do Trabalho107 e o entusiasmo daqueles que viam a necessidade de uma

maior flexibilidade na legislação trabalhista brasileira também nesse aspecto108.

5. Os desafios à autonomia privada ante o impacto das tecnologias disruptivas

A contenção da autonomia privada revela-se especialmente desastrosa quando se trata de

regular novos fenomenos resultantes da implementação inexorável109 das chamadas tecnologias

disruptivas.

107 É o caso de Maurício Godinho e Gabriela Neves Delgado que formulam, entre outras, as ponderações a seguir: "Lamentavelmente, a Lei da Reforma Trabalhista repetiu o seu objetivo de estratificação contra tais trabalhadores, agora lhes abrindo a arriscada vereda da arbitragem para a solução de qualquer pendência com respeito a seu empregador - art. 507-A da CLT. [...] O instituto da arbitragem, entretanto, embora tenha algum sucesso em segmentos jurídicos nos quais prepondera o princípio da autonomia e simetria de vontades (Direito Empresarial; Direito Internacional; alguns segmentos do Direito Civil), ele se mostra flagrantemente incompatível com os campos do Direito em que vigoram princípios distintos, especialmente em vista da lancinante diferenciação de poder entre os sujeitos das relações jurídicas centrais desses campos normativos específicos. É o que acontece, por exemplo, com o Direito do Trabalho e com o Direito do Consumidor. Ora, não é por outra razão que a própria Lei de Arbitragem (n. 9.307, de 1996) dispõe que o peculiar instituto se aplica somente à regulação de direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, Lei n. 9.307/1996; grifos acrescidos). Essa circunstância - regência de direitos patrimoniais disponíveis - cria óbvia incompatibilidade quanto à inserção, nesse grupo de direitos patrimoniais disponíveis, dos direitos individuais e sociais fundamentais justrabalhistas, principalmente quando considerados no plano das relações bilaterais próprias ao contrato empregatício, entre empregado e empregador". DELGADO, Maurício Godinho & DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil: Com os comentários à Lei n. 13.467/2017, p. 192. 108 "[...], em compasso com a moderna tendência de descentralizar a solução de conflitos do sistema estatal - que, sendo binário e formal, oferece opções insuficientes e limitadas -, parece-nos oportuna a utilização da arbitragem em conflitos individuais trabalhistas como alternativa ao processo judicial, cada vez mais moroso e ineficaz. Esta tendência é hoje universal e faz parte do princípio de que o cidadão se tornou parceiro do Estado para a solução de seus problemas. Tudo que a cidadania pode assumir e resolver é um passo à frente no aperfeiçoamento das democracias modernas. Não basta dizer que a democracia é um governo do povo, para o povo e pelo povo, segundo o famoso discurso de Abraham Lincoln, pronunciado em Gettysburg e universalmente conhecido. É preciso que o povo realmente assuma sua função na construtividade dos instrumentos que a lei e a Constituição colocam em suas mãos. [...]A relutância em admitir a arbitragem em conflitos individuais de trabalho é uma prevenção injusti- ficada que merece urgente revisão, sobretudo no caso dos altos empregados, que detêm maior autonomia na negociação dos seus contratos de trabalho e recebem remunerações substancialmente maiores que a média, não gozando da mesma situação de hipossuficiência que a dos demais trabalhadores". São as considerações de Antonio Alves da Silva e George Augusto Mendes Silva em apoio à inovação legislativa (IN GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.) & ALVARENGA Rúbia Zanotelli de (Coord.) & SCHIO, Adriana Cavalcante de Souza (Org.) - Reforma Trabalhista: Impacto e Aplicação da Lei n. 13.467, de 2017, p. 72-75. São Paulo: LTr, 2018. 109 Já no final da década de 1980 alertava Borruso: “Se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modo de pensar, o mundo, que certamente não dispensará a máquina, dispensará o jurista. Será o fim do

23

Evidentemente, o Estado não pode ficar inteiramente alheio às questões jurídicas que

possam emergir de tais novidades110.

Dois exemplos talvez permitam aquilitar a inabilidade estatal no trato com essa nova

economia.

Entre as incontáveis possibilidades trazidas pelo emprego no terreno jurídico da

inteligência artificial (IA), cuja evolução exponencial foi marcante na última década, no campo

da formação dos contratos, a implementação dos chamados "smart contracts" (contratos

inteligentes autoexecutáveis) ou "e-contracts"111 permite a automação inteligente de operações

resultantes de negócios jurídicos112.

Tais contratos eletrônicos firmados sem qualquer intervenção humana recebem em

Portugal (assim como em diversos outros países) o mesmo tratamento jurídico, essencialmente,

destinado aos contratos convencionais113.

Estado de Direito e a democracia transformar-se-á facilmente em tecnocracia.” BORRUSO, Renato. Computer e diritto, Tomo Secondo, Problemi giuridici dell’informatica, Giuffrè, Milano, 1988. 110 A propóstio, fazendo eco de uma das vozes academicamente mais respeitadas em se tratando de temas de Direito e Informática, o Prof. LAWRENCE LESSIG (Code and other laws of cyberspace), o autor do presente artigo ressalta que: "Até o início da década de 90, pode-se dizer que aconteceu com a Internet um fenômeno semelhante ao vivenciado nos países do leste europeu que deixaram a antiga União Soviética. Em um primeiro momento, em razão da experiência traumática anterior, no tocante ao intervencionismo exacerbado do Estado, tais nações divisavam em qualquer tentativa de regulação estatal, mesmo quanto à tentativa de constitucionalização de direitos e garantias fundamentais, uma espúria interferência no domínio das relações interindividuais, preferindo, assim, um estado de anomia quase que absoluta, o que se mostrou sobremodo deletério, conforme se viu com a ascensão de organizações criminosas que se alastraram no vazio de poder então existente. O mesmo cenário formou-se em torno das tentativas de regulamentação da rede mundial de computadores antes de 1990 [...]. De fato, a web, desde o seu início, sempre foi vista como uma espécie de “terra sem-lei”, em que as liberdades individuais deveriam prevalecer em detrimento de qualquer tentativa de controle externo. As inúmeras anomalias que brotaram nesse contexto anárquico, entre as quais se poderia destacar toda sorte de crimes praticados sob o manto do anonimato, compeliram o Estado a engendrar mecanismos regulatórios do espaço cibernético para impor alguma ordem ao caos que ameaçava instalar-se". PAULA, Gáudio Ribeiro de. Uma introdução ao “Direito de Informática”, p. 2. 111 "Contratos inteligentes são escritos como código de programação que pode ser executados em um computador, em vez de um documento impresso com uma linguagem legal. Este código pode definir regras estritas e consequências da mesma forma que um documento legal tradicional, estabelecendo as obrigações, benefícios e penalidades que podem ser devidas a qualquer das partes em várias circunstâncias diferentes. Mas, ao contrário de um contrato tradicional, ele também pode tomar informações como uma produção de outros bens, processar essa informação através das regras estabelecidas no contrato e tomar quaisquer medidas necessárias dele como resultado". Extraído de https://guiadobitcoin.com.br/um-guia-para-iniciantes-sobre-smart-contracts/. Acesso em 13/05/18. 112A prevenção de violações a direitos autorais ou a propriedade intelectual representaria uma das tantas aplicações dos "smart contracts" no que se convencionou denominar "Digital Rights Management" (gestão ou gerenciamento de direitos digitais) ou "DRM". A partir dessa modalidade contratual não seria processados determinados comandos para impedir a cópia ou trasnferência de arquivos digitais de música ou vídeo protegidos por direitos autorais. Extraído de https://guiadobitcoin.com.br/um-guia-para-iniciantes-sobre-smart-contracts/. Acesso em 13/05/18. 113 PORTUGAL, Decreto-Lei 7/2004 (em atenção à Diretiva 2000/31) - Art.º 33.º Contratação sem intervenção humana 1. À contratação celebrada exclusivamente por meio de computadores, sem intervenção humana, é aplicável o regime comum, salvo quando este pressupuser uma actuação. 2. São aplicáveis as disposições sobre erro: a) Na

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Contudo, "como aplicar o Direito Contratual a negócios firmados por agentes

autônomos sem atribuir-lhes intencionalidade?", indagam alguns doutrinadores. E prosseguem:

"Devemos entender que agentes autônomos têm intenções? Ou devemos reconstruir o Direito

Civil sem o conceito de intencionalidade?"114. Essas seriam algumas das questões que

evidenciam a precariedade da resposta normativa estatal.

De outro lado, um dos mais ilustrativos exemplos da tentativa de subjugar juridicamente

as inovações tecnológicas foi o que ocorreu com o chamado "crowdworking"115, de que se pode

ter como mais célebre precursor o aplicativo "Uber". Em lugar de fomentar a criação de

ferramentas semelhantes, diversos países se apressaram em tentar regular116 de forma em geral

restritiva essa e outras soluções de mesmo perfil, particularmente por razões tributárias e fiscais,

assim como para conter algumas preocupações laborais (tanto em Portugal117, como no

Brasil118).

formação da vontade, se houver erro de programação; b) Na declaração, se houver defeito de funcionamento da máquina; c) Na transmissão, se a mensagem chegar deformada ao seu destino. 3. A outra parte não pode opor-se à impugnação por erro sempre que lhe fosse exigível que dele se apercebesse, nomeadamente pelo uso de dispositivos de detecção de erros de introdução. 114 Entre outros: VIEIRA, Miguel Marques. A autonomia privada na contratação electrônica sem intervenção humana; e MARANHÃO, Juliano. A pesquisa em inteligência artificial e Direito no Brasil. NATALINO IRTI, citado pelo primeiro, chega a afirmar que tais contratos eletronicos prescindiriam de qualquer manifestação de vontade, pois seriam travados "sem diálogo" ou "em silêncio". Apud VIEIRA, Miguel Marques. Op. cit., p. 188. 115 Nessa modalidade de relação de trabalho há uma massa indistinta de trabalhadores a oferecer seus serviços a uma massa indistinta de usuários. Adrián Todolí Signes assim define o fenômeno "o chamado Crowdsourcing (também chamado de Crowdwork) consiste em tomar uma prestação de um serviço, tradicionalmente realizada por um trabalhador, e descentralizá-lo indefinidamente e, normalmente, en- volvendo grande número de pessoas em forma de cha- mada ou convocatória". In Tecnologias Disruptivas e a Exploração do Trabalho Humano. Coordenadores: Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues e José Eduardo de Resende Chaves Júnior. ISBN: ISBN 978-85-361-9257-4. São Paulo: LTr, 2017. 116 De acordo com o noticiado em 29/03/18, o Presidente da República portuguesa encaminhou mensagem à Assembleia da República, "indicando que decidiu devolver, sem promulgação, o decreto n.º 201/XIII, relativo ao regime jurídico de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica" (notícia extraída de https://www.dn.pt/portugal/interior/marcelo-lei-que-regulamenta-plataformas-como-a-uber-9293789.html - Acesso em 14/05/18). Já a Câmara dos Deputados brasileira aprovou o Projeto de Lei 5.587/16 para regulamentar o tema, cujo inteiro teor encontra-se disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2088280 (Acesso em 14/05/18). O projeto seguiu para análise do Senado Federal. 117 No caso de Portugal, houve decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2017 a declarar ilegal a atividade desenvolvida pela Uber. 118 No Brasil, a jurisprudência predominante aponta para a inexistência de relação de emprego entre o motorista e a empresa Uber. É o caso do Processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112, cuja sentença encontra-se disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/2/art20170214-02.pdf na qual se reconheceu o vínculo empregatício mas que foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, cujo acórdão pode ser encontrado em https://www.jota.info/wp-content/uploads/2017/05/Aco%CC%81rda%CC%83o-RO-Uber-x-Rodrigo-Leonardo-Silva-Ferreira-proc.-0011359-34.2016.5.03.0112-2.pdf (Acesso em 14/05/18).

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Note-se que o Tribunal de Justiça da União Europeia, em 20 de dezembro de 2017, que a

empresa Uber prestaria serviço de transporte e não de tecnologia da informação, por não se

limitar à mera intermediação entre usuário e motorista por meio de aplicativo, de modo a exigir

regulamentação própria por parte dos Estados Membros119.

Com isso, longe de estimular o desenvolvimento de tecnologias com alto impacto social

positivo, o Estado pode provocar o engessamento no processo criativo das "startups" que

cogitavam criar outras aplicações com plataformas análogas.

CONCLUSÃO

O Direito, enquanto expressão heteronoma estatal, constitui uma força intrinsecamente

conservadora. Não cria, portanto, novas realidades. Cinge-se a regular os fenômenos sociais

com o objetivo de preservar determinado conjunto de valores que a comunidade jurídica elegeu

como essenciais.

Por outro lado, o progresso em suas diversas perspectivas (economica, social, científica,

entre outras) é filho da liberdade e da autonomia conferida aos indivíduos para desenvolverem

sua personalidade em todas as suas amplitudes.

Por conseguinte, a tentativa de garantir a ubiquidade jurídica do Estado por meio de

normatização excessiva ou de dirigismo contratual jurisdicional pode conduzir a uma espécie de

atrofia na capacidade de os particulares alinharem seus próprios interesses na direção do

desenvolvimento de suas potencialidades individuais e coletivas.

Nesse contexto, a excepcional intervenção estatal deveria observância ao princípio da

subsidiariedade, de modo a impedir sua atuação sempre que os particulares possam conciliar

seus interesses, autonomamente, sem disfunções significativas a reverberarem como

perturbações sistêmicas.

119 Eis a ementa do acórdão: «Reenvio prejudicial — Artigo 56.o TFUE — Artigo 58.o, n.o 1, TFUE — Serviços no domínio dos transportes — Diretiva 2006/123/CE — Serviços no mercado interno — Diretiva 2000/31/CE — Diretiva 98/34/CE — Serviços da sociedade da informação — Serviço de intermediação que permite, através de uma aplicação para telefones inteligentes, estabelecer a ligação, mediante remuneração, entre motoristas não profissionais que utilizam o seu próprio veículo e pessoas que pretendam efetuar deslocações urbanas — Exigência de uma autorização». Disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=198047&mode=req&pageIndex=1&dir=&occ=first&part=1&text=&doclang=PT&cid=415018. Acesso em 14/05/18.

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A ampliação do espaço destinado à autonomia privada poderia, pois, ensejar a

construção (ou alargamento) de espaço fértil criatividade jurídica, de onde poderia brotar a

formulação de novas soluções jurídicas para os novos desafios que exsurgem em momentos de

crise e sobretudo da disrupção tecnológica experimentada nas duas últimas décadas.

O resgate do papel da vontade na nomogênese jurídica120 pode contribuir para resguardar

a integridade sistêmica do Direito Privado, restituindo-lhe a sua coluna mestra, de modo a

conciliar liberdade e igualdade, pedras fundamentais do Estado Democrático de Direito.

120 No sentido atribuído, entre outros, por FRANCISCO DOS SANTOS AMARAL. AMARAL, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica, p. 10-13.

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FONTES

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32

ANEXO

QUADRO COMPARATIVO - RESTRIÇÕES À LIBERDADE CONTRATUAL NO

DIREITO COMPARADO

País Principais Restrições Sede Normativa

Alemanha Bons costumes, vantagem

indevida, ordem pública e boa-

fé.

Seções 134.º, 138.º e 275.º do

Código Civil.

Argentina Ordem pública e bons costumes. Art.º 21.º do Código Civil.

Bolivia Ordem pública, bons costumes

ou descumprimento de lei

imperativa.

Art.º 489.º do Código Civil.

Brasil Ordem pública, função social,

boa-fé, estado de perigo e lesão.

Art.º 71.º, 187.º e 2035.º do

Código Civil.

Canada Bons costumes, ordem pública e

leis imperativas.

Art.º 8.º do Código Civil.

China Interesses estatais, públicos ou

coletivos.

Art.º 58.º da Lei de Contratos.

Coréia do Sul Bons costumes e ordem social. Art.º 103.º do Código Civil.

Costa Rica Interesse público, prejuizo de

terceiros e bons costumes.

Arts.º 18.º e 805.º do Código

Civil.

El Salvador Bons costumes e ordem pública,

direito público

Art.º 1332.º e 1333.º do Código

Civil.

Emirados Arabes Shari’a Islâmico, ordem pública

e bons costumes.

Art.º 27.º do Código Civil.

Espanha Moral, bons costumes e ordem

pública.

Arts.º 12.º, 1275.º e 1328.º do

Código Civil.

França Política pública, moral, boa-fé, Arts.º 6.º e 1134.º do Código

Civil.

Honduras Bons costumes e ordem pública. Art.º 1564.º do Código Civil.

Itália Ordem pública e bons costumes. Art.º 31.º do Código Civil.

Japão Política pública. Art.º 90.º do Código Civil.

México Interesse público, ordem pública

e bons constumes.

Art.º 6, 1830.º e 1831.º do

Código Civil.

Polonia Boa-fé, princípios de

comunidade e bons costumes.

Arts.º 7 e 58.º do Código Civil.

33

Portugal Ordem pública, bons costumes e

boa fé.

Art.º 280.º do Código Civil.

Tailandia Ordem pública e bons costumes. Seção 150 do Código Civil.

Uruguai Ordem pública e bons costumes. Art.º 11.º do Código Civil.